3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão de Educação
(Audiência Pública Extraordinária (semipresencial))
Em 23 de Abril de 2025 (Quarta-Feira)
às 16 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Boa tarde a todas, porque nós somos maioria neste plenário hoje — que bom! Oxalá a configuração da Câmara dos Deputados fosse esta: uma maioria de mulheres. Mas eu tenho certeza de que, com a nossa luta, a nossa garra, a nossa força ancestral, nós chegaremos a um Parlamento que tenha, de fato, a cara do povo brasileiro.
Eu declaro aberta a reunião de audiência pública da Comissão de Educação, convocada para tratar do tema Educação Antirracista e Antissexista no Novo Plano Nacional de Educação, em atendimento ao Requerimento nº 5, de 2025, de minha autoria.
Comunico a todos e todas que o tempo previsto para a exposição de cada um dos convidados será de 5 minutos.
Comunico que será registrada pela Secretaria a presença do Parlamentar pela plataforma de videoconferência para usar a palavra também nesta audiência.
Inicialmente, tenho a satisfação de apresentar as nossas convidadas ao debate de hoje: Luisa Paiva, estudante secundarista; Jullyane Leite, estudante secundarista; Benilda Brito, representante da organização da sociedade civil Nzinga; Givânia Maria da Silva, representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas; Lara Oliveira, Coordenadora-Geral de Educação para as Relações Étnico-raciais, do Ministério da Educação.
Aproveito, então, para chamá-las a compor esta Mesa.
Uma salva de palmas, por favor. (Palmas.)
Aproveito para registrar a presença Patrícia Alba, Deputada Estadual pelo MDB do Rio Grande do Sul.
Obrigada pela presença.
Registro também a presença da nossa Vice-Reitora da Universidade Federal de Ouro Preto — UFOP, que também participa conosco no dia de hoje.
Registro também a presença do Vereador Matheus, de Ouro Preto, que também está participando conosco deste debate.
Neste momento, passo a palavra para a Julyanne Leite para suas contribuições.
A SRA. JULLYANE SANTOS LEITE - Boa tarde. Meu nome é Jullyane. Eu tenho 16 anos e me encontro no terceiro ano do ensino médio. Faço curso de formação de professores, sou quilombola, moradora do Quilombo do Alto da Serra do Mar, que se encontra em Rio Claro, no Rio de Janeiro.
Vou resumir a minha fala relatando a minha vivência como menina negra quilombola na educação. Eu fui para a escola juntamente com a minha mãe com 2 anos ou 3 anos. Estudei grande parte da minha infância em uma escola cuja composição é de mais de 80% de alunos do quilombo onde eu moro. Essa escola também atende ao entorno do território da vizinhança.
Essa escola, até o momento em que eu entrei para estudar nela, sempre foi uma escola muito precária: o piso do chão era solto, os rebocos da parede do banheiro caíam, o estado era deplorável.
Essa situação pôde ser mudada quando o meu pai, que se encontra na presidência do quilombo onde eu moro neste momento, Benedito Bernardo Leite Filho, a minha mãe, que era a gestora na época, os meus avós e os meus tios — juntos — foram ao Ministério Público falar como Dr. Julio José Araujo. Depois, conseguiram reformar a escola.
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A escola hoje tem água potável, uma sala de leitura própria para as crianças e recebeu uma horta com o nome dos meus ancestrais no quilombo.
Atualmente, eles lutam para que essa escola não atenda somente ao Ensino Fundamental I, que é a educação infantil, do 1º ano ao 5º ano, mas também atenda ao Ensino Fundamental II, que vai do 6º ano ao 9º ano.
Nesse sentido, lutamos também por uma educação de melhor qualidade, uma educação que respeite a nossa identidade, uma educação que conheça as nossas histórias e necessidades, debatendo pautas e metas para redução dessas desigualdades, uma educação igualitária para todos, uma educação que respeite as nossas identidades. Temos identidades diferentes, mas lutamos em conjunto.
Essa educação deve chegar a cada canto, a cada escola, a cada instituição também. Queremos uma educação que respeite as culturas do nosso quilombo, uma educação que nos conheça, uma educação que nos valorize, uma educação que promova mudanças, uma educação que forme cidadãos conscientes do seu espaço, conscientes do seu espaço de fala, conscientes dos seus direitos, conscientes e conhecedores das suas identidades; uma educação independente de raça, cor, independente de cultura, independentemente de tudo isso.
Podemos ter uma educação que transforme as pessoas em conhecedoras do seu espaço. Elas merecem uma educação de qualidade. E estamos aqui na luta por uma educação de qualidade para todos, com bastante equidade.
É isso. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Jullyane, por suas contribuições.
Eu queria, antes de passar a palavra para a Luisa, dizer que estou muito feliz por realizar esta audiência pública no dia hoje. Eu queria cumprimentar todas e todos os presentes: a Luisa, a Jullyane, a Benilda, a Givânia, a Maria Selma.
Também quero parabenizar o Instituto de Estudos Socioeconômicos — Inesc, a Organização da Sociedade Civil Nzinga e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — Conaq, pela iniciativa do Projeto Dandaras e Carolinas.
Eu já sou signatária do abaixo-assinado e convido todos e todas a também acompanharem a nossa luta por um PNE antirracista e antissexista.
Parabenizo especialmente os estudantes envolvidos nesse projeto: a Luisa e a Jullyane — Ju —, que fez uma excelente fala, porque é fundamental que nós, cada vez mais, protagonizemos os processos. Ninguém precisa falar por nós. Nós temos voz. Nós só precisamos que as nossas vozes sejam ouvidas. Nós precisamos que existam espaços para que a gente possa falar, potencializar e amplificar as nossas vozes.
Eu sei que nós temos um grande desafio pela frente, mas acredito muito que a educação é a grande chave para transformar a nossa sociedade.
Eu sou uma mulher preta de periferia, sempre estudei em escolas públicas. A minha mãe trabalhou mais de 20 anos como empregada doméstica e hoje é professora como eu. Se eu estou aqui hoje como Deputada Federal, é graças à educação, à luta dos meus ancestrais, dos que vieram antes de mim. Para isso, a gente precisa ter ações afirmativas: cotas nas universidades.
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A possibilidade de fazer pedagogia na Universidade Federal de Uberlândia foi o que, sem dúvida nenhuma, abriu uma grande porta de possibilidades, e eu pude entender que o quartinho da empregada não é a única alternativa para a gente.
Nós devemos sonhar, nós temos que ocupar todos os espaços. E é por isso que, nesta Casa, eu sempre faço questão de ocupar os espaços que lutam para construir mais direitos para a educação. Uma educação verdadeiramente emancipatória, uma educação que seja inclusiva, transformadora, uma educação pública, gratuita, laica, de qualidade, socialmente referenciada.
Atualmente, eu sou membro da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados; coordeno a Frente Parlamentar Mista Antirracismo. Eu a coordeno aqui na Câmara, e o Paim a coordena no Senado. E, no âmbito dessa Frente Parlamentar, nós estamos debatendo o novo Plano Nacional de Educação.
Eu também sou Presidente de Comissão. Não é comum ver mulheres negras presidindo Comissões, ainda mais uma mulher negra no seu primeiro mandato de Deputada Federal. Mas nós estamos presidindo hoje a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais e também, nesta Comissão, estamos fazendo o debate do PNE antirracista.
Olha, gente, o PNE é a constituição da educação brasileira. É o Plano Nacional de Educação que determina as metas, os objetivos, os próximos 10 anos da educação. Onde nós estamos, aonde nós queremos chegar? Quais são os desafios que precisam ser superados? Quais são as coisas que precisam melhorar na escola hoje, na sala de aula, na merenda escolar, no material didático que é utilizado? Tudo o que precisa ser desenvolvido e melhorado na educação é colocado no PNE. Quando a gente consegue, não é? Nem tudo!
Infelizmente, algumas coisas ficam fora do plano. Ficam fora porque a disputa aqui dentro sobre o que entra como prioridade e o que não é prioridade não é brincadeira. Ela é muito intensa, porque, infelizmente, nós temos ainda Deputados que representam apenas a manutenção de privilégios, que querem que esta Casa aprove leis para tudo continuar como está, com desigualdade, opressão, injustiça. E nós, que fazemos o contrário, que queremos um país mais justo, inclusivo e democrático, ainda precisamos lutar contra essas forças que querem o retrocesso.
Eu queria apresentar aqui alguns dados rapidamente para vocês, que foram extraídos do livro Diretrizes de Educação Integral Antirracista para o Ensino Fundamental: uma contribuição da sociedade civil, publicado recentemente pela Ação Educativa.
Olha, já faz 22 anos da aprovação da Lei nº 10.639. Essa lei torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. Foi aprovada também a Lei nº 11.645, que inclui a obrigatoriedade do ensino da história indígena nas escolas. Mas, infelizmente, depois de mais de 20 anos, menos de 30% dos Municípios brasileiros estão cumprindo essa lei.
E, se a gente não tem a nossa história contada na escola, na sala de aula, onde mais vão contá-la? Onde mais vão reconhecer a nossa contribuição para a construção deste País? Temos que dar o devido valor e a devida importância a isso.
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Ainda assim, graças ao desenvolvimento e ao trabalho da Secadi — e eu gostaria, mais uma vez, de agradecer aos representantes do Ministério da Educação, do Governo do Presidente Lula —, no ano passado nós tivemos uma conquista muito importante, que foi o diagnóstico da equidade, demonstrando o quanto o Estado ainda precisa avançar no desafio de uma educação antirracista.
Por isso, nós precisamos vencer essa resistência que há internamente na Casa, que é também um retrato, uma fotografia do racismo institucional, aquele que está presente nas instituições brasileiras.
Precisamos disputar o que estará no próximo texto do PNE. Há uma Comissão Especial criada para isso neste momento na Câmara, que já tem Presidente, que é a Deputada Tabata, e Relator, que é o Deputado Moses. A Comissão vai fazer inúmeros debates e produzir relatórios, para que essas informações cheguem às mãos da Presidência e da relatoria dessa Comissão importante que debate o PNE.
Nós sabemos que o racismo é, sem dúvida nenhuma, complexo. Ele organiza relações de poder na nossa sociedade, mas nós precisamos enfrentar tudo isso e fazer a nossa luta avançar.
Então, são essas as minhas considerações iniciais.
Passo a palavra para a Luisa Paiva, para as suas contribuições também.
A SRA. LUISA ARIYA SOUZA PAIVA - Boa tarde. Meu nome é Luisa Ariya. Eu tenho 17 anos, sou de Belo Horizonte, Minas Gerais, e estudo no Cefet também de Minas Gerais, em um dos campus de Belo Horizonte, no curso técnico em edificações.
Como foi dito pela Deputada, eu também sou uma das meninas que fazem parte do projeto Dandaras e Carolinas que estão na audiência. Em um dos primeiros encontros do projeto, a pergunta foi: "Qual a importância de um PNE antirracista e antissexista?" E a última pergunta do último encontro também foi essa.
A minha resposta vai ser curta, com uma palavra só: futuro. Mas eu vou explicá-la ao longo do tempo.
Primeiro, quando a gente pensa em PNE, a ideia geral de um PNE é a melhoria da educação, metas para a melhoria da educação. Mas eu acho que essas melhorias cruzam com muitas questões; acho que cruzam com as nossas interseccionalidades: nós somos mulheres, pretas, quilombolas, periféricas. Elas cruzam com nossos territórios, com nossos espaços; cruzam com as violências cometidas contra as nossas identidades.
Acho que é nesse cruzamento que o nosso projeto entra, com um PNE antirracista e antissexista. A gente quer melhoria para nós, para que olhem para nós e digam: "Oh, estamos aqui". A gente quer chamar a atenção para nós, para as nossas vivências, para as nossas violências, para os nossos abusos, quando se trata de mulheres pretas, quilombolas, periféricas.
No âmbito escolar, claro, quando a gente fala de PNE, a gente fala de educação das instituições escolares.
Pensando no papel da escola, eu acho que a escola tem o poder de transformar a educação, de modo geral, formando indivíduos. Mas, pensando na educação brasileira, as escolas pecam no sentido de que a nossa sociedade é diversa. A gente sabe como foi construída a nossa sociedade, como ela foi se construindo: pela escravidão, pela igreja que se impôs — a igreja cristã —, pelo patriarcado e todas essas questões. E isso formou a diversidade da nossa sociedade, mas a escola peca em não apresentar essa diversidade, e sim a diferença entre os indivíduos.
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E por que eu falo isso? Eu estudei a minha vida toda em escolas federais — eu tive esse privilégio —, desde a creche até o ensino fundamental. Hoje, eu estou no 3º ano.
Tem uma frase do projeto que diz: "Ser negro não é algo a priori, você se torna negro".
E eu acho que eu me tornei negra na creche. Quando eu penso que havia uma colega que excluía todas as três meninas pretas da sala: eu, Ana Luisa e Ayana. Eu lembro o nome das três meninas pretas que eram excluídas. Essa menina branca, criança, de 7 anos, racista, excluía a gente, falava que em todo lugar que a gente encostava tinha bactéria, excluía a gente das brincadeiras. Ela me empurrava e me machucava, mas ela era protegida por uma professora branca também, que me odiava, odiava a nossa cor, odiava a minha cor. Enquanto ela me empurrava, eu ficava de castigo, sempre.
Então, eu acho que foi a partir desse momento que, pensando no futuro, quando eu cresci, entendi o que era racismo, entendi que eu era uma menina preta.
Quando eu entrei no ensino fundamental, no 1º ano, um colega puxou meu braço e me comparou com a cor de um pneu, de graça, mas eu já entendia que era errado. Então, eu denunciei isso, falei com a minha mãe. A minha mãe fez um mutirão na escola, mas nada aconteceu. Houve palestras, mas nada aconteceu com ele. Duas semanas depois, eu cheguei atrasada à escola e ganhei uma advertência.
Então, você pensa sobre a prioridade da escola de punir certas coisas, sabe? Eu me apropriei desta frase "de se tornar negra" e eu me tornei mulher na escola também, no 6º ano. Quando eu criei corpo — aquela fase em que meninas menstruam, com muitos hormônios —, os colegas começaram a fazer brincadeiras de bater na minha bunda e me sexualizar, falando que só ficariam comigo por causa do meu corpo.
(A oradora se emociona.)
E eu acho que eu nunca denunciei tudo isso, porque eu não sabia como denunciar.
De toda forma, depois de um tempo, eu entendi e denunciei tudo isso, mas nada aconteceu. E acho que a escola me colocou nessa posição de entender qual é a minha posição social fora da escola e dentro da escola, porque eu era uma mulher preta e eu tinha que estar naquela posição.
Então, a escola — eu volto ao assunto de novo — não me ensinou sobre diversidade, não me ensinou que eu sou diferente. Eu acho que aí está o erro. É importante, para uma educação antirracista e antissexista, que a escola mude a sua visão, apresentando a diversidade, sim, e modificando toda a estrutura. Mas eu acho que a estrutura da escola em si vai muito além disso também.
Eu acho que eu fiz algumas cinco perguntas. Quem ensina dentro das escolas? Quem acessa as escolas? Qual é o espaço escolar? O que é apresentado dentro das escolas? E quem garante tudo isso para nós?
Eu acho que quem ensina também precisa ter formação em tudo, cultural, porque a escola não é só o estudo da física, do português, da matemática, não é só matéria. Eu acho que os professores, os profissionais, precisam ter a visão de que a escola conversa com a nossa sociedade, com quem somos.
Quem acessa? Acho que somos excluídas o tempo todo da educação, sempre fomos. Então, a garantia de que teremos acesso a isso é importante. Qual é o espaço escolar? Eu sei disso, escutando muito as meninas...
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Eu estudo em uma escola muito boa. Existe tudo na minha escola. Mas, escutando as meninas do meu projeto, entendo que precisam de um espaço para estudar, precisam de quadra coberta, precisam de quadra aberta, precisam de estrutura física para ter uma boa educação.
A Lei nº 10.639 exige que os livros didáticos apresentem as histórias afro-brasileiras. É um princípio do que deve ser apresentado, a forma como devem ser abordados esses temas pelas escolas. E quem garante isso são as pessoas que sentam a esta mesa. As pessoas que estão neste espaço precisam garantir verba, orçamento, para que tudo isso aconteça, para que tudo isso se mova e para que a gente consiga um PNE antirracista e antissexista.
Eu acho que todos esses aspectos devem ser considerados para chegamos a esta palavra que eu disse no início: futuro. Nós meninas do projeto já passamos ou estamos passando por essas instituições federais e estamos aqui relatando tudo aquilo por que passamos, todas as violências, e exigindo um PNE antirracista e antissexista de fato, para que, no futuro, outras Dandaras e Carolinas tenham menos reivindicações ou nenhuma reivindicação para fazer sentadas a esta mesa, ou que existam pessoas aqui que façam por elas, para que elas não precisem estar aqui fazendo isso, porque não é fácil, acho que não é fácil. É grande coisa.
Não estamos exigindo nada além daquilo a que homens brancos já têm fácil acesso, sem fazer nada. Estamos exigindo direitos.
É isso. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Luisa, eu queria agradecer muito a sua força, a sua coragem de vir a esta Comissão e nos relatar tantas dores e violências. Não pode ser normal, não deve ser normal que a escola seja um lugar que causa dor. Nós temos que ter boas memórias do processo de aprendizagem, de escolarização. Para que isso mude, vamos ter que enfrentar tudo isso. Que bom que você é gigantona, grandona desse jeito, tem toda essa força! Obrigada mesmo por estar aqui com a gente.
Eu também queria agradecer a três jovens do Manzo que estão aqui: Rafael, Joana e Raíssa. Obrigada pela presença.
Quero registrar meu carinho pela Makota Cassia, pela minha querida Mãe Joana. O trabalho e a resistência do Manzo é muito importante para nós. Que bom que estamos vivos e de pé, com a nossa ancestralidade! Obrigada pela presença.
No final, preciso tirar uma foto para mandá-la para a Mãe Joana. Ela já me encomendou a foto.
Agradeço a presença dos dirigentes da Fasubra Sindical que estão conosco também. Obrigada pela presença.
Passo agora a palavra a Benilda Brito.
A SRA. BENILDA BRITO - Dandara, sem formalidade quero falar da imensa alegria que é integrar Mesa com você. Falávamos ali com muita emoção sobre o que representa uma mulher de torço, que é uma coroa, chegar a um lugar como este e nos sentirmos tão à vontade em Mesa composta por mulheres pretas.
Dandara dos Palmares e Carolina Maria de Jesus — é o nome do nosso projeto — devem estar sorrindo hoje, com certeza, por este momento histórico que estamos vivendo aqui.
Meu nome é Benilda Brito. Sou uma mulher negra, lésbica. Sou de axé, sou de candomblé de gueto. Sou quilombola, sou do Quilombo do Açude, na Serra do Cipó, em Minas Gerais. Estou aqui no campo das coordenações desse projeto maravilhoso.
Quero agradecer às meninas esse ano e tanto de caminhada, em que estamos nessa construção, sábado de manhã, em muitos momentos, em muitos teceres de casa que fizemos, muitas trocas.
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Estou extremamente emocionada porque ouvi Jully e Luisa, que estavam morrendo de medo de pisar no Congresso. "Como é que nós vamos passar ali? Ai, meu Deus! Como é que se anda lá? E a roupa?" Nunca andaram de avião. Então, é uma sensação muito grande de pertencimento que faz com que estejamos aqui hoje.
E que mês de abril para fecharmos o projeto! Está aqui a Cleo, que é do Inesc; a Gal, que é de Recife, é ativista; a Cris; a Giovanna, que é da Conaq. São companheiras que cotidianamente estão nesse enfrentamento para garantir esse projeto que teve o apoio da Fundação Malala.
Estão aqui meninas que sofreram muito abuso na infância, tentativa de violência doméstica, muita expulsão escolar. O diagnóstico é muito difícil. Mas se está colocando em prática o que chamamos de esperançar. Tinha que acontecer neste mês de abril, com toda a singularidade desse mês que nos faz pensar. Hoje é quarta-feira. Na minha religião, é dia de Iansã, minha mãe, e de meu pai, Xangô. É o Casal do Dendê. Iansã é aquela dos ventos. Quando venta, o bambu até enverga, mas não quebra, ele levanta. E Xangô é o pai da justiça.
Hoje eu quero pedir licença a eles para homenagear São Jorge. Hoje é feriado em muitos lugares no Brasil, no Rio de Janeiro. É Dia de São Jorge. Para nós, é Ogum. Como dizia Gal hoje de manhã no nosso encontro, é aquele da estratégia. Ogum é o soldado do bem. Ogum é aquele que protege as nossas casas. Ele é o ferreiro. Então, em homenagem a ele, pelo dia de hoje, do conhecimento, da inteligência, falamos neste momento sobre isso.
Por que falar sobre isso é importante? Porque precisamos romper os epistemicídios que mandam neste País, que definem as políticas públicas, que fazem o nosso currículo, que definem o plano, o projeto político-pedagógico na escola, que definem as leis. Para fazermos isso, vamos ter que enfrentar os racismos. Eu nunca digo racismo no singular. Eu falo de racismo escolar, racismo religioso, racismo institucional, racismo algorítmico, racismo climático, racismo ambiental, racismo recreativo. São racismos que nós estudamos — não é, meninas? —, ao longo do nosso projeto, para dizer que não aguentamos mais morrer. Nós temos que viver.
Existem várias formas de nos matar. A escola nos mata todo dia, qualquer criança negra, qualquer adulto negro. Em um dos livros que escrevi, eu falo muito sobre isso, com depoimentos. Se alguém perguntar a respeito de experiências de racismo na escola, todos, todas e todes vão poder dizer algo. Realizamos uma luta muito grande porque temos que agir para garantir a vida, que seria um direito básico. É garantir a vida sem medo, a vida com felicidade.
Deputada, Pai Benedito é uma das referências lá do Manzo. Eu também sou uma cria do Manzo. Eu o admiro, aprendo muito naquele quilombo. Pai Benedito é uma das referências. Lembro que Makota Cassia contava para a gente que uma vez ele sentou com as crianças do Manzo e disse: "Vocês vão ouvir muita gente perguntando o que querem ser quando crescerem. Muitos dizem que querem ser médicos, dentistas, advogados. A minha pergunta é outra. Pergunto o que vocês vão fazer para não morrer". É isso que fazemos todo dia. Ser preto neste País é uma luta constante para garantir a vida, para garantir sonho, para garantir felicidade, para espantar o medo.
Se a Organização Mundial da Saúde considera doente uma pessoa que não tem equilíbrio mental, emocional, físico, eu quero dizer que nós sobreviventes do racismo, todos os pretos e pretas deste País, 56% da população brasileira está doente, porque enfrenta os racismos cotidianos, as várias armadilhas todo dia.
Qual é o papel da escola? Neste mês de abril morreu o Papa Bento XVI... Era o Papa Bento XVI?
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Foi o Papa Francisco.
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A SRA. BENILDA BRITO - Desculpem-me. Bento XVI foi o anterior. E eu ainda ia dizer "João Paulo II"...
Morreu o Papa. Isso causa uma grande comoção. Também para nós é importante pensar. Ele é o representante da Igreja Católica. Eu não tenho nada contra a Igreja Católica. Sou uma mulher de axé, mas fui catequista de crisma, morei em convento, ia ser freira, fui catequista de primeira comunhão, fui integrante de grupo de jovens, minha militância política começou em grupo de jovens. E não consigo silenciar em relação a isto: neste mês, a Câmara Municipal de Belo Horizonte aprovou projeto que estabelece que a Bíblia vira um livro paradidático para todas as escolas públicas e particulares da minha cidade. Que referência é essa? É um livro didático a Bíblia? Onde é que nós vamos parar? O problema não é a Bíblia. O problema é a garantia do enfrentamento do racismo religioso num espaço que, constitucionalmente, é um espaço laico, ou deveria ser. Como fica uma criança de axé, de religião de matriz africana, ou uma criança protestante ou de qualquer outra manifestação, sendo obrigada a viver essa catequese escolar? Ninguém discute como as violências atrapalham o desenvolvimento das nossas crianças dentro da escola. Foi algo assustador.
Agora tivemos acesso ao estudo Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil. Ele foi feito pelo Unicef e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O estudo nos mostra que, no Brasil, de 2021 a 2023, foram assassinadas — todas essas mortes eram evitáveis — 45.101 crianças e adolescentes. Para nós da educação, isso corresponde a 504 salas de aula vazias. O que significa isso? E ainda ficamos na escola cobrando livro didático, limpeza do tênis, todo o material, dizendo que o aluno chegou 15 minutos atrasado. Essa bobagem pedagógica mantém a escola dentro de um projeto que existe, sim, no Governo. As pessoas dizem que não existe um projeto para a educação. Existe! Existe um projeto, como bem disse a Deputada Dandara, de manutenção de desigualdades.
Eu quero dizer que ele começa na infância. Quando qualquer menina preta engravida, quando qualquer mulher preta engravida, já começa a luta. A mulher pensa: "O que eu vou fazer?" Ela não tem acesso a pré-natal, porque o posto lá da periferia, lá do quilombo, ele abre às 8 horas e fecha às 17 horas. Ela vai trabalhar às 7, sai às 18 e chega às 19. O posto fechou às 17 horas. E só há vinte fichas por dia. E o posto funciona só de segunda a sexta, não abre no fim de semana. Então, a política já é desenhada para que falte acesso. Quando consegue passar solitariamente pelo pré-natal, vai ganhar o neném, e todo mundo sabe os índices absurdos de violência obstétrica contra mulheres negras dentro dos hospitais e das maternidades públicas deste País.
Não satisfeitos com isso, não temos política de primeira infância, não temos política de creche. Então, a mãe já fica preocupada: "Com quem o bebê vai ficar?" Ou com a avó ou com o irmão mais velho. Não temos uma escola em tempo integral, uma escola num tempo que garanta vida, que garanta segurança para esses meninos. E a mãe vai louca para o trabalho, deixa os meninos sozinhos, que muitas vezes são seduzidos pelo tráfico, pela violência, vão cedinho cumprir medida socioeducativa. Não têm outro acesso. Nossos meninos não recebem as primeiras advertências antes das medidas socioeducativas. Essas medidas para a nossa criança já começam com semiliberdade, internação. Então, são meninos que rapidinho vão para presídio.
É por isso que eu digo que o projeto de educação que este País tem para nós, povo preto, começa no útero, quando a mãe engravida, e termina no cárcere. Isso acontece com aqueles que não são vítimas de genocídio. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado neste País. Existem salas de aula no ensino médio em que há vagas porque não existem alunos.
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Quando se diz que o Brasil vai viver muitos anos, a perspectiva de vida é muito grande, eu fico pensando: para quem é mesmo que a gente está falando? Nós estamos falando de um projeto político, pedagógico, de uma escola inclusiva, antirracista, para quem mesmo?
Terminado o meu tempo de fala, eu quero só provocar com uma história de como meu irmão viveu, para a gente pensar o que a escola significa para nós pretos. Ela é muito mais do que a proficiência em Português e Matemática. Uma educação antirracista garante a permanência, o acesso, o sucesso de pessoas negras na escola. A escola é um lugar que garante vida, não só alimentação, não. Muitas vezes também, muitas vezes precárias, porque pelo Malara nós fizemos várias pesquisas. Quando você cruza os dados de Ideb e evasão escolar, você vê que as comunidades quilombolas, indígenas, periféricas, são as mais prejudicadas, são as escolas que têm menos infraestrutura, que não têm alimentação, não têm mobiliário certo, não têm carteira, e são todas de pessoas pretas. E depois, quando chega ao mercado de trabalho, o profissional de recursos humanos olha para a menina preta, o candidato preto, e fala assim: "Mas você não veio de tal escola?" E aí vão discutir meritocracia em condições extremamente absurdas quando a gente chega lá.
Para finalizar, vou falar de meu irmão. Nós somos de uma família com oito irmãos, então a minha mãe pariu 8 anos consecutivos, família pobre, pai ausente, e é claro que a gente comeu lavagem, é claro que a gente teve muita dificuldade. Eram mamãe e vovó cuidando da gente, mas a mamãe sempre garantiu que a gente estivesse na escola. E quando eu tinha um irmão com 1 ano, eu tinha uma irmã com 8 anos, e no meio do caminho havia seis, e todo mundo com muita dificuldade. Então, na comida lá em casa, nunca faltou pimentão, porque a gente pegava da lavagem e tirava a parte podre. Nunca faltou tomate, a gente tirava da lavagem e não comia a parte podre. Mas um dia a professora falou com o meu irmão mais novo: "Rosenvaldo, nós vamos fazer um piquenique, e você vai ter que trazer seis maçãs". Ele pediu à mamãe: "Mãe, eu tenho que levar seis maçãs, mas, pelo amor de Deus, compra da banca". Comprar da banca significava não pegar da lavagem. A mamãe se esforçou e deu as maçãs da banca. Ele chegou à escola e falou, todo feliz: "Professora, olha aqui, eu trouxe as seis maçãs e elas não são da lavagem". A professora entendeu "lavagem", porque a nossa escuta também não acontece no ambiente escolar. Por isso que Luisa denuncia: "Eu falei, falei, mas não deu em nada". Não dá em nada, porque se naturaliza. O racismo é naturalizado. E ela falou: "Gente, ninguém come a maçã do Rosenvaldo, ele encomendou essa maçã da lavagem". Desse dia para cá, ninguém na minha casa come maçã, ninguém come maçã. Mas o meu neto adora maçã, desde pequeno. Hoje ele tem 13 anos. Hoje a gente compra maçã para ele, mas nenhum dos meus irmãos come maçã.
Eu quero falar de uma escola que garante o direito de comprar maçã da banca para todo mundo, mas para isso a gente vai ter que enfrentar os racismos.
Axé! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Axé! Vamos enfrentar!
Obrigada pela contribuição, Benilda. Tenho muito orgulho da sua contribuição para a nossa luta, para a nossa construção. E queria também aqui agradecer a presença da Sandra Sena, que atua hoje na nossa Frente Parlamentar Mista Antirracismo.
Que a gente possa também, Sandra, levar as contribuições desta audiência para todo o processo de construção que a frente tem elaborado hoje.
Passo a palavra para a Sra. Givânia Maria da Silva, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — Conaq. Eu e Givânia fomos juntas do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Eu era muito mais jovem do que sou hoje, mas a Givânia é sempre uma referência potente.
Obrigada.
A SRA. GIVÂNIA MARIA DA SILVA - Obrigada, Dandara. Eu quero cumprimentar todas as presentes. Vou dizer "todas" porque nós somos maioria e eu costumo levar "todas" porque a gente foi "todos" por muito tempo.
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Dandara, quando você entrou ali, a Cris, minha colega que está ali, educadora desse projeto, falou assim: "Nossa, mas Dandara é muito jovem!" Eu falei: "Gente, Dandara era uma dessas meninas quando eu a conheci, era uma dessas meninas". A Dandara que está sentada aqui poderia ser qualquer uma de vocês quando eu a conheci. E quando a gente entrou aqui, elas se sentaram ali, eu disse: "Estão sentadas aí agora, mas logo, logo, quero nas duas primeiras filas e naquela mesa". Todas vocês estão convidadas a se sentar, porque ali está escrito: "Exclusivamente para Parlamentares". Eu disse a elas que quero todas sentadas aqui nas duas primeiras filas e do lado de lá. E é para isso que a gente trabalha, Dandara, e é para isso que você está aqui, então tenho gratidão pela sua existência.
Bom, eu sou Givânia Silva, eu sou professora, sou pesquisadora, sou da coordenação nacional dos quilombos do Brasil, movimento cuja primeira formação completa 30 anos hoje, e é incrível o que Lara vai falar; o que Eduardo, da Secadi, falou de manhã. Tem a ver, Dandara, com a carta que nós entregamos nesta Casa há 30 anos, no período da marcha, e é incrível que três décadas depois nós estejamos falando das mesmas coisas. Neste momento, graças à força do povo, nós estamos falando de possibilidades, mas também já viemos aqui falar e já denunciamos impossibilidades. Então eu acho que é preciso pensar as histórias. Quando a gente escreveu sobre a necessidade de mudar o material didático, talvez a Dandara — não sei se Dandara já tem 30 anos — estivesse nascendo, quando nós escrevemos a primeira carta. O movimento negro em geral escreveu uma carta maior, e nós, quilombolas, escrevemos uma carta falando que o livro didático não nos representava, que a formação de professores precisava mudar, os currículos também. Dandara tinha nascido, estava nascendo, e 30 anos se passaram.
O bom disso, Dandara, é ver você aqui hoje e a alegria que a gente sente, mas a tristeza é que a gente mudou ainda muito pouco e a gente escuta a fala da Luisa, de quanto isso influencia numa escola. Ela diz que a escola dela é muito boa. É muito boa de conteúdo, mas, quando se observa que a escola não é só conteúdo, você encontra as falas. Então, nós precisamos atuar.
Mas eu queria me dirigir... Atualmente eu também sou conselheira do Conselho Nacional de Educação, eu componho a Câmara de Educação Básica. É outra forma de enfrentar os racismos, como designou aqui a Benilda. Sou eu a única pessoa negra naquele conselho. Então, imaginem que o Brasil tem 56% de negros, mas no conselho é 0,0%, porque, de todas as pessoas que estão lá no Conselho Nacional, eu sou a única mulher negra, a única pessoa negra — não só mulher, a única pessoa negra. E eu digo que fico num desafio que é de apitar o jogo, jogar e ser a gandula, porque em todo tema que para lá, que está relacionado com a população indígena, com os povos indígenas, que não tem representação nesse momento no conselho, eu vou para a frente. Imagino você aqui. Tudo que aparece com o tema racial é para mim, então é um desafio também para a gente estar nesses lugares, apesar de ser necessário isso. Por isso que essas meninas vão ampliar isso e por isso que, certamente, logo mais a gente tem muitas Dandaras aqui, Dandaras Parlamentares.
Mas eu queria focar a minha fala nesses últimos minutos que me restam sobre a importância do PNE e a relação que os Estados e Municípios têm. E que bom que estou falando e há um Parlamentar — o senhor é Vereador, não é?
17:25
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Eu queria me dirigir ao senhor no sentido de que possa também contagiar os colegas e contar a eles sobre a necessidade de as Câmaras de Vereadores não fecharem os olhos para isso que estamos dizendo aqui.
Eu tenho alertado muito, Deputada Dandara, no nosso grupo e aonde eu vou, que precisamos enfrentar este debate aqui na Câmara, como estamos enfrentando. Nós temos esta audiência aqui hoje, no dia 7 temos outra no Senado, também discutindo o PNE, puxada também por uma Parlamentar do Partido dos Trabalhadores, a Senadora Teresa Leitão, professora como nós, educadora, sindicalista.
Se os Estados e os Municípios, na votação dos seus planos estaduais e nacionais, não ficarem atentos, o racismo é capaz de consumir ou destruir as conquistas que conseguirmos aqui. Então, isso é para lembrarmos que as escolas são, na sua grande maioria, dos Municípios, quando não são dos Municípios, são dos Estados. E os Estados e os Municípios precisam incorporar uma concepção de educação antirracista e educação antissexista nos seus planos. Se assim não fizerem, todo o nosso trabalho aqui vai cair por terra, porque o Estado tem autonomia para construir seu plano, para construir seu projeto político pedagógico, seus projetos políticos, seus currículos.
Então, eu queria pedir que o senhor, como Parlamentar, seja porta-voz onde o senhor for, levando essa mensagem. Os Parlamentares municipais e estaduais não podem cometer mais essa atrocidade de ignorar isso que está sendo discutido e as conquistas que nós temos, de toda a sorte, incorporado no plano que vai reger nossas vidas por 10 anos.
É impossível que fiquemos lá no Município reclamando do que acontece no Governo Federal, se não nos dermos o trabalho de fazer o que temos que fazer, se não cumprirmos o nosso papel, tanto no Executivo como no Legislativo. Eu falo isso porque também já fui Parlamentar por dois mandatos no meu Município e eu sei como é desafiador debater temas como este, mas eles são necessários e são precisos.
Quando nós olhamos para a população, temos 56% da população. Então, nós estamos falando dos eleitores, das eleitoras, de quem elege os senhores e as senhoras para chegar em qualquer espaço. Então, é impossível ignorar isso que está acontecendo.
Por fim, Deputada Dandara, quero citar só um dado, ao qual é preciso ter atenção. Nós temos quilombos em 30% dos Municípios brasileiros e não são só na zona rural. As grandes capitais, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, têm quilombos. Belo Horizonte talvez seja a capital com maior número de quilombos urbanos. Mesmo assim, no meio rural, a escola fora de um quilombo tem um tratamento, a que fica dentro do quilombo tem outro tratamento. É um absurdo olharmos isso e ainda aceitarmos.
E o IBGE, no primeiro e único censo que existe — lembrando que o censo é feito há muitos anos —, revela que a população quilombola de 15 a 35 anos de idade é quase três vezes mais analfabeta do que a população comum do Brasil.
17:29
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Gente, não é possível mais olharmos dados como esses — que não somos nós, a militância, que estamos criando, são dados oficiais — e os ignoramos na elaboração e na votação dos planos de educação, neste nosso que nós estamos discutindo aqui, o nacional, mas também na repercussão dele nos Estados e nos Municípios.
Então, eu queria agradecer por este espaço e registrar essa preocupação que temos. A Conaq tem insistido muito nesse tema de olharmos para os Municípios, de olharmos para os Estados, de tencionarmos os Estados também, porque é muito cômodo você dizer que o Governo Federal não fez, mas você também não faz. O Governo Federal é um, mas nós precisamos atuar conjuntamente.
Se Estados e Municípios não aderirem à política de que a Lara vai falar aqui, de nada vai adiantar, porque nós temos a nossa construção de sociedade e de governança, e nem tudo é feito aqui, nem tudo é feito lá. Então, as partes precisam atuar, começando pelo Governo Federal, e nós estamos tensionando isto aqui, mas nós também precisamos tensionar os Estados e os Municípios para que saiam de cima do muro e atuem de forma a combater efetivamente as desigualdades.
Quando ouço o discurso "Quero combater a desigualdade, quero combater a desigualdade", eu sempre pergunto: onde está a desigualdade? Isso porque todo mundo sabe onde está, mas ficamos falando de desigualdade de modo genérico, porque é fácil, porque não queremos enfrentar o racismo que compõe cada um de nós nesta sociedade tão racista e tão sexista.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Que potência, Givânia, sua fala e sua contribuição! Muito obrigada.
Eu acho realmente que temos muito o que avançar ainda no cumprimento dessas leis importantes. O Brasil é referência em projetos que determinam igualdade, equidade, mas nós ainda temos muita dificuldade de conseguir aplicar essas leis. De fato, sem formação de professores, sem material didático, sem formação continuada, não vamos ver diferença.
E eu tenho defendido, Givânia, que realmente mexamos no bolso, porque, às vezes, é só assim que as pessoas percebem o quão ineficaz aquela política pública está sendo. Então, eu tenho defendido duas coisas. Primeiro, não dá para um curso de licenciatura ser nota 5 na Capes, no CNPq, nota máxima, se ele não cumpre a Lei nº 10.639, de 2003. Não dá para um curso que forma professores de história, filosofia, ciências, português ter uma avaliação, sendo que ele tem uma disciplina que chamamos, vice-reitora, de optativa.
Eu fiz pedagogia, sei o que é isso. É aquela disciplina que não está na sua grade curricular, ela é uma disciplina optativa, mas que, se você não a fizer, você não se forma. Disciplinas de 40 horas, 60 horas para trabalhar história da África, história afro-brasileira, história indígena? Não, não é sério! Não é, gente? Não é sério! Até porque eu tenho volumes de livros de história da África lá em casa com volumes 1, 2, 3, 4, 5, desta grossura. Então, não dá!
Segunda coisa: os Municípios que não cumprirem a Lei nº 10.639, de 2003, lá no ensino fundamental, lá na pré-escola, não devem receber todos os recursos do FNDE. Nós temos cidades que estão recebendo milhões para formação de professores, material didático, ônibus escolar, e não estão cumprindo a lei.
17:33
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Então, nós temos que ter algum tipo de sanção. Não pode passar naturalizado. São 22 anos da lei, e os Municípios não estão a cumprindo. Então, nós estamos defendendo isso.
Eu sou uma filha de Iansã e Xangô também. Eu atuo sempre no amor, mas, de vez em quando, é pela força do ódio também. (Risos.)
Então, eu acho que nós temos que seguir provocando alguns sentimentos também nas pessoas para podermos avançar.
Eu passo agora a palavra para a Lara Oliveira Vilela, que fará suas contribuições.
Obrigada pela presença.
A SRA. LARA OLIVEIRA VILELA - Obrigada.
Oi, gente. Tudo bem?
É um prazer estar aqui.
Queria agradecer pelo convite, agradecer à Deputada Dandara pelo convite, por propor esta Mesa tão importante.
Queria agradecer as falas que me antecederam.
É uma honra estar aqui com essas referências que eu tenho, a Jullyane, a Luisa, a Benilda, a Deputada Dandara, a Givânia. Felizmente conheço muitas das que estão aqui há um tempo já e quero continuar lutando juntas por muito tempo ainda.
Eu vim aqui enquanto representante do Ministério da Educação. Eu sou a Lara Vilela. Eu sou Coordenadora-Geral de Educação para as Relações Étnico-Raciais.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu queria trazer aqui uns dados de desigualdade de aprendizagem, de acesso, porque acho que é importante trazer esses dados para o debate.
A gente trouxe aqui os temas sensíveis, que são extremamente importantes, mas há uma hora em que, quando a gente tem que convencer uma legislação a alterar algo, a gente tem que mostrar que não dá para continuar mais. Quando a gente fala de Ideb, todo secretário ou secretária já sabe exatamente qual é o seu número, como faz o cálculo, mas muitos não sabem qual é a diferença de aprendizagem entre crianças brancas e negras. Eles só sabem o dado na média. Só que a gente quer que todos os nossos estudantes tenham acesso, tenham aprendizagem, tenham acolhimento na escola. É muito mais a escola do que a nota do Ideb, mas ela também é importante para a gente ter alguma medida de como quer caminhar com o Plano Nacional de Educação e com as políticas municipais, estaduais e federais.
Eu queria reforçar também que a gente acredita que o Plano Nacional de Educação é um instrumento estratégico para o desenvolvimento do País, que tem diretrizes, tem metas, tem ações para todas as etapas educacionais, desde a educação infantil até o ensino superior, para que seja de fato eficiente, que chegue para todos os nossos estudantes com qualidade. Queremos que este momento seja acolhedor para todo mundo, independentemente de raça, cor, precisamos que haja participação social e foco na equidade nesse instrumento.
Então, para isso, eu queria trazer aqui alguns dados. Eu o farei bem rapidinho aqui, Deputada Dandara, prometo não passar muito meu tempo.
O primeiro é este aqui. Qual é o percentual da população de zero a 3 anos de idade que frequentava escola ou creche? Como a Benilda disse, a creche não é uma etapa obrigatória. Todos os Municípios não são obrigados a ofertar 100%. Então, todos os estudantes não têm vaga. Assim, a gente precisa pensar que deve ser priorizado quais estudantes vão frequentar a creche. Aquelas crianças de famílias mais vulneráveis, que a gente sabe exatamente que têm raça, têm cor, têm classe social, elas precisam estar priorizadas na fila das creches, porque não existe creche para todo mundo.
Se vocês forem olhar esses dados que eu trago aqui, a linha de cima é o percentual de acesso das crianças brancas e a linha de baixo é o percentual de acesso das crianças negras. Então, vocês veem que há uma desigualdade persistente ao longo dos anos de quem está acessando a creche.
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E todo mundo sabe aqui a importância de ter um lugar seguro e com profissionais qualificados para deixar a criança, pensando no desenvolvimento da própria criança também. A etapa da educação infantil é essencial para a formação enquanto ser humano de todo mundo. Então, a gente precisa que as nossas crianças estejam acolhidas com profissionais qualificados para atendê-las.
Outro gráfico semelhante, mas de uma etapa completamente diferente, que eu trago aqui é o percentual da população de 15 a 17 anos de idade que frequentava o ensino médio ou o havia concluído, analisando também por raça/cor. E de novo vocês veem que a linha de cima são os estudantes brancos e a linha de baixo são os estudantes negros.
Em 2021, enquanto 80% das crianças brancas de 15 a 17 anos estavam frequentando o ensino médio ou o tinham concluído, 70% dos estudantes negros estavam nessa mesma situação. E por que isso? Não é porque nossos estudantes negros não querem terminar o ensino médio. Sabemos muito bem que, na verdade, possivelmente, eles enfrentam dificuldades na escola, como as meninas relataram aqui. Então, eles têm mais possibilidades de evasão, eles recebem professores que estão mais aversos a eles mesmos por conta da cor que eles têm. Às vezes, eles precisam compor a renda familiar de suas famílias, então eles precisam evadir também. Mas temos que mudar essa realidade, não é possível que mantenhamos essa desigualdade persistente, como foi ao longo dos anos.
Eu trago aqui também o percentual de crianças do 2º ano do ensino fundamental que estavam alfabetizadas, por raça/cor. Vou só trazer a comparação de dois dados aqui. Este gráfico tem bastante coisa. Em 2019, enquanto 70% das crianças brancas estavam alfabetizadas na idade certa, que é o segundo ano do ensino fundamental, 52% das crianças negras estavam alfabetizadas. De novo, por que não estamos alfabetizando todas as nossas crianças?
E eu trago esses dados porque eu quero dizer que o PNE precisa trazer metas claras de qual é a desigualdade que precisamos enfrentar. Não pode só falar "Queremos avançar na alfabetização", que é superimportante, todo mundo quer avançar na alfabetização, mas precisamos avançar na alfabetização para todos, para todos na idade certa, para as crianças brancas e para as crianças negras. E, para chegarmos a isso, precisamos de metas que tragam o trabalho de acabar com essa desigualdade.
Esta aqui é a nota do Sistema de Avaliação da Educação Básica — Saeb, de que eu falei no começo da minha fala. A linha de cima é a nota média de língua portuguesa dos estudantes brancos do 5º ano, e a linha de baixo é a nota média dos estudantes negros, também de língua portuguesa. Então, vocês veem também que há uma diferença enorme ao longo dos anos, e que ainda aumentou. A nota média que o estudante preto teve em 2023 é a mesma nota média que o estudante branco teve em 2009. São mais de 10 anos para atingir a mesma nota média. Por que isso? Por que as nossas crianças negras estão aprendendo menos?
Precisamos colocar qual é a meta de redução das desigualdades para todas as etapas de ensino, não só para a alfabetização, como está no projeto hoje. E devemos trabalhar junto com todos os campos da sociedade que são responsáveis pela oferta da educação básica. Então, é preciso pressionar o Legislativo, pressionar o Governo Federal, o Executivo, mas também os entes subnacionais, os Municípios e os Estados.
E aqui acho que uma ideia interessante que está no Plano Nacional de Educação, no PL, agora, é ter a aprovação do Sistema Nacional de Educação, aproveitando para colocar também canais de escuta e trabalho permanente com as comunidades, com os movimentos sociais, com os movimentos negros e quilombolas. Estas são as pessoas que estão sabendo o que está acontecendo na sala de aula, que estão sabendo quais são as realidades dos nossos estudantes brasileiros, e elas precisam trazer para o poder público e cobrar o poder público melhorar a educação que está sendo ofertada. E precisam, então, de canais em que eles vão ser ouvidos e vão trabalhar permanentemente.
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Em relação à desigualdade de aprendizagem, há uma meta também no PL do PNE que fala do percentual dos nossos estudantes que estão na faixa adequada. E eu trago aqui a diferença entre crianças pretas e brancas. Há as outras também, eu só circulei para facilitar porque há muitas informações neste gráfico. Queremos colocar quais estudantes na faixa adequada?
Hoje, quando olhamos para a nota de 2021, no desempenho de língua portuguesa — vocês conseguem ver ali a primeira linha e depois a quarta —, o percentual de quem está abaixo do básico é muito maior para as crianças pretas do que para as crianças brancas. Quando aumentamos, vemos que vai avançando na nota média para o adequado e para o avançado, também temos que olhar para raça/cor dos nossos estudantes, olhar também para os nossos estudantes indígenas, quilombolas, amarelos. Queremos entender exatamente onde eles estão colocados nos níveis de faixa de aprendizagem, porque queremos que todo mundo avance, mas, para todo mundo avançar, precisamos olhar para a equidade.
Por fim, neste último gráfico que eu queria trazer, vemos o índice de infraestrutura escolar elementar. Também fala o PL sobre a infraestrutura das escolas. Temos algumas escolas com infraestrutura. A Luisa trouxe que a escola dela tem uma infraestrutura legal, mas será que todas as escolas têm infraestruturas tão boas assim? Será que não precisamos melhorar? E temos que pensar quem são os estudantes que estão frequentando essas escolas de educação pública com melhores infraestruturas.
Existe já esta pesquisa que foi feita pelo IBGE, inclusive, pelo Censo Escolar de 2023. Quando vocês veem os gráficos, esse verdinho é o percentual de escolas com maior quantidade, o verdinho é maioria branca, e em cima são escolas com melhores infraestruturas. Então, obviamente, as escolas com melhores infraestruturas são escolas de maioria de estudantes brancos.
Por que eu trago isto aqui? Porque precisamos pensar em melhorar as escolas onde estão os nossos estudantes mais vulneráveis. A educação só melhora quando eles estão em escolas com lugar para o debate, como a Luisa mencionou, com quadra poliesportiva, com laboratório de informática. Quando falamos das escolas indígenas, é muito pior, inclusive é a linha de baixo ali. Há 52% de estudantes indígenas que não estão em uma escola com infraestrutura elementar básica.
Enquanto isso, no Ministério da Educação, no ano passado, lançamos a Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola — PNEERQ, que foi instituída pela Portaria nº 470, de 14 de maio de 2024. A PNEERQ, que é o nome dessa política, é uma continuidade da Lei nº 10.639, de 2003, que foi modificada pela 11.645, de 2008. Trazemos os nossos principais objetivos, como a estruturação de um sistema de metas e monitoramento, assegurando a implementação da Lei nº 10.639, de 2003. Foi o que a Deputada Dandara já trouxe aqui, que é o Diagnóstico Equidade, que vai ter continuidade, inclusive vamos aplicar novamente no ano que vem, para entendermos o quanto avançaram Estados e Municípios na implementação da Lei nº 10.639, de 2003.
17:45
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Os outros objetivos são: formar profissionais da educação para relações étnico-raciais e educação escolar quilombola, ou seja, capacitar nossos profissionais para que eles estejam preparados para receber nossos estudantes, eles entendam quais são os vieses inconscientes que eles têm ao lidar com todos os nossos estudantes; prevenir e dar respostas a práticas racistas na educação básica — vamos enviar para todas as escolas, ao final deste semestre, protocolos de enfrentamento e prevenção do racismo, para que todas as escolas estejam preparadas e tenham mecanismos para enfrentar as práticas racistas —; induzir a construção de capacidades institucionais; reconhecer avanços daquelas redes que têm trabalhado para isso; superar a desigualdade étnico-racial; e consolidar a modalidade Educação Escolar Quilombola.
Com isso, eu queria finalizar a minha fala. Até peço perdão por ter avançado no tempo, mas eu queria só trazer que o Plano Nacional de Educação avançou bastante em relação ao último plano quando falamos do trabalho que tem que ser feito para a equidade na educação. Mas é importante também que avancemos ainda mais e coloquemos metas e objetivos que todos os Secretários Municipais e Estaduais tenham que cumprir para diminuição da desigualdade, tanto de acesso quanto de aprendizagem, e que também construam as nossas escolas de forma que sejam acolhedoras para todos os nossos estudantes.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Lara. Mande um abraço à nossa querida Zara, outra mineira dedicada na Secadi, e ao Ministro Camilo Santana. Agradecemos muito pela contribuição.
Eu queria convidar a Roberta Eliane Santos Froes, nossa Vice-Reitora da Universidade Federal de Ouro Preto, para que ela possa fazer também uma saudação neste espaço. É muito bom ter magníficas negras aqui.
A SRA. ROBERTA ELIANE SANTOS FROES - Boa tarde.
Para mim, é um prazer e um privilégio estar aqui falando com vocês, ouvindo vocês principalmente.
Como a Deputada Dandara disse, não é fácil estarmos neste lugar. Não é fácil ser uma Vice-Reitora hoje, uma Vice-Reitora preta, fazendo parte de um grupo muito pequeno ainda de representatividade de reitores e reitoras pretos, num país que é majoritariamente preto. Na universidade de onde eu venho, a Universidade Federal de Ouro Preto, 55% da entrada são de alunos negros. E, quando vamos ocupar os cargos, os espaços de decisão, onde estão as pessoas pretas?
Eu gostaria só de pontuar algumas questões nas falas das nossas queridas colegas aqui. Nenhuma experiência é única. Não é, Luisa, Benilda? Eu tenho certeza de que os relatos falados aqui são comuns a todas, a todas as mulheres pretas, ou meninos pretos também, que tiveram essa presença dentro da escola.
E eu gostaria de pontuar uma questão, Deputada Dandara, em relação ao PNE. Estamos vendo aqui os alunos de ensino fundamental falando, as alunas falando. Mas é muito importante frisarmos, pelo menos do meu ponto de vista, que o ataque principal, a mudança principal tem que ser lá na educação básica, na creche ainda.
Nós nos entendemos negros. Acabamos não nos entendendo negros, somos acusados de ser negros. Nós nos descobrimos negros sendo acusados de sermos negros. É quando o coleguinha vira para você e fala: "Ah, aquela preta ali, nós não vamos brincar com ela". É dessa forma. E, quando vamos olhar, a experiência é a mesma para todas nós, é a mesma experiência.
Então, eu confio muito nessa movimentação do novo PNE. Confio muito que as ações principais precisam ser tomadas e serão tomadas, mas, enquanto tivermos uma escola em que a criança já chega com o viés racista — falo muito sobre isso quando vou conversar com as pessoas —, a pergunta é onde ela está aprendendo a ser racista. Em casa? Se o adulto protetor que está na escola não faz nada, ele está sendo conivente, ele está ajudando a formar um racista. No ensino médio isso se potencializa. Nas universidades isso se potencializa. Na sociedade civil isso se potencializa.
17:49
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Falei com a Secretária de Educação do nosso Município, e estou com um Vereador do nosso Município aqui. Minas Gerais, infelizmente, é o segundo pior Estado em termos de implementação da lei, o segundo pior, e isso me envergonha, porque eu estou lá formando alunos, formando uma comunidade universitária, e nós estamos no ranking como o segundo pior do País. Isso envergonha.
Eu perguntei para a Secretária de Educação o que vai ser feito, porque nós temos um passivo enorme de professores já em atuação, que não vão passar pela implementação. Nas universidades isso está começando agora, ainda é muito incipiente. E aí, o que vai ser feito? Eu tenho cobrado do nosso Município, e precisamos cobrar do Estado o que vai ser feito com o passivo de professores que já estão em atuação e que são os adultos protetores dessas crianças negras que estão dentro da escola, mas que muitas vezes, muitas vezes, negam, viram as costas, tratam como se fosse bullying. Racismo não é bullying. Racismo é racismo, e tem que ser tratado como tal. Negligenciam isso.
Fica esta consideração, que eu gostaria de pontuar. Nós precisamos de fato movimentar os nossos professores nessa educação, e também as outras pessoas que lidam na escola, não somente os professores, mas qualquer pessoa que atue dentro da escola, e não apenas aqueles que irão para o mercado, mas também aqueles que já estão no mercado. Como nós vamos fazer isso eu não sei, como obrigar essas pessoas a passar pelo processo de formação nós não sabemos, mas algo precisa ser feito, sim.
Eu sou mãe de dois meninos negros, e eu achava que, quando eu tivesse meus filhos, o mundo já seria diferente. Não sei se eu era muito ingênua bem antes de ter os meninos, que hoje têm 13 anos e 10 anos. É muito difícil ter que dizer para o seu filho: "Olha, não venha correndo da escola, porque você é um menino preto". Outro dia ele mesmo falou comigo: "Ah é, mãe, eu já lembrei por que eu não posso correr, é porque eu sou um menino preto, né?" Eu respondi: "É, você não pode correr na rua". Até quando vamos ter uma sociedade desse jeito?
Muito obrigada pela oportunidade. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Roberta. Sua força e sua coragem nos inspiram demais. Que bom saber que lá nos "Ouros Pretos" de Minas Gerais temos uma vice-reitora mulher negra. Obrigada mesmo.
Eu queria passar a palavra, para a sua saudação, ao meu amigo e companheiro de longa data Lucas Carignato, que é Vereador em Caxias do Sul e é Presidente da Câmara. Que bom ter preto ocupando espaço também no Rio Grande do Sul.
O SR. LUCAS CAREGNATO - Boa tarde a todos e a todas.
Quero saudar e parabenizar a companheira Deputada Federal Dandara, nossa referência na luta.
Eu comentava com a minha assessora, a Rúbia, que essa mulher uma hora está em Nova York e outra hora está no interior de Minas. Mas é isso mesmo, a gente trabalha bastante para dar conta de todas as demandas.
Eu sou Lucas. Venho de Caxias do Sul, a segunda maior cidade do Estado do Rio Grande do Sul. Estou Vereador, e sou historiador, doutor em educação. O tema da minha tese de doutorado é a educação das relações étnico-raciais pela trajetória de intelectuais negras, a Petronilha e a Nilma, então esse tema está na minha trajetória como militante, como professor, como pesquisador e agora como Vereador Presidente de um Poder Legislativo que é a segunda maior Casa Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul.
17:53
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Ouvi atentamente a fala da Lara. Há décadas eu venho a estas salas discutir isso. A nossa Lei nº 10.639 é de 2003. Muitas coisas nós fizemos. Eu sou professor da educação básica também. Saí de sala de aula e fui para o mandato eletivo em 2020. Quando eu volto para as escolas... Eu venho de Caxias. Vocês devem ter acompanhado o caso da colega professora que foi vítima de uma tentativa de homicídio em Caxias e quase foi assassinada. Isso abalou muito. Eu fico pensando nos problemas todos que são peculiares da educação básica, fico pensando na saúde mental dos profissionais da educação, na desvalorização, nestes temas todos que se colocam hoje para tirar o foco dos problemas reais da educação, como ideologia de gênero, modelo de escola cívico-militar, etc., etc. Mas, quando eu penso na realidade da educação infantil... E eu concordo com a vice-reitora. Inclusive, Deputada Dandara, nós conseguimos uma emenda parlamentar, em parceria com o IFE, para uma formação em educação das relações étnico-raciais para as colegas professoras da educação infantil, que, na sua maioria, têm os piores salários. E o número bem restrito que nós temos de colegas professores negros e negras está na educação infantil, justamente porque é o posto mais insalubre, é aquele que vai ter o cuidado inicial de trocar fralda, de alimentar, e que na nossa cidade são colegas celetistas.
Eu fico pensando na importância da educação básica, na importância de nós reforçarmos isso, mas os números estão aí, a distância ainda é atroz, passados mais de 20 anos da Lei nº 10.639. Vocês se lembram de quando chegou A Cor da Cultura. Eu estava na graduação em História. Aquilo era uma alegria! O meu estágio obrigatório em História do Brasil I foi com material do projeto A Cor da Cultura. Hoje avançamos. Temos plataformas digitais, inteligência digital, mas a educação das relações étnico-raciais não é implementada — não é —, e não há uma fiscalização efetiva, nem por parte do Poder Legislativo, nem por parte do Ministério Público, nem por parte do Tribunal de Contas, quando tudo é prioridade. Fui Presidente do Conselho Municipal de Educação da minha cidade em 2020. Eu lembro que àquela época, 2020, havia toda uma preocupação das redes, porque nós tínhamos a BNCC, então ia haver fiscalização da Lei nº 10.639. Aí veio a pandemia. Tudo parou. Estamos em 2025, e agora outros problemas se apresentam, como o desemprego, a crise econômica, e nós não conseguimos dar conta.
Eu queria pontuar isso. Eu sei que o MEC tem na Secadi uma turma de colegas resistindo contra a corrente, mas a Secadi é uma parte só, e há uma série de outras políticas, de outras ações e de outras prioridades.
Por fim, Deputada Dandara, deixo aqui um convite para a senhora e para todos e para todas, que é pensar na intersetorialidade. Na educação, nós ficamos sempre pensando na escola, ou na universidade, na instituição de ensino, mas, para implementar a educação das relações étnico-raciais, nós precisamos que essa criança da educação infantil coma, que ela tenha casa, que a mãe dela tenha atendimento na UBS, que agente comunitário de saúde vá à casa dela. Muitas vezes nós ficamos só no nosso — vou usar um termo lá da nossa cidade — gabioto, que é um espacinho pequenininho. Ficamos pensando só na educação, na escola, enquanto as outras políticas lavam as mãos, ou seja, a saúde está pensando só na saúde, a assistência social... Na nossa Câmara de Vereadores, a Presidência vai fazer um evento em novembro, na Semana da Consciência Negra. Sei que todos os senhores e senhoras vão estar muito envolvidos. Deputada Dandara, ficamos pensando num legado do nosso mandato. Os Presidentes têm como hábito elaborar obras, algum material que fique como seu legado. Este é o ano dos 150 anos da imigração italiana. Nossa cidade recebeu uma presença forte de italianos. Eu sou filho adotivo de uma família de imigrantes italianos. Fui provocado por várias pessoas. A cidade está produzindo muita literatura e historiografia. Então, "só para contrariar" — grupo que eu já cantei e dancei muito —, a Câmara de Vereadores de Caxias vai produzir um material paradidático para educação infantil e anos iniciais. Nós vamos custear isso. Eu queria convidá-la, Deputada Dandara, para esse evento que pretendemos fazer em novembro e que pode servir de inspiração para outras Câmaras que tenham essa possibilidade de produzir material, de forma muito módica, muito simples, para subsidiar especialmente a educação infantil, a pré-escola, dos 4 anos aos 5 anos, e os anos iniciais, porque acho que isso falta na formação dos professores.
17:57
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Agradeço a deferência. Nós estamos lá no sul do mundo existindo e resistindo. Que bom poder estar nos aquilombando com vocês neste momento. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada. Temos muito orgulho dessa construção, dessa presença potente na política que está fazendo muito por nós e pelo nosso povo. Obrigada mesmo.
Passa a palavra para a Patrícia Alba, nossa Deputada Estadual do Rio Grande do Sul.
A SRA. PATRÍCIA ALBA - Boa tarde.
Quero cumprimentar de forma muito especial a Deputada Dandara e toda a Mesa e cumprimentar meu conterrâneo Vereador de Caxias do Sul. Eu também sou do Rio Grande do Sul. Hoje estou Presidente da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa. Venho a esta Casa justamente debater, conversar, para nos apropriarmos dos temas que necessariamente, obrigatoriamente, precisam fazer parte desse plano, até porque este ano o plano nacional vai ser aprovado, e no próximo ano os planos estaduais. Nós temos a missão de levar todas essas temáticas, que são importantíssimas para o desenvolvimento do nosso País.
Nada mais importante do que a igualdade, e a igualdade só acontece quando nós temos oportunidades iguais. Ela não vai acontecer de maneira mágica. A Lara trouxe algumas informações que são extremamente preocupantes. Como pode, dentro de uma mesma sala de aula, nós termos diferenças no aprendizado? É claro que nós sabemos das razões disso, mas precisamos combatê-las, e a educação, a sala de aula é o local apropriado.
Eu trago uma informação do nosso Estado do Rio Grande do Sul. O Rio Grande do Sul é o Estado que apresenta o maior hiato de desigualdade na educação entre negros e brancos. Então, precisamos estar extremamente atentos, porque esse número indica que nós estamos falhando, e é no Estado e nos Municípios que nós temos as escolas, que nós temos a efetivação da educação.
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Vereador, assim como o senhor está fazendo na Câmara de Vereadores, nós na Assembleia também temos o planejamento de trabalhar dentro das salas de aula todos esses assuntos, todas essas temáticas, não só étnico-raciais, mas também a desigualdade entre homens e mulheres, que acaba sendo bem mais chamativa, digamos assim, quando se trata de mulheres negras. Isso nós temos que levar para a sala de aula, porque é lá que nós temos que formar os cidadãos.
Eu estou tendo aqui uma oportunidade. Fiz questão de participar desta audiência porque essa temática nós também vamos colocar no plano que nós vamos fazer no nosso Estado do Rio Grande do Sul após a aprovação do plano nacional aqui.
Parabéns pelo trabalho! Sigamos em frente. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Patrícia, nossa Deputada Estadual. É isso mesmo. Depois de aprovarmos o Plano Nacional de Educação, temos que aprovar os Planos Estaduais, e depois o debate também chega aos Municípios. Então, é fundamental fazer esse processo casado, para não perdermos o acúmulo do debate, para que possamos avançar juntas e juntos nessa caminhada. É muito bom ver que temos Vereador, Deputado, Vice-Reitora participando do debate de hoje.
Eu queria agradecer muito à Fernanda, da Comissão, que está aqui do meu lado.
Tem a palavra a Vereadora.
A SRA. TEREZINHA MARIA BACCIN POLETTI - Boa tarde a todos. Estou aqui hoje por acaso. Sou Vereadora do Município de Campinas do Sul, no Rio Grande do Sul. Eu não sabia que ia acontecer esta audiência pública. Achei o tema muito importante. Fui Secretária Municipal de Educação no meu Município por 8 anos e hoje sou Vereadora.
A gente participou do Fórum da Educação em Novo Hamburgo e lá discutimos um tema muito importante, que foi o PNEERQ. Foi homenageada uma pessoa em vida, o que a gente achou muito importante e interessante: a Petronilha. Agora todos os Municípios vão desenvolver um projeto sobre a questão racial. E uma das coisas a que os Municípios, a que as Secretarias Municipais de Educação têm que estar atentos quando se trata da questão racial são as condicionalidades do Vaar, da complementação do Fundeb. Se o Município não cumprir a condicionalidade III, que é a questão racial e a da desigualdade, o Município perde muito recurso. São cinco as condicionalidades, e essa é uma condicionalidade que fez vários e vários Municípios perderem recursos, porque não a cumpriram.
É muito importante despertar os Municípios, as nossas Secretarias Municipais de Educação, e também o Estado, para trabalhar esse tema. E não estou falando do recurso. A gente vive num País em que às vezes a questão racial é deixada de lado, não é trabalhada nas escolas. Felizmente, isso está vindo para fortalecer esse tema em todos nós que trabalhamos todos os dias nas escolas, em tudo que é lugar. A gente tem que respeitar isso e tem que trabalhar. (Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada pela presença.
Eu queria agradecer à Fernanda e, na pessoa dela, a toda a Comissão de Educação pelo suporte, pela ajuda.
E quero explicar para vocês que a sessão do plenário já começou. Há mais de meia hora está havendo votação. Estão vendo esta luzinha piscando aqui? Ela está piscando há 40 minutos, para indicar que temos que encerrar a audiência e ir para lá votar. As votações das quartas-feiras são presenciais, lá no plenário. Então, não vamos ter tempo para mais inscrições hoje, para mais falas, mas ainda vamos ter debates sobre o PNE ao longo deste ano, no Senado e em outros espaços.
Eu também queria agradecer muito ao Jules, assessor do nosso mandato que se empenhou muito para fazer acontecer esta audiência. É muito difícil conseguir um plenário na quarta-feira, ainda mais em horário de sessão. É muita luta. Obrigada, Jules.
Eu queria agradecer a presença dos convidados e das convidadas. Fico muito honrada com as exposições, com as colocações. Espero que agora possamos dar encaminhamento a esses acúmulos que nós produzimos. (Palmas.)
E agora a petição.
A SRA. LUISA ARIYA SOUZA PAIVA - Só para finalizar, quero dizer rapidinho que o nosso projeto mobilizou, movimentou uma petição para apoiar a nossa causa por um PNE antirracista e antissexista. Conseguimos bastantes assinaturas, e estamos entregando a petição para a Deputada Dandara. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Declaro encerrada a presente audiência pública.
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