Horário | (Texto com redação final) |
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ABERTURA DA SESSÃO
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Está aberta a Sessão Solene.
LEITURA DA ATA
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Nos termos do parágrafo único do art. 5º do Ato da Mesa nº 123, de 2020, fica dispensada a leitura da ata da sessão anterior.
EXPEDIENTE
(Não há expediente a ser lido.)
HOMENAGEM
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Esta Sessão Solene, requerida por mim, Deputada Reginete Bispo, pelas Deputadas Dandara e Erika Hilton e pelo Deputado Vicentinho, se dá em homenagem ao Dia da Consciência Negra.
Neste momento, convido para compor a Mesa a Deputada Dandara Tonantzin, também requerente desta Sessão Solene; o Deputado Vicentinho, que ainda não se encontra no plenário; a Sra. Fernanda do Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral da Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania; a Sra. Iara Bento, Coordenadora do SOS Racismo da ALESP, Promotora Legal Popular e atual Vice-Presidente do PT em São Bernardo do Campo.
Participam, de forma virtual, a Sra. Naiara Oliveira, filha de Oliveira Silveira, pedagoga especializada em educação de surdos, atuante na Escola Municipal de Ensino Fundamental Bilíngue para Surdos Vitória, em Canoas; e a Sra. Eliete Paraguassu Silveira, Vereadora eleita em Salvador, quilombola, marisqueira e referência na resistência em defesa dos mares e da população pescadora e extrativista.
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09:24
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(Procede-se à execução do Hino Nacional.)
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09:28
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A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Peço ao Deputado Vicentinho que venha compor a Mesa conosco.
(Exibição de vídeo.)
(Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Que lindo o momento do Hino à Negritude, a que acabamos de assistir e que reverencia a luta do povo negro no Brasil!
Eu quero saudar a todos e a todas, especialmente os alunos do Centro de Ensino Fundamental de Ceilândia, aos quais agradeço a presença. É uma alegria tê-los conosco nesta Casa.
(A Sra. Reginete Bispo, nos termos do § 2º do art. 18 do Regimento Interno, deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pela Sra. Dandara, nos termos do § 2º do art. 18 do Regimento Interno.)
A SRA. REGINETE BISPO (Bloco/PT - RS) - Meus queridos e minhas queridas presentes neste plenário, convidados que compõem esta Mesa, aqueles que nos acompanham de forma virtual, quero dizer que, na Sessão Solene de hoje, comemoramos o 20 de novembro.
A data de Zumbi dos Palmares e da consciência negra não é apenas uma comemoração, mas também um convite à reflexão, à resistência e à construção de um país verdadeiramente justo. É um símbolo de luta contra as desigualdades históricas e estruturais que atravessam gerações e, por que não dizer, séculos. Este é o momento de considerarmos o sangue, o suor e a luta de milhões de pessoas negras que construíram este País, mas que, ainda hoje, enfrentam as cicatrizes de séculos de escravidão e de racismo.
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Neste momento, eu não poderia deixar de fazer referência à memória de Oliveira Silveira, que resplandece. Oliveira, um dos idealizadores desta data, foi um homem que ousou resgatar o valor da história do nosso povo. Poeta e ativista, ele nos ensinou a nunca esquecer de onde viemos e a lutar pelo lugar a que queremos chegar. Por isso, eu apresentei, nesta Casa, o Projeto de Lei nº 77, de 2024, que propõe a inscrição de Oliveira Silveira no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, já que ele não apenas escreveu sobre a negritude, mas também viveu e deu voz à resistência do nosso povo.
A obra de Oliveira Silveira é um legado e nos mostra que a história negra não é apenas um capítulo, mas também a fundação deste País. Honrá-lo significa honrar milhões de brasileiros e brasileiras que diariamente lutam por respeito e por reconhecimento.
É importante dizer que, nesta Casa, nós temos, pela primeira vez na história do Congresso Nacional, uma bancada negra. A Bancada Negra compõe os quadros desta Casa e tem um líder que senta à mesa do Colégio de Líderes para ajudar a definir as pautas. Eu faço parte da Bancada Negra, assim como nosso querido Deputado Vicentinho e a Deputada Dandara, o que representa uma conquista para este País, que trabalhou séculos e séculos a fim de nos subjugar. A Bancada Negra é uma conquista para este País, onde o Estado brasileiro tem dificuldade, até hoje, de efetivar os direitos do nosso povo e fazê-lo com equidade, de modo a garantir equidade aos nossos jovens, para que estes tenham acesso à educação, e garantir equidade aos nossos mais velhos, a fim de que envelheçam com dignidade, com respeito e em boas condições de existência.
É preciso garantir equidade a nós mulheres negras, para que possamos viver sem agressão a nossos corpos, para que possamos ter direito ao mercado de trabalho, a um trabalho digno, com segurança e dignidade. Nós lutamos por um país em que possamos viver com orgulho, de cabeça erguida, sem ninguém nos apontando ou nos diminuindo por causa da cor da nossa pele.
O Brasil é rico, pujante, alegre, apesar de tantas dores e de tantas violências. O povo negro foi trazido para este País e foi escravizado, mas, em nenhum momento, deixou de dar o seu melhor, que é a solidariedade, a alegria, a consciência de que esta terra é nossa, de que esta terra tem dono e, por isso, ela precisa de cuidados. Esta terra não é de um indivíduo apenas, nem de uma meia dúzia de indivíduos. Esta terra é um bem coletivo, coisa que o povo negro nos traz e nos ensina. Temos o exemplo das comunidades quilombolas, o símbolo da luta de resistência neste País, cujo grande líder, Zumbi dos Palmares, foi o líder quilombola.
Temos as comunidades quilombolas para dizer que a terra tem que ser coletiva, já que é um bem comum, não um bem individual. Estes valores nosso povo traz, e precisamos reverenciá-los e trazê-los a esta sessão solene, em que celebramos o 20 de novembro. São valores que o povo brasileiro precisa entender como fundantes do nosso País e do povo brasileiro. Nós, negros e negras, somos o povo brasileiro.
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Não dá para dizer que o Brasil não é um país negro — 64% do povo brasileiro é negro. Por isso, meus amigos e minhas amigas, eu gostaria de lembrar que o Dia da Consciência Negra é o momento para reafirmarmos que não descansaremos enquanto o racismo estrutural ferir nossa sociedade, enquanto as oportunidades não forem iguais e enquanto a justiça não alcançar a todos e a todas.
O 20 de novembro é o dia para reafirmarmos nossa consciência negra, nossa fortaleza e nossa arma contra todas as formas de opressão.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Deputada Reginete.
Quero agradecer a Geane Nascimento, curadora da exposição Tecendo histórias, a trama negra da moda brasileira, que, aliás, é produtora do desfile Afrofuturismo, que logo mais será apresentado para nós. (Palmas.)
Geane, querida servidora desta Casa, agora aposentada, a Bancada Negra tem uma enorme gratidão por você. Desde que a nossa bancada foi fundada, você sempre foi uma grande parceira. Muito obrigada.
(A Sra. Dandara, nos termos do § 2º do art. 18 do Regimento Interno, deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pela Sra. Reginete Bispo, nos termos do § 2º do art. 18 do Regimento Interno.)
A SRA. DANDARA (Bloco/PT - MG. Sem revisão da oradora.) - O mês de novembro está se encerrando, mas, apesar deste encerramento, não podemos finalizar as reflexões acerca da consciência negra. Percebam que este dia não trata apenas da comida, da dança ou da música negra. Este é o Dia Nacional da Consciência Racial, e nós precisamos estar conscientes de onde viemos e onde estamos, para que possamos projetar para onde vamos.
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Por que 20 de novembro? Por que Zumbi dos Palmares? Zumbi dos Palmares foi o maior líder de um reduto negro que conseguiu lutar fortemente contra a escravidão, ajudando a libertar negros e negras escravizados, organizando-se nos territórios para ajudá-los a fugirem e, mais do que isso, foi um território de aquilombamento negro. Zumbi dos Palmares, que foi morto em novembro de 1695, simboliza para nós a luta por liberdade, por resistência e também por justiça.
Por que 20 de novembro e não 13 de maio? Assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio, a Lei Áurea só aboliu os crimes que os senhores de engenho cometeram contra a humanidade. Nós negros e negras não recebemos o principal: reparação. Recebemos acerto, férias, 13º salário, seguro-desemprego? Não. Por isso, a pauta da reparação é tão urgente e ainda tão necessária para o movimento negro brasileiro neste momento da história. Os crimes da escravidão nunca foram reparados. Os negros e as negras escravizados nunca foram reparados.
O Dia da Consciência Negra foi impulsionado por um movimento muito importante de Porto Alegre, em meados da década de 70. Nós conseguimos aprovar a proposta que tornou feriado nacional o Dia da Consciência Negra, com a relatoria de uma gaúcha, a minha amiga e companheira Deputada Reginete Bispo, que trouxe para nós essa história.
A data também traz para nós um momento de muita construção coletiva das lutas que ainda estão por vir. Nós sabemos que o racismo organiza relações de poder na nossa sociedade, determina lugares e não lugares, quem vai viver e quem vai morrer. Não é à toa que oito em cada dez vítimas do trabalho análogo à escravidão, ainda hoje, no século XXI, no ano de 2024, são pessoas negras. Em 2024, o salário de negros é 42% menor que o salário de brancos; o salário de mulheres negras é 49% menor, se comparado ao de homens brancos; 76% das vítimas de feminicídio são negras; os números da mortalidade materna de mulheres negras são mais do que o dobro dos números da mortalidade materna de mulheres brancas.
Quando olhamos para os espaços de poder, de tomada de decisão, vemos que, em 2022, candidatos autodeclarados pretos e pardos representavam 47%, mas infelizmente foram eleitos apenas 26%, totalizando aqui nesta Casa 135 cadeiras. Se nós montarmos aqui uma banca de heteroidentificação, de aferição racial, eu tenho certeza absoluta de que esse número de Parlamentares vai cair um pouco mais, porque, nesta Casa, nós ainda convivemos com a afroconveniência, depois que nós aprovamos, inclusive, o nosso fundo de financiamento de candidaturas negras.
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09:48
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As pistas de para onde temos que ir e como vamos já foram trilhadas por gerações que abriram caminhos antes de nós. O movimento negro brasileiro, estrategicamente, organizou a luta pelas cotas, pelas ações afirmativas na graduação. Nós conseguimos, no ano passado, aprovar a continuidade dessa lei e garantir melhorias significativas, como as cotas na pós-graduação, no mestrado, no doutorado. Nós conseguimos, ainda, incluir a obrigatoriedade da cota quilombola. Nós queremos fazer com que todo cotista seja bolsista de assistência estudantil.
Sabiamente, o movimento negro brasileiro entendeu que, se conseguíssemos constituir uma nova intelectualidade negra, conseguiríamos ocupar também, cada vez mais, espaços de poder e de tomada de decisão.
Eu queria agradecer muito a Abdias do Nascimento, a Lélia Gonzalez e a Luiza Bairros, porque eu sou resultado dessa luta. Eu fui cotista no curso de pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia. Eu fui cotista no mestrado em educação na UFMG. Se hoje estou aqui na Câmara dos Deputados é porque tive oportunidades, principalmente na educação.
Nós precisamos disputar o futuro e seguir organizando essas lutas, que são ancestrais, que não começam nem terminam em nós. Da mesma forma, precisamos disputar o imaginário, disputar a consciência racial deste País, que ainda tem pouco letramento racial. Precisamos disputar a educação e a cultura como instrumentos de transformação e seguir inspirando os nossos jovens.
Quero falar, em especial, com os jovens que estão conosco neste plenário no dia de hoje. É fundamental que as pessoas que não são negras exercitem a empatia, a solidariedade, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro ou da outra, a fim de refletir: "Será que o meu comportamento, quando faço aquela piadinha ou aquele comentário com um amigo ou um conhecido negro, realmente tem graça? Se isso fosse feito comigo, eu gostaria desse comportamento?"
Quero conclamar toda a juventude negra brasileira a interditar o racismo, a não autorizar comportamentos preconceituosos, a não autorizar qualquer fala que contenha preconceito, discriminação. Nós precisamos nos empoderar.
A Profa. Nilma Lino Gomes, no livro O Movimento Negro Educador, diz que o verdadeiro empoderamento é a tomada de consciência. A partir do momento em que nós entendemos que o quartinho da empregada não é a única alternativa para nós, dificilmente nós voltamos para esse lugar de submissão.
É fundamental resgatar os nossos símbolos históricos de representatividade e também de poder. Nós temos uma memória de resistência e de coragem neste País. Nós precisamos seguir nos aquilombando e construir um futuro em que a nossa presença seja cada vez mais forte e mais potente em todos os lugares.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Deputada Dandara.
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O SR. VICENTINHO (Bloco/PT - SP. Sem revisão do orador.) - Bom dia a todas, todos e "todes" aqui presentes.
Bom dia à nossa extraordinária Assessoria da Câmara dos Deputados e também aos profissionais da TV Câmara e da Rádio Câmara, que, neste momento, transmitem ao vivo esta sessão solene.
Era inimaginável, no passado, nós fazermos uma sessão para homenagear Zumbi dos Palmares, Dandara dos Palmares e o nosso povo negro.
Eu estou aqui como Deputado há muito tempo. Essa meninada que eu vejo aqui ainda não tinha nascido quando fui eleito Deputado.
Quero parabenizar a coordenadora e a professora de vocês, que permanecem aqui. Vocês estão em visita, mas a presença de vocês aqui é muito importante. Eu olhava para vocês ali da Mesa, via meninos e meninas e pensava: "Devo estar olhando aqui, quem sabe, para um Presidente da República, para uma Presidenta, para um Ministro, para um Deputado Federal, para um Senador". Na idade de vocês, lá no Sertão do Rio Grande do Norte, eu trabalhava na roça com os meus pais. Eu era analfabeto. Eu não sabia de nada. Depois, aos 14 anos, eu tive que trabalhar na emergência, na grande seca, lá em Acari, no Rio Grande do Norte. Depois, passei a vender pão na rua. Pois é, fui vendedor de pão, fui guia de cego, trabalhei na roça. Hoje estou aqui como Deputado Federal no sexto mandato. Neste ano, fui eleito um dos melhores Deputados Federais do Brasil. Fiquei entre os 50 mais bem votados.
Quando cheguei a São Bernardo, ainda semianalfabeto, um camarada chamado Luiz Inácio Lula da Silva era diretor de sindicato. Nós trabalhávamos em turnos de revezamento. Aquele cara chamado Lula, que hoje é o Presidente da República, criou uma escola. Essa escola era para dar garantia a quem não tinha oportunidade de estudar: da manhã, à tarde e à noite, a matéria era a mesma, senão ninguém conseguiria estudar.
Depois, eu fui eleito Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos. Posteriormente, fui eleito Presidente Nacional da CUT. Terminei o meu primeiro grau no sindicato. Vocês não sabem o que eu vou falar agora, mas eu fiz o meu segundo grau pelo Telecurso Segundo Grau, que era um curso pela televisão. Depois, fiz um curso de direito. Em seguida, fiz uma pós-graduação na UNICAMP. Sou advogado e sou professor de direito. Agora estou fazendo um doutorado na USP.
Eu não estou contando essa história para me valorizar, para me vangloriar, mas, sim, para dizer a vocês que tudo é possível, desde que nós tenhamos oportunidades, desde que nós lutemos.
Por isso, quando eu digo que devo estar olhando aqui para uma pessoa proeminente, quero dizer a vocês: não desanimem! Eu tinha preguiça de estudar. Eu comecei a estudar na escola, mas parei, como muita gente para, por causa de um apelido: Vicente Rapadura. A minha mãe botava, num saquinho de pano, um pedaço de rapadura, para eu lanchar, enquanto os outros comiam pão com queijo, pão com não sei o quê, bolacha com não seio o quê. Começaram a me chamar de Vicente Rapadura. Eu comecei a ficar com vergonha e não fui mais para a escola. Tempos depois, descobri que aquilo era assédio.
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Saúdo, com carinho, a minha companheira Deputada Reginete Bispo, que comigo foi requerente desta sessão.
Quero saudar também a jovem Fernanda do Nascimento Thomaz, Coordenadora-Geral da Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas. Ela está representando o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Também está presente a nossa querida Iara Bento, que veio de São Bernardo. Ela é minha colega e Vice-Presidente do nosso partido em São Bernardo. Além disso, ela é Coordenadora do SOS Racismo, serviço implantado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo — ALESP, e Promotora Legal Popular.
Eu estou contando essa história da Iara porque nós já criamos a Bancada Negra aqui na Câmara dos Deputados, mas queremos criar também — vamos lutar por isso e queremos contar com o apoio de todas as nossas companheiras e de todas as bancadas — uma Secretaria de Igualdade Racial, com profissionais especializados para nos ajudar, cada vez mais, na conquista desse espaço.
Eu queria pedir permissão a vocês para saudar essa mulher que está aqui na nossa frente: a nossa querida Geane Nascimento, que vai apresentar o desfile. Ela trabalhava aqui, nesse lugar. Ela já se aposentou. Ela era taquígrafa e escrevia com muita rapidez tudo que nós falávamos, toda a história. Eu me lembro do dia em que fizemos a celebração da lei de minha autoria que criou o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé, comemorado em 21 de março. Enquanto cantavam aqui o Hino da Umbanda e o Hino do Candomblé, ela estava ali escrevendo e cantando em silêncio, respeitosamente.
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No ano passado, ela trouxe a esta Casa um ícone da escola de samba Portela, do Rio de Janeiro, a eterna porta-bandeira da Portela, a Sra. Vilma Nascimento. Ela veio aqui, nós saímos dançando, ao som do samba. Havia uma exposição bonita, como a que temos hoje também.
Meus amigos, minhas companheiras, meus companheiros, também quero dizer que fiquei emocionado com o vídeo do Hino à Negritude representado por imagens. Quero pedir permissão à Câmara dos Deputados para ter acesso a esse vídeo. Eu nunca vi uma execução tão bonita desse hino, que nós sempre cantamos aqui.
Para que vocês saibam e a nossa juventude saiba também, a letra desse hino foi escrita pelo Prof. Eduardo de Oliveira, um senhor já falecido. E quem foi o Prof. Eduardo? Ele foi um dos fundadores da Frente Negra Nacional, o primeiro grande movimento nos anos 40. Ele, muito bem iluminado, fez esse hino e me procurou: "Vicentinho, eu já tentei transformar em lei, mas não consigo. Eu já fui à Assembleia, já fui não sei aonde. Vicentinho, eu vim aqui lhe pedir socorro". Sabem o que eu fiz? Eu apresentei um projeto de lei, que tramitou e chegou à CCJ, em que pese ter ocorrido uma dificuldade, porque havia Deputado que dizia que votaria contra o projeto porque fala dos orixás, porque fala da origem da África. Mas nós vencemos. Quando o meu projeto foi aprovado aqui e foi para o Senado, mais do que depressa eu fui até lá e articulei nada mais, nada menos do que com o companheiro Senador Paulo Paim, que foi o Relator do projeto, que foi aprovado. A Presidenta Dilma sancionou essa lei.
Um fato me deixou triste. Eu quero que São Paulo ouça isto. Refiro-me ao que fez um Vereador de São Paulo — na época, ele não era Vereador — no dia da comemoração dessa lei. Isso está registrado nos Anais desta Casa e todos podem verificar. Um tal Fernando Holiday, no dia da comemoração dessa lei, foi ao microfone e rasgou o hino, em um gesto de profundo desrespeito. E ele é negro! Capitão do mato! Traidor do nosso povo! Que isso fique registrado na história!
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Fora essa indignação santa, feito esse desabafo, eu quero dizer que, como foi dito pelas minhas companheiras, essa data é muito especial. A conquista do 20 de novembro — vocês estão participando pela primeira vez desta sessão solene — é a primeira conquista. Trata-se de um feriado? Sim. Vamos passear? Vamos. Vamos deitar na grama? Vamos. Vamos descansar em casa? Vamos. Mas a proposta é refletir, porque esse feriado se refere a um negro escravizado e liberto porque não aceitou a escravidão, esse feriado se refere a mulheres como Dandara. Precisamos transformar essa data em um dia de reflexão.
Sabem por quê? Essa luta não é somente nossa, dos negros e das negras. Essa luta é todas e de todos que não concordam com o racismo, com a discriminação, muito menos com a violência, com o preconceito, preconceito por causa da religião, preconceito por causa da cor da pele. Nós não queremos ser julgados pela cor da nossa pele, não! Nós queremos ser julgados pelo nosso caráter. Nós queremos os direitos que nós temos, inclusive de oportunidades.
Meus irmãos, saibam que existe um artigo na Constituição, o art. 5º, que diz que é um direito fundamental a manifestação da fé de qualquer jeito. E esse direito tem proteção do Governo, aliás, do Estado brasileiro. Então, nós estamos lutando para ter direitos. Nós queremos ter direitos.
O nosso povo irmão italiano, o nosso povo irmão japonês e o nosso povo irmão espanhol, quando vieram para o Brasil, ganharam terra, ganharam todas as condições. O nosso povo, quando chegou o dia 14 de maio, foi para a sarjeta. Não deram absolutamente nada aos nossos ancestrais.
Aqui nesta Casa, nós somos minoria. Somos 31 Deputados dos 513 Deputados, mas botamos para quebrar! E vamos continuar lutando.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Deputado Vicentinho.
(Apresentação artística.)
(Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Foi emocionante e muita linda essa apresentação cultural do afrofuturismo!
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Inicio agradecendo ao Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial — SENAC Produção de Moda; às marcas de roupas e acessórios Cabaré Místico e Cia do Lacre, do Distrito Federal; à Cyntia Mariah, de São Paulo; à Mônica Anjos, de Salvador; à Santa Resistência, do Rio de Janeiro; à Tendência Black, do Rio de Janeiro; e à Afrotik Joias, de São Paulo.
Faço um agradecimento especial às curadoras e produtoras da exposição Tecendo histórias: a trama negra na moda brasileira e do desfile, nossa querida Geane Nascimento, servidora, taquígrafa da Câmara dos Deputados (palmas), e Maíra Brito, servidora, jornalista da Câmara dos Deputados (palmas); e à Cynthia Mariah (palmas), mulher negra, estilista, com anos de pesquisa sobre o afrofuturismo e as negras crioulas do século XVIII e XIX, e membro do Black Speculative Arts Movement, da rede mundial de criadores. Muito obrigada por essa importante contribuição.
Quero saudar a Deputada Reginete Bispo; o Deputado Vicentinho, meu companheiro de muitas e incríveis jornadas; a Fernanda Thomaz, a Iara Bento e a Deputada Dandara, que tem o nome de uma das mulheres mais importantes do Quilombo dos Palmares.
No dia 20 de novembro, nós estivemos em Alagoas, na Serra da Barriga, para comemorar o primeiro feriado brasileiro dedicado à memória do povo negro, do povo afro, dos trabalhadores do Brasil, e, em especial, do símbolo da nossa profunda resistência. Aquele lugar tão nobre, um solo sagrado de história, de meio ambiente, de espiritualidade, recebeu Margareth Menezes, a Ministra da Cultura, que mandou um abraço a todos desta sessão, mas não pôde estar aqui presente.
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Eu sou o Presidente da Fundação Cultural Palmares, que, junto com o Deputado Vicentino e outros, ajudamos a criar, em 22 de agosto de 1988. Esse é o órgão federal responsável pela preservação da memória afro-brasileira e pela relação do Brasil com os países africanos, com os países do Caribe, com os afro-americanos e, agora, com os afro-europeus.
Esta sessão tem um valor especial, porque ocorre no momento em que soubemos que a democracia brasileira foi duramente atacada, através de um planejamento incrível para eliminar pessoas por meio de envenenamento e de assassinato. Isso acontece porque há brasileiros que são contra a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Esses mesmos brasileiros são a favor da intolerância religiosa e contra a vida, as mulheres, a diversidade.
Portanto, esta sessão, em que deveriam estar Deputados e Deputadas de diferentes regiões, é apenas nossa, das pessoas que lutam contra o racismo; das pessoas que, ao longo desses 50 anos, demoliram a falsa ideia de democracia racial; das pessoas que tiveram que transformar a data do negro, 13 de maio, em uma data do povo brasileiro.
O dia 13 de maio é a data da abolição, mas agora nós temos uma data do povo brasileiro, o 20 de novembro, feriado nacional do Dia da Consciência Negra, que passou por esta Casa com Abdias Nascimento, com o Deputado Luiz Alberto, com o Deputado Valmir Assunção, com o Deputado Vicentinho, com as Deputadas, e com a aprovação final carregada de simbolismo gaúcho. Foi o poeta e amigo pessoal Oliveira Silveira, junto com Antônio Torres, do Rio Grande do Sul, que, em 1971, propôs que o 20 de novembro fosse o Dia de Zumbi, o Dia do Negro. Anos depois, no Rio de Janeiro, Paulo Roberto propôs que o Dia de Zumbi, o Dia do Negro, fosse o Dia da Consciência Negra. Tantos anos depois, nesta semana, as ruas do País viveram a felicidade de ver a pessoas com tambores, colares, roupas coloridas, celebrando, de Porto Alegre ao Amapá, a consciência negra de luta por igualdade. Não é algo solto: "Tem que ter consciência negra, tem que ter consciência humana". Não! Trata-se de lutar, em um país profundamente desigual, por oportunidades.
Ao ouvir o Deputado Vicentinho falar aqui da trajetória dele, da família, do analfabetismo, da luta para chegar a um mestrado e ser professor de direito, eu me lembrei da minha própria luta, quando, no dia 31 de março de 1964, na Bahia, meu pai foi me buscar na escola e disse: "Vamos fugir para São Gonçalo dos Campos".
Eu perguntei: "Por quê?" "Porque houve um golpe." E, de uma família de classe média negra, eu virei um garoto de uma família pobre. E aí eu tive que estudar muito para ser advogado, mestre em direito público e dar aulas na UnB.
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10:20
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Ocorre que isso é possível para essa garotada que está neste plenário. Dessa garotada sairão futuros desembargadores, Presidentes e Presidentas do Brasil; sairá gente que, através da luta individual, fará isso ser possível.
Também apoiei a luta pelas cotas. Estive à frente disso o tempo inteiro, junto com meus companheiros da Bahia, como o Vovô do Ilê e tanta gente interessante, para que houvesse cota na graduação, na pós-graduação, no doutorado e, agora, nos concursos para professor. Eu conquistei uma bolsa da Fundação Ford para mestrado e doutorado.
Tudo isso é para mostrar que não pode o Brasil de 2024 continuar sendo profundamente desigual. A igualdade que nos é oferecida está no futebol, na música, nos presídios, no emprego doméstico, nas Polícias Militares e Civis, que, muitas vezes, matam a nossa população.
Hoje nós estamos tendo aqui uma sessão da civilização, para sermos civilizados. Como é a sessão da civilização? É aquela que traz a África profunda para este espaço, o espaço do poder político do Brasil, que deveria ser representado por 56% de Parlamentares afro-brasileiros e afro-brasileiras. Quando eu cito a civilização é para dizer que toda a educação brasileira precisa falar da África negra, da ciência, da tecnologia, da medicina, da astrologia e, o principal, da espiritualidade. Nós demos ao País a espiritualidade, com uma religião de matriz africana que abraça a todos e uma forma de luta chamada "capoeira", que tem mestres brancos como os principais no País. Nós criamos nesta Nação um carnaval plural.
Hoje, ainda é preciso caminhar muito para a igualdade, para sermos uma civilização, para sermos uma democracia, e que isso se traduza em oportunidades. Não pode haver democracia e República sem oportunidades para mulheres, indígenas e negros. Portanto, nesse caminho que os Estados Unidos, que a África do Sul, que a Índia, que muitos países têm trilhado é importante que o Brasil também se coloque.
A nova Fundação Cultural Palmares está instalada na Asa Sul, em um novo prédio. Eu quero convidar vocês a visitar a Casa da Cultura Afro-Brasileira, em Brasília. Finalmente, agora nós temos um espaço múltiplo para comemorar. No dia 4 próximo, teremos um evento sobre o samba e o lançamento de livros, Todos estão convidados a atravessar a Esplanada, ir à Casa da Cultura Afro-Brasileira, da Fundação Palmares, e conosco celebrar uma das maiores contribuições de Angola e do Congo ao País, que é o samba nacional, nossa música internacional, Ao mesmo tempo, celebraremos o renascimento da Fundação Cultural Palmares, o organismo público mais atacado e perseguido no Governo anterior, a ponto de ter separado, na Biblioteca Oliveira Silveira, quase 5 mil livros para serem destruídos.
Nós já ouvimos falar em destruição de livros, sempre um sinal do fascismo chegando. Hoje, a Biblioteca Oliveira Silveira funciona na nova Casa da Cultura Afro-Brasileira e está pronta para ser um lugar de pesquisa do conhecimento.
A data de 20 de novembro é um dia do conhecimento da própria história do Brasil, do personagem mais icônico que nós tivemos, de homens e mulheres, de personagens como Zumbi, Aqualtune e Acotirene, a mãe fundadora do Quilombo dos Palmares, e Dandara. Este ano, a Palmares mencionou três mulheres e um homem.
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A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Peço, por favor, que conclua.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Presidente João Jorge, que representa o Ministério da Cultura com a Fundação Cultural Palmares.
Eu vou passar a palavra para a nossa convidada Naiara Oliveira, que participa de modo virtual, mas, antes, eu convido para compor a Mesa o Sr. Clédisson dos Santos Junior, Secretário Nacional de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial, e aqui representa o Ministério da Igualdade Racial.
(Palmas.)
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Este primeiro dia 20, feriado, é para dignificar aqueles que vieram antes de nós, os que estão na labuta e, principalmente, os que virão. Este solo foi encharcado com sangue negro, mas este solo se tornou fértil. Agora, os frutos estão brotando.
Que momento histórico nós negros estamos vivendo! Porque ele cala em nós, ele cala em nossos corações. É uma dívida que não tem preço. Mas nós estamos galgando os nossos objetivos através das cotas, através da nossa cultura.
Participei, semana passada, de um momento muito lindo, proporcionado pela Fundação Palmares, através do meu amigo João Jorge. Eu voltei do quilombo renovada e muito emocionada. Isso dá sentido a todas as nossas lutas. Quem vai ao Quilombo dos Palmares recebe um banho de espiritualidade, de ancestralidade. Que momento!
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, querida Naiara, filha do poeta, escritor, nosso querido Oliveira Silveira.
Eu quero aproveitar para saudar essa juventude toda que está aqui. Como professora, eu fico muito contente de compartilhar este espaço com esses estudantes.
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Mas, ao mesmo tempo, é estranho estar aqui. É a primeira vez que eu falo neste púlpito. A imagem, que, na verdade, não é imagem, é a memória que tenho deste lugar, desta Casa, é a de que esta Casa pertence a homens brancos, que historicamente debatem, discutem e decidem o futuro do nosso País, os mesmos homens brancos que, há muito tempo, desumanizaram a minha existência dentro e fora desta Casa. Essa é uma desumanização bastante antiga.
Há tempos nos negaram a humanidade, eles nos transformaram em mercadoria, em objeto de compra e venda. Eles nos transportaram de um continente a outro e nos reduziram apenas a força de trabalho. Foram momentos difíceis. Neste continente, ou melhor, neste País, tentaram eliminar não somente as nossas lembranças mais acolhedoras, mas também a nossa existência física. Até criaram teorias e políticas para isso. Chegaram a esconder quanto foram violentos e opressores conosco. E ainda definiram que vivíamos numa democracia racial, talvez por saberem que poderíamos nos revoltar com facilidade.
Hoje, somos os que mais morremos pelas mãos daqueles que deveriam nos proteger. São as mesmas mãos que nos adoecem e que nos violentam de múltiplas maneiras também.
Tudo isso é reflexo do funcionamento dos aparelhos do Estado e que nos marcam a todo tempo, controlando, julgando e, muitas vezes, ensinando contra a gente. Estamos nas ruas, sem moradia. Estamos vivendo sem saúde e educação minimamente adequada. Mas, ainda assim, estamos aqui. Não conseguiram concretizar todos os seus objetivos. Estamos aqui sem ser humanizados, mas nós nos auto-humanizamos. Criamos uma humanidade própria, como forma de luta e sobrevivência.
Somos criativos na busca e na recomposição do amor em nossas vidas, na recriação e na manutenção da nossa cultura e na propagação do nosso conhecimento, ora herdados por quem nos antecedeu, ora transformados em esperança de um futuro melhor.
As dores e as angústias do presente, em conjunto com as heranças e vivências dos nossos ancestrais, nos movem para criar um futuro possível, do sonho de um futuro diferente, da criação de mais humanidade para nós, que provém da crença de que seremos mais respeitados e não seremos assassinados, que teremos melhores condições de trabalho, moradia e assistência à saúde.
Por isso, estar aqui também é um misto de desconforto e alegria, ao vermos tantas pessoas negras, ao vermos Parlamentares negros celebrando a nossa existência e humanidade. Traz uma esperança de que a humanidade pode nos encontrar sem dor, sem medo e sem angústia. Mas, para isso, precisamos proteger um futuro que queremos e nos empenhar no presente de que precisamos desapegar e combater, até porque não basta estarmos aqui celebrando a consciência negra sem a ardência da luta cotidiana.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Fernanda.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/REPUBLICANOS - RJ. Sem revisão do orador.) - Exma. Sra. Deputada Reginete Bispo, que comanda esta sessão; Deputada Dandara Tonantzin; Deputado Vicentinho, requerente desta homenagem; Sr. Jorge Rodrigues, Presidente da Fundação Cultural Palmares; Sra. Fernanda do Nascimento Thomaz; Sra. Iara Bento, é um prazer e honra estar aqui hoje para fazer este discurso, que será curto.
Cumprimento o Deputado Vicentinho, pela honrada iniciativa de propor esta sessão solene no plenário da Câmara.
Subo nesta tribuna com o coração cheio de emoção e gratidão por falar de uma data de profunda importância para o nosso País, o Dia da Consciência Negra.
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10:36
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Quando começamos, o Brasil era o açúcar. O açúcar era o negro. Depois veio o ciclo do ouro. O ouro era o negro. Na época dos nossos avós, o Brasil era o café. O café era o negro. Sucessivas gerações de irmãos africanos construíram a riqueza deste País, e dela nunca participaram. É essa consciência que todo brasileiro precisa ter.
A questão das cotas é questão de gratidão. Foi dito aqui num discurso que os nossos antepassados esperavam que seu esforço e sacrifício pudessem ser recompensados pelas futuras gerações. Isso é o que devemos fazer hoje.
Menciono também a Guerra do Paraguai, episódio em que o Brasil foi invadido. D. Pedro II não tinha um exército formal. Então, ele fez uma lei, a dos Voluntários da Pátria. Existem avenidas que celebram essa lei. E quem eram os voluntários da pátria? Eram os escravos, a quem foi prometido que, se lutassem na Guerra do Paraguai, voltariam e teriam sua liberdade. Essa guerra durou 5 anos. Os que não morreram voltaram, mas foram enganados pelo Estado, porque tiveram a alforria, mas não tinham cidadania. Não podiam estudar na escola pública, não podiam comprar, não podiam vender, não podiam ter emprego público, nem votar e ser votado. Mais uma vez ficamos em dívida com os nossos irmãos que lutaram por nós.
Sra. Presidente, demais senhoras e senhores que compõem a Mesa, cidadãos que hoje estão conosco neste dia memorável e todos que nos assistem pela Internet, o Dia da Consciência Negra é um feriado nacional que deve ser celebrado por todos os brasileiros. E a questão das cotas é uma questão de gratidão a tantas gerações que construíram este País, fizeram sua riqueza, e dela nunca participaram.
A SRA. PRESIDENTE (Reginete Bispo. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Deputado Crivella, pela sua contribuição.
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10:40
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É importante que vocês estejam aqui presentes, porque vocês são o futuro, vocês constroem a democracia. Se hoje temos a oportunidade de estar aqui fazendo esta discussão, é porque vocês vão levar o nosso legado. E é importante que reconheçamos os nossos ancestrais, que nos trouxeram até este momento.
Quero deixar registrada, Vicentinho, uma saudação do nosso Presidente do Partido dos Trabalhadores em São Bernardo do Campo, o Cleiton, e dos Deputados e Deputadas da Assembleia Legislativa de São Paulo, onde coordeno o SOS Racismo.
O Estado de São Paulo, no ano passado, aprovou o Dia Estadual da Consciência Negra, dando sequência a essa iniciativa, para que fosse estabelecida nacionalmente, a fim de que pudéssemos, neste ano, celebrar e refletir sobre o Dia Nacional da Consciência Negra.
O Estado de São Paulo foi o sexto Estado da Federação a ter esse feriado estadual, uma luta incansável do Deputado Barba, meu amigo, meu parceiro, também metalúrgico, que trouxe consigo esse compromisso com a nossa população negra do Estado de São Paulo, contribuindo para que o nosso Presidente Lula pudesse ter forças aqui, com a Bancada Negra, com todos os Deputados do Congresso Nacional, para conseguir essa aprovação.
Quero dizer, Vicentinho, que o mandato do Barba está trabalhando muito para que possamos atuar no inventário do samba paulistano, para trazer as nossas memórias, as nossas raízes, essa cultura tão importante para a população do Estado de São Paulo. Também apresentamos um projeto em que estamos fazendo um compilado de todas as legislações que tratam da questão racial no Estado de São Paulo, para que se facilite sobretudo a atuação dos nossos advogados e advogadas — o senhor é professor em faculdade de Direito — quando tiverem que atuar em causas de crime racial, que sabemos quanto assola a nossa população.
Enquanto houver racismo, não haverá democracia. Esta Casa está marcando um momento histórico, porque esta sessão solene ocorre num período após a aprovação do Dia Nacional da Consciência Negra. Este é um ambiente que expurga a nossa população, mas nós estamos resistindo e, com os nossos ancestrais, estamos presentes.
Quero cumprimentar a minha companheira que fez uma belíssima apresentação; o meu amigo Edson, do MTST, que está aqui, uma grande liderança.
Eu quero dizer a vocês que o SOS Racismo na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo está à disposição. Nós temos conseguido instalá-lo em outros Municípios do Estado de São Paulo. É uma ferramenta importante para que possamos estar mais próximos da população. Afinal de contas, é no Município, é no território que ocorrem as violações e é lá que precisamos exercer essa atividade. Naquilo que o SOS Racismo e a Assembleia Legislativa puderem contribuir com a Câmara dos Deputados, podem contar conosco e com o mandato do Deputado Barba.
(Durante o discurso da Sra. Iara Bento, a Sra. Reginete Bispo, nos termos do § 2º do art. 18 do Regimento Interno, deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pela Sra. Dandara, nos termos do § 2º do art. 18 do Regimento Interno.)
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, querida, pela contribuição.
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10:44
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Ao saudar os Parlamentares que compõem a Mesa — o Deputado Vicentinho, a Deputada Reginete Bispo, a Deputada Dandara, a Vereadora eleita Juhlia —, eu saúdo todos e todas.
Elaborei um pequeno texto. Não o considero um discurso, mas acredito que esteja à altura do momento.
Para enxergar o Brasil de corpo inteiro, é preciso descer às raízes de sua terra, revirar o solo onde o passado da escravidão finca suas garras mais profundas. Não há como compreender este País sem enfrentar esse período, essa pedra fundadora das nossas desigualdades, essa sombra que ainda nos cobre com sua violência e injustiça.
Essa história, tantas vezes silenciada, tantas vezes adulterada, escorre pelos livros e pelos discursos, moldando a forma como vivemos, trabalhamos e sonhamos. Revisitar essa história não é tarefa de quem teme sujar as mãos. É preciso coragem para rasgar o tecido das narrativas oficiais, que há tanto tempo servem para justificar privilégios e perpetuar exclusões.
Reconhecer que a escravidão foi o alicerce da política, da economia, da cultura deste País é enfrentar o que se tenta apagar, que as desigualdades são obra não do acaso, mas sim de um projeto em que uns escolheram enriquecer à custa de muitos. Sem esse olhar, sem essa nitidez, continuaremos reféns dos mitos que mascaram as raízes do que somos.
A justiça social nasce quando se desfazem as amarras que mantêm negros pobres presos ao mesmo chão de onde arrancam sua sobrevivência. É preciso ir além do simbolismo. É fundamental construir políticas que igualem, que incluam, que deem substância ao que chamamos de democracia.
Nesse sentido, a oficialização do dia 20 de novembro como feriado nacional envolve mais do que uma data, representa um chamado. Celebrar Zumbi, Dandara, os quilombolas e suas insurgências não é apenas recordar, é também resistir, é desafiar o esquecimento que tentaram nos impor, afirmar que a memória também é campo de batalha.
Esse dia veio não como dádiva, mas sim como conquista. É fruto da luta incessante de homens, mulheres, pessoas de sexos diversos, figuras como Lélia Gonzalez, Abdias do Nascimento, Beatriz Nascimento e tantas outras. É fruto da luta de movimentos sociais como o Movimento Negro Unificado, como o Grupo Palmares e tantas outras organizações que cotidianamente constroem esta escola democrática, o grande movimento negro brasileiro, e que erguem suas vozes e suas histórias.
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10:48
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Sem memória, nós perdemos. Sem verdade, nós nos enganamos. Sem justiça, permanecemos presos às mesmas correntes disfarçadas de novas formas.
O Dia da Consciência Negra nos pede mais do que celebração. Ele nos pede uma reflexão sincera sobre o País que estamos construindo e no qual ainda precisamos avançar. Ele nos lembra de que não podemos fechar os olhos às lutas da população negra, que são, no fundo, a luta de todos e de todas neste País.
Cada um de nós carrega em si a responsabilidade de mudar, questionar privilégios, apoiar políticas que promovam igualdade e buscar justiça. É isso que se espera de quem não aceita a inércia.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada pela contribuição, Secretário Clédisson.
Eu saúdo a Mesa ao saudar a Deputada Federal Dandara, minha conterrânea lá das Minas Gerais, das águas gerais.
É com muita felicidade que hoje estou aqui. Fiquei emocionada diversas vezes, vendo esses corpos diversos compondo este espaço, vendo a juventude, que é legado.
Como disse a Deputada, eu sou a primeira quilombola eleita na cidade de Belo Horizonte. Ser a primeira Vereadora quilombola eleita na cidade de Belo Horizonte diz também de uma ausência, diz de um tempo que foi vago, de um tempo em que nós não estivemos, de um tempo de que não temos memória construída a partir das nossas trajetórias.
Sou lá do Kilombo Manzo. Como também disse a Deputada, esse quilombo foi responsável por barrar parte da mineração na Serra do Curral, na cidade de Belo Horizonte, no Estado de Minas Gerais.
Quero aproveitar a oportunidade para fazer uma denúncia. O Estado está entregue à mineração, está entregue, pelas mãos do Governo, à especulação imobiliária.
Não posso me furtar, por ser esta corpa dissidente, por ser uma corpa travesti, de dizer que o racismo é sim a primeira violência que nós enfrentamos, e ele vem coberto de várias camadas, camadas essas que, cada vez mais, nos mantêm fora dos espaços. Por eu ser uma corpa travesti, a violência chega ao meu corpo de uma forma diferente, com uma camada muito maior.
Quero dizer que nós do movimento negro precisamos levar em consideração as dissidências de gênero, precisamos levar em consideração o recorte de raça e de classe e precisamos, sobretudo, afinar cada vez mais os discursos.
Eu, uma quilombola, não posso me furtar de dizer que, por exemplo, em 2023, apenas 149 quilombos foram titulados. Desses, 19 foram titulados pelo INCRA — Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Precisamos mudar pelo menos o sentido desse lugar da colonização, da contracolonização, como já dizia Nêgo Bispo. Se nós seguirmos com esse registro das titulações, só conseguiremos alcançar todos os quilombos do País em 2.188 anos. Não podemos esperar todo esse tempo para termos os nossos territórios garantidos. A garantia do nosso território é a garantia do bem viver. Não se pode adiar indefinidamente esse processo. Sabemos que nós quilombolas, integrantes de povos...
(Desligamento do microfone.)
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10:52
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada pela contribuição, Vereadora Juhlia.
Convido para que dê a sua contribuição Gabriel Siqueira, Diretor da FAFERJ, Vice-Presidente do Conselho Municipal de Favelas, capoeirista do Grupo Senzala, coordenador e fundador da Ação Negra e Secretário-Geral do PSOL.
Presidenta, o meu companheiro Edson, do Raiz da Liberdade, vai ler uma poesia. Vamos fazer rapidinho uma intervenção.
Quero pedir um pouquinho de atenção. Por muitos anos temos vindo aqui, e nem sempre somos tratados com carinho e com respeito como na data de hoje.
Vou contar um caso que viralizou nas redes, sobre a minha saga para chegar aqui com este instrumento, que foi considerado pela segurança do Aeroporto Santos Dumont como uma arma. Eu trouxe o berimbau. Eu disse viria a este evento de homenagem ao Dia da Consciência Negra, como capoeirista eu viria cantar uma ladainha com um instrumento ancestral, um instrumento pré-histórico, pré-literário, com milhares de anos de história na África e na Améfrica, no nosso continente, no Brasil. É um instrumento simbólico. Eu já estava na área de embarque do Aeroporto Santos Dumont quando a segurança me parou e disse que eu estava portando uma arma numa área de segurança do aeroporto. Fui retirado da área de embarque.
Eu fui retirado da área de embarque. Quase perdi o voo. O pessoal da Gol me tratou superbem. Esse tratamento foi muito melhor do que o da segurança do aeroporto. Eu disse: "Mas eu já viajei com este berimbau para muitos lugares. É um berimbau que o mestre fez para mim e que vou levar comigo. Não vou despachá-lo".
Fui retirado de forma violenta e constrangedora da área de embarque. Tive que despachar o berimbau. No despacho, eles perderam as minhas baquetas, romperam o lacre do berimbau. Queria agradecer ao graduado Gilnei, que fez a baqueta para mim, a cabaça.
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10:56
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Em pleno 2024, estamos lutando para que os aeroportos brasileiros, Deputada, reconheçam isto aqui como um instrumento musical, não como uma arma (palmas), se bem que o berimbau é uma arma da nossa cultura. Mas isto aqui é um instrumento musical.
Eu queria dizer isso para o Aeroporto Santos Dumont e convocar o Congresso a falar com os aeroportos brasileiros, para que respeitem a cultura da capoeira e um instrumento que é patrimônio milenar e simbólico da nossa história, da nossa cultura.
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11:00
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Deus, visita agora os falsos profetas em todas as cidades, para que, ao invés de religião, tenha mais religiosidade.
Visita os migrantes, estrangeiros, refugiados, que, conforme a cor da pele, têm seus direitos violados.
Aqueles que julgam a fé como imprópria, profana, perseguindo principalmente as religiões de matriz africana.
Visita os centros urbanos, famílias abandonadas, lembrando a falsa abolição e a cidadania de fachada.
Abençoe aqueles que dizem que o racismo é mi-mi-mi, tudo ilusão, que não passa de mania, de perseguição.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Como se diz na quebrada, uou!
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Deixe-me só explicar que teremos uma Sessão Solene às 11 horas. Agora já são 11 horas, e precisamos passar a palavra para o próximo orador.
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11:04
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A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Muito obrigada pela contribuição.
Eu queria agradecer a presença do Vice-Presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde no Estado de Goiás — SINDSAÚDE-GO e Diretor da Federação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias, o Sr. Aliandro Paulo — obrigada pela presença.
Eu, Cynthia Mariah, quero iniciar este momento fazendo um agradecimento profundo às minhas ancestrais, a todos os que lutaram por nós, com muita honra, muita memória, muita resistência, que nos inspiram e nos dão força para continuar com esta luta e este trabalho.
Eu agradeço imensamente à Geane Nascimento e à Maíra Brito, curadoras da exposição, que me trouxeram a este evento como mentora e artista também. Elas são vozes aqui levando a nossa cultura para os corredores, dando-lhe essa visibilidade.
Quero trazer aqui algo que eu acho que é uma coisa que, nos meus 20 anos de carreira, me coloca sempre em condições... Eu não estou falando só por mim. Eu vim aqui hoje por um coletivo de mulheres pretas, mulheres que fazem muitas ações sem apoio.
Neste mês, novembro, todo o mundo quer trazer momentos lindos, momentos maravilhosos, mas temos um apagamento das nossas vozes, um apagamento, enquanto mulheres pretas, do nosso posicionamento social, cultural.
Eu digo que somos arquitetas, desde as negras crioulas dos séculos XVIII e XIX, que eram mulheres que levavam toda a construção social às ruas, com o seu comércio de ganho, com as suas participações dentro das irmandades, dentro dos terreiros.
É por essas mulheres, e por mim também, que eu venho trazer esta voz hoje. Estou aqui na condição de fazer todo o mundo que está aqui pensar em como contribuir para que nossas ações continuem, para que nós tenhamos aquele momento não só de fazer uma ação... Muitas vezes, acabamos mexendo no nosso próprio orçamento, e sabemos que, na condição deste País, as mulheres pretas, principalmente, constroem muitas coisas, mas recebem menos, são desumanizadas, desvalorizadas. E nós fazemos nossas ações acontecerem. A primeira coisa que querem tirar de nós, quando nós temos um projeto, é o dinheiro, mas nós sabemos trabalhar na escassez. Porém, nós estamos cansadas de trabalhar nessa escassez.
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11:08
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Eu, como representante do afrofuturismo brasileiro, agradeço à juventude por estar aqui, porque nós trabalhamos com os ensinamentos do passado, dos nossos ancestrais, para que vocês e as próximas gerações tenham condições melhores, tenham as oportunidades que nós estamos dando. E acho que esta sessão é importante para abrirmos esses caminhos, para que possamos abrir a possibilidade da existência de vocês e a possibilidade de vocês serem o que quiserem, não aquilo que nos impuseram durante tanto tempo.
Eu quero agradecer à Mesa. Quero agradecer a todo o mundo aqui presente. Espero que nos próximos eventos, nos próximos dias 20 de novembro, uma data tão importante para nós, tenhamos cada vez mais pessoas pretas envolvidas nessas ações, mostrando tanto a nossa mobilização artística quanto as nossas progressões sociais.
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Obrigada, Cynthia! Foi muito rica e muito potente essa contribuição.
Agradeço aos movimentos negros, aos nossos debatedores aqui presentes, aos representantes do Governo. É fundamental que construamos cada vez mais políticas em que o Governo e o Legislativo estejam conectados, para que o Executivo e o Legislativo caminhem de braços dados nessa construção
Eu convido a todos, neste momento, para seguirem com o grupo do desfile de moda Afrofuturismo: os poderes ancestrais, ao som do atabaque de Edinho Lopes, até o nosso Corredor Tereza de Benguela, que está com uma exposição riquíssima justamente sobre o afrofuturismo, a moda negra do Brasil, que foi construída também pela nossa Consultoria da Casa. Vai ser muito bonito o encontro da exposição com o que nós tivemos aqui de moda negra.
ENCERRAMENTO
A SRA. PRESIDENTE (Dandara. Bloco/PT - MG) - Está encerrada a sessão.
(Encerra-se a sessão às 11 horas e 11 minutos.)
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