3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Centro de Estudos e Debates Estratégicos
(Racismo na história, nas estruturas sociais e nas instituições: diagnóstico e propostas de superação)
Em 29 de Abril de 2025 (Terça-Feira)
às 17 horas
Horário (Texto com redação final.)
17:15
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Boa tarde a todos e a todas.
Hoje, nós realizaremos uma audiência pública, na qual iremos tratar do tema Racismo na história, nas estruturas sociais e nas instituições: diagnósticos e propostas de superação.
Esse tema foi proposto pelo Grupo de Estudos Políticas Públicas e Combate ao Racismo e às Desigualdades de Gênero na Construção de um País Mais Justo e Desenvolvido, relatado por mim, Deputada Dandara, e pela Deputada Benedita.
O nosso objetivo hoje, como eu disse, é promover um debate sobre o racismo na história, nas estruturas sociais, nas instituições, apresentando diagnósticos e propostas de superação.
O racismo tem origens históricas ligadas ao processo de colonização, à escravidão e à construção de hierarquias raciais. Na questão social, ele se manifesta na educação, na saúde, no mercado de trabalho e no sistema de justiça. Muitas instituições, incluindo escolas, empresas e órgãos governamentais, operam com preconceitos implícitos, levando a práticas que reforçam a desigualdade racial.
Superar o racismo requer um esforço coletivo e contínuo, envolvendo educação, conscientização, políticas públicas, reformas institucionais, atuação forte e constante dos movimentos sociais, diálogo e construções efetivas. É uma luta que demanda a participação de toda a sociedade, para construir um Estado mais justo e igualitário.
Quero começar agradecendo ao Presidente deste Centro de Estudos e Debates Estratégicos, o Deputado Márcio Jerry, que já justificou sua ausência, em virtude de ter tido a agenda prorrogada no Ministério da Saúde. Logo, logo ele estará aqui conosco. É uma alegria ter esse Deputado presidindo esse importante Centro de Estudos da Câmara dos Deputados.
Quero agradecer muito à nossa Consultoria Legislativa, na pessoa do consultor Marcio Rabat. Obrigada pela dedicação e pelo processo de construção que temos feito. Agradeço aos demais servidores, na pessoa da Juliana, e às demais assessorias — meu assessor Jules, a Paola, o Tales — que estão aqui com a gente também.
Agradeço, em especial, aos nossos convidados por reservarem este momento para debatermos juntos e juntas essa complexa situação do racismo no nosso País, um racismo que se organiza hoje em muitas frentes.
Aproveito também para parabenizar a Deputada Benedita, Relatora comigo desta matéria e aniversariante da semana. Hoje, logo mais, nós vamos celebrar o aniversário dela.
Este grupo de trabalho realiza hoje a sua quarta audiência desde a sua constituição. É um espaço que tem sido ativo nesse processo de oitiva de especialistas e de representantes da sociedade civil. Nos próximos meses, daremos continuidade a esse trabalho, o que é muito propício para avançarmos num processo paralelo de debate do Plano Nacional de Educação — PNE.
O PNE é a Constituição da educação brasileira. A partir da Frente Parlamentar Mista Antirracismo — está aqui a Secretária-Executiva Sandra Sena —, temos feito um processo de debates sobre um PNE antirracista, antissexista, um Plano Nacional de Educação que avance para reparações históricas e para a promoção da igualdade racial.
17:19
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Eu considero fundamental que atuemos junto ao processo educacional, enquanto promotores de uma ação afirmativa, para que possamos fazer avançar a tão sonhada reparação no nosso País.
Nós precisamos, ainda, avançar em proposições legislativas nesta Casa. E, em conjunto com a Bancada Negra, nós estamos construindo uma lista de prioridades de projetos de lei para que possamos também avançar em direitos constituídos, a partir de leis aprovadas aqui na Câmara.
Então, eu queria agradecer muito ao Cedes, aqui representado pelo Secretário-Executivo Aurélio, e a todos os que o compõem, porque esse grupo de trabalho com a temática do racismo e das ações de reparação veio num momento muito oportuno, em que nós, Parlamentares negros e negras, conseguimos institucionalizar a Bancada Negra, construir a Frente Parlamentar Mista Antirracismo — essa frente reúne Deputados e Senadores; o Senador Paim coordena a frente no Senado, eu a coordeno aqui na Câmara — e também num momento em que temos um debate forte sobre o novo Plano Nacional de Educação.
A partir desse estudo, nós vamos também mapear políticas públicas de promoção da igualdade racial, de combate ao racismo em operação no Brasil, e sua imbricação com as políticas de combate à desigualdade de gênero, uma vez que a intersecção de raça, classe e gênero produz opressões ainda mais graves na nossa sociedade. Analisaremos também as circunstâncias em que essas políticas foram concebidas e implementadas e o que nós podemos fazer, de fato, para superar tudo isso.
Então, eu já vou chamar o nosso primeiro debatedor. Antes, quero agradecer a presença ao Sr. Gerard Greene, Embaixador da República de Trinidad e Tobago, que está com a gente hoje.
Obrigada pela sua presença. Seja muito bem-vindo!
Eu vou aproveitar para chamar para compor a Mesa aqui conosco o Sr. Edson Lopes Cardoso, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, Diretor do Centro de Documentação, Comunicação e Memória Afro-Brasileira — Ìrohìn, militante do Movimento Negro desde os anos 70. Destacou-se por seu trabalho junto à imprensa negra, sendo editor de algumas importantes publicações, entre as quais Raça e Classe, da Comissão do Negro do PT do Distrito Federal, e o jornal do Movimento Negro Unificado, nosso grande MNU. É jornalista, professor e ensaísta. Em seus primeiros escritos, demonstra sua forte propensão ao estudo da poesia como gesto político, atuando principalmente em temas como racismo, educação, comunicação, direitos humanos e cidadania.
Chamo também para compor a Mesa o Sr. Daniel Teixeira, advogado, Diretor-Executivo do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, Conselheiro do Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Foi pesquisador visitante da Faculdade de Direito da Universidade de Columbia, em Nova York; pesquisador associado do Instituto de Direito de Interesse Público, em Budapeste; e consultor das Nações Unidas. É autor de livros na área jurídica, bem como conferencista e consultor de instituições públicas e privadas, além de ser articulista em jornais, revistas e periódicos de circulação nacional.
17:23
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Daniel, é uma alegria ter você aqui com a gente. Você tem a palavra, para a sua contribuição.
O SR. DANIEL BENTO TEIXEIRA - Boa tarde.
Na pessoa da Deputada Dandara, quero agradecer pelo convite e também cumprimentar todas as pessoas presentes, estendendo os cumprimentos ao Deputado Márcio Jerry e à Deputada Benedita da Silva, tão importante para nós.
Também quero falar da honra de estar partilhando esta Mesa com o Prof. Edson Cardoso, professor de todos nós, uma referência tão significativa na luta antirracista e nas formulações que a gente, ao longo da história, como população negra, vem fazendo para viabilizar outra ideia de sociedade, outra ideia de desenvolvimento, outra ideia de relação com a natureza, enfim, outra ideia de possibilidade de existência.
Também cumprimento a Profa. Fernanda Lima da Silva e o Prof. Luiz Augusto Campos.
Eu vou fazer uma fala que pretendo que seja um pouco mais focada no tema do trabalho. O Centro de Estudos das Relação de Trabalho e Desigualdades — CEERT é uma organização que foi fundada em 1990, para pensar, primeiro, o trabalho e as desigualdades, tendo o antirracismo como pressuposto para se pensar o trabalho. Depois, a organização passou a atuar em diferentes temas, como educação, saúde, políticas públicas em geral e na área de justiça, um tema mais ligado a minha formação.
Sou formado em Direito e tive experiência, tanto aqui no Brasil, com direitos difusos e coletivos, com esse olhar para os direitos humanos e os direitos fundamentais, como também no exterior, nesse período em que passei fora do país, primeiro em Nova York, depois em Budapeste, onde o enfoque era muito a população cigana, sobretudo a população cigana no Leste Europeu, e eu fazia os paralelos com a população negra no Brasil.
Pergunto se é possível colocar na tela a apresentação que eu enviei.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Você pode compartilhar a tela. Está autorizado o compartilhamento de tela.
O SR. DANIEL BENTO TEIXEIRA - Então, deixe-me fazer isso aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Se for possível, peço que fale um pouquinho mais alto. O pessoal no fundo da sala está com dificuldade de ouvi-lo.
O SR. DANIEL BENTO TEIXEIRA - Perfeito.
Se eu não conseguir compartilhar a apresentação...
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Se você não conseguir, pode enviá-la para cá, e o pessoal compartilha daqui.
17:27
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O SR. DANIEL BENTO TEIXEIRA - Eu já a enviei, e acusaram o recebimento. Por isso eu não me preparei para compartilhá-la daqui.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - O.k. Vamos compartilhar daqui.
O SR. DANIEL BENTO TEIXEIRA - Eu já encontrei a apresentação aqui. Eu vou tentar compartilhá-la.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Você vai compartilhar a apresentação, então?
O SR. DANIEL BENTO TEIXEIRA - Vou ver se dá certo. Vocês me dizem quando estiverem vendo a apresentação. (Pausa.)
Estão conseguindo ver?
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Não. (Pausa.)
Pronto, carregou.
O SR. DANIEL BENTO TEIXEIRA - Carregou?
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Está tudo certo.
O SR. DANIEL BENTO TEIXEIRA - Ótimo.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nesta primeira tela, vemos a marcha que foi feita em 1995, evocando Zumbi dos Palmares, uma marcha pela cidadania, pela vida. É um pouco esse o lugar de pensar como continuamos sempre nos mobilizando e fazendo referência a essa história de forma circular, pensando o tempo com circularidade, algo tão presente nas sociedades africanas e nas religiões de matriz africana em particular. Isso ressalta a importância da olharmos o passado como algo sempre presente. Eu me vejo nesse lugar no CEERT, dando sequência ao trabalho de muitas pessoas que vieram antes de mim e também, historicamente, a partir dessa evocação do passado naquilo que estamos fazendo hoje.
Então, primeiro, eu queria trazer esse lugar, a partir desse momento tão importante historicamente.
Aqui também estão os paralelos. A gente se lembra das manifestações que houve recentemente nos Estados Unidos em relação à morte de George Floyd e o quanto aquilo mobilizou a sociedade estadunidense. O paralelo, desde Robson da Luz, ainda no final dos anos 70 — aqui já foi citado o Movimento Negro Unificado —, e o quanto temos, justamente nessa circularidade, a presença dos mesmos dizeres em relação à vida negra.
Essa afirmação histórica, essa necessidade que temos de lutar contra o genocídio tem como paralelo momentos como esses, que parecem tão distantes do ponto de vista do tempo, mas com essa circularidade, nesse caso, infelizmente, estão sempre presentes.
Aqui eu lembro até a frase que George Floyd dizia ao morrer: "I can't breathe" — eu não posso respirar. Foi a mesma frase dita, não por Robson da Luz, mas por João Alberto Freitas, no caso ocorrido pouco depois, no Rio Grande do Sul, numa loja do Carrefour: "Eu não consigo respirar".
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Então, a gente vê esses paralelos do ponto de vista de tempo e do ponto de vista de espaço geográfico também — estou falando dos Estados Unidos e estou falando daqui. Como Caetano muitas vezes cantou, o Haiti é aqui, quer dizer, este é o lugar da diáspora africana, e, assim como acontece também nos países africanos, lugar de uma violência racial que se reitera historicamente e coloca um desafio para aqueles que sofrem com essa violência e não a engendraram, pelo contrário, o desafio de pensar outra sociedade, de pensar outras possibilidades.
A mesma coisa acontece hoje, quando a gente debate pensando nessa ideia de sociedade alternativa a essa barbárie que a gente vê, quando a gente pensa em injustiça climática, porque as pessoas que menos contribuíram para as mudanças climáticas são as que mais são afetadas por eventos climáticos extremos, como aconteceu no Rio Grande do Sul recentemente. Vemos quais populações nas cidades afetadas são as populações mais afetadas, entre as quais, não por acaso, está a população negra. Esse é o lugar de se discutir, por exemplo, o racismo ambiental atualmente.
Estamos em ano de COP 30, a ser realizada em Belém, no Pará. O mundo inteiro está olhando para essas questões, mas, ao mesmo tempo, precisando pensar que esse ciclo que se anuncia hoje de investimento em bioeconomia, com foco nos territórios, nos biomas, sobretudo na Região Amazônica, mas em outros biomas também, precisa contemplar a população negra. Se não, de novo, a população negra vai ficar de fora de mais um ciclo econômico que acontecerá no País. Nesse caso, será um ciclo de economia verde, mas pode ser tão excludente como foi o primeiro ciclo econômico do País, o ciclo que dá nome à nossa nacionalidade, ao gentílico brasileiro, que, inclusive, é nome de profissão.
Gosto sempre de lembrar que o sufixo "eiro", na língua portuguesa, denota profissão, como pedreiro, carpinteiro. Nós nos chamamos brasileiros como nacionalidade. Podem verificar que o sufixo para indicar nacionalidade, como em colombiano, italiano, não é o sufixo "eiro", que usamos aqui. E por que isso é assim? Porque este não era um projeto de país para todas as pessoas, mas um projeto de exploração da natureza. Então foi um elemento da natureza, o pau-brasil, que trouxe para o lugar da nacionalidade o termo "brasileiro", um termo que ficou pejorativo até o século XVIII, porque quem vinha explorar o pau-brasil eram degredados, condenados pela Coroa portuguesa, enviados, então, para essa missão de explorar o pau-brasil.
Então, o racismo ambiental, que hoje passa a se discutir com mais força, pensando no contexto de economia de baixo carbono, pensando nos contextos de bioeconomia, de justiça climática, é o mesmo racismo ambiental que vem desde a invasão portuguesa. Pensar isso, pensar em como a gente olha para desenvolvimento econômico, social e também para justiça ambiental, justiça econômica e justiça social, é fundamental para que possamos entender tudo o que acontece hoje e o quanto a gente precisa enfocar outro modelo de desenvolvimento.
É bom lembrar que, enquanto nós estávamos nesse lugar, leis, como a Lei do Ventre Livre, que traziam o trabalho forçado de crianças negras, em 1871, para compensar com uma indenização o senhor de escravos — era essa a dicção da Lei do Ventre Livre. Nos Estados Unidos, houve, pelo menos por um período histórico, o Reconstruction, um período em que houve avanço de direitos fundamentais da população negra. Já no Brasil, o último país, como sabemos, a abolir a escravidão nas Américas, o pensamento era ao contrário, era de avanço de uma indenização para os senhores de escravos. Essa vai ser a pedra de toque para o que seria a economia no século XX e para aqueles que seriam os trabalhadores informais. É por isso que é fundamental discutir essa primeira formatação do trabalho informal no Brasil e o quanto isso impacta a sociedade atualmente.
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Aqui está uma imagem da primeira publicação da Lei do Ventre Livre e do quanto ela impacta a infância, que se vê obrigada a indenizar os senhores de escravos, que ou exigiam o trabalho da criança dos 8 aos 21 anos completos, para compensar a liberdade dela, ou exigiam do Estado brasileiro uma indenização. Então, é deste País que estamos falando. Discutir desenvolvimento hoje precisa partir dessa agenda, desses registros.
E, para pensar o lugar da juventude, eu queria trazer uma possibilidade que vimos desenvolvendo no CEERT. Devemos agir a partir da resiliência que a juventude negra tem, ao demandar do Estado brasileiro, da sociedade brasileira, um lugar na educação como lugar estratégico de atuação na luta antirracismo. E precisamos ter ciência do quanto isso hoje precisa ser absorvido pelas instituições estratégicas do País.
Hoje, temos um programa no CEERT, o programa Prosseguir, que parte dessa denúncia do genocídio da juventude negra, mas que chega ao lugar da vida digna, para promover a permanência na universidade, sempre com as mesmas histórias: primeiro, a família; depois a situação de vulnerabilidade socioeconômica extrema, etc. A permanência com êxito na universidade é algo que precisa cada vez mais ser visto pelas políticas públicas, com uma ponte para o mundo do trabalho, para o jovem se ver possível na economia do País.
O que eu traria aqui como sugestão, como possibilidade, atendendo ao que a audiência pública propõe, é investimento, sobretudo pensando na chamada bioeconomia, pensando nos territórios, na juventude que vem atuando com os impactos climáticos em seus territórios, nas suas comunidades, com possíveis iniciativas que tanto podem gerar justiça econômica como também podem gerar justiça socioambiental. Nós vimos fazendo esse investimento no microcosmo, mas procurando inspirar a política pública, para que essa juventude se veja possível. Essa é a ideia desse programa que temos desenvolvido.
Estão aqui imagens de encontros formativos que fazemos, tanto presenciais quanto on-line. Eu vou apenas passar as imagens, não vou falar, obviamente, de tudo isso. Já estou na parte final.
Eu queria sair daqui tendo registrado um caso em que nós atuamos no setor bancário e que acho que ainda inspira muito, quando pensamos em instituições empregadoras. Havia essa ideia de que não há negros em posições de liderança por falta de capacitação para tanto, e a gente sempre denunciou como parte do genocídio o desemprego em massa da população negra.
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Aqui se vê um pouco da situação no setor bancário. Quando a gente olha para as empresas do setor bancário, a gente vê nessas faixas azuis, nessas colunas azuis, o quanto existe no setor, e, na linha amarela, o quanto a gente tem na população economicamente ativa — neste caso, homens brancos. No setor, a gente tem 41% na população economicamente ativa, e, com perfil para entrar nos bancos, 32%. Esse dado é do primeiro censo, feito em 2007. Isso mostra uma sobre-representação de homens brancos contratados no setor no País.
Depois, vemos a situação de homens negros, onde há um grande gap, porque no setor havia 11%, e, na população economicamente ativa com perfil, 17%, ou seja, muito mais gente qualificada percentualmente do que contratada.
Aqui, o caso das mulheres brancas, onde também se vê uma sobre-representação quando se pensa no Brasil, que é primeira coluna versus o ponto verde.
E aqui temos as mulheres negras. Olhem o tanto de sub-representação. Estou olhando para quem tem qualificação e perfil para entrada nas empresas, na linha amarela. A primeira coluna se refere ao Brasil: muito menos representadas nas empresas contratadas. As colunas mostram os Estados brasileiros. O gap está em todos e é monstruoso. É essa a sociedade que estamos dizendo que tem que ser o foco das ações afirmativas. Aqui, particularmente, isso se demonstra para as mulheres negras. Não há forma de pensar o desenvolvimento, de pensar a agenda de economia verde sem olhar para o futuro do trabalho para a população negra, para as mulheres negras e para a juventude negra em particular, porque sem isso não temos justiça econômica, social e ambiental.
Eu vou parar por aqui, para dar espaço para mais discussão.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Daniel, pela sua contribuição. São excelentes reflexões.
Eu queria destacar que, em 20 anos de existência, o Cedes, este Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara, já tem mais de trinta publicações, fora outras quatro ainda em aberto. Já estudamos tudo que vocês puderem imaginar: tecnologia, saúde, mobilidade, logística, envelhecimento da população, primeira infância, desperdício de alimento, segurança, educação, mineração, espaço. Mas é a primeira vez que nós estamos debatendo o racismo e a reparação. Acho que este nosso estudo é realmente uma contribuição muito importante para esta Casa, como resultado de um processo histórico de luta do povo negro deste País.
Eu chamo agora para dar a sua contribuição a Fernanda Lima da Silva, que é doutora e mestra em direito pela Universidade de Brasília, na linha de pesquisa de criminologia e estudos étnico-raciais de gênero; é professora do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa; é pesquisadora vinculada aos grupos Núcleo de Estudos em Cultura Jurídica e Atlântico Negro e Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação do Grupo Asa Branca de Criminologia; foi consultora no Conselho Nacional de Justiça e no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento — PNUD; atuou no programa Justiça Presente e na pesquisa Reentradas e Reiterações Infracionais: um olhar sobre os sistemas socioeducativo e prisional brasileiros; e possui experiência em criminologia, direito, relações sociais, história do direito e direitos humanos.
17:43
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Seja bem-vinda!
A SRA. FERNANDA LIMA DA SILVA - Boa tarde. Obrigada, Deputada.
Eu inicio saudando o Deputado Márcio Jerry, a Deputada Dandara e a Deputada Benedita da Silva e parabenizando-os pela iniciativa tão importante.
Saúdo também os meus colegas de Mesa: o Daniel Teixeira, que acabou de falar, o Prof. Edson Cardoso, uma liderança tão importante do movimento negro no Brasil, e o Luiz Augusto Campos.
Vou pedir licença para ler um pouco, para fazer uma fala um pouco mais estruturada, por conta do tempo.
Quero começar já me endereçando para algo que o Daniel abordou rapidamente na sua fala, que é a dimensão do racismo na história e dessa presentificação do passado, desse passado que não passa.
Nós somos marcados por termos sido a última nação independente a abolir a escravidão. Com isso, nós, como Brasil, conduzimos um sistema de produção baseado na expropriação e na exploração da vida de pessoas negras até o limite do século XIX — uma vez que a abolição se deu apenas em 1888. Então, são apenas 100 anos que separam a abolição e a promulgação da Constituição de 1988, o que nos leva a uma grande proximidade histórica. Essa proximidade histórica, somada às iniquidades cotidianas que marcam a vida de crianças, homens e mulheres negros no presente, é muitas vezes tida como uma expressão do racismo como herança da escravidão.
Movimentos sociais e intelectuais negros, no entanto, têm nos lembrado que a ideia de herança da escravidão não faz jus ao cenário que enfrentamos. A ideia de herança faz pensar que o racismo é uma espécie de resquício histórico, que inexoravelmente se acabará caso nós nos desenvolvamos e nos tornemos — aspas — "mais modernos". Nada poderia estar mais distante da realidade, como, inclusive, a discussão que Daniel nos trouxe já aponta. Nossos mais de 3 séculos de escravidão forneceram um repertório de ideias e práticas que não ficaram distantes, mas têm se atualizado nos saberes e nos fazeres das instituições.
Como professora numa faculdade de direito, uma das primeiras instituições que eu aponto são as próprias faculdades de direito, que, aliás, têm se organizado neste ano para a comemoração do bicentenário das duas primeiras faculdades de direito do País, fundadas em 1827. Assim como em 2024 nós assistimos, com certo horror, à comemoração do bicentenário da Constituição de 1824, a nossa primeira Constituição, mas também a Constituição consagradora do escravismo no País, neste momento nós nos perguntamos em que termos serão as comemorações do bicentenário dos cursos jurídicos que hoje se anunciam. Por acaso elas celebrarão as contribuições que as elites jurídicas deram à perpetuação do escravismo no País? Celebrarão as contribuições da medicina legal e da criminologia positivista, na ampla popularização da ideia de que homens e mulheres negros seriam criminosos natos e pervertidos sexuais por excelência, crença essa que, nas dobras do tempo, ainda hoje se atualiza nas incursões violentas das polícias nos territórios negros urbanos, incursões amplamente chanceladas pelas demais instituições nacionais? Celebrarão, talvez, o fato de que, situadas no centro de duas das grandes cidades do País, Recife e São Paulo, antes das políticas de ação afirmativa para ingresso de estudantes negros e professores nas universidades, quase não se via uma pessoa negra circulando nos corredores das faculdades, a não ser na condição, ainda hoje precarizada, de trabalhador de serviços gerais? Tais celebrações, eu entendo, dão conta das dificuldades que nós vivemos no Brasil em produzir memória das violências que estruturam a nossa história. No entanto, sem enfrentar uma tal memória, não conseguiremos produzir nem justiça nem reparação.
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Então, eu gostaria de traçar um breve paralelo entre as dificuldades de produção de uma memória da escravidão e as dificuldades de produção de uma memória das violações da ditadura militar.
Há alguns meses, nós nos emocionamos com a indicação do filme Ainda Estou Aqui para o Oscar, um filme que, através da história da família Paiva, conta um pouco da violência dos anos do regime militar. No entanto, talvez alguns de nós tenham guardado, como eu guardei, um gosto um pouco amargo na boca, não pelo filme, mas por perceber que as violações sofridas durante a ditadura militar por homens e mulheres negros seguiam e seguem não tendo visibilidade no espaço público no Brasil, nem mesmo nas nossas frágeis ferramentas institucionais de justiça de transição, como a Comissão Nacional da Verdade, cujos relatórios finais apagaram inteiramente a dimensão da violência racial. O apagamento das discussões sobre memória, seja da escravidão, seja do regime militar, tem como resultado, entre outras coisas, a dificuldade de enfrentamento da violência e da letalidade produzidas pelas polícias militares em todo o território nacional.
Hoje, pesquisas nos apresentam ao dado escandaloso de que, em Unidades da Federação como Pernambuco, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, as vítimas letais das polícias foram, em períodos de mais de 1 ano, unicamente pessoas negras.
Enquanto a vida de crianças e jovens negros é ceifada, movimentos organizados de mães e de moradores de favelas se articularam em torno da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 635, intitulada ADPF das Favelas, que foi julgada no início deste mês no Supremo Tribunal Federal. Essas mães e esses moradores de favela deram conta, no bojo da referida ADPF, da apresentação de possibilidades concretas de regulação e regulamentação da atividade policial nas batidas nas favelas. A despeito das propostas maduras apresentadas em certos pontos no julgamento final da ADPF, a que assistimos agora em abril, o STF retrocedeu e permitiu, por exemplo, que o perímetro de escolas e unidades de saúde fosse incluído no raio de tais ações, expondo a vida de crianças e pessoas doentes à violência resultante das ações policiais.
Também no que toca à economia e ao mundo do trabalho, dimensões abordadas por Daniel na fala anterior, a população negra do País tem sido novamente vulnerada, e é novamente o STF o palco dos acontecimentos. Desta vez, eu quero destacar a discussão sobre "pejotização". A Corte vai formando entendimento no sentido de permitir um sistemático ataque à Justiça do Trabalho e ao paradigma de proteção ao trabalhador. A permissão para que trabalhadores sejam contratados sem nenhum respeito às normas protetivas inscritas na CLT não apenas vulnera os trabalhadores mais precarizados do País, como também induz um verdadeiro rombo nas contas públicas, na medida em que os tributos referentes à contratação deixam de ser recolhidos pelos empregadores.
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Em um cenário de arrocho fiscal, semelhante rombo impacta diretamente nas condições de financiamento de políticas públicas, notadamente políticas para garantia de direitos sociais, justamente aquelas políticas que poderiam ser mobilizadas, medidas específicas voltadas à proteção e à garantia de direitos das populações negras e indígenas deste País.
Eu gostaria também de mencionar a dimensão dos conflitos por terra e território que se apresentam em todas as Regiões do País. Na tentativa de garantir uma existência digna e a continuidade de modos de vida e práticas culturais comunitárias, o campesinato, os povos e as comunidades tradicionais, compostos, sabemos, por pessoas negras e indígenas, seguem vivendo um cenário de terror. Enquanto parte do Congresso Nacional pressiona pelo estabelecimento de um marco temporal para demarcação de terras, tese essa já afastada como inconstitucional pelo STF, lideranças são assassinadas em seus territórios. Destaco, em particular, o terror vivido por mulheres e crianças pertencentes a tais comunidades, cujos corpos têm sido vilipendiados em agressões sexuais que demonstram uma linha de continuidade entre a expropriação da terra e a expropriação do corpo.
Considerando ainda que esta Mesa se destina a traçar um histórico e um diagnóstico do racismo no País e ainda a pensar formas de superação desse cenário, eu não poderia, estando nesta Casa Legislativa, deixar de refletir sobre a baixa representação e a violência política que atingem, de forma específica, pessoas negras, notadamente mulheres, e pessoas LGBTQIA+.
As dificuldades de viabilização de candidaturas femininas, negras e LGBTQIA+ podem ser visualizadas na composição do próprio Congresso Nacional. A implementação de cotas de gênero e raça nas candidaturas partidárias deveria ter sido uma medida inicial para corrigir distorções de representação política, mas tivemos em 2024 a decisão de anistia para os partidos que descumpriram as regras das cotas eleitorais. Esse cenário dialoga com o outro e indica que o nível de violência política a que têm sido submetidas pessoas indígenas, mulheres negras e pessoas LGBTQIA+, inclusive nesse Congresso, tem aumentado. Além de não garantir formas de representação política desses estratos da população, a enorme tolerância institucional a atos ofensivos e de intimidação reforça a dimensão de exclusão dessas pessoas da política.
Encaminhando-me, então, para a conclusão desta fala, para privilegiar o debate, devo notar que seguimos em um cenário de vitórias e conquistas precárias e vacilantes, e de preocupações crescentes. Onde se encontram, então — talvez vocês me perguntem —, as possibilidades de reversão deste cenário? Como mostram as evidências levantadas por pesquisas, necessitamos de políticas públicas voltadas especificamente à promoção de direitos da população negra e indígena do País. O discurso da igualdade formal não pode servir, como um dia serviu o mito da democracia racial, ao impedimento da promoção de justiça social através da adoção de políticas afirmativas.
As evidências apontam para a precariedade em que crianças, homens e mulheres negras e indígenas têm vivido no País. Então, retomando os pontos elencados na minha fala, eu entendo que precisamos nos comprometer, primeiramente, com o aprofundamento das políticas de ação afirmativa não apenas para ingresso de estudantes nas universidades, como temos garantido, mas também para ingresso de professores e de servidores em todo o funcionalismo público.
Precisamos garantir, igualmente, o cumprimento das cotas eleitorais de gênero e raça e combater a violência política, para que melhoremos um cenário de baixa representação política dessas camadas da população.
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Precisamos, ainda, garantir justiça racial no que diz respeito às dimensões de terra e trabalho, que aqui penso como dimensões duplas, combatendo a violência no campo e nas florestas através da demarcação dos territórios e combatendo a precarização dos trabalhadores urbanos deste País.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Fernanda, pela contribuição.
Sem dúvida nenhuma, nós temos que avançar em ações de reparação concreta. E temos um triplo desafio, porque nós estamos na base da pirâmide econômica, social e política deste País; porque, ao mesmo tempo, não estamos nos espaços de decisão e de poder na mesma proporção em que estamos na sociedade; e, terceiro, porque o racismo vai criando inúmeras barreiras, que dificultam ainda mais o nosso progresso e a nossa atuação.
Eu queria chamar para vir para a mesa o nosso Presidente Márcio Jerry, Deputado Federal do PCdoB do Maranhão, que vai ter a grandiosíssima tarefa de coordenar os trabalhos deste Centro tão importante.
Agradeço a presença do Artur Antônio, que é Coordenador-Geral de Articulação Institucional da Secretaria de Educação Superior do MEC, a Sesu. Ele está na nossa sala, participando conosco da audiência. Obrigada pela presença.
Também vi aqui na sala o Guilherme Barbosa, que é Diretor de Articulação e Fomento de Programas e Projetos de Juventude da SNJ, a nossa grande Secretaria Nacional de Juventude.
Guilherme, mande meu abraço ao Ronald Sorriso, nosso Secretário Nacional de Juventude.
Arthur, mande meu abraço ao nosso Ministro Camilo Santana e ao nosso Secretário.
Sigamos avançando em projetos importantes para nós.
Eu queria passar a palavra, para a sua saudação, ao nosso Presidente do Cedes.
O SR. MÁRCIO JERRY (Bloco/PCdoB - MA) - Boa noite a todos e a todas que estão presentes no plenário, aos que nos assistem pelas redes da Casa e aos que estão aqui em nosso ambiente virtual.
É uma alegria imensa estar nesta que é a primeira atividade de que tenho o privilégio de participar já como Presidente do Cedes, num processo de conclusão de trabalhos importantes do biênio que se encerra. Dos trabalhos realizados nesse quadriênio, este é um espaço muito importante, de muita pertinência para os debates de agora, para o acúmulo de informações, para subsidiar ações legislativas, e, é claro, ele tem sempre uma dimensão mobilizadora da sociedade.
Portanto, eu queria, neste momento em que faço oficialmente a primeira fala como Presidente do Cedes, agradecer a confiança do Presidente Hugo Motta, da minha bancada do PCdoB, que me designou, e também do nosso Presidente dos últimos dois biênios, o Deputado Da Vitoria, que aqui conduziu um trabalho muito importante, muito bom. Nós vamos seguir esse trabalho com o coletivo esperando as designações partidárias para este novo biênio. E vamos dar sequência a esse trabalho sempre com o luxuoso apoio da Consultoria Legislativa da Casa, um quadro de muita capacidade, de muita excelência, de muita competência, que ajuda muito em todo trabalho legislativo, e muito especialmente no trabalho do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados.
Parabéns, mais uma vez, à Deputada Dandara. Vou acompanhar a audiência. Peço desculpas pelo atraso. Eu estava numa reunião que se alongou um pouco no Ministério da Saúde, com a Frente Parlamentar do SUS, uma reunião também muito importante.
Obrigado.
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Presidente, pela disposição de construir este espaço.
Eu dizia há pouco que este Centro, que tem mais de 20 anos, já produziu trinta estudos, mas é a primeira vez que se debruça sobre um tema tão importante para a nossa sociedade, para a construção do nosso País, que é o racismo, a desigualdade racial e as ações de reparação do racismo.
O nosso consultor Márcio não tem medido esforços para avançarmos nesses debates. Esta é a quarta atividade que nós fazemos aqui sobre esse estudo, e queremos muito — contamos com o senhor — que, quando esse estudo terminar, as publicações que o Cedes irá produzir sejam enviadas para todas as Casas Legislativas deste País, Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas, e também pelo menos um exemplar para as bibliotecas públicas. Não tenho dúvida que ele vai servir de referência e de subsídio para muitos debates. Eu sei que nós temos um banco de publicações on-line à disposição de todo mundo — aproveito para divulgar o endereço: www.camara.leg.br/cedes — e que também temos a livraria da Câmara, livraria.camara.leg.br, mas nós queremos fazer também exemplares físicos chegarem aos quatro cantos deste País.
Obrigada, mesmo, pela presença.
Nós vamos ter a oportunidade de ouvir agora uma grande liderança e referência do Movimento Negro Brasileiro, que sem dúvida tem uma contribuição enorme a dar para gerações e gerações que ocupam espaços de poder na nossa sociedade, o nosso grande Prof. Edson Cardoso.
O SR. EDSON LOPES CARDOSO - Obrigado, Deputada Dandara.
Eu também quero cumprimentar o Deputado Márcio Jerry, que começa agora sua gestão no Centro de Estudos e Debates Estratégicos. E cumprimento também o consultor Marcio Rabat.
Quero dizer que foi uma alegria receber esse convite para voltar à Câmara. Eu estive aqui por 10 anos. Fui chefe de gabinete do Deputado Florestan Fernandes. Fui chefe de gabinete também do Deputado Ben-Hur Ferreira. E assessorei o Deputado Paulo Paim nesse tema na 3ª Secretaria da Mesa Diretora. Então, passei 10 anos da minha vida aqui, mexendo com esse tema. É um prazer retornar. Morei aqui na cidade por 34 anos, e agora voltei para a minha cidade, Salvador.
Vejam só, eu queria começar fazendo uma sugestão ao Cedes. Não existe uma separata aqui na Casa que reúna os pronunciamentos do primeiro Parlamentar negro da República: Manuel da Motta Monteiro Lopes. É curioso, porque o seu mandato foi num período — ele morreu em 1909 — em que você se elegia Deputado, mas havia uma Comissão que iria validar ou não o seu mandato. Era assim na chamada República Velha, você não estava automaticamente eleito, ainda ia passar pelo crivo de uma Comissão. E houve uma mobilização, a abolição foi em 1888 e nós estávamos no início do século XX, no início da República, uma movimentação política negra no Brasil inteiro para assegurar o mandato de Manoel da Motta Monteiro Lopes, um advogado pernambucano que morava no Rio de Janeiro.
18:03
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Foi essa mobilização, dentro da Câmara, que pressionou inclusive os Parlamentares na base, que levou ao reconhecimento da legitimidade do mandato de Monteiro Lopes, que morreu 2 anos depois. Durante seus 2 anos na Casa, foi ridicularizado na imprensa. Quando ele discursava — era um homem culto —, as pessoas diziam que os autores que ele citava não existiam. No dia seguinte, ele vinha com os livros da Biblioteca da Câmara para mostrar que os autores que ele citou, no Plenário desta Casa, existiam, sim, e foi por aí afora. E não existe um registro desse Parlamentar até hoje.
Então, encaminhar para se trabalhe o levantamento desse pronunciamento e se organize uma separata, com uma boa introdução histórica e tal, situando o Deputado, é uma enorme contribuição que o Centro de Estudos e Debates Estratégicos pode dar à representatividade negra no Parlamento.
Dito isso, é pouco tempo e muita coisa para falar. Eu tenho 75 anos e minha primeira reunião de movimento negro foi em 1974, sob a ditadura militar. Havia dificuldades de se realizar reunião. Quem acolheu o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros em Salvador foi o Instituto Goethe. Schaffner era o nome do diretor que acolheu o núcleo no seu interior. Então, fazíamos reuniões dentro do Instituto Goethe. Um dos primeiros congressos do MNU aconteceu dentro do Goethe, porque em nenhum lugar que o MNU quis fazer congresso em Salvador a Polícia Federal permitiu. E o Schaffner disse: "Aqui é território alemão". Assim, foi realizado o encontro do MNU dentro do Instituto Goethe, com a Polícia Federal na porta. Digo isso para terem ideia das dificuldades. Por quê? Porque falar de racismo não era possível.
Eu estive na revisão do diário de notícias, que era um jornal que pertencia ao Grupo Chateaubriand, Diários Associados. Eu estive lá. Eu nem era funcionário. Meu pai tinha uma tradição gráfica, foi mestre de oficina de São Bento, dos Beneditinos, e conseguiu que eu ficasse na revisão aprendendo a fazer revisão. E havia um decálogo na sala da revisão, em 1970, dos temas proibidos pela ditadura. Se eles passassem pela redação, os revisores seriam responsabilizados. Entre esses temas estava o racismo. Então, falar de racismo era proibido no Brasil.
Vejam só, é essa geração, que está agora com 70 anos, 75 anos, que traz essa discussão para o espaço público. Em 1951, Afonso Arinos aprovou uma lei contra o preconceito de cor, mas a palavra racismo não podia ser dita. Em 1951 já se falava em criminalização do racismo, mas jamais isso poderia entrar numa legislação no Brasil. Entrou preconceito de cor e como um delito menor, como contravenção penal. Só veio a ser crime em 1988, com a nossa Constituição Cidadã. Essa luta fez a institucionalização do tema. Fizemos a institucionalização do tema. Fizemos marchas. Apresentamos documento a Presidente da República. Estivemos dentro do Congresso assessorando o Parlamento, fazendo discurso, fazendo o debate. O tema veio para o institucional. E veio como? Veio assim: o projeto era aprovado na Câmara e arquivado no Senado. Os projetos não tramitavam. A ideia do Estatuto da Igualdade Racial surge a Paim como uma estratégia para facilitar a tramitação dos projetos, porque sendo estatuto, sendo um conjunto de propostas, você tinha condições de aprovar uma Comissão Especial e jogar no Plenário pelo Regimento. Então, é de uma estratégia de tramitação que surge a ideia de juntar projetos e fazer o Estatuto da Igualdade Racial.
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Aprovado o Estatuto, desde 2012, não se fala mais nisso, não se fala mais nisso. E também não se fala de Durban, da conferência mundial, do seu plano de ação, de sua declaração. Quantas conferências sobre questão racial foram feitas nos governos populares e democráticos? Três, pelo menos, que eu lembre. E os encontros regionais?
Quando eu li a ementa desse evento, eu fiquei pensando comigo: amplo diagnóstico? Sugestões de proposta? Oi? O problema não é esse. Eu conversei com o Márcio. Esse não é o problema. Nós temos quilos de propostas, quilos. E onde está o problema? O problema é: como é que a gente efetiva essas propostas? Como é que a gente leva o Estado a fazer suas obrigações? Como é que ele as cumpre?
Há um dito popular que diz que, para quem não sabe aonde quer ir, toda direção é válida. É verdade. Se você não sabe para onde vai, qualquer caminho que você tomar é pertinente, é válido, mas a Constituição dá um rumo. A Constituição tem um rumo. Desde o preâmbulo, há um rumo. Qual é o rumo? A Constituição deixa claro que o Brasil é um país de grande diversidade. Ponto. Qualquer cabeça conservadora no Brasil gosta de dizer esta frase: "O Brasil é um país de grande diversidade". É verdade.
No entanto, diversidade não é problema; diversidade é solução. Abrimos os olhos e vemos que ninguém aqui fez nada para que o Brasil tivesse a diversidade humana que ele tem. Quem nos deu essa diversidade foi o nosso processo histórico. O que essa diversidade nos cobra é o que fazer num país com essa diversidade; não é constatar a existência da diversidade, é o que fazemos com isso, como nos organizamos como uma sociedade em que toda diversidade do globo está dentro de nós. Essa que é a verdade. Nós temos diversos europeus. Não veio para o Brasil o africano, mas diversos povos africanos. Nós não temos o índio, temos diversos povos indígenas, temos árabes, temos judeus, temos uma diversidade dentro de nós. O problema é o que fazer com isso. E a Constituição diz o que fazer. Devemos construir uma sociedade pluralista — é aqui que está a palavra-chave —, uma sociedade que busque assegurar o pluralismo. E que diabo é pluralismo? Pluralismo não é como diversidade, que foi o processo histórico que nos deu isso, não; pluralismo é construção política; pluralismo é assegurar igualdade de oportunidades a toda a diversidade. É isso que é assegurar o pluralismo. E aqui nós falhamos. E falhamos por quê? Porque nós hierarquizamos a diversidade. Nós dissemos que uns são mais humanos do que outros. Eu dizia para o Márcio que nós não chamávamos Florestan Fernandes de Deputado, nós o chamávamos de professor. Não sei se vocês se lembram do Fukuyama, do fim da história, no final dos anos 90. Eu perguntei a ele: "Professor, o que é isso de fim da história? Como o senhor vê isso?" Ele disse: "Olhe, se uns são mais humanos do que outros, pode até ser, mas se todos são igualmente humanos, temos muita história pela frente".
18:11
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Existia um jornal em Recife, em 1876, jornal de movimento negro. Como era o nome do jornal? O Homem. Vejam o nome do jornal, O Homem. E o que dizia esse jornal? Que nada há no organismo do homem branco distinto do organismo do homem negro, que não existe inferioridade congênita. Em 1876, quem disse isso na sociedade brasileira foram os negros, assegurando a igualdade de todos os seres humanos.
Pois bem, o racismo é exatamente negar essa igualdade. Quando a Constituição fala em assegurar uma sociedade democrática, inclusiva e pluralista, ela está dizendo que é preciso combater as ideologias que hierarquizam a diversidade, tanto o sexismo, que diz que o homem é superior à mulher, como o racismo, que diz que todos os grupos humanos estão submetidos ao grupo branco superior. Essa é a questão central para a democracia, central para uma sociedade inclusiva como a nossa.
Então, o Estado tem que ser obrigado a seguir a direção da Constituição. A gente não obriga o Estado a fazer isso. E agora, com o orçamento público do jeito que está, todos sabem do sequestro do orçamento público, que adianta falar de política pública, como já falaram? De que política pública vocês estão falando? De que política pública? Vamos ter que resgatar o orçamento para poder fazer política pública, para que o orçamento volte a ser público, senão eu não terei política pública. Pare com isso, que não existe. Quem vai financiar?
Vejam o que disse Luiza Bairros, coordenadora do MNU, no meu tempo de MNU, a principal ativista e intelectual da história moderna do movimento negro. Eu tive a oportunidade de trabalhar com ela como ativista, tive a oportunidade de ser seu assessor especial, quando ela foi Ministra da Seppir. Eu a conheci profundamente, deixou-nos muito cedo. Vejam o que diz Luiza ao divulgar o Estatuto: "(...) cumprir as obrigações desta lei exige, entre outras medidas, investimento pesado e de longo prazo na mudança dos referenciais da ação pública". Isso significa mudar os referenciais da ação pública que não consideram essa população humana e integrada como brasileira e humana. Os referenciais da ação pública simplesmente acham que essa população não é digna de receber investimento público. Por isso, falta água, luz, e o que há é polícia para matar, oprimir. Essa é a questão. Estamos diante da seguinte questão: sabemos para onde ir ou não sabemos para onde ir? A Constituição diz para onde devemos ir. No entanto, a gente parece não saber para onde a gente está indo. Se estamos seguindo a direção de uma sociedade democrática, o enfrentamento ao racismo e ao sexismo é essencial para a democracia — é essencial! Nós consideramos secundário. Se nós consideramos secundário superar a hierarquização do humano, venha de onde vier, evidentemente, não vamos construir nenhuma sociedade democrática e pluralista, fraterna e igualitária, que é o que diz a Constituição Federal. (Exibe a Constituição Federal.)
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Os objetivos do movimento negro estão no preâmbulo da Constituição. Repito: os objetivos do movimento negro estão inscritos no preâmbulo da Constituição. O que querem vocês?
Esta Constituição aqui é para que se possa assegurar a igualdade de todos, uma sociedade democrática, inclusiva e pluralista. É isso que queremos. Essa é a luta. Ela está clara, definida. Agimos como se não soubéssemos para onde vamos, o que queremos.
Temos os documentos, as propostas, no plano internacional, no plano nacional, no plano estadual, no plano municipal. Em todo lugar, há proposta do que fazer para superar desigualdades raciais, para combater o racismo. O problema não é proposta; o problema é vontade de agir, levar o Estado a agir, cumprir as suas obrigações como Estado. Essa é a nossa tarefa. Existe algum mecanismo em que nós obriguemos o Estado a agir? Este é o mecanismo político preferencial para nós. Como obrigar o Estado a agir, a fazer? Como, internacionalmente, comprometê-lo por não fazer? Essa é a questão. Isso porque ele adota a conferência, mas não quer cumprir os objetivos da conferência; ele tem uma lei — o estatuto é lei federal —, mas não tem compromisso. A primeira coisa que se fez no estatuto foi tirar o fundo, ou seja, tirar o financiamento da política. Então, é para ficar um bando de palavras vazias e ocas por aí.
Na abolição ocorreu a mesma coisa, havia proposta. André Rebouças tinha livro, proposta. O que dizia André Rebouças? A família Bragança não é o problema. Reparem, ele vai ser chamado de bajulador da família Bragança. Ele disse: "O nosso problema não é a família Bragança. Sabe qual é o nosso problema? O latinfúndio".
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Então, fazer a abolição sem reforma agrária, sem distribuição de terra para as pessoas que estão saindo do cativeiro, não vai dar em nada.
André Rebouças. Procure numa livraria o livro Democracia e Reforma Agrária. Você não vai encontrar. Procure O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco. Você vai encontrar várias edições dele, mas do de André Rebouças há uma edição do século XIX e uma da Fundação Joaquim Nabuco no ano do centenário da abolição, não há mais nenhuma.
Havia a proposta de que fizéssemos diferente, mas nós recusamos fazer diferente.
E leiam Lima Barreto, que, em seguida, escreve Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Ele fala de quê? Do impasse que é encontrar uma sociedade que está disseminando a ideia da inferioridade congênita da população negra. O Recordações do Escrivão Isaías Caminha é um livro escrito para negar isso e dizer que os nossos problemas são decorrentes da organização social, e não da inferioridade congênita. Esse é o tema do Recordações do Escrivão Isaías Caminha. Ele vai cavar o escândalo que causou com o seu livro de estreia, porque ele nega a ideia de que os negros não estão incorporados à República porque são inferiores. Serviam como escravo, mas não serviam para mais nada na República. É contra isso que se insurge Lima Barreto. É contra isso que se insurge Manoel da Motta. É contra isso que se insurgem os marinheiros que não aceitam os chicotes em 1911. É contra isso que nos insurgimos até hoje, contra essa subcidadania, esse lugar terceiro, esse lugar quarto de marginalidade, e não da plena cidadania.
Então, como vocês veem, o tema é amplo e há muito que se discutir. Francamente, o nosso problema não é diagnóstico, o nosso problema não é proposta para superar isso; o nosso problema é o Estado assumir as suas responsabilidades. Responsabilidades essas que estão definidas aqui nos objetivos da República e no preâmbulo da Constituição. Estão aqui na Constituição de 1988, mas todo mundo finge que não está vendo, que elas não existem.
Era isso.
Obrigado por vocês me permitirem isso. (Palmas.)
O SR. MÁRCIO JERRY (Bloco/PCdoB - MA) - Eu entrei no Google aqui, muito rapidamente, e vi uma coincidência histórica: a posse do Deputado Manoel foi no dia 30 de abril de 1909. Amanhã é dia 30. (Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Que beleza!
Professor, obrigada por suas contribuições e pela reflexão.
De fato, nós não podemos achar que por esse ser o primeiro do Cedes estamos inaugurando algo novo ou inédito aqui, pelo contrário. O movimento negro brasileiro tem séculos de acúmulos de construção e de contribuição, inclusive possibilitou esta jovem Deputada chegar aqui. Esses acúmulos precisam ser considerados nesse estudo para que ele possa ser dirigido às verdadeiras urgências e demandas do povo negro brasileiro, para que haja reparação. Reparação é o que se constrói com ação afirmativa, com política pública, e política pública e ação afirmativa demandam financiamento.
18:23
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Por isso, eu estive recentemente no Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU. E uma das primeiras coisas que nós encaminhamos lá foi a criação de um fundo global de reparação dos efeitos do colonialismo, da escravidão e do racismo, até para fazer com que os países colonizadores se responsabilizem um pouquinho mais. Deixar tudo para a gente aqui é um bocadinho difícil, não é? Então, essa responsabilização é fundamental.
Eu queria citar a presença de duas pessoas importantes e agradecer a elas por isso. Uma delas é a Denise, nossa Presidente da Capes, ex-Reitora da UFRJ. Ela tem um compromisso muito grande com a educação, com a democracia, com a inclusão. Muito obrigada pela presença.
A outra é o Clédisson Júnior, Secretário de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial — Sinapir, do nosso Ministério da Igualdade Racial. Mande um abraço para a nossa Ministra Anielle. Obrigada também pela presença.
Eu queria agora chamar, por último, o Luiz Augusto Campos, Coordenador do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa — Gemaa, para dar suas contribuições.
Se houver mais alguma pessoa, um representante ou uma autoridade, que também queira que citemos a presença, que esteja participando on-line da reunião, peço que me mande no chat que eu faço já, já a menção aqui.
O Luiz Augusto tem a palavra.
O SR. LUIZ AUGUSTO CAMPOS - Boa noite a todas e todos.
Eu queria começar agradecendo à Deputada Dandara e parabenizando-a pela iniciativa.
Agradeço também ao Deputado Márcio Jerry pela presença na mesa e pela moderação.
Agradeço ainda à Deputada Benedita da Silva por toda a sua história e todas as suas contribuições históricas para o antirracismo brasileiro.
Eu também queria cumprimentar os meus companheiros de Mesa: a Profa. Fernanda Lima da Silva; o Daniel Teixeira, do CEERT; e o grande Prof. Edson Cardoso, do Irohin.
Quando eu fui convidado para participar desta audiência pública, eu pensei inicialmente em falar um pouco das políticas antirracistas no Brasil, e confesso que enfrentei um desafio similar àquele mencionado pelo Prof. Clédisson Santos, porque eu venho me dedicando a esse tema, enquanto pesquisador, enquanto professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e coordenador do Gemaa, há algum tempo. Eu acho que o principal problema a ser atacado é entender que existe um enorme paradoxo quando a gente fala das políticas antirracistas no Brasil.
De um lado, o Brasil possui hoje um dos mais complexos sistemas legais, um dos maiores números de leis antirracistas aprovadas por um país. O Brasil também é um dos países que possui hoje o maior sistema de cotas raciais do mundo. Não possui o maior sistema de cotas do mundo, porque a Índia tem o maior sistema de cotas, mas não é um sistema com clivagens raciais. Os Estados Unidos, que tiveram as suas políticas de ação afirmativa recentemente canceladas por uma decisão da Suprema Corte e agora perseguidas ativamente pelo Presidente Donald Trump, são um país que não tem cotas desde a década de 70 e, na verdade, nunca teve um sistema de ação afirmativa muito vultoso. É um sistema até famoso pelas suas conquistas, mas é incomparável com o sistema de cotas raciais no Brasil. Então, de fato, temos conquistas.
Por outro lado, essas conquistas têm efeitos muito paradoxais. As desigualdades continuam renitentes, e eu não vou gastar a paciência da audiência mostrando gráficos que apresentam os efeitos do racismo na nossa estratificação social, porque acho que eles são mais que conhecidos por todos e todas. O fato é que essas desigualdades mudaram muito pouco nos últimos tempos, apesar do relativo sucesso de muitas dessas políticas.
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Outro paradoxo diretamente ligado a esse paradoxo maior é o fato de que esse Estado brasileiro, que possui uma série de legislações e uma série de compromissos antirracistas, hoje se encontra com a sua capacidade de investimento nessas políticas bastante ameaçada, para dizer o mínimo.
O que eu pretendi falar aqui é uma análise desse cenário, ou desses paradoxos, pensando o que a gente tem, o que a gente conquistou e, na verdade, os caminhos em que a gente tem que investir para que essas políticas continuem avançando. Destaco que essas conquistas são importantes historicamente, mas muito tímidas quando a gente olha para o cenário atual.
Eu não vou gastar muito tempo nisso, mas quero dizer que, na bibliografia especializada, a gente tem mais ou menos quatro tipos de políticas antirracistas.
O primeiro tipo são as leis antidiscriminação. O Brasil, em termos de lei antidiscriminação, não está atrás de muitos países. É importante dizer que muitos países do mundo não têm leis antidiscriminação racial. A maioria tem apenas aquele princípio constitucional genérico de que ninguém pode ser discriminado por conta da raça. A existência de leis específicas está restrita a alguns países, dentre eles o Brasil.
Recentemente, a gente teve a equiparação jurídica de injúria racial a crime de racismo, o que é um avanço, mas a verdade é que esse aparato jurídico é muito pouco mobilizado na história do Brasil. O número de condenados à prisão por crimes de injúria racial e racismo no Brasil conta-se nos dedos de uma mão. Então, de novo, você tem um paradoxo de leis que são evidentemente importantes, até bastante evoluídas, mas a sua aplicação é bastante restrita.
O segundo tipo de política antirracista é o que a gente chama de política pedagógica. O Brasil tem algumas medidas nesse sentido. Talvez a mais importante delas seja a Lei nº 10.639, de 2003, que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Mas, de novo, seus avanços também são bastante complicados. Há problemas desde a contratação de professores capacitados para lecionar essa disciplina até a mensuração de seus efeitos finais.
O terceiro tipo de política, sobre a qual não vou falar, porque também é muito complicada, são as políticas culturais de valorização da população negra. A gente tem diferentes medidas: ações afirmativas em seleções para editais de audiovisual, diferentes iniciativas da Fundação Palmares, reconhecimento de terras quilombolas. Há, de fato, um aparato jurídico legal bastante complicado e também com efeitos bastante desiguais.
Eu vou me concentrar em falar sobre o meu tema central de pesquisa: as chamadas políticas compensatórias ou políticas de ação afirmativa. Nesse aspecto — eu me permito repetir —, o Brasil possui um grande sistema de cotas, que não se compara com o sistema americano de ações afirmativas e que não se compara com o sistema de ações afirmativas de países como a África do Sul, que são bastante grandes.
Na verdade, o sistema de cotas no Brasil, embora seja limitado para lidar com as dimensões do nosso racismo — esse é um ponto que eu quero destacar —, é bastante complexo e tem resultados que, numa perspectiva histórica, são bastante positivos.
Eu vou falar um pouco desse sistema de cotas, desse sistema de ações afirmativas. Há basicamente três eixos, que são, na minha opinião, as principais políticas nesse sentido. Tentarei destacar as suas principais conquistas, os seus principais problemas e os desafios que a gente pode tentar vencer nesse cenário profundamente adverso para ou consolidá-las ou fazê-las avançar.
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Essas três políticas, basicamente, são: as cotas no ensino superior público, conhecidas de todos e todas; as políticas de ação afirmativa/cotas nas seleções do serviço público federal, sobretudo; e os incentivos ao financiamento de candidaturas negras nas eleições brasileiras.
Começo pelas cotas no ensino superior público. Eu acho que a gente teve inúmeras conquistas. Eu tive a honra de coordenar, com a Profa. Márcia Lima, o Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas. A gente vai publicar, em maio, um livro reunindo esses resultados. A Profa. Márcia Lima foi Secretária de Políticas de Ações Afirmativas do Ministério da Igualdade Racial. A gente mostra, no livro e em diferentes pesquisas, que as cotas, a despeito de problemas pontuais, foram um sucesso. Talvez eu não precise dizer isso, mas talvez eu precise dizer: as cotas mudaram, de fato, a cara da universidade brasileira, o que não é algo banal.
As pesquisas de estratificação das décadas de 80 e 90 mostravam que a reprodução da desigualdade de classe no Brasil dependia, em grande medida, do diploma universitário, ou seja, uma família de classe média ou uma família de classe alta se mantinha uma família de classe média ou uma família de classe alta porque pagava um ensino privado caro para os seus filhos. Isso dava a eles, como prêmio, no fim dessa trajetória, o acesso a universidades públicas totalmente gratuitas.
As cotas, embora bastante modestas nos seus objetivos, atacam esse nó de reprodução das desigualdades no Brasil. Por isso, foram uma conquista importantíssima do movimento negro, que a gente tem que sempre mencionar. Eu acho, particularmente, a política de cotas, como desenho de política pública, uma das políticas públicas mais bem-sucedidas da história brasileira.
Eu não vou destacar aqui muitos dados, mas a política de cotas basicamente muda o ensino superior brasileiro. No fim da década de 90, a gente tinha menos de 30% de estudantes pretos e pardos com ensino superior no Brasil. Hoje a gente tem mais da metade, mais ou menos 52%, de estudantes pretos e pardos com ensino superior no Brasil.
Mudaram também — é preciso destacar — as características de classe do ensino superior brasileiro. Hoje a maior parte do ensino superior público brasileiro é dominada pelas classes C, D e E, que ainda estão sub-representadas. Na verdade, as classes altas ainda dominam a maior parte do ensino superior público brasileiro, mas tivemos uma mudança bastante drástica num espaço de 20 anos.
Eu aproveito este momento para parabenizar a Deputada Dandara pela atualização da Lei 12.711, de 2012, que foi bastante positiva, pois corrigiu vários elementos apontados por nós, pelo movimento negro, pela academia e pela gestão pública como gargalos no funcionamento da lei. A atualização foi realmente bastante positiva.
Quais são os problemas da política de cotas no ensino superior? O problema é que a sua base encontra-se sob uma ameaça bastante forte. O ensino superior público no Brasil já foi responsável, no passado, por mais 60% das matrículas. Hoje ele é responsável por 20% das matrículas. Quando a gente fala de cotas no ensino superior público, a gente fala de cotas de 50% para estudantes de escola pública e, dentro dessas cotas, de mais ou menos metade — 25% — para pretos, pardos e indígenas. Esses 25% incidem sobre o ensino público atual, que corresponde a 20% das matrículas. É preciso levar em conta que mais ou menos 22% da população brasileira, apenas, têm diploma de ensino superior. Na pirâmide social brasileira, 22% têm acesso ao ensino superior. Desses 22%, apenas 20% vão para universidades, institutos federais públicos. Desses 20%, apenas 25%, mais ou menos, são estudantes cotistas. Fazendo um cálculo grosseiro, a gente está falando de 20% de 20% de 20%, o que dá mais ou menos 1% da população do Brasil hoje.
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Então, de fato, essa política, com a retração do ensino superior público, é bastante prejudicada no seu alcance. Evidentemente, ela tem benefícios importantes. A gente vive hoje um processo tímido, mas importante de diversificação das classes médias brasileiras. Ainda não chegou às elites. De fato, a retração do ensino superior público, no qual as políticas de cota se aplicam, é um problema sério, que a gente precisa discutir. Como é que a gente lida com esse cenário? Evidentemente, com mais investimentos em ensino superior público, o que é bastante complicado. O ensino superior público no Brasil passou por uma grande retração de investimentos no passado recente e hoje tem um orçamento não congelado, mas quase congelado.
Eu acho que a gente precisa inserir no debate parlamentar uma pauta que ainda é bastante ausente e que dificilmente vai avançar no cenário em que a gente está, mas ela tem que começar a ser provocada nos debates parlamentares. Refiro-me às ações afirmativas no mercado de trabalho.
A história das ações afirmativas no mundo é a história das ações afirmativas no mercado de trabalho. Nos Estados Unidos, elas começam no mercado de trabalho. Na Índia, elas começam na política, mas rapidamente migram para o mercado de trabalho. Na África do Sul, elas também começam no mercado de trabalho. No Brasil, a gente praticamente não fala de ações afirmativas no mercado de trabalho. A propositura de uma lei que obrigue empresas com determinado perfil a ter no seu topo e a ter na sua base uma determinada quantidade mínima de trabalhadores pretos e pardos é vista como uma intervenção do Estado na economia, o que é bastante curioso, porque até os Estados Unidos, país visto como ultraliberal, têm uma instrução normativa que fala em diversificação do mercado de trabalho. Essa instrução normativa é de 1962, ou seja, mais de 60 anos atrás.
Então, eu acho que a gente precisa pensar nisto. Se esse tema não vai avançar hoje no Parlamento, ele precisa ao menos ser colocado, para que a gente possa fazê-lo avançar com o tempo.
A respeito das cotas nas seleções do serviço público, eu também vou falar pouco, porque o meu tempo já está se esgotando.
A gente teve avanços. Uma pesquisa feita recentemente pelo Afrocebrap mostra que houve um avanço de pretos e pardos, nos últimos 10 anos, de mais de 27% nos cargos de liderança. Nós temos a iniciativa do Governo de cotas de 30%, mas ainda temos gargalos importantes. Eu acho que, a despeito das campanhas de cadastramento e reclassificação racial do Governo para os servidores públicos, a gente ainda tem dados muito complicados.
Aqui eu vou me permitir fazer outro comentário. O Brasil retroagiu muito na sua infraestrutura de dados e de disponibilização de dados racializados. Eu, como pesquisador, já tive uma condição de pesquisa muito mais confortável do que tenho hoje. Obter dados racializados é muito difícil. Isso tem a ver, inclusive, com uma má interpretação da LGPD, que menciona que dados raciais são dados sensíveis. O Brasil, nesse sentido, está numa situação bastante paradoxal. O Brasil é um dos países do mundo que mais produzem dados sobre raça, e esses dados não são disponibilizados. A gente se acostumou a ter acesso a esses dados. Eu acho que a gente precisa discutir seriamente o momento atual. Obter esses dados é bastante difícil. A gente está vendo que políticas públicas não conseguem funcionar porque não conseguem fazer um cálculo simples de desigualdade racial. É o caso, por exemplo, na educação, na aplicação do Fundeb, de alguns de seus mecanismos internos, como o VAAR. Enfim, eu poderia falar mais sobre isso.
Eu acho que isso se aplica também ao funcionalismo e à mensuração das políticas de ação afirmativa no seu interior.
O último ponto da minha fala tem a ver com incentivos existentes atualmente ao financiamento de candidaturas negras nas eleições. São políticas bastante complexas. Não vou descrevê-las. Elas têm a ver com a primeira provocação feita pela Deputada Benedita lá atrás e com uma série de outras medidas aprovadas.
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A gente teve algumas conquistas. A gente vive um aumento paulatino de candidaturas pretas e pardas. A gente vive um aumento tímido nas chances eleitorais de candidaturas pretas e pardas. Essa discussão chegou aos partidos, mas os problemas são bastante mais dramáticos: não há cotas nas nominatas e, assim, um partido pode plenamente não lançar nenhuma candidatura negra no Brasil hoje; o aumento das candidaturas pretas e pardas é bastante desigual entre os partidos; a autodeclaração é muito problemática nesse aspecto.
Uma pesquisa que eu fiz com o Prof. Carlos Machado concluiu que mais de 30% de Deputados e Deputadas eleitos que se autodeclararam pretos e pardos não são percebidos por quase ninguém como pretos e pardos. Há Deputados famosos que são percebidos por todo mundo como brancos, que se autodeclararam desse modo e receberam, pelo nosso cálculo, pela nossa estimativa um pouco grosseira, mais de 60 milhões por terem se declarado desse modo. Então, a gente tem um problema bastante sério.
Nesse aspecto, eu acho que o investimento em medidas e resoluções políticas para as eleições é algo central. Isso passa pelo controle da autodeclaração, pela criação de cotas nas nominatas.
Eu fui convidado para participar de outra audiência pública, sobre a reforma eleitoral, que propõe mudar bastante coisa, na minha opinião. Eu acho que a gente tem que discutir seriamente sobre as cotas na representação política, inclusive no sistema de lista aberta, que permite isso — é muito mais difícil, mas permite isso.
Acho que já excedi um pouco o meu tempo.
De modo geral, eu acho que esse é o cenário em que a gente vive e essas são as frestas que a gente pode, numa conjuntura profundamente adversa, explorar a partir do Parlamento.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Muito obrigada, Luiz, pelas suas contribuições.
Em tempo, eu queria ler rapidamente o seu currículo. Eu estava tão impactada com a fala do nosso grande Edson Cardoso que, na hora, não achei o seu currículo.
O Luiz é professor de Sociologia e Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; doutor em Sociologia pelo mesmo instituto; editor-chefe da revista Dados; coordenador de dois grupos de pesquisa. Realizou estágio doutoral na Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais de Paris e estágio pós-doutoral na Universidade de Nova York. Atua na interface entre Sociologia e Ciência Política, com pesquisas sobre raça e política, análises de grandes volumes de textos, cientometria e controvérsias públicas.
Eu queria passar a palavra para a nossa Presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Capes, Denise Pires de Carvalho, que está aqui com a gente.
A SRA. DENISE PIRES DE CARVALHO - Boa tarde, Deputada Dandara. É um prazer enorme estar aqui.
Eu gostaria de iniciar a minha fala saudando rapidamente o Deputado Márcio Jerry, Presidente do Cedes, e a Deputada Benedita da Silva, que comemora hoje seu aniversário. Ela não está aqui hoje, mas envio meus parabéns, de forma especial, à Deputada Benedita.
Saúdo também os palestrantes Daniel Teixeira, Fernanda Lima da Silva e Edson Lopes Cardoso, que estão presentes e realmente fizeram apresentações impactantes, e o Luiz Augusto Campos.
Deputada, muito obrigada por ter aberto a palavra. Temos trabalhado juntas desde que eu cheguei ao Ministério da Educação, a convite do Ministro Camilo Santana. Trabalhamos juntas quando eu estava na Secretaria de Educação Superior, na revisão da Lei de Cotas. Incluímos a pós-graduação na Lei de Cotas. Depois, na Política Nacional de Assistência Estudantil, nós e a Deputada Alice Portugal fomos bem-sucedidas. Depois de a discussão sobre a assistência estudantil ficar parada por 10 anos, nós conseguimos aprovar a lei da Política Nacional de Assistência Estudantil, incluindo a pós-graduação. Portanto, houve avanços importantes.
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Agora, como Presidente da Capes, pretendo continuar nessa caminhada, que é mesmo muito difícil, como o Edson muito bem salientou. Há sempre tentativas de retrocesso. É muito importante que essa discussão continue, que tenhamos relatórios e textos nos quais possamos nos basear com dados.
Eu digo com muita tristeza que as cotas no serviço público não têm sido atendidas da maneira como podem ser atendidas. Como a Deputada mencionou, fui Reitora da UFRJ até 2022, antes de chegar aqui. Naquela época, a UFRJ não atendia à Lei de Cotas nos concursos para servidores públicos. Eu fui a Reitora que conseguiu aprovar, no Conselho Universitário, uma resolução que garantia que as cotas e as ações afirmativas para técnicos administrativos e professores fossem atendidas. Apenas em 2022 nós conseguimos que os concursos fossem feitos dentro da legalidade, o que é uma questão simples: basta atender a lei para promover essa reparação justa que nós queremos, pela qual tanto lutamos.
Ainda há muito trabalho a ser feito. Eu não tenho dúvida de que outras universidades têm avançado nesse caminho. A UnB já tem uma resolução que garante que as cotas no serviço público sejam efetivadas. Eu entendo que todas as universidades federais e estaduais devem caminhar nesse sentido.
Eu deixei lá a Superintendência Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade. É muito mais difícil retroceder quando nós deixamos estruturas no estatuto das nossas universidades, bem como resoluções aprovadas. É muito mais difícil desconstruir esses avanços.
Eu termino a minha fala, Deputada, ressaltando a importância do censo da pós-graduação brasileira. Apesar de nós termos defendido as cotas na pós-graduação e a Política Nacional de Assistência Estudantil com a pós-graduação, nós ainda não temos dados sobre os nossos estudantes e as suas etnias; nós não temos dados sobre a diversidade em termos de gênero que sejam confiáveis; nós temos dados que não são censitários, que não foram respondidos pelos próprios pós-graduandos e pelos docentes que atuam na pós-graduação.
Nós estamos falando de mais de 420 mil pós-graduandos. Nós precisamos saber qual é a cor da pós-graduação brasileira, qual é a representatividade de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na nossa pós-graduação. É algo muito grave. Até a metade deste ano, nós vamos lançar o censo. Eu espero que os estudantes o respondam, para que possamos continuar implementando políticas públicas, como fizemos com o programa Abdias Nascimento, que garante a mulheres pretas e pardas 50% das bolsas concedidas pela Capes. Então, a Capes concede 50% das bolsas no exterior, pela Abdias Nascimento, para mulheres pretas e pardas.
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Eu quero continuar fazendo com que a Capes avance, baseada em dados e evidências, porque nós precisamos desses dados para avançar e atingir aquilo que todos nós queremos: a pluralidade, o pluralismo, como bem colocou Edson Cardoso aqui hoje, para sermos uma sociedade verdadeiramente democrática e inclusiva.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Denise. Seu trabalho na Capes muito nos orgulha. Sem dúvida nenhuma, não haver dado é um dado que deve ser considerado.
Vamos lançar a campanha Responda à pesquisa!, para que esse censo tenha um número recorde de respostas dos nossos estudantes da pós-graduação.
Eu queria passar a palavra, para que também nos dê a sua contribuição, ao nosso Clédisson Geraldo dos Santos Júnior, grande amigo, companheiro de longa data. Ele é que me levou para o meu primeiro espaço no Movimento Negro Unificado — MNU, quando eu tinha 17 anos. Ele estava construindo espaços muito legais. Agora ele é Secretário de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial — Sinapir, no Ministério da Igualdade Racial.
O SR. CLEDISSON GERALDO DOS SANTOS JÚNIOR - Boa noite a todas e todos.
Eu não preparei nenhuma fala. Eu vim a este espaço para prestigiar mais uma audiência pública do Centro de Estudos e Debates Estratégicos — Cedes, pelo qual tenho grande apreço. Eu tive a oportunidade de acompanhá-lo como assessor e coordenador do mandato da Deputada Dandara nos últimos anos.
Acredito que a oportunidade se faz presente. Em nome do Ministério da Igualdade Racial e da Ministra Anielle Franco, primeiro, eu faço uma saudação a este espaço pela riqueza dos debates que se travam aqui. Mais do que isso, é importante reconhecer que este é um espaço de resistência, um espaço construído a duras penas, num processo de discussão. Não é necessariamente natural da ordem de coisas desta Casa organizar um conjunto de pensadores, produzir reflexões extremamente densas e comprometidas com o desenvolvimento da nossa sociedade, sem perder de vista o passado, o qual devemos encarar. A partir desse processo de refletir, de encarar o passado, é possível produzir respostas à altura da dignidade do nosso povo.
Nós estamos falando de assumir uma política de reparação que dê conta de dialogar com os mais de 350 anos de história de escravidão, que desumanizou o nosso povo, que nos colocou num lugar de subalternização, que permitiu que, nos dias de hoje, nós ainda pagássemos um preço muito alto — aquilo que podemos chamar de continuidade, permanência da colonização.
Eu acredito, como militante do movimento negro, mas também no papel de dirigente do Governo Federal, que precisamos avançar para um processo de descolonização do Estado brasileiro. Nós precisamos dialogar com a perspectiva de um Brasil que se comprometa com o seu povo, com a sua história, a partir de novos referenciais, que precisam levar em consideração o comprometimento, o compromisso, mas também a entrega de todo um povo que deu sangue e suor, deu história, deu filhos e filhas para que nós pudéssemos ser esta grande Nação que somos hoje, mas uma Nação que ainda precisa ser de todos.
Este é um trabalho árduo, de responsabilidade do Estado brasileiro, do Governo brasileiro, mas também será fruto desse processo de conformação social em torno de uma nova maioria política, que só será possível pelas ruas, pela construção de uma identidade de luta que una a diferença, que valorize a diferença, fazendo com que a diversidade multiplique em vez de subtrair, como acreditam alguns.
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Só as ruas sabem! Nós confiamos muito no povo brasileiro.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Clédisson, pela contribuição.
O Sinapir, sistema criado por Luiza Bairros, que já foi citada aqui hoje, é fundamental para a gente avançar na elaboração de políticas públicas em conjunto com os gestores, com os entes da Federação, com os Municípios, com os Estados. A gente quer ter um Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial cada vez mais forte e atuante.
Eu queria registrar a presença da Andressa Souza, Assessora da Diretoria de Políticas de Educação Escolar Indígena, do Ministério da Educação, que nos acompanha on-line; da Aline Teles, Assessora da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais do Estado da Bahia — obrigada pela presença —; da Aldenora Gomes González, Conselheira do Conselho Nacional de Assistência Social, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Mais uma vez, agradeço muito ao nosso Deputado Márcio Jerry, que preside o Cedes, que é tão importante para nós. Que a gente possa seguir fazendo um bom debate!
O Arthur me mandou, pelo WhatsApp, o endereço de todas as 69 universidades federais do nosso País e, inclusive, já solicitou, em nome do MEC, o envio, para todas as universidades do Brasil, de um exemplar desse nosso estudo. Então, vamos produzir muito, porque temos lugar para mandar esse estudo, sem dúvida nenhuma.
Eu acho que a principal reflexão, hoje, aqui, colocada pelo nosso grande líder Edson Cardoso, é sobre a importância de efetivarmos aquilo que já tem sido acumulado, construído, elaborado ao longo de tantas décadas. Trata-se de algo que está presente nas letras da Constituição, resultado das conferências que este País já produziu, de conferências e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. É importante nós termos, de fato, uma ação direcionada do Estado brasileiro para promover o combate ao racismo e construir uma agenda clara, objetiva e nítida de promoção da igualdade racial. Ocupamos espaços de poder para realmente transformar. Essa é a nossa atuação aqui neste espaço.
A Ordem do Dia já começou. Quando essa luzinha começa a piscar aqui, significa que o trem está feio e que nós temos que descer. (Risos.)
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião.
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