Horário | (O texto a seguir, após revisado, integrará o processado da reunião.) |
---|---|
14:10
|
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Eu declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial para a apresentação dos trabalhos de desenvolvimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — ODS 18 da Igualdade Étnico-Racial.
Este evento decorre da aprovação do Requerimento nº 215, de 2024 de minha autoria, a Deputada Erika Kokay.
Eu começo, para as pessoas que não conseguem enxergar, dizendo que eu sou uma mulher branca, de cabelo curto, de cabelo grisalho. Estou vestindo uma camisa branca e usando um colar vermelho.
Informo que este Plenário está equipado com tecnologias que conferem acessibilidade, tais como aro magnético, bluetooth e sistema FM para usuários de aparelhos auditivos. Teremos também interpretação simultânea em LIBRAS, a Língua Brasileira de Sinais.
Nesta reunião, teremos participações presenciais e por teleconferência. Portanto, trata-se de uma audiência híbrida.
Eu chamo para compor a nossa Mesa a representante do Ministério da Igualdade Racial, Tatiana Dias (palmas); o representante do Ministério dos Povos Indígenas, André Baniwa (palmas); e o representante da Secretaria-Geral da Presidência da República da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — ODS, Lavito Bacarissa (palmas).
Não sei se já chegou a representante do Geledés — Instituto da Mulher Negra, a Letícia Leobet, que, ao chegar, comporá a nossa Mesa... Ela acabou de chegar.
Vamos ter duas participações virtuais: do Aléssio Almeida, que já está conosco na sala virtual, que é da Universidade Federal da Paraíba; e do Alberto Saraiva, que, tão logo adentre a sala, também irá dar a sua contribuição de forma virtual. O Alberto Saraiva é da Faculdade Zumbi dos Palmares.
Eu chamo, ainda, para compor a nossa Mesa, o Tiago Ranieri, que é Procurador do Trabalho e Diretor de Assuntos Legislativos (palmas).
Vamos fazer a seguinte ordem, se todas as pessoas estiverem de acordo. Eu passo a palavra para o Tiago Ranieri. Depois, eu passo a palavra para o Lavito. Em seguida do Lavito, eu passo para a Tatiana; depois, para o André e, em seguida, para a Letícia. Por fim, passo a palavra para o Alberto e para o Aléssio, que vão contribuir virtualmente com esta discussão.
|
14:14
|
Boa tarde, Deputada Erika Kokay, na pessoa de quem eu cumprimento toda a Mesa. Eu a parabenizo pela responsabilidade, pela seriedade e pela coragem de levar um tema tão importante e caro à nossa sociedade para uma audiência pública.
Sou Tiago Ranieri e passo à minha autodescrição. Sou um homem negro, de cabelos e barbas grisalhos. Estou usando um terno azul, uma camisa azul e uma gravata verde. Eu falo aqui do púlpito sentado ao lado de outros palestrantes.
Represento aqui a Associação Nacional dos Procuradores e Procuradoras do Trabalho, que é um ramo especializado do Ministério Público da União, que é o Ministério Público do Trabalho — MPT.
Gostaria de iniciar a minha fala, Deputada, dizendo que já estamos fazendo o dever de casa, no que diz respeito ao combate ao racismo institucional e estrutural.
No nosso concurso para membros e para membras, para Procuradores e Procuradoras do Trabalho, já temos uma ação afirmativa de cota de 20% para pessoas negras, um percentual de 5% para pessoas quilombolas e indígenas, um percentual de 3% para pessoas transgênero e um percentual de 20% para pessoas com deficiência. Trata-se de uma tentativa do Ministério Público do Trabalho combater essa estrutura racista e combater também essa estrutura institucionalmente racista, já que a nossa carreira, embora seja defensora de direitos humanos, está integrada praticamente por uma maioria branca.
Para além da nossa contribuição em termos de instituição administrativa, é meta prioritária dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho o combate a qualquer tipo de discriminação, sobretudo da discriminação racial, já que sabemos, por meio de dados e por meio de muitos dados do Censo do IBGE, como no último que saiu agora, que 82,6% da população negra informou que a cor da sua pele foi característica imprescindível para que tivesse acesso a esse mercado formal de trabalho.
Já é ciência também do Ministério Público do Trabalho, dos Procuradores e das Procuradoras, que a grande informalidade e precariedade do País, no que diz respeito ao mundo do trabalho, está integrada por trabalhadores e trabalhadoras negras e pretas. Os nossos trabalhadores resgatados em trabalho infantil ou em trabalho análogo ao de escravo também possuem cor e são pessoas pretas, negras. Então, é meta prioritária nossa do MPT combater essa estrutura racista que atravessa o nosso País.
Trago aqui também um neologismo criado por Marcia Tiburi. Ela fala que o nosso País é um país "patri": de patriarcal, misógino, racista, sexista, capacitista e capitalista. Obviamente que isso acontece porque o sistema neoliberal ou o sistema capitalista gosta ou tem como foco a subalternização de corpos, e, obviamente, esses corpos subalternizados acabam sendo atravessados pela cor preta e pela cor negra. Então, é papel institucional nosso, é missão ética de cada Procurador e de cada Procuradora do Trabalho combater esse racismo estrutural e o racismo institucional.
Trago a título de informação também que, juntamente com a Organização Internacional do Trabalho — OIT, o Ministério Público do Trabalho construiu um observatório, uma plataforma. Basta apenas colocar no Google: Observatório MPT-OIT.
Dentro desse Observatório, temos uma interface chamada raça e interseccionalidade, pelo meio da qual conseguimos trazer dados granulares dos Municípios, dos Estados e do próprio País, sobre essa temática racial,
que é uma chaga social, que é uma lesão ao povo preto, ao povo negro, ao povo indígena, ao povo quilombola. E a nossa ideia, por meio desse Observatório, aliado a outros parceiros, como o Legislativo, o Judiciário, a Defensoria Pública, enfim, os Poderes da nossa República, é combater esse racismo histórico que atinge o povo preto, o povo negro, o povo quilombola e o povo indígena desde a invasão do nosso País, enfim, chamada de descoberta.
|
14:18
|
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Nós que agradecemos a contribuição. Quero parabenizá-lo pelo seu trabalho, sempre presente em todas as discussões que são fundamentais para que nós possamos adentrar no marco civilizatório.
Eu vou começar fazendo a minha audiodescrição. Eu sou um homem médio, de pele branca, cabelos pretos, barba preta, de altura mediana, e uso um brinco na orelha esquerda. Mas, como eu estou sentado, parece que todo mundo tem a mesma altura.
Eu queria saudar todos os presentes e também o público que nos acompanha on-line, em nome da Deputada e colega Erika Kokay, que chamo de colega porque é uma colega da Caixa.
Quero fazer um agradecimento especial à Frente Parlamentar dos ODS, que tem um papel fundamental na difusão e na institucionalização da agenda. Então, hoje nós cumprimos esse objetivo secundário desta audiência, que é criar as condições para aumentar a institucionalização da agenda.
Agradeço o mandato da Deputada Erika Kokay e também à Presidência da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial do Parlamento, às representações, às autoridades e à sociedade civil organizada que estão aqui presentes fazendo este debate em torno desse tema fundamental, que é a igualdade étnico-racial.
O nosso objetivo hoje é apresentar e debater os trabalhos desenvolvidos na construção do ODS 18 para a igualdade étnico-racial. No início do terceiro mandato do Presidente Lula, coube à Secretaria-Geral da Presidência da República reconstituir os espaços de participação social, sob à égide de que a participação social deve ser o método utilizado para a elaboração de políticas públicas eficientes. Como diz o próprio Presidente Lula, governar com o povo e não apenas para o povo. Nesse processo, reconstituímos, então, a governança da Agenda 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
Em seu discurso, na abertura da Assembleia Geral da ONU em 2023, exatamente há 1 ano, o Presidente Lula assumiu dois grandes compromissos: o retorno do Brasil ao debate sobre o desenvolvimento sustentável, com empenho na implementação integral da Agenda 2030, e a adoção voluntária de um 18º ODS para a promoção da igualdade étnico-racial.
A Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foi instrumento para o desenvolvimento desse trabalho, através da criação de uma câmara temática específica para o tratamento da temática. Indicativos sobre a possibilidade de um ODS para a igualdade étnico-racial no Brasil já eram apontados em estudos acadêmicos, como os da UnB. E, aqui, quero destacar o meu colega Thiago Gehre Galvão, que compõe a equipe da Secretaria-Executiva conosco, que está envolvido com esse trabalho desde o início.
E também na UNESP, de Bauru, nós já tínhamos um trabalho que estava sendo desenvolvido. Há também artigos de pesquisadores da FIOCRUZ, grupos de trabalho do BNDES, enfim, alguns estudos já estavam sendo desenvolvidos sobre esse tema.
|
14:22
|
A Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável abarcou esses trabalhos com a criação da Câmara Temática. E, sob a coordenação da Secretaria-Executiva, do Ministério da Igualdade Racial, aqui representado pela minha colega Tatiana Dias, e do Ministério dos Povos Indígenas, representado pelo colega André Baniwa, esses trabalhos estão sendo desenvolvidos.
A Comissão Nacional é meio para reforço e criação de novas políticas públicas que atendam de maneira eficiente as nossas necessidades contemporâneas. Nessa etapa do trabalho, nós cumprimos a nossa missão na Comissão de expandir o debate, trazendo-o, neste momento, ao Parlamento da República para alcançar a legitimação que precisamos em torno do ODS 18.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Agradeço ao Lavito.
Quero agradecer muitíssimo à Deputada Erika Kokay e à Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial pelo convite e por trazer essa pauta para esta Casa para discussão com a participação social.
Quero trazer também um agradecimento de todo o Ministério da Igualdade Racial, na pessoa da Ministra Anielle, e também da Comissão Temática do ODS 18, formada por representações da sociedade civil e de Governo, que tem, ao longo desse percurso, discutido conosco essa proposta e a implementação de um novo ODS.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nesse processo, como trouxe o Lavito, nós temos procurado fazer esse debate também de forma participativa. E foi de forma participativa que nós buscamos escolher a logomarca do ODS 18, com base na primeira impressão, na comunicação, a partir de um concurso com apoio do PNUD, que recebeu 123 propostas. E, a partir dessas propostas, foram votadas essas três no Participa +BR em que tivemos mais de 1.300 votos.
Acho que esta audiência é muito oportuna porque é o momento em que o Sistema das Nações Unidas e os nossos representantes discutem a temática do desenvolvimento com justiça racial, com igualdade racial.
|
14:26
|
Como o Lavito trouxe, toda a discussão dos ODS18 tem sido feita articulada com a retomada do debate da Agenda 2030 no âmbito da Comissão Nacional para os ODS. Neste sentido, eu quero também manifestar meu agradecimento pela acolhida e pelo apoio da maravilhosa equipe da Comissão Nacional e da Secretaria-Executiva, que tem tocado o tema junto conosco do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério dos Povos Indígenas.
Vamos passando a apresentação, e, em algum momento, vai chegar, e vocês colam uma coisa com a outra.
Por que foi criado um ODS da igualdade racial? Às vezes, as pessoas perguntam: "Para que um ODS específico?" Eu falo que é porque a promoção da igualdade racial não está em todos os ODS, assim como a de gênero, e por isso, nós temos um objetivo específico para a questão de gênero.
Embora este seja um tema transversal e estejamos cada vez mais conscientes disso, há um levantamento de dados também. E, como o Lavito trouxe, dos ODM aos ODS, o tema não vinha sendo suficientemente tratado, especialmente na condição do Brasil. O Brasil é um país de maioria negra, com um número significativo de povos indígenas, e isso não vinha sendo representado de uma forma condizente com essa magnitude no âmbito da Agenda 2030.
A partir dessa constatação, houve a decisão presidencial de adotar voluntariamente os ODS 18, e o Lavito já trouxe alguns antecedentes em relação a isso. Inclusive, outros países têm adotado outros ODS adicionais para também fazer frente a essas necessidades que se verificavam.
A partir da Comissão Nacional, nós começamos a fazer o debate rumo aos ODS 18. Neste âmbito, nós temos feito essa discussão, e foi criada esta Comissão Temática, a partir da Resolução nº 2, da Comissão Nacional, e nós temos divulgado e trabalhado um plano de ação para os ODS. Por exemplo, nós participamos de alguns debates no âmbito da Agenda 2030, a agenda de desenvolvimento, tanto debatendo o tema da igualdade étnico-racial quanto procurando divulgar e compartilhar experiências para que nós possamos avançar na construção desse objetivos.
O plano de trabalho feito pela Comissão foi organizado em quatro eixos temáticos: o eixo de governança, o eixo de indicadores e monitoramento, o eixo de comunicação, mobilização e participação social. Este eixo procura responder a perguntas, como: "O.k., muito legal o ODS! Mas, na minha realidade, ele altera o quê?"
Isso serve para localizar o ODS, envolver sociedade civil, governos e organizações nessa implementação. Há uma atuação internacional também nessa discussão.
Agora, nós estamos desenvolvendo esse plano operativo junto com a Comissão e com a Câmara Temática para o ODS 18, identificando, nesses membros do Governo, da sociedade civil e dos convidados, que têm agregado e adensado esse debate, o que cada um pode fazer dentro das instituições com ações que julgamos fundamentais, para que esses ODS sejam uma realidade importante na Agenda 2030, uma aglutinação de esforços em prol da justiça étnico-racial.
|
14:30
|
Nós temos também criado algumas outras parcerias para desenvolver essa proposta. Atualmente, nós também estamos na fase de discutir os indicadores e já temos uma proposta de metas que foram construídas ao longo desse processo. Todas essas informações estão documentadas no site do Ministério da Igualdade Racial e no site da Comissão Nacional, onde estão o plano de ação, as metas, mais informações e os nossos contatos também.
Agora, junto com os assessores técnicos da Comissão, do IBGE, do IPEA e da FIOCRUZ, nós temos debatido esses indicadores para as dez metas que estão propostas, envolvendo a área da segurança pública, da justiça e respectivo acesso, da educação, da saúde, bem como a representatividade de povos migrantes, de patrimônio material e imaterial. E aí, eu convido todos e todas a acessarem, no site do Ministério, essas informações.
No que diz respeito à Comissão Nacional, foi desenvolvida a Câmara Temática, e, dentro dessa Câmara Temática, nós temos um plano de trabalho. Este plano de trabalho, com esses quatro eixos, está em implementação de um plano operativo. Há um GT para as metas e os indicadores.
Ainda neste ano, nós vamos ter toda a documentação de metas e indicadores para acompanhar o monitoramento e a articulação dessas metas e desses indicadores no âmbito da Agenda 2030, os relatórios e as estratégias de monitoramento e mobilização. A construção do plano operativo, além da articulação da própria Câmara Temática e do papel do MIR e do MPI, tem contado com a parceria da Universidade Federal do Sul da Bahia no desenvolvimento de um Observatório do ODS 18.
Esta é a trajetória que nós temos perseguido, é um caminho. Nós não criamos os ODS antes, eles não foram criados do nada, porque já havia alguns indicadores. Toda essa estratégia tem sido criada e cocriada juntos e juntas no âmbito da Comissão Nacional, no âmbito dos Ministérios, no âmbito das representações ministeriais e da sociedade civil.
|
14:34
|
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Muito obrigada, Tatiana.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu quero conversar com vocês em relação à importância do ODS para os povos indígenas. Eu fiz alguns desenhos na apresentação para termos uma noção.
Este ODS traz uma certa visibilidade aos povos indígenas, além da criação do MPI, que também já dá essa visibilidade. Ele trouxe uma reflexão entre nós indígenas sobre o que está acontecendo com os povos indígenas.
Neste quadro, antes do ano de 1500, existia o bem viver originário, de 100% das culturas indígenas. Neste outro período, podemos ver que foram mais de 400 anos do que chamamos de destruição do bem viver dos povos indígenas. A partir de 1988, temos aí 36 anos, é o que chamamos de reconstrução dos povos indígenas.
Nessa destruição dos povos indígenas, pelo levantamento que fizemos da ciência, dos historiadores, dos filósofos, da ciência não indígena, foi criado um termo de inferiorização dos povos indígenas, uma espécie de campanha permanente que leva ao suicídio, ao etnocídio, ao epistemicídio, morte dos conhecimentos, que leva ao gloticídio, morte das línguas, que leva à perda de seus territórios.
Até hoje, todos os dias é noticiado que um guarani é encontrado morto; outro dia, mais outro; outro dia, mais outro. No ano 2012, houve uma carta desse povo pedindo a extinção deles, a ser decretado pelo próprio Estado brasileiro. Isso é uma coisa bastante triste, mas que precisamos contar para entendermos a importância desta ODS, porque traz a reflexão sobre essa realidade que precisa ser combatida, precisa ser superada pela sociedade e pelo Estado brasileiro.
|
14:38
|
As retomadas provocam grandes conflitos, pois há um lado que não aceita que esse direito seja colocado em prática, apesar de estar na Constituição. Existem algumas ações muito contrárias ao direito à terra, ao direito às línguas e a toda política voltada para a questão dos povos indígenas. Esse é um desafio muito grande para o Estado brasileiro. É muito difícil porque está dentro dele. É como se eu não gostasse de algo dentro de mim mesmo, como se eu quisesse tirar uma parte de mim mesmo porque não gosto dessa minha parte. Digo isso considerando que nós somos brasileiros também, não somos indígenas, mas somos brasileiros. Então, vivemos essa realidade.
É importante também falar para vocês da invisibilidade do trabalho, porque é diferente o sistema, a maneira de viver dos povos indígenas. Já falei várias vezes em debates que o buritizeiro não emite nota fiscal. Você pega, sei lá, uma caça, e a família desse animal não vai emitir nota fiscal, que é a forma como aparece quem é trabalhador no sistema do Estado brasileiro.
Por isso, temos reivindicado, no âmbito deste ODS, que existam indicadores específicos para os povos indígenas, povos quilombolas, comunidades e povos tradicionais, para dar visibilidade ao trabalho que esse povo faz. Esse trabalho é diferente, mas precisa ser reconhecido.
No âmbito da mudança climática, da proteção da floresta, é esse conhecimento invisível que mantém a biodiversidade das nossas florestas. Então, ele tem importância. Mas como o Estado pode reconhecer esse serviço prestado pelos povos indígenas? Eu acho importante trazer essa reflexão para cá, para que vocês possam refletir sobre isso também.
Tem sido o nosso papel propor, dar visibilidade aos povos indígenas, mostrar a realidade dos povos indígenas e a necessidade específica mais detalhada em relação a esses indicadores, como a invasão de terras indígenas, a inviolabilidade que deveria existir para os povos indígenas em relação às suas terras, assim como a residência inviolável dentro da nossa Constituição.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Obrigada, André.
Gostaria de agradecer, em nome do Geledés, o convite para participar desse espaço importante de discussão sobre o ODS 18.
Eu vou começar falando sobre uma coisa que considero crucial no que diz respeito a pensar um ODS — Objetivo de Desenvolvimento Sustentável voltado para a questão étnico-racial, que é o envolvimento e a participação da sociedade civil. Nesse sentido, eu me refiro mais especificamente às organizações negras e indígenas.
Não é possível construir um ODS com indicadores, metas, enfim, uma perspectiva de reorientar a agenda de desenvolvimento sustentável se a sociedade civil e as organizações negras e indígenas não estiverem totalmente envolvidas nesse processo, levando em consideração que são elas que têm a expertise, têm olhado para essas agendas historicamente, desenvolvido soluções, encontrado alternativas para o enfrentamento da violação dos direitos.
|
14:42
|
Assim, acho que é extremamente relevante relembrarmos o Estatuto da Igualdade Racial, que, infelizmente, no Brasil, muitas vezes acaba sendo esquecido, invisibilizado ou não implementado da maneira como deveria e poderia ser, e pensarmos na sinergia que existe entre o Estatuto da Igualdade Racial e a agenda de desenvolvimento sustentável. O Estatuto da Igualdade Racial foi inclusive pactuado pela sociedade civil, olhando para o enquadramento das políticas públicas brasileiras numa perspectiva étnico-racial, e isso dialoga diretamente com a agenda de desenvolvimento sustentável, então, está olhando para a educação, está olhando para a saúde, está olhando para o acesso à justiça, está olhando para o trabalho e a renda, enfim, tantas outras agendas que justificam essa sinergia entre ODS e o Estatuto da Igualdade Racial.
Para nós, reconhecer todos esses esforços que já estão pactuados reforça um dos princípios que temos colocado desde que ouvimos rumores do ODS 18, até mesmo antes do pronunciamento do Presidente Lula. O ODS 18 é extremamente relevante, mas ele precisa começar tencionando que toda a agenda de desenvolvimento sustentável seja transversalizada. Não temos como ignorar os outros objetivos e tentar centralizar tudo no ODS 18, porque isso não seria possível. Então, um dos objetivos dele deve ser a transversalização da agenda como um todo.
Para além disso, eu acho que o ODS 18 também tem outro papel muito relevante, que é justamente fazer com que possamos reavaliar o que entendemos por desenvolvimento sustentável. O que é desenvolvimento no Brasil? Qual é a perspectiva de desenvolvimento que nós estamos utilizando? E aí, pensando numa dimensão econômica do desenvolvimento, é preciso reconhecer que o racismo na sociedade brasileira faz com que percamos aproximadamente 10% do potencial do PIB. Então, é preciso reconhecer também que esse modelo de desenvolvimento que está proposto e que não contempla a perspectiva de enfrentamento das desigualdades não será suficiente e vai continuar nos colocando nessa condição de não alcançar um desenvolvimento sustentável, que, para ser desenvolvimento e sustentável, precisa ser justo e equitativo.
Precisamos repensar a perspectiva de sustentabilidade — e aí é muito importante ouvirmos as palavras do companheiro do Ministério dos Povos Indígenas — numa lógica que seja reorientada a partir das cosmologias das comunidades tradicionais, da população afrodescendente, dos povos indígenas, que têm uma relação muito mais sinérgica, muito mais próxima, têm condição de apresentar soluções, tecnologias, práticas de desenvolvimento sustentável que, além de possibilitarem uma condição de sobrevivência e humanidade, apresentam soluções para essas múltiplas crises que nós estamos vivenciando nos dias de hoje.
|
14:46
|
Além disso, acho que há uma outra dimensão que é extremamente importante: trazer o debate étnico-racial a essas agendas globais, significa também trazer uma agenda interseccional, ou seja, olhar para os outros marcadores de desigualdade. Se vamos falar da dimensão étnico-racial, precisamos falar das pessoas com deficiência, trazer as pessoas com deficiência para essa agenda, trazer a diversidade de gênero para essa agenda e trazer a discussão sobre territórios para essa agenda e tantos outros marcadores que apresentam à sociedade brasileira que, infelizmente, não está sendo alcançada pelos objetivos de desenvolvimento sustentável e que acaba resultando no que chamamos de gentrificação verde, que é muito diferente de desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, acho que na dimensão nacional nós temos muitos compromissos, mas acho que trazendo também uma perspectiva otimista, nós já temos caminhos e já temos respostas que já foram construídas historicamente e precisam ser trazidas para dentro desse processo.
Eu gostaria também de chamar um pouco de atenção para a dimensão global do ODS 18. Embora ele seja um compromisso nacional, ele tem um grande potencial de influenciar a agenda de enfrentamento ao racismo no âmbito global. Isso ficou muito explícito agora.
Eu cheguei atrasada, peço desculpas, porque acabei de retornar de Nova Iorque e nós estávamos no “Summit of the Future”. Em um documento, como a Tatiana bem explanou, nós não estávamos contempladas nos documentos referentes aos objetivos do milênio, nós não estávamos contempladas no que diz respeito aos objetivos de desenvolvimento sustentável e, pela primeira vez, enquanto comunidade afrodescendente, nós estamos no documento que é o Pacto para o Futuro. Por mais simples que pareça, isso é muito importante e também se dá a partir de um trabalho realizado pelos movimentos sociais em diálogo com o Itamaraty e num processo de letramento do Itamaraty que precisa estar preparado para abordar essas questões internacionalmente, preparado e subsidiado.
Eu chamo atenção também para a importância de que consigamos apresentar dados desagregados com qualidade, para que possa expressar a realidade do Brasil, a realidade da população brasileira que é de 56% da população. E, quando falamos sobre isso, isso envolve também uma série de outros processos, como, por exemplo, o Relatório Nacional Voluntário que o Brasil apresenta anualmente e que precisa representar quem é a população brasileira.
Essa é uma medida de territorializar os objetivos de desenvolvimento sustentável, que é um grande desafio para essa agenda historicamente. Nós só vamos conseguir territorializar os ODS, se falarmos sobre a população brasileira que é de 56% da população afrodescendente.
Além disso, a importância desse ODS para influenciar os outros países da região, no que diz respeito ao fortalecimento dessa identidade racial, a apresentação de dados desagregados. Quando falamos em América Latina, nós falamos de aproximadamente 200 milhões de pessoas afrodescendentes. Esse é um número extremamente relevante, no que diz respeito à agenda global.
|
14:50
|
Nós integramos hoje alguns mecanismos de participação da sociedade civil junto à ONU para a Agenda de Desenvolvimento Sustentável, que é o mecanismo de mulheres e o mecanismo de ONGs, muito nessa tentativa de visibilizar a agenda afrodescendente no âmbito global. Nós também estamos capitaneando uma iniciativa de criação de um stakeholder group de afrodescendentes. Então, é um mecanismo de participação junto à ONU para tratar especificamente da agenda afrodescendente. E, mais uma vez, eu trago a importância do ODS 18 nesse processo, para fortalecer esse compromisso e para que consigamos também qualificar e ampliar a discussão racial no âmbito global.
O racismo não é um problema apenas do Brasil. O Brasil tem uma grande responsabilidade em relação ao enfrentamento do racismo pelo seu contingente populacional, mas também precisamos defender que o racismo é um problema global. E isto é muito importante no que diz respeito ao ODS 18: o seu poder de ser um instrumento e uma ferramenta para avançar essa agenda globalmente.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Quero agradecer à Leticia.
O SR. ALBERTO SARAIVA - Boa tarde, Deputada Erika Kokay, a quem agradeço, em nome da Universidade Zumbi dos Palmares.
Cumprimento o meu companheiro Lavito Bacarissa, Secretário-Geral da Comissão Nacional para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, da Presidência da República, e todos e todas que participam desta atividade. Registro o meu muito obrigado em nome de nossa comunidade.
Queria aqui fazer um registro da importância de a Câmara dos Deputados Federais chamar para si esta discussão, chamar para si a necessária interlocução entre o Poder Legislativo, um dos poderes estruturantes do nosso Estado brasileiro, a sociedade e o Poder Executivo, para que se debruce e encontre os caminhos para definir métodos necessários para que possamos, de forma altiva e responsável, dar conta de uma tarefa histórica estruturante do Brasil.
Nosso País foi construído, historicamente, a partir do momento fundante da nossa sociedade brasileira pela presença importante dos negros e negras que vieram escravizados da África e que vieram compor a força de trabalho que construiu o Estado brasileiro, mas, para além da força de trabalho, do suor, trouxeram também as suas contribuições culturais, os seus conhecimentos científicos, medicinais, artesanais, a sua inteligência, que se somou inteligência dos povos originários indígenas que aqui já habitavam e também, por assim dizer, a do branco europeu, que foi dominante.
Esse foi um elemento de estruturação e amarração dessa composição de sociedade miscigenada, que originou esse povo uno, o povo brasileiro. Então, essa comunidade, esses 6 milhões de africanos escravizados, que aqui aportaram, receberam do Estado brasileiro um tratamento indigno no que diz respeito ao processo de libertação dessa chaga histórica, que foi a escravidão.
|
14:54
|
A Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, conhecida como Lei Áurea, é uma lei inconclusa. Para quem tem a curiosidade de pesquisar essa informação, que é importante para nós sabermos a dimensão histórica do nosso papel, ressalto que essa lei, no seu arcabouço fundamental, tem apenas dois artigos na sua estruturação: um primeiro, que abole a escravatura, e um segundo, que revoga as disposições contrárias.
O Estado brasileiro não se responsabilizou com a vida desses negros e negras que aqui compõem a base da estrutura social brasileira, não teve responsabilidade com a educação, com a moradia, com o emprego, com a Previdência, com a terra. Nada nos foi repassado como função do Estado brasileiro para que pudéssemos nos incorporar altivamente e de forma ordeira e que pudéssemos contribuir nessa estruturação desse grande Estado brasileiro.
Registro isso, porque é o meu modo de ver e é o modo de ver da explicação que nós construímos na Universidade Zumbi dos Palmares, que completa agora, neste ano de 2024, 20 anos de existência. É a primeira universidade com recorte racial na história da educação superior brasileira, fruto desse trabalho de construir um espaço de aquilombamento para a educação superior do povo negro. Graças a Deus, nós pudemos ter um conjunto de série de outras ações do Estado, em particular e notadamente as políticas de cotas sociais na educação superior, que hoje permitem o acesso do povo negro à formação superior.
Então, a nossa universidade compreende que o ODS 18, o ODS de combate ao racismo, apresentado pelo Governo brasileiro na ONU como ODS voluntário, é um resgate histórico e a contribuição que a nossa geração vai dar na reestruturação, enquanto Estado brasileiro, da responsabilidade que nós temos com esse povo.
A nossa felicidade, a nossa compreensão e o esforço que temos feito a partir da Câmara Temática Interna da Comissão Nacional dos ODS são para levantar as metas e os indicadores necessários para que constituamos os desafios a serem alcançados por toda a sociedade brasileira no combate ao racismo estrutural no nosso País.
|
14:58
|
Então, fica aqui um convite, Deputada Erika Kokay, a todos os participantes. O Governo brasileiro vai realizar, nos dias 14, 15 e 16 de novembro, na cidade do Rio de Janeiro, às vésperas da Cúpula do G20, um grande evento chamado G20 Social, uma oportunidade em que as instituições da sociedade civil vão poder apresentar as suas indicações para a formulação brasileira no documento a ser apresentado à Cúpula do G20.
Nós vamos desenvolver, juntos com outras instituições que participam conosco na Comissão Nacional dos ODS, uma oficina de elaboração de dados étnico-raciais que vão contribuir com esse esforço de construção do ODS 18. Além disso, estamos promovendo uma série de ações, contribuindo com esse esforço do Governo brasileiro.
Então, fica aqui o nosso agradecimento e a nossa saudação à Câmara dos Deputados, através da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, à Deputada Erika Kokay, aos membros da Comissão e a todas as instituições que participam desta audiência pública. E faço aqui um chamamento para que nós possamos nos irmanar e, com a responsabilidade histórica, contribuir para a superação dessa mancha histórica na construção do Estado brasileiro.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Axé, Alberto!
(Segue-se exibição de imagens.)
Quando começamos a desenvolver esse trabalho, nós o intitulamos de Plataforma ODS Racial. Então, antes de o ODS 18 ser formalmente formalizado, nós já tínhamos a perspectiva, junto ao Ministério da Igualdade Racial, em nome da Tatiana Dias, do Edvaldo e do Luciano, de fazer esse projeto que visava construir um grande hub de dados relacionados aos indicadores estratificados por cor e raça.
O projeto está sendo desenvolvido pelo Laboratório de Estudos em Modelagem Aplicada — LEMA, um laboratório da Universidade Federal da Paraíba, cuja coordenação está sendo feita por mim, Aléssio Almeida, por Hilton Martins, diversos pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação.
A grande questão central que nós tínhamos, quando preparamos o projeto, era justamente identificar como monitorar e avaliar os indicadores de forma mais granulada possível, em âmbitos municipais, microrregionais, mesorregionais, com informações mais atualizadas. Então, se nós estamos pensando numa plataforma para monitorar o ODS-18, indicadores envolvendo a igualdade étnico-racial, é fundamental que as informações tenham alta frequência para que possamos verificar se existe uma mudança de convergência em relação aos resultados esperados em torno da igualdade étnico-racial.
|
15:02
|
Então, nesse contexto, nós sabemos que, no Brasil, temos várias instituições oficiais que têm dados estatísticos relevantes, mas a grande dificuldade é termos essas informações atualizadas periodicamente com a perspectiva do ponto de vista da igualdade étnico-racial.
Segundo ponto: como podemos articular esses objetivos sociais dos ODS com a igualdade racial? No caso do Brasil, de forma pioneira, como já foi apontado desde o início desta sessão, desta audiência, o Governo brasileiro propôs, de forma inovadora, a criação de um 18º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável. Então, o Brasil larga na frente nessa perspectiva, na busca da igualdade étnico-racial. Entretanto, a grande questão é nós, cada vez mais, termos informações robustas com qualidade para que consigamos ter mais assertividade sobre os principais desafios e problemas em diferentes dimensões: educação, saúde, trabalho decente, entre outras dimensões relevantes que estão sendo mapeadas na Agenda 2030.
O objetivo do projeto que está sendo construído, da Plataforma ODS Racial é desenvolver uma grande base de dados, sistematizar essa base de dados em uma plataforma de monitoramento e inteligência de dados de indicadores sociais, econômicos e também institucionais estratificados por grupos raciais no Brasil, com o foco em territorialização desses dados em âmbito municipal e regional, e que consigamos vincular essas informações aos targets, às metas que estão pactuadas na Agenda 2030 e também nas metas e indicadores que estão sendo desenvolvidos para um monitoramento específico do Objetivo 18 sobre igualdade étnico-racial. Então, hoje o projeto se encontra já na fase de desenvolvimento de uma plataforma. Nos próximos meses, nós já teremos uma primeira ideia dos resultados. Hoje, a base de dados que foi construída obedece a uma série de critérios. Temos como critério necessário que as informações sejam desagregadas, pelo menos por cor e raça, que as informações sejam confiáveis e com dados oficiais, que a atualização desses dados sejam preferencialmente anuais e também que o nível de desagregação de interesse seja pelo menos estadual, com preferência para dados municipais.
Também temos mais três critérios importantes: os dados devem ser abertos, fontes públicas e, quando possível, termos a desagregação por sexo. Com base nisso, tivemos um mapeamento de vários temas: saúde, educação, violência, emprego, renda, representatividade, moradia, ou seja, mapeamos todas as bases de dados oficiais do Brasil. Construímos um serviço de identificação feito por robôs para que a atualização e identificação dos dados seja frequente e de alta qualidade. A nossa perspectiva é de também analisarmos os indicadores de forma transversal. Então, quando falamos sobre educação de qualidade, erradicação da pobreza, saúde e bem-estar, mortalidade infantil, quando prevemos a importância disso para que todos os grupos raciais convirjam para um resultado satisfatório dentro da Agenda 2030, precisamos que essa informação seja monitorada de forma transversal. Então, mesmo o objetivo estando no ODS 18, ele pode ter
transversalidade também com outros ODS. E foi nessa perspectiva que fizemos esse mapeamento, que já está em fase final de cálculo, com 140 indicadores associados à Plataforma ODS Racial. E temos as demais transversalidades. Por exemplo, se temos 85 indicadores relacionados ao ODS Racial, esses 85 também estão nos objetivos 1, 3, 4, 5 e 6, ou seja, estão de acordo com o conceito de transversalidade imposto pela Agenda 2030.
|
15:06
|
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Então, nós perguntamos agora se alguém quer fazer uso da palavra, por 3 minutos.
Não havendo quem queira fazer uso da palavra, eu passo, então, a palavra de volta aos componentes da Mesa para que façam as suas considerações. Se me permitem, sigo a mesma ordem. Então, por 3 minutos, passo a palavra para o Tiago Ranieri, que é Procurador do Trabalho, Diretor de Assuntos Legislativos.
O SR. TIAGO RANIERI DE OLIVEIRA - Deputada, primeiramente eu quero parabenizar cada palestrante, cada orador que ouvimos hoje. Acho que eu saio daqui afetado pela quantidade de ações que têm sido pensadas e concretizadas, efetivadas no que diz respeito a esse ODS inédito, que é o ODS 18, e fico ainda mais satisfeito pela nossa associação e pelo próprio Ministério Público do Trabalho também estar em harmonia nessa construção do ODS 18.
Sabemos que vivemos numa sociedade em que a ferramenta central é o trabalho, e não há como se pensar no ODS 18 se apartando o trabalho. É o trabalho que emancipa, é o trabalho que traz dignidade, é o trabalho que traz a civilidade mínima, é o trabalho que traz o patamar civilizatório mínimo. Então, eu tenho certeza que, a partir dos encaminhamentos que vão sair desta Mesa, nós temos grandes chances de alcançar esse patamar civilizatório mínimo como forma de compensação desse prejuízo e dessa lesão histórica com o povo negro, com o povo quilombola e indígena.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Obrigada, Tiago Ranieri. Passo, então, para o Lavito Bacarissa, representante da Secretaria-Geral da Presidência da República.
O SR. LAVITO PERSON MOTTA BACARISSA - Bom, agradeço, Deputada Erika Kokay, mais uma vez pela parceria da Frente Parlamentar para os ODSs. Agradeço a todos os presentes que se envolveram no debate. Nós cumprimos a missão aqui de ampliar, então, a discussão em torno do ODS 18, suas metas e indicadores. Anuncio que temos, Deputada, um cronograma de audiências que vamos realizar aqui para discutirmos temas importantes em relação à Agenda 2030, como a incidência da Agenda na aprovação da Lei Orçamentária Anual, Lei de Diretrizes Orçamentárias. Então, são temas importantes. Agora, está vindo o período eleitoral aí com as novas eleições. Essa safra de Prefeitas e Prefeitos são aqueles que vão conduzir a Agenda até a sua conclusão. Também pretendemos discutir aqui no Parlamento de que maneira fazer incidir a Agenda com os novos Prefeitos.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Obrigada, Lavito.
|
15:10
|
Quero agradecer também a todos os colegas do MIR, ao Ministério dos Povos Indígenas, à Comissão Nacional, à Câmara Temática, a todas as representações do Governo e da sociedade civil, que têm construído conosco esse debate, e às agências do Sistema ONU, que estão próximas fazendo esse debate e trazendo esses acúmulos.
Eu queria destacar alguns pontos que foram trazidos também pelos colegas para dizer que a discussão da questão da igualdade racial, além de todo o papel fundamental e central da sociedade civil e dos movimentos negros, contou muito com esse impulsionamento da agenda internacional. Destaco a Conferência Mundial contra o Racismo de Durban, que foi um marco para que nós pudéssemos nos movimentar internamente e nos reorganizar em torno de uma série de agendas. Nós compreendemos o papel que tem esse debate internacional sobre o desenvolvimento nas nossas agendas nacionais. Entendemos também, como foi falado aqui, o papel que as discussões brasileiras têm no âmbito da agenda global de desenvolvimento e, especialmente, na região quando falamos de população negra e povos indígenas.
E, falando especialmente da discussão da Agenda 2030, quero dizer que ela é uma agenda focada e foi sustentada nos anos em que a Comissão Nacional foi desativada pela sociedade civil. Então, temos buscado abrir cada vez mais esse diálogo para que ele seja feito em conjunto, tendo em vista que não é um diálogo do Governo porque os governos passam. A sociedade está trabalhando essa agenda desde os ODMs e garantindo que nós estejamos aqui hoje fazendo este debate, porque, no momento em que o Governo estava ausente, a sociedade civil e as organizações estavam presentes.
Quero também trazer esse ponto de que o ODS 18 não é uma agenda separada. Ele é uma agenda dentro da Agenda 2030. Nós precisamos transversalizar. Esse esforço que estamos fazendo, no que diz respeito à plataforma, às ações e a outros elementos, é no sentido de dar concretude também no nosso território à Agenda 2030 e à agenda do desenvolvimento com justiça étnico-racial.
Então, convido todos e todas a acessarem o site para identificar, dentro das instituições, as possibilidades de se agregarem a esse debate. Quero dizer que nós estamos com as portas e as janelas abertas para ampliar cada vez mais esse debate e fazer com que o ODS 18 seja mais um instrumento a serviço do Governo e da sociedade para que possamos aprofundar o nosso desenvolvimento com justiça étnico-racial.
|
15:14
|
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Agradeço à Tatiana Rios.
O SR. ANDRÉ FERNANDO BANIWA - Sra. Presidente, quero agradecer esta oportunidade e a minha participação nesta audiência pública, assim como essa parceria com o Ministério da Igualdade Racial, com a Secretaria Geral da Presidência da República, com a Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial .
Quero reafirmar que a relação à igualdade étnico-racial para nós é muito importante e temos focado centralmente na questão do Bem Viver Indígena.
O Ministério dos Povos Indígenas este final do ano começará a elaboração do Plano Nacional de Combate ao Racismo contra os Povos Indígenas, assim como estamos elaborando alguns programas que vão para a direção da valorização desses conhecimentos tradicionais, tecnologias ancestrais dos povos indígenas, no combate ao epistemicídio e às ações que estão acontecendo também em relação ao fortalecimento das línguas indígenas, e assim por diante.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Tem a palavra a Letícia Leobet Florentino, representante do Geledés, Instituto da Mulher Negra.
Eu gostaria de agradecer também, em nome da Geledés, e dizer que a fala da Tatiana foi muito importante.
Eu também hoje represento aqui o Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030. Como a Tatiana explanou, manteve-se firme nos momentos mais difíceis para garantir a permanência e a existência da Agenda de Desenvolvimento Sustentável no Brasil.
Acho importante também mencionar o Relatório Luz que durante essa ausência total, tanto no âmbito nacional quanto no âmbito global, a sociedade civil foi quem continuou produzindo informações e dados e monitorando a Agenda de Desenvolvimento Sustentável.
Convido os senhores para o lançamento do Relatório Luz que vai acontecer no dia 22 de outubro. O estudo do caso do Relatório Luz deste ano é justamente olhando para todos os objetivos de desenvolvimento sustentável transversalizados pela questão de raça e gênero. Nós fizemos esse estudo de caso justamente nesse propósito de olhar para o processo de transversalização.
Acho que também recupero aqui um pouco na minha fala a importância de que tenhamos ferramentas suficientes para conseguir monitorar práticas de desenvolvimento sustentável que já têm sido executadas, implementadas historicamente pelas comunidades afrodescendentes, indígenas, comunidades tradicionais e que, para além de identificar, consigamos valorizar essas práticas, porque o desenvolvimento sustentável já está acontecendo, amplificar essas iniciativas de maneira a dar respostas mais assertivas e concretas a esse cenário e essa crise que estamos vivenciando.
Outra questão que é fundamental, e também recuperando o que falei em relação ao Estatuto da Igualdade Racial, é a dimensão do empoderamento econômico da população afrodescendente. Nós, da Galedés, temos discutido muito essa questão que é extremamente fundamental quando falamos sobre o enfrentamento ao racismo na realidade brasileira.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. Bloco/PT - DF) - Vamos ouvir agora o Alberto Saraiva, que é da Faculdade Zumbi dos Palmares.
(Pausa.)
|
15:18
|
Nós já escutamos todas as considerações. Eu queria agradecer muito a oportunidade, nesse correr da vida que o poeta diz que às vezes embrulha tudo, de fazer esta discussão sobre o ODS18, com dados muito relevantes de que há um racismo estrutural, estruturante, e um pacto muito letal entre o racismo e o sexismo, a lógica misógina, que é um pacto letal, sem nenhuma dúvida, porque arranca o nosso conhecimento. É um epistemicídio, que já foi dito aqui pelo André, que, ao mesmo tempo, naturaliza, tentando negar uma desigualdade de direitos.
O Brasil viveu muito tempo com o mito da igualdade racial. E esse mito da igualdade racial invisibilizava todas as paredes e os tetos de vidro. E, com os tetos de vidro, não se vê o que não se ataca. Ao mesmo tempo, naturalizam-se os espaços. E se você não vê as paredes e os tetos de vidro e não os considera, você tende a culpabilizar as vítimas pela própria violação de direitos, que é um processo extremamente profundo de perpetuação e de internalização das próprias desigualdades e violação de direitos.
Então, penso que é muito importante que nós tenhamos o ODS 18, porque é transversal, realmente é transversal. Se nós pegarmos todos os ODS, nós vamos ter sempre um recorte de gênero.
Dados do desemprego mostram que pretos e pardos representam 54,1% das populações sem ocupação; e o percentual de brancos é de 35,2%. Em 2021, considerando a linha de 5,50 dólares diários, 18,6% das pessoas brancas encontravam-se abaixo da linha da pobreza, ao passo que o percentual das pessoas pretas foi de 34,5%. O rendimento mensal, que é inferior, da população preta ocupada foi de 1.764 reais, enquanto que o das pessoas brancas foi de 3.099 reais. O analfabetismo também está pontuando esse racismo estrutural que vai caminhando sobre todos os direitos. E a igualdade étnico-racial, portanto, dialoga com o conjunto dos ODS.
Em relação à representação política, em 2018, 75,6% dos Deputados Federais eleitos eram brancos, enquanto 24,4% eram pretos ou partos, considerando que a maior parte da população brasileira é negra. Então, não se trata de minorias, mas de setores minorizados em direitos também.
Portanto, eu reputo de uma importância imensa que nós tenhamos o ODS e o esforço para que ele se torne um ODS global.
Nós temos a experiência da Índia, do empoderamento local e do desenvolvimento rural. A Índia tem um ODS próprio. A Costa Rica tem o ODS 18, sobre a felicidade e o bem-estar das pessoas.
|
15:22
|
É importante o avanço para a construção deste ODS no Brasil, mas penso que deveríamos procurar o Alto Comissariado da ONU, em nome da Comissão, para que possamos, a partir daí, construir uma discussão para globalizar, internacionalizar o ODS 18, da igualdade étnica, que envolve inúmeros aspectos, do ponto de vista tanto das políticas públicas, como da memória.
Eu penso que é o que Krenak fala e várias pessoas, como o Alok, falam: o futuro é ancestral. O futuro realmente é ancestral. Vejam como os tambores se movimentam, vejam as resistências que aconteceram, a construção cultural de resistência. O Brasil tem uma construção cultural pelo canto, pela dança, pela capoeira e por tantos aspectos, que é uma construção de resistência, é uma estética, eu diria, de resistência, que foi posta através das diversas linguagens e das diversas expressões culturais. Então, é ancestral. É ancestral porque gira, porque roda, porque é a tinta do urucum, é a tinta do jenipapo, é o maracá, são os tambores. Isso é o futuro de uma sociedade inclusiva e justa, que possa pautar os seus passos e os movimentos a partir dos diversos ritmos, porque é um País com muita diversidade de ritmos, de sons, de cores, de saberes e de fazeres também.
Acho que é importante que nós possamos, como fruto desta discussão, fazer um posicionamento desta Comissão na perspectiva da globalização do ODS 18. Ao mesmo tempo, eu queria dizer que é muito bom que nós tenhamos a Comissão Nacional dos ODS de volta, com esses 42 representantes do Governo, nessa multissetorialidade, que é absolutamente imprescindível. Os direitos se engancham uns nos outros, e as políticas públicas precisam se enganchar.
Essa discussão que se carrega é uma discussão de muita afetividade. Eu penso que as políticas públicas têm que vir com muita afetividade, com muita história, com muito ritmo, com muita memória. Uma das metas que foram colocadas é o resgate da memória, o que me parece ser absolutamente fundamental para a nossa própria ancestralidade, para as nossas raízes, enfim, para as políticas públicas, os direitos, o acesso à Justiça, o resgate da memória, o resgate da própria verdade.
O objetivo está sendo destrinchado em metas. Nós queremos acompanhar essa discussão pela Comissão. Eu falo aqui também em nome da nossa Presidenta, a Deputada Daiana Santos, que carrega essa pauta de forma muito intensa. Nós queremos formalizar o acompanhamento da Comissão de Direitos Humanos e Igualdade Racial em toda a construção do ODS 18, das metas, colocando a Comissão inclusive absolutamente à disposição desta construção.
Eu vejo aqui o Tata Edson. Nós temos a construção de um marco legal dos povos tradicionais de matriz africana. Nós vamos ver também um conjunto de políticas públicas.
Nós estamos falando de segurança alimentar, nós estamos falando de cultura, nós estamos falando de saúde, nós estamos falando de geração de emprego e renda, nós estamos falando de tudo que nos mantém com os recortes humanos necessários e estamos falando de meio ambiente também, porque temos as deusas e os deuses que se relacionam com o próprio meio ambiente. E o carinho é por todas as formas de vida, que não são propriedade do ser humano, mas nós seres humanos somos parte da Terra, eu diria e como diz Krenak.
Eu sugeriria que nós marcássemos essa reunião com o Alto Comissariado da ONU aqui no Brasil para levar a sugestão de termos a globalização como um posicionamento desta Comissão, que nós possamos formalizar para a Comissão o acompanhamento da Comissão de Direitos Humanos desta Casa na construção do ODS 18, para além da própria frente que tem acompanhado o conjunto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que tem essa construção com a sociedade civil.
|
15:26
|
Aqui foi dito pela Tatiana, foi dito pela Letícia, foi dito de várias formas: a sociedade civil resistiu. O Relatório luz é uma expressão disso. Quando nós vivíamos um apagão de dados e quando defender a ciência e evidências científicas nos colocava sob ameaça, quando defender a liberdade, dizer que nós éramos antifascistas e combater o fascismo nos colocava em ameaças, a sociedade civil resistiu. O Relatório luz foi absolutamente fundamental para que nós pudéssemos ter dados acerca dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Gueledés e tantas outras entidades resistiram — resistiram a um período muito duro da história brasileira, que ainda está aos pedaços, como estão aos pedaços todos os períodos traumáticos da construção desse povo, do povo brasileiro e da sua própria história. Neste sentido, a participação da sociedade civil eu reputo como de uma importância imensa.
Nós vamos continuar nessa discussão. Nós estamos na discussão do ODS 18, mas também na construção do conjunto dos ODS, como foi dito pelo Lavito. Nós queremos fazer uma discussão de como os ODS entram no orçamento. É preciso estar no orçamento, porque política pública precisa se calcar no próprio orçamento para que ela possa ser efetivada. Nós queremos fazer essa discussão do orçamento que vai ser discutido e aprovado por esta Casa. Nós queremos o compromisso, neste processo eleitoral, dos eleitos e eleitas com relação à pauta dos ODS e com esse recorte do ODS 18.
É muito bom ter o Ministério dos Povos Indígenas, é muito bom ter o Ministério da Igualdade Racial, é muito bom ter a Comissão de volta, é muito bom que o Brasil tenha tido a iniciativa do ODS 18 — igualdade étnico-racial —, porque isso significa de pronto romper com as paredes e os tetos de vidro e reconhecer que há um processo de desigualdade neste País, processo que pula e que foi tão invisibilizado por uma lógica que fere a própria inclusão, que é a da naturalização da subalternização. Portanto, estamos aqui para continuar essa discussão.
Tínhamos feito uma discussão: que o convênio que esta Comissão tem, que está suspenso por ora, com o Observatório das Recomendações, também incluísse os ODS, até porque os ODS estão, via de regra, nas recomendações.
São inúmeras recomendações que vão dialogar também com o que está nos ODS. Portanto, que nós possamos avançar nessa outra discussão que queremos fazer sobre esse convênio com o Alto Comissariado da ONU. A Câmara dos Deputados, a partir desta Comissão, abrigará esse Observatório, que produziu um dos melhores relatórios que nós já tivemos nesta Comissão acerca do cumprimento das recomendações e do estágio — se avança ou se retarda, como estão ou continua como estão. Mas é muito importante que nós tenhamos esses dados, que é a função inclusive da própria Comissão, do Relatório Luz.
Nós queremos fazer aqui a discussão do Relatório Luz e das conclusões da própria Comissão, para que nós possamos ver como podemos construir dados que vêm de lugares diferentes, mas com os mesmos objetivos. É de lugares diferentes que nós construímos as mais belas trincheiras em defesa da vida e de uma sociedade mais justa e mais igualitária. Por isso, é muito bom estar aqui com vocês.
Agradeço muito ao Tiago, à Tatiana, ao André, ao Lavito, à Letícia, ao Alberto e ao Aléssio que estiveram conosco de forma virtual.
|
15:30
|
Agradeço sobremaneira ao Lavito, que tem feito um bom diálogo com esta Comissão, com o Parlamento. Em relação ao Geledés, não falo sobre isso, porque grande parte das ações que nós traçamos foi sugestão do Geledés, que tem essa resistência, porque é pele preta como traje de gala, que significa a condição de construirmos um Brasil que possa valorizar e abraçar o seu próprio povo.
Nada mais havendo a tratar — temos sempre tem muita coisa a tratar —, declaro encerrada a presente audiência pública, antes convocando os Srs. Deputados e as Sras. Deputadas para reunião de audiência pública, com o objetivo de debater a política de defesa dos direitos da criança e do adolescente, que acontecerá no dia 3 de outubro, quinta-feira, às 10 horas, neste mesmo Plenário 9.
|