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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Bom dia a todos e a todas.
Eu peço que tomem seus assentos, para darmos início a esta importante audiência pública da Comissão de Legislação Participativa.
Declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Legislação Participativa destinada ao debate do tema Programa de Proteção e Promoção dos Mestres e Mestras dos Saberes e Fazeres das Culturas Populares, bem como do Projeto de Lei nº 1.176, de 2011.
Ressalto que a presente audiência decorre da aprovação do Requerimento nº 121, de 2024, de minha autoria, aprovado nesta Comissão.
Gostaria de agradecer a presença dos membros deste colegiado, dos convidados e de todos os que nos acompanham neste momento.
Informo que esta audiência está sendo transmitida ao vivo e pode ser acessada pela página da CLP na página da Câmara dos Deputados na Internet e pelo canal da Câmara no Youtube.
É muito importante ressaltar que, a partir da página da Comissão, todos os cidadãos podem participar de debates interativos on-line em todos os eventos da CLP, enviando perguntas que inclusive, ao final da audiência, serão submetidas à Mesa, para sua manifestação.
Antes de passarmos a palavra aos debatedores, peço a atenção dos senhores e das senhoras para as regras desta reunião.
Quero agradecer a presença dos mestres e das mestras, dos nossos convidados, e dizer que estou muito feliz com a realização desta audiência pública.
O Projeto de Lei nº 1.176, de 2011, de autoria do Deputado Edson Santos, do PT do Rio de Janeiro, foi apresentado 13 anos atrás, distribuído para a Comissão de Educação e Cultura, para a Comissão de Finanças e Tributação e para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Trata-se de um projeto muito importante para o reconhecimento e a valorização dos nossos saberes populares, bem como para a nossa salvaguarda, para a proteção dos saberes da oralidade e para fortalecer de fato os saberes que estamos perpetuando ao longo de muitos anos, que fazem parte da constituição, da identidade nacional do povo brasileiro.
Quero chamar para compor a Mesa Sebastião José Soares, Diretor de Promoção das Culturas Populares do Ministério da Cultura (palmas); Marcelo Simon Manzatti, antropólogo, que participa por videoconferência — muito obrigada pela presença (palmas); a querida amiga Iara Aparecida Ferreira, a Mestra Iara, Mestra do Congado de Moçambique Estrela-Guia e também minha assessora — sente-se conosco (palmas); Gilberto Augusto da Silva, mestre jongueiro, Presidente do Fórum para as Culturas Populares e Tradicionais — FCTP e diretor de escola pública — seja bem-vindo e venha para cá, Mestre Gil (palmas);
Claudete Freire Barroso, mestra de carimbó e pedagoga, que participa de forma on-line — obrigada pela presença (palmas); Manoel Salustiano Soares Filho, Mestre Manoelzinho, artesão e carnavalesco, que participa de forma on-line — muito obrigada (palmas); Fernanda Lopes Machado, mestra de samba de roda e baiana de acarajé — assim que chegar, ela virá para cá. (Palmas.)
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Para as pessoas que nos acompanham de forma remota é importante destacar que teremos momentos de perguntas e, para as pessoas que estão conosco presencialmente, que logo mais abriremos as inscrições para o debate.
Quero registrar a presença aqui da Deputada Estadual Dani Monteiro, do Rio de Janeiro. Muito obrigada pela presença. Logo mais também lhe passarei a palavra.
Quero, em primeiro lugar, cumprimentar a Mesa na pessoa da Deputada Dandara e, por extensão, a todas as Deputadas e Deputados presentes, a todas as mestras e aos mestres das culturas tradicionais populares, a todos os representantes das culturas tradicionais populares do Brasil que vieram representar todas as regiões.
Quero cumprimentar o nosso assessor parlamentar Amauri, um grande lutador do Ministério da Cultura, pelo encaminhamento dessas proposituras ao Congresso Nacional.
Sem delongas, quero dizer que estou aqui na representação da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura, trazendo, notadamente, um abraço da nossa Secretária, a Márcia Rollemberg, e, por extensão, da nossa Ministra Margareth Menezes, ambas também convidadas para participar desta audiência. Estou aqui com a incumbência de representá-las, estou aqui na condição de Diretor de Promoção das Culturas Tradicionais Populares do Ministério da Cultura.
Trouxe, como entusiasta, mas também como ativista e participante do movimento por esta Lei de Mestres e Mestras desde 2010, desde 2011, quando se protocolou este projeto de lei, referendado nesta Casa por muitas Deputadas e por muito Deputados, em especial pela Deputada Jandira Feghali.
Naquela ocasião, fizemos um debate bastante salutar e interessante sobre a Lei Griô, apensada a esta Lei dos Mestres. Portanto, ela está tramitando desde aquela ocasião até os dias atuais.
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Eu acho que essa luta é bastante importante e imprescindível, para que possamos sair desta Casa com um encaminhamento que inclusive garanta a valorização da cultura tradicional e popular.
A Lei dos Mestres, na nossa opinião, é fundamental para reconhecer e valorizar os conhecimentos tradicionais dessas culturas. Essa valorização também preserva nossas tradições e enriquece a diversidade cultural do Brasil. Ela pode garantir a nossa ancestralidade, os nossos conhecimentos ancestrais, para que sejam transmitidos e respeitados de geração em geração.
Outro ponto importante que diz respeito à propositura desta lei é o fomento à economia da cultura ou, como querem alguns, da economia criativa. A aprovação desta lei é um passo decisivo para impulsionar a economia da cultura. Ao garantir apoio e recursos para mestres e mestras, estaremos estimulando a geração de novas oportunidades e promovendo o desenvolvimento sustentável nas comunidades, sobretudo nos territórios e comunidades tradicionais onde esses mestres estão inseridos. Na verdade, o desenvolvimento sustentável só poderá ser garantido a partir do respeito a essas tradições, às águas, às florestas e aos povos originários. Nós queremos o desenvolvimento, a partir dessa lei, dessa propositura, e o envolvimento das comunidades e dos povos tradicionais.
Promoção da inclusão e do reconhecimento social. Esta lei proporciona um mecanismo de inclusão social, sobretudo de reparação social e histórica aos mestres e às mestras, que vêm ao longo dos anos, ao longo do social e histórico, trabalhando e transmitindo esses conhecimentos de geração em geração, garantindo a nossa diversidade cultural, sobretudo afirmando o nosso DNA principal, o DNA das culturas tradicionais e populares. Acho que ela promove essa justiça social e também institui um senso de pertencimento e orgulho destas comunidades, o que fortalece o nosso tecido social.
Temos feito esse debate nacionalmente, em muitos lugares do Brasil, especialmente criando redes institucionais sobre outras leis municipais e outras leis estaduais, para que possam, com esse tecido social, garantir uma interlocução maior nesse atendimento e nessa reparação social e histórica aos mestres e às mestras das culturas tradicionais e populares. Portanto, acreditamos nisso. O Ministério da Cultura está empenhado, junto com os mestres e as mestras, com os movimentos socioculturais, especialmente com os movimentos das culturas tradicionais e populares, em alargar esse debate e também em adentrar numa proposição maior, a de convencimento dos Parlamentares, para que sensibilizem a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania no sentido de aprovar este passo importante de reparação social e histórica para mestres das culturas tradicionais e populares.
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Acho que é importante que todas as mestras e os mestres das culturas tradicionais populares, que os movimentos sociais e artísticos sensibilizem, em rede nacional, todas as Deputadas e todos os Deputados, especialmente os pertencentes à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados.
Cremos que essas lutas são importantes e que é imprescindível que se imbriquem, notadamente num passo importante que o Ministério da Cultura está dando agora, Deputada Dandara, que é o da institucionalização de uma política nacional para as culturas tradicionais populares. A Ministra Margareth Menezes acabou de instalar um grupo de trabalho bastante alargado, com participação social muito importante, com 54 mestres, representantes de todas as regiões, de todos os Estados brasileiros, um grupo de pesquisadoras e pesquisadoras de várias universidades brasileiras, sobretudo com a interseção de 15 Ministérios, para a construção, a elaboração dessa política nacional para as culturas tradicionais populares, o que requer, notadamente, Deputada Jandira, a proposta de criação de um fundo setorial também, nos moldes do Fundo Setorial do Audiovisual, para as culturas tradicionais populares.
A SRA. JANDIRA FEGHALI (Bloco/PCdoB - RJ) - Da PNAB também.
O SR. SEBASTIÃO JOSÉ SOARES - E também da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura — PNAB.
Então, é para essas leis que estão imbricadas que se propõem repasses de fundo a fundo, que haja um imbricamento participativo, a partir do Sistema Nacional de Cultura — SNC, composto pelos planos, pelo fundo e pelo Conselho Nacional de Política Cultural — CNPC.
Portanto, a aprovação da Lei de Mestras e Mestres, dos mestres dos saberes e dos fazeres das culturas tradicionais populares é condição sine qua non para a reparação social, para uma política voltada para as culturas tradicionais populares de maneira horizontal, com a participação dessas pessoas tão importantes, tão contributivas para a identidade nacional.
Cremos que a partir da aprovação desta lei — e já está no seu próprio texto que haverá o reconhecimento de notório saber — esses conhecimentos também poderão adentrar na escola pública, na escola fundamental, na escola básica e nas universidades, criando uma universidade mais horizontal, mais plural — podemos dizer "pluriversidade", pluriepistêmica —, a partir desses conhecimentos tradicionais, desse capital cultural que as mestras e os mestres detiveram no decorrer de todos os seus processos de aprendizagem, de geração em geração.
Portanto, eram essas as minhas palavras neste momento. Quero agradecer muitíssimo à Deputada Dandara, à Mestra Iara, ao Mestre Gil e aos demais mestres que aqui estão presentes, nesta audiência, e dizer que o Ministério da Cultura está totalmente envolvido nesta luta de convencimento e de sensibilização das Parlamentares e dos Parlamentares do Congresso Nacional, para que tenhamos sucesso na aprovação desta proposta de lei.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada pela contribuição, Tião.
Eu fico muito feliz de ver o compromisso do Ministério da Cultura com pautas tão importantes para nós. Este projeto tramita há 13 anos aqui na Câmara. Em 2012 foi objeto de reconstituição. Em 2013, ele foi aprovado na Comissão de Educação e Cultura e foi distribuído. Em 2014, ele foi aprovado de novo na Comissão de Cultura, já que foi desmembrado. Em 2015, ele foi recebido pela Comissão de Finanças e Tributação. Em 2016, ele foi distribuído para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, onde se encontra há 8 anos.
Na CCJ, a principal causa de atraso foi a ferrenha obstrução feita por Parlamentares conservadores de extrema direita que, no ano passado, inclusive rejeitaram o parecer favorável da Deputada Erika Kokay. Um novo Relator foi designado, o Deputado Patrus Ananias, que apresentou o seu parecer favorável, em maio deste ano. Desde o primeiro semestre está pronto para ser votado na CCJ. Fiz questão de fazer esse recorte do processo de tramitação para que possamos também entender o desafio de convencimento que temos aqui nesta Casa.
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A SRA. JANDIRA FEGHALI (Bloco/PCdoB - RJ) - Obrigada, Deputada Dandara. É um prazer enorme ver este tema retomando vida, retomando impulso na Câmara dos Deputados. Quero cumprimentar o nosso mestre jongueiro, o Gil; cumprimentar o Sebastião; a Iara, que é a mestra do congado, mais a capoeira, mais as mulheres do coco, ou seja, a galera que representa mesmo essa tradição.
E quero dizer o seguinte: 2011 foi quando eu e o Deputado Edson Santos apresentamos os projetos, apresentamos no mesmo ano. Eu apresentei mobilizada pelos mestres griôs e ele fez uma legislação um pouquinho mais ampla, e o meu projeto foi apensado ao dele. Acho que ele apresentou, sei lá, 1 mês antes, uma coisa muito próxima. E os dois projetos tramitaram juntos. Inclusive acho importante este registro porque o substitutivo que foi feito, a partir daí, foi considerando as duas proposições. Nem neste material que eu recebi aqui tem este registro. Até falei com a Tereza, não se registra o projeto apensado aqui, o que é ruim para o histórico da mobilização que se fez.
A mobilização aqui foi intensíssima: seminários, professores universitários, pessoal representativo dos mestres e mestras do País inteiro de tradição oral, dos saberes e fazeres de transmissão oral. E isso somos nós, isso é a ancestralidade de todos nós, isso é a nossa raiz, é a nossa originalidade, é de onde nós viemos.
E eu penso que o mais importante do projeto não é só reconhecer e fomentar essa cultura, mas é fazer com que o ensino regular a incorpore e não só a extensão. É a incorporação nas universidade, nas escolas de ensino fundamental e médio, para que esse saber possa ser transmitido a partir do ensino existente, não apenas nas comunidades, nos territórios e nas regiões. Que vocês sejam incorporados nesse ensino, que vocês deem aula, que vocês consigam passar o saber, que esse saber seja sistematizado para a vida, para todas as gerações que estão vindo aí e para que esse ensino seja reproduzido e novos mestres e mestras possam existir dentro da compreensão diversa e plural da cultura brasileira. A lei que institui a Política Nacional de Cultura Viva a reconhece como ponto de cultura, a Lei Aldir Blanc incorpora também isso no seu fomento.
Eu conversava agora com o Gil sobre a preocupação com a execução dessas leis na ponta, na PNAB, de que eu sou autora: coloquei lá 20%, pelo menos, de recursos para essa política afirmativa, para não se ter aquela sensação de que sempre são os mesmos que ganham os editais, para permitir que essas culturas também sejam representadas nos resultados e editais e que consigamos, de fato, fazer com que lá na ponta, de forma muito capilar, esse recurso chegue, sem burocracia, com muita descentralização para que as coisas aconteçam. Eu estou preocupada com a execução da Lei Aldir Blanc 23/24. Chegou agora uma medida
provisória alterando o aspecto do repasse de recursos e prazos, que nós vamos olhar com acuidade para ver qual o benefício que traz, de fato, para a lei, para a sociedade, para os gestores. Mas podem contar com este mandato, com a bancada do PCdoB, com muitos Parlamentares.
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Quero dizer o seguinte: como estratégia, agora, não precisamos levar essa lei para o Plenário. Ela é terminativa na Comissão. Então, o que nós temos que fazer é garantir que seja pautada e votada na CCJ.
Eu pedi ao Deputado Patrus Ananias que ele fosse o Relator, porque eu conheço a cabeça dele e sabia que ele faria isso com muito amor e solidariedade pela cultura. O substitutivo dele está pronto, ele já o apresentou. Agora temos que fazer pressão sobre a CCJ, porque, aprovado lá, vai para o Senado. Não precisamos ter o trabalho de levar isso para o Plenário, porque ele é terminativo na Comissão. Então, na minha opinião, a estratégia agora é concentrar os esforços na Comissão de Constituição e Justiça e pressionar a Presidenta da Comissão, que precisa pautar o projeto, porque ela quer pautar aborto, ela quer pautar anistia para golpista, ela quer pautar essas coisas, mas não quer pautar o que importa e o que é dívida com a sociedade. Então, a minha sugestão é que a estratégia agora seja concentrada na CCJ, porque de lá vai para o Senado. A não ser que haja recurso ao Plenário, ela vai direto ao Senado.
Nós temos trabalhado por isso na Comissão e pensamos que a Deputada Dandara pode liderar esse esforço junto com vocês.
Eu acompanho, eu reforço, mas acho que é muito importante agora, Deputada Dandara, a pressão sobre a Presidenta da CCJ para pautar. Não há contradição que a impeça de pautar. O relatório da Deputada Erika foi derrotado por um ou dois votos, por poucos votos, e o Relator que assumiu à época disse que iria votar favoravelmente, talvez com pequenas modificações. O Deputado Patrus faz um relatório que nos importa. Então, é botar o relatório dele em votação, que eu tenho certeza de que conseguiremos. Aí nós vamos ter uma lei para o Senado. Daqui a pouco vai à sanção e vira lei de fato, como disse V.Exa., Deputada Dandara, que toma essa iniciativa e que eu parabenizo. Foram 13 anos de tramitação. Aqui, algumas vezes, é assim. A minha lei da regionalização também levou 13 anos. Então, precisamos de fato avançar.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Deputada Jandira. A sua dedicação à cultura neste Parlamento é reconhecidamente muito importante. Obrigada pela presença.
Gostaria de cumprimentar o Mestre Gil do Jongo, Presidente do Fórum para as Culturas Populares e Tradicionais, entidade à qual eu estou vinculado.
Em sua pessoa, cumprimento os mestres aí presentes e os de todo o Brasil. Cumprimento também as Deputadas e os Deputados que participam desta sessão de trabalho, mais uma para tentar fazer avançar projetos superimportantes.
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Eu queria lembrar que a aprovação desses projetos vem atender a uma demanda presente na Constituição de 1988, que, no seu art. 215, faz uma referência às fontes da cultura nacional. É quase unânime, é quase um consenso que uma das fontes mais importantes da cultura nacional são as expressões das culturas populares e tradicionais. O repertório de manifestações, práticas, saberes e fazeres gigantesco que está contido nesse universo também gigantesco talvez seja a principal fonte da nossa identidade. É aí que buscamos as referências para a construção do que seriam as diferenças de ser brasileiro. Se a Constituição diz isso no caput do art. 215, em complemento, o § 1º diz que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares indígenas e afro-brasileiras.
Então, já está contida essa preocupação no texto constitucional, no § 1º do art. 215, que estende isso a outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. Só isso já bastaria para gerar a preocupação de detalhar essa obrigação que se atribui ao Estado de proteger as manifestações das culturas populares e tradicionais. Mas o art. 216 continua: fala do patrimônio cultural brasileiro, constituído dos bens materiais e imateriais, definidos como portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.
Esses mestres que estão à mesa e todos os envolvidos seriam o público beneficiário inicial do projeto, que, é claro, busca atender a população como um todo, mas, com a proteção e o fomento da atividade desses mestres, pretende realizar o que está contido conceitualmente nos arts. 215 e 216 da Constituição. Não há ainda uma legislação em nível nacional ou uma política de Estado que garanta as ideias contidas nesses artigos.
Ainda mais, o Brasil é signatário de várias convenções da UNESCO. Cito especialmente a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e a Convenção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, duas convenções que surgiram no começo dos anos 2000, esta em 2003, aquela em 2005. O Brasil tem outras leis que instauram no processo legislativo nacional as obrigações que essas convenções trazem, e nelas também estão contidos inúmeros mecanismos que fazem referência à proteção aos mestres dos saberes. Esse debate, então, não começa em 2011, com a apresentação dessas propostas aqui no Congresso Nacional, mas bem antes, nas décadas de 70 e 80, no âmbito da ONU, especialmente da UNESCO. O Brasil, infelizmente, passava, naquele momento, pelo processo da ditadura, e esse debate não se fazia aqui.
Então, vão demorar algumas décadas para que esse debate, que avançou muito na década de 1980, sobretudo na ONU e na UNESCO, passasse a ser contemplado aqui nos debates nacionais das políticas públicas de cultura.
Eu cito, inicialmente, a recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, que foi um documento debatido e assinado na UNESCO no ano de 1989. Esse é o primeiro grande documento que faz referência à necessidade de proteção específica dentro das políticas públicas de cultura às culturas tradicionais e populares, esse universo do qual estamos falando aqui.
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Outros documentos seguiram. Em 2003, como anexo da Convenção do Patrimônio Material, é elaborado um documento chamado Diretrizes para a Criação de Sistemas Nacionais de Tesouros Humanos Vivos. Esse era o nome que se dava à época — tesouros humanos vivos — a essas pessoas que são guardiões desses saberes e fazeres nas diversas comunidades que os praticam.
Já havia, então, uma preocupação da ONU e da UNESCO, de sugerir aos diferentes países que são membros da ONU que criassem políticas, programas, projetos, ações e cuidassem desses saberes, em razão do avanço acelerado do processo de globalização e, consequentemente, da perda dessas referências culturais, em função da vulnerabilidade social que afeta a maioria dessas comunidades. Se, por um lado, essas comunidades têm uma grande riqueza cultural, um grande patrimônio cultural, de inestimável valor, por outro, são também comunidades que estão em situação de extrema vulnerabilidade: vítimas de violência, vítimas de pobreza material, vítimas de ausência do Estado no suprimento dos seus direitos básicos, como saúde, educação, moradia, trabalho.
Então, essa lei vem no sentido de complementar esses mecanismos e garantir aos mestres e às comunidades que eles lideram recursos e também reconhecimento oficial para que possam continuar fazendo o seu trabalho, reproduzindo essas culturas e transmitindo esses saberes para as novas gerações.
Essas políticas de patrimônio que foram criadas ao longo da segunda metade do século XX vão se mostrar um pouco insuficientes, porque acabaram privilegiando os patrimônios das culturas das elites, o patrimônio das culturas dominantes. E as culturas populares e tradicionais não foram bem atendidas, assim como outras formas de expressão. Vamos ter o surgimento dessa ideia de detentores dos saberes tradicionais a partir dos países do Oriente, sobretudo Japão, Coreia. Lá há um conceito, uma valorização muito grande dos mestres, que eles chamam de senseis, que são pessoas de grande referência para a cultura japonesa e oriental, de modo geral. Até o próprio imperador se curva aos mestres, quando eles estão presentes. Eles são os únicos que não precisam se curvar ao imperador, o que demonstra a importância dos saberes que essas pessoas detêm para a sociedade em que vivem. Então, esses países foram os primeiros a criar esses programas de apoio aos mestres dos saberes, aos senseis.
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A partir da adoção, em 1989 também, pela França, dessas filosofias de matriz oriental, a partir do programa que eles chamaram de mestres da arte, os maîtres d'art, os mestres do saber fazer, do savoir faire, em francês, é que os países do Ocidente se deram conta da importância de apoiar esses mestres que têm esses saberes tão especiais, tão específicos e tão delicados. Assim, acabaram incorporando a política francesa nos seus países. Tivemos uma série de países aqui do Ocidente que adotaram essas políticas, esses programas.
Então, basicamente, o que existe nessas diferentes manifestações dessas leis, desses programas? Primeiro, o reconhecimento oficial por parte do Estado da importância desses mestres, dessas pessoas especiais, o reconhecimento oficial do Estado da importância estratégica desses saberes para a cultura nacional como um todo. Há a importância de que os Estados realizem os registros desses saberes, em livros, em vídeos, que disponibilizem isso amplamente para a população e façam circular esses saberes pelo conjunto da população desses países.
Há o apoio financeiro que esses países oferecem a esses mestres para que possam continuar as suas práticas sem sofrerem nenhum tipo de abalo e que possam, finalmente, fortalecer o seu processo de transmissão para os novos aprendizes. Então, essa preocupação de que os saberes sejam transmitidos às novas gerações está na base dessas medidas tomadas por diversos países desde a década de 80, consolidadas nesses documentos que eu citei.
O Brasil, como membro ativo das discussões ocorridas na ONU, será um país que vai sair na frente. Através do Decreto n° 3.551, de 2000, vai instituir o registro dos bens culturais de natureza imaterial, criando os livros de registro do patrimônio imaterial. São quatro livros: o Livro dos Saberes, o Livro das Celebrações, o Livro das Formas de Expressão e o Livro dos Lugares.
Infelizmente — e é por isso que ainda estamos aqui hoje lutando — foi esquecido um quinto e fundamental livro que resolveria essa questão do reconhecimento oficial, que seria o Livro dos Mestres, o livro dos tesouros vivos, dos patrimônios vivos. Eu sei que o Tião Soares, que está nesta Mesa e me antecedeu nas falas, está trabalhando junto com a IPHAN para que seja criado esse quinto livro e que possamos fazer esse reconhecimento oficial através do registro desses mestres nesse livro.
Já há alguns bens de natureza imaterial registrados que fazem referência aos mestres, sobretudo o registro do ofício dos mestres de capoeira. Mas outros também contemplam essa preocupação. Então, este passo seria importante, junto com a aprovação da Lei de Mestres: a criação desse quinto livro junto às leis de patrimônio imaterial.
A partir de 2000, vários Estados do Brasil começaram a adotar nas suas políticas estaduais, nas suas legislações estaduais, leis de mestres. Eu cito, em 2002, o Estado de Minas Gerais, que foi o primeiro a criar um mecanismo de proteção dos mestres, mas que não foi adiante em termos práticos, em termos efetivos, e o Estado de Pernambuco, também em 2002. Esse, sim, é um Estado que, desde então, tem adotado ações de proteção dos mestres.
Em 2003, tivemos o Estado do Ceará, que também é outra referência para nós, e o Estado da Bahia. Em 2004, tivemos Alagoas e Paraíba. Em 2007, tivemos o Rio Grande do Norte, em 2008, o Piauí, e assim sucessivamente.
Vários Estados foram criando mecanismos de proteção dos mestres nas suas legislações estaduais.
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A partir de 2007 alguns Municípios também criaram, o primeiro foi a cidade de São Luís, no Maranhão, que também adotou a Lei de Mestres, e, em 2009, o Município de Laranjeiras, em Sergipe. Hoje já há dezenas de Municípios que adotaram também mecanismos parecidos.
A partir da realização dos Seminários Nacionais de Políticas Públicas para as Culturas Populares, em 2006 e em 2008, e das conferências de cultura, o Ministério da Cultura também, através dos seus editais de premiação e de bolsas, como foi citada a Ação Griô, fez o mapeamento desses mestres pelo Brasil todo. Já houve várias edições do Prêmio de Culturas Populares e outras edições de outros tipos de prêmio para culturas indígenas, culturas ciganas, hip-hop. Enfim, já há um grande levantamento desses mestres de saberes, que podem ser contemplados nesses projetos que estamos debatendo hoje.
Por meio do Encontro de Saberes, um programa que foi criado a partir de um projeto da UnB, do Prof. José Jorge de Carvalho, que já esteve conosco em outras audiências anteriores, essas leis trouxeram um grande avanço que considero conceitual, a necessidade de incorporação desses saberes no ensino formal, seja na universidade, seja no ensino regular da educação básica. Então, a partir daí, eu acho que, se conseguirmos a aprovação desses projetos, vamos ter esses avanços.
Se eu puder citar rapidamente sete ou oito benefícios, eu termino a minha fala dizendo que a aprovação desses PLs vai reconhecer oficialmente os mestres como pessoas detentoras de conhecimentos estratégicos para a proteção da diversidade cultural, equiparando esses saberes aos saberes acadêmicos.
Em segundo lugar, a aprovação desses PLs em nível federal pode induzir outros Estados e Municípios que ainda não adotaram políticas semelhantes, uma vez que temos agora o Sistema Nacional de Cultura regulamentado. Isso pode universalizar esses mecanismos em âmbito nacional.
Em terceiro lugar, os PLs preveem a integração desses saberes ancestrais dos mestres ao sistema oficial de ensino, potencializando a difusão desses saberes, fazendo com que esses saberes sejam conhecidos de todos.
Em quarto lugar, os PLs preveem apoio financeiro aos mestres e aprendizes para o fortalecimento dessas tradições. Isso pode resolver, em parte, as carências materiais vivenciadas pelos mestres nas comunidades tradicionais.
Em quinto lugar, esse PL complementa o que está previsto na Constituição e nas convenções da ONU que eu citei aqui. E o Brasil é oficialmente, formalmente, signatário. Portanto, o Brasil precisa cumprir essas leis, e não está cumprindo.
Em sexto lugar, o PL é fruto do trabalho de anos de vários movimentos que foram citados aqui, a Rede de Culturas Populares Tradicionais, a Ação Griô e outros. Esses movimentos merecem respeito, porque são movimentos consistentes, movimentos de base.
Em sétimo lugar, esses PLs combatem o racismo estrutural que marca a nossa sociedade e as desigualdades sociais e culturais que marcam a história do Brasil.
Por fim, em último lugar, esses PLs vêm atender um setor da economia da cultura que eu reputo como o maior setor, que dá a maior cobertura e gera os maiores resultados financeiros de trocas comerciais e materiais entre as comunidades, gerando riqueza, emprego, trabalho e renda. Isso seria um avanço de grande importância para nós.
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Marcelo.
A SRA. JANDIRA FEGHALI (Bloco/PCdoB - RJ) - Deputada Dandara, como eu tenho que ir lá para a premiação, quero só registrar uma homenagem aqui ao Márcio Caires, um mestre griô lá da Bahia que participou muito da mobilização, da construção dos textos e da construção desse processo.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Deputada Jandira.
Quero também dizer que a Iara está tendo um papel fundamental no projeto que institui o Dia Nacional do Congado e do Reinado, que também reconhece ser importante manifestação cultural do nosso País.
Nós conseguimos aprová-lo na Comissão de Cultura. Na semana passada, aprovamos também uma urgência de Plenário. Agora, ele não vai precisar mais tramitar nas Comissões e pode ser aprovado logo no Plenário. A nossa ideia é fazer isso o quanto antes, por mais um passo para a valorização do Congado e do Reinado.
Peço licença para estar neste lugar, neste lugar de fala, neste lugar de poder e neste lugar para que nós também tenhamos a caneta na mão e, juntos, decidirmos sobre os nossos mestres e mestras.
Quero aqui saudar o Tião Soares, nosso parceiro. Lembro também que o Tião é um dos nossos, é um brincante e também um mestre. Temos muito prazer de tê-lo no Ministério da Cultura.
Quero saudar aqui uma mulher negra que, antes de ser uma grande Deputada, é minha grande amiga, a Deputada Dandara. Ela mora em um bairro periférico, na rua atrás da minha casa. Ela nunca esquece as suas raízes, é congadeira. Por isso, desde quando começamos esse movimento, eu tinha muita vontade que V.Exa. participasse e complementasse conosco, Deputada Jandira. Essa é uma luta. E, mais uma vez, nós estamos aqui.
Neste momento, também quero agradecer a presença dos meus amigos, do Mestre Gil, que é o nosso Presidente, que está aqui na Mesa conosco; do Mestre Paulão; da Mestra Martinha; e de todos e todas que estão aí também on-line; dos mestres que estão também na plateia, meus amigos, em especial, os que estão aqui, o Walter Cedro, da Comissão Nacional de Pontos de Cultura, CNPdC, o Formiga e outros que estão presentes.
Também quero falar para vocês que eu, o Mestre Paulão e a Bell Galvão fazemos parte da Política Nacional para as Culturas Tradicionais e Populares do Ministério da Cultura.
Nós fomos eleitos, há pouco tempo, tanto pela CNPdC, como pelo fórum. Ficamos muito felizes dos companheiros nos elegerem, diante de tantos mestres ali dentro, e de o nosso nome ser lembrado. Honra-nos muito estar, aqui, neste momento, representando este movimento.
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Hoje, de manhã, eu fiquei pensando o que iria falar, porque nós estamos, mais uma vez, na luta, sem nos esquecermos dos muitos mestres que vieram antes de nós, e temos que honrá-los. Por isso, estamos aqui.
Meu nome é Iara, sou de Uberlândia, casada com o Mestre Malaquias, tenho três filhos, oito netos, todos na cultura popular, sou fundadora, junto com o Mestre Malaquias, do Ponto de Cultura Moçambique Estrela Guia, da cidade de Uberlândia, do Bairro São Jorge, perto do Assentamento Glória. Fazemos questão de falar de onde nós somos e de onde nós viemos. Eu faço parte do Fórum para as Culturas Populares e Tradicionais, assessora da Deputada Federal Dandara, participo também de outros grupos de trabalho, defensores da cultura popular e tradicional, da diretoria da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, de Uberlândia.
Gostaria de lembrar, neste momento, da minha avó, que morreu aos 102 anos, uma benzedeira, na minha cidade. Eu carrego o legado dela. Ela passou o bastão para a minha mãe, que, graças a Deus, está viva, e já me passou o seu bastão, que tenho muito orgulho de carregar, não só dentro da Congada, das culturas populares da Folia de Reis, mas também dentro da religião de matriz africana, à qual pertenço, a Umbanda, que também represento neste momento.
O Projeto de Lei nº 1.176, de 2011, muito bem discorrido pelo nosso companheiro Marcelo, poderá proteger e reconhecer essa expressão cultural, tão desvalorizada e esquecida pelo poder público. Os mestres da cultura popular e tradicional ajudaram a construir o nosso País. O reconhecimento que um mestre tem, através da oralidade, conhecimento pelas raízes, salva vidas. Esta audiência, hoje, tão importante para a aprovação da lei, ganhou mais apoio, ao conseguir mais de 10 mil assinaturas, em tão pouco tempo, e apoio de todos os meios de comunicação, de Deputados e Deputadas Federais, Estaduais, Vereadores e Vereadoras aqui presentes. A Deputada Dandara, em especial, prontamente, junto com toda a assessoria — cumprimento o Jules, assim como todos os assessores —, não mediu esforços para que esta audiência pública acontecesse.
Não podemos nos esquecer também dos 30% do recurso do PNAB, destinados aos mestres e mestras, que foram aprovados na 4ª Conferência Nacional da Cultura e que os Municípios e Estados não estão cumprindo.
Para finalizar, nós, mestres e mestras da cultura popular e tradicional, gostaríamos que essa aprovação ocorresse em breve, que não demorasse mais 13 anos para sermos ouvidos, mesmo que os outros Deputados tenham tentado,
nem gostaríamos de esperar 329 anos, como ocorrido no reconhecimento como feriado da morte de Zumbi dos Palmares.
Muito obrigada ao nosso coletivo Rede de Culturas Populares e Tradicionais.
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Axé. Vamos avançando nessa construção e principalmente fortalecendo as mulheres, no saber popular, que são tão importantes para manter nossa cultura viva, nossa cultura de pé.
A Mestra Iara também organiza um trabalho com as mulheres congadeiras, de fortalecimento das mulheres do Congado, que é muito bonito.
Licença para chegar, licença para estar neste espaço, sabendo da relevância desse PL 1.176 para uma política nacional da cultura popular, mas também para o exercício cidadão do que é ser brasileiro, ser brasileira. Falamos de um programa de aporte aos mestres da cultura porque entendemos que eles são guardiões das tradições do povo brasileiro, do legado que construímos sobre essa terra.
Sou Dani Monteiro, Deputada Estadual em segundo mandato no Rio de Janeiro. Há 4 anos presido a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ, que é onde fazemos um debate entendendo que a promoção, a proteção da cultura é também uma garantia de direitos humanos. Lá na ALERJ temos uma realidade, que é o Programa de Patrimônio Vivo da Cultura Popular. Falamos de um patrimônio material, de um patrimônio imaterial, mas nós também aportamos agora esse patrimônio vivo. Inspirados na legislação de Pernambuco, e do Piauí também, nós trouxemos essa proposição para dentro da ALERJ.
Embora tenhamos muitos desafios, porque o Estado do Rio de Janeiro, por vezes, elege políticos muito conservadores, nós conseguimos, na ALERJ, a duras penas, tramitar essa proposição, e hoje ela é lei no Estado. Existe uma lei que faz o regramento do patrimônio vivo, o procedimento para chamamento anual, o uso do Fundo Estadual de Cultura e a preponderância da produção dessa política pública pela Secretaria de Cultura.
A nossa batalha lá agora no Estado é não só para regulamentar essa lei, que já foi sancionada, mas também garantir a derrubada do veto dos artigos que falam sobre os valores das bolsas. Nós temos um valor fixado lá de dois salários mínimos para mestres e mestras e de três salários mínimos para grupos culturais. Nós não aceitamos menos que isso porque menos que isso já é a política social do BPC, e aí não faria nenhum sentido. Nós fazemos todo um regramento sobre 20 anos de trabalho de cultura popular no Estado do Rio de Janeiro e temos um mapeamento de diversos mestres e mestras que hoje poderiam estar fazendo uso dessa lei.
Quando não estamos nos plenários, durante a semana, nós entramos no carro e pegamos todas as estradas para às quais aqueles caminhos do Rio de Janeiro nos levam.
Chegamos ao nosso norte e noroeste do Estado, por vezes abandonado, por três séculos, por uma política da monocultura, que esvaziou a vegetação e o solo. Mas lá temos mestres também, mestres do calango, mestres do mineiro pau. Então, salve o Mestre Alex, salve o Mestre Nonô, salve os mestres calangueiros do norte e do noroeste, que levantam também a nossa cultura popular e nos lembram que o mineiro pau, que o maracatu, que o coco são manifestações presentes.
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Quando nós rodamos para o outro lado do Estado, vamos para a nossa Costa Verde, para o nosso Sul Fluminense, para o nosso Médio Paraíba, encontramos o nosso jongo, encontramos o nosso caxambu, encontramos a nossa capoeira, encontramos aquelas que são as primeiras manifestações, quando os nossos ancestrais ainda eram sistemática e legalmente escravizados, explorados e exterminados.
Então, falar da cultura popular é falar da soberania do povo brasileiro, é falar da nossa ancestralidade latente, que arrepia a nossa pele, quando ouve os mestres aqui falarem, como a Mestra Iara. A minha assessora até perguntou se era o frio. Não, é o axé, é a força da cultura popular, que move as nossas potencialidades.
Então, quero falar aqui de mestres e mestras, que carregam esse legado, porque nós falamos novamente, eu vou repetir, de um patrimônio imaterial, de um patrimônio material, mas se não fosse o patrimônio vivo, porque corre sangue nas veias, nós não teríamos as manifestações que temos hoje. Então, não vamos falar em dar voz para a cultura popular. Vamos deixar a voz do atabaque soar, vamos deixar o berimbau tocar, vamos deixar o chocalho chocalhar, vamos deixar o couro do tambor quente e mostrar para onde a ponta de lança do nosso futuro deva apontar.
Então, falamos de um futuro vivo, de um futuro ancestral, de um futuro pluricultural, da soberania dos saberes ancestrais, mas também daqueles que instigam a busca pelo futuro.
Eu encerro essa nossa saudação, citando aquele que também é uma referência para nós, da ancestralidade que também constitui saberes populares. Então, cito o Nego Bispo para entendermos que hoje o presente atua como um interlocutor do passado, mas ele é, sobretudo, um locutor do futuro.
Então, vida longa ao mineiro pau, vida longa ao caxambu, aos boizinhos, ao maracatu, ao jongo, à capoeira.
Acreditamos que estamos voltamos para o Rio de Janeiro revitalizados, reenergizados, com a energia, inclusive, Mestre Paulo Kikongo, para nós chegarmos lá na ALERJ com a força necessária da cultura popular e para derrubar esses vetos e tornar, sim, o Estado do Rio de Janeiro um Estado patrocinador e protetor da cultura popular ancestral.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Deputada Dani Monteiro, do Rio de Janeiro. Que a sua atuação sirva de exemplo para nós aqui também na tramitação desse PL federal.
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Eu sou Presidente do Fórum de Culturas Populares, sou diretor de escola pública de ensino infantil e fundamental e, quando eu chego aqui e vejo essas mulheres pretas que estão exercendo esse papel fundamental para a cultura popular, eu fico emocionado, porque sei que as crianças das quais eu cuido, lá na cidade de Piquete, uma cidade de 14 mil habitantes, sei que as meninas pretas têm futuro, têm um caminho a seguir, e há pessoas que elas podem seguir como exemplo.
Eu estou aqui e represento também a minha ancestralidade: a Sabina, a minha pentavó; o José Sabino, o meu tetravô; o João Adão, o meu bisavô; o meu avô; meus pais, que me deram a educação formal. Isso vem da oralidade dos meus antepassados. E essa lei me remete a uma coisa muito importante, que é a reparação social, nós precisamos nessa sociedade racista. Estamos de uma maneira que o nosso povo não está se reconhecendo porque muitos deles são ensinados a ter vergonha das suas origens. Então, essa lei vai dar um pouco mais de dignidade aos que vierem depois, para terem orgulho de pertencer a essa raiz.
Não, não dá. Eu sou da oralidade. Eu venho dessa raiz da oralidade e tenho que falar de improviso porque eu me perco se eu escrevo, porque eu quero dizer tanta coisa e não digo nada.
Eu queria muito que eu não pudesse estar dentro daquela música: está vendo aquele País lá, moço? Eu ajudei a construir, mas eu não posso participar das coisas dele. Eu não posso participar da caneta. Eu não posso participar das benfeitorias.
Eu queria muito poder ganhar, como professor, igual à moça que serve o café aqui. Eu queria muita riqueza para todos. Os mestres são temas de universidades. Os mestres são temas de doutorados, mestrados, mas eles não têm espaço. As pessoas vão buscar a sabedoria com eles lá. Há vários temas de doutorado. Eu mesmo já fui tema de muitas pessoas aí. No entanto, nós não temos reconhecimento, não podemos ensinar o que sabemos na universidade. E como é que a universidade pode ir lá buscar todo o conhecimento que os mestres da cultura popular têm? Então, essa lei é de reparação social.
Temos que agradecer a muitas pessoas. E eu agradeço ao Marcelo Manzatti. Faz 40 anos que ele disse assim: "Eu vou dizer que em Piquete tem jongo". Olhe o que você fez, Marcelo, onde é que eu estou? Estou aqui. Então, faz 40 anos que ele foi fazer essa provocação lá na cidade pequena, onde eu morava. Isso eu tinha 18 anos para 20 anos.
Nós estamos trabalhando, Deputada, para que os mais jovens possam ter orgulho dos mais velhos, assim como acontece na oralidade, assim como acontece na tradição, para que a sociedade tenha o mesmo respeito aos mestres como os brincantes têm.
Por exemplo, a pessoa mais importante do jongo são os mais velhos. Então, queremos que a sociedade tenha também esse respeito com os mestres da cultura popular.
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Nós aprendemos desde pequenos que nós somos um mal a ser evitado. Eu não me reconhecia na sociedade onde eu vivo, por causa do racismo estrutural. Essa lei vai ajudar a acabar um pouco com esse racismo estrutural e também com o racismo institucional.
Eu vou ao hospital e eu não vejo um médico preto. Eu vou à Igreja e eu não vejo um padre preto. E não vejo uma "aeropreta", só vejo aeromoça. Às vezes, nós temos vergonha.
Aqui dentro, por exemplo, quando eu olho para todos, não vejo ninguém branco. Porém, se eu perguntar aqui, a maioria vai dizer que é, porque nós não nos reconhecemos. Eu não sei se, porque eu tenho o cabelo um pouco enrolado, faço parte da cultura negra. Se eu tenho o nariz achatado, é porque eu faço parte da cultura negra. Se eu tenho o cabelo encaracolado, é porque eu faço parte da cultura negra. Se eu tenho a pele um pouco mais bronzeada, é porque eu faço parte da cultura negra. E esses ensinamentos não estão lá na erudição, porque esta vai buscar lá na cultura popular fundamentos para poder existir.
A lei de reconhecimento dos mestres e mestras tem obrigação e obrigatoriedade de reparar para os mestres e mestras a continuidade. Quantos de nós, mestres, não teríamos morrido se houvesse uma lei para que fôssemos subsidiados? Nós passamos por esse inferno astral. Só para encerrar a minha fala, nós passamos por um período de inferno astral nos últimos anos. Eu quero que a sociedade brasileira ponha a mão na consciência e prometa que nós nunca mais passaremos por isso. Nós passamos por uma pandemia liderada pelo capeta. Então, aí não tem como, não tem como. Vamos mandar isso para que os nossos anjos digam: "Olhem, estamos aqui juntos nessa luta".
Então, nós crescemos achando que a Umbanda é do diabo, que o Candomblé é do capeta. E eu fico muito exaltado quando eu penso que a sociedade é hipócrita em não reconhecer os mestres e mestras.
O pessoal da Umbanda é um mal a ser evitado, porque são pretos. Eles têm que ser evitados porque são todos macumbeiros. Porém, o cinema está lotado de pessoas para ver Harry Potter. "Ah, o cara faz feitiço. Ele faz e acontece". E dizem: "Mas ele é branco". E, aí, isso pode. Eu vejo a bancada evangélica excomungando as relações de matriz africana. No entanto, eles vão ao cinema para assistir ao filme do Thor. E Thor é Deus!
Isso não é uma hipocrisia?
Então, em nome dessa hipocrisia da nossa sociedade, vamos reconhecer os mestres e mestras da cultura popular, porque os saberes dos mestres tornam uma sociedade muito melhor. Os saberes e fazeres dos mestres fazem bem para a alma, para a natureza e para a nossa convivência. Valorizar os mestres e mestras é dar um "não" para o racismo.
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Mestre Gil.
Que sejamos antirracistas e que valorizemos a cultura afro-brasileira, que faz parte do que nós tentamos ainda entender da identidade nacional.
Fico muito emocionada em participar deste momento. Sou Claudete Freire Barroso, da região da Água Doce, região de Marapanim. Sou do campo, filha de agricultor, do Sr. Manuel da Trindade Barroso, e da agricultora Maria Albertina das Neves Freire Barroso. Sou neta do flautista Juvenal Barroso, que tocava nas rodas de carimbó, naquele tempo em que ainda não havia energia, quando se usava lamparina. Então, nós temos essa veia de luta, essa veia de ser catimbozeira raiz com muito orgulho.
Faço parte da Coordenação da Campanha do Carimbó Patrimônio, que se transformou num movimento de luta para salvaguardar o carimbó raiz. Também estou na Coordenação do Circuito de Carimbó da região da Água Doce de Marapanim. Coordeno um projeto de crianças e adolescentes, que faz um estudo interdisciplinar das composições dos mestres e das mestras do carimbó.
As composições dos mestres da cultura popular possuem letras lindas e as do carimbó, especificamente, tratam da questão ambiental, do empoderamento da mulher, do agricultor, do pescador. Então, são letras lindas e maravilhosas que merecem toda essa atenção especial, esse estudo e essa inserção também no currículo escolar.
Enfim, sou tocadora de maracás. Sou do carimbó raiz como tocadora, compositora, tocadora dos curimbós e, sinceramente, estou muito emocionada, feliz e, ao mesmo tempo, um pouco tristonha porque me vejo sozinha da Região Norte, do Pará, porém, com uma responsabilidade muito grande de solicitar, de estar engajada
nesse movimento de luta por politicas públicas, quando, num evento nacional ou internacional, eu vejo todas as manifestações culturais do Brasil, mas não vejo o carimbó.
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Eu já fiz uma fala solicitando isso que vou dizer. Mas eu também me vejo aqui na luta pela capoeira, na luta por outros bens registrados e pelos bens nacionais por entender que nós que fazemos cultura popular somos igualmente importantes, sim, para que o meio ambiente seja preservado. Se nós não cuidamos do meio ambiente, não vamos cuidar de nenhum mestre, nenhuma mestre. Está tudo unido.
Eu, como ativista e como ambientalista, já fui também ameaçada de morte por madeireira. E essa nossa luta pelas questões ambientais é também uma luta de preservação da nossa ancestralidade, de tudo que já foi falado aí.
Então, esse projeto de lei é importante e necessário. Nossa, será que nós da cultura popular não sensibilizamos as pessoas? Quando falamos de cultura popular, falamos de economia. Quando existe um festival de carimbó ou de outra cultura, sabemos o quanto as pessoas ganham de dinheiro vendendo algo ali. Aqui há, num festival de carimbó, a venda da gengibirra. A nossa roupa é a costureira ali da comunidade que faz. E há os nossos instrumentos.
Mas nós não temos nada que legitime a nossa cultura, não temos um centro de referência para o carimbó aqui no Pará. Se você chega ao aeroporto, não há nada que diga onde está o mestre ou a mestra fulano de tal fazendo os seus curimbós, que é o nosso tambor, o "pau que dá som". Nós não temos as maracas sendo vendidas, assim como os nossos adereços, as nossas saias, as nossas roupas. Eu sei que muitos Estados já têm seu centro de referência.
Essa lei dos mestres e mestras vem ajudá-los a manter a sua tradição. Se eles vão ter um benefício ali, se eles vão ser reconhecidos, então vão conseguir manter a tradição, porque todos nós já mantemos a nossa tradição agindo por nós mesmos. Não existe nenhum investimento estadual que faz com que o mestre continue fazendo a sua tradição.
Hoje houve uma mudança no Brasil com o nosso Governo de esquerda. Se o Lula não fosse o nosso Presidente, se não tivéssemos conseguido elegê-lo o nosso Presidente que temos hoje, nós estaríamos ainda sem o Ministério da Cultura.
e, talvez, nem estivéssemos falando aqui. Por isso, é importante também a questão da política, de nós elegermos pessoas que possam lutar por nós.
Eu quero aqui agradecer. A minha emoção foi tão grande no início que eu nem agradeci às Deputadas e a quem fez o projeto de lei. E vocês vejam, para a cultura é tão difícil, que o projeto foi feito há 13 anos!
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Somos vistos na cultura popular como pessoas que não fazem muita coisa, que não colaboram. Mas nós da cultura popular — seja no carimbó, seja na capoeira, seja no jongo, enfim — incluímos jovens e crianças, que poderiam estar em situação de marginalidade e estão ali aprendendo a fazer com o mestre ou com a mestra. Então, é muito importante e necessária essa relação de respeito e de solidariedade, bem como todos esses valores que são repassados dentro da cultura popular.
Eu falo especialmente pelo carimbó, especialmente por essa manifestação a que eu tenho a sina de pertencer. Eu sempre digo que o carimbó é minha sina e Marapanim é meu lugar.
Então, eu estou realmente emocionada por estar aqui solicitando que seja aprovada essa lei, que vai ser uma legitimação do fazer e do saber dos mestres e mestras. Espero que, a partir dessa aprovação — que eu sei que ainda vai ter muita estrada pela frente —, possamos estar legalizados e possamos lutar. Como o Marcelo Manzatti já falou, pode estar na Constituição, pode estar aqui ou ali, pode estar não sei onde, pode estar na lei, mas não é cumprido. Por isso, vamos estar sempre lutando para salvaguardar essa cultura, porque, quando o mestre é salvaguardado, o seu local também é salvaguardado.
Eu realmente estou muito emocionada. Anotei algumas coisas aqui. Como alguém já falou, essa é uma lei de reparação social e muito necessária. É importante que os editais sejam menos burocráticos. Não sei, a partir dessa lei, como o Estado vai se adequar, mas que ele seja exigido um pouco mais. Se nós não temos nem a lei, imaginem como é aqui embaixo.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Peço que conclua, Claudete.
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Muito obrigada, Mestra Claudete, pedagoga como eu. Essas mulheres pedagogas não são fracas, não, viu, gente! Eu quero dizer que tudo o que você faz é muito importante e necessário para o Brasil. Siga firme e forte nesta construção!
Eu quero também registrar e agradecer a presença da Sra. Tereza Dantas, do Fórum para as Culturas Populares e Tradicionais.
Eu também quero registrar a presença do Sr. Amauri, que já foi citado aqui pelo nosso querido Tião, que é um grande lutador e tem feito a assessoria parlamentar no Ministério da Cultura. Em alguns dias, nós saímos deste plenário por volta das 2 ou 3 horas da manhã, em outros, nós vamos passando de gabinete em gabinete. Se existem vitórias para o setor da cultura e para o nosso povo no atual Governo, o Amauri é um dos grandes responsáveis por essa articulação. Muito obrigada pela presença.
(Palmas.)
Eu cumprimento as mestras e os mestres que estão presentes. Eu cumprimento as Deputadas — não estou vendo nenhum Deputado —, as mulheres que são mães, e as mães têm que cuidar, e cumprimento a todos que estão participando desta audiência.
Sendo aprovada esta lei, será corrigida uma coisa que é muito séria. Os mestres estão trabalhando em todo o tempo; em todo o tempo, eles estão na luta para preservar a nossa cultura. Há de se entender que os mestres, na sua maioria, não tiveram uma boa educação formal, mas eles transformam um terreiro, um espaço de cultura popular, em uma universidade.
Ali, nós cuidamos de saúde através da natureza; nós cuidamos de educação, formando um cidadão; e nós também cuidamos da religião, que nós ensinamos a respeitar. O mestre de cultura popular é sempre aquela coisa: o bichinho exótico. As pessoas vão lá: "Oi, mestre!" Batem foto. As pessoas vão lá, aprendem e fazem um grande espetáculo, mas, às vezes, se esquecem até de dizer onde aprenderam. Daí a importância de se preservar os mestres dentro de uma lei, isso é preservar a história de um país, porque um país sem cultura é um país sem história.
Nós, o todo tempo, só servimos para enfeitar. As pessoas não prestam atenção onde o mestre está, não prestam atenção na casa do mestre, no terreiro do mestre, no espaço do mestre. Eles não prestam atenção, acham que têm que ver o final da história, que é o espetáculo.
Mas, para aquele espetáculo se tornar bonito, você tem que ir lá cuidar do mestre. Um espaço de cultura popular é igual a uma floresta. Se você não preservar a floresta, vão acabar as águas, e nós morreremos de sede. Se nós não preservarmos os mestres, nós vamos acabar com a nossa cultura, porque eles vão ficar esquecidos.
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Eu tenho o exemplo de um mestre de maracatu, cujos netos dizem para ele: "Ô, vô, eu não vou me meter nisso, não". E o avô fica: "Ô, meu filho, venha para cá, venha brincar o maracatu". Aí, ele fala: "Eu não vou, não, vô. O senhor passa fome, eu não vou passar fome, não". Em vez de o neto ter orgulho do avô, ele fica com medo de passar fome.
Quando você vê uma lei desta, que vai preservar os mestres, com certeza os filhos e os netos vão ter orgulho. Da forma como nós vivemos esquecidos e precisamos a toda hora nos transformar para chamar a atenção, eu só espero que os Deputados tenham sensibilidade e respeitem a história deste País, a cultura deste País. É preciso entender que esses mestres não tiveram uma boa educação formal, mas eles são doutores na sua cultura.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Que fala potente, Mestre Manoelzinho!
De fato, avançar na salvaguarda é fundamental. O reconhecimento dessa manifestação, inclusive entendendo a importância da remuneração para perpetuar a atividade, é o elemento-chave, o fundamental desta lei, que precisa, de fato, ser reconhecido. Nós pagamos por tanta coisa na cultura, mas, para dar continuidade aos saberes, que, muitas vezes, são ancestrais, ainda existe alguma dúvida sobre se remunera ou não se remunera? Eu quero saber onde existe tanto saber acumulado e produzido, como o que existe numa roda de jongo, numa festa de congo. Isso é muito mais rico do que muita gente imagina.
Eu quero saudar este dia de hoje, terça-feira, um dia muito emblemático para nós, Dia do Senhor da Tecnologia Ancestral, esta tecnologia que nos conecta, e é dia de Ogum, muito importante.
Eu quero saudar essa Mesa maravilhosa em nome da minha Mestra Martinha do Coco, minha abá; da Madrinha Iara, nossa abá; da Mestra Claudete, nossa abá; e de todas as yabás que estão presentes nessa plenária hoje. Eu quero saudar a todas, e a todos os homens também, neste dia de hoje.
Eu estou bem emocionada em falar aqui, porque são tantos anos de silenciamento, são tantas coisas que vêm à cabeça — é igual ao que o mestre falou —, é tanta coisa que nós queremos falar. Eu sou da oralidade, eu sou do que vem à cabeça, eu sou do que eu vivi. Nós falamos o que vivemos e trazemos o que vivemos.
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Meu nome é Fernanda Machado. Hoje falo especificamente de Araucária, no interior do Paraná. Vim morar aqui há alguns anos. Sou natural de Goiás. Passei minha vida inteira em Brasília. O meu território de atuação é Brasília, até porque a ialorixá da minha mãe carnal é de Brasília.
Falo enquanto setorial de cultura tradicional dos povos de terreiro do Paraná, também como membro atuante da Rede de Culturas Populares e Tradicionais, que são dois lugares muito importantes, muitos acolhedores e muito plurais.
Quando as pessoas falam de nós, de povos de terreiro, ainda demonizam esse local de onde falamos, esse formato de onde vimos e nos implementamos. Eu quero alertar as pessoas para o fato de que o Brasil sofre uma esquizofrenia coletiva, uma falta de memória coletiva quando falamos de leis para o nosso povo, para os nossos mestres e mestras.
É importante essa Lei nº 1.176 ser sancionada, de fato, e afirmada para nós, povo da cultura popular, porque as pessoas se esquecem de como esse Brasil foi construído. As pessoas se esquecem de como nós, negros e negras, chegamos até aqui. As pessoas se esquecem de como se deu a organização racista do Brasil, de como o Brasil foi organizado.
Todos esses nossos mestres e mestras que não sabem ler nem escrever hoje, na atualidade, estão com 60, 70, 80 anos. Pedimos que essa Lei nº 1.176 os resguarde, pelo menos, com uma reparação histórica. Esquecemos que estamos falando de um Brasil em que a primeira lei de educação, em 1837, disse que negros não podiam ir à escola. Estamos falando desse Brasil.
E estamos falando de um Brasil, hoje, contemporâneo, que mantém Deputados e Deputadas com auxílio-paletó, auxílio-carro, auxílio-moradia, auxílio-babá, auxílio isso ou aquilo, um monte de auxílios. Se enxugássemos esses auxílios, que muitas vezes nem são usados por muitos, a não ser pelos Deputados que realmente vêm da periferia... Mas aqueles que vêm da base elitizada, que são conservadores, que conservam a família hipócrita tradicional — estamos falando dessa veia —, nem conseguiram usar as próprias cotas.
A primeira lei de cotas do Brasil foi para brancos, para os filhos e filhas dos agricultores rurais desse Brasil, para que pudessem saber ler, escrever e dar um futuro melhor para os seus pais, que já chegam com terras. Os meus pais chegaram sem terra. E ainda hoje brigamos por terra.
O meu terreiro hoje, em Brasília, briga por território. A TERRACAP diz que o território onde estamos há 45 anos é dela, e lá vai passar um parque para Águas Claras. Estamos falando desse Brasil.
Estamos falando de uma lei que vai beneficiar pessoas que, inclusive, neste mês, são as mais procuradas no Brasil: esses mestres, que as pessoas costumam não reconhecer, que não sabem ler, não sabem escrever, mas têm o saber e o fazer, a poeira no chinelo. Essa lei é tão esperada há 13 anos! Estamos falando dessa lei.
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11:52
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As pessoas que dizem "não" para essa lei são as mesmas pessoas que dão 50 reais para o nosso mestre pegar um Uber, ir até uma faculdade, até uma plenária, receber um papel que não vale nada, só para se reafirmarem como antirracistas, como pessoas que fazem pelos mestres. Essas condecorações de novembro não enchem barriga, não pagam as nossas contas, não pagam os remédios dos nossos mestres. Então, estamos falando deste Brasil.
Quando falamos de racismo religioso, territorial, plural, que tanto maltrata e assassina todos os dias os nossos mestres, estamos falando de pessoas que, quando ganham suas eleições, quando ganham um cargo ou qualquer posicionamento dentro do Governo, sendo de direita, conservadores e brancos, vão, em primeiro lugar, ao terreiro de candomblé tomar um banho, passar um amalá no corpo, dar um amalá para Xangô e dar uma agrado a Exu, para Exu lhes dar um bom lugar e os segurar ali naquele lugar. Então, estamos falando dessas pessoas. Estamos falando desse lugar.
E eu falo de outro lugar de onde eu venho: baianas de acarajé. O dia 25 foi o Dia Nacional das Baianas de Acarajé. É o dia em que somos mais procuradas. Todo mundo, para dizer que não é racista, quer uma baiana de acarajé para fazer uma fala no seu evento. Somos todos antirracistas, mas na hora de ajudar, sentar numa plenária e escutar os nossos saberes e fazeres, ninguém está presente, porque esta plenária devia estar cheia desses que querem não sancionar essa lei. Eles deveriam estar aí sentados, aprendendo conosco. Hoje é dia de escutar, de nos ouvir, de aprender, de fato, o quão analfabetos eles são. Analfabetos não são os nossos mestres, analfabetos são essas pessoas que não param para sentar e nos ouvir, nem trocar metade de uma palavra conosco. Temos argumentação. Podemos não ter um letramento e uma fala polida, mas temos sabedoria. Sabemos curar, sabemos preservar a fauna e a flora, sabemos pescar. Temos solução para os nossos lugares e espaços.
Quando eu falo de terreiro, eu não estou falando de terreiro de candomblé ou de umbanda. Estou falando de terreiro vasto. Há o terreiro do jongo, o terreiro do samba de roda, o terreiro da capoeira. Você vê o quanto essas pessoas são analfabetas. Nós, do candomblé, não somos religiosos. Não precisamos nos religar a nada. Nunca nos desligamos de lugar nenhum. Nós somos memória. Somos saber, fazer. Então, nós nunca nos desligamos.
Eu sou acadêmica, eu sou doutora, mas porque as minhas mestras foram acadêmicas e doutoras. Eu não sou acadêmica da academia, eu tenho apenas a 4ª série, mas eu me sentei em lugares onde várias pessoas que têm doutorado e mestrado nunca se sentaram. Eu fui para fora do Brasil mostrar o que é o samba de roda. Eu fui a vários lugares para mostrar o que é o samba de roda, como minha mãe me ensinou, falando a verdade, como se faz um samba de roda, como se monta um samba de roda, como é a educação e a hierarquia dentro do samba de roda, como o samba de roda ou o tabuleiro de acarajé emancipam, como o tabuleiro de acarajé retira mulheres da vulnerabilidade, como um tabuleiro de acarajé e uma roda de samba têm saúde mental e emocional para dar e vender para muita gente.
Então, precisamos entender que estamos falando para os nossos. Eu sei que todo mundo que está sentado aí hoje nesta plenária são nossos, são pessoas que já entenderam e que têm, de fato, um letramento. Está faltando os que não têm um letramento sentarem para dizer "não" a uma lei ou para não concordarem sem saber nem o que estão falando.
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Manoel dos Reis Machado foi o homem que colocou a capoeira no mundo. Ele fez o mundo inteiro falar português através das cantigas de capoeira. O Brasil é conectado com o mundo inteiro através da capoeira, o Brasil é conectado com o mundo inteiro através do samba de roda.
Estamos falando de entendimento, de educação. As mestras que estão sentadas já estão cansadas de ouvir falar: "ah, mas é porque tem que implementar com a educação", "tem que ver como é que faz para resguardar a fauna e a flora". Já fazemos isso o tempo inteiro. Estamos o tempo inteiro segurando o Brasil com as mãos, segurando o mundo com as mãos, com o nosso saber, com o nosso fazer, com o nosso jongo, com o nosso samba de roda, com a nossa capoeira.
Então, quanto ao entendimento, quem tem que sentar para nos ouvir são os que não concordam com quem somos nós, são os que não concordam com o fato de como esses mestres e essas mestras atravessaram eras e eras, décadas e décadas, trazendo educação, saúde mental, enfim, formando bons cidadãos sem saber ler e escrever, só com o seu saber e fazer.
Portanto, a importância dessa lei é reparatória, para reparar o dano hoje em dia para os nossos mestres com 60, 70, 80 anos. Muitos nem sabem que está existindo esta plenária. Muitos nem sabem entrar na Internet. Muitos nem conseguiram votar no seu próprio PL, porque não sabem entrar no link, só sabem mandar áudio, porque também não leem, não escrevem. Se você não mandar áudio para o mestre, ele não vai ouvir, não vai saber o que você falou.
Estamos falando de um Brasil com várias, inúmeras camadas, sobre o qual ninguém quer falar, e esse PL vem para falar sobre isso, sobre todas essas camadas que todo dia as pessoas temem em falar. "Ah, coloca para lá. Deixa para depois. Dá um jeitinho aqui". Não, não está mais na hora de dar um jeitinho. Está na hora de dizer: "vamos passar esse PL". Vamos fazer a votação, sim. Precisamos fazer essa reparação histórica para com esses mestres e essas mestras. Isso é necessário.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Muito obrigada, Fernanda. Que fala necessária, potente!
Eu também sou igual ao mestre Gil. Não tenho nada escrito, porque o que está escrito em mim é o que eu vejo e o que eu ouço. É isso que eu venho dizer.
Agora existe um bordão que fala assim: "Que lei de mestre e mestra é essa?" Eu digo assim: é uma lei que cuida, que reconhece um mestre, respeita o mestre e o remunera.
Então, eu posso dizer que é a lei dos três Rs: reconhece, respeita e remunera. Mas eu ainda digo mais: é só isso que o mestre quer? O mestre e a mestra querem ser reconhecidos, respeitados, remunerados e cuidados pelo País. O mestre e a mestra estão iguais a essa lei, que tramita desde 2011, a passos... Essa lei chega a um lugar e fica. O mestre também está tramitando, e a mestra também. Tramita na comunidade, nas praças, nas escolas. Fica parado? O mestre e a mestra, não. Enquanto essa lei está tramitando, o mestre está nos seus saberes, fomentando a cultura neste País, a cultura popular. Aí eu digo também assim: ó paí, ó! É isso que acontece.
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Enquanto nós estamos aqui esperando esse reconhecimento, esse respeito, essa remuneração e esse cuidado, muitos já partiram. Muitos mestres e mestras partiram nesses 13 anos. Eles partiram, e nós estamos aqui. Este País tem que reconhecer, respeitar, remunerar e cuidar desses mestres e mestras vivos.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Gigante contribuição, Mestra Martinha! Vamos incorporar, nos nossos relatórios de cartas, os três Rs.
Eu acho que também deveríamos, mestres e mestras, sair desta audiência pública de hoje com uma carta, como encaminhamento, para ser enviada aos Deputados que compõem a CCJ — Comissão de Constituição e Justiça, com os elementos que foram apresentados aqui hoje nesta discussão, que está sendo muito rica, para as pessoas entenderem a importância desse projeto de lei.
Eu gostaria de chamar a atenção aqui — mestre, o senhor me permita — para não desanimar. Audiência pública nesta Casa é assim mesmo. Esta audiência foi excelente. Estão aqui todos os assessores parlamentares, os servidores. Costuma haver audiência com um Parlamentar à Mesa e, às vezes, nenhum do lado de cá, e uma ou duas pessoas.
Eu fui ao plenário ver se havia Parlamentares e corri em todas as Comissões acompanhado, mas não encontrei quase nenhum Parlamentar na Casa. O plenário tem uma audiência em homenagem às mulheres, mulheres de expressão, como Jandira anunciou aqui. Só havia os Parlamentares da Mesa. Então, esta audiência é muito importante.
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, querido.
O SR. PAULO HENRIQUE MENEZES DA SILVA (MESTRE PAULÃO KIKONGO) - Eu sou o Mestre Paulão Kikongo, do Rio de Janeiro. Sou um homem negro, estou de bigode, cabelo grisalho, que já está ficando branco, com uma blusa colorida em azul, bege e um fundo azul-claro e azul de várias tonalidades. Precisamos entender quem está do outro lado para nos ouvir. Sou mestre de capoeira há 32 anos e também sou bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes, especialista, mestre e doutorando em patrimônio e memória pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro — UNIRIO. Sou mestre pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, especialista pela UFG — Universidade Federal de Goiás e doutorando pela UNIRIO. Eu faço questão de dizer isso porque sou uma exceção à regra.
Nasci numa comunidade que foi toda assassinada. Em Niterói, a minha referência, dos meus amigos, que nasceram comigo, da minha geração, sobraram três ou quatro. Então, eu sou um sobrevivente.
Dito isso, quero primeiro agradecer ao Pontão da Rede de Culturas Populares e Tradicionais, que viabilizou nossa estada aqui. Quero agradecer à Thereza Dantas, que é uma articuladora da comunicação desse ponto. Agradeço aos mestres e mestras aqui presentes. Agradeço à Mestra Martinha, que eu acho que é a mais velha aqui conosco. Não estou falando de idade, gente, estou falando de tradição, de saberes acumulados.
Antes de qualquer fala, eu quero trazer aqui uma música do Mestre Marcos Barrão que fala assim: "Eh, Dandara, cadê Salomé, Maria Filipa para vadiar?" Uma Deputada com o nome de Dandara convocou uma grande roda de mestres e mestras. Vadiar, na roda de capoeira, é jogar. Então, viemos aqui travar um grande jogo de capoeira, uma grande roda de jongo, uma grande roda de carimbó, uma grande roda de candomblé, de umbanda, uma grande roda de tantas tradições populares e tradicionais do Brasil.
Não é possível ainda estarmos esperando, há 13 anos, que uma lei seja sancionada. Esta Casa Legislativa referenda as convenções de que o Brasil é signatário, citadas aqui muito brilhantemente pelo Marcelo Manzatti. Nós somos signatários de várias convenções — do Patrimônio Vivo, do Patrimônio Imaterial, da Diversidade —, mas não conseguimos incluir nossos mestres e mestras no orçamento.
Eu aqui represento também, além da Rede de Culturas Populares e Tradicionais, o Fórum de Capoeira do Estado do Rio de Janeiro. Estão participando do chat o Mestre Hulk e a Mestra Renatinha. É importante citar isso.
Fazemos parte da RIBIR — Rede Integrada dos Bens Imateriais Registrados, da Rede do Conselho Gestor da Salvaguarda da Capoeira, do Observatório do Patrimônio Cultural do Sudeste, do Fórum de Capoeira de Niterói, do Fórum de Capoeira de Guapimirim — o Mestre Pica-Pau e o Mestre Heitor estão participando no chat. Então, são muitas pessoas...
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Queria agradecer a presença da Chris Ramirez, que participou conosco no CNPC e está hoje acompanhando, como assessora da Deputada Benedita da Silva, uma Deputada Constituinte que pôde colocar as questões trazidas pela comunidade negra, inclusive a defesa dos nossos patrimônios culturais, como Deputada Constituinte na Constituição Cidadã de 1988.
Queria agradecer a presença da Maria Paula Adinolfi, servidora concursada do IPHAN, que hoje está no CNPC, assim como nos falou a própria Chris Ramirez, mas que teve um importante papel, também, para o reconhecimento da capoeira como patrimônio cultural do Brasil, já que foi a pessoa responsável por fazer o parecer para esse reconhecimento.
Ontem, houve a comemoração do Dia das Baianas do Acarajé. Hoje, 26 de novembro de 2024, faz 10 anos que a UNESCO reconheceu a roda de capoeira como patrimônio cultural da humanidade. Por que eu trago isso como um mestre de capoeira? Na pandemia da COVID-19, no Governo do capeta, como falaram aqui, no Estado do Rio de Janeiro, perdemos 22 mestres e mestras de capoeira, todos pretos e pretas. O Mestre Chita — fui o último a entrevistá-lo — morreu, e também o irmão dele e o filho dele, que eram mestres de capoeira. O Mestre Lapinha ficou 10 dias dentro da casa dele, não o achávamos, ele estava morto há 10 dias dentro de casa.
São esses mestres que morreram, como o Mestre Berg, o Mestre Peixinho lá atrás e tantos outros mestres. Esses mestres e essas mestras de outras culturas populares tradicionais vêm morrendo sem alcançar o reconhecimento do Estado brasileiro.
Antes de continuar, quero agradecer a presença da minha Deputada Estadual Dani Monteiro, a qual aprovou uma lei importante para nós, no Estado do Rio de Janeiro, e dizer que vamos mobilizar a comunidade da capoeira para derrubar esse veto.
Dito isso — são muitas coisas para falar —, queria lembrar que novembro é um mês emblemático. No dia 13 de novembro de 1981, morria Vicente Ferreira Pastinha, o Mestre Pastinha, o precursor, dentre outros capoeiristas da Bahia, da capoeira angola, mas que morreu cego, que perdeu o seu espaço para o SENAC, a academia em que ele dava aula na cidade de Salvador. No dia 23 de novembro, nasceu Manoel dos Reis Machado, o Mestre Bimba, que dizia que a capoeira é para todos, mas nem todos são para a capoeira.
Então, em novembro há o Dia Nacional da Consciência Negra, que é pensado em um debate ocorrido na década de 40 e, depois, fortalecido pelo movimento negro unificado nos anos 70, comemorado neste ano como o primeiro feriado nacional, em memória de Zumbi dos Palmares e da luta palmarina.
Apesar de tantas datas, de tantas leis, o nosso povo é o que mais morre por parte do Estado, ou morre a bala, ou morre por falta de assistência do Estado em várias frentes.
Isso tem acontecido com os nossos mestres e mestras. Esta Casa Legislativa legisla para tudo, faz até lei que não pega. Há muita lei que não pega. Só projeto de lei da capoeira deve ter uns cem. O Dia da Capoeira mesmo está tramitando desde 2010, antes ainda do projeto do Dia de Mestres e de Mestras.
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Esta Casa precisa entender a importância disso. Se estou aqui hoje, um camarada que ainda vai fazer 60 anos, é porque José Machado dos Santos, nascido na cidade de Alagoinha, em 9 de setembro de 1949 — ele morreu em 2023, no dia 20 de outubro, um dia antes de a capoeira ser registrada como Patrimônio Cultural Imaterial do País —, chegou ao Rio de Janeiro em 1978 e, no fim da década de 70 e nos anos 80, orientou o Mestre Formiga, Odinei Nascimento Costa. Foi o Mestre Formiga que me orientou e me deu um caminho, dizendo que a capoeira, para além de tudo, era um instrumento de educação e de cultura. Por isso estou aqui hoje.
(O orador se emociona.)
(Palmas.)
Não é possível que, nos dias de hoje, ainda precisemos continuar a fazer vaquinha para enterrar mestre e mestra. Não dá mais para fazer isso. Estou cansado! Eu sou formado em contabilidade e em jornalismo, e eu leio orçamento. Sei que o que estamos pedindo é muito pouco comparado a um monte de benesses que têm os Parlamentares, com direito a 70 funcionários, verba de gabinete, como a Mestra Fernanda já mencionou. Então, precisamos de dignidade e respeito.
Para concluir a minha fala — e já foi mencionado anteriormente o notório saber na discussão do novo Plano Nacional de Cultura —, precisamos fazer uma mobilização para fazer valer também a Meta 17 desse plano, que trata do reconhecimento dos mestres e das mestras como trabalhadores da cultura popular tradicional. Precisamos fazer com que o mapeamento desses nossos mestres e nossas mestras seja um instrumento de criação dessa política.
Estamos no GT para Culturas Populares e Tradicionais e queria parabenizar você, Tião, por estar à frente disso, junto com outros companheiros, como o Pedro Inatobi, mas é preciso que transformemos o que está no texto da Constituição. A Constituição Cidadã diz, no art. 215, citado pelo Marcelo Manzatti, que a cultura é um direito. É direito para quem? O Estado não faz cultura, o Estado não produz cultura. Quem produz cultura somos nós.
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Salve, mestre! Foi muito potente a sua contribuição, e nos emocionou muito, porque sabemos que a nossa luta é grande — não é, gente? —, mas o que nos traz até aqui é muito forte.
Enquanto eu trago alguns elementos, eu queria abrir a palavra para três contribuições breves. Já são 12h37min e precisamos concluir. Vou fazer as inscrições com a Mesa. Veremos ainda se chegou alguma colaboração de forma remota.
No dia de hoje, nós tivemos a contribuição de mestres e mestras do saber, do conhecimento, que representam uma parte da diversidade do País. Aquilo que durante muitos anos foi negado — o direito à fala, o direito à voz, o direito ao microfone e o direito ao protagonismo — nós asseguramos no dia de hoje.
Mestres e mestras do carimbó, da capoeira, do jongo, do maracatu, do samba de coco, das baianas do acarajé, das Folias de Reis, benzedeiras, erveiras, garrafeiras, artesãs, foliãs, rezadeiras, parteiras, doceiras, capoeiristas, líderes de terreiros, cordelistas, mestras e mestres, que contribuem muito para o fortalecimento da cultura popular do País, reivindicam a aprovação do Projeto de Lei nº 1.176, de 2011, que cria o Programa Nacional de Proteção e Promoção dos Mestres e Mestras dos Saberes e Fazeres das Culturas Populares do País.
(Palmas.)
Esse projeto de lei, que tramita na Casa desde 2011 e hoje está parado na CCJ, prevê inclusive o pagamento de auxílio financeiro de pelo menos 2 salários mínimos a pessoas que reconhecidamente representem a cultura popular brasileira tradicional, com critérios já estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Cultural. Os mestres e as mestras são a linha de frente do saber das culturas populares, tão importantes para a manutenção da nossa cultura.
Eu também quero aqui resgatar que o PL 1.176, que cria esse programa, caminha com o PL 1.786, que institui a Política Nacional Griô, para proteção, fortalecimento e fomento à transmissão dos saberes e fazeres de tradição oral, porque não existe cultura popular sem os nossos griôs e sem a oralidade.
Um projeto está caminhando com o outro, e já se encontra apensado na tramitação nesta Casa. Artistas populares, mestres do saber popular precisam ser reconhecidos neste momento, e esse PL é fundamental para esse avanço e reconhecimento.
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Já há uma petição on-line, um abaixo-assinado a respeito. Eu vou colocá-la nas nossas redes sociais, mas peço que os canais de comunicação da Casa também divulguem essa petição on-line.
Como encaminhamento desta audiência pública, nós também teremos uma carta do Fórum para as Culturas Populares e Tradicionais direcionada aos Deputados que compõem hoje a Comissão de Constituição e Justiça, para que se avance também nessa sensibilização.
Quero agradecer muito a presença a todos e todas. A Deputada Dani Monteiro também esteve conosco e é uma referência para nós no Rio de Janeiro.
Também quero dizer da importância do reconhecimento dos detentores de saber a partir da Certificação de Notório Saber Popular. Algumas universidades já avançaram nessa certificação, mas outras, ainda não. Então, fica também a reivindicação desta audiência para que as universidades possam organizar processos de Certificação de Notório Saber Popular.
A querida Mestre Yara nos ajudou bastante, assim como o Mestre Angola e tantos outros mestres, além da Profa. Antônia, a fazer avançar na Universidade Federal de Uberlândia — UFU o processo de certificação. Mas nós sabemos que a burocracia ainda presente nas universidades, na academia, limita isso. E a certificação vai ser fundamental quando esse projeto nosso for aprovado.
Nós não queremos esperar mais 10 anos, mais 15 anos, depois que o projeto for aprovado, para ter a certificação. Nós queremos que isso caminhe pari passu. Agora, as universidades precisam avançar na certificação, porque, uma vez aprovada a lei, nós queremos, no outro dia, já avançar com esse processo de auxílio financeiro e de reconhecimento aos nossos mestres e mestras.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - É claro, mestre! Obrigada mesmo pela sua presença.
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Como já dito, eu sou artesã de Pernambuco. Estou aqui com o Mestre Juão de Fibra, de Goiás. Nós que somos a cultura popular do País vamos pedir, e estamos lutando por isso, através das nossas entidades, para que essa lei seja aprovada.
Foi dito aqui pelo grande representante da cultura popular do maracatu, de Pernambuco, o nosso Mestre Manoelzinho Salustiano — e temos que observar isso, Amauri —, que, vergonhosamente, temos os menores cachês do País. A cultura popular, infelizmente, é desprestigiada pelos nossos governantes. Precisamos rever isso, em especial, o artesanato, porque nós não temos palco. Eu digo sempre, na minha fala — eu já estive à frente da confederação nacional —, que artesão paga para fazer seu show. Então, o mestre se dedica, passa a madrugada criando uma peça, e os visitantes que chegam ao País, que escutam a música, que visitam a praia e os grandes casarões das metrópoles não levam nada disso como lembrança, a não ser a representação do artesanato daquela cidade.
Faço o registro dos nossos grandes mestres, e alguns já morreram, como a Mestre Ana das Carrancas, negra, de Petrolina; o Mestre Pixilô, do Espírito Santo; o Mestre Nuca, de Tracunhaém; e Dona Antônia, da Paraíba.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Excelente contribuição, Isabel.
Há duas questões dos nossos participantes que nos acompanham de forma remota. Quero, inclusive, aproveitar para registrar o nosso agradecimento. Mais de mil pessoas entraram na transmissão ao vivo. A repercussão está muito grande. Isso nos enche de orgulho, realmente. É sinal de que esta pauta tem apelo e deve tramitar com urgência na Casa para avançar.
Há duas questões que vou direcionar para o Sebastião, para que possa contribuir com elas, e encerraremos esta nossa audiência pública.
Primeiro, o Mestre José Osvaldemir Monteiro Negrão pergunta sobre o Edital Fábio Mambert. Ele quer saber como está a aplicação dos recursos e qual a perspectiva de pagamento, conforme o edital.
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O SR. SEBASTIÃO JOSÉ SOARES - Muito rapidamente, vou responder ao Mestre Monteiro sobre o Edital Fábio Mambert. Esse foi o maior edital da história da política cultural do Brasil, de 62 milhões de reais, com todas as dificuldades que o Ministério está tendo na sua reconstrução. Construir é muito mais fácil do que reconstruir. Portanto, tivemos vários problemas durante todo o processo. Foram mais de 6 mil inscrições para esse edital, dividido em pontos e pontões de cultura, mas também em premiação para pessoas LGBTQIA+, pessoas com deficiência, pessoas idosas, culturas indígenas, mestres e mestras nas culturas tradicionais populares. Foi uma premiação bastante significativa, com 1.117 pessoas contempladas.
Tivemos um problema tecnológico no próprio Ministério, também o processo de contingenciamento e a catástrofe do Rio Grande do Sul. Então, priorizou-se o pagamento das premiações do Estado do Rio Grande do Sul. Todos os pontos e pontões de cultura foram pagos. Agora, no processo de premiação, estamos pagando em lotes, e já estamos no penúltimo lote. Pretende-se concluir esse pagamento até o fim do ano, de acordo cm o planejamento do Ministério da Cultura, apesar de todas as dificuldades.
Mesmo com a baixa substancial de servidores públicos, o engajamento deles tem trazido à tona uma reflexão, um debate exatamente da nossa Ministra Margareth Menezes e da nossa Secretária Márcia Rollemberg, que se comprometem a dar vazão a esses pagamentos. Estamos debruçados sobre esses assuntos. Não se pagar até agora não foi exatamente um não querer do Ministério da Cultura. Todos esses processos estão em reconstrução e precisam ter esses entendimentos. Mas, até o fim do ano, eles se comprometem a pagar. Estamos fazendo esse processo.
A respeito de a lei respaldar ou criar ressonância no ensino público, nas escolas públicas de ensino fundamental e médio, essa é uma luta também do Ministério. A própria lei já acena para isso. Estamos em consonância, na elaboração de um consórcio, mas também de uma rede, a partir do Encontro de Saberes, já instituído nos anos 2000 pela UnB.
Está sendo ampliada, nesse sentido, a ideia de reconhecimento com a titulação do Notório Saber, que traz, notadamente, a inclusão de mestres e mestras das culturas tradicionais e populares como transmissores reais desses conhecimentos. Não é somente o reconhecimento, mas a transformação deles em professores e doutores, como temos o exemplo da Universidade Federal de Minas Gerais, com seis doutores titulados já dando aula. Na Universidade Federal do Recôncavo Baiano há outros mestres e mestres titulados. E a nossa luta no Ministério da Cultura tem caminhado com essa razão.
Acho que não preciso adiantar alguns projetos que temos, mas em breve teremos boas notícias dessa rede das universidades, junto com os institutos federais, para ajudar no reconhecimento e na titulação desses mestres e mestras, assim como a inclusão desses conhecimentos dentro do currículo escolar do ensino fundamental, do ensino médio e também das universidades públicas estaduais e federais.
(Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Excelente, Sebastião.
Quero agradecer demais a presença aos nossos mestres e mestras e aos representantes do Fórum para as Culturas Populares e Tradicionais que estão aqui.
Também destaco que, ademais, esse projeto dá, inclusive, concretude ao comando constitucional do art. 216, pelo qual os modos de criar, fazer e viver precisam ser assegurados e garantidos, ou seja, é um projeto que assegura, inclusive, o cumprimento da Constituição Federal. Portanto, ele é mais do que urgente, é supernecessário.
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