2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão de Legislação Participativa
(Audiência Pública Ordinária (semipresencial))
Em 11 de Dezembro de 2024 (Quarta-Feira)
às 16 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Senhoras e senhores, boa tarde.
Declaro aberta a reunião de audiência pública da Comissão de Legislação Participativa destinada a debater o tema: A situação das famílias atingidas pela violência policial em todo o País.
Ressalto que a presente audiência decorre da aprovação do Requerimento nº 178, de 2024, de minha autoria, aprovado por esta Comissão de Legislação Participativa.
Quero agradecer a presença dos membros deste colegiado, dos convidados e de todos e todas que nos assistem.
Informo que este evento está sendo transmitido via Internet e que o vídeo pode ser acessado pela página da CLP, no site da Câmara dos Deputados e pelo canal da Câmara dos Deputados no YouTube.
É importante ressaltar que, a partir da página da Comissão, todos os cidadãos podem participar de debates interativos on-line em todos os eventos da CLP, enviando perguntas que, ao final, serão submetidas à Mesa para manifestação das convidadas e dos convidados.
Antes de passar aos debates, eu vou falar rapidamente sobre algumas normas da Câmara, mas, evidentemente, não vou manter uma rigidez peremptória em relação a isso. O importante é fazermos o debate, procurar os encaminhamentos, ouvir as senhoras e os senhores.
Os Deputados que tiverem interesse em interpelar os expositores deverão se inscrever previamente junto à Mesa. Cada convidado ou convidada vai ter o tempo de 10 minutos para a sua exposição. Após o encerramento das exposições, cada Deputado vai ter o prazo de 2 minutos para fazer as suas considerações.
Vamos contar com a participação das senhoras e dos senhores convidados na audiência de hoje.
Convido para compor a Mesa os seguintes convidados: Haydee Melo da Silva Borges; Sueidy Marília Ferreira Pena da Silva; Luciana Katia de Oliveira Silva, que vai participar por videoconferência, mas ainda não está aqui conosco; Ana Paula Gomes, que também vai participar por videoconferência; Silvia Souza, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB Nacional, que vai participar por videoconferência, mas ainda não está entre nós; José Maria de Almeida, do PSTU; Maria Helena Cota Vasconcelos, do MPAF — Movimento Policiais Antifascismo; Adailza Macedo Silva; que participará por videoconferência e já está entre nós; Maria Cristina Quirino, que participará por videoconferência e já está entre nós; Silvia Cardenas Prado, que participará por videoconferência e também já está conosco; Beatriz da Silva Rosa, que participará por videoconferência; Cezar Britto, jurista, que está aqui conosco; e Isabel Seixas de Figueiredo, Diretora do Sistema Único de Segurança Pública, representando o Secretário Nacional de Segurança Pública, que ainda não está entre nós. Assim que chegar, vai nos auxiliar na composição da Mesa.
Eu vou mesclar a possibilidade de ouvir um convidado que está aqui no plenário e outro convidado que vai fazer a sua participação on-line.
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Eu estava aqui consultando o José Maria, que propôs a realização da audiência, e conversando com a Maria Helena, e eles acharam que o mais adequado é ouvir as famílias, as mães, e, depois, abrir para as demais intervenções.
Então, eu já queria começar imediatamente passando a palavra para a Sra. Haydee Melo da Silva Borges.
A SRA. HAYDEE MELO DA SILVA BORGES - Boa tarde a todos, senhoras e senhores.
Eu sou Haydee Melo, sou tia de William Jones Faramilio da Silva, sou de Londrina, no Estado do Paraná.
O William Jones foi executado pela Polícia Militar do Estado do Paraná em nossa cidade, no dia 6 de maio de 2022. Juntamente com ele estavam Anderbal Campos Bernardo Júnior e mais um amigo, que eu não vou dizer o nome dele aqui. O meu sobrinho tinha 18 anos, o Anderbal, 21, e esse outro amigo, 23. Não houve exatamente uma abordagem. A polícia simplesmente emparelhou ao lado do carro deles e disparou 50 tiros de pistola e fuzil.
Desses 50 tiros, vários atingiram o Anderbal. O primeiro tiro que atingiu o Anderbal já foi um tiro fatal, pois foi na cabeça, e o sobrevivente que estava atrás já viu que ali ele havia morrido, pois viu que ele havia perdido a cor. Após esses tiros, ele tomou diversos outros, entre eles um tiro à queima-roupa no coração, o que foi constatado por uma perícia particular.
Apesar de a polícia alegar, como ela sempre faz, que houve um confronto, nós temos a convicção e as evidências de que ocorreram duas execuções e uma tentativa de homicídio naquela data. Temos também o depoimento do sobrevivente, que dá detalhes da truculenta ação dos policiais e evidências de que foram plantadas três armas no cenário da execução, pois nenhum deles tinha nenhuma arma.
No início deste ano, o Ministério Público decidiu arquivar o inquérito policial do caso, alegando que os policiais agiram em legítima defesa. Tivemos que contratar um perito e um médico legista particular para recorrer à segunda instância do Ministério Público e conseguir que as investigações prosseguissem. Dois promotores da Subprocuradoria de Curitiba concordam que há uma quantidade enorme de inconsistências, incoerências e muitas contradições no inquérito. Diante das evidências apresentadas por nossas famílias, esses dois promotores concluíram que, no mínimo, houve um excesso doloso por parte dos policiais nessa atuação e que não poderia se arquivar o caso. Pelo contrário, foi determinada uma série de diligências que nós, familiares, havíamos pedido, juntamente com o advogado, mas elas foram negadas pelo delegado da nossa cidade.
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A nossa luta é muito grande, e é uma luta contra o Estado que é muito árdua. Eu sempre falo isso para todas as famílias. Essa é uma luta que demanda, principalmente, um equilíbrio emocional, porque, além de todas as manhãs, quando nós nos levantamos, abrirmos os olhos e vermos que nós não temos mais os nossos entes queridos, nós temos que viver todos os dias provando o que eles eram. Eu convivi 18 anos com o meu sobrinho, eu conhecia a índole dele e eu não acredito no que a polícia fala, no que eles colocam na mídia.
Além disso, temos que ter tempo e dinheiro. Se o Estado mata um filho seu, ele nem sequer reconhece o crime que cometeu, o que dirá fazer uma reparação contra isso. Quando digo reparação, é mais um reconhecimento, porque os nossos não vão voltar jamais. Nós morremos juntos com os nossos familiares naquele dia. Eles eram jovens, e não apenas eles foram executados, pois nós somos executados todos os dias. Isso é muito doloroso.
A maioria das famílias que tem seus filhos mortos pela polícia não tem como lutar por isso. A maioria das famílias é de periferia, trabalha para ganhar o pão de cada dia e não consegue ter os recursos apropriados para poder provar a inocência dos seus.
Esse foi um dos motivos pelo qual criamos o grupo Justiça por Almas - Mães de Luto em Luta, o qual estou representando neste momento. O nosso movimento reúne familiares de jovens mortos pela força de segurança no Paraná, que não são poucos, porque a Polícia Militar paranaense mata, e muito.
No período de 2017 a 2022, a letalidade cresceu ano a ano, saindo de 276 para 488 casos no Estado. É um aumento de 77%. Em 2022, a nossa polícia do Estado do Paraná matou mais do que a polícia paulista, em São Paulo, que é uma cidade que tem uma população quatro vezes maior do que a nossa. No ano passado, depois de o GAECO ter feito algumas apreensões e denúncias de agentes em nossa cidade e no Estado, houve uma queda de 28% dos casos, em comparação a 2022, mas os números de 2024, que ainda não são oficiais — de janeiro a outubro, não é Mari? —, são maiores do que os de janeiro a outubro de 2023. Essas informações ainda não são oficiais, divulgadas pelo GAECO, mas foi feito um levantamento desses números por uma rede de jornalismo em nossa cidade.
Neste ano, nós, familiares do Justiça por Alma, já participamos de diversos outros velórios de vítimas. Inclusive, no começo do ano, lá em nossa cidade ocorreu uma chacina com sete vítimas, todas juntas dentro de uma casa. A gravidade da situação é comprovada pela Defensoria Pública do Paraná, que, em 2021, estudou 302 mortes ocorridas por ações da força de segurança. Apesar do discurso oficial de que a polícia só mata bandido perigoso, menos da metade desses casos era de pessoas condenadas ou que tinham algum tipo de passagem por qualquer crime cometido e, o pior, 38 delas não tinham nenhum tipo de passagem.
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Nós vivemos sob a influência de uma cultura corporativa autoritária. E esse discurso oficial, sustentado anos a fio pela grande mídia, de que é legítima defesa, enaltece, ao arrepio da Constituição e da lei, o combate ao crime por meio de uma política de extermínio cujo alvo preferencial é a população preta, negra, e previamente conhecida. Esse discurso está a tal ponto sedimentado que mesmo o Ministério Público, responsável pelo controle extremo da atividade policial, resta inerte e se omite a denunciar o caráter delitivo da polícia oficial do Governador, contribuindo para mais um cenário de desorientação normativa e legal, entre estímulos e condescendências à conjuntura do próprio sistema.
Entre outros objetivos, o nosso movimento visa a chamar a atenção da sociedade para a gravidade do problema, tarefa bastante difícil, tendo em vista a popularização da crença de que bandido bom é bandido morto. Também buscamos apoiar outras famílias para não desistirem e pressionarem as autoridades a esclarecer a circunstância das mortes de seus entes queridos.
O Justiça por Almas tem uma reivindicação central, dentre outras. Queremos que o Governo do Estado obrigue que seus agentes de segurança utilizem câmeras corporais. Temos certeza de que essa é uma das principais providências que se possa tomar para controlar a matança.
Eu gostaria de falar aqui, já para terminar a minha fala, que é muito difícil para nós viver essa luta. Onde chegamos e falamos sobre a nossa luta, as pessoas falam duas coisas: a primeira é perguntar o que a pessoa estava fazendo de errado. Nem sempre ela estava cometendo um crime, que foi o caso do meu sobrinho; o caso do Davi Gregório, cuja mãe, Marilene, está aqui; e o caso do Davi, filho da D. Sueidy, dentre outros casos que conhecemos na região de Curitiba, Piraquara, em todo o Paraná. Temos contato com muitas famílias e muitos outros movimentos.
A segunda pergunta que a pessoa faz é: "Por que você perde tempo com isso se ele não vai voltar?" Mas ninguém entende a nossa luta se não passar pela nossa dor. E não é só por eles, porque nós temos a consciência de que eles não irão voltar, mas é por todos que estão aqui. Se, em 2022, quando o meu sobrinho foi executado pela polícia, medidas corretas tivessem sido tomadas, o mesmo policial que matou o meu sobrinho não teria matado o Davi Gregório, de 15 anos, com 15 tiros, apenas 1 mês e uma semana depois. É isso que as pessoas precisam entender. A nossa luta é para todos que estão aqui. E a luta referente ao meu sobrinho é para eu provar a inocência dele. Isso é uma luta particular minha, não envolve um movimento. E as pessoas precisam entender isso. Eu costumo dizer que muitos não nos dão atenção, porque eles falam assim: "Ah, já morreu, não vai voltar. Para quê?" Mas e os que estão vivos? Olhem quantas atrocidades vêm acontecendo nos Estados, no Brasil. Em São Paulo, na última semana, tivemos a repercussão, diariamente, de diversos casos absurdos.
Acabei extrapolando um pouquinho o tempo, mas queria deixar esse pensamento. Eu gostaria muito de ter o apoio de vocês para que, juntos, possamos conseguir que o Estado coloque câmeras em todos os agentes de segurança pública, não só da Polícia Militar, mas também da Polícia Penal, da Polícia Civil e da Polícia Rodoviária, porque a câmera não vai proteger somente nós cidadãos, mas também vai proteger o policial, porque temos ciência, sim, de que o policial sai à rua, correndo risco de vida, para me proteger e o próximo. E são minimamente alguns que estão fazendo essas atrocidades.
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Então, queremos apoio para obrigar o uso de câmeras. E nós gostaríamos também que o Ministério Público adotasse outras medidas de investigações, porque são investigações muito superficiais. Quando um familiar, que tem um pouquinho mais de instrução e conhecimento, pega um inquérito, ele vê que há falhas em cima de falhas. E um familiar não consegue, diante de um promotor, fazer um pedido. Esse familiar tem que ter um advogado o representando, e muitas vezes ele não tem essa condição financeira.
Eu agradeço muito a oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Haydee, obrigado por compartilhar conosco o seu depoimento e suas lutas também.
Sueidy Marília Ferreira Pena da Silva, por favor, a palavra está contigo.
A SRA. SUEIDY MARÍLIA FERREIRA PENA DA SILVA - Olá, boa tarde. Agradeço também a oportunidade de poder estar aqui. Eu vim do Norte, de Ananindeua, no Pará, para relatar o que ocorreu com o meu filho.
Eu sou publicitária, meu esposo é pedagogo, que está aqui presente, e sou mãe de mais duas meninas, uma universitária e uma que está terminando o ensino fundamental.
No dia 25 de outubro, de 2023, durante uma abordagem policial, um adolescente foi morto e um mototaxista detido nas proximidades da ponte do Rio Maguari, próximo ao Condomínio Super Life, na Avenida Independência, em Ananindeua. O fato, a princípio, noticiado como suposta perseguição após um assalto, contradiz-se aos áudios e a vídeos de testemunhas, no qual dois homens abordados não oferecem qualquer resistência, e, ainda assim, um deles, um menor de idade, Davi Pena Magalhães da Silva, de 16 anos, foi executado.
Por trás da matéria, que divulgou indevidamente o nome do adolescente e o classificou como assaltante, existia um garoto, um atleta, um estudante, um filho, um irmão, que não apresentava qualquer registro policial que o desabonasse. Dezesseis anos era a idade dele. Segundo o ECA, esses seres humanos, na fase da infância e adolescência, são sujeitos a direitos e condições peculiares de desenvolvimento que demandam a proteção integral por parte da família, da sociedade e do Estado. E esse mesmo Estado, que deveria proteger o adolescente, o matou sem chances de defesa diante da sociedade e sem ouvir sua família.
O relato da GU da viatura 3009, do 30º Batalhão, que não fazia parte, inclusive, da circunscrição do bairro do Distrito Industrial, comandada pelo aspirante a oficial Fontenelle, onde também estavam presentes o sargento Jardel, o cabo Cirqueira e o soldado Rerison, da Polícia Civil, se contradiz aos áudios e vídeos de testemunhas e ao próprio registro da ocorrência no Ciop, que só ocorreu 1 hora após o ocorrido.
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Além disso, estranhamente, a viatura que executou o adolescente não era da área, mas, sim, do Júlia Seffer. Nem o adolescente, nem o mototaxista tinham passagem pela polícia. E, ainda assim, o Tenente-Coronel Graco, do 29º Batalhão, manifestou-se em TV aberta, em vários canais, confirmando o suposto assalto, com perseguição e troca de tiro que jamais existiram. O que se viu, segundo testemunhas, foi a moto parar de imediato quando da abordagem policial e, em sequência, vários disparos, com o menor rendido, inclusive já deitado no chão e ferido. E, no corpo do adolescente, havia marcas de tiros no peito, na costela e na perna. Uma execução sumária!
É muito difícil, principalmente para nós, mães, que geramos — e sempre falo isso nas redes sociais —, que parimos, que criamos, que sofremos, que passamos noites em claro, que damos carinho e educamos os nossos filhos, perdê-los de forma tão brutal. Eu amanheci com o meu filho e anoiteci sem ele. Eu saí de casa para trabalhar e não encontrei o meu filho. O meu filho saiu para nunca mais voltar, e não porque ele não quis, mas porque homens fardados, com muita covardia e com o dedo no gatilho tiraram a vida daquele que era muito amado, que tinha um pai e uma mãe. Por mais que o meu filho tivesse cometido tal ato, o que eu não acredito pela educação que nós lhe demos, ele não merecia ser tratado da forma como foi. O Davi recebeu disparo ainda com a moto em movimento.
O processo todo da Corregedoria, sob o comando do Coronel Fábio Santos, concluiu que houve fraude processual, implantação de armas e omissão de socorro, já que os policiais esperaram por pelo menos dez viaturas para cercarem o Davi e implantarem as armas. O meu filho morreu com hemorragia interna e anemia profunda.
Eu não tive a oportunidade de proteger o meu filho. Eu não fui chamada, eu não fui comunicada. Pegaram o celular do meu filho não para ligar para mim, mas para colocar como objeto de roubo, o próprio celular do meu filho e o do mototáxi, o apurado do mototáxi. Não houve uma abordagem; foi uma execução. O motorista do mototáxi não foi ferido, ele é uma testemunha-chave para o que aconteceu com o meu filho. Ele foi a última pessoa que viu o meu filho com vida.
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E tudo o que a gente pede como mãe é que vocês, que estão no poder, que têm acesso a ele, possam, de uma forma humana, escutar as mães, porque sempre há o tal confronto, que nunca existiu. Nunca! O meu filho jamais, e como mãe acredito, porque foi esta a frase que me fez lutar por justiça: o meu filho jamais realizaria um confronto, até porque as armas não funcionavam. (O orador se emociona.) O que a gente pede é que o Estado reveja a forma como esses policiais são formados, porque, no Brasil, não há pena de morte.
E eu sempre pergunto: quem deu ordem para matar o meu filho? Que tribunal é esse, que, numa abordagem, condena e tira a vida daquele que tem família e sequer pergunta o nome? Deram 22 anos para o meu filho quando ele chegou ao Metropolitano. O meu filho viu o revólver apontado para ele; e eu tão perto, porque ele foi violentado muito perto de mim, muito perto da família. E isso me dói demais, me faz sofrer todos os dias. E é por causa disso que eu luto, desde o dia 27 de outubro, por justiça. Eu não tenho medo, porque se a gente se acovardar, mais filhos irão morrer, mais mães irão sofrer. Hoje, eu sou laudada, tomo remédio para dormir, para depressão e para ansiedade. As minhas filhas perderam um pouco do que elas tinham em casa, porque eu não sou mais a mesma. Não sou 100% feliz, porque eu não tenho uma parte de mim em casa. (Choro.)
E a oportunidade que nós temos é sempre única e muito sofrida, porque a gente tem que fazer um "roteio" muito grande para buscar justiça. A gente tem que se esconder e passa por muitas dificuldades, uma delas é conseguir advogado para assumir o caso, porque os advogados têm medo — eles têm medo!
O caso do Davi foi para a Corregedoria, que fez todo o processo. Ainda não temos resultados, já passou do prazo, o Ministério Público aceitou a denúncia, mas ainda não houve nenhum chamado para que houvesse a audiência de instrução e julgamento desses homens. O aspirante era o responsável, ele atirou em meu filho para matar, com uma bala de ogival, que não sai, ela simplesmente explode os órgãos. Por isso, o meu filho teve hemorragia a 60 centímetros do peito. Então, eu pergunto: que polícia é essa?
E a pergunta e a reflexão que eu vou deixar aqui é bem clichê: se fosse com o filho de vocês, o que vocês fariam?
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado também, Sueidy, pelo compartilhamento dessa... — sem palavras —, desse sofrimento que vocês estão vivenciando.
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Eu queria chamar, para compor a Mesa conosco, a Isabel Seixas de Figueiredo, Diretora do Sistema Único de Segurança Pública, representando o Secretário Nacional de Segurança Pública. E já passo a palavra, para falar por videoconferência, à Luciana Katia de Oliveira.
Boa tarde, Luciana. Obrigado pela presença. A palavra está contigo.
A SRA. LUCIANA KATIA DE OLIVEIRA SILVA - Boa tarde!
Eu me chamo Luciana Katia de Oliveira Silva, tenho 40 anos, sou de Aracaju, Sergipe. Sou a mãe de Wagner Júnior, de 18 anos, que foi executado dia 5 de janeiro deste ano pela polícia do meu Estado.
Eu escutei o depoimento da representante do Grupo de Almas, e foi muito interessante o que ela falou, pois todo mundo julga quando acontece isso: o que eles estavam fazendo ali, naquele local?
O meu filho só tinha 18 anos. Ele foi abordado aqui na esquina da minha casa, onde se ajoelhou, botou a mão na cabeça, mas, mesmo assim, aquelas seis viaturas, naquela noite, preferiram executar o meu filho com quatro tiros no peito. Eu vou falar bem pouco. Eu sei que eu tenho 8 minutos, mas eu vou falar bem pouco.
Eu nem estava querendo mais participar da reunião, porque, ontem, eu recebi a decisão do Ministério Público — e eu estou abalada desde ontem, não estava falando, nem pegando celular nem nada — dizendo que o promotor entendeu que aqueles policiais agiram em legítima defesa. O meu filho Wagner era deficiente dos polegares, não tinha condições de atirar, como eles alegaram naquela noite. E, além do meu filho, havia outro rapaz, e outro foi preso; foi numa esquina, e eles estavam conversando. A polícia já chegou atirando, e meu filho não quis correr, nem o outro rapaz, e foi quando eles pegaram o meu filho, levaram para uma baia, que é aqui próximo, e executaram o meu filho com quatro tiros no peito, pelas costas. O outro rapaz teve perfuração de faca, teve os pulsos cortados. Como eles dizem, o outro rapaz tinha má índole, então: o que o meu filho estava fazendo?
E houve várias contradições no caso do meu filho. De início, que meu filho estava correndo pelos telhados das casas, com tiro, com um saco de droga. Foram várias as contradições. Mas, enfim, é uma luta muito árdua. E a decisão que eu recebi ontem me adoeceu mais do que eu já vinha adoecendo. Eu tento buscar forças todo dia.
Eu tenho outro filho, o Pedro, de 16 anos. Eu digo que eu e Pedro é que pegamos a sentença. Hoje, a gente vive com medo, porque esses mesmos policiais rondam o prédio onde eu moro. Eu moro num prédio do Minha Casa, Minha Vida, e não tem muita segurança. Eles rondam aqui. Muitas vezes me encontram na rua, dizem algo, e eu tento evitar falar. Eu tento não falar, porque eu tenho muito medo de perder o meu outro filho. Isso porque, quando o Ministério Público assinou a legitimidade da morte do meu filho, ele matou o meu filho novamente e acabou dando uma sentença a mim e ao meu filho Pedro, sentença de que hoje temos medo de sair. A partir das 18 horas, a gente não sai para canto nenhum, nem para ir a uma padaria, porque eles alegam que o bairro em que eu moro é muito perigoso, é uma zona da área vermelha. O Ministério Público também me perguntou o que o meu filho estava fazendo ali. Será que a gente não tem o direito de andar em nossa comunidade, onde o meu filho cresceu e onde acabou perdendo a vida, no mesmo local? Será que a gente não tem o direito de ir a uma praça, de sentar em frente a uma porta para conversar com um amigo?
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Só que a sociedade julga muito. E vejo que, para a gente, pobre, preto e, muitas vezes, sem muito estudo, sem muito conhecimento, é bem difícil essa luta. Eu deixei de viver o meu luto para viver essa luta. Desde o dia 8 de janeiro, eu venho batendo de porta em porta, lutando pelo direito que foi tirado do meu filho e lutando pelo direito de quem ficou. Mas eu entendi que é uma luta bem difícil e que acaba nos adoecendo. E quem recebe a sentença somos nós, os familiares.
O policial Júnior — o nome do policial que executou o meu filho é Júnior — já é um policial reincidente no que faz e tem vários processos. Até então, ele nunca foi afastado das ruas. Ele vai a júri de outro caso, e, mesmo assim, ele não é afastado das funções dele. Continua na rua fazendo mais vítimas, entrando na comunidade em que eu moro, ameaçando, constrangendo. O caso do meu filho foi filmado, mas a pessoa que filmou teve medo de divulgar, porque, até então, eles foram na sua porta e ameaçaram a pessoa.
Como eu digo, muitas vezes, a gente luta, luta, luta. É uma guerra cansativa, que nos adoece e não dá em nada. Depois de 11 meses... A morte do meu filho fez 11 meses no dia 5. E ontem, eu recebi a notícia de que o caso do meu filho seria arquivado. Desde ontem, eu estou sem muita comunicação, porque eu estou tentando ver como faço para abrir novamente esse caso do meu filho. Mas é muito difícil. Eu já gastei muito. Hoje eu nem sei mais o que fazer.
Eu sei que a justiça de Deus nunca vai ser falha, mas a dos homens... (O orador se emociona.)
Eles deram a sentença do meu filho naquela noite, quando o executaram. E, ontem, o juiz deu a sentença dele, que foi para mim e o meu filho: o medo, o medo de morar aqui, não só aqui, mas em qualquer outro lugar que seja em meu Estado, quando o juiz deu legitimidade a esses policiais. Eu acho que, se eles executaram o meu filho... E eu venho incomodando o Estado. E eu digo que venho incomodando o Estado, mas, como fosse em legítima defesa, ou algo desse tipo.
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Eu não tenho mais o que dizer. Só o fato de estar triste mesmo pelo resultado do Ministério Público. O promotor matou o meu filho novamente ontem, quando deu legitimidade a esses policiais, dizendo que foi legítima defesa. Eu, mais do que ninguém, conhecia o meu filho Wagner.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Luciana, obrigado também por compartilhar sua tristeza e indignação aqui conosco.
Agora, nós vamos ouvir a Ana Paula Gomes, por videoconferência também.
Mas, antes, quero comunicar que a Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB Nacional Silvia Souza enviou um e-mail à Comissão de Legislação Participativa justificando sua ausência nesta audiência.
Ana, a palavra está contigo.
A SRA. ANA PAULA OLIVEIRA - Boa tarde a todos.
Sou Ana Paula Oliveira, sou do Rio de Janeiro, nascida e criada na Favela de Manguinhos, que fica situada na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro.
Sou mãe de dois filhos. O meu primogênito é este que está aqui em minha camisa, o Johnatha. Johnatha tinha 19 anos de idade quando, em maio de 2014, foi assassinado com um tiro nas costas disparado por um policial militar, que, na época, era lotado na Unidade de Polícia Pacificadora aqui em Manguinhos.
É importante ressaltar que esse mesmo policial — e também acho importante dar nomes e sobrenomes a esses assassinos — que tirou a vida do meu filho, o Alessandro Marcelino de Souza, já respondia por triplo homicídio e duas tentativas de homicídio. Esse mesmo policial, em 2013, havia ficado preso, acusado por esses outros homicídios. O fato é que, em 2014, esse assassino estava solto em Manguinhos, com a total certeza da impunidade, o que o levou a tirar a vida de mais uma pessoa, nesse caso, a do meu filho.
Como disse a Luciana, a mãe que me antecedeu, as pessoas condenadas somos nós. Eu sigo, há 10 anos, condenada a viver com a saudade, com a falta do meu filho, enquanto o policial assassino segue livre, leve e solto, com a certeza da impunidade, sabe-se lá se cometendo outros crimes por aí. (Choro.) E, ainda por cima recebendo salário, enquanto as mães que perdem seus filhos, que têm seus filhos retirados da pior forma possível do seu convívio, muitas mães, após o assassinato dos seus filhos, seguem adoecendo e perdendo a saúde. E, ao perderem a saúde, elas não têm mais condições de trabalhar. Muitas mães perdem seus locais de moradia, porque muitas precisavam do emprego para pagar o aluguel. E, depois que isso acontece, elas não têm mais condições de se manter.
Então, como foi falado aqui pelas outras companheiras, vivemos numa luta que não é fácil, numa luta muito árdua, muito difícil, que causa o adoecimento não só das mães.
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Muito se fala na dor, na luta e no adoecimento das mães, mas é toda uma família que segue desestruturada. Eu tenho uma filha que hoje está com 19 anos, e, desde quando o irmão foi assassinado, ela segue fazendo terapia, que eu pago com dinheiro do meu bolso — não é o Estado. Até hoje nenhuma reparação psicossocial foi dada a mim ou à minha família.
O que o Estado tem me dado é uma série de negações. Neste ano, o policial que assassinou o meu filho foi julgado, e a Justiça entendeu que esse policial — que fez sete disparos, um desses disparos atingindo o meu filho nas costas, levando-o à morte — não teve a intenção de matar. Não temos a intenção de matar quando não atiramos. Esse policial já respondia por outros processos. Conseguimos que um policial assassino se sentasse no banco dos réus depois de 10 anos, por conta da luta não só minha, mas também de outras mães, de outros movimentos. E a resposta que o sistema de Justiça nos dá é essa.
Sabemos que numa porcentagem muito pequena de casos de homicídios cometidos pela polícia acontece investigação. Os casos em que acontece investigação são aqueles em que mães como eu, entre tantas outras, não temos direito ao nosso luto, porque temos que buscar a verdade dos fatos. Para a polícia, não basta assassinar nossos filhos, não basta assassinar os corpos. Para a polícia, é preciso também criminalizar essas vítimas. Para a polícia, também é preciso desumanizar essas vítimas para dar legitimidade a essa barbárie que tem acontecido no Estado brasileiro.
Isso não acontece só no Rio de Janeiro. Estamos vendo o que está acontecendo. Essa violência não vai ficar só dentro das favelas, onde estão os ditos corpos matáveis. Essa violência está atingindo outras pessoas, como aconteceu ontem, quando uma médica capitã da Marinha foi morta dentro da própria unidade de serviço militar, porque acontecia uma operação policial numa favela, e uma bala atingiu essa mulher, lamentavelmente. Há quem diga que bandido bom é bandido morto e que as operações policiais dentro das favelas têm que acontecer mesmo, e estamos vendo o resultado disso.
Eu quero saber qual é o resultado que as operações policiais nas favelas trazem. Eu só vejo morte, eu só vejo dor, eu só vejo sangue escorrendo. E vêm com a falácia de combate ao tráfico de drogas. Se realmente quisessem combater o tráfico de drogas, fariam o serviço que deveriam fazer nas fronteiras, impedindo que caminhões com drogas e armas chegassem até as favelas.
Enfim, é muito difícil viver essa situação de ter um filho assassinado depois de conseguirmos criar nossos filhos com tanto sacrifício, sem nenhuma ajuda de Estado. Esse mesmo Estado que não nos apoia é o Estado que vem e tira a vida dos nossos filhos.
Com relação ao caso do Johnatha, tanto a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro quanto o Ministério Público entraram com recurso pedindo a nulidade do julgamento que aconteceu este ano. Foram 2 dias de julgamento, dias 5 e 6 de março. Nós não aceitamos esse resultado. As autoridades, no caso, Defensoria Pública e Ministério Público, têm argumentos necessários para pedir a nulidade desse julgamento.
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Para amanhã, dia 12 de dezembro, às 12 horas, está marcado o julgamento do recurso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Eu espero que, desta vez, aconteça alguma justiça, que esse julgamento seja anulado e que, realmente, em algum momento, eu possa encontrar justiça. (A oradora se emociona.) E essa justiça não é para mim nem para o meu filho Johnatha, porque não vão poder devolver a vida do meu filho. Essa justiça é para que isso não se repita, é para que a polícia pense duas, três, dez vezes antes de tirar a vida de uma pessoa. Essa impunidade tem nos adoecido e tem matado muitas mães. Eu não sei mais... Está difícil. Como eu sempre digo, essa luta não pode ser apenas das mães que têm seus filhos assassinados. Essa luta é uma obrigação de toda a sociedade brasileira. Precisa ser. Nós lutamos por memória, por verdade, por justiça, por reparação, mas essa é uma luta, acima de tudo, pelo direito à vida! — pelo direito à vida nas favelas e periferias!
Agora, no Rio de Janeiro, nós estamos com um projeto de cem mães bolsistas, um projeto da Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência de Estado — Raave. O objetivo é elaborar uma proposta política pública para garantir direitos dos atingidos pela violência do Estado. Esse é um projeto pensado por mães junto com a Defensoria Pública e com algumas universidades, sobre políticas públicas que verdadeiramente garantam os nossos direitos. As cem mães bolsistas são pesquisadoras da UFRJ, do Instituto de Psicologia, do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica. As mães participam de uma pesquisa que será realizada ao longo de 2 anos e que visa a implantação de uma política pública vinculada ao SUS e ao SUAS que fortaleça o acesso à Justiça para casos de pessoas que sofram toda sorte de agravo em saúde mental por terem tido um familiar vitimado por ação letal de agentes públicos.
Gostaria de ressaltar também que, em Brasília, existe o Projeto de Lei nº 2.999, de 2022, do Deputado Orlando Silva, construído juntamente com as Mães de Maio, de São Paulo. Esse PL visa estabelecer políticas públicas, garantias de como ajudar mães e familiares diretamente afetados pela violência policial, pensando na questão psicossocial, que as mães precisam se manter saudáveis e, também, ter condições financeiras de se sustentar.
É isso. Estou vendo que meu tempo acabou. O tempo é muito curto para falar de um assunto tão sério, tão grave, que não cabe neste tempo de 8 ou 10 minutos. Mas eu acho que é muito importante esse debate. É muito importante que esse debate esteja em todos os lugares.
Agradeço.
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O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Nós te agradecemos, Ana Paula.
Todas as propostas que estão surgindo na reunião, que está sendo gravada em vídeo, estão registradas em ata também. Elas podem ser encaminhamentos finais do encontro.
Agora, vamos ouvir Adailza Macedo Silva.
A SRA. ADAILZA MACEDO SILVA - Boa tarde a todos, senhores e senhoras.
Eu sou Adailza Macedo Silva. Sou mãe do Lucas Mirtzrael, que sofreu uma abordagem violenta no dia 28 de janeiro de 2023, às 21h7min. Ele, inocente, foi preso pelo Tenente França, sob o comando do Tenente França. As câmeras dos policiais só mostram coisas a favor do meu filho, e mesmo assim a juíza o condenou a 12 anos e 8 meses de prisão. Isso já vai fazer 2 anos no mês que vem. O Tenente França abordou o meu filho, tentou induzir o meu filho a dizer que estava dentro do carro, induziu a vítima a dizer que era ele. Juntamente com o meu filho também foi preso o Samuel Mohamed, que é irmão da minha cunhada.
Meu filho estava passando um tempo na casa do meu irmão, por problemas pessoais de família. No dia seguinte, no dia 28, nós estávamos prestes a alugar uma casa para vivermos juntos. Só que aconteceu um sequestro às 8 horas da noite. Uma imagem da adega, do local, mostra que o meu filho, no período das 19h23min até as 20h55min, estava dentro de casa, ou seja, ele não cometeu o crime. Ele é inocente.
Os policiais envolvidos disseram que ele se despiu da roupa. Colocaram uma roupa nele. A vítima disse que o sequestro foi cometido por moleques com agasalhos, moletons escuros, boné e tênis. O meu filho, no momento da abordagem, estava de chinelo... No momento da abordagem, ele não estava de chinelo, porque ele correu e perdeu o chinelo. Ele estava descalço, de bermuda e de boné. Nada do que estava com meu filho condiz com o que a vítima falou. A vítima, por várias vezes, disse que não era ele. O Tenente França tirou uma foto dele e a expandiu assim — "Aqui, é esse grandão. É esse grandão de cabelo loiro. Foi ele". A vítima disse: "Não, não foi ele". "Você viu eles?" "Vi. Não é ele." Mesmo assim, ele foi preso naquela noite, junto com o Samuel, que também é inocente, que estava com camiseta, bermuda e chinelo.
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A abordagem foi violenta, com xingamentos. Um policial — eu não me recordo o nome dele neste momento — disse ao meu filho que não ciscasse, senão ele ia dar um tiro no meio das costas dele. Houve uma violência de tal tamanho com uma pessoa inocente. Outros policiais falaram assim: "Vamos algemar ele? A gente nem sabe se são eles". Algemaram. O Samuel pediu pelo amor de Deus para não fazerem isso.
A juíza falou assim, em audiência, quando a advogada perguntou se ela viu as provas: "Eu vi uns trechos". Como uma juíza que vai decidir a vida de uma pessoa, a inocência ou a culpa, se essa pessoa é culpada ou não, vê só uns trechos?
Nós entregamos tudo. Nós corremos atrás, a família correu atrás. Nós demos tudo. A própria câmera dos policiais mostra que o meu filho é inocente, mostra as contradições em todo o período da abordagem. Foi tudo irregular — tiraram foto para mostrar para a vítima, colocaram blusa no meu filho para dizerem que ele se despiu, sendo que há imagens que mostram que, em todo o momento, ele estava de chinelo, bermuda e boné, sem camiseta.
A vítima descreve os moleques como baixos e magros. O meu filho é alto e negro.
Meu filho tem 28 anos. Ele fez 27 anos na prisão, fez 28 anos na prisão. Meu filho tem dois filhos, um de 6 anos e um de 2 anos. Quando a esposa leva o filho lá, diz que aquele é o trabalho dele.
Os policiais são despreparados. Isso não é só no meu caso, não. Há casos de outras pessoas inocentes, como o Tauã, o Luiz, o Rodrigo, o Johnatha, que foram presos. No 18º Batalhão da Polícia Militar, na região da Brasilândia, a política é prender forjado ou matar, assim como fizeram com o Mateus. Mataram o Mateus. E todos são inocentes.
Eu falo por todas as mães. Eu falo pela mãe do Samuel, a Sra. Ana, que não está aqui, mas que está sofrendo. A filha do Samuel, Isadora, tem 6 anos e está com muita saudade do pai. Não vê o pai desde quando ele foi detido.
Eu peço ajuda. Eu peço que as autoridades vejam o caso, analisem. Juízes estão aí para analisar, para ver o que é e o que não é. Não é porque o policial falou que está falado. Não é assim.
Sinto muito pelas mães que perderam seus filhos. Sinto muito mesmo, porque não é fácil. Temos que trabalhar, lutamos para ter e para criar os nossos filhos.
O Lucas é trabalhador. O Lucas, no sábado em que foi detido, trabalhou até meio-dia, lavou as roupas dele e foi tirar o lazer. Ele tem direito. Quando a mãe falou "Meu filho está preso", perguntaram: "O que ele estava fazendo a uma hora dessas na rua?" Não tem essa. Nós temos o direito de ir e vir. Eu tenho o direito de sair a hora que eu quiser. A polícia é que tem que fazer o serviço dela, e não simplesmente atirar ou prender as pessoas. Isso não é certo. Então, eu venho nesta tarde pedir justiça para o Lucas Mirtzrael e para o Samuel. Eu já não sei mais o que fazer. Já houve dois advogados no caso do meu filho. Há um agora. Advogados entraram em contato comigo ao verem na rede social o caso dele e disseram que não entendem por que meu filho está preso. Ele é totalmente inocente.
17:00
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Para que existe a câmera dos policiais se não usam para poder ajudar quem deve ser ajudado? Definitivamente, a câmera devia entrar como prova. Meu filho nem conseguiu me ligar quando ele foi detido, porque pegaram o telefone dele, e ele não sabia o meu número de cor. Quando eu descobri que meu filho foi preso, ele já estava indo para Pinheiros. Aconteceu uma audiência de custódia. Ele disse que uma mulher falou com ele, uma advogada. Ele respondeu. Ele só veio entender que estava preso no dia seguinte. Lá no presídio, entregaram um papel a ele e pediram que assinasse. Ele falou: "Assinar o quê?" "Você está preso", disseram. "Eu não fiz nada. Eu estou preso por quê?", ele disse. "Extorsão", disseram. Ele nem sabia o que era extorsão. Meu filho foi criado assim: se você luta, você tem. Eu fui criada desse jeito.
Eu chamo a atenção de todos — por favor, que nos ajudem a fazer justiça!
Eu agradeço a oportunidade de estar falando pelo Lucas Mirtzrael, pelo Samuel Mohamed e outros também e por todas as mães que perderam seus filhos e que têm seus filhos inocentes na prisão.
Eu agradeço.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Muito obrigado, Adailza, pela sua participação. Um abraço forte.
Ouviremos agora Maria Cristina Quirino.
A SRA. MARIA CRISTINA QUIRINO PORTUGAL - Boa tarde a todos.
Eu sou a Maria Cristina. Sou a mãe do Denys Henrique, um dos nove jovens que foram assassinados pela Polícia Militar de São Paulo, num baile funk na comunidade Paraisópolis, no dia 1º de dezembro de 2019.
Eu vou fazer a leitura, e vou tentar resumir, de pequenos trechos de um relatório. Depois disso eu quero tentar falar alguma coisa. Este relatório multidisciplinar foi feito pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense — Caaf, junto com os familiares das vítimas do massacre.
17:04
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Este relatório mostrou que as mortes no Baile da DZ7/ Paraisópolis não são um caso de resistência à intervenção policial. A ocorrência com a moto que foi comunicada ao COPOM não gerou acompanhamento por parte dos policiais atacados. Eles comunicaram o afastamento da moto da região do baile, assim como seu próprio afastamento em segurança. Com isso, a aproximação das dez viaturas policiais que cercaram o baile foi desnecessária, porque não estava relacionada nem ao socorro dos policiais, que já estavam em segurança, nem à interceptação da moto, que havia fugido por outro percurso.
Ao mesmo tempo, as evidências mostram que a multidão não resistiu à aproximação policial. Ao contrário, elas mostram um ataque policial desnecessário, desproporcional e ilegal, realizado de forma coletiva e coordenada contra uma multidão não reativa. Em outras palavras, não estamos diante de uma situação de uso moderado da força para repelir injusta agressão, conforme é alegado pelos policiais, mas de uma ação violenta e intencional de dispersão do baile.
(...)
O relatório também mostrou, em segundo lugar, que não houve pisoteamento, como eles propagaram na época. É importante dizer que não foram ações individuais isoladas dos policiais que levaram à morte dos nove jovens. Elas só puderam acontecer em razão da colaboração entre os 31 agentes policiais envolvidos, que nunca estiveram em risco, mas que atuaram e agiram de maneira colaborativa para formar um cerco em torno do baile. Conscientes do cerco que se formava, os policiais avançaram ao mesmo tempo, a partir de duas extremidades de um quarteirão pequeno e lotado, com o objetivo de criar uma situação de terror para a dispersão da multidão, exercendo violência ilegal sem oferecer rota de fuga. Essa ação movimentou parte da multidão para o interior de uma viela, que não possuía dimensões para comportar o total de pessoas naquele local. A dinâmica do cerco de violência ao público, ao criar um ambiente de terror e risco à vida, produziu a compressão dos corpos uns contra os outros, na multidão, ao ponto de provocar em nove pessoas um processo de asfixia mecânica por sufocação indireta.
(...) Os riscos associados a tal dinâmica, voluntariamente produzida, foram assumidos, não somente porque as ações descumpriram os protocolos da Polícia Militar, mas porque foram realizadas inteiramente à margem deles e em meio às ameaças de morte explicitamente verbalizadas. Diante das imagens, não restam dúvidas de que as ações, conscientes e desejadas, em especial o encurralamento e a compressão da multidão, somadas à contaminação do ar com os gases tóxicos das armas de dispersão, poderiam ter como resultado, como de fato tiveram, lesões corporais graves e mortes por meio cruel (...).
Por fim, o nosso relatório mostrou que a remoção das vítimas do local pelos policiais nas viaturas não foi uma ação de socorro, como eles alegam. Os policiais recusaram o salvamento das vítimas quando não realizaram as medidas de primeiros socorros adequadas à situação em que os jovens se encontravam, em parada cardiorrespiratória (...). Naquele momento, a possibilidade de salvar suas vidas dependia do cumprimento dos protocolos operacionais de resgate da Polícia Militar, realizando as manobras de ressuscitação enquanto aguardavam pelas ambulâncias. Elas poderiam ter chegado mais rapidamente e em maior quantidade, caso os policiais tivessem informado corretamente a situação das vítimas ao COPOM, pois, assim, o Centro de Operações teria condições de realizar a correta classificação de risco e o grau de prioridade do atendimento.
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(...)
As vítimas acabaram por receber atendimento médico no hospital 1 hora após serem encontradas desfalecidas, momento em que já estavam mortas, sem nenhuma possibilidade de dúvida. Inócuo no que se refere à preservação da vida das vítimas, a remoção de seus corpos do local foi eficiente em interferir no trabalho da perícia e na produção de evidências sobre o caso.
Eu li tudo isso porque acho que contextua um pouco da situação. Estamos lutando por justiça há 5 anos para uma situação que todas as mães aqui já falaram, e elas me contemplaram com a fala, a partir do momento em que eu também fui morta junto com o meu filho. Também quero trazer algumas coisas que penso, cotidianamente, sobre a questão da não punição.
No dia 7 de fevereiro, 2 meses depois que os nossos filhos foram assassinados, a Corregedoria da Polícia Militar pediu o arquivamento do caso alegando a legítima defesa dos policiais, o que é inaceitável, é absurdo.
(A oradora se emociona.)
Com tantas provas, com tantas evidências que já tínhamos 2 meses depois, esse foi um posicionamento totalmente errado da Corregedoria, de quem deveria corrigir e punir de imediato.
Como eu falei nesse texto, foram 31 policiais envolvidos na morte do meu filho. Nenhum deles foi punido até o dia de hoje. Faz 5 anos, e nenhuma punição.
Quando eu falo sobre a punição... Eu vou trazer aqui a parte do trabalho que fazemos. Nós também fizemos um relatório que fala sobre a letalidade policial, no qual conseguimos comprovar cientificamente que o 16º Batalhão, que é o batalhão que atua na região de Paraisópolis, é o batalhão que mais mata. Dentro de um trabalho de pesquisa realizado entre 2013 e 2023, ele ficou praticamente todo o tempo em primeiro lugar, somando 244 mortes em serviço. Como eles dizem, mortes decorrentes de intervenção policial.
E não é somente isso. Eu também quero trazer aqui que um dos réus... São somente 13 os que estão no banco dos réus — 1 por uso de explosivo e 12 por homicídio doloso, dolo eventual, quando eles assumem o risco de matar. Um desses réus já foi expulso da corporação, e nós não sabemos o porquê. A Secretaria de Segurança Pública não informa. Não existe transparência. Não sabemos o motivo. Não é pelo caso do massacre de Paraisópolis, mas eu gostaria muito que a Secretaria de Segurança Pública nos informasse qual foi o motivo. Pode ser porque ele matou outros, mas não sei. Precisamos saber. Temos ouvido muitos relatos recentes sobre o que aconteceu. Estamos vendo que outros policiais estão envolvidos em outros crimes e não são punidos. Isso é o que acontece.
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No caso do massacre de Paraisópolis, um dos réus recentemente veio à mídia se expor. Agora, ele atua no 18º Batalhão, de que a companheira anterior falou. Ele foi promovido depois do massacre de Paraisópolis. Ele é réu no processo e foi promovido. Ele foi lotado agora em outro batalhão. Não satisfeito com isso, ele simplesmente gravou um vídeo com um youtuber americano em que ele fala que, quando se matam pessoas no batalhão no qual ele atuava, eles comemoram tomando cerveja e fumando charuto.
Eu quero dizer que, enquanto não houver punição, não vai haver justiça para nós. Nós vemos os assassinos dos nossos filhos quotidianamente nas ruas trabalhando, sendo polícia, exercendo a segurança pública da sociedade, mas cometendo outros crimes e ainda comemorando a morte dos nossos filhos.
Também quero falar sobre a questão da violência policial nos bailes funk. Existe uma grande criminalização e marginalização das crianças, dos jovens e dos adultos que frequentam bailes. Sabemos como é horrível — eu falo isso porque eu acompanho outras mães hoje — ir a um júri com uma mãe de outro caso, chegar lá e ver advogados bem preparados, bem treinados para defender os assassinos dos nossos filhos. Diariamente, eu os vejo falar que o lugar é hostil, que as comunidades são hostis, que lugar onde ocorre baile funk oferece risco para a polícia. Enfim, eles tentam criminalizar de todas as maneiras a cultura da juventude.
Eu quero dizer também que fizemos um relatório em que falamos muito sobre a violência policial contra baile funk. Isso tem que mudar, isso tem que acabar.
Eu só queria mesmo trazer esse pensamento e mostrar o quanto a nossa juventude está sendo criminalizada, está sendo morta.
Recentemente, a duas quadras de onde eu moro, um indivíduo jogou um cara da ponte com a desculpa de que aquilo era um lugar hostil. Ele tinha saído de um baile funk. Então, eles tentam usar isso de todas as formas. Precisamos começar a pensar numa maneira de punir.
Eu quero falar das câmeras corporais. O Governo nega e negou diversas vezes o uso de câmeras corporais. Eu acho que não devemos somente exigir, obrigar que eles usem, mas também começar a punir quando não usam. Acredito que isso possa mudar essa letalidade, essa violência, essa opressão policial.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, Maria Cristina, pela sua contribuição.
Antes de ouvirmos a Silvia Cardenas, anuncio que o Deputado Tadeu Veneri está aqui conosco.
Já foi iniciada a Ordem do Dia no Plenário. Então, se V.Exa. quiser falar, Deputado Tadeu, pode ficar à vontade. Não sei se V.Exa. quer falar neste momento.
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O SR. TADEU VENERI (Bloco/PT - PR) - Serei bem rápido, Deputado Glauber Braga. Obrigado.
Boa tarde a todos, a todas.
Nós estamos, desde cedo, com as mães lá do Paraná. Elas estavam conosco.
Eu já comuniquei ao Deputado Glauber também que nós entregamos hoje um documento à Ministra Macaé.
Eu acho que este é um longo caminho daquilo que eu ouvi aqui, daquilo que eu ouvi antes, daquilo que nós temos ouvido ao longo de 20 anos, Deputado Glauber, no processo de execuções, que só tem crescido, um processo que já acontecia 20 anos atrás, 30 anos atrás, mas que tem crescido quase que de maneira institucionalizada.
Como essa mãe falou agora, nós temos um projeto aqui — há vários — sobre o uso obrigatório de câmeras corporais ligadas o tempo todo enquanto o policial estiver em serviço que não foi votado na Assembleia Legislativa, porque o Relator era justamente o Deputado Felipe Francischini, que é delegado da Polícia Federal e não quis pautá-lo durante 4 anos na CCJ para que nós pudéssemos votá-lo.
Acho que nós estamos caminhando para a barbárie se nós não tivermos um método de fazer com que as forças de segurança sejam, de fato, forças de segurança e, de fato, estejam sob aquilo que a Constituição prevê.
Nós não generalizamos, não podemos generalizar, mas os erros, as faltas que acontecem e, pior ainda, os métodos que são absolutamente ilegais têm que ser punidos. Enquanto não houver punição, nós vamos ter uma escalada cada vez maior.
Não é com adolescente, não é com criança, mas nós temos inclusive um caso específico numa cidade muito próxima a Curitiba em que houve uma disputa, uma discussão entre irmãos e, ao meio-dia, os dois foram para casa. O vizinho chamou a polícia, disse que estava acontecendo uma discussão. A polícia, de uma cidade pequena, foi até o local, entrou na casa de um deles ao meio-dia. Um deles estava no quarto e recebeu 11 tiros no peito, porque reagiu com um facão na mão. Dar 11 tiros em uma pessoa porque ela reagiu com um facão eu acho que, no mínimo, é uma situação fora de controle.
Enquanto não houver punição, nós vamos continuar tendo esses casos. E esse é um corporativismo muito perigoso, porque é um corporativismo armado.
O senhor conhece bem, sabe como é o Rio de Janeiro e o que aconteceu a partir da leniência que, nos últimos anos, tem ocorrido. Criam-se milícias, as milícias dão "proteção", entre aspas, a tráfico, dão proteção a outros segmentos e, depois, disputam territórios com o tráfico, inclusive. Isso nos levará, fatalmente, a uma "mexicanização". Eu acho que isso seria terrível para o nosso País, do tamanho que ele é. Nós já temos áreas do território perdidas. A Amazônia está hoje nessa situação.
Eu espero, Deputado Glauber, que nós possamos ter outros encontros como este e que talvez possamos fazer, nos Estados, as mesmas audiências e exigir que o Ministério Público se manifeste. Não é uma crítica individual, mas é uma crítica à instituição. O Ministério Público tem lavado as mãos. O Ministério Público tem feito ouvidos de mercador. O Ministério Público, na maioria das vezes, prefere dizer: "Houve confronto. Arquive-se. Toca a vida para frente".
Quem morre, na sua ampla maioria, são pessoas que estão vulneráveis, na periferia. "Ah, são criminosos!". Se são criminosos, têm que ser presos, julgados e, se condenados, cumprir pena. Se absolvidos, toca a vida. Agora, o que não dá é para se passar a fazer, por vontade própria, a eliminação de pessoas que se consideram indesejáveis. Eu acho isso trágico para o nosso País.
17:20
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Parabéns, Deputado Glauber.
Eu peço desculpas, porque eu vou ao Plenário. Aliás, o senhor sabe que há um projeto que prevê internação compulsória, que é uma coisa fora de contexto. Parece que pensam em resolver a questão de população em situação de rua internando todo mundo. Em breve, talvez, pensem em campos de concentração, não é? Não estão longe disso.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, Deputado Tadeu Veneri.
Em breve, estaremos juntos lá no Plenário também, exercendo a minoria em relação a essa pauta que está sendo colocada em prática esta semana e que é um horror.
Obrigado pela sua presença aqui, por sua participação.
O SR. TADEU VENERI (Bloco/PT - PR) - O Deputado Glauber fica!
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, mestre.
Concedo a palavra à Silvia Mónica Cárdenas Prado.
A SRA. SILVIA MÔNICA CARDENAS PRADO - Boa tarde. Meu nome é Silvia Mónica, eu sou mãe de Marco Aurélio.
Marco Aurélio era um menino de 22 anos que foi assassinado pela Polícia Militar de São Paulo, especificamente pelo policial Guilherme Augusto Macedo e com a conivência do Secretário da Segurança Pública, o Sr. Derrite, e, por conseguinte, com a ciência e a anuência do Governador Tarcísio de Freitas.
Eu, sinceramente, me solidarizo. Sinto uma lástima muito grande — e não sei se essa é a palavra que eu tenho que usar —, sinto uma pena imensa que me desgarra o coração ao escutar as histórias de todas vocês. Histórias de 10 anos, de 8 anos, de 6 anos. Histórias de medo, histórias de temor de sair à rua, histórias de temor de perder seus outros filhos, histórias de falta de capacidade econômica para pagar advogado para defendermos nossos filhos.
Eu vou falar uma coisa aqui para os Srs. Deputados, para o Brasil inteiro e para quem quiser escutar. É o seguinte: eu sinto orgulho de meu filho, como todas vocês. Meu filho gostava de funk e cantava funk, e eu me orgulhava dele. Meu filho se chamava MC Boy da Vila Mariana e cantava muito bonito. Tinha capacidade intelectual de inventar versos, que são necessários para cantar isso.
O que me surpreende — e eu falo isto porque todo mundo consegue perceber que meu País de nascimento não é o Brasil — é a hipocrisia, a falsidade que existe no Brasil de somente serem punidos o pobre, o de raça negra, o humilde, aquele que não tem condição econômica.
Srs. Deputados, Sr. Governador de São Paulo, Sr. Derrite, eu não tenho medo. O que vocês podiam me fazer já me fizeram. Mataram o meu filho, o grande amor da minha vida, filho que eu pari, que era estudante de medicina, que era um menino que havia terminado o quinto ano da faculdade (falha na transmissão). Estava de férias esse dia, celebrando (falha na transmissão). Guilherme Augusto Macedo o matou. (Falha na transmissão).
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Silvia, nós estamos tendo dificuldade com a sua conexão.
17:24
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Eu vou pedir a você que, se puder, desligue a câmera, para nós ouvirmos o seu áudio, porque nós estamos tendo uma falha na sua transmissão.
A SRA. SILVIA MÔNICA CARDENAS PRADO - Posso voltar, repetir? Eu gostaria muito de falar o que eu penso.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Com certeza.
A SRA. SILVIA MÔNICA CARDENAS PRADO - Está escutando?
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Agora estamos ouvindo.
A SRA. SILVIA MÔNICA CARDENAS PRADO - Então, vou repetir.
Eu quero dizer para o Brasil inteiro, aqui, na frente do Sr. Deputado, o seguinte.
O Governador de São Paulo fala para mim que lamenta a morte de meu filho, Marco Aurélio, e que a polícia de São Paulo é maravilhosa, é boa e tem 200 anos. Em primeiro lugar, eu acredito que ele não lamenta nada, porque não é filho dele, não é nenhum de seus dois filhos. Não é seu filho homem, que tem 27 anos, nem sua menina, que deve ter 20 e tantos anos. Não é filho de Derrite, cujos filhos ele acha que estão protegidos de tudo. É filho meu! Se ele falou que ele lamenta, foi pela pressão popular, pela imprensa, por todo mundo que está fazendo pressão.
Eu, senhores, não tenho medo. Não tenho medo de ser morta, não tenho medo de ser fuzilada. Eu não vou ficar louca, não vou ficar deprimida. Nada! Eu vou, até o último dia da minha vida, atrás de justiça! E eu quero este policial, o Guilherme Augusto Macedo, na prisão, já!
O que justifica? Meu filho foi morto na frente do Hospital Santa Rita, na Vila Mariana. Eu vi o vídeo que estava no hotel. São tão burros os policiais, que nem sequer tiraram o vídeo. Eu tenho esse vídeo, que mostra que um policial vem e coloca uma luva, cutuca meu filho, joga a luva. Coloca outra luva, cutuca meu filho para ver se está morto.
Meu filho morreu de hemorragia. Eu, que sou médica, que trabalho em terapia intensiva, que trato desse tipo de menino, sei que meu filho morreu duas vezes: por tiro desse infeliz policial e pelo descaso do Estado de São Paulo, que esperou 28 minutos pela ambulância, que, por sinal, também é da polícia. Não foi chamado o SAMU, não; foi chamado o bombeiro que pertence, também, à polícia, esperando que meu filho morresse, porque a melhor testemunha é a própria vítima.
Minha pergunta é a seguinte. Deixaram-no morrer na frente do Hospital Santa Rita, onde podiam ter colocado soro, estabilizado esse menino ou podiam ter levado à Beneficência Portuguesa, a qualquer outro lugar. Esse negócio de nós chorando, sofrendo, sentindo represália... Porque, na frente de nossas casas, passam os policiais. Eu moro na Vila Mariana, senhores, e isso não quer dizer que eu não sinta e não tenha a covardia de eles quererem me amedrontar, sabem?
Se não fosse pelo vídeo do hotel, no qual se mostra que meu filho, em nenhum momento, quis tomar a arma do policial, meu filho ainda estaria sendo considerado um delinquente ou o caso estaria sendo considerado uma tentativa de assassinato, sabe Deus o que mais. Então, a polícia de São Paulo mata. A polícia de São Paulo é despreparada.
E eu vou falar de novo o que eu já falei: eu não tenho medo de Derrite. Derrite, que é o Secretário da Segurança Pública de São Paulo, tem 16 investigações por homicídio. Como um cara tão criminoso... Ele mesmo fala, com todas as letras, que foi expulso da ROTA porque matou muito ladrão. Se o chefe da polícia é expulso porque matou muito, você acha que Guilherme Augusto Macedo tem medo? Não. Ele fala o seguinte: "Ah, não vai acontecer nada não, é um pobre indígena, é um pobre filhinho de uma 'mediquinha' peruana". Não, senhor! Esta médica tem marido, tem dois filhos, e eu vou lutar até o último dia de minha vida. Se o Brasil não faz justiça, eu vou pedir justiça internacional, porque isso é uma vergonha. Como mulher, eu sinto que é uma vergonha vocês estarem sentados aí escutando essas mulheres chorando.
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E o pior, Srs. Deputados, é o seguinte — o pior de tudo —, é que o Brasil está dividido. Se você reclama a morte de seu filho, você é petista. Se você é de direita, você tem que falar que Derrite está bem, que está tudo maravilhoso. Não é isso, não, senhor. Do que nós estamos reclamando é justiça, justiça por truculência, justiça por assassinato de nossa juventude, de nossos filhos. E pode ser filho de Derrite, pode ser filho de Tarcísio, que pode ser filho de qualquer um dos senhores que estão sentados aí.
Vocês sabem o dor que se sente de ver a covardia? Eu não vou ficar louca, não. Mas até o último dia de minha vida eu vou ter um olhar... Quando esses policiais perseguiam o meu filho, o olhar de medo, de terror. Isso vai me perseguir e isso vai ser meu alicerce por justiça, porque não vai ficar barato. Derrite não vai ser Governador de São Paulo se depender de mim. Ele pode pensar: "Ah, essa é uma pobre mulherzinha falando de sua dor". Não existe inimigo pequeno. Senhores, eu vou até as últimas consequências.
O Governador Tarcísio tem que colocar ordem na casa. Tarcísio tem que decidir: ou ele é um Governador justo, que quer que sua população se sinta segura, ou ele fica às ordens de Bolsonaro, às ordens de Derrite, às ordens da extrema direita, às ordens de quem quiser.
Eu quero falar que eu me solidarizo e que eu sinto muita lástima, senhoras, por cada uma de vocês, por 10 anos de luta, por 8 anos de luta, por 6 anos de luta, porque o Governo não faz nada, porque nos fazem vir aqui ficar chorando por nossos filhos. Eu quero ver o que vai ser feito. Se Tarcísio tivesse vergonha na cara, demitiria ipso facto Derrite. Eu sou médica e sei como funciona. No hospital, se existe um escândalo, o diretor técnico do hospital é tirado, porque é assim que funciona. Eu sou funcionária de Estado.
Agora, porque Derrite é mantido? Ele está fazendo aumentar a criminalidade. Há preconceito aqui no Brasil. Vivemos uma sociedade hipócrita: "Não existe preconceito contra negro, contra branco, contra indígena, contra amarelo". Existe, sim, senhores. Existe preconceito contra o pobre. Existe preconceito contra pessoa de raça negra. Existe preconceito com pessoas como eu, que somos estrangeiros e viemos a este País. Existe preconceito contra nossas crianças, porque gostam de funk.
No mesmo dia em que meu filho estava sendo sepultado, Derrite teve a pouca vergonha de subir em um helicóptero "emprestado" e ir desfrutar de um baile à beira do mar. Isso quer dizer que a música de que ele gosta, que pode ser samba, música francesa, música italiana, é melhor que o funk das nossas crianças. Srs. Deputados, sou mãe, e o Marco Aurélio era brasileiro. Marco Aurélio era uma jovem promessa deste País, assim como todos os outros meninos que morreram. Eu não me conformo, e não vou chorar diante dos homens, não vou me humilhar. Eu posso me dobrar, posso sofrer, mas não vou me humilhar diante de um homem, por não dizer em sua cara que Derrite é um assassino e que exijo do Governador de São Paulo que esse Guilherme Augusto Macedo esteja na prisão já!
17:32
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Não é possível, houve a mudança de três para que ele não fosse pego em flagrante. Se eu disparo uma arma contra uma pessoa, dou um tiro em uma pessoa, e digo que estou surtada, sou pega em flagrante. Não pode existir corporativismo tão grande, corporativismo tão violento, de forma tão humilhante. No caso de mulher, de pobre, de negro, de indígena, a polícia no Brasil inteiro...
Eu digo isto olhando aqui para as câmeras. Em todos os lugares, existem bons policiais e maus policiais. Mas, infelizmente, durante o Governo de Tarcísio e de Derrite, a sensação de impunidade está aumentando. E isso se demonstra pelo aumento das taxas de letalidade.
O que justifica isso? Eu lhe pergunto, Deputado: o que justifica isso? Temos que fazer um exercício mental para começarmos a mudar, como sociedade. O que justifica disparar um tiro no abdômen de um menino sem camisa, sem arma, simplesmente pela vontade de matar? O que justifica isso, Sr. Deputado? Eu tenho que ficar com medo do sistema? Eu tenho que abaixar a cabeça? Eu não vou abaixar a cabeça. Eu dou a minha palavra aos Srs. Deputados. Eu quero saber de vocês, como pais da Pátria, como defensores da nossa sociedade, o que vão fazer para aliviar esse nosso sofrimento e nossa dor.
É isso. Acho que não tenho mais palavras.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Nada justifica, Silvia.
Nós vamos tentar construir, ao final desta audiência, encaminhamentos que sejam comuns, sem resposta prefixada. Vamos construir nesta audiência, primeiro, a partir desta escuta que estamos procurando fazer, os desdobramentos, a partir daquilo que vier como orientação das senhoras, principalmente.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Temos que ouvir ainda outros integrantes da Mesa.
Indago se estamos tratando de uma questão de ordem ou de um depoimento também.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - É um depoimento. Posso lhe passar a palavra daqui a pouco, antes do encerramento?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Então fique à vontade. Eu só pediria que se identificasse antes.
17:36
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A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - Meu nome é Marilene Ferraz da Silva Santos. Sou mãe do menor, de 15 anos, Davi Gregório Ferraz dos Santos, executado no dia 22 de junho de 2022. Eu sou servidora pública municipal, sou da área da saúde. Eu e meu esposo residimos na cidade de Londrina, no Paraná. O meu filho nasceu e foi criado durante 15 anos na mesma residência. O meu filho estudou, era um ótimo aluno, estudioso. Por ter alcançado as melhores notas do 5º ao 9º ano, ele conseguiu uma bolsa em curso técnico profissionalizante, que também poderia ser na área da saúde — cuidador de idoso, técnico de laboratório, técnico de farmácia —, aos sábados, do meio-dia às 17h30min, numa outra instituição que é particular. Ele ganhou essa bolsa.
Em todos os sábados eu trabalhava, quando houve a aplicação de vacinas durante a pandemia, de 2021 até maio de 2022. Pude ficar com ele dois ou três sábados, antes da execução dele. Eu trabalhava das 7 às 7, nesse setor feito para aplicação de vacinas. Meu esposo o levava e ficava lá, aguardando. Havia um bosque próximo, e ele ficava lá, aguardando, pela segurança dele. E o meu filho foi executado. Eu digo o que ela disse: o que justifica?
Todos os setores deste mundo têm avançado, o setor tecnológico, todos os setores, menos a área de segurança pública. Devemos regredir aos primórdios da civilização, quando pessoas eram executadas? Ou, como ela diz, isso ocorre por causa da vontade de matar? O meu filho recebeu quatro tiros pelas costas e mais onze no corpo. Laudos comprovam isso. Então, eu digo, Srs. Governadores dos Estados deste País, Sr. Secretário de Segurança Pública, Sra. Diretora de Segurança Pública, o nome não deveria ser "justiça", deveria ser "injustiça".
Num país onde não existe pena de morte, um policial militar julga, condena e executa uma criança. O meu filho estava indo ao Centro a pé com outro amigo comprar um carregador de celular. Eu tinha comprado da minha sobrinha outro celular para ele, e o carregador não estava funcionando. Ele estava à procura de emprego. Ele dizia: "Mãe, quando você voltar da vacina, você me ajuda a fazer currículo?"; "Mãe, perdi tal lugar porque ainda tenho 15 anos"; "Mãe, perdi porque já passou a inscrição". Enfim, meu filho estava indo a pé e parou para comprar um lanche, ele e um amigo, com o dinheiro que eles tinham no bolso. Queriam comprar um salgado. Nem dinheiro para comprar um lanche grande eles tinham. Estavam comendo um salgado sentados no meio-fio. Segundo a polícia, a casa em questão é um lugar de tráfico de entorpecentes e lá havia uma grande movimentação. A tropa de soldados da Choque foi chamada, foi acionada. A Choque chegou atirando. Há testemunhas de tudo, existem laudos. O dono da casinha de cachorro-quente só não levou tiros porque ele correu para o outro lado. A polícia foi lá, pediu as imagens das câmeras numas oficinas de moto.
O menino gritou: "Polícia!" E eles saíram correndo. O meu filho não sabia o que fazer, nunca precisou fugir. O portão estava entreaberto, eles correram, e ele foi baleado. Eu não sei se foi na porta dessa casa, se foi dentro dessa casa, porque eles mudaram todo o cenário. Ele foi executado às 17h55min, e só chamaram o socorro às 19 horas.
17:40
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A polícia não veio nos avisar, não veio nos informar. Ficamos sabendo pela televisão, pela mídia. Pais de outro amigo vieram nos avisar. Policiais foram à casa vizinha e fizeram chantagem. Eles mudaram a posição do sofá, a posição do sangue arrastado. Chantagearam a vizinha, pediram que as imagens fossem dadas a eles. As imagens mostrariam que os meninos estavam correndo sem armas. Eles quiseram dizer que houve confronto.
Senhora da segurança, estes dois itens, legítima defesa para repelir injusta agressão e ação de acordo com a legalidade policial, deveriam ser repensados, porque, com base nisso, aqueles policiais sequer foram indiciados. Em 2 meses, aconteceu o que as mães têm dito — todas nos representaram muito bem porque nossos casos são iguais, percebi que são iguais no Brasil inteiro —, o processo foi arquivado, porque eles teriam agido em legítima defesa, dentro da legalidade.
O meu filho era uma criança branca, e a estatística mostra que eles gostam de matar preto, pardo, pobre. Ele era mais branco do que você, mais branco do que a minha amiga Haydee. Era um menino que tinha cor de leite, branco, era criança.
Ela falou em preparo, e eu digo que é despreparo ou vontade de matar, ou eles estão sob efeito de entorpecentes. Pedimos exames toxicológicos periódicos nessas polícias.
O que acontece? Um menino correu de costas gritando: "Eu não sou daqui, eu não sou daqui! Pelo amor de Deus, não me matem. Avisem à minha mãe!"
Essas são as palavras que o menino do cachorro-quente disse que, da casinha, ouviu meu filho gritar, mas ele, o menino do cachorro-quente, foi ameaçado pela polícia. Tomaram o depoimento dele lá na casinha de cachorro-quente depois das 5 horas da tarde. Em pleno atendimento, disseram a ele: "Já eram 5 para as 6. Você tinha fechado o quiosque. Você não ouviu nada. Seu carrinho estava fechado".
Aconteceu tudo aquilo que foi dito aqui. Eles chamaram dez viaturas para o grande confronto, cercaram tudo em volta, entregaram posteriormente uma arma, sem nenhuma gota de sangue.
O meu filho levou quatro tiros pelas costas. Os rasgos mostram isso. Um projétil não saiu do corpo. O perito criminoso do IML o retira, para não dizer que o tiro entrou pelas costas. E os dedos do meu filho foram decepados.
A polícia científica foi a única que agiu certinho. Não há foto de arma com o meu filho. Onde está a arma? A instância estadual em Curitiba, diante da defesa oral dos nossos advogados, reconheceu que não houve confronto. Então, esse negócio de legítima defesa para repelir injusta agressão é mentira.
Na cidade de Londrina, existem viaturas — não vou dizer que isto se refere a todos os policiais — em que há o kit confronto. Eu trabalhei na saúde, já trabalhei com kit óbito. Sei o que é um kit dengue. O kit confronto é uma arma fria, um 38, um três oitão, como dizem os meninos, e umas notas. Magicamente, voaram dos bolsos dele invólucros de maconha, sem nenhuma gota de sangue, e umas cédulas de dinheiro, cirurgicamente colocadas em cima de um sofá...
O meu microfone foi desligado? Se tiver sido, eu posso falar novamente. Ficamos assim mesmo. Como disse uma mãe, parecemos as mães doidas.
Os dedos dele foram decepados. O perito escreveu o seguinte: "Mão em posição de legítima defesa". Ele deve ter feito assim com os braços, porque foi atingido no antebraço por bala, que saiu do outro lado do seu antebraço.
Não me deixaram ver o meu filho porque, na nossa cidade, o IML fica fechado à noite. Disseram que o corpo tinha sido recebido nu. Roubaram dele o celular, que estava on-line às 17h38min. Às 17h55min, aconteceu a morte dele, que, dizem, foi instantânea. Eu não tenho certeza, porque enganei o rapaz. Quando fui lá, enganei o rapaz, sem querer. Perguntei o que tinha acontecido. O rapaz da casinha de cachorro-quente disse que não tinha ouvido nada, quando fui lá com meu advogado. Depois que passou um tempinho, eu disse a ele: "Eu sou mãe. Eu só quero que você me diga uma coisa. Demorou muito?" Ele disse: "Ah, um pouquinho. Demorou um pouquinho". Isso quer dizer que ele tinha medo. Ele me disse que estava sendo ameaçado.
17:44
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Eles foram à casa vizinha e falaram para a mulher: "Dá as imagens". Essa casa não é nossa. A casa não era do meu filho, a arma não era do meu filho, nada que estava lá era do meu filho. Se um menino entrasse aqui agora correndo, fugindo da polícia, e fosse alvejado aqui, todos esses computadores seriam dele? Esses celulares, essas bolsas, este objeto aqui seria dele?
Eles roubaram o celular do meu filho e o usaram depois. Um mês depois, um amigo dele me disse: "Tia, o Insta dele está on-line". A polícia o roubou. Eles cercaram o ambiente, com mais de dez viaturas. Eles chamam para um grande confronto e isolam o local. Minha sobrinha trabalha no Hospital do Câncer à noite, e não pôde passar por lá, teve que desviar o caminho, por causa das muitas viaturas que estavam ali. Eles fazem o que eles querem.
Das 17h55min até as 19 horas, quando o SAMU foi acionado, deu tempo de fazer isso. Eles foram à casa da vizinha. Ela disse isso na nossa cara, na minha e na do meu advogado. Um mês depois, na imprensa, eu disse: "Eu gostaria de saber onde o meu filho caiu". Uma moça disse: "Olhe, eu sou sobrinha da dona da casa. Infelizmente, a gente pensou que o sangue estava só na frente, mas, quando arrastamos o sofá, tinha muito sangue". Quer dizer, o sofá foi arrastado.
Disseram que a casa era desabitada. O meu advogado conseguiu identificar inquilinos, e não foram atrás. Como ela disse aqui, a investigação é superficial. O delegado está mais preocupado em defender os seus homens, como ele diz, do que em fazer as investigações. Não foram ouvir. Havia objetos, carrinho de criança, boneca. Jogaram tudo lá em cima. Ela mandou um vídeo para mim em que dava para ver a limpeza, e eles mudaram o sofá de posição. Eles jogaram, amontoaram tudo lá. Havia sangue arrastado.
Foram à casa vizinha e pediram à mulher as imagens. Ela, que é muito simples, disse: "Eu só dou as imagens com o papel do juiz, ou para a família". Eles disseram: "Então, apague as imagens, senão a senhora e as suas filhas vão se ferrar. Vamos jogar droga em vocês".
Ela disse: "Moça, a minha casa é uma casa só de mulheres". Eu digo que essa casa é um muquifinho porque a dela é grande, tem um sobradinho no fundo. Na imagem, no inquérito dos três policiais, e na porta está o endereço, no local do crime, dá para ver a casa dela, uma sombra toda prateada da janela dela e a sombra da cabeça dela. Ela disse: "Eles vieram aqui e disseram isso pra mim, que iam jogar...". Ela falou: "Moça, aqui é uma casa de mulheres. Eu sou mãe de duas moças que trabalham na Big Frango. Às 4 da manhã, elas vão para essa empresa, que fica em outra cidade. Apenas por isso eu tenho as câmeras, mas o HD é fraco". Fui lá 1 mês depois. Tenho consciência de que existem HDs que duram 1 semana. Alguns duram 15 dias. Mas ela começou a chorar, ela me abraçou, e eu chorei junto com ela. Eu disse: "No seu lugar, se eu tivesse duas filhas, eu faria a mesma coisa".
Eu tenho outro filho, de 22 anos. Esse filho sofre. Ele tentou suicídio duas vezes. Quando fez 1 mês que ele tinha perdido o irmão, ele percebeu. Bebeu cerveja. Vieram uns primos de Curitiba que não tinham ido ao velório e compraram cerveja. Eles disseram: "Tia, o João não fala, o João não sorri". E compraram umas cervejas. Ele é sério. Não é como eu. Ele é igualzinho ao meu marido, calado. Ele não fala nada. Para ele falar, ele tem que ter bebido. Ele dizia: "Mataram meu irmão caçula". Eu dizia "meu filho caçula". Ele só tinha esse irmão. E ele dizia: "Meu irmão caçula, meu irmão caçula". Como ele estava bebendo, nós tivemos que ficar em vigília durante a madrugada toda, porque ele queria a chave da moto, ele queria sair de moto.
17:48
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Não temos ajuda. Tudo o que essas mães disseram é verdade. Não temos ajuda do Estado. É uma vergonha. Não temos ajuda, ficamos doidas, ficamos sob efeito de medicação. Os laudos provam. Não estou querendo aqui, com sentimentalismo, dizer: "Nossa, o meu filho..." Quando se diz "mão em posição de legítima defesa", nós entendemos.
Outra coisa: nós não temos dinheiro, não. Tive que sair da minha casa para eu continuar. Nós não temos. Tive ajuda de advogado porque eu trabalhava com uma fisioterapeuta cujo marido era advogado, ele estava no velório do meu filho no outro dia e viu a manchete. O meu filho tinha um anjinho tatuado no pescoço. E esta foi a manchete: "Anjinho de 15 anos enfrenta a Choque e vai debutar em outro lugar". As mensagens diziam: "Caixão e vela preta!" Eles falam canal do Rato, do nosso Governador do Estado do Paraná. O Deputado Tadeu Veneri já tinha feito uma lei, quando era Deputado Estadual, sobre o uso de câmeras, o que ele recusa, ele nega. Ele é dono de uma emissora, a Rede Massa, que é uma rede de televisão que tem jornais policialescos que gostam de ver sangue ao meio-dia. Como diz a avó, o sobrinho da Haydee é chamado lá pela polícia lá como "menino de vó", porque é ela quem vai à promotoria. O meu filho é chamado de "anjinho". Então, como a avó, D. Maria, mãe dela, disse, se espremêssemos a televisão, escorreria sangue. É exatamente isso. Desculpe-me por usar a fala da sua mãe, Haydee. O que essas emissoras fazem é isso. Então, esse Governador, o Rato, apesar de já existir esse projeto, não o aceita.
Enfim, eu digo que isso é uma vergonha. O projeto piloto — não é, Haydee? — de 300 câmeras não cobre nem a Polícia Militar. Não existe projeto piloto. Se se baseassem no Estado de São Paulo, no Estado de Santa Catarina, eles poderiam usá-lo. Não é preciso um projeto piloto. Sabemos que eles podem desligar a câmera, mas tem que ser tomada alguma atitude em relação a policiais que desligam as câmeras.
Como todos aqui disseram, sabemos que existem policiais bons, mas outros não são. Sabemos que é um pequeno... Como ela, a do Pará, de Ananindeua, disse também, não eram as viaturas ali da região, não eram. Eles fazem com o comando um lugar onde existe um kit confronto para irem, e eles vão para matar.
Esses tiros que deceparam os dedos do meu filho... Ah, não nos deixaram ver. No outro dia, eu vi o meu filho com uma faixa. Eles colaram, colaram a mão enfaixada por baixo, porque eu queria ver. (A oradora se emociona.)
Enfim, é como ela disse. Eu mudei de casa. Fui morar num condomínio residencial. E, em 2 meses, eles mataram três pessoas nesse condomínio residencial. Recebi a notícia e não pude ir para casa, tive que ir para a casa de um parente. Eu não tinha comida no outro dia, porque não fiz janta, não fui para casa. Disseram: "Mataram lá no seu condomínio, a polícia matou". E é simplesmente assim. Existia, para mim, cheiro de sangue naquele condomínio.
Como eu disse ao senhor, não tenho dinheiro porque financiei um apartamento e saí da minha casa. A pessoa não tem como entrar em casa, olhar para o portão e esperar. O filho não vem mais do colégio naquela hora. Não vou ver mais o meu filho sentado no sofá. Ele assistia a filmes em inglês e não tirava a legenda em inglês. Ele era coroinha em igreja católica. Queria ser padre. Ele disse: "O mínimo que eu preciso saber é inglês, mãe, se eu for mandado para outro país". Então, ele treinava, ele colocava os filmes na televisão e ficava treinando as falas, lendo as legendas em inglês. Eu não vou ver mais essa imagem. O que eu fiz então? Eu saí da minha casa.
17:52
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Só que há uma coisa, e eu disse a ela, vim chorando no avião, porque foi o meu primeiro voo, e houve um monte de situações de perigo. Chovia muito em Campinas e aconteceu aquela turbulência. Eu pensei: "Vou encontrar o meu filho". E, quando entrei, pensei que ele nunca iria pisar aqui porque ele queria ir para fora do País. Tenho uma prima no exterior e poderia ter feito... Se eu soubesse que a polícia da cidade de Londrina mata criança inocente, eu teria vendido tudo o que eu tinha, comprado a passagem e mandado o meu filho para os Estados Unidos para ele fazer esse intercâmbio. (A oradora se emociona.)
Eu tive que mudar, mas sinto cheiro de sangue lá onde moro também, porque eles foram matar lá também. Então, não existe lugar.
Moro lá, mas não sou mais eu, a Marilene mãe de dois meninos. Eu pensava: "Qual dos dois vai ser o primeiro a me dar um neto? No que será que ele vai trabalhar?" Eu não tenho mais o meu filho. Como ela diz, acordar todas as manhãs é ser violentada todas as manhãs.
O Estado, a segurança pública do Paraná e deste País é uma vergonha. Ele me violenta todos os dias só porque abro os olhos, porque, quando abro os olhos, vem a dor. O meu filho não está mais aqui. Ninguém sabe o que é isso, quem não passou por isso não sabe o que é. Quando eu como, tenho náusea depois, porque meu filho derrete lá embaixo. E não estou pensando só em coisa material, não. Eu sei que ele está bem, ele está no céu. Respondi às emissoras que disseram "enfrenta a Choque e vai debutar em outro lugar". Eu disse: "Vai debutar, sim, no céu, que é o melhor lugar para se estar, onde, debutantes ou não, querendo ou não, nem todos estarão". Coloquei isso, mas tive ajuda para ter advogado.
Tudo o que elas dizem aqui é verdade. É simplesmente isso.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, minha amiga. Não temos...
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - Ouvir cada depoimento aqui é reviver tudo de novo.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Eu imagino.
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - Quando acordamos, não temos mais nada. Eu disse isto à Haydee, tomando um suco ali no hotel: "Haydee, eu olho para um rapaz que vem nos entregar um negócio e penso se o meu filho já teria a altura do rapaz". Existe gente que pensa que ficamos doidas. Não! Isso não é loucura, isso é amor. Tiramos das nossas entranhas uma criança e a educamos.
Nós sempre tivemos endereço fixo. Nós pagamos os nossos impostos a vida inteira. Nós sempre fomos empregados, eu e meu marido. Nós ensinamos a ele nunca fazer uma dívida sem ter acabado de pagar a anterior. Uma vez, quando fiz luzes no meu cabelo, fui comprar xampu e creme. A conta deu 120 reais. Estávamos acostumados a comprar os de 10 reais. Ele estava perto de mim e disse: "Mãe, você tem coragem?" Eu respondi: "Tenho, filho, porque agora o meu cabelo vai ficar ressecado". E a vendedora disse: "Nossa, o seu filho tem noção de dinheiro?" Ele tinha 8 anos quando disse que queria ser padre.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Eu quero que você receba o nosso abraço solidário, de quem sabe...
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - E nós não vivemos mais, nós morremos. Nós somos zumbis. Eu sou um zumbi ambulante, um morto-vivo.
Sabe o que me dizem? Nós todas aqui somos obrigadas a ouvir isto: "Ah, mas ele estava num lugar perigoso". Lugar perigoso é todo lugar. Um júri popular é um lugar totalmente perigoso. Participei de um em que via aqueles policiais, todos armados nos olhando daquele jeito. Graças a Deus, a decisão do júri foi favorável. Não é isso, Haydee? Lugar perigoso, para mim, é qualquer lugar.
Como as mães aqui disseram, eles não têm o direito de ir e vir? Eles podem estar passando por uma calçada. Não sei se o senhor tem filho. Quem aqui não tem um vizinho, um enteado, um sobrinho, um neto? A pessoa vai ter que rezar para ter a sorte de passar por uma calçada que não vai estar diante de uma casa que seja suspeita, porque senão a tropa da Choque vai chegar e vai atirar?
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Sim.
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - É o direito à vida.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Sim.
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - O que estamos dizendo se refere a uma vergonha nacional.
A médica falou. Nós trabalhamos na área da saúde. Ouvimos em porta de igreja dizerem isto: "Eles recebem pouco, eles ganham mal, eles veem marido batendo em mulher". A minha irmã, que era enfermeira, trabalhou no Hospital do Coração na época da pandemia de Covid e também ganhava pouco. Ela trabalhava sob pressão psicológica, sob ameaça de ser demitida, com pouquíssimos funcionários. Tinha que virar uma pessoa de 80 ou de 100 quilos, às vezes sozinha, e ela não colocou a glicose no sorinho deles. Ela não desligava o aparelho. Quem daria a ela o direito de, sob essas condições, matar outra pessoa?
17:56
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O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Eu não poderia interromper o seu desabafo.
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - Desculpe-me, perdão.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Eu sei que 10, 20 ou 30 minutos não são absolutamente nada para o tamanho dessa dor.
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - Ele tem 15 anos. Ele levou 15 tiros.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Sim.
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - O meu advogado fala que é uma aberração, é uma aberração jurídica.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Nós temos que tentar abraçá-la, mas neste momento...
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - O Estado reconheceu.
Sabe onde está o processo?
Está aqui. Está parado aqui em Brasília, no tal do STJ.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Eu vou ter que pedir o teu apoio para que, ouvindo os outros depoimentos também, possamos nos abraçar conjuntamente.
De forma alguma. Não tem do que se desculpar, mas eu tenho que exercer esse papel aqui, porque agora nós vamos ouvir ainda, aqui no nosso encontro, seis pessoas; e eu posso ser chamado em algum momento para não permanecer mais aqui neste espaço e ter que me dirigir ao plenário, não pela minha vontade.
Nós queremos te agradecer e nos desculpar por não termos a possibilidade aqui de, no mínimo — não tem que pedir desculpa —, disponibilizar o tempo que seria suficiente.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Como é o seu nome?
A SRA. MARILENE FERRAZ DA SILVA SANTOS - Marilene.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Marilene, um abraço forte para você.
Ela está dando o abraço que todos nós aqui, eu tenho certeza, queríamos te dar neste momento.
Eu queria passar a palavra agora para Beatriz da Silva Rosa, que está conosco também na transmissão on-line.
Beatriz, nós estamos te escutando.
A SRA. BEATRIZ DA SILVA ROSA - Boa tarde. Eu sou Beatriz da Silva Rosa, tenho 29 anos e sou merendeira escolar.
Eu sou a esposa do Leonel, deficiente, que foi morto em fevereiro, e a mãe do Ryan, do bebê de 4 anos, que foi morto agora em novembro.
Quero começar falando um pouco do Leonel, que é onde começou toda a minha luta. Ele morreu dia 9 de fevereiro.
Um dia eu cheguei a casa do trabalho, por volta das quatro e poucas horas da tarde, e o Leonel estava em casa com o bebê Ryan, que faleceu agora em novembro, com 4 anos de idade. Eu cheguei, nós tomamos um café e eu fui buscar as crianças na escola, com o Ryan. O Leonel continuou em casa. Eu peguei as crianças na escola, a Manuela e o João Pedro, e fiquei um pouquinho na rua com as minhas amigas, quando o Leonel desceu e me chamou. Eu perguntei para onde ele ia. Ele falou: "Vou aqui embaixo rapidinho, conversar com o Jeferson, e já volto". Eu falei: você volta a que horas? Aí, ele falou: "Até 8 horas eu estou aqui, faz a janta, vai ao mercado comprar um refrigerante, que 8 horas eu estou de volta". Aí, deu 8 horas, 8 horas e 15 minutos, 8 horas e 20 minutos, e o Leonel não chegou. Aproximadamente às 9 horas eu escutei um monte de tiro, e aí eu falei: meu Deus, o Leonel! Aí, eu já me apavorei. Quando foi umas 9 horas, um morador falou: "O Leonel está baleado, está caído na rua ali embaixo". Aí, eu desci correndo. Os policiais não deixaram a gente socorrer, fizeram uma muralha de policiais, para a gente não passar, e não deixaram a gente socorrer. Demorou 1 hora para o resgate chegar, e foi tudo muito demorado.
18:00
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O Leonel é um deficiente físico, e eu tenho provas, porque ele recebia o BPC, o LOAS, no caso, que é um benefício do INSS. E todo mundo sabe que para você provar para receber esse benefício do INSS é muito difícil. Eu sei por que eu fiquei 3 meses afastada pelo INSS. E, para eu provar, assim, para eu me afastar foi muito difícil até fazer as perícias e tudo. Então, assim, como que o meu marido, um deficiente físico, troca tiro com a polícia? Porque ou ele carregava as muletinhas dele, ou ele trocava tiro com a polícia. Para ele trocar tiro com a polícia, ele ia ter que correr depois. E como que ele ia fazer isso? Agora, o caso foi arquivado, eu não tenho resposta.
Hoje, o que eu tenho a dizer, tanto do Leonel quanto do Ryan, que é um bebê de 4 anos, é que eu quero justiça. É o que eu espero. É muito difícil para mim. Agora, em novembro, eu perdi o Ryan, com 4 anos de idade, um bebê. Mundialmente, assim, vem se falando do caso.
A gente estava na rua, eu cheguei da escola. Agora, eu vou falar um pouco do caso do Ryan, porque não tem muito tempo. Eu cheguei da escola com o meu filho, e o meu filho falou: "Mamãe, vamos ver a prima". É onde as crianças sempre brincavam na rua. Havia aproximadamente umas 15 crianças. Ali, a gente estava sentada no meio-fio, e as crianças estavam brincando.
Quando foi 8 horas da noite, a gente escutou os disparos. Havia umas 10 crianças, aproximadamente, mais ou menos próximas do acontecido, e o Ryan estava um pouco mais para cima, assim, do outro lado do meu... Eles estavam brincando ali, e aí a gente escutou os tiros. Aí, eu levantei assustada, e a gente foi para guardar as crianças dentro dessa garagem, que era a garagem da minha prima. A gente não foi para especificamente pegar uma criança. A gente foi guardando todas as crianças dentro da garagem. O Ryan entrou andando nessa garagem. Eu não sei dizer se ele tomou um tiro entrando na garagem, ou se já estava dentro da garagem. Eu sei que, dentro da garagem, o meu filho ficou em pé, assim, uns 5 segundos me olhando, e aí ele, roxo, assim, já dava para ver que ele já estava perdendo as forças. Eu vi ele com a camisa levantada, estava baleado, e aí eu comecei a gritar para um amigo meu: socorre o Ryan, o Ryan foi baleado, socorre o Ryan. Aí, um primo meu pegou ele no colo, e ele já estava todo molinho. Aí, ele correu para a casa de cima, que era a casa da minha prima, dentro dessa garagem mesmo, e aí colocou ele no sofá. E aí a minha prima começou a gritar: "Não, a gente precisa socorrer ele, a gente tem que tirar ele daqui, a gente precisa socorrer ele". E, aí, desceu. O meu amigo já estava com a chave do carro, socorreu ele até o hospital. Lá dentro dessa garagem o Ryan não falava nada. Ele só ficou com a camisa levantada, tentando me mostrar. Só que dentro do carro ele gemia bastante, ai, ai, porque eu acho que o sangue tinha esfriado, então, foi onde ele começou a sentir.
Assim, na hora do tiroteio, os policiais estavam apontando para cima, atirando, só que o menino que estava na moto, que é quando eles falam que houve troca de tiro... Não houve troca de tiro. Pode ter acontecido de ter uma perseguição. Troca de tiro não houve. Como que o menino estava fugindo e trocando tiro com eles? Não tem como, não tem como, mas é o que eles falam. O menino já estava caído lá, um morto e o outro baleado, e eles continuaram dando tiro para cima, em direção a onde as crianças estavam, onde o Ryan foi baleado.
18:04
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Na mesma madrugada, eles operaram o Ryan — ele não aguentou. O tiro dele foi no mesmo lugar do que o do pai dele, no tórax. O Ryan não aguentou, estourou tudo por dentro. O médico tentou fazer de tudo. O médico operou e falou: "Beatriz, eu vou operar o Ryan, vou preparar a sala de UTI para você entrar e ver o seu filho." Aí eu falei: "Está bom." Esperamos mais ou menos uma hora. Quando entramos, o meu filho estava tendo uma parada cardíaca. Aí ele falou: "Sai, sai, sai, sai, sai da sala, mãe, que eu vou tentar fazer de tudo por ele". Eu saí. E o meu filho ali já estava sem vida, eu já vi que ele estava com os olhinhos tortos, pequenininhos, com 4 aninhos. Depois eu entrei. Aí eles deram banho nele e prepararam para eu pegar no colo e deram o óbito. Aí eu sentei e fiquei com o meu filho no colo. O meu filho já estava sem vida, com 4 aninhos de idade.
Depois disso, a minha vida acabou. Costumo dizer todo dia que vamos vivendo um dia de cada vez agora. Eu tenho que ir porque eu tenho mais dois filhos, mas, assim, estou totalmente sem vontade. Hoje eu não queria estar aqui, essa não era a minha vontade, não tenho mais plano para o futuro, não vejo futuro. Mas vou lutando porque temos outros filhos. Hoje eu estou aqui, em pé, e saio para trabalhar de manhã por causa dos meus filhos que ficaram. Tenho uma filha de 7 anos e um de 10 anos.
Eu costumo dizer que perdi minha rotina, porque saio para trabalhar de manhã e tenho que fazer todo o trajeto que eu fazia com meu filho todo dia. A minha vida sempre foi muito corrida, o Leonel é que me ajudava. A minha vida sempre foi muito corrida. A minha vida era assim: eu chegava em casa, fazia janta, dormia tarde para acordar cedo, trocava o Ryan, trocava a Manoela, levava para a escola. A vida sempre foi muito corrida. Então, a minha rotina acabou. Eles tiraram um pedaço de mim. Hoje eu falo que a metade da minha alma está com Cristo, foi com o meu filho, e a outra metade está aqui por causa das crianças que aqui ficaram, porque eu tenho que ir, agora eu tenho que continuar por causa deles, mas não é que eu tenha vontade. Hoje eu sinto o que a minha sogra sentiu quando ela perdeu o meu marido em fevereiro. Hoje eu perdi como mãe, não só como mulher. Como mãe, eu perdi o meu filho.
Então, o que eu peço todo dia é justiça. Eu peço que eles tirem as vendas dos olhos, porque não é possível tanta troca de tiro! Aí falaram que o caso do meu filho foi uma bala perdida. Não foi uma bala perdida, foi encontrada, encontrou o meu filho, matou o meu filho, o meu filho de 4 anos, uma criança, um bebê, que só queria viver. Era isto o que ele queria, ele queria viver. Tiraram a alegria da criança, tiraram a alegria dos irmãos. Agora, para continuar, é tudo uma luta. Vamos tentando conversar. O meu filho de 10 anos está totalmente trancado em si. As crianças perderam a vontade de tudo. O João já não quer mais brincar. O João está trancado, porque ele perdeu o pai. Aí eu ensinava para ele: "Filho, a justiça vai ser feita. Você não pode ter ódio, não pode sentir ódio deles, porque a justiça vai ser feita. A mamãe vai lutar por ele." Depois de uns meses falando isso, ele perdeu o irmão. O que eu vou falar para essa criança agora? Eu não sei, eu estou totalmente perdida. O Estado não vem, não fala nada.
No mesmo dia em que o menino morreu, o estudante — acho que é dessa mulher, da Marielle —, ele pediu desculpa e tudo o mais. E eu vi que, na fala sobre o Ryan, ele falou que eles estavam fazendo um trabalho excelente. Como foi um trabalho excelente? Eles mataram uma criança de 4 anos! Não estamos falando de um bandido, mas de uma criança de 4 anos. Esse é um trabalho excelente? Não, não é um trabalho excelente. Alguma coisa tem que ser feita. O meu filho morreu.
18:08
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Nada que me derem hoje vai trazer ele de volta. A gente está sem vida. Eu saio para trabalhar porque eu tenho as crianças. A minha vontade é de ficar em casa, trancar tudo, não viver mais. Essa é a nossa vontade. A gente perdeu... Eu perdi a minha vida, eu perdi a minha rotina. Eu perdi tudo — tudo não, porque ficaram os outros dois. Mas metade de mim já era, está com Cristo, meu filho levou com ele. E a outra metade está só tentando sobreviver, tentando ver a justiça ser feita, porque não é possível isso.
O caso do Leonel está arquivado. Agora o caso do Ryan também não tem resposta, porque uma emissora me falou que saiu o restado do laudo e foi comprovado que veio da arma de polícia. Só que eu não posso provar uma coisa que eu não tenho certeza, porque o laudo está pronto, porém, não deram entrada no laudo, na documentação, no processo.
Então, a gente fica ao deus-dará. Mas o que eu tenho para falar, para finalizar, é que eles queriam que eu chegasse ao fundo do poço. Eu cheguei. Só que eu tomei água e vou voltar mais forte. E eu quero que a justiça seja feita. É isto o que eu quero para os dois, que a justiça seja feita.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Um abraço forte, Beatriz!
Vamos ouvir agora o Marcelo Augusto.
O SR. MARCELO AUGUSTO - Já passou das 18 horas. Então, é boa-noite.
Parabéns, Deputado! Eu nunca imaginei que poderia ser escutado por um Deputado de outro Estado.
Eu grito todos os dias junto à minha esposa. Quero dizer que, no Estado da COP30, também se mata. Nós não queremos institucionalizar o caso do Davi. Acabamos de ouvir essa mãe que merece ser abraçada por todos, inclusive pelo Estado dela. Isso me emociona muito, porque não adianta punir policial. Nós temos que mudar o sistema. Esses policiais, quando entram numa academia, saem de lá preparados para matar. Não escolhem mais raça, cor.
Há pouco tempo, a Macaé esteve no Estado do Pará para visitar o Marajó, graças a Deus, e nos dar espaço. Por meio de assessores e da Ouvidora Nacional Denise, foram ouvidas algumas mães. No meu Estado do Pará, em 2014, foram assassinados 64 jovens em duas noites. E o Estado, na época, por meio do Governador, respondeu a uma mãe que hoje luta e cria o Instituto Marcinho que o seu filho estava no local e na hora errada. Lutamos há 1 ano e 2 meses por justiça pelo único filho homem que nós tínhamos.
Quando morre um policial, uma viúva recebe pensão. Quando a polícia mata o nosso filho, nós não recebemos nenhuma assistente social para saber em que estado psicossocial se encontra a família. Eu sou professor. A minha esposa me ajudava na renda em casa. Hoje eu tenho que cuidar da minha esposa e das minhas duas filhas. Todos os dias, dou graças a Deus pelo fato de voltar vivo e trazer o sustento para casa, mas volto com medo de ser a próxima vítima do meu Estado.
18:12
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A situação cada vez mais está se agravando, como disse o Deputado acabamos de ouvir, que se ausentou porque teve que prestar solidariedade. Quem sabe, vai votar algo horroroso que está sendo discutido esta semana na Câmara dos Deputados.
O que nós precisamos é de proteção para as pessoas que levantam a bandeira e não têm medo de enfrentar o Estado, que mata com a proteção e com a certeza da impunidade.
Sei que o tempo é muito curto, mas deixo a minha solidariedade a todas essas mulheres, que, por muitas vezes, não têm o apoio dos seus companheiros, dos seus maridos e que lutam aguerridamente por justiça.
Que daqui possamos sair com atitudes concretas, principalmente com um projeto de lei para que cada Estado possa ser responsabilizado pela morte dos seus apadrinhados, pela morte dos seus funcionários que matam com a arma do Estado.
Agradeço muito.
Gritei muito no meu Estado, e o único Deputado Estadual que nos ouviu foi o Deputado Elias, a quem eu manifesto também a minha gratidão.
Agradeço também à minha família e ao Grupo de Justiça por Davi, por nos ajudar também a chegar até aqui e saber que a nossa luta vai fazer com que outros jovens não passem por aquilo que passou o nosso filho, que foi executado em uma abordagem policial, e com que outras mães, como a minha esposa e as demais, não passem por aquilo que elas estão passando.
Obrigado.
Espero que possamos sair daqui com algo concreto, que nos dê esperança.
Que possamos chegar à casa todos os dias com sustento e sabendo que o dia de amanhã não é muito incerto e muito inseguro.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, Marcelo, pela sua contribuição aqui e o seu desabafo.
Ouvimos todas as mães e os pais presentes na audiência, remota ou presencialmente, que pediram para fazer o uso da palavra, mas temos ainda aqui algumas outras inscrições. Antes de ouvi-las e ouvi-los, eu vou ler as perguntas, como fazemos em todos os encontros, que chegam on-line à Comissão de Legislação Participativa, para que, se os convidados e as convidadas que ainda vão falar queiram se manifestar sobre o tema, fiquem à vontade também de fazê-lo.
Jurailson de Sousa Suassuna pergunta:
Qual a proposta dos Deputados para acabar com a violência contra o policial e conscientizar a população da necessidade de respeitar os policiais como defensores da paz social e dos direitos humanos?
Giovani Ferreira dos Santos diz:
Os policiais que mataram e executaram pobres, pretos e periféricos não devolveram a vida de nenhum executado. Que pena os senhores recomendam a tais execuções?
O Claudmir Ferreira do Nascimento diz:
Temos que ter uma intervenção urgente, porque só quem é vítima dessa violência pode dizer o quanto a família sofre, e não tem investigação correta. Precisamos urgente de uma mudança!
Suzan dos Santos Valentim diz:
Precisamos com urgência da implementação de câmeras corporais nas fardas e viaturas da polícia no Paraná para combater a crescente letalidade e os confrontos forjados. A experiência de São Paulo mostrou que essas câmeras podem reduzir significativamente os confrontos violentos. Elas promovem transparência, asseguram a integridade das provas e garantem maior responsabilidade, contribuindo para a diminuição de mortes e melhoria na segurança pública, além de aumentar a confiança da população.
18:16
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Suzan dos Santos Valentim também diz:
Os assassinatos de Marcelo Augusto da Silva e Rodrigo Ribeiro Pinheiro, praticados por policiais de Ibiporã, Paraná, ocorreram mesmo com provas contundentes contra eles. Alguns policiais já respondiam por crimes anteriores. Por que foram soltos na data de ontem? Por que PMs aguardam o júri em liberdade, enquanto pessoas negras e da periferia permanecem presas até a decisão final? Até quando o preconceito e a injustiça vão continuar favorecendo policiais em detrimento das vítimas? Queremos justiça!
Joao Pedro Monteiro Cunha diz:
Quais são as parcelas da população que são mais atingidas pela letalidade policial?
Suzan dos Santos Valentim diz novamente:
Por que os acusados do assassinato de Marcelo e do empresário Rodrigo, com todos os crimes comprovados contra eles, foram soltos ontem? O que motivou essa decisão?
Vania Maria Goncalves diz:
É necessário mudar a estrutura da PM de São Paulo. Basta de racismo e de genocídio, que encarcera, mata e oprime nossa juventude negra.
Janaina de Assis Matos diz:
Diante dos relatos, fica clara a importância de uma perícia autônoma e desvinculada das polícias civis e militares. Como os Deputados podem auxiliar nesse processo e na elaboração de uma lei federal disciplinando protocolos para preservação de local e perícia em locais de intervenção policial?
Essas foram as perguntas.
Eu imediatamente passo a palavra para o Cezar Britto.
O SR. CEZAR BRITTO - Deputado Glauber, em boa hora, fazendo jus ao objetivo desta Comissão, que é ouvir o detentor verdadeiro da democracia, o povo, brinda-nos a coragem com que ele resolveu um dos problemas mais sérios que este País enfrenta, não dito por mim, mas dito aqui em lágrimas por vários e várias mães que sofrem e infelizmente ainda sofrerão com a violência policial.
Certa vez eu, em razão da minha advocacia de inclusão social, trabalhando para os excluídos e os explorados, recebi a visita no meu escritório de um ex-aluno meu. Ele entra timidamente na minha sala e diz: "Prof. Cezar, eu acho que o senhor vai ficar chateado comigo". Eu disse: "Por quê?" "É porque eu vou fazer um concurso para a polícia."
Quando ele me faz essa pergunta, Deputado, senhores e senhoras, eu digo: "Será que eu passo a imagem de que não gosto da polícia, de que envergonharia um aluno meu, um belo aluno, se ele fosse ser policial?" Eu pedi desculpa se eu passo essa imagem, porque a atividade policial é fundamental em nossas vidas. A atividade policial e a segurança são previstas como direito fundamental em vários artigos da Constituição. Mas por que essa imagem, por que essa impressão? É porque, quando eu falava como advogado dos movimentos sociais e do movimento sindical e tendo vivido à época da ditadura militar, a imagem policial era aquela da repressão, da prisão, da tortura, do exílio forçado. Era a imagem dos desaparecidos políticos. Como as pessoas aqui dizem, as famílias morriam várias vezes. Morriam porque não sabiam onde estavam os seus queridos entes, morriam porque os seus queridos entes eram acusados de criminosos, de terroristas. Talvez eu morria porque vários dos meus colegas de faculdade eram infiltrados que nos denunciavam, que denunciavam os alunos. Talvez tenha sido essa imagem que eu passava, mas não é essa a imagem da Constituição. A Constituição serve exatamente para evitar esse tipo de polícia arbitrária. Ela tentou cuidar da segurança como bem fundamental de várias formas harmônicas. Ela diz que não poderia ser o inquérito policial ou a atividade policial controlada pela própria polícia. Por isso designa o Ministério Público como órgão fiscalizador, como órgão controlador da atividade policial. Quer dizer, não é mais a polícia em si mesma, mas também é o Ministério Público. Ela diz também que o próprio Ministério Público não é responsável pela ação penal. Quando ele ingressa, um juiz pode rejeitá-la. Ela coloca, pela importância do tema, para que não se voltasse a essa imagem do passado, o sistema de controle, com todas essas atividades.
18:20
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Mas, trinta e tantos anos depois da Constituição, nós estamos aqui dizendo e mostrando e vivendo que a intenção do Constituinte não se tornou realidade. Como dizia D. Hélder Câmara, as leis precisam sair do papel para ganhar as ruas. Essa lei não ganhou as ruas. Ao contrário. Sentimos as mesmas inseguranças, sentimos os mesmos medos, e as balas encontram também os mesmos corpos, não mais os corpos dos presos políticos, mas os corpos daqueles que já eram encontrados pelas balas lá atrás. Não mudou, o que significa que o sistema pretendido continua falhando, senão nós não estaríamos aqui, nesta Comissão que tem a função de ouvir o povo, trazendo do povo essa realidade tristemente constatada.
Como no passado, quando a repressão batia à nossa porta, resta-nos ir à ONU. Por sinal, um governante diz isso: "Vá à ONU, vá à ONU resolver os problemas que não são resolvidos no hoje, que não são resolvidos no agora".
Por isso nós temos que aprofundar isso e compreender muito mais isso. Continuo achando que a atividade policial é fundamental. Depois dessa conversa com o meu aluno, quando fui Presidente da OAB de Sergipe, comecei a dar curso de direitos humanos para a polícia, comecei a trazê-la para nós. Eu tinha uma ambulância e a doei para a Polícia Militar. Advoguei para vários sindicatos policiais, tentando compreender essa lógica, e ainda continua a ser usada "ilógica da violência", a "ilógica" que continua atingindo os mesmos corpos, que faz o sistema carcerário ter os mesmos públicos.
Como resolver isso? Essa talvez seja a minha função aqui. Se o sistema de controle entre órgãos estatais não tem dado certo, precisamos colocar um outro sistema de controle. O Brasil passou a ter experiência — e não estava na Constituinte, mas foi incluída a partir da Emenda Constitucional nº 45 — de ter um órgão de controle no Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça. Passamos a ter um órgão de controle no Ministério Público. Há muito a Câmara e o Senado vinham debatendo isso. Está na hora de criar um órgão de controle para a atividade policial, não mais esses conselhos comunitários que nós temos, que não têm poder de fiscalização, que não têm poder de desoneração. É preciso criar um órgão do Estado, como esses de que falam, para controlar. Aliás, a experiência do CNJ é importante também, para compreendermos que não pode ser algo corporativo, pois nós temos mais magistrados do que integrantes da sociedade e do Ministério Público. Poderíamos pegar essa experiência e debater, a partir do momento em que foi apresentada uma emenda constitucional, para transformar um órgão do Estado em um órgão de controle social da atividade policial, com representantes da polícia, com representantes das secretarias, com representantes do Governo, do Congresso, sobretudo da sociedade. É preciso que essa experiência que nós estamos tendo aqui se transforme em política de Estado. As vítimas têm que estar nesses órgãos. As vítimas têm que ser ouvidas permanentemente nesses órgãos. Eu acho que, a partir desta experiência e desse projeto que foi encaminhado agora, daquela reunião com todos os Secretários de Estado, o interesse é o de resolver o dilema, de resolver de vez. É preciso autonomia, é preciso ter um órgão que possa afastar um secretário de segurança pública, que possa cortar verba daqueles que acham que lugar bom é matar as pessoas. Se vai para o céu, se não vai para o céu, isso é uma questão religiosa, mas a morte é algo absolutamente visível, concreto. É preciso criar esse órgão. É preciso que tenhamos nesse órgão uma política de acolhimento. Aqui nós vimos a ausência de acolhimento. O acolhimento não pode ser filantropia, porque quem mata é o Estado. O acolhimento não pode ser um favor, porque é o Estado que está ceifando vidas.
18:24
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Na minha compreensão, não basta apenas a punição penal, é preciso a reparação. Infelizmente, no Brasil, acho que até por conta da impunidade galopante, é preciso também que haja condenação, como está na Constituição. A Constituição diz que o agente do Estado que comete crimes também é responsabilizado civil, criminal e administrativamente. Nenhuma dessas três partes funciona. As pessoas entram com ações contra o Estado quando há morte, quando há violência, o Estado recorre por anos, depois submete um precatório impagável, pelo tempo. Nós temos Estados como o Espírito Santo em que, numa época, era de quase 100 anos o tempo para pagar os precatórios. O espírito pode ser eterno, mas os seres humanos, não. É preciso que o Estado tenha uma política de regresso, que cobre daquele agente do Estado que causou a violência, que causou a dor, que causou o prejuízo, o pagamento por isso também economicamente.
Então, é preciso haver políticas muito claras e é preciso tornar obrigatórios — e acho que é por isso que é preciso haver um órgão centralizado — os coletes com câmeras. Por que isso? Nós demonstramos, mas eu vou dar outro exemplo que marcou muito a minha infância. Nós brincávamos, quando crianças, de super-heróis, como todas as crianças. Eu gostava do Homem-Aranha, mas eu tinha um primo que gostava de um policial, o mais violento da minha cidade. Ele tinha admiração por esse policial. É por isso que esse órgão é muito importante, porque a violência também é aplaudida por parte da população, a violência dá voto para governantes. É preciso tratar desse assunto com a mais absoluta seriedade.
Por isso, quando eu fui Presidente da OAB Nacional, nós apoiamos a ideia de criar um conselho nacional de segurança, de controle social da segurança, esse bem tão querido da Constituição, que só valerá, que só terá eficácia se essas vozes forem escutadas, que só terá eficácia se tiver o poder de fixar, nacionalmente e com o poder de reprimenda, com o poder de afastamento, aqueles que fazem do Estado não uma ambiência de tranquilidade, mas uma ambiência de violência. No meu tempo, esta é a contribuição que eu queria dar.
18:28
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O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, jurista Cezar Britto, pela sua contribuição.
Tem a palavra o Sr. José Maria de Almeida.
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - Glauber, eu queria em primeiro lugar te agradecer por ter acolhido o pedido que nós fizemos, de realização desta audiência.
Minha família não foi atingida da forma como foram atingidas as famílias que falaram aqui, até agora, por essa situação, mas, como alguém já disse aqui, esta luta não é só dessas famílias, é de todos nós, é de toda a sociedade.
Não quero que as pessoas tenham a ilusão de que este é um problema de solução fácil. Não é. Nós assistimos todos os dias — e as mães acabaram de relatar aqui — a uma série de situações absurdas. Um policial é um agente do Estado, pago por nós, mata uma pessoa, mata uma criança, e há ene justificativas para isso. Veja: a polícia é um ente do Estado, constituído para garantir a segurança das pessoas, não para matar ninguém. Vamos supor que fosse um bandido. A polícia não pode matar bandido, a polícia tem que prender bandido, entregar para a Justiça, para a Justiça julgar. Isso é o que diz a lei. Então, a polícia, quando mata, seja quem for, não está cumprindo a sua função, está exorbitando da sua função. Isso é a coisa mais corriqueira que nós vemos hoje na nossa sociedade. Se nós tivéssemos um exemplo, dois exemplos, nós poderíamos dizer: "Bom, o soldado está mal preparado, escorregou ali. Foi um erro". Mas não, são milhares de exemplos. É um problema do sistema. Eu posso tirar aquele policial que assassinou o Davi, eu posso tirar o policial que assassinou o sobrinho da Haydee, e vão vir dois para o lugar de cada um deles, porque é a estrutura, é a instituição da Polícia Militar. Não é só a Polícia Militar. Há uma militarização de toda a segurança pública. Dias atrás, um guarda civil metropolitano de São Paulo, que deveria ser responsável por guardar o patrimônio, quando passou uma moto com um garoto e uma menina nas costas dele, mandou o garoto parar, e o garoto não parou. Ele deu um tiro e matou a menina. Um guarda civil! Então, essa lógica da militarização vai tomando conta da segurança pública. A operação que houve no Rio de Janeiro ontem não foi da Polícia Militar, foi da Polícia Civil. A última operação que houve no Bairro do Jacarezinho, que matou 19 pessoas, foi da Polícia Civil, não é só da Polícia Militar. Então, esse sistema é montado para produzir esse resultado. Fala-se em má preparação da polícia? Sim, num sentido, sim, em outro, não, porque a polícia que temos neste País é preparada para fazer isso, para nos dar esse resultado.
Então, aqui temos um problema, que é: como mudamos esse sistema? Quando eu digo que não é uma tarefa fácil, é por que acho que há uma série de medidas a tomar. O Cezar acabou de citar uma, que eu acho que é uma boa medida, e há muitas outras que se podem discutir. Acho que temos que lutar por elas, não porque acho que é possível, na sociedade em que vivemos, termos uma polícia que não acabe cumprindo esse papel de repressão contra o povo. Isso tem a ver com essa sociedade desigual, injusta, em que nós vivemos, que é capitalista. Mas nós temos a obrigação, haja vista que nós vivemos aqui, de tratar de lutar por melhorias.
Eu entendo e conheço perfeitamente a relação de forças dentro do Congresso Nacional. Nós poderíamos apresentar aqui algumas dezenas de projetos de lei — o Glauber deve saber disso melhor do que nós —, mas nós sabemos que seriam pequenas as chances de serem aprovados, assim como sabemos da dificuldade de aprovar uma medida.
18:32
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Eu estava falando com o Cezar antes de começar esta reunião. Eu insisti muito com o Cezar para que viesse, porque há vários recursos que acho que temos que tentar adotar que temos que buscar via Judiciário. O Supremo Tribunal Federal deste País é prócer em tomar medidas que também são contra a classe trabalhadora. O Cezar conhece melhor do que eu isso. Agora, algumas das medidas tomadas neste último período, que acabaram, de uma forma ou de outra, protegendo alguns setores da população vieram de lá. É mais fácil sair de lá do que daqui. Então, o que eu acho que teríamos que fazer? Acho que seria muito bom um projeto de lei com esse conteúdo que o Cezar falou.
Acho, Cezar, que temos que pensar alguma forma, algum tipo de ação à qual possamos dar entrada no Supremo Tribunal Federal, seja assinada pelos partidos, seja assinada pelas famílias, uma ação que questione uma coisa muito simples. A Constituição diz que o Estado tem que garantir a segurança das pessoas. O Estado está matando as pessoas. E o Supremo Tribunal Federal, que é o responsável por fazer cumprir a Constituição, está fazendo o que nesta situação? Que medida ele vai tomar para coibir os governos? Porque não é só o policial, é o policial, é o Derrite, que é o chefe deles em São Paulo, é o Tarcísio, que é o chefe dele, é o Governo Federal, que, em última instância, também tem responsabilidade por essa situação. O que o Supremo Tribunal Federal está fazendo para garantir o cumprimento da Constituição?
É porque acho que vamos conseguir isso, camaradas? Não. É porque acho que isso pode ser bandeira de luta, porque, se queremos de fato mudar essa situação, precisamos fazer com que seja ouvida a voz destas mães que falaram aqui. Não é possível que, se fizermos o País ouvir a voz destas mães, as pessoas não vão se mover, porque, em última instância, a defesa do povo é o povo que vai fazer. Temos que botar isso na nossa cabeça.
Então, essas iniciativas são importantes para que tenhamos uma bandeira, uma exigência nas mãos. Agora, em torno delas nós temos que organizar as pessoas e tratar de gritar, de fazer barulho, de fazer mobilização.
Estava falando com a Haydee que vai ser realizada a COP 30, em Belém, em novembro do ano que vem. Vamos fazer uma atividade na COP 30 que dê visibilidade para essa tragédia que acontece neste País. Vai estar toda a imprensa do mundo lá. Dessa forma constrangemos os políticos. Vamos ver se eles não fazem alguma coisa, se eles forem constrangidos. Porque só vão fazer, companheiros e companheiras, sejam os políticos, sejam os tribunais deste País, se forem obrigados a fazer. Temos força para obrigá-los a fazer, mas temos que botar a mão na massa, todos nós.
Então, Glauber, este é o sentido desta atividade. Por isso, eu te agradeço novamente. É muito importante abrir este canal, dar esta vazão, dar esta visibilidade, para que estas mães façam o que vieram fazer aqui. É preciso que, nesse lastro, tanto você como Deputado quanto o Cezar como jurista e nós como dirigentes políticos, dirigentes sindicais, botemos aquilo que temos de recursos em campo, para criar uma situação e, se não sanar o problema todo, pelo menos dirimir parte dele. É parte de uma luta. Só vamos mudar, de fato, a vida das pessoas quando mudarmos esta sociedade, mas não podemos ficar esperando que mude a sociedade para acabar com barbáries como esta que estamos vendo aqui. É parte de uma luta que temos que travar desde agora. Acho que temos que buscar iniciativas no campo jurídico, temos que ver iniciativas aqui no Parlamento, mas é preciso também, a partir das famílias, a partir dos sindicatos — e há dirigentes sindicais aqui —, a partir dos partidos políticos, tratar de organizar a sociedade, de organizar a população para lutar pela necessidade de mudar essa situação. Esta é a nossa função.
Não quero tomar mais tempo, Glauber, porque ainda há várias pessoas para falar. Se for possível, para além da iniciativa desta audiência, acho que temos que tirar duas indicações daqui. Seria importante fazê-lo. Não sei se é o caso. Você depois vai nos orientar melhor. Acho que tem que sair daqui a indicação para a desmilitarização da segurança pública deste País. Insisto: não é só a PM. Segunda indicação: tem que sair daqui a indicação para botar no olho da rua e, se possível, na cadeia, o Secretário de Segurança Pública de São Paulo. Esse homem é um criminoso. Ele não está sendo investigado por 16 assassinatos, como falaram aqui, mas por 18 assassinatos. Teriam que botar nessa conta todos os cem que ele mandou matar lá na Baixada Santista, porque o que ele fez lá foi isso. Ele chega ao ponto de matar uma criança de 4 anos de idade. Esse cara precisa ser demitido já, assim como o Governador Tarcísio de Freitas tem que ser responsabilizado pelo que está acontecendo naquele Estado. Insisto: ali não há descontrole da polícia, ali há uma ordem para a polícia para que aja dessa forma. Ele entrou no cargo, demitiu o Comando da PM, trocou o comando intermediário da PM, para que a PM faça o que está fazendo em São Paulo. Esse homem tem que ser demitido e tem que ser preso. Acho que seria importante sair essa indicação daqui e mandar isso para a imprensa, porque não é possível que isso continue, sem que pelo menos gritemos. Glauber, obrigado mais uma vez.
18:36
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Não posso deixar de falar, meu amigo: Glauber fica! Entre outras razões, é responsabilidade de todos nós também defender o seu mandato aqui. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, Zé Maria. Eu que te agradeço por ter articulado e proposto esta audiência tão dura e tão necessária.
Sobre os encaminhamentos, assim que finalizarmos aqui, faremos uma pactuação sobre como encaminhar cada uma das ideias que surgiram durante a audiência e que estão todas registradas em ata, já que esta audiência está sendo gravada.
Passo a palavra para a Sra. Maria Helena Cota Vasconcelos.
A SRA. MARIA HELENA COTA VASCONCELOS - Primeiro, meu abraço solidário a todas as mães que aqui estão, às que falaram remotamente e a todas as mães que passam pela dor de perder um filho pelas mãos de um agente do Estado, que deveria defender direitos.
Eu sou Maria Helena Cota Vasconcelos. Sou Coordenadora do Movimento...
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Maria Helena, desculpe-me. Eu vou pedir que troquem a placa de identificação que está à sua frente — e isso não é um detalhe —, porque, na gravação, as pessoas que estiverem assistindo vão poder te identificar.
A SRA. MARIA HELENA COTA VASCONCELOS - Está bem.
Eu sou a Coordenadora do Movimento Policiais Antifascismo e também sou conselheira de direitos humanos no Espírito Santo, representando o Sindicato da Polícia no Conselho de Direitos Humanos.
Nós do Movimento Policiais Antifascismo negamos que estejamos em guerra e entendemos também que a pauta da segurança pública tem que ser apropriada por todos, porque só assim vamos conseguir avançar. Nós não partilhamos da ideia de que existe uma sociabilidade do crime, própria do crime, de que grupos criminosos periféricos sejam os responsáveis por esta violência que vivemos.
Eu vou falar um pouco de um território com o qual convivo no Espírito Santo, de um grupo de bairros que se chama Território do Bem. Por que "Território do Bem"? Foi batizado assim pelas pessoas daqueles nove bairros. O Estado, por sua vez, quer chamar aquela comunidade de "Complexo da Penha", com o objetivo de criminalizar os jovens daquela comunidade, que é periférica, e os trabalhadores, na maioria negros. É uma cidade dividida. A violência se justifica lá para que o outro lado da cidade supostamente tenha segurança, como se isso fosse possível. Nesse território as chamadas "operações policiais" são cotidianas, com sistemáticas violações de direitos, violências múltiplas contra adolescentes, jovens, crianças e mulheres, violências de toda ordem. Ainda mais graves e prementes são os números assustadores relacionados a mortes causadas por intervenção policial, especialmente de jovens negros com idade entre 15 e 29 anos. É uma ação organizada das forças de segurança pública que traz à tona o chamado "estado de exceção", atuando à luz do dia ou na calada da noite com plena legalidade, sob o comando do aparelho repressivo do Governo do Espírito Santo.
18:40
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Alguns estudiosos definem essa realidade de estado de exceção como um estado sem lei. De um lado, a norma está em vigor, mas não se aplica, não tem força. De outro lado, atos que não têm valor de lei adquirem força. Trata-se de uma suspensão proposital da ordem, com a justificativa de restaurá-la, e a violência é o intermédio para tal.
A sobrevivência de um estado dessa natureza no interior do Estado sustenta-se no discurso de proteção da vida, de maneira que a violência assume a forma de direito e vice-versa. Mas isso é institucionalizado, porque é o Comandante-Geral da Polícia que vai para a mídia todas as vezes que acontece uma morte nesses territórios e a justifica, usando a guerra às drogas como motivação para a violência. Jovens até ontem desconhecidos ganham as páginas dos jornais e as redes, têm seus rostos expostos como perigosos traficantes agora eliminados. Suas famílias, todas residentes nos mesmos territórios, sem condições dignas de moradia, saúde, educação, esporte e lazer, são silenciadas. Embora gritem e não estejam dormindo de fato, a Justiça não as socorre. Por ser uma comunidade, um território, o luto é coletivo, o trauma se renova a cada nova incursão policial, o medo é constante e real e se manifesta a cada nova morte de um jovem.
Nessas incursões, as mulheres são assediadas, agredidas verbalmente e tratadas como cúmplices de supostos crimes cometidos pelos jovens. Não há mandado judicial, só pé na porta. Além de matar — e como conselheira de direitos humanos recebo denúncias constantemente —, eles aprisionam um número cada vez maior de jovens em estabelecimentos prisionais superlotados, alvos de cotidianas denúncias de violações de direitos, e os adolescentes, em institutos socioeducativos onde as algemas, a tonfa e as armas menos letais são ostensivamente exibidas pelos agentes de segurança e impedem qualquer tentativa de diálogo e acolhimento. Essas instituições perpetuam a exclusão social — o José Maria já muito bem o disse aqui, eu não vou repetir — e repetem a violência institucional cotidiana. É impossível conceber a perspectiva do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Sistema Nacional de Atendimento da Socioeducativo, porque tudo está sendo transformado em presídio. Para ganhar a opinião pública, principalmente a da classe média, o Estado manipula as estatísticas. Ele divulga a redução de homicídios dolosos, o que não significa redução de mortes. As estatísticas, os números, vêm separados por categoria. Um olhar um pouco mais atento constata a violência policial, levando em conta os dados de 2023, quando foram mortos 46 jovens no Estado, e, em 2024, setenta já foram mortos nisso que se chama confronto com a polícia.
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Da mesma forma, 71 feminicídios já foram registrados este ano. Violências contra as mulheres, incluindo todos os tipos penais, já totalizam 35.859 ocorrências. A estatística é divulgada na mídia: o Estado diminui o número de mortes, mas isso só acontece porque há separação por tipo penal. Então, dizem que reduziram o homicídio, mas não levam em conta as mortes em confronto nem os feminicídios.
A partir dessa realidade e do incentivo estatal em apoio ao tipo de policiamento que agrava a violência, as comunidades e os movimentos sociais, os sindicatos, as universidades federais e as igrejas começaram a se reunir em 2023 para conversar e buscar alternativas de organização e proteção, bem como propor ações no coletivo, no Jornada de Segurança Pública.
Para compreendermos como esse estado de exceção se instaura, diante da nossa mobilização, da sociedade, das cobranças, uma das ações do Governo foi instaurar um grupo de trabalho para discutir sobre a violência que estava acontecendo naqueles territórios. No entanto, nesse grupo de trabalho, havia apenas comandantes da PM e da Polícia Civil, bombeiros, mas ninguém da sociedade civil, nem da Defensoria Pública, nem do Ministério Público e ninguém do Conselho de Direitos Humanos.
Da conclusão desse trabalho veio um diagnóstico perfeito e uma lei complementar. Eles fizeram o diagnóstico de que o bairro precisa de tudo: acessibilidade, saúde e educação. O que o Governo ofereceu foi uma companhia independente de policiais para atuar no território e outra companhia para agir na Lei Maria da Penha. Então, nenhum dos projetos sociais de esporte e lazer, que a comunidade já havia encaminhado para o Governo, foi contemplado. Essa é a forma como o Governo tem trabalhado com as classes, segundo ele, perigosas. Essa é a atuação dele. Nós temos várias propostas. Uma delas, a primeira, é a desmilitarização das polícias, não somente da Polícia Militar, mas também da sociedade, porque as escolas cívico-militares estão avançando. Outra proposta é a descriminalização das drogas. Entendemos que as câmaras corporais são fundamentais. Elas não são uma fórmula mágica, mas ajudam nessa questão — a maneira como será implementada.
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Buscamos também a instalação de uma corregedoria independente para receber as denúncias da violência policial. Estamos implementando um Observatório Popular de Segurança Pública, para dar voz às pessoas vítimas de violência, para que elas possam fazer uma contraposição à mídia hegemônica, que repete a fala do Estado, dos agentes do Estado, mas não ouve as vítimas e seus familiares.
Recentemente, conseguimos implementar um mecanismo estadual de prevenção à tortura lá no Estado. As peritas já foram eleitas e vão ser nomeadas. Também entendemos que temos de ter um olhar para a família dos policiais, porque o policial que se envolve numa ocorrência dessa natureza é tratado como uma laranja podre. Ele é afastado e punido, quando não há impunidade. E, como disse um colega meu, "não adianta tirar uma laranja quando o cesto é que está podre". Nós temos que pensar nas estruturas desse cesto: carreira única e ciclo completo de polícia. Esses não são casos isolados. O policial não pode ser tratado como um subcidadão. Ele tem que ter seus direitos respeitados, para também respeitar direitos. Não adianta retirar a laranja podre se o cesto continua podre, contaminando as outras. Essas não são soluções fáceis, como disse o José Maria.
Eu acho que esta audiência foi muito importante. Dentre as perguntas feitas, a Janaína traz a questão da perícia. Em nenhum local de mortes de jovens lá no Espírito Santo é feita a perícia — na maioria dos casos. Em nenhuma vítima, suposta vítima de confronto, é feito exame residográfico nas mãos. Não precisamos de perícia; precisamos, sim, de uma corregedoria independente.
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É isso.
Peço desculpas por extrapolar o tempo.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, Maria Helena, pelas importantíssimas contribuições.
Passo a palavra à Sra. Isabel Seixas de Figueiredo.
A SRA. ISABEL SEIXAS DE FIGUEIREDO - Obrigada, Deputado.
Eu queria pedir desculpas porque eu estava no WhatsApp ouvindo e falando ao mesmo tempo.
Hoje, não exatamente fora do tema, tenho uma notícia importante: o encaminhamento de uma minuta de decreto sobre o uso da força à Casa Civil, na Presidência da República, pelo Ministro Ricardo Lewandowski. Este tema tem tudo a ver com o que estamos falando aqui. O Ministério hoje está meio bagunçado por causa desse encaminhamento, mas eu não estava dispersa em relação ao tema. Pelo contrário, eu estava trabalhando no Governo em relação ao tema.
Eu queria, Deputado, mães e demais participantes, primeiro, agradecer pela oportunidade de estar aqui, em meu nome e em nome do Secretário Mario Sarrubbo, convidado para representar a SENASP, mas que não pôde fazê-lo por conta de outro compromisso.
Queria fazer um pequeno comentário sobre o meu lugar de fala nesta audiência. Eu sou representante do Ministério da Justiça. A minha função aqui hoje é, essencialmente, apresentar como o Governo vê esse assunto e, mais do que isso, apresentar os programas, os projetos e os investimentos que estamos fazendo nessa área.
Queria tomar a liberdade de sair do protocolo e compartilhar com vocês que este ano está fazendo 30 anos que eu atuo na área de segurança pública. Sou advogada, não sou policial. Já estive em diversas posições na área de segurança. Faz 28 anos que eu comecei a trabalhar na Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo, especificamente, com casos como muitos que foram relatados aqui hoje.
Para além da dor de cada um dos casos individuais que ouvimos e que nos deixam arrasados, enquanto cidadãos, enquanto gente que defende um Estado mais democrático, mais respeitador de direito, senti uma segunda dor: a de ver vários casos muito parecidos com aqueles que eu acompanhava das mães em 1996, em 1997. Como é doído perceber que, passado todo esse tempo... Nós tivemos alguma melhora. Não posso dizer que não houve uma melhora. Eu trabalhava na Ouvidoria da Polícia de São Paulo em anos em que cerca de mil pessoas eram vítimas do uso da força excessiva pela polícia, por ano. Hoje, estamos em patamares muito reduzidos em relação a isso.
Isso não importa porque não é de número que estamos falando; estamos falando de gente. Então, acho que essa dor é muito particular. Depois de 28 anos — puxa vida! — as histórias são individuais. Cada dor é uma dor. Ao mesmo tempo, o Estado ainda está lá agindo dessa forma que é até difícil de adjetivar porque é ilegal, é inconstitucional, é desrespeitosa, é violenta.
Partindo disso, apenas para localizar esse tema, eu queria dizer, acho que todo mundo aqui sabe, que, por conta do nosso desenho federativo e do traçado constitucional do tema da segurança pública, o Governo Federal encontra muitos limites para atuar nesse assunto.
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Não foi à toa que o Ministro Lewandowski propôs agora uma PEC que tenta fortalecer esse papel de coordenação das políticas de segurança pública pela União, respeitado, obviamente, nosso princípio federativo, a autonomia dos entes federados. De algum jeito, ficamos sempre numa situação em que podemos muita coisa, mas não podemos tudo. Muitas vezes, não podemos dar a resposta que gostaríamos de dar para cada um desses casos. Acho que cada uma das pessoas que está sentada aqui queria hoje poder falar para as mães que estão aqui e para as que não estão, para cada uma dessas pessoas, dar uma resposta mínima de justiça e, como disse o Cezar, de reparação. Acho que é o mínimo que nós enquanto Estado tínhamos que fazer.
Consideradas essas limitações, o Governo tem tentado, desde o ano passado, com a volta do Presidente Lula, colocar a questão — não vou nem falar da violência policial, vou falar dela daqui a pouco, mas acho que é maior do que isso — da profissionalização das nossas forças de segurança como um tema prioritário. Todo mundo acompanhou, já na transição, o então futuro Ministro Flavio Dino, hoje ex-Ministro, falando das câmeras corporais. No ano passado, trabalhamos arduamente nisso. Neste ano, há várias novidades. Vou comentar, compartilhar, um pouquinho aqui com vocês.
Mais do que isso, no Ministério, esse é um tema relevante, não só na Secretaria Nacional de Segurança Pública, mas também na Secretaria Nacional de Assuntos Legislativos, com o Marivaldo, e na Secretaria de Acesso à Justiça, com a Sheila, secretarias que estão junto conosco tentando articular diversas frentes de atuação nessa temática.
Eu vou falar particularmente do meu ponto de vista, do meu lugarzinho, que trabalha com investimento, treinamento, desenho de padrões de procedimento para as forças de segurança pública.
Nesse sentido, Deputado Glauber e demais convidados, é importante compartilhar com vocês dois projetos. Eu poderia falar de várias coisas. Há um terceiro de que eu vou tentar falar também, se der, mas acho que dois são mais fundamentais: o projeto de uso de câmeras corporais e o nosso projeto de uso da força, que hoje teve esse andamento, com o encaminhamento da minuta de decreto para a Casa Civil.
Estamos, desde o ano passado, trabalhando muito com o tema das câmeras corporais. Trabalhamos de um jeito que dá um pouco de agonia, porque, no Governo, as coisas são lentas. Queríamos que, em 1 mês, houvesse uma entrega, um resultado, que o índice tivesse abaixado. No entanto, não é assim. Há processos, grupos de trabalho de que as polícias participam, elas têm que ser ouvidas, a sociedade participa. Todo mundo tem que ser ouvido para chegarmos a resultados sustentáveis, do ponto de vista democrático, propriamente dito.
Umas das primeiras coisas que ouvimos das forças de segurança no ano passado — ouvimos várias coisas —, foi que, antes de começarem o uso das câmeras, seria bom também terem a regra do jogo. Em alguns Estados, houve determinação do MP ou do Judiciário para usar as câmeras. Os Estados começaram a comprar as câmeras sem nem saber direito como se fazia, como se guardava a imagem, quem teria acesso à imagem, o que se gravaria, o que não se gravaria, a cadeia de custódia dessas imagens, como fazer para que elas não fossem adulteradas.
Ao mesmo tempo que outras iniciativas estavam sendo desenhadas, começamos pela formatação da regra do jogo, a Portaria nº 648, de 2024, editada pelo Ministro Lewandowski, no fim de maio, que traz as orientações do Governo Federal sobre o uso de câmeras corporais.
Essa foi uma portaria polêmica, Deputado, quando foi editada. Foi polêmica porque houve uma discussão que eu não acho que não é relevante, mas que reduziu o tema em si do uso de câmeras a: grava ininterruptamente ou não. Então, gerou-se uma discussão sobre esse assunto: grava tudo ou não grava tudo, como se fosse esse o cerne da questão. E me parece que, talvez, não seja exatamente esse o cerne da questão.
19:00
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Há Estados hoje que gravam ininterruptamente. O Estado do senhor grava ininterruptamente, e isso não necessariamente está fazendo com que as câmeras elidam todas as situações em que há excesso de uso da força.
Então, tão relevante quanto o fato de a gravação ser ininterrupta — e isso a portaria traz; ela indica que sim, que a gravação seja ininterrupta; ela admite a hipótese de que não, de que seja acionada pelos profissionais de segurança pública por uma questão de custos, porque temos custos muito altos com esse sistema — é a lista de dezesseis situações que, obrigatoriamente, têm que ser gravadas pelos profissionais de segurança pública.
Essas situações — eu convido vocês depois a darem uma olhada nessa portaria — basicamente tratam de quase tudo que a Polícia Militar deste País faz na sua atuação cotidiana: qualquer relação de abordagem; revista de veículo; entrada em domicílio; relações com o público; perseguição; patrulhamento; todos os momentos de atuação da polícia, não só a militar, mas também as outras, como não poderia deixar de ser, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Penal Federal. Há, na portaria, a lista das situações concretas em que é necessária essa gravação.
A portaria traz também outras regras sobre cadeia de custódia, quem acessa, como acessa, como a vítima acessa, como o policial acessa, se o Judiciário tem acesso ou se não tem acesso. Tudo isso foi disciplinado ali.
Começamos, então, a incentivar os Estados a fazerem esses projetos. Alguns Estados, espontaneamente, na hora em que fizemos o repasse fundo a fundo do Fundo Nacional de Segurança Pública, pediram-nos recursos para isso.
Muitos Estados nos disseram: "Ah, Isabel, ou Secretário, ou Ministro, eu até colocaria, mas não consigo pegar o meu dinheiro do fundo para fazer isso, porque há outras coisas que eu preciso fazer".
Sensibilizado com isso, o Secretário Mario Sarrubo nos autorizou, ainda em setembro, a lançar um edital para que, com recursos do próprio Governo, não esse que vai obrigatoriamente para os Estados, financiássemos também projetos de câmeras corporais. Estamos finalizando agora. Já houve um edital de 102 milhões de reais. Sabemos que é pouco. Parece muito — para mim, Nossa Senhora, nem sei o que é isso em termos de dinheiro! —, mas para o Governo é um valor pequeno, principalmente pensando em todos os Estados. É uma iniciativa que temos que reforçar. Foi o maior edital que lançamos neste ano. Por ora, nove Estados foram contemplados por ele.
Então, agora nove Estados foram selecionados e vão implementar ou ampliar programas de câmeras corporais com esses recursos do Governo Federal.
Paralelo a isso, há esse programa que me parece bastante importante sobre uso da força. Temos o marco normativo do segundo Governo do Presidente Lula, a Portaria Interministerial nº 4.226, de 2010 — ela tem 14 anos. De lá para cá, a lei mudou, a ONU mudou, o equipamento mudou, a técnica mudou, um monte de coisa mudou.
Atualizamos essa norma, e essa é a minuta de decreto que o Ministro Lewandowski mandou hoje para a Casa Civil.
Mais do que isso, também temos a clareza de que precisamos de um conjunto de coisas: regra do jogo, treinamento, controle, supervisão e um profissional bem equipado lá na frente.
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Quando o profissional só tem na mão uma arma de fogo, essa é a alternativa que ele tem para resolver todo e qualquer conflito com o qual ele se depara. E é por isso que, desde 2010, na primeira portaria, o Governo defendia que não, que o policial tem que ter não só arma de fogo, mas também alternativas de uso da força.
Estamos agora finalizando um processo grande de aquisição de equipamentos, que é exatamente para possibilitar que esse policial na rua, para além da arma de fogo, tenha o espargidor de gás, a pistola de condutividade elétrica. Vimos, inclusive, um episódio importante que aconteceu em São Paulo, essa semana, de uma tomada de refém na Avenida Paulista. De alguma forma, só foi resolvido sem maiores perdas, exatamente porque tínhamos um profissional bem treinado, com o equipamento adequado e que não foi necessário o uso da arma de fogo.
Agora, isso tudo parece que eu estou falando de um mundo de brigadeiro. Há regra. “Vamos comprar equipamento e tudo vai ficar bem”. Sabemos que a coisa não é assim. Sabemos que temos ainda uma questão, inclusive, de cultura institucional. Alguém disse aqui, acho que foi o nosso colega do Pará — não vou repetir sua frase, porque eu não vou lembrar — que a questão não é punição, a questão é de uma revolução — não foi essa a palavra exata — na forma dessa instituição.
Talvez tenhamos que falar das duas coisas. Eu acho que, sim, temos que, de fato, mudar a cultura. O Governo vem investindo fortemente nisso. Vamos rever agora a matriz curricular de formação dos profissionais de segurança pública. Estamos investindo em tudo o que é possível, não só pagando a bolsa para os profissionais de segurança, mas também disponibilizando diversos cursos, muitos deles sobre o uso da força.
Mas acho que não dá para não pensarmos na questão da punição e do controle. Ela é tão importante quanto o treinamento, ela é tão importante quanto ter a técnica, quanto ter o equipamento, quanto ter a supervisão. Temos que ter também controle. É preciso reforçar os mecanismos de controle, sejam os institucionais de controle interno, como a Corregedoria e cobrar do Ministério Público. Eu ouvi aqui várias falas que eram: “Puxa vida, no fim, o inquérito do meu filho foi arquivado, não houve denúncia, não aconteceu nada.” Acho que esse diálogo com o Ministério Público é fundamental. Gosto muito da sugestão do César e das falas que foram ditas aqui, em relação a mecanismos de fortalecimento do controle social. Talvez seja um caminho muito importante.
Como eu disse aqui, eu começo a minha carreira basicamente na Ouvidoria de Polícia do Estado de São Paulo, quando ela estava surgindo, com um forte lastro social. A ouvidoria era, ainda é hoje, muito diferente das demais ouvidorias de polícia do País, exatamente porque ela sempre teve um lastro na sociedade civil muito forte.
O ouvidor de polícia de São Paulo nunca esteve sozinho, ele sempre teve os movimentos sociais atrás dele, sempre teve mandato, sempre conseguiu ser, independentemente de qual era o ouvidor. Hoje está lá em uma situação muito delicada o nosso Ouvidor Claudinho. Acho que sempre tivemos ali uma ouvidoria que conseguia ser forte, exatamente porque tinha esse lastro de sociedade civil.
Acho que podemos imaginar esses processos de articulação da sociedade civil, para além das instâncias formais de controle, das instâncias burocráticas ou jurídicas, stricto sensu de controle. Ter, de fato, controle social da atividade policial, talvez seja algo que tenha que entrar na nossa lista de encaminhamentos, Deputado, como algo de fato prioritário.
O Governo segue lá. Na semana passada, tivemos o encontro do Fórum Nacional de Ouvidores de Polícia. Vieram os ouvidores de todos os Estados. Havia algumas ouvidorias mais fortes, muitas muito fracas, que não conseguem atuar. Pensar estratégias para reforço desses espaços de controle social, talvez seja também bastante fundamental para que avancemos.
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Eu poderia falar horas sobre isso. Vou poupá-los e parar de falar sobre esse assunto.
Acho que esses projetos que eu compartilhei são importantes e estão disponíveis. A equipe está lá, eu estou lá, muito disponível para prestar esclarecimento, compartilhar documento, trocar ideia.
Queria pegar esse último segundo para dizer — foi dito aqui, acho que pela nossa colega dos policiais antifascistas, mas não só ela — que há um lado importante também: toda moeda tem dois lados. Esse lado da moeda que nos dói muito dessa polícia que mata, dói-nos também muito na polícia que morre. Temos, sim, no País hoje, a polícia que mais mata e a polícia que mais morre. Essa polícia morre muitas vezes em confronto, muitas vezes no bico, mas morre assustadoramente também em suicídio, Deputado.
Conseguimos esse ano, finalmente, é uma iniciativa pioneira do Governo Lula, isso nunca tinha sido feito pelo Governo Federal, um programa novo de assistência psicológica para os profissionais de segurança pública, que podem entrar em uma plataforma on-line. O tratamento é remoto, exatamente para o policial que tem vergonha pelo estigma, não quer ser visto procurando esse tipo de auxílio. Hoje ele pode, pela Internet, ter acesso a esse tipo de tratamento para, de alguma forma, também cuidar da sua saúde mental. Entendemos que isso é fundamental para ele, para a saúde dele, mas mais do que isso, para o serviço que ele presta para a população lá na frente, para que não tenhamos que ouvir frases como ouvimos às vezes: "O policial perdeu a cabeça, mas não podia perdê-la". Temos que tê-lo bem tratado, bem seguro, bem saudável, para que não tenhamos também esse tipo de abuso acontecendo.
Vou finalizar dizendo que a equipe está toda à disposição, o Ministério, a Secretaria de Assuntos da Justiça. A Sheila não pôde estar aqui. Há projetos, inclusive que são focados nos familiares de vítimas de violência policial. Trata-se de projetos importantes também de serem reforçados. O Ministério está, como sempre, aberto, irmanado, ombreado com essa dor de vocês e disponível para o que vocês acharem que podemos avançar.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, Isabel, também pela sua presença, pela contribuição, pela abertura à discussão.
Não vamos reabrir a discussão, mas a Haydee pediu para fazer uma intervenção rápida, e aí partimos para os encaminhamentos.
A SRA. HAYDEE MELO DA SILVA BORGES - Vou falar bem rapidinho. Vou pegar um gancho na fala da Maria Helena. Não adianta tirar a laranja podre, se o cesto está estragado.
Eu peço perdão aos familiares do Justiça por Almas, porque eu não tenho condições de citar nome por nome, mas eu estou aqui representando cada um de vocês, juntamente com a Rede Nenhuma Vida a Menos, de Curitiba e de todo o Estado do Paraná.
Em Londrina, em 16 de novembro de 2020, um policial militar executou o Gabriel Arantes. O mesmo policial militar executou, em 10 de dezembro de 2021, o Danilo Araújo. O mesmo policial, com outra equipe, executou o William Júnior e Anderbal Campos. Outro policial, que também estava na execução do William Júnior, executou Davi Gregório. Esses são só alguns nomes dos quais me recordei agora de momento.
Esse mesmo policial executou o Gabriel e muitos outros antes dele. Então, se ele tivesse sido punido corretamente, sido retirado da rua, passado por um julgamento e pagado pelos seus erros, ele não teria executado tantos jovens lá em Londrina, porque esse mesmo policial tem mais de vinte processos em Londrina por execuções. (Palmas.) Então, é bem o que a Maria falou.
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Eu também quero frisar que foi enviado um e-mail a você, Glauber, do www.mais.respeito.menos.violência, com algumas sugestões, também reivindicamos a desmilitarização da polícia, porque é algo que vai fortalecer muito o programa.
Em Curitiba, temos o caso do Juan, que foi executado em 2018. Ele era apenas um jovem de 19 anos que tinha acabado de passar no vestibular para Direito, era trabalhador e foi executado praticamente na porta de casa. Temos o caso também do Mike Stewart, em 2017, um menino adolescente, que, além de ter sido privado do seu direito à vida, após morto, teve seu colar, pulseira e celular roubados pelo policial militar que o executou. Temos o caso do Willian Lucas, em 2021, de Ponta Grossa: os policiais saíram da cidade de Curitiba e foram matar o rapaz que havia saído do trabalho e estava a apenas uma esquina da sua casa. Temos ainda o Ismael Flores, que estava voltando para casa e que, em uma perseguição policial, foi executado de joelho, pedindo pelo amor de Deus para só chegar à sua casa. E o jovem Caio José, que também foi executado em Curitiba por um guarda municipal que deu um tiro na cabeça do menino rendido, simplesmente implantou uma faca de 25 centímetros e falou que ele estava carregando a faca dentro do boné. Foi o guarda municipal que estava com ele que contou o fato, quando a família descobriu toda a verdade.
Eu gostaria de lhe dizer, Isabel, que, para que os projetos sejam criados, existe, sim, um estudo muito grande. E gostaria que eles levassem os nomes dos nossos vários movimentos, como o Justiça por Almas, o Justiça por David, o Justiça por Allison, o Memorial do Caio José, o Rede Nenhuma Vida Menos, o Mães de Manguinho, dentre outros, que talvez tentassem o contato com esses organizadores e ouvissem também o nosso lado, para que fossem criadas essas leis.
Também entendo que o policial militar passa por muita pressão e gostei muito de saber que existe agora esse canal de acompanhamento psicológico, porque ele vive, sim, uma represália dentro da polícia. Nós sabemos de casos, lá em Londrina, em que policiais indicaram familiares para chegarem até nós, e o discurso do policial era: "Procurem as mulheres loucas do Justiça por Almas, porque o que elas falam é mais louco ainda, mas a loucura delas tem verdade". Um policial de dentro do batalhão disse isso a um pai que acompanha o nosso movimento. Então, dentro do sistema, os policiais bons querem simplesmente trabalhar e cumprir o dever. E a população precisa, sim, da polícia, mas não precisa do abuso da polícia. Eles precisam realmente ter esse acompanhamento, porque eles são pressionados tanto por colegas corruptos, quanto pelo sistema. Então, esse acompanhamento é primordial para que eles saiam às ruas e exerçam o seu trabalho com dignidade, corretamente, conforme manda a lei. Agradeço a cada um de vocês que nos deram a oportunidade e, aproveitando a deixa, quero agradecer também a todos os familiares e colegas, amigos que estão acompanhando pelo YouTube. Vi vários comentários, alguns foram falados ali. Esse caso do Marcelo, que a Sueidy comentou, é um caso que acompanhamos com os familiares em Londrina. Eu já estava sabendo hoje pela manhã que a juíza mandou soltar os policiais que estavam presos, e a família está em desespero, porque já é um processo que corre sob investigação para um possível júri. O policial vai sair para a rua, vai passar o Natal com a sua família, vai abraçar a sua mãe, sua esposa, o seu filho. E a família do Marcelo, os filhos do Marcelo não têm mais o Marcelo para abraçar. Dentre outros, temos também crianças.
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Eu sempre friso que, antigamente, você via muitas crianças que falavam que queriam ser bombeiras, que queriam ser policiais militares. Hoje, as crianças da nossa cidade têm pavor da Polícia, não podem ver um policial. Tivemos casos de familiares que tiveram que largar o trabalho e ir à escola, com urgência. A Polícia Militar foi fazer a semana do trânsito em uma escola pública da cidade, e as crianças ficaram tão apavoradas quando a viram, que entraram em choque e gritaram dentro da sala, porque sabiam que a Polícia Militar tinha matado o pai delas. Esse trauma eles vão carregar para o resto da vida. E não são todos, mas a criança não consegue ter a percepção de que aquele policial estava ali, tratando sobre acidente e conscientização no trânsito, não tinha nada a ver com aquilo. Então, é muito difícil seguir.
Agradeço a oportunidade novamente. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, Haydee, pela sua contribuição e por elementos tão importantes para a nossa discussão.
Gente, vamos lá. Como desdobramento desta audiência, preciso do auxílio de vocês, porque muitas ideias foram trazidas, além, evidentemente, dos relatos duríssimos. O tempo foi muito pequeno para tudo aquilo que vocês vivenciam, a dor.
Bom, José Maria, acho que podemos tratar do que foi colocado aqui de duas formas diferentes: primeiro, entender de que jeito a Comissão de Legislação Participativa pode auxiliar, como articuladora também do que foi apresentado. Podemos fazer uma lista de sugestões, já que houve uma gravação e tudo vai estar registrado em ata, ou ter um encontro para um diálogo entre as mães, o pai, as organizações que foram aqui representadas e combinar quais são as prioridades que podem ser por nós trabalhadas. Se não estabelecer algumas prioridades, podemos estabelecer um calendário das ideias que foram apresentadas, para que o que foi trazido de importante não se perca, ao longo do tempo. O que fizemos no mês de dezembro? O que fizemos no mês de janeiro e no mês de fevereiro? Qual interlocução foi feita? Qual cobrança publicamente foi realizada?
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Aí eu pergunto a vocês: qual é o melhor encaminhamento?Se a gente formata essa lista depois de uma discussão entre vocês ou pega o conjunto das contribuições que foram feitas aqui e, como Comissão de Legislação Participativa, tenta sistematizar? Eu queria ouvi-los, rapidamente, sobre qual é o melhor encaminhamento, porque acho que, no meu caso, como Parlamentar e como membro da Comissão, e também no caso da Isabel, a gente tem que ser cobrado em relação àquilo que vai ser proposto por vocês e colocado como prioridade.
A gente pode contribuir como Comissão de Legislação Participativa no sentido de ajudar a sistematizar, mas não pode ter a definição final daquilo que são as prioridades que vão ser trabalhadas. O que eu posso é dialogar com a prioridade traçada por vocês. Posso falar: "Não acho que seja por aí, acho que deve ser por ali", mas acho que a gente auxiliaria melhor se pudesse ter essa organização.
Minha pergunta objetiva é: vamos trabalhar a partir do conjunto das demandas e das ideias que foram apresentadas ou vamos pegar esse conjunto e priorizar algumas delas, para que a Comissão de Legislação Participativa possa trabalhar com mais precisão? O que vocês acham que é o melhor?
O SR. CEZAR BRITTO - Deputado...
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Tem a palavra o Cezar.
O SR. CEZAR BRITTO - Para mim, a solução principal é que o Deputado Glauber fique à nossa disposição, como sempre ficou. E aí, depois, nós poderíamos sistematizar, organizadamente, e encaminhar, para que V.Exa. pudesse, uma vez sistematizado, fazer os encaminhamentos.
Eu sei que V.Exa. fica, sempre ficou e sempre ficará à nossa disposição.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Gente, vou só contextualizar, porque talvez quem não esteja acompanhando esse processo não esteja entendendo bem. Vou tentar ser o mais objetivo possível em relação a isso.
Eu estou sofrendo um processo de cassação na Câmara. E esse processo de cassação vai ter a apresentação do relatório até o dia 20 de dezembro agora. Então, nesse contexto, muito provavelmente, o julgamento final só vai acontecer em fevereiro do ano que vem, porque vai haver um pedido de vista, mas, em dezembro agora, já vai haver uma votação.
E, para quem não sabe, vou fazer o resumo do resumo, mas procurem, em suas próprias fontes, o que aconteceu. Eu reagi a um provocador no MBL. Por sete vezes, ele "me abordou", entre aspas. Em uma delas, aqui no espaço da Câmara, ele fez agressões à minha mãe, e eu o botei para fora da Câmara. Esse foi o argumento utilizado para o processo de cassação, mas, na verdade, não é isso. Na verdade, é o enfrentamento que o mandato faz ao Deputado Lira. E se indispor ou denunciar o Presidente Arthur Lira dentro da Câmara dos Deputados tem consequências. Esse processo está rolando, e o resultado vai sair, pelo menos do que vai acontecer, em pouco tempo.
(Manifestação na plateia: Glauber fica! Glauber fica!)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, meu camarada, obrigado.
Independentemente do que acontecer, se eu continuar Parlamentar, vamos continuar trabalhando em conjunto; se não, vou continuar sendo um militante e vou me articular junto com vocês em relação a essas lutas que foram aqui discutidas. E não entendam isso como pessimismo ou "jogar a toalha", nada parecido com isso. É só para dizer que o mandato é transitório, independentemente de qualquer coisa. A militância é para a vida toda.
19:24
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Mestre Cezar, como faremos?
Todo mundo que está aqui, de alguma forma, já se conhece e tem uma relação. Vocês discutem, com exceção da representação do Governo e da minha, traçam as prioridades e conversam comigo e com o Governo? É o melhor encaminhamento? Pode ser?
O SR. CEZAR BRITTO - Pode ser.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Então, ficamos aguardando essa priorização para, a partir daí, traçarmos um calendário de ação.
Ficamos na espera de vocês.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Vamos fazer uma coisa?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - Na verdade, Deputado Glauber, eu estava conversando aqui que, independentemente da sistematização das propostas, especialmente de como encaminhar cada uma delas, tivéssemos uma notícia daqui, ou seja, a audiência, reunida na sala da Comissão, ouvindo as famílias, chegou a algumas conclusões e sistematizou, fundamentalmente, o que seria.
Posso ler?
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Pode. É claro.
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - É um rascunho, gente, de uma nota à imprensa.
Reunida, na sala da CLP, a audiência, com famílias atingidas pela violência policial, constata que, além de exigir a punição de policiais que cometem crimes contra a população, é preciso atacar o problema pela raiz, um sistema de segurança pública militarizado, que, em vez de garantir a segurança do cidadão, agride-o e, muitas vezes, assassina-o.
É preciso constituir...
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Desculpe-me, José Maria. Pode repetir? Estou olhando também o celular, porque está acontecendo votação em plenário.
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - Ah, é claro, repito.
Reunida, na sala da CLP, a audiência, com famílias atingidas pela violência policial, constata que, além de exigir a punição de policiais que cometem crimes contra a população, é preciso atacar o problema pela raiz, um sistema de segurança pública militarizado, que, em vez de garantir a segurança do cidadão, agride-o e, muitas vezes, assassina-o.
É preciso constituir mecanismos de controle social das polícias. É preciso exigir do Supremo Tribunal Federal que faça cumprir a Constituição, coibindo esses crimes cometidos por agentes do Estado que deveriam proteger a população, assim como responsabilizar os governantes que são responsáveis pelas ações desses agentes.
É preciso desmilitarizar a segurança pública. A lógica militar dessas instituições se baseia na doutrina de que há um inimigo interno a ser combatido, e esse inimigo interno acaba sendo o povo pobre e negro que vive nas periferias dos grandes centros urbanos.
Foi também indicado na audiência — é preciso ver se nós todos temos acordo com relação a isso — a necessidade de imediata demissão do Secretário de Segurança Pública de São Paulo Capitão Derrite por sua responsabilidade direta no recrudescimento da violência policial daquele Estado nesse último período.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - De pleno acordo. Da minha parte, eu só faria a modificação de uma palavra: no lugar de "punição", eu colocaria "responsabilização". Só isso. Essa seria a solicitação de modificação de uma palavra.
Não sei se temos acordo das demais pessoas que estão presentes. Se tivermos, já vamos para...
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - Em vez de "punição"...
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Substituir por "responsabilização".
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Neste caso em específico, estou entendendo que, se abrirmos uma discussão... Aqui ele tem uma proposta bastante objetiva, que é a demissão de um secretário, e isso sai como posição política também da reunião.
19:28
RF
Estou entendendo isso, por conta do símbolo que, evidentemente, tem uma relação com o conjunto dos outros Estados, mas, se abrirmos para discussão sobre cada um dos Estados, não vamos ter acordo para o fechamento de uma nota que seja comum, pelo menos aqui no dia de hoje, não quer dizer que isso não possa ser desdobramento de outros encontros.
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - Devemos aproveitar uma repercussão imediata que está havendo para dar o exemplo. Evidentemente, não é só ele o problema, mas é isso.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - Ah, isso sim. Isso é possível.
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Ótimo.
Fazendo essa adição, colocando a representação das mães que estão aqui conosco hoje, temos acordo em relação a essa nota?
Essa nota não vai poder sair como uma nota da Comissão de Legislação Participativa, mas ela pode sair como uma nota da reunião realizada hoje pela Comissão de Legislação Participativa, e pode me colocar como quem presidiu a reunião, sem nenhum tipo de problema.
É isso, gente, por hoje? Estou no aguardo de vocês, então, em relação aos desdobramentos também, para que possamos montar um calendário comum.
(Intervenção fora do microfone.)
É isso, minha amiga.
Eu queria, novamente, agradecer a participação de todos e todas que contribuíram para os debates.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente reunião.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Pois não, à vontade.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Glauber Braga. Bloco/PSOL - RJ) - Perfeito. De acordo.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente reunião. Antes, porém, convoco todos e todas membros do colegiado para debater o tema O Novo Arcabouço Fiscal e o Pacote de Cortes de Gastos: impactos na saúde, educação, seguridade social e direitos trabalhistas, seminário a ser realizado amanhã, dia 12 de dezembro, quinta-feira, às 10 horas, neste mesmo plenário.
Está encerrada a presente reunião.
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