Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Bom dia a todas e todos.
Declaro aberta a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial destinada a debater o Projeto de Lei nº 77, de 2024, que inscreve o nome de Oliveira Ferreira da Silveira no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, e dá outras providências.
Este evento decorre da aprovação do Requerimento nº 38, de 2024, de minha autoria, Deputada Federal Reginete Bispo.
Eu farei, de forma breve, minha autodescrição, para que as pessoas cegas ou com baixa visão que estejam nos assistindo possam me ver. Peço aos demais integrantes da Mesa que façam o mesmo antes de iniciar suas falas.
Eu sou uma mulher negra, com cabelos crespos presos no alto da cabeça. Estou usando óculos de grau com armação rosa, uma echarpe verde-limão, um vestido de busto preto e saia verde-limão com estampa colorida de um tecido africano.
Quero informar ainda que este plenário está equipado com tecnologias que conferem acessibilidade, tais como aro magnético, Bluetooth e sistema FM para usuários de aparelhos auditivos, além de tradução simultânea em LIBRAS.
Nesta reunião teremos participações presenciais e por teleconferência. O registro de presença dos Srs. Parlamentares e das Sras. Parlamentares, de forma presencial, dar-se-á no posto de registro biométrico deste auditório. Os Parlamentares que fizerem uso da palavra por teleconferência terão a presença registrada.
Esclareço que o tempo concedido aos expositores será de 7 minutos. Após a fala dos expositores, abriremos a palavra aos Deputados, por ordem de inscrição, pelo tempo de 3 minutos.
Dando início às atividades de hoje, convido para compor a Mesa o Sr. Cledisson Geraldo dos Santos Júnior, que é Secretário de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial — SINAPIR, do Ministério da Igualdade Racial. Seja bem-vindo, Cledisson! (Palmas.) Convido agora a Sra. Leonice Mourad, da Divisão de Gestão de Parcerias da SINAPIR, do Ministério da Igualdade Racial, que nos acompanha por teleconferência. Seja bem-vinda, Leonice! (Palmas.) Convido ainda a Sra. Wilma de Nazaré Baía Coelho, Diretora de Políticas de Educação Étnico-Racial e Educação Escolar Quilombola, do Ministério da Educação, aqui presente. Seja bem-vinda, Wilma! (Palmas.) Convido a Sra. Franciele Oliveira, Doutora em História pela Universidade Federal de Santa Maria e Coordenadora-Geral de Relações Institucionais do Arquivo Nacional. Seja bem-vinda, Franciele! É uma honra tê-la conosco.
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Registro que estamos aguardando dois outros expositores: a Sra. Naiara Oliveira, filha de Oliveira Silveira e representante do Instituto Oliveira Silveira, e a Sra. Ieda Leal, representante do Movimento Negro Unificado, que farão parte da audiência de forma virtual.
Antes de passar a palavra aos nossos convidados, acho importante relatar como chegamos a esta audiência pública e por que propusemos o nome do nosso querido poeta e escritor Oliveira Silveira para o Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
Recentemente, em novembro de 2023, esta Casa aprovou o dia 20 de novembro como feriado nacional. Esse é o primeiro feriado que celebra o povo negro, celebra a saga de um povo, celebra a luta e a resistência do povo negro. Este ano nós tivemos, pela primeira vez, feriado nacional em 20 de novembro.
Eu tive a honra de ser a Relatora desse projeto. Quando aprovamos esse feriado, não poderíamos deixar de lembrar figuras que foram determinantes nesse processo, para que o povo brasileiro pudesse ter na sua história e na sua memória, hoje oficialmente reconhecida, uma data tão importante, o dia 20 de novembro.
Oliveira Silveira, além de ser um grande poeta, reconhecido não só no Rio Grande do Sul, mas nacionalmente, ser professor, ser uma pessoa engajada e comprometida com a educação, era ativista, militante do movimento negro gaúcho, do movimento negro brasileiro. Na década de 70, ele e outros ativistas — poucos deles ainda vivem, mas eu faço referência a Antônio Carlos Côrtes — constituíram o Grupo Palmares.
O Grupo Palmares e Oliveira Silveira, junto com esses outros ativistas, questionaram, pela primeira vez, o fato de celebrarmos o 13 de Maio como data importante da luta contra a escravidão no Brasil, e não o 20 de Novembro, que representava a real luta que os negros e as negras escravizados no País travaram contra o sistema colonial, contra a escravidão.
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O Quilombo dos Palmares era a maior referência constituída, porque Palmares travou uma longa luta contra o Império Português e o Império Holandês, e se tornou um grande território de resistência e refúgio de todos aqueles que lutavam contra o sistema colonial e, sobretudo, contra a escravidão.
Clóvis Moura, em um livro lindíssimo, que eu recomendo para quem queira conhecer um pouco da história dos quilombos no Brasil, diz que o Quilombo dos Palmares era uma organização muito bem estruturada, que poderia ser reconhecido como a primeira república independente das Américas, porque tinha legislação, instituições e um sistema de defesa própria.
Oliveira Silveira foi uma figura que, contra tudo e contra todos, resgatou a importante história de resistência do povo negro e propôs essa data como referência da luta do povo negro, como se tornou.
Também aprecio a importância da presença do Movimento Negro Unificado — MNU. Uma das primeiras bandeiras desse movimento, ainda no fim da década de 1970, foi incorporar o dia 20 de novembro como data de referência do povo negro no Brasil. O movimento adotou isso. Avançamos e, em 2008, o dia 20 de novembro passou a fazer parte do calendário nacional e do calendário escolar como o Dia da Consciência Negra.
Finalmente, em 2023, nós conseguimos aprovar, depois de quase 40 anos de luta interna desta Casa, o feriado do 20 de Novembro. Esse feriado, para mim, passa a ser uma das principais datas, se não a principal, porque faz referência à luta que o povo brasileiro — eu vou dizer "povo brasileiro", porque, em sua maioria, é o povo negro — travou contra o sistema de dominação, que foi a escravidão imposta por Portugal e, em algumas regiões do País, pela Espanha, em um período. Essa data também passou a ser a referência não só da luta do povo negro, mas também para os nossos jovens, para as nossas crianças nas escolas, e que conta a verdadeira história do Brasil.
Hoje, embora não haja mais a escravidão oficial como um sistema, ela ainda está muito presente. As sequelas e as consequências dos quase 4 séculos de escravidão ainda se apresentam na forma do racismo — do racismo estrutural e do racismo institucional — e das profundas desigualdades raciais que persistem no País.
Vou dar início a esta audiência pública, passando, de imediato, a palavra para os nossos convidados. Agradeço a disponibilidade de cada um e de cada uma de estar aqui. Este momento é muito importante por reverenciar e também por reconhecer a importância de Oliveira Silveira, para que ele possa ser, definitivamente, inscrito no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
Então, quero agradecer aos senhores a presença e a disponibilidade de quem está participando de forma virtual.
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Quero agradecer o convite à Comissão na figura da Deputada Reginete. Trago um saudoso abraço da Ministra Anielle Franco, a quem represento hoje. Quero deixar explícito que, quando o convite chegou ao nosso Ministério, eu fiz o possível e o impossível para ser o representante neste espaço, por ter tido, na figura do poeta Oliveira Silveira, uma grande referência na minha vida, em particular no que diz respeito à minha trajetória acadêmica.
Eu tive o privilégio, nesse processo de formação, de ter vivido no Rio Grande do Sul. Fui estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde fui fazer mestrado, quando pude ter a oportunidade de me aproximar ainda mais de sua obra, das reflexões que são desenvolvidas naquele Estado. Ficou patente, ficou nítido para mim como os gaúchos bem fazem no sentido de compreender a importância, o legado de Oliveira Silveira como constituinte dessa novíssima tradição da formação do pensamento social brasileiro. É fundamental que, cada vez mais, cotidianamente, o Brasil, a inteligência brasileira, o povo brasileiro se apropriem desse grande intelectual.
Então, estar nesta audiência pública é parte de um processo mais amplo que também se soma a um conjunto de lutas iniciadas no Rio Grande do Sul, mas que já ganhou o mundo há um bom tempo. E enfrentamos agora um novo desafio. Nós já temos o dia 20 de novembro como feriado nacional, e a próxima etapa é inscrever Oliveira Silveira no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
Eu quero, obviamente, cumprimentando toda a Mesa e você que nos acompanha pela Internet, questionar, de forma muito equilibrada, muito franca, os elementos, os critérios, as características que nos levam a colocar esse ou aquele indivíduo na condição de herói. Eu listei o que me passa pela cabeça quando eu penso o que faz uma pessoa ser herói ou o que levaria uma pessoa a assumir essa condição a partir da perspectiva de terceiros. Eu fiz uma pequena lista que eu queria compartilhar com os senhores.
O que define, o que caracteriza um herói, pelo menos em nossa sociedade? Acho que é importante que esse indivíduo tenha em sua trajetória de vida uma ação transformadora. É fundamental que suas contribuições, de acordo com o seu caráter, sejam compreendidas como ações que, de alguma forma, transformam uma realidade, assim como o seu compromisso com a proteção e a defesa da comunidade, a inspiração e a liderança, a representação de valores coletivos e os impactos duradouros. Quando nós nos debruçamos sobre a trajetória, a biografia de Oliveira Silveira, nós identificamos todas essas dimensões na vida dele.
Então, eu trago aqui não apenas, necessariamente, um olhar institucional do Ministério da Igualdade Racial, que se soma à iniciativa brilhante da Deputada Reginete, mas que representa, no conjunto de suas ações, um anseio não só da comunidade negra, que se expressa, no seu cotidiano, no Estado do Rio Grande do Sul, mas de todos aqueles e aquelas que compreendem que a luta do movimento negro brasileiro é também a luta de todo o povo brasileiro.
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Como cientista social que sou, durante muito tempo desenvolvi pesquisas para tentar exatamente compreender o papel do racismo na sociedade brasileira e os processos que impactam, obviamente, a formação dessa mesma sociedade, deixando muito claro que racismo é sobre poder, é sobre determinação de lugares e não lugares. Oliveira Silveira cumpre o papel importantíssimo de marcar um novo capítulo nesse processo de formação das nossas ideias acerca do nosso lugar na nossa sociedade.
E quero dizer mais: Oliveira Silveira antecipa um conjunto de formulações, toda uma escola intelectual que se conformou, que se consolidou décadas depois, a qual nós podemos chamar de escola decolonial, quando ele antecipa uma reflexão sobre a necessidade de nós mesmos contarmos as nossas próprias histórias, superando, obviamente, uma noção positivista muito calcada na ideia de que o norte global, as nações colonizadoras é que detêm o monopólio das verdades, e essas verdades dizem muito pouco ou quase nada — quando dizem, é de forma pejorativa — sobre as nossas realidades.
Oliveira Silveira é um marco para esse processo. Ele antecipa essa necessária reflexão sobre o nosso papel na história, a nossa dinâmica de pensarmos em nós mesmos, naqueles que nos antecederam e naqueles que nos seguirão, homens e mulheres, sexos diversos, capazes e dotados de total autonomia e liberdade para pensar e agir em torno das nossas próprias perspectivas, e ponto, lugar de ação.
Então, eu acredito que essa seja a maior contribuição de Oliveira Silveira para a sociedade brasileira, porque o dia 20 de novembro é muito mais do que uma simples data que marca, para quem interessar possa, de uma perspectiva muito rápida, de um primeiro olhar, a morte de um dos maiores heróis do Brasil, que foi Zumbi dos Palmares. Ela nos convida a uma reflexão muito mais ampla, muito mais sensível, muito mais aprofundada sobre, primeiro, a capacidade de ação violenta das forças da metrópole.
É fundamental pensar que o colonialismo não se resume às gestões dos Estados colonizados, mas também à tradução literal, tal qual disse Frantz Fanon, da violência expressa, da forma como as forças populares sempre foram tratadas na nossa sociedade e seguem sendo tratadas. Em que pese o fim da gestão colonial, as suas implicações e permanências dizem muito também sobre como o Estado brasileiro ousa seguir tratando suas populações marginalizadas, historicamente racializadas, tal qual era no período colonial, e que seguiu no período pós-colônia e da República.
Oliveira Silveira foi capaz de sistematizar essa reflexão e hoje dá o tom das nossas discussões. Ele nos permite avançar no sentido de compreender que é possível — e a universidade é um espaço importante de reflexão e de construção de lideranças para a gestão do nosso Estado — esse olhar diferenciado, esse lugar da reflexão alternativa que nos coloca no lugar de protagonistas das nossas próprias histórias e realidades. Isso diz muito sobre como a universidade tende a também ocupar um lugar diferenciado no processo de construção de novos atores — atores políticos, atores sociais —, de formação de gerações de brasileiros e brasileiras que sejam capazes de fazer uma reflexão à altura daquilo que todos nós achamos ser pertinente para construir uma nação, uma sociedade verdadeiramente democrática, laica, sensível, solidária e inclusiva.
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Então, eu deixo aqui parte da minha contribuição. Acredito que poderia dar muito mais, mas o autor demanda, a trajetória dele demanda. Ela não tem fim, é perene, é permanente.
Venho aqui não só como representante do Ministério da Igualdade Racial, mas também como ativista do movimento negro, como pesquisador, como intelectual da Academia, que compreende, na figura de Oliveira Silveira, uma das nossas principais referências da luta por vida digna, da luta por um Brasil verdadeiramente de todos.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Cledisson, pela importante contribuição.
A SRA. LEONICE APARECIDA DE FATIMA ALVES PEREIRA MOURAD - Bom dia a todas as pessoas presentes, às pessoas que nos ouvem.
Cumprimento a Deputada Reginete e reitero sua fala a respeito da importância da proposição, assim como a fala do Secretário Cledisson.
A minha contribuição para o debate vai no sentido da dimensão efetivamente técnica. Coube a mim apreciar e elaborar uma nota técnica para a SINAPIR acerca do projeto de lei apresentado pela Deputada Reginete Bispo, ainda que eu seja sul-rio-grandense, ainda que eu seja professora da Universidade Federal de Santa Maria e tenha sido (falha na transmissão) um programa de história e, obviamente, tenha um contato muito próximo com a produção do Oliveira Silveira.
Eu destacaria dois aspectos que entendo como fundamentais, e o Secretário Cledisson tangenciou um deles há pouco. O primeiro é um aspecto mais formal acerca do Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Digo formal, porque o que efetivamente é esse livro? Ele funciona como um repositório, aquilo que nós historiadoras e historiadores chamamos de um lugar de memória. Ele é um suporte do que nós chamamos de memória coletiva ou, neste caso, de memória nacional.
O grande debate é: o que é a memória nacional? Quem faz parte dessa memória nacional? Quem está nesse livro, no qual a Deputada Reginete Bispo propõe a inclusão do nome de Oliveira Silveira?
Nós vivemos um momento importante de ampliação da memória nacional, de disputa da memória nacional, de construção de outras narrativas, de outras possibilidades de se pensar isso, que foi de fato o que Oliveira Silveira fez na sua trajetória a partir da narrativa poética, da narrativa artística, da produção e da ação, como o Secretário Cledisson bem nos trouxe.
Oliveira Silveira — a nota que elaborei aponta isto especificamente, a nota que foi aprovada pela Secretaria —, interessava-se particularmente por efemérides, por calendário, por essa temática de memória, esses lugares de memória. Daí o seu esforço de identificar a data efetiva do assassinato de Zumbi e Dandara, no sentido de pensar nessa calendarização, o que acabou resultando no 20 de Novembro. Isso é importante.
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Ele fez um esforço para calendarizar e atribuir outro sentido a uma data. Agora há o nosso esforço, o esforço pela aprovação do PL proposto pela Deputada Reginete Bispo, exatamente para rememorar, calendarizar, de maneira efetiva, a trajetória deste importante personagem, deste importante afro-gaúcho: Oliveira Silveira. Esse é o primeiro passo.
A questão da memória, desses lugares de memória, dessas narrativas de memória e desse livro como esse importante espaço está dentro dos debates específicos de Durban. É preciso que nos atentemos para isso. A ideia de reparação dessas memórias, dessas disputas para memórias tem como pano de fundo, além de todo um conjunto de debates que o Secretário Cledisson nos trouxe, de estudos decoloniais, desses novos paradigmas epistêmicos, também os debates instituídos a partir do Protocolo de Durban. Esse é o primeiro aspecto, um aspecto formal que a nota para a SENAPIR traz.
O segundo aspecto já foi trazido pela Deputada e pelo Secretário e diz respeito à trajetória de Oliveira Silveira. Nesse sentido, eu retomaria e destacaria o envolvimento dele com clubes negros, o envolvimento com a arte e repisaria isto de forma muito significativa. Acredito que a colega Wilma, do Ministério da Educação, vá apontar este ponto, o de Oliveira Silveira como educador, como professor de educação básica, da arte, da área de língua portuguesa e literatura. Antes de essa temática estar prevista em lei, ele trabalhava com história afro-gaúcha e afro-brasileira — a Lei nº 10.639 ainda é pouco aplicada, lamentavelmente. Oliveira fazia isso nas suas disciplinas. Ele era um professor que tinha uma atuação também laboral extremamente importante e estava comprometido em tensionar o currículo. Esse é um dado importante, um dado que merece ser referido, ressaltado.
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Também queria destacar outra coisa que aparece muito pouco nos estudos. Oliveira Silveira nos indica uma presença muito forte de populações negras, de populações escravizadas e seus desdobramentos, após a Abolição, no Rio Grande do Sul, muito precocemente, a partir da narrativa poética.
A sua primeira obra é do ano de 1962. É importante que as pessoas que estão aí presentes e as que nos ouvem de modo remoto tenham presente, caso não saibam, que esse é um ano importante. Data de 1962 esta obra clássica que rompe a historiografia tradicional: Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional, de Fernando Henrique Cardoso. Ela traz a público a ideia de que, sim, existiu escravidão no Sul do Brasil. Fernando Henrique Cardoso localiza isso na Região Sul do Brasil, na região de Charqueadas, na região de Pelotas. O ano de 1962 é o da tese de Fernando Henrique Cardoso. Nós da academia sabemos que uma tese circula muito pouco fora do meio acadêmico. E Oliveira Silveira publicava sobre isso em poesia. Essas poesias circulavam nesses clubes negros, circulavam nesses eventos, e o Grupo Palmares as promovia para o grande público. Esses debates circulavam, obviamente, antes da obra de Fernando Henrique Cardoso. Observem que ele traz isso antes de isso aparecer na historiografia.
Há esse esforço do Secretário Cledisson de desvelar isso, de descortinar essa presença historicamente invisibilizada, que só é trazida para o espaço acadêmico a partir da produção dele. Ele o apresenta como um importante pensador, responsável por uma importante produção para o pensamento social brasileiro, e, talvez pela narrativa poética, isso não apareça com tanta frequência.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Leonice, pela importante contribuição. Quero também agradecer ao MIR pela nota técnica, que vem fortalecer o projeto, para que ele tramite com a maior brevidade possível nas duas Casas, tanto na Câmara quanto no Senado.
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Estou muito feliz. Muito obrigada por essa homenagem, por essa proposta de considerar meu pai como Herói da Pátria. Vejam só.
Vou ler aqui um poema dele que, acho, tem muito a ver com toda essa circunstância, porque levamos 53 anos para conseguir que o 20 de Novembro fosse estabelecido como feriado nacional, para que essa data fosse reconhecida na nossa Nação, o Brasil. Vou ler o poema O muro, de Oliveira Silveira:
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Naiara, pela tua presença, mas também pelo trabalho que vens fazendo no Instituto Oliveira Silveira, na Associação Negra de Cultura, dando continuidade e levando adiante o trabalho que o teu pai fazia com muita dedicação, fortalecendo sempre a luta antirracista no nosso Estado, no nosso País, e preservando a memória dos que vieram antes de nós e que travaram essa luta, que permitiu que estivéssemos aqui hoje. Obrigada, Naiara.
Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer e dizer que me honra muito estar presente neste lugar neste momento.
Eu gostaria de fazer a minha breve audiodescrição. Sou uma mulher negra. Quando entrei para os 50 anos, eu tinha 1 metro e 53 centímetros, e agora tenho 1 metro e 50. Aumenta a idade, e diminui a altura. Estou com 52 anos e agora tenho 1 metro e 50.
Estou usando óculos pretos, blusa verde e saia bege.
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Originalmente, sou professora titular da Universidade Federal do Pará há 30 anos. Trabalho com a temática da formação de professores e educação das relações étnico-raciais durante todo esse tempo que estou na universidade.
Cumprimento em especial a nossa Deputada Reginete Bispo pela brilhante ação em propor esse PL, que é importante não somente para esta Casa, não somente para o Rio Grande do Sul, mas também para o Brasil e para a Nação brasileira. Deputada, meus cumprimentos por essa ação aqui realizada.
Oliveira Silveira era um educador por natureza. De todas as ações estruturantes realizadas, já ditas pelos meus colegas que me antecederam, eu gostaria de sublinhar uma que, a nosso ver, tem muita sintonia com o trabalho que realizamos no Ministério da Educação.
Falar dele como educador, na sua essência, na sua estrutura, para nós é muito importante, uma vez que, como já lembrado pela nossa colega que me antecedeu, Leonice, ele foi um educador da educação básica.
Falar dessa importância significa dizer que ele foi um precursor da ideia de que a temática étnico-racial deveria ser discutida e inserida nos currículos da educação básica. Ele, dentre tantos outros, iniciou esse processo sobre o qual os seus desdobramentos, por exemplo, ecoam até hoje e permanecerão. Esse legado permanecerá para as próximas gerações, especialmente quanto ao que ele ensejava: nós precisamos formar gerações que se insurjam contra qualquer forma de injustiça racial.
Nessa premissa, seus desdobramentos, seus ensinamentos e toda a sua ação fomentam esse legado, não só como filósofo, como político, como educador, mas sobretudo como aquele que demanda a memória acerca do povo negro que nos colocava como objetos de uma nação e subverte essa memória em elementos que são agentes de constituição da Nação. Ele criticou o 13 de Maio.
Quando ele critica o 13 de Maio e subverte aquela narrativa que havia sido engendrada nos livros didáticos — muitos de nós estudamos na cartilha Caminho Suave, como eu, na década de 70 —, essa representação da conformação da sociedade brasileira ainda estava sob essa premissa. E na hora em que ele critica o 13 de Maio como uma data a ser subvertida ele traz para o Senado, para o epicentro da discussão, outra forma, outra epistemologia para se discutir a temática étnico-racial.
Esse legado se espraia para a educação na medida em que seus desdobramentos estão na base daquilo que essa gestão do Presidente Lula iniciou em 2003, com a promulgação da Lei nº 10.639, atualizada pela Lei nº 11.645, em 2008, e faz com que aquela que era uma indagação, uma perspectiva de mudança epistemológica, no que tange aos currículos escolares, torne-se lei. Hoje, já contemplamos 21 anos de implementação da Lei nº 10.639, e, com ela, esta atual gestão do Presidente Lula, na gestão do Ministro Camilo Santana e na Secretaria capitaneada pela Secretária Zara Figueiredo, nós conseguimos... Nós mesmo, porque não existe nenhuma conquista dessa natureza e dessa magnitude que seja individual. Oliveira Silveira já nos ensinava isso, não existe essa possibilidade.
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Justamente a partir dessas premissas, a SECADI engendra uma política nacional de equidade por meio da qual sete eixos fazem com que essa legislação, a Lei nº 10.639, chegue a todas as escolas brasileiras e a todos os Municípios nacionais.
Nós conseguimos, depois de 21 anos, realizar um diagnóstico acerca da Lei nº 10.639, sobre como essa legislação tem trabalhado, com a sua estrutura, no que diz respeito, Deputada, a esses conteúdos sobre a temática étnico-racial e à educação escolar quilombola nesses currículos da educação básica. Assim, por meio do primeiro eixo, nós fizemos o primeiro diagnóstico oficial que demonstra como essas discussões têm sido encaminhadas nos currículos da educação básica de 98% dos Municípios brasileiros. Nós obtivemos 100% de adesão dos Estados à política.
Nós tivemos a adesão de quase 98% dos Municípios ao diagnóstico e 86% de adesão à política.
Isso significa dizer que nós trabalharemos juntos com todos os movimentos sociais, indígenas, negros, quilombolas, com as instituições, com os institutos federais, com as universidades federais, UNDIME, CONSED, com esta Casa e com todos os Parlamentares que nos apoiaram enormemente para que essa política fosse colocada de pé como está.
Nós temos o legado de Oliveira Silveira sendo dimensionado da forma como ele preconizou quando debateu sobre a relevância de se inserir nos currículos a temática étnico-racial de que o enfrentamento do racismo se dá pela educação.
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Então, o Ministério da Educação congratula-se com essa magnânima ação da Deputada Reginete Bispo em relação a esse PL, que mantém essa energia, o legado e a memória desse homem tão importante para a Nação brasileira ao fazer com que um feriado nacional como este, o 20 de Novembro, seja não somente para que as pessoas possam saber quem são os heróis da Nação, mas também saber que esses heróis alteraram a epistemologia curricular de novas gerações e para que essas novas gerações possam ser formadas para que se insurjam, como ele nos ensinou, contra qualquer forma de injustiça racial.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Wilma, pela sua contribuição.
Vou fazer minha autodescrição, como solicitado. Eu me chamo Franciele Rocha de Oliveira, sou uma mulher branca, sou gaúcha — então o sotaque já me denuncia bastante —, sou uma mulher de cabelos pintados na cor ruivo, uso um vestido preto e branco estampado, comprido e que cobre os ombros, uso uma pulseira com búzios, tenho 33 anos, cerca de 1,56 metros.
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Saúdo a companheira Suelen Aires, que está aqui também presente e que vem do mesmo lugar de onde eu venho.
Saúdo a Deputada Reginete, em especial, por essa grandiosa ação de reconhecimento de Oliveira Silveira.
Também quero saudar, em especial, a Naiara. Acho que a última vez que eu vi a Naiara foi nos 50 anos do 20 de novembro, lá em Porto Alegre. Eu tive a oportunidade de entregá-la uma camiseta em homenagem a Oliveira, feita pelo grupo de estudos ao qual eu também pertenço.
Peço licença para ler para vocês algumas palavras que eu preparei e que fundamentam a minha argumentação acerca da importância desse sujeito na epistemologia e na constituição do conhecimento, que fazem com que pessoas como eu, historiadoras e educadoras antirracistas, constituam-se também enquanto sujeitos que pensam uma outra história possível do Rio Grande do Sul e também do Brasil.
O meu lugar de fala nesta plenária, apesar de ser Coordenadora-Geral de Relações Institucionais do Arquivo Nacional, que hoje é uma Secretaria do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, é, sobretudo, como professora, historiadora e educadora antirracista, gaúcha da região central do Rio Grande do Sul, Santa Maria, e que há 15 anos vem acompanhando experiências e trajetórias e organizações negras no Estado, que ainda lidera, infelizmente, como na Região Sul como um todo, o ranking dos crimes de racismo neste País, segundo os anuários da Segurança Pública têm nos demonstrado.
Nessa experiência, que envolve fundamentalmente a escuta e a pesquisa documental das comunidades negras, quilombolas, dos movimentos sociais negros, dos clubes sociais negros, em que Oliveira Silveira sempre é evocado e rememorado, eu não estou me referindo apenas ao 20 de novembro. Se para alguns ainda o nome de Oliveira Silveira pode soar como novo, desconhecido, ou representativo de apenas uma região, para muitos, neste País, ele é base fundamental. Não à toa, sua atuação no Grupo Palmares nos traz ao feriado que, pela primeira vez, tornou-se nacional em todo o território brasileiro, e ele é um dos intelectuais mais importantes do movimento negro deste País.
Oliveira Silveira, quero chamar a atenção, tem sua origem no campesinato negro do Pampa gaúcho. Nascido nos anos 40, em Rosário do Sul — estamos falando aqui de um contexto de pós-abolição, quando políticas públicas voltadas para as populações negras nem sequer existiam —, Oliveira era filho de Felisberto Martins Silveira e Anair Ferreira da Silveira, neto materno de Zacarias Ferreira, nascido em 1872, e de Martinha da Costa, nascida em 1875, possivelmente, pessoas nascidas de ventre livre. Estamos falando aqui de um grupo que foi tema da minha tese, de sujeitos que têm a experiência de uma liberdade precária, cujas mães constituem a última geração de mulheres cativas no País. Era bisneto de Manuel da Costa e de Eulália da Costa Trindade, possivelmente, pessoas que viveram a escravidão.
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Oliveira Ferreira da Silveira, como muitos afro-gaúchos e quilombolas, acompanhou a luta dos seus ancestrais pela sobrevivência, pelo acesso à terra, no trabalho rural, na lida campeira, o que foi reconhecido e muito bem referenciado em suas obras literárias, o que sempre valorizou suas origens e ancestralidade. Não à toa, no poema Sou, ele diz:
Como muitos afro-gaúchos, Oliveira também migrou da sua região de origem para a Capital Porto Alegre nos anos 50 e sempre valorizou o estudo e a educação. Formou-se, atuou no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, onde atuou no jornal da escola, trabalhou na Editora Globo e depois ingressou no curso de Letras da URGS, quando publicou o seu primeiro livro de poemas, Germinou, em 1962, como bem lembrou a Profa. Leonice Mourad. Licenciou-se, em 1965, em Língua e Literatura Portuguesa e Francês. Sempre seguiu educando. E aqui também saliento a fala da Profa. Wilma, quando diz que a educação estava no centro de sua atuação.
Eu chamo a atenção também para um aspecto importante que muitas vezes a branquitude não consegue enxergar sobre as experiências negras.
Oliveira Silveira é trazido não somente como um descendente de pessoas que foram escravizadas, que lutaram por direitos e cidadanias ao longo de suas trajetórias, que enfrentaram as barreiras do racismo cotidiano que, inclusive, impediam-nas de frequentar os mesmos espaços, sendo necessária a criação de espaços próprios que os protegessem e os assegurassem direitos, que os permitissem expressar identidades elaboradas sobre a ótica da valorização e da positividade e da denúncia do racismo vivido, como os clubes sociais negros, os times negros de futebol, a imprensa negra, espaços dos quais Oliveira fez parte, ajudou a elaborar, enquanto categoria fundamental da história da cidadania negra no País.
Oliveira é, antes de qualquer coisa, um homem negro livre e reconhecido em sua humanidade e intelectualidade; é reconhecido enquanto pesquisador e ativista que valorizou suas origens, que alçou as experiências do seu povo, a construção de uma literatura afro-gaúcha engajada com as existências e as lutas de seu povo, que fez dessa experiência a essência para a construção de epistemologias outras, que muitas vezes não eram contempladas nem nas universidades, nem na literatura.
Trouxe outras formas de pensar, de ver, de narrar o mundo, o que impacta no todo, inclusive, em sujeitos como eu, que se tornou historiadora aliada da luta antirracista. Isso porque pessoas como Oliveira Silveira alertaram há muito tempo sobre a importância de escutarmos pessoas negras e de valorizarmos as suas existências em solo brasileiro, o que certamente muda a forma de escrever a história e de compreendê-la e, provavelmente, muda também, daqui para frente, o pensamento de gerações futuras.
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Dentro dessa perspectiva, quero demarcar que Oliveira foi um dos grandes responsáveis pela salvaguarda documental do patrimônio negro do Rio Grande do Sul. Não me refiro apenas ao seu acervo pessoal e ao do grupo e das ações em que fez parte, tal como o Grupo Palmares, mas também, sobretudo, ao acervo da imprensa negra, do jornal O Exemplo. Oliveira guardava a maioria dos exemplares correspondentes à primeira fase desse jornal da imprensa negra gaúcha.
A historiadora Melina Perussatto, inclusive, traz, em um dos textos, uma fala de Oliveira dos anos 70, em que ele diz: "O Exemplo — o jornal da imprensa negra — merece que se escreva em letras grandes nas encadernações de suas coleções: Cuidado, delicado, precioso, patrimônio cultural da comunidade negra de Porto Alegre". Ele é responsável pela elaboração do conceito de clubes negros, clubes sociais negros, e foi uma importante liderança do movimento clubista negro. É ele quem diz que clubes negros são espaços associativos do grupo étnico afro-brasileiro, originário da necessidade de convívio social do grupo, voluntariamente constituído e com caráter beneficente, recreativo e cultural, desenvolvendo atividades em espaço físico próprio, conforme ata da reunião da Comissão Nacional de Clubes Negros, escrita em 2008.
Antes de encerrar, eu digo que Oliveira Silveira é responsável por impactar gerações inteiras como professor, ativista, escritor, protetor do patrimônio cultural documental da população negra, de valor inestimável, e idealizador do 20 de novembro, junto com seus companheiros. Publicou mais de dez títulos e recebe inúmeras homenagens até hoje, o que nos traz até aqui.
Quero salientar também que Oliveira Silveira foi tema de uma exposição que hoje está disponível no Google Arts & Culture, organizada pelo Geledés Instituto da Mulher Negra, Rede de Historiadores Negros e Acervo Cultne. Também destaco que ele é tema de curso promovido pela UFRGS e pela UNIPAMPA, desenvolvido pela Profa. Sátira Machado e Maria da Graça Gomes Paiva. Então, Oliveira Silveira é um curso. Ele é um formador, até hoje, de gerações inteiras de profissionais e professores.
Por fim, eu trago a atuação de onde eu venho, que é do GEPA — Grupo de Estudos sobre o Pós-Abolição, que é constituído, em sua maioria, por autodeclarados negros, pretos e pardos e que homenageou Oliveira Silveira em materiais pedagógicos e na camiseta do grupo. Esse grupo tem mostrado que o Rio Grande do Sul, conforme levantamentos que nós temos, possui cerca de 48 jornais da imprensa negra, mais de 146 comunidades quilombolas, mais de 50 clubes sociais negros mapeados. Só em Santa Maria, nós mapeamos mais de 30 organizações negras. Nós estamos falando de 30 clubes de futebol só no Rio Grande do Sul, clubes negros de futebol. É o segundo Estado mais branco do País, porém é o Estado com o maior número de terreiros deste País. Estimam-se, segundo Baba Diba de Iemanjá, 65 mil terreiros. Todos esses espaços que hoje nós nos dedicamos a estudar, isso só é possível ser feito porque pessoas como Oliveira Silveira vinham alertando para isso, reunindo documentação e valorizando essa importância.
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Encerro, então, dizendo que Oliveira deve ser reconhecido como Herói da Pátria, porque sempre soube reconhecer, na luta dos seus ancestrais, a chave para a sobrevivência, para entender o Brasil e proporcionar acesso a direitos, promovendo uma verdadeira revolução no pensar e no fazer de muitos de nós que aqui seguimos o ensinamento do mestre e ainda buscamos dignidade para essas comunidades na luta antirracista, seja por meio do estudo, seja por meio da pesquisa, seja por meio do ensino, seja por meio da educação, seja por meio da cultura, seja por meio das artes, seja por meio das letras, seja por meio da política.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Franciele, pela excelente explanação e pela sua presença.
Infelizmente a Iêda Leal, representante do Movimento Negro Unificado, não pôde entrar em nossa reunião. Ela seria a nossa última palestrante.
O SR. CLEDISSON GERALDO DOS SANTOS JÚNIOR - Eu queria terminar começando. Eu não fiz a minha audiodescrição, peço desculpas, mas a farei agora. Sou um homem negro, de 1,70 metro, trajo um terno azul-marinho e camisa branca. Estou na faixa dos quarenta e pouquíssimos anos de idade.
Eu queria saudar, de forma muito particular, o Igor, Assessor Parlamentar do Ministério da Igualdade Racial, que me acompanha nessa agenda — obrigado, querido; a Suelen, assessora da Deputada Reginete Bispo e também uma amiga de mais de 20 anos de história. Entre tantas oportunidades como colega de ativismo e militância da juventude partidária, também foi minha veterana no doutorado em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É uma amiga muito querida.
Encerro usando uma expressão que, de forma muito orgulhosa e cativante, pude aprender quando vivi no Rio Grande do Sul, uma expressão que, desde então, marca-me bastante: "Não está morto quem peleia". Isso diz muito sobre a obra, o trabalho e a contribuição política de Oliveira Silveira. São décadas nos orientando, instruindo-nos na forma de fazer uma boa luta, uma luta responsável, compromissada, decolonial, se assim podemos dizer. Antes de tudo, é uma luta extremamente sensível, afetiva e que diz muito sobre como fazemos política nos diferentes espaços, nós, homens negros, mulheres negras, sexos diversos negros e aqueles e aquelas que se somam a essa batalha, a esse conjunto de transformações necessárias para a melhoria da vida digna no nosso País.
Nós nos somamos para construir a perspectiva de uma sociedade justa, democrática, que rompa com séculos e séculos de opressão.
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Eu quero agradecer à Deputada Reginete, quem eu admiro muito há muitos anos. Ela é uma grande liderança no Rio Grande do Sul e pude conhecê-la mais de perto aqui no Congresso Nacional, no tempo em que estive aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada, Cledisson.
Sou uma mulher negra, tenho 54 anos, estou vestindo uma roupa de estampa africana colorida, com uma gola preta, uso óculos grandes, de armação preta, e atrás de mim há um fundo branco.
Queria reforçar também essa ideia, essas duas dimensões. Acho sempre muito importante destacarmos a importância de diversificar as narrativas. Isso porque nós viemos de uma tradição de narrativas únicas, de heróis únicos, inclusive de ausências de heroínas, mas ainda assim de heróis e heroínas únicas.
Viemos, como a própria colega da educação disse, de currículos profundamente monoculturais. Então, é absolutamente urgente que expandamos isso, diversifiquemos currículo, disputemos e, de alguma forma, tensionemos esses espaços, a memória, as nossas trajetórias. Assim me defino. E me sinto mais à vontade em me definir assim, como sul-rio-grandense, e não como gaúcha.
Diria que é isto, exatamente como o secretário referiu: "Não está morto quem luta e quem peleia". E o Oliveira Silveira lutou e peleou duramente, porque ser negro no Brasil não é fácil, ser negro no Rio Grande do Sul também não é fácil, principalmente, na região de Campanha, de onde veio Oliveira Silveira.
Enfim, esse dado que trago também para vocês é muito discutido nos NEABIs da UNIPAMPA. Essa é uma discussão importante realizada numa universidade federal da região do Pampa. E lá homenageiam Oliveira Silveira. Então, trata-se de um espaço importante. Ele é, de fato, uma referência importante, cujo nome precisa constar no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Leonice.
Este PL, então, é de alta relevância, porque nos traz um aprendizado e um desafio.
O aprendizado é que o combate ao racismo não se faz com ações isoladas. E isso Oliveira Silveira nos ensinou. E a trajetória da Deputada em torno dessa temática reitera essa premissa, mas nem com protagonismos solitários nem com atitudes definitivas, como Oliveira nos ensina e nos ensinou.
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A natureza do sistema educacional compreende uma renovação constante dos agentes de cada sistema dentre as suas ações e lugares que foram subvertidos ao longo dessa trajetória de currículo homogêneo, de currículo eurocêntrico.
Isso significa que a luta é permanente, que ela se apropria e se beneficia do legado de gerações anteriores, às vezes, ampliando conquistas, introduzindo novos avanços, recuperando conquistas perdidas. O passado recente é pródigo em lições suficientes nesse sentido.
Esse PL reitera a necessidade de se construir um vínculo com essa memória entre as ações daqueles que nos antecederam, reconhecendo conquistas, perdas, avanços e recuos.
Isso demanda humildade para o reconhecimento de que constituímos um coletivo, uma corrente libertária, formada por elos comprometidos com a mesma causa. Isso demanda compromisso. Esse PL é um exemplo desse compromisso por meio de vinculação de ações às demandas dos movimentos que integramos e das necessidades que o nosso tempo impõe.
Por isso, reitero a honra de participar desta audiência pública, pois o PL registra um desses elos dessa corrente libertária, um dos pilares da nossa luta, um dos heróis da nossa resistência como povo preto.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Wilma.
A SRA. NAIARA RODRIGUES SILVEIRA - Sim. Eu já chorei, eu já ri. Estou muito feliz com tudo isso que vocês falaram do meu pai, porque eu tenho a visão de filha. É tão bom ouvir das outras pessoas aquilo que eu também acho! Então, isso não fica só na minha emoção.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Naiara, esta reunião fica, sim, gravada. Você pode acessá-la na hora que quiser. Também podemos providenciar isso para você. E você pode baixá-la na página da Câmara. Vamos pedir à nossa Assessoria que a encaminhe para você.
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A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Naiara.
A SRA. FRANCIELE ROCHA DE OLIVEIRA - Eu reforço o meu agradecimento pelo convite para estar reunida aqui com vocês e falar sobre essa pessoa muito importante.
Eu me coloco à disposição de V.Exa., Deputada Reginete, de sua equipe e dos demais participantes para seguirmos ecoando essa história, essa trajetória, pela importância de Oliveira Silveira.
Eu me coloco à disposição, sobretudo, da Naiara, do instituto, da família Ferreira da Silveira, nesse resgate das origens familiares de Oliveira, de subsídios documentais e históricos.
Eu trabalho com reconstituição de genealogias de famílias negras. Recentemente, nós trabalhamos com o GEPA na reconstituição da família de Lupicínio Rodrigues. Até então, não se conheciam os ancestrais africanos, que são quilombolas da região litorânea do Rio Grande do Sul, do litoral negro.
Reafirmo essa parceria e esse apoio que, mais uma vez, seguem na elucidação dessa trajetória afro-gaúcha.
Eu me coloco à disposição, junto com os órgãos e as entidades aos quais eu pertenço e com os quais eu compartilho essas perspectivas, como o GEPA UFSM e o Arquivo Nacional, para fazer ecoar essa grande liderança, que prestou um serviço muito fundamental para a história, para a literatura e para a educação, pela proteção do patrimônio documental da cidadania e das experiências negras em território afro-gaúcho.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Franciele.
Eu me emocionei com a fala da Naiara, porque também nos fez sentir saudade ao lembrar Oliveira Silveira nas ruas de Porto Alegre, na Feira do Livro. Eu sempre digo que a Feira do Livro é um fato cultural muito forte em nosso Estado e em Porto Alegre. Sem Oliveira Silveira, a Feira do Livro mudou. Era comum nós encontrarmos Oliveira Silveira em todas as edições da Feira do Livro, sempre com um livro embaixo do braço. Ele era uma figura muito presente nas nossas vidas.
Naiara e demais convidados, apresentar esse projeto de lei para inscrever o nome de Oliveira Silveira no Livro dos Heróis e das Heroínas da Pátria é o mínimo que nós podemos fazer diante da contribuição que ele deu para o povo brasileiro, para nós negros e negras, para nós gaúchos que vivemos lá na pontinha do Brasil, num dos Estados mais brancos do País,
mas que também construímos uma resistência forte, que tem trazido grandes figuras para a luta por justiça e por igualdade, como o Oliveira Silveira, o Almirante Negro, o João Cândido e a nossa querida Luiza Bairros, que fizeram história, que fizeram a diferença em nosso País.
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Antes de finalizar, eu não poderia deixar de ler uma poesia do Oliveira Silveira, porque foi nessa área que ele mais se destacou, com publicações incríveis. Eu reforço as palavras da Franciele: leiam Oliveira Silveira, que tem uma literatura muito importante e fortalecedora, porque fala do cotidiano e da realidade do povo brasileiro, de nós negros e negras. A poesia se chama Encontrei minhas origens.
Agradeço a todos e todas pela contribuição para este momento importante no processo de reconhecimento de Oliveira Silveira como herói da Pátria e também por esta troca carregada de razão e muita emoção, que é muito própria quando se fala do nosso povo, da nossa gente.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião, antes convocando as senhoras e os senhores para a audiência pública que discutirá a eficácia, os desafios e as implicações das bancas de heteroidentificação no sistema de cotas raciais, que acontecerá ainda hoje, às 14 horas, neste plenário.
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