3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão Externa destinada a acompanhar e promover estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros
(Audiência Pública Extraordinária (virtual))
Em 10 de Junho de 2021 (Quinta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Boa tarde a todos, boa tarde a todas.
Estamos chegando a quase 500 mil pessoas que faleceram por COVID-19 no País. Nossos sentimentos a todas as famílias e desejamos o pronto restabelecimento àqueles que se encontram hospitalizados ou acometidos com a COVID-19. É preciso darmos continuidade às nossas atividades fazendo o trabalho parlamentar, no sentido maior desta Comissão Externa, que é salvar o meio ambiente.
Portanto, declaro aberta a 11ª Reunião Extraordinária Virtual da Comissão Externa, destinada a acompanhar e a promover estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros.
A nossa reunião está sendo transmitida na página da Comissão, pelo Youtube, e o público pode participar fazendo perguntas por meio do e-Democracia. Ao final aproveitamos as perguntas e as direcionamos para os nossos convidados.
Encontra-se à disposição na página da Comissão, a ata da 10ª Reunião realizada no dia 31 de maio de 2021. Fica dispensada a sua leitura nos termos do parágrafo único do artigo 5º do Ato da Mesa nº 123, de 2020.
Não havendo quem queira ratificá-la, coloco a ata em votação.
Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
A Ordem do Dia de hoje prevê a realização de audiência pública por videoconferência e tem como objetivo o debate sobre o diagnóstico dos incêndios florestais no Bioma do Pampa: características, consequências, peculiaridades e propostas para enfrentamento, objeto do Requerimento nº 1, de 2021, de minha autoria e do Deputado Professor Israel Batista.
Certificamos aos nossos convidados acerca da natureza pública do evento que estamos realizando por esta Casa Legislativa da qual tomam parte. As suas participações no referido evento serão registradas por meio de fotografias, gravações de voz, imagens de vídeo, transcrição das falas em texto escrito, com a possibilidade de transmissão de vídeo, ao vivo, pela Internet e pelos demais meios de comunicação da Casa e com armazenamento das imagens, dos sons e das transcrições das falas em texto para posterior transmissão ou acesso, no todo ou em parte, pelos meios de comunicação.
Estão conosco, a quem eu já diretamente agradeço a presença, o Sr. Diego Melo Pereira, Diretor do Departamento de Biodiversidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul — SEMA-RS; a Profa. Dra. Luciana Regina Podgaiski, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; o Sr. Christian Borges Andretti, Diretor do Laboratório de Ornitologia do Instituto Pró-Pampa e o Professor Dr. Valério Pillar, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, representando aqui a Rede Campos Sulinos. Foi também convidado o Chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais — Prevfogo, do IBAMA, Sr. Ricardo Vianna Barreto, que não respondeu ao convite.
Novamente, reforçamos aqui que, nas audiências anteriores, também convidamos o IBAMA, a Prevfogo, do IBAMA, e eles estão, na sequência, não comparecendo e é um órgão de suma importância para a temática de que trata esta Comissão.
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Antes de passar a palavra aos nossos convidados para suas apresentações, peço a atenção dos Srs. Deputados para reforçarmos os procedimentos a serem observados. O tempo concedido aos convidados será de até 15 minutos para cada um para sua exposição. Deputados interessados poderão usar o aplicativo para inscrição e terão 3 minutos para fazer a sua fala.
Feitos esses esclarecimentos, passo a palavra inicialmente ao Dr. Valério Pillar, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, representando a Rede de Campos Sulinos. Desde já, agradeço a V.Sa. a disposição de estar aqui, trazendo a todos os nossos convidados e àqueles que participam e acompanham esta audiência, as suas informações.
Com a palavra o Dr. Valério.
O SR. VALÉRIO PILLAR - Boa tarde, Deputada Professora Rosa Neide. Eu agradeço o convite para falar sobre o Bioma Pampa e contribuir para a discussão desse tema, nesta Comissão.
Eu preparei uma breve apresentação para apoiar o que eu pretendo falar. De certa maneira, vou buscar introduzir o tema, falar sobre o Bioma Pampa, sobre a sua história ambiental, sobre o uso pastoril, sobre o uso do fogo e sobre as ameaças da biodiversidade, para contextualizar o problema.
(Segue-se exibição de imagens.)
O Bioma Pampa é um bioma que se restringe ao sul e ao oeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ele tem características semelhantes à vegetação que predomina mais ao sul, no Uruguai e na Argentina.
Então, é um bioma diferente dos demais, mas ele tem semelhanças com outros biomas não florestais no Brasil, sobretudo com o Cerrado e com o Pantanal. Aqui há algumas imagens:
Esses são campos de solos rasos na região da Campanha, em Quaraí. Esses são Campos da Campanha na região de Aceguá. Praticamente todas as áreas do campo são utilizadas em parte para o uso pastoril, produção pecuária. Aqui são campos na região dos areais, solos arenosos, campos de areia, em São Francisco de Assis. Vemos aqui campos da depressão central, no Município de São Vicente do Sul.
Há várias fisionomias, mas todos são campos, são vegetação nativa. Eu vou mostrar que constituem vegetação nativa que precede inclusive as florestas nessa região.
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Aqui temos campos na região das Missões, alguns poucos remanescentes em face da conversão para a agricultura.
Na região da Serras do Sudeste há outro tipo de fisionomia, o relevo é mais acidentado.
E o que temos aqui? Temos a história, como se fosse um livro aberto, desse sítio em São Francisco de Assis, de cerca de 23 mil anos antes do presente, que é a escala horizontal: anos calibrados antes do presente.
Na escala vertical temos partículas de carvão por centímetro cúbico, que é a linha em preto, um indicativo da ocorrência de queimadas nesses ecossistemas, nesse sítio, nesse período de 23 mil anos antes do presente.
A linha na cor laranja mostra a abundância de grãos de pólen das gramíneas, que são as espécies que predominam nos campos até hoje nesse sítio em São Francisco de Assis.
O que se observa é uma predominância de campos há 23 mil anos, a ocorrência de queimadas há aproximadamente 13 mil anos antes do presente, provavelmente em função da presença humana já nessa região, grupos humanos ocupavam esse território nesse período.
A linha em verde é um indicativo da vegetação arbórea que caracteriza as matas ciliares e que aumentou apenas nos últimos poucos milhares de anos, há cerca de 5 mil anos antes do presente. É só para dar ideia de que são ecossistemas nativos os campos e que as florestas expandiram posteriormente.
Como já falei, houve a expansão da mata de galeria posteriormente e eram ambientes utilizados por espécies de grandes animais pastadores, espécies que hoje estão extintas, exceto o cavalo, que também é o mesmo gênero do cavalo doméstico, que é o Equus da família Equidae. Todos esses animais extinguiram-se até 10 mil anos antes do presente. Eram ambientes campestres, com espécies que ocorrem até hoje e que eram utilizados por grandes pastadores. Um exemplo é essa espécie de Equus, parente do cavalo, se não for a mesma espécie do cavalo, que foi domesticado depois na Eurásia.
As manchas em verde mostram a região em potencial dessa espécie na América do Sul. Aqui temos a região do Pampa, depois Uruguai e Argentina. Essa é uma espécie que ocorreu em outras regiões o que hoje é o Brasil.
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Nós tivemos, em face da extinção desses grandes pastadores, uma janela de tempo de cerca de 10 mil anos sem grandes pastadores, até que o gado e os cavalos tivessem sido introduzidos pelos jesuítas, em 1630, aproximadamente. Mas o que se pode concluir é que essa vegetação que caracteriza os campos hoje coevoluiu com esses grandes pastadores por cerca de 18 milhões de anos. Então, essa janela de tempo de 10 mil anos sem grandes pastadores, do ponto de vista evolutivo, da evolução das espécies de plantas, é quase nada. Ou seja, as espécies que ocorrem hoje nos campos estão adaptadas ao pastejo.
E aí entram as queimadas. Ou seja, após a extinção dos grandes pastadores — e houve uma mudança climática, para um clima mais quente, com mais chuva, porém sazonal —, pelo menos até 5 mil anos antes do presente, as queimadas cumpriram um importante papel na manutenção dessas paisagens abertas. Então, podemos dizer que o fogo nesse período constitui um grande herbívoro, que manteve esses campos, apesar de o clima ter mudado nesse período, em direção a um clima mais favorável à expansão das florestas, o que efetivamente aconteceu nessa região. Em boa parte da região, nós temos florestas, nas matas ciliares, e, mais ao norte, já na região da Mata Atlântica, existem campos ainda, nessa região mais alta da Mata Atlântica, e o fogo impediu que as florestas expandissem nessa região.
Então, nós temos também dados, não uma série tão longa, mas desde o ano 700 da nossa era, nós temos dados de Morro Santana, aqui no Município de Porto Alegre, mostrando essa mesma tendência, a manutenção dos campos e a expansão da floresta — essa linha verde aqui mostra árvores e arbustos, ou seja, é um indicativo da expansão da floresta —, e partículas carbonizadas, grande quantidade no passado, bem mais do que no presente.
O fogo, historicamente, foi provavelmente um importante fator na manutenção dessas paisagens abertas, após a extinção de grandes animais pastadores. Eu digo isso para contextualizar o problema da discussão das queimadas nesses ecossistemas.
Então, o que sabemos a respeito do fogo nos campos? As queimadas são mais frequentes, mais intensas e mais extensas quando o uso pastoril é excluído, ou seja, em unidades de conservação, em bordas de lavouras e silvicultura, em faixas de domínio em rodovias. Áreas de campo nativo usadas para a produção pecuária, mantendo a vegetação nativa, raramente são queimadas, em função do manejo, em função da redução da biomassa inflamável. Esses campos raramente têm biomassa suficiente para manter uma queimada de grande extensão.
Sabe-se que a vegetação nativa campestre regenera rapidamente após uma queimada.
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Sabe-se que as florestas nativas no Bioma Pampa — sim, há florestas no Bioma Pampa, as matas ciliares, os capões, algumas manchas maiores, outras menores — são sensíveis ao fogo, sim, mas raramente queimam, porque não constituem uma vegetação inflamável. Não é como uma vegetação do Cerrado ou uma vegetação das regiões que têm uma estação de seca marcada na Amazônia, em que as florestas, sim, podem queimar. Mas no Bioma Pampa raramente isso acontece.
Então, quando falamos em incêndios florestais no Bioma Pampa, eu diria que eles não ocorrem em florestas nativas. Poderíamos dizer, então, que seriam incêndios de áreas de campo que foram convertidas em plantações de árvores, áreas de silvicultura. Ou seja, nesse sentido, daria para falar em incêndios florestais, incêndios de áreas de cultivo, de plantações de árvore. Mas os incêndios que acontecem no Bioma Pampa em vegetação nativa não afetam as florestas, é importante deixar isso claro.
Quais são as principais ameaças à biodiversidade do Bioma Pampa? Não são as queimadas, não são as queimadas. A principal ameaça é a conversão dos campos nativos em lavouras e silvicultura.
O que temos de dados do MapBiomas? Nos últimos 34 anos, mais de 2 milhões de hectares de campos foram convertidos em lavouras, em pastagens cultivadas e em silvicultura.
São 125 mil hectares por ano, nos últimos 6 anos. Se isso fosse floresta, eu tenho certeza de que teríamos uma comoção pública, protestos, as autoridades estariam tomando providências para conter essa perda, 125 mil hectares por ano, nos últimos 6 anos, de perda de vegetação nativa, nativa mesmo, como eu comprovei naqueles dados de pólen do passado.
Nesse ritmo, até 2050 restarão menos de 13% do bioma cobertos por campos nativos. Em alguns Municípios, hoje já restam menos de 6%.
Em cima dessa grande ameaça, que é a conversão em lavouras e silvicultura, praticamente não há reservas legais declaradas no CAR em campos nativos do Bioma Pampa. São raras as áreas declaradas pelos proprietários. Por quê? Porque os remanescentes de vegetação nativa campestre, os campos nativos utilizados na atividade pastoril de produção pecuária estão sendo equivocadamente declarados no CAR como áreas de uso consolidado.
Há um artigo na lei estadual, no Código Estadual do Meio Ambiente, que permite aos proprietários declarar campos nativos de uso pastoril como sendo área de uso consolidado, e, em decorrência de uma interpretação da lei, os proprietários acham, então, que não é necessário declarar a reserva legal, porque eles não teriam mais vegetação nativa remanescente para declarar a reserva legal. É claro que eles deveriam compensar, mas os cadastros não têm sido analisados.
Portanto, tem assim havido ação sistemática de descumprimento da exigência de reserva legal por um segmento dos proprietários rurais, sendo necessário esclarecer, exigir o seu cumprimento e a devida atualização no âmbito do Cadastro Ambiental Rural — CAR.
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Mostro algumas fotos desse processo de conversão.
Aqui nós temos uma lavoura de soja, nós temos um cemitério centenário ao fundo. Aqui pelo menos parece que foi respeitado, mas em torno dele há uma lavoura cultivada.
Aqui na região do Planalto Médio vemos lavouras após a colheita. A silvicultura avançou bastante na década passada, na primeira década deste século. Depois, diminuiu um pouco, mas agora parece que está com tendência de aumentar novamente. E o que vemos também é um equívoco nessa visão de que os campos seriam uma área degradada. Os campos nativos não são ou constituem ecossistemas degradados. Eles são vegetação nativa. Então, essa placa contém dois equívocos. Primeiro, os campos são vegetação nativa e devem ser conservados como tal, como campos, com uso pastoril sobre eles, e não com o plantio de árvores. E, muito pior, com o cultivo de árvores exóticas, como essa imagem aqui mostra.
Então, eu agradeço a oportunidade e fico à disposição para perguntas.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Dr. Valério. Agradeço a sua participação e a excelente aula. Até escrevi aqui no nosso grupo que o senhor deu uma brilhante aula a todos nós que estamos acompanhando a reunião. As perguntas faremos em bloco ao final da apresentação.
Agradeço também ao Deputado Rodrigo Agostinho a presença. Até ano passado ele era o Presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, que é uma pessoa muito dedicada à questão ambiental no País, acompanha todos os biomas, acompanhou desde o início esta Comissão, que tratou das queimadas do Pantanal, e é uma pessoa que auxilia grandemente a nossa Comissão.
Na sequência, convidamos a Dra. Luciana fazer a sua exposição, pelo tempo de até 15 minutos.
Com a palavra a Dra. Luciana.
A SRA. LUCIANA REGINA PODGAISKI - Obrigada. Eu vou compartilhar a minha tela.
(Segue-se exibição de imagens.)
Primeiramente, agradeço o convite. Esta é a primeira vez que eu participo de uma audiência pública. Fiquei sem saber exatamente como abordar a temática das nossas pesquisas aqui no Rio Grande do Sul. Então, procurei fazer isso de forma bem didática, mas vocês depois podem me questionar e tirar dúvidas no final.
Eu vou me apresentar. Eu sou bióloga, sou doutora em ecologia e atualmente eu sou pesquisadora de pós-doutorado na UFRGS. Desde o meu doutorado, eu venho trabalhando nos campos sulinos, nos ecossistemas campestres, e investigando os efeitos do manejo no campo nos padrões de biodiversidade.
Quando eu falo em manejo nos ecossistemas campestres não florestais, eu estou me referindo a pastejo, como o Prof. Valério falou, e ao fogo. Em especial, a minha linha de pesquisa enfoca insetos, invertebrados, como podemos ver aqui na imagem. Temos os polinizadores, vespas, abelhas, que promovem serviços ambientais muito importantes. Trabalho muito com formigas, que são insetos associados ao solo e que também desenvolvem vários serviços ecológicos essenciais desconhecidos. As aranhas, os aracnídeos, que são predadores que controlam pragas no ambiente agrícola, nos ambientes naturais também. Enfim, venho trazer para esta reunião algumas contribuições dessa minha linha de pesquisa com manejo e respostas da biodiversidade, em especial dos invertebrados, dos insetos aracnídeos.
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O Valério já apresentou algumas imagens do Pampa. Eu vou trazer mais algumas para complementar a minha apresentação.
Esta imagem é da região de Alegrete. Os senhores podem ver que o elemento florestal é inexistente ou raro. Então, os campos nativos com alta biodiversidade predominam nessa região. Aqui vemos os campos litorâneos com baixa ou quase inexistente presença de elementos florestais. Temos também as regiões com o chamado mosaico campo-floresta. De fato, temos esse elemento florestal nos cursos de rios, em capões, que são áreas isoladas e podem se expandir ou não no campo. Esta é a imagem de um morro de Porto Alegre, o Morro Santana, citado inclusive pelo Valério, que também é um ecossistema em mosaico. Temos florestas nativas entremeadas com manchas campestres, com ecossistemas campestres nativos.
Eu vou novamente ressaltar a importância da atividade pecuária na conservação dos campos no Rio Grande do Sul. Essa é uma informação que, às vezes, as pessoas não veem de forma boa, porque há uma contradição quando tratamos de outros ecossistemas do Brasil, como a Mata Atlântica e a Amazônia. Quando falamos da pecuária, sempre vemos que esse é um grande vilão. Mas, nos campos sulinos, é ao contrário. Aqui, a pecuária é aliada da conservação da biodiversidade, porque com ela temos uma atividade econômica em um ecossistema nativo bastante diverso. Então, podemos obter lucro e conservar a biodiversidade. Esse é um bom exemplo de desenvolvimento sustentável.
O fogo pode ser um aliado no manejo pastoril, apesar de ele ser raro, porque os grandes pastadores estão removendo a biomassa — nesse caso, o fogo não vai ter matéria para queimar. Mas, nos casos em que temos baixa intensidade de pastejo, o fogo é, sim, usado pelos pecuaristas para renovar a pastagem.
Vemos agora a imagem de uma queimada. É uma queimada de baixa intensidade, geralmente em manchas, em que o fogo não se alastra muito. Ele percorre áreas pequenas e vai consumindo a biomassa seca do campo. Isso geralmente ocorre depois de um inverno mais rigoroso na região dos campos de altitude. Então, esse é um exemplo em que os pecuaristas usam o fogo como ferramenta, mas não é muito frequente no Pampa.
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A área campestre verdinha que os senhores estão vendo foi onde queimou. A pastagem, com todo o conjunto de plantas nativas, queimou, rebrotou e está verdinha, disponível para o pastejo, enquanto no meio vemos um campo de outra cor, onde o fogo simplesmente não avançou por ser uma região mais úmida. Essa área continuou com uma biomassa seca — dá para ver a cor meio amarelada — e não é interessante para os pastadores. Esse é o tipo de ferramenta para renovar a pastagem.
Outra questão são as áreas onde não há pastejo e uso do fogo, como, por exemplo, as unidades de conservação. Um padrão muito forte que nós temos detectado nessas áreas é a perda da biodiversidade de espécies campestres. De novo, é mais uma contradição. Nós estamos perdendo biodiversidade dentro de unidades de conservação quando se exclui manejo, pastejo de fogo? Isso é verdade. Além disso, com a exclusão do pastejo e do fogo, nós aumentamos as chances de incêndios catastróficos. Esses, sim, são descontrolados e acidentais. Eles podem avançar sobre as florestas e ter maior intensidade de fogo, por exemplo.
Em vez de eu trazer gráficos, informações de artigos científicos, para ser mais ilustrativo, eu preferi trazer exemplos de uma pesquisa que nós realizamos em um parque ao lado de uma universidade de Porto Alegre. É um parque natural que conserva tanto ecossistemas campestres quanto manchas florestais, como os senhores podem ver na imagem. É um local que fica ao lado da área urbana. Portanto, há casas e comércios ao redor e não temos pastejo nesse sistema. Devido a isso, há alta frequência de incêndios acidentais ou propositais. Por exemplo, a população faz trabalhos religiosos na área, com velas, quando o fogo escapa e queima as manchas campestres, ou as pessoas passam pelo parque e soltam um cigarro acesso no chão, provocando um incêndio. Mas é bem interessante comentar que raramente o fogo adentra a floresta, porque existe alta frequência de incêndios.
Vemos aqui a imagem de um campo queimado. Ao fundo, verificamos que a floresta não foi atingida pelo fogo. Na frente, há um campo que foi queimado há mais ou menos 3 meses. Ele já rebrotou e floresceu. Esta é uma característica interessante: as queimadas estimulam a floração. Podemos imaginar que, associada a essa floração, há um conjunto de recursos disponíveis para a fauna. Então, isso é superatrativo para a fauna.
Esta outra imagem mostra o que acontece ao longo do tempo. Vemos um campo com 1 ano de sua queima e, na parte de baixo, com mais de 2 anos. É um campo muito alto e a biomassa é bem inflamável. Quanto mais essa vegetação é acumulada, mais fácil ela se queima e provoca um incêndio catastrófico. Então, é bem importante controlar esse acúmulo de biomassa.
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Nesse estudo, nós avaliamos as respostas das plantas e dos polinizadores após o fogo. Os polinizadores são insetos que prestam grandes serviços ambientais. Temos aqui algumas imagens deles, como borboletas, vespas, besouros, moscas e abelhas.
O que se pode ter como conclusão desse trabalho? Neste caso, com a supressão de manejo ou supressão de fogo, por mais de 2 anos, temos tido grande declínio de plantas com flores, grande declínio do número de insetos polinizadores e grande declínio de espécies de insetos. Há hoje em dia uma crise mundial de perda de polinizadores. É uma novidade muito bacana saber que, com o uso do fogo, podemos conservar os polinizadores, nossos aliados na produção agrícola. Além disso, manchas com tempos diferentes após o fogo conservam espécies diferentes. Nós temos espécies associadas a um campo mais alto e espécies associadas a um campo mais baixo. Esse mosaico de tempos diferentes da queima conserva espécies diferentes, ou seja, conserva mais espécies do que um campo homogêneo, por exemplo, sem distúrbio.
Esta imagem é de outro morro de Porto Alegre — uma imagem belíssima. A fotografia foi tirada mais ou menos 2 meses após o fogo. Ao fundo, vemos a floresta, que, só para exemplificar, não foi atingida, talvez só nas bordas. Como a floresta é um ambiente úmido, se o fogo for de baixa intensidade, ele para naturalmente, não avança na floresta.
Resumindo, ao contrário das florestas, os campos são, sim, evolutivamente adaptados ao fogo. As nossas plantas campestres são resilientes, elas rebrotam rapidamente. Além de se recuperam, as comunidades aumentam sua diversidade com o fogo, tudo isso em áreas sem pastejo. Nas áreas queimadas, os organismos do solo são pouco afetados, ao contrário daqueles que acreditam que o fogo vá queimar esses organismos do solo e prejudicar o processo ecossistêmico. Nós não temos detectado isso nas nossas pesquisas. O efeito do fogo é superficial na primeira camada do solo. Os organismos abaixo de 1 centímetro ou 2 centímetros já não são afetados e são super-resilientes. Em alguns meses, essas comunidades já se reproduzem e colonizam a área, que é pouco afetada. Os insetos da vegetação são atraídos para manchas queimadas porque elas oferecem muitos recursos para polinizadores, herbívoros. E os predadores que fazem controle biológico também são estimulados. Então, há ali toda uma cadeia que é beneficiada, digamos, com essa renovação do campo. É um processo natural a que os nossos ecossistemas estão adaptados.
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Para finalizar, eu gostaria de ressaltar que essas são queimadas controladas. Eu não estou mencionando queimadas de outro tipo. As queimadas controladas, com manchas e áreas definidas, feitas com planejamento e por equipes capacitadas, na época adequada, são, sim, muito interessantes para a conservação dos campos sulinos. Além de reduzir o risco de queimadas catastróficas, elas também podem ser usadas aliadas à atividade pecuária em casos específicos.
Gostaria de salientar que nós ainda estamos no início das pesquisas. Há muita coisa para nós estudarmos e entendermos, como, por exemplo, qual é a área mais apropriada da mancha, com que frequência nós podemos queimar o campo sem prejudicá-lo, qual é a melhor época do ano, enfim, há uma série de perguntas que nós estamos buscando responder com as nossas pesquisas. Mas o que nós já sabemos, sem dúvida, é que a supressão de manejo, ou seja, tirar fogo, tirar pastejo, não é a melhor alternativa para conservar a biodiversidade nos campos sulinos, no Pampa. Queimadas em florestas são extremamente prejudiciais. Nós não defendemos isso de maneira nenhuma. Florestas nativas são ecossistemas que não são adaptados, não são resilientes. Essas queimadas vão ocasionar, sim, grande perda de biodiversidade e a restauração pode demorar décadas, muito tempo.
Era isso o que eu queria apresentar aos senhores.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Dra. Luciana. Parabéns pelo seu trabalho, pelas suas pesquisas. É importante ver uma doutora muito jovem, debruçada sobre as questões ambientais.
Ao ouvir a sua fala, como a do Dr. Valério, anteriormente, passa um filme na cabeça, olhando o País como um todo, a nossa diversidade inteira. Ao falar do Bioma Pampa, nós vemos alguma similaridade com algumas questões do Pantanal, quando nos lembramos da biomassa, do acúmulo, da retirada dos animais nativos. Eles saíram do local, o rebanho diminuiu e a biomassa aumentou.
Uma das questões explicadas foi a do grande incêndio do ano passado, e nós nos preocupamos com o incêndio deste ano. Aí nós vemos a diferença no Cerrado, na floresta, na Mata Atlântica. Então, nós vamos compondo um cenário do Brasil que precisa de muito cuidado e de uma legislação bem diversa, que possa atender às diversas regiões — em algumas questões, elas são similares, mas, em outras tantas, são muito diferentes e precisam ser observadas com muito cuidado.
Quero saber se o Sr. Christian conseguiu se conectar. Acho que ainda não.
A SRA. LUCIANA REGINA PODGAISKI - Não, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Então, vamos ouvir, por até 15 minutos, o Sr. Diego, que vai agora fazer a sua fala. Se, posteriormente, o Sr. Christian estiver presente, nós passaremos a palavra a ele.
O Sr. Diego Pereira é Diretor do Departamento de Biodiversidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul, a quem agradeço profundamente por ter atendido o nosso convite e estar nesta audiência pública.
Está com a palavra o Sr. Diego.
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O SR. DIEGO MELO PEREIRA - Quero cumprimentar o Prof. Valério Pillar. É uma honra estar ao seu lado, novamente, neste fórum, neste importante evento. Quero cumprimentar ainda a Luciana, a Deputada Professora Rosa Neide e o Deputado Rodrigo Agostinho, grande defensor das causas ambientais. Estamos acompanhando o seu trabalho, Deputado. É muito importante a representatividade nessa linha de atuação, que é bastante complexa, já que eu falo de um órgão executivo, e talvez seja mais importante a compreensão de quem está na ponta de implementação das leis.
Nós não criamos as regras, é importante que se diga. Nós aqui trabalhamos com as regras que nos são impostas. Nós temos interesses de conservação e de preservação que eventualmente transcendem a nossa capacidade de execução, a partir das fragilidades de legislação ou ainda da inexistência de legislações específicas relacionadas a determinadas temáticas.
O Bioma Pampa não é muito diferente. Ele tem uma legislação bastante incipiente e dispõe de um caráter protetivo constitucional no Estado do Rio Grande do Sul. Mas a legislação federal foi muito voltada, nos últimos anos, para a proteção das florestas. E as áreas de campo ainda carecem de maior detalhamento, de melhor compreensão dos aspectos de conservação.
Aqui foi ratificada, tanto pela Luciana quanto pelo Prof. Valério, a importância de uma atividade que é econômica, que é importante para nós, mas ainda há uma interpretação diversa sobre os aspectos de enxergar esses remanescentes de vegetação nativas naturais pela presença de uma atividade antrópica.
No Bioma Pampa, nós temos uma questão bastante delicada de interpretação a partir de um uso antrópico, somado à utilização de um remanescente de vegetação nativa natural, muito bem colocado pelo Prof. Valério, com uma atividade de uso consolidado. Isso remete a uma série de impactos de interpretação que carecem de aspectos protetivos.
O nosso Código do Meio Ambiente — a nossa Lei nº 15.434, de 2020 — estabeleceu, no art. 203, um princípio fundamental que nós vamos enfrentar nos próximos anos: a regulação do uso e da conservação do Bioma Pampa. E não vai fugir de nós tratarmos dos aspectos relacionados às queimadas.
Quero trazer um histórico de como isso está fundamentado no Rio Grande do Sul do ponto de vista jurídico, já que o Código Florestal Federal — Lei nº 12.651, de 2012 — estabelece algumas permissibilidades, frente a características das populações tradicionais ou eventualmente a características em que há a necessidade do uso para fins de manejo licenciado, outorgado pelo órgão ambiental competente.
No entanto, no Estado do Rio Grande do Sul, nós temos, sim, o nosso Código Florestal. Ele está ainda em processo de revisitação, revisão. Em virtude da publicação do nosso novo Código do Meio Ambiente, houve uma série de exclusões de artigos que eram bastante importantes. Mas nós temos, no planejamento plurianual da nossa Assembleia Legislativa, a meta de até 2023 republicar diretrizes jurídicas ao Código Florestal Estadual, assim entendido para fins constitucionais.
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Então, essa é uma tarefa que os legisladores vão ter que executar. Eventualmente, as equipes técnicas participam desse processo, mas é incumbência do Poder Legislativo nos direcionar novas normas, para que possamos ter uma diretriz de trabalho.
No Código Florestal Estadual ainda persiste uma regra estabelecida em 2012, já que há a proibição do uso do fogo no território estadual.
A Luciana tratou aqui de alguns aspectos importantes que ocorrem. Ressalto especialmente as práticas tradicionais no Rio Grande do Sul chamadas sapecadas, tradicionalmente utilizadas nos campos de altitude, nos Campos de Cima da Serra, que são ecossistemas associados à Mata Atlântica. Defende-se a tese de que esse processo é uma prática de manejo adequada àquelas condições, já que a incidência de geadas nessas regiões faz com que a vegetação campestre se torne não palatável para o gado. Por isso, a incidência de queimadas, do uso do fogo controlado, melhor dizendo, seria uma atividade permissível, desde que licenciada.
Isso foi introduzido na nossa Lei Estadual nº 13.931, de 2012, que alterou o Código Florestal Estadual — Lei Estadual nº 9.519, de 1992 — permitindo o uso do fogo em determinadas condições. No entanto, quando esse aspecto foi trazido para a legislação, não se relacionaram as particularidades dos campos de altitude. Então, praticamente, há essa atividade licenciada, desde que em áreas não mecanizáveis. O que são áreas não mecanizáveis? São aquelas com solo raso, com afloramento de rocha, que não permitem, para o melhoramento de condições, uma mecanização associada à prática pecuária. Portanto, nessas condições, o poder público — no caso do nosso Estado, a responsabilidade foi remetida ao poder público municipal — poderá permitir, licenciar a atividade, desde que ela seja controlada.
Há uma série de condições. Nós utilizamos muito as regulamentações do Decreto nº 2.661, de 1998, um decreto federal, já que nós não dispomos de uma legislação regional que defenda algumas características particulares em relação às queimadas.
Do que carecemos ainda é de melhores esclarecimentos jurídicos quanto a quais são os limites, quais são as condições. Foi ressalvada aqui uma série de áreas importantes que são frágeis: unidades de conservação, remanescentes florestais, áreas com florestas plantadas, com espécies exóticas. Todas elas têm material combustível bastante delicado, o que deve ser considerado para estabelecermos os critérios definitivos para se permitir uma prática de uso controlado. O uso do fogo é uma prática tradicional, permissível, licenciada, mas que deve ser feita com algumas condições e restrições, e isso tudo deve vir ao licenciamento ambiental com uma licença que estabeleça essas determinadas condições.
Nós enfrentamos no Estado, no último ano, um episódio que foi bastante oportuno para que pudéssemos aprender como funciona uma queimada com característica de perda de controle. O fato ocorreu na Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande, que é uma unidade de conservação na região metropolitana do nosso Estado.
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Essa queimada nos atingiu em razão de condições de baixa precipitação anual. Nós tivemos um ano de estiagens bastante expressivas. Nesse ano, em particular, pela ausência de água, apesar da característica de banhado da área, a vegetação se tornou seca, passando a ser um material combustível de grande porte.
Nós enfrentamos praticamente uma queimada descontrolada, muito semelhante ao que aconteceu no Pantanal, claro que em menor proporção. Nós perdemos área em torno de mil hectares dentro do Bioma Pampa com a ocorrência de quase 30 dias de queimadas. Nós técnicos a campo, tentando criar estratégias de controle, chegamos à conclusão de que a natureza tem um poder e uma força muito além das nossas condições de controle.
Eu deixo isso como reflexão, para que possamos pensar até que ponto nós vamos imaginar, dentro do Bioma Pampa, outros tipos de condições e de práticas pecuárias aceitáveis. Por exemplo, pode haver o melhoramento do campo nativo com a introdução de espécies hibernais — há essa limitação no Bioma Mata Atlântica, que não permite a introdução de espécies exóticas em remanescentes de vegetação nativa, mas no Pampa não há essa limitação. Existem, sim, espécies que são, de certa forma, adaptadas ao uso controlado do fogo para o manejo. No entanto, se não for efetivada uma prática com os controles necessários, nós podemos causar impactos ambientais gravíssimos, especialmente pela poluição atmosférica.
Deputada Professora Rosa Neide, eu entendo que o nosso principal desafio no Estado do Rio Grande do Sul seja estabelecer algumas diretrizes, condições, restrições, limitações. E precisamos pensar se, de fato, a prática do uso do fogo para o manejo na pecuária é a melhor alternativa diante das condições ora impostas.
O Estado do Rio Grande do Sul ainda trabalha com nível organizacional de controle. Nós formamos, nas nossas unidades de conservação, planos individuais de controle. Temos todo o mapeamento, com diretrizes de estradas, com açudes onde estão os recursos hídricos prioritários, que nos darão suporte para o controle do fogo, se houver perda da capacidade de controle em manejo controlado. Estabelecemos também brigadas de incêndio, que estão regionalizadas, em parceria com o Corpo de Bombeiros do Rio Grande do Sul.
Essa experiência que nós tivemos na Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande foi de extrema relevância, apesar de ter tido um impacto ambiental catastrófico. Ela fez com que nós nos organizássemos minimamente, identificássemos quais são os principais elementos e instrumentos para fazermos o controle de forma efetiva.
Para vocês terem uma noção, à medida que nós íamos controlando a queimada na parte aérea da vegetação, não enxergávamos mais determinadas condições de queima no subsolo. O banhado, depois de seco, forma uma camada de turfeira subterrânea, e, no caso da APA do Banhado Grande, praticamente 1 metro de trufeira seca estava queimando no subsolo. Aquilo era material combustível para a propagação do fogo na vegetação na parte aérea remanescente.
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Adquirimos drones, com câmeras infravermelhas, que mostram as manchas de calor, para sabermos onde vamos ter que atuar de forma mais dedicada, e fizemos um termo de referência bastante amplo para equipar todas as nossas equipes de guarda-parques e de agentes ambientais que atuam diretamente nesse controle.
Há ainda muito a ser feito no quesito proteção. Mas ainda estamos diante de uma situação de regulamentação. Há uma série de condições estruturais e legislativas a serem postas para que tenhamos capacidade de decisão sobre se realmente a prática tem condição de ser executada, à medida que identificamos medidas de proteção ambiental bastante preocupantes.
Para finalizar, quero dizer que nós publicamos, no nosso Conselho Estadual do Meio Ambiente, a Resolução CONSEMA nº 360, de 2017, que regra o manejo pecuário sustentável em áreas de preservação permanente e de reserva legal. Dentro dessas condições, também foi estabelecido que a roçada mecânica para redução de biomassa é uma atividade autorizada e dispensada de licenciamento, na medida em que ela diminui o material combustível para possíveis queimadas que vierem a acontecer nessas áreas frágeis e protegidas.
Eu agradeço a oportunidade de participar desta reunião. Vamos ficar à disposição para os questionamentos.
Creio que nesse tema ainda vamos enfrentar uma regulamentação jurídica bastante importante nos próximos anos. Creio que até 2023 publicaremos, junto à Assembleia Legislativa, o novo Código Florestal Estadual. Lá deverão constar princípios para o manejo do fogo em condição controlada, já que se trata de uma prática natural feita há muitos anos no Rio Grande do Sul. Da publicação do código em diante, haverá uma regulamentação mais responsável, algo que estabeleça os limites e as condições de uso.
O fogo deve, sim, ser utilizado, mas somente por proprietários de áreas em que a prática seja necessária. Não é porque esse tipo de prática tem presença natural nos Campos de Altitude que ela obrigatoriamente tem que ser utilizada. Esse recurso somente será utilizado somente quando o rebrote da vegetação, a partir da incidência do fogo, for adequado, der condição para a prática ser autorizada.
Agradeço o convite. Ficaremos até o final para responder os questionamentos e fazer o debate desse tema tão importante.
Obrigado.
Boa tarde.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Diego, pela sua contribuição. Por estar na SEMA, um órgão regulador, você é de fundamental importância para este debate, para esta Comissão.
Quero neste momento passar a palavra ao Deputado Rodrigo Agostinho, que estava olhando as imagens e sonhando com quando ele vivia no Sul do País. Ele disse que estava feliz por rever as imagens lindas do Sul do Brasil.
O SR. RODRIGO AGOSTINHO (PSB - SP) - Quem falou isso foi a minha assessora, Deputada Professora Rosa Neide. (Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Foi a sua assessora que falou que estava sonhando com as imagens? Ela morava lá, não é? (Risos.)
O SR. RODRIGO AGOSTINHO (PSB - SP) - Ela trabalhou, por muito tempo, no Rio Grande dos Sul, no Pampa.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Ah, sim.
O SR. RODRIGO AGOSTINHO (PSB - SP) - Mas eu tenho um carinho especial pela região. Já acompanhei vários projetos.
Hoje, um dos maiores projetos de conservação de aves que existe no Brasil é o Alianza del Pastizal, que trabalha com pelo menos 20 espécies ameaçadas de extinção — caboclinho, noivinha-de-rabo-preto, veste-amarela — justamente em áreas de campo onde há pastoreio. E há várias espécies que vivem no Pampa.
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Acho que temos um desafio muito grande, Deputada Professora Rosa, que é justamente o de tentarmos trabalhar para colocar em pauta o projeto que trata do manejo integrado do fogo. Em várias audiências públicas, principalmente naquelas relacionadas a biomas nos quais há ambientes campestres ou ambientes savânicos — é o caso, por exemplo, da Caatinga, do Cerrado, de parte do Pantanal e do Pampa, notadamente —, foi apresentada uma ideia de que o fogo é parte dos processos naturais, é parte dos processos de renovação da própria natureza. E o manejo integrado do fogo pode possibilitar que façamos um controle adequado em muitas situações, pois reduz a biomassa presente nos espaços.
Muitas unidades de conservação federais utilizam a prática do fogo de forma adequada. Não se trata de qualquer tipo de fogo, não se trata de um incêndio, não se trata de simplesmente colocar fogo, riscar o fósforo. A prática é feita de forma organizada, com aceiros, com equipes, fazendo o isolamento de áreas florestais.
Hoje nós estamos falando do Pampa, que é um bioma todo particular, sobre o qual existe muita discussão teórica. Questiona-se se ele é um paleo-bioma. Ele foi tratado por muito tempo como uma estepe, porque a ideia que as pessoas têm do Pampa é de que ele é um ambiente frio, mas as outras estepes que existem no mundo são ambientes muito mais frios do que o Pampa. Esse bioma, no Brasil, é exclusivo do Rio Grande do Sul. Tudo no Brasil é muito grande, e o Pampa, para o Rio Grande do Sul, é muito grande, mas nós estamos falando de 2% do nosso território brasileiro.
Por conta, principalmente, de mudanças de manejo e de utilização, o MapBiomas detectou, de 1985 até aqui, um aumento nos espaços de floresta natural dentro do Pampa. Isso não significa que essas florestas não estejam mais degradadas — há muita floresta vazia no Rio Grande do Sul —, mas nós saímos de 2,3 milhões de hectares para 3 milhões de hectares de florestas naturais. No entanto, está ocorrendo um crescimento muito significativo da silvicultura. Nós já estamos falando em pelo menos 400 a 500 mil hectares de silvicultura, e isso está acontecendo em cima das áreas de campo.
O campo nativo do Pampa é um dos campos mais ricos em biodiversidade do mundo, notadamente em biodiversidade de plantas e de animais pequenos invertebrados, com que a Luciana trabalha tanto.
O Pampa perdeu a sua mastofauna, perdeu seus grandes mamíferos, provavelmente por conta da caça excessiva que os indígenas praticaram quando chegaram a essa região. Então, provavelmente houve intensas caçadas, que acabaram com a grande mastofauna do Sul do País. Mas isso não quer dizer que o bioma é um é um ambiente menos rico do que os ambientes florestais. Pelo contrário, lá há uma biodiversidade muito rica, que precisa ser conservada, e a conservação depende de manejo com fogo, com pastoreio ou com outras práticas. Nós precisamos que isso, de fato, aconteça.
Se proibirmos o pastoreio, notadamente no Pampa... Estou falando sobre o Pampa. Sei que existem regiões em que o pastoreio é prejudicial, mas, no Pampa, o pastoreio hoje garante a conservação da biodiversidade. Então, precisamos estar muito atentos a tudo isso.
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Nós precisamos trabalhar a implementação do Código Florestal no Pampa. Isso é uma dificuldade enorme. Nós temos vários colegas Deputados e Senadores do Rio Grande do Sul que trabalharam muito para que os proprietários rurais não fizessem o cadastro rural das suas propriedades. Houve uma campanha deliberada no Rio Grande do Sul para que as propriedades não fossem cadastradas.
O Rio Grande do Sul é um dos espaços onde as reservas legais podem conviver com o pastoreio, essa que é a grande questão. Mas o proprietário tem com medo de declarar parte da sua área de Pampa como reserva legal e ficar impossibilitado de fazer o pastoreio.
Para encerrar, Deputada Professora Rosa Neide, eu acho que nós tivemos aqui hoje uma oportunidade de ouvir grandes especialistas, pessoas que estão trabalhando na ponta com esse tema. E o aprendizado de hoje vem ao encontro do que temos observado nas outras audiências públicas, que trataram dos outros biomas: nós precisamos regulamentar o uso do fogo.
Acho que vamos precisar encontrar um modelo que seja menos burocrático, mas não menos organizado. O Diego falou de como se dá o processo autorizativo, explicou que é possível conseguir autorização para o manejo do fogo. Mas vamos ter que encontrar uma sistemática melhor para que isso aconteça, porque, senão, ou a prática vai ficar ilegal, ou nós vamos ver a conversão do Pampa em silvicultura. Então, vamos precisar criar uma estratégia para manter o Pampa, manter a biodiversidade do Pampa. É necessário que, nas áreas onde for possível o manejo com fogo, esse manejo com fogo aconteça de uma forma organizada, mas o processo não precisa ser algo tão burocrático, porque, senão, ele começa a se tornar impeditivo.
Eu acho que temos um desafio muito grande. Mas eu acho que a Comissão Externa está fazendo um trabalho importantíssimo para obter aprendizado, como eu disse.
As mudanças climáticas estão aí. Então, aquilo que as pessoas entendiam até hoje como normal não é mais o normal. As mudanças climáticas vão causar uma profunda perda de biodiversidade no Brasil. Muita coisa que estamos vendo hoje e que achamos que é comum, que não é rara, que não está ameaçada não terá tolerância às mudanças climáticas. Então, vamos perder um caminhão de espécies, e dificilmente isso vai ser reversível. Para que possamos manter biodiversidade, precisamos manter paisagem, não só manter pequenas ilhas. E, para essa integridade das paisagens se manter, muitas vezes será necessária a ação humana. Então, a situação é difícil.
Eu sou uma pessoa que vem da área de conservação, e, na área de conservação, sempre aprendemos a seguinte lição na universidade: ou temos um ambiente conservado, onde não há a presença humana, ou temos um ambiente degradado, com uso intensivo e com a presença humana. Normalmente, é ensinado na academia que a presença humana não convive bem com a conservação. Para muitos ambientes, isso é verdade. Mas, para ambientes onde o uso intensivo se dá há muitos anos, como é o caso do Pantanal, como é o caso do Pampa, precisamos rever, às vezes, esses conceitos.
Muitas regiões que têm hoje um pastoreio excessivo baseado no gado vão acabar tendo que passar para o pastoreio de carneiros, de cabras, porque o gado também consome muita água. Existem regiões do Brasil onde, com as mudanças climáticas, não vai ser possível manter o gado Então, nós vamos ter profundas mudanças, inclusive naquilo que entendemos hoje como o razoável.
15:11
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No mais, quero cumprimentar V.Exa. e toda a sua equipe, que vêm conduzindo esse trabalho de uma forma muito relevante.
Vou continuar aqui acompanhando.
Muito obrigado, Deputada, e obrigado a todos os painelistas.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Deputado Rodrigo Agostinho. V.Exa. é um grande contribuidor e parceiro desta Comissão.
Quero dizer que está conosco o Deputado Bohn Gass, do Rio Grande do Sul.
Já passo a palavra a V.Exa., companheiro.
Também gostaria de dizer aqui que a Deputada Maria do Rosário se encontra de atestado médico. Mas S.Exa. está nos acompanhando pelas redes, junto com a equipe dela, e participando da nossa discussão.
É muito importante os Deputados estarem nos acompanhando.
O Deputado Vander Loubet também está aqui, com a sua assessoria, nos acompanhando.
Deputado Bohn Gass, sei que V.Exa. estava em outra reunião. Nós já tivemos aqui explanações do Dr. Valério, da Dra. Luciana e do Sr. Diego, que é da SEMA do Rio Grande do Sul. A Dra. Luciana e Dr. Valério estão representando aqui as instituições de pesquisa, e o Sr. Diego está representando o Poder Executivo do Rio Grande do Sul.
Passo a palavra a V.Exa., Deputado, para as suas considerações.
O SR. BOHN GASS (PT - RS) - Deputada Professora Rosa Neide, quero, primeiro, parabenizar V.Exa., que é uma Deputada da nossa bancada. Essa preocupação com as queimadas nos biomas cresceu na época das queimadas na Amazônia e no Pantanal, e o seu trabalho surgiu abrangendo o País inteiro. Do ponto de vista dos biomas, acho que é muito importante o seu trabalho.
Então, quero parabenizar V.Exa. A nossa bancada se sente orgulhosa por ter V.Exa. atuando na área da educação, já que V.Exa. é a Professora Rosa Neide, e a educação exige que estejamos preocupados com o tema geral da sustentabilidade. Portanto, faço, primeiro, esse reconhecimento.
Segundo, informo que a minha assessoria está acompanhando todas as sessões.
Eu acabo de sair de uma sessão na qual estávamos debatendo o homeschooling, um tema também importante — inclusive, no debate houve um problema regimental —, e estou indo para o Colégio de Líderes agora, para participar de outra reunião. Mas, além de saudar a todos por este debate, eu queria apenas fazer o registro da nossa preocupação com o Pampa gaúcho.
Eu fui Deputado Estadual, e nós acompanhamos vários debates. Esse tema de queimadas no Rio do Grande do Sul, principalmente nos Campos de Cima da Serra, eu acompanhei várias vezes. Sempre defendi que deveria existir uma pesquisa mais forte para buscarmos tecnologias acessíveis que evitassem as queimadas. Nós temos que realmente trabalhar essa possibilidade, porque, de uma ou de outra forma, as queimadas atingem o meio ambiente, mesmo que sejam mais controladas. Então, nós precisamos ter mais pesquisa, para buscarmos mecanismos que nos permitam ter a produção com preservação do equilíbrio.
Quanto aos outros temas do nosso Pampa, que tem uma história tão linda, tão rica, pela sua pecuária e pela sua diversidade, nós achamos que não deve haver uma substituição de culturas como a que está acontecendo hoje. Nós tivemos, primeiro, a introdução de uma monocultura de árvores, devido, exatamente, ao plantio de eucalipto — isso virou uma monocultura, quebrando a tradição da nossa pecuária, substituindo a cultura tradicional do bioma Pampa. Depois, agora, veio a monocultura da soja. Eu acho que as novas fronteiras agrícolas que se abrem têm que obedecer ao ZEE — Zoneamento Ecológico-Econômico, que, infelizmente, não está sendo respeitado.
Portanto, a minha observação aqui, Deputada Professora Rosa Neide, é que nós devemos levar em consideração isto: nós precisamos produzir com equilíbrio, sem agressão ambiental. Eu acho que esse é o registro, que essa é a grande preocupação.
15:15
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Eu queria apenas fazer este registro, parabenizando os senhores e pedindo-lhes desculpas por participar apenas dessa saudação. São muito importantes o trabalho que a Comissão está fazendo e a contribuição que todos estão dando sobre essa preocupação geral com o nosso País, nos aspectos ambiental, social e também financeiro. Digo isso porque o mundo hoje olha para o Brasil, e, se o país for agressivo ao meio ambiente, se não for sustentável também economicamente, nós vamos ter restrições em âmbito internacional.
Muito obrigado. Um abraço a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Deputado Bohn Gass. Sei do seu compromisso com a questão ambiental, com a questão da agricultura familiar, com a questão social do País. É muito bom V.Exa. estar conosco e, sendo um Deputado do Rio Grande do Sul, trazer sempre essa discussão para a nossa bancada.
Eu gostaria de agradecer também a todos os assessores dos Deputados da Comissão que estão aqui presentes, participando e levando a discussão aos Parlamentares.
Para os nossos convidados, eu diria que deram verdadeiras aulas aqui. Os três participaram de forma muito interessante.
Nós estamos, neste momento da Comissão, organizando os PLs que estão em tramitação na Câmara dos Deputados, para apresentarmos à Mesa da Câmara, ao Sr. Presidente Arthur Lira. Vamos selecionar os PLs que mais respondem à questão que estamos discutindo, sobre os biomas brasileiros, para que nós possamos levá-los à votação no Plenário da Casa.
Nós temos um projeto de lei denominado PL do Fogo, de autoria do Executivo, ainda do Governo Temer, mas que todos os técnicos olham como um PL que dá conta, de certa forma, da diversidade brasileira. Se os senhores já estiverem com o projeto de lei em mãos, tudo bem; se ainda não estiverem, a nossa assessoria encaminhará aos senhores, para que posteriormente possam dar opinião em que o PL do Fogo estaria a apoiar as questões particulares do Bioma Pampa. Essa é uma questão que nós vamos passar aos senhores, para que possam nos ajudar.
Está aqui a nossa assessoria técnica e a assessoria dos Parlamentares, que fazem um conjunto de questões. Além da fala do Deputado Rodrigo Agostinho e do Deputado Bohn Gass, nós vamos apresentar agora um conjunto de questões. Os senhores podem anotá-las, aí passamos para as considerações dos senhores e, em seguida, finalizaremos a nossa audiência.
Sobre as queimadas e os incêndios que ocorreram nos Pampas, a respeito dos quais os senhores já fizeram menção aqui — e os três fizeram menção a eles —, eu pediria que colocassem um pouco melhor a questão de como diferenciar o olhar sobre a floresta ou olhar sobre o Bioma Pampa, na questão de incêndios, em se tratando de grandes incêndios ou do fogo controlado, como aqui também já foi discutido. Os senhores poderiam falar um pouquinho das peculiaridades que precisariam ser mais bem endereçadas, do ponto de vista fiscalizatório, como sistema de alerta, controle, ações de prevenção, combate ao desmatamento. Sobre a atual situação do bioma, o que se tem de fazer como prevenção?
Aqui foi colocada muito fortemente a situação do bioma, com 13% das áreas preservadas e, em alguns lugares, apenas 6%. A pastagem, a lavoura e a silvicultura estão transformando a paisagem, destruindo todas as áreas naturais. Os órgãos existentes dão conta de fiscalizar ou de orientar? Os senhores percebem que é preciso alguma coisa mais direcionada a partir da legislação nacional?
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Há algum trabalho sendo realizado pelas universidades em parceria com ONGs locais, brigadas, voluntários, comunidades afetadas pelas condições atuais do bioma? Quanto ao cenário do bioma hoje, as universidades têm pesquisas que estão dando respostas sobre as contínuas situações que as comunidades vivenciam?
O Projeto de Lei nº 11.276, de 2018, institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo. Em cada uma das audiências que fizemos, foi notória a diferença com que se trata a questão do fogo. E isso fica muito evidenciado agora com a questão do Pampa. Quando tratamos da Caatinga, discutiu-se de uma forma, assim como aconteceu quando tratamos da Mata Atlântica, da Amazônia, do Pantanal. Nós vemos as diferenças.
Nós temos até uma reunião marcada com o Presidente da Casa e com os Deputados da Comissão para tratar desse PL que está em tramitação, para que discutamos exatamente se ele dará conta. Todos dizem que ele está bem estruturado, mas nós precisamos de mais, porque há muita diversidade. Quando eu ouço os senhores falando do bioma, cada vez mais penso que ele é muito diverso. Mas nós precisamos ter isso estruturado, como o Deputado Rodrigo falou. Não se pode manejar na ilegalidade e também não se pode ficar sem fazer o manejo em locais que depende desse manejo. O PL é de autoria do Executivo. Nós vamos passar aos senhores essa proposta, para, posteriormente, nos enviarem contribuições.
E, por fim, quero perguntar como a Câmara dos Deputados poderia contribuir com o enfrentamento do problema, no olhar dos senhores e da senhora. Existe alguma norma ou ponto na legislação que poderia ou deveria ser modificado ou rapidamente colocado à disposição do País?
Essas são algumas das preocupações que colocamos para os nossos painelistas. Como os senhores vieram aqui e nos ajudaram, estão fazendo a discussão, possivelmente a nossa equipe técnica vai lhes mandar esse material, principalmente os projetos de lei, e vai solicitar, por telefone, algumas orientações. Nós queremos, ao final do nosso trabalho, fechar essa questão da legislação.
Nós fechamos um relatório sobre o Bioma Pantanal, pela situação trágica do ano anterior. Estivemos in loco no bioma. Um grupo de Deputados e Senadores fizeram visitas. O Senado tem uma Comissão e a Câmara tem outra Comissão. Nós fechamos um relatório com mais de 300 páginas, com encaminhamento a todos os órgãos responsáveis pelo bioma. Fizemos encaminhamentos e estamos acompanhando as duas Secretarias de Meio Ambiente, a do Mato Grosso e a do Mato Grosso do Sul, em relação ao Pantanal.
Quanto aos demais biomas, estamos fazendo a discussão, para que, agora no segundo semestre, possamos fechar essa questão da legislação. Por isso, é fundamental a contribuição dos senhores. Eu vi o quanto a Caatinga é diferente, assim como a Mata Atlântica, o Bioma Pampa.
Então, eu gostaria de passar a palavra aos senhores seguindo a nossa ordem de fala. O Dr. Valério falará inicialmente; depois, falarão a Dra. Luciana, o Sr. Diego, para que ouçamos as considerações. Fica desde já o nosso agradecimento por estarem aqui conosco. Os senhores poderão fazer já a despedida e abordar especialmente essa condição que o Parlamento está devendo aos biomas brasileiros. Os senhores podem fazê-lo tranquilamente, como já o fez o Dr. Valério, de modo muito incisivo, na questão do Bioma Pampa. Passo, inicialmente, a palavra ao Dr. Valério Pillar, para suas considerações.
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O SR. VALÉRIO PILLAR - Obrigado, Deputada Professora Rosa.
Eu escutei as falas, inclusive, do Deputado de Mato Grosso, e a sua sugestão de alguns temas nos quais nós poderíamos oferecer alguma contribuição.
Eu respondo primeiro a questão relativa aos trabalhos de pesquisa que nós estamos realizando no âmbito da Rede Campos Sulinos, que eu coordeno.
Trata-se de uma rede composta de muitos pesquisadores, de várias instituições, não só da UFRGS, mas de outras universidades e instituições de pesquisa do Estado. Temos a Universidade Federal de Santa Maria, a Pontifícia Universidade Católica, a UNIPAMPA, a EMBRAPA, o INPE. Não sei se eu me esqueci de algum.
São pesquisas conduzidas com o objetivo principal de buscar opções que compatibilizem a conservação da biodiversidade dos ecossistemas campestres nativos, do Bioma Pampa, com o uso, de modo que seja possível, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade e melhorar os níveis de produtividade da atividade pastoril sobre essa vegetação nativa.
Nós já temos resultados, de colegas da Faculdade de Agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mostrando um potencial produtivo dos campos nativos, preservando essa vegetação, ou seja, sem a necessidade de agregar insumos, sem modificar, sem substituir essa vegetação nativa, é possível produzir muito mais do que está sendo produzido, inclusive, em áreas de reserva legal.
Reforçando aquilo que já foi dito, no Rio Grande do Sul, a legislação estadual claramente define que o uso pastoril das áreas de reserva legal é permitido, e sem necessidade de autorização, desde que sejam seguidas as boas práticas de manejo que foram ou serão definidas pelo órgão ambiental estadual.
Então, os proprietários não têm motivos para alegar que eles perderão as áreas de campo nativo que estão em uso pastoril, se declararem a reserva legal. Não há motivo, não há razão para não declarar a reserva legal no CAR e proteger 20% da propriedade, com essa vegetação nativa.
Como mencionei na minha fala, é um equívoco declarar essas áreas como de uso consolidado, porque, se nós formos analisar a definição de uso consolidado na lei, até que poderia ser uso consolidado, porque, enfim, é um uso secular, com a atividade pecuária. Mas não deixa de ser vegetação nativa. Logo, é passível de delimitação da reserva legal, porque existe vegetação nativa na propriedade para que a reserva legal seja declarada.
Então, nós estamos criando uma situação enrolada no seguinte sentido: proprietários que não declararam a reserva legal porque declararam os seus campos nativos como de uso consolidado, uso pastoril consolidado, estão sujeitos a terem que compensar a reserva legal em outras áreas porque não declararam a sua reserva legal. Então é um problema que está sendo criado.
15:27
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Infelizmente, o Governo do Estado instituiu, o Governador assinou um decreto, em 2015, definindo essa categoria esdrúxula de uso consolidado, uso pastoril consolidado, porque teria havido a supressão da vegetação nativa pelo uso pastoril.
Isso não é verdade, não acontece a supressão da vegetação nativa. Ao contrário, ela é conservada. O uso pastoril é essencial para a conservação da biodiversidade campestre do Bioma Pampa e também dos campos de altitude inseridos no Bioma Mata Atlântica.
Então, na verdade, o que está acontecendo é que os proprietários têm o desejo de, talvez, no futuro, ou mais imediatamente, converter essas áreas de campo em lavouras. E aí querem ter aquela possibilidade de converter a sua propriedade em cultivos, ou em silvicultura, sem estarem limitados por aqueles 20% de reserva legal.
Voltando aos projetos de pesquisa, nós temos vários projetos, alguns financiados pelo CNPq. Temos o Projeto de Pesquisa Ecológica de Longa Duração — PELD, em que estamos avaliando o efeito da supressão do manejo sobre a biodiversidade.
Há resultados nos quais a Dra. Luciana está trabalhando, em relação à fauna também, em relação à biodiversidade de plantas, mostrando que a supressão do pastejo — isso nós já temos como resultado consolidado — e das queimadas em campos nativos reduz, prejudica a conservação da biodiversidade. E é isso o que está acontecendo nas unidades de conservação, porque ali foi suprimido o uso pastoril. Suprimindo-se o uso pastoril, essas áreas se tornam muito vulneráveis a queimadas catastróficas porque acumula muito a biomassa.
Nós falamos então que, pelo menos, deveriam queimar. Mas se for reintroduzido o pastejo nas unidades de conservação com vegetação campestre, nós estaremos reduzindo a necessidade de queimadas, ou seja, indo ao encontro daquela ideia de que devemos reduzir as queimadas por outras razões, pela poluição atmosférica, pela questão, enfim... O público não vê as queimadas como algo interessante.
Então, seria o caso de permitir o uso pastoril das unidades de conservação, das áreas protegidas, das APPs. Muitas APPs poderiam ser usadas. desde que utilizando boas práticas de manejo, poderiam continuar sendo usadas com atividade pecuária. Nas reservas legais, isso já está autorizado.
Temos também outro projeto de pesquisa, o Projeto Nexus, em que estamos avaliando os impactos da conversão da vegetação nativa campestre em cultivos e em silvicultura, os impactos nos serviços ecossistêmicos. Nós estamos aumentando a produção de grãos, a produção de madeira, mas estamos perdendo, potencialmente, muitos serviços, produção de água, estoques de carbono no solo, a beleza cênica. Estamos mudando paisagens inteiras, estamos perdendo uma paisagem que é fundamental para a cultura aqui do Sul.
Sobre o projeto de lei, tenho um comentário a fazer. Há uma tendência da legislação, inclusive, a Lei nº 12.651, de 2012, tem um viés florestal na linguagem, em alguns artigos, e isso prejudica a conservação dos ecossistemas não florestais, sobretudo campos e savanas.
O projeto de lei fala em reduzir a incidência e os danos de incêndios florestais no território nacional. E nós ficamos sem saber se essa lei se aplicaria aos ecossistemas não florestais. Então precisa ficar claro que, se o projeto destina-se também aos ecossistemas não florestais, precisaria ter uma categoria distinta. É preciso falar em incêndios em vegetação no território nacional e, depois, distinguir que incêndios em vegetação podem acontecer em vegetação florestal, que é sensível ao fogo — e aí é preciso tomar medidas para que as queimadas não aconteçam nesses ecossistemas —, e que queimadas podem acontecer em vegetação não florestal. Geralmente, campos de savanas são tolerantes ao fogo, e as queimadas podem ser ferramentas de manejo importantes nesses ecossistemas.
15:31
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É importante ter essa distinção no projeto de lei, para que não se criem categorias, porque depois fica complicado aplicar a lei, visto que se fala sempre em florestal, mas não é bem florestal. No tema desta reunião vem a expressão "incêndio florestal", e eu até pensei assim: mas como, se as florestas nativas não queimam? Aí eu pensei assim: será que é sobre áreas de silvicultura? Não, não é sobre áreas de silvicultura.
Realmente, os dados do INPE mostram um aumento de frequência de focos de incêndio no ano passado, no Bioma Pampa. E eu fui olhar os dados, eu baixei os dados do INPE sobre os focos de incêndio. Eles não avaliam as áreas queimadas, a extensão queimada, mas a frequência de focos de incêndio. E, realmente, os focos de maior intensidade são nas áreas de silvicultura, ou são em áreas de campo que estão excluídas do uso pastoril, ou porque estão entremeadas nas áreas de silvicultura — são áreas que não são pastejadas —, ou são áreas de campo que estão no meio de lavouras, ou seja, área de cultivo. E aí sobram, restam aquelas bordas de lavoura, ou beiras de estrada. E as UCs, como foi o caso do Banhado Grande, que é uma UC e que não tem uso pastoril, é uma área de banhado.
Enfim, o que estamos dizendo é que o uso pastoril tem maneiras de usar, é preciso fazer uma avaliação no meio de um processo de aprendizagem, avaliar a intensidade que o uso deve ser realizado. Obviamente, o sobrepastoreio não é adequado para a conservação também. No entanto, a remoção completa do uso pastoril também não é adequada, a remoção completa do uso pastoril, sem permitir que essas áreas queimem.
Além disso, nós só estamos acumulando biomassa para que, quando acontecer uma queimada, ela seja incontrolável, sobretudo, quando o clima auxilia, como foi em 2020, em que houve um período de seca de 2 meses, sobretudo, em março e abril de 2020. E, desde 2012, em muitas regiões do Rio Grande do Sul não aconteciam períodos de seca dessa magnitude, o que favoreceu as queimadas nessas áreas onde havia acúmulo de biomassa. Nas áreas onde não havia acúmulo de biomassa, os campos se queimaram, porém queimaram áreas muito pequenas, que nem o satélite detectou.
Então, era isso que eu gostaria de contribuir para esta discussão.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - É uma grande contribuição. Agradeço muito a presença senhor e do Instituto.
Quero falar da importância de que ouçamos realmente a diversidade inteira do País, para que possamos ter um olhar mais global. E, com certeza, a sua consideração inicial sobre o projeto de lei vai ser observada. A equipe técnica está toda aqui observando. E, se precisar, vamos entrar em contato com o senhor para realmente tentarmos fazer o máximo, a fim de que a diversidade brasileira esteja representada.
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Dra. Luciana, uma pessoa mandou esta mensagem agora: "Não seria importante ter uma política pública para a preservação dos campos nativos através de manejo ecológico?" Não seria importante que o próprio Estado do Rio Grande do Sul, assim como o Brasil como um todo — e eu peço ao Diego que também pense nesta questão —, tivesse uma política pública de apoio à manutenção de campos nativos?
Então, além das questões colocadas, deixo esta aqui para o início da fala da Dra. Luciana.
Tem a palavra a Dra. Luciana.
A SRA. LUCIANA REGINA PODGAISKI - Eu queria ressaltar que faço parte da equipe do Dr. Valério Pillar. Então, eu participo dessas pesquisas que ele mencionou, em que temos interação, de fato, com a sociedade, avaliando o pastejo, a intensidade de pastejo, a exclusão de pastejo, as melhores formas de conciliar a conservação e o lucro, a lucratividade para os fazendeiros. Toda essa relação dos nossos projetos com a sociedade eu faço diretamente em parceria com o Prof. Valério. Então, faço minhas as palavras dele com relação a esse tópico.
Com relação a essa última questão que a Deputada Professora Rosa Neide trouxe, sem dúvida são necessárias políticas públicas para o manejo ecológico dos campos. Temos que conseguir aliar esses distúrbios, esses manejos, que são essenciais, com a conservação dos campos.
Eu gostei muito da fala do Deputado Rodrigo Agostinho. Eu acho que ele conseguiu resumir muito bem — fez um panorama bem amplo de tudo o que falamos —, com base na experiência dele. E eu gostei do que ele falou do zoneamento ecológico-econômico, que é muito importante.
Isto revela um pouco a minha ingenuidade também, mas eu pergunto mesmo assim: por que plantamos árvore aqui no ecossistema campestre, um ecossistema aberto, e lá na Amazônia, que é um ecossistema florestal, estamos fazendo pastagem? Eu acho que é imprescindível o zoneamento ecológico-econômico para a conservação da biodiversidade, dos nossos processos ecológicos. Esse zoneamento é bem importante. Conservar a história evolutiva desses ecossistemas, a estrutura, enfim, é algo que, a meu ver, é superbásico e deveria ser estimulado e aplicado.
No início da tua fala, Deputada Professora Rosa Neide, tu pediste a nós que retomássemos a questão de diferenças de fogo em campos e florestas. Disso eu falei um pouquinho na minha apresentação, mas posso retomar. O campo, repito, é um ecossistema extremamente resiliente ao fogo, é um ecossistema adaptado. As queimadas aqui naturalmente são de baixa intensidade, quando não há um acúmulo muito grande de biomassa. E o fogo na floresta é catastrófico, quando ele ocorre. Eles são raros, mas, dependendo do clima, enfim, com mudanças climáticas, isso pode ser favorecido. O ecossistema da floresta não é adaptado, então os prejuízos vãos ser gigantescos.
Quero novamente mencionar que o nosso vilão aqui no Rio Grande do Sul, no Pampa, acerca da perda de biodiversidade, é a conversão das áreas de campo para a silvicultura e para outras práticas agrícolas, como a da soja, que tem crescido bastante.
Eu acho que é isso.
Podemos passar a palavra, então, para o Christian, aliás — desculpem-me —, para o Diego, da SEMA.
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Sim, o Diego está aqui conosco.
Considerando o que a Dra. Luciana falou da conversão, eu quero lembrar à nossa equipe que, no momento de fazer o relatório, nós temos que abordar com muita ênfase essa questão, porque estamos perdendo a paisagem nativa, a paisagem natural, estamos convertendo-a em outro modelo de paisagem, sem observarmos o que a ciência está indicando.
E vi que o Prof. Valério nos deixou um livro. Está aqui indicado o link.
Professor, agradeço muito. Nós temos uma equipe que estuda os temas, temos a Assessoria Técnica dos Parlamentares. Imediatamente passaremos a ela o link que o senhor tão generosamente deixou aqui.
Passo a palavra ao Diego, que representa a SEMA do Rio Grande do Sul, para que faça também as suas considerações.
O SR. DIEGO MELO PEREIRA - Obrigado novamente, Deputada Professora Rosa.
Queria inicialmente dizer, a respeito do projeto de lei, que vamos requisitar aqui que nós possamos peticionar, fazer as nossas considerações por escrito, se possível. Aí, encaminharíamos considerações, eventualmente, já com inserções no texto, de forma sugestiva, diante da nossa avaliação e daquilo que consideramos importante constar. Pedimos isso para que nós possamos aqui internalizar a questão no órgão ambiental, porque a Secretaria se difunde entre o órgão de gestão de políticas públicas e o órgão de licenciamento ambiental, que é a nossa Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente. Então, eu gostaria de peticionar à Comissão, se possível. Podemos dar essa resposta de forma bastante célere, mas por escrito, já com as considerações adequadas ao projeto de lei.
Sobre a pergunta inicial, referente à questão dos incêndios e da queima controlada, aqui há que se fazer uma distinção entre o descontrole de uma prática e a queima controlada. Quero ratificar mais uma vez a nossa interpretação jurídica regional: independentemente das condições da lei federal, o Estado do Rio Grande do Sul vetou o uso do fogo que não seja controlado, especificamente no caso de pastagens, que aqui estamos discutindo, para o manejo controlado em áreas não mecanizadas. Isso significa que é preciso que sejam caracterizadas essas condições para se permitir a concessão de uma licença. É muito comum enxergar essa prática no Bioma Pampa. Portanto, a incidência de queimadas controladas eventualmente pode ser prática ilegal ou acidental.
E aí eu já chego à pergunta relacionada à fiscalização. De que maneira conseguimos contextualizar esses aspectos? Há como identificar, dentro de uma avaliação técnica, se isso foi de fato acidental, se se perdeu o controle, e se há como se preverem medidas de responsabilização administrativa daquele proprietário que efetivou essa prática sem licença, fora das condições jurídicas adequadas para se fazer uma autorização.
Diante da questão que já foi bastante abordada aqui pela Luciana e pelo Prof. Valério, nós estamos insistindo em que uma atividade econômica de uso antrópico preserve as características da paisagem e do bioma. O grande incentivo para se fazer a manutenção dos campos nessas condições são as políticas de estímulo. Nós queremos ver como isso vai se fundamentar a partir do pagamento de serviços ambientais para aqueles proprietários que conservam o campo sobre práticas pecuárias extensivas, que respeitam boas práticas ambientais. Como consequência dessa interpretação jurídica de que há uma consolidação do espaço e não se pode declarar reserva legal em áreas campestres, não se desenvolverá uma política de pagamento de serviços ambientais em áreas campestres, uma vez que não há extensão da reserva legal, que é um dos títulos elegíveis para se instituir o pagamento de serviços ambientais, nas servidões ambientais e, por fim, nas reservas particulares do patrimônio natural.
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E aqui há um aspecto muito importante, talvez chegando à última das perguntas. Como a Câmara dos Deputados pode colaborar dentro desse processo? Se nós pegarmos toda a regulamentação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, veremos que, ao instituirmos uma reserva particular do patrimônio natural, via União, fica vedada a condição de nós termos a presença de animais domésticos. Parece-nos um contrassenso pensar que não vamos estimular reservas particulares do patrimônio natural no Bioma Pampa, tendo em vista a necessidade da herbivoria e da presença do animal doméstico mantendo essas condições de paisagens campestres.
Ainda sobre as ferramentas de sensoriamento remoto que nos auxiliam na fiscalização — o MapBiomas já foi levantado aqui como um dos instrumentos —, disponibilizou-se uma ferramenta de monitoramento de alerta também para as questões das queimadas. O Estado do Rio Grande do Sul também utiliza essas ferramentas. Utilizamos ainda uma parceria que nós temos com um emissor de imagens produzidas pela NASA, com 48 horas de defasagem.
Então, a condição de estabelecer uma fiscalização responsiva, em que consigamos classificar o dano para realmente medir se a responsabilidade é intencional ou acidental, é a grande dificuldade para se conseguir trazer uma medida de responsabilização administrativa.
Uma coisa é fato: o ambiente precisa ser restaurado após essas condições. Já foi apresentada aqui a condição de resiliência. O campo promove uma condição bastante acelerada da sua recuperação, mesmo em condições naturais. Mas responsabilização e fiscalização partem de um princípio nas queimadas em campos da caracterização desse dano. Precisamos saber se podemos, sim, remeter essa responsabilidade ao proprietário ou se o dano é de caráter acidental. Foi o caso da nossa Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande. Mil hectares de área foram queimados numa unidade de conservação, e não se conseguiu fazer medidas de responsabilizações administrativas. O dano foi fruto de condições naturais. Era um momento em que o Estado enfrentava uma estiagem bastante acentuada, portanto não havia medidas para nós fazermos a responsabilização administrativa.
Eu só quero, para encerrar — eu sei que já extrapolei o tempo —, falar rapidamente das políticas públicas associadas, já que foi um questionamento também. Independentemente de toda essa condição jurídica que está estabelecida no Código Florestal federal, ele realmente não absorve as condições de campo, por isso teve esse efeito cascata jurídico nas legislações do Rio Grande do Sul.
O Estado, independentemente disso, criou um programa específico para a conservação de campos nativos, chamado Programa Campos do Sul, em que o proprietário se cadastra e as medidas de manejo que são adotadas na propriedade se revertem em serviços e estímulos ao proprietário. Então, nós temos uma série de projetos aqui que podem custear a pecuária extensiva com boas práticas ambientais, desde que os proprietários se cadastrem nesses projetos. O grande gargalo aqui, diante do impacto e do dano, tem sido as pesquisas relacionadas à restauração ecológica de ambientes campestres. A própria Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem sido muito colaborativa. Dentro do princípio de estímulo, nós precisamos desenvolver técnicas de propagação de sementes de espécies nativas; restauração ecológica com introdução de fenação; técnicas adequadas para retornar o campo às suas condições naturais.
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Então, esses são os grandes desafios que nós estamos enfrentando neste momento, para que a pesquisa dê respostas e condições para que o órgão ambiental consiga, dentro da sua esfera administrativa, atuar de forma cientificamente competente.
Eu agradeço. Ficamos ainda à disposição.
O SR. VALÉRIO PILLAR - Deputada, eu gostaria de responder a uma afirmativa feita pelo Diego Pereira, da SEMA.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Com toda a tranquilidade.
O SR. VALÉRIO PILLAR - Quanto à questão da reserva legal, não é verdade que a área de uso consolidado impediria o estabelecimento da reserva legal. É só ler a Sessão III da Lei nº 12.651, de 2012, Das Áreas Consolidadas em Áreas de Reserva Legal. Então, se o proprietário declarou equivocadamente que é uma área de uso consolidado aquela área de campo nativo e uso pastoril, ele vai ter que atender a Sessão III. Diz o art. 66:
Art. 66. O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12 — são aqueles 20%, aquele Bioma Pampa — poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente:
I - recompor a Reserva Legal — ele não vai precisar recompor a reserva legal, porque já está recomposta a vegetação nativa;
II - permitir a regeneração natural da vegetação na área de Reserva Legal — ele não vai precisar fazer isso, porque ele pode continuar usando, e a vegetação natural já está ali;
III - compensar a Reserva Legal — se ele não quiser delimitar a reserva legal na sua propriedade, ele terá que compensar.
Então, eu pergunto ao Sr. Diego Pereira quando a SEMA vai implementar o PRA. Antes de qualquer ação no sentido de pagar pelos serviços ecossistêmicos, que é mais complicado, por que não usar algo que já está na lei, que é a reserva legal, que protege 20% das propriedades?
Além disso, só é viável implementar a servidão ambiental e aqueles outros mecanismos, a CRA — Cota de Reserva Ambiental, se houver exigência de reserva legal. Enquanto no Bioma Pampa não houver exigência de os proprietários terem reserva legal, delimitarem a reserva legal ou compensarem, o que adianta o proprietário que preservou ter lá uma área excedente para servir de servidão ambiental?
Então, eu não entendo a resistência do Governo Estadual em implementar o que a lei federal já disse que tem que existi. O Governo Estadual está violando a lei federal na atenção à conservação, à proteção dos ecossistemas campestres do Bioma Pampa. Desculpe-me, mas essa é a verdade.
Qualquer outra ação é muito bem-vinda, como esse programa de incentivo dos campos nativos, mas existe a lei, e ela tem que ser cumprida. Todos esses programas são para as áreas além das reservas legais, para que seja estimulada a sua conservação e para que os proprietários não busquem a sua conversão além dos 20% da reserva legal.
Muito obrigado.
O SR. DIEGO MELO PEREIRA - Posso responder, Deputada Professora Rosa?
15:51
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Pode, sim, rapidamente. Vou lhe conceder 2 minutos, porque este assunto é importante.
O SR. DIEGO MELO PEREIRA - Vou responder só de forma colaborativa, porque, insisto, o Poder Executivo não cria as leis, ele as implementa.
É uma informação bastante delicada essa que o professor traz no sentido de que nós estamos infringindo determinadas condições. O detalhe é que, quando se cadastra como uso consolidado pastoril ou como remanescente de vegetação nativa, daí para a frente se tem um impacto de interpretação da constituição ou não de reserva legal ou de recomposição.
Acontece que o art. 12º diz que estão excetuados os casos previstos lá no art. 68, que diz que está dispensado de recompor a vegetação nativa em reserva legal aquele proprietário que respeitou os percentuais de reserva legal exigidos à época. No caso do Pampa, nós seguimos a Medida Provisória nº 2.166-67, que estabeleceu que, a partir de 2001, passasse a ser exigida a reserva legal em áreas de remanescentes de vegetação nativa que existiam à época.
No momento em que se caracteriza o campo nativo com a presença do gado como uso consolidado — e eu não estou dizendo aqui que eu concordo com essa afirmação do ponto de vista técnico, mas juridicamente é assim que está posto —, não se pode demarcar reserva legal em cima dele. Isso poderia ser feito desde que o uso consolidado se revertesse em recomposição. Mas, quando não está associado a remanescente de vegetação nativa, acrescentando-se a interpretação do art. 68, não há necessidade de instituição. A área está hoje considerada consolidada.
E esse foi o motivo pelo qual nós tivemos a judicialização desse decreto que foi citado lá, de 2015, estabelecendo-se, no caso de uma liminar, a obstaculização do Estado em firmar os termos de compromisso referentes ao Programa de Regularização Ambiental.
Há uma questão no sentido de que os técnicos estão omissos, de certa forma, quanto à implementação dessa condição. O âmbito está judicializado, e nós precisamos encaminhar uma solução jurídica a esse processo para dizer se vamos poder pensar sobre remanescentes de vegetação nativa e, aí, implementar as políticas de pagamento dos serviços ambientais. Trata-se de uma consequência, de um efeito cascata.
Enquanto a legislação federal interpretar que a presença do gado, a atividade pastoril, é considerada uma prática permissível como consolidação do espaço, nós teremos juridicamente esse entrave na nossa legislação estadual.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Eu agradeço a sua intervenção e quero solicitar-lhe que envie a sua discussão para a nossa Comissão. Falaremos depois com o Prof. Valério.
E eu falarei com a bancada do Rio Grande do Sul sobre essa questão, porque nós podemos fazer uma intervenção na legislação federal, enquanto a SEMA do Rio Grande do Sul pode fazer as tratativas com a Assembleia Legislativa do Estado. O que não podemos fazer é, havendo estudos e diagnósticos, ficar dando passos atrás em relação ao que está acontecendo com o meio ambiente. Cada lugar tem as suas diferenças, mas todos nós temos que tomar atitudes.
Como a legislação nacional muitas vezes fica equivocada por tratar o geral, esquecendo o específico, neste momento podemos fazer algumas intervenções na legislação federal de forma que se adeque à condição de cada bioma. Aí, com certeza, com os estudos do Prof. Valério e da Profa. Luciana e as condições reais... A SEMA do Rio Grande do Sul convive com a situação legal. Às vezes, judicializam a coisa, e ela demora anos. Aí é o meio ambiente que paga o preço de forma muito forte — e as gerações que virão pagarão muito mais ainda.
15:55
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Então, fico à disposição, Diego, enquanto Parlamentar, para notificar a bancada do Rio Grande do Sul, indistintamente, independentemente de coloração partidária — a discussão é com todos os Deputados e Deputadas —, para que possamos encaminhar essas modificações.
Quero fazer aqui um agradecimento muito especial a toda a nossa equipe técnica, aos técnicos que acompanham os Parlamentares, à equipe que está aqui e acompanha esta Comissão, que, com certeza, depois das audiências, terá muito trabalho para organizar tudo.
Gostaria de dizer que, se nós não cuidarmos da beleza natural e da riqueza do Bioma Pampa, que eu acho que enchem os olhos — todo mundo gosta de ver a beleza dos Pampas —, pode acontecer de as gerações seguintes não poderem mais visualizar essas belas imagens, das quais inclusive a Dra. Luciana mostrou algumas.
Então, nós temos que ter um papel decisivo no Parlamento quanto à questão das garantias. A universidade faz a sua pesquisa. E quem está no Executivo está fazendo todo um esforço para que as condições atuais sejam de sustentabilidade, a fim de que deixemos para quem virá na sequência um legado, as pessoas continuem vivas e a natureza continue respondendo à altura.
Acho que foi uma tarde muito interessante, com falas que só têm a contribuir para o cenário nacional de articulação em defesa do meio ambiente.
Esta Comissão agradece muito a presença do pesquisador e professor Dr. Valério, da pesquisadora Dra. Luciana, do Sr. Christian, que tentou entrar por diversas vezes, mas, como teve problema, não conseguiu, e da SEMA do Rio Grande do Sul, aqui representada pelo Sr. Diego.
Agradecemos aos Deputados Rodrigo Agostinho, Bohn Gass, Maria do Rosário, que continua nos acompanhando, Vander Loubet e aos demais Deputados que passaram pela Comissão.
Agradeço de coração aos nossos convidados, pela participação nesta audiência e pelos esclarecimentos prestados, aos Deputados, aos assessores, ao público que está nos assistindo e mandando suas contribuições através da página da Comissão, do Youtube e das nossas redes particulares.
Nada mais havendo a tratar, informo que convocarei a próxima reunião oportunamente.
Está encerrada a presente reunião.
Tenhamos todos uma boa tarde!
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