Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Esta é a 3ª Reunião Extraordinária da Comissão Externa sobre acidente de avião da Voepass Linhas Aéreas — Voo 2283 — ATR-72.
Encontra-se à disposição na página da Comissão na Internet a Ata da 2ª Reunião Extraordinária, realizada no dia 10 de setembro de 2024.
Informo que a sinopse do expediente recebido se encontra à disposição na página da Comissão na Internet.
Declaro que na Ordem do Dia de hoje está prevista a realização de audiência pública, bem como a deliberação de requerimentos, que realizaremos tão logo seja atingido o quórum regimental de deliberação.
Daremos início agora à audiência pública, convocada em razão da aprovação dos Requerimentos nºs 2, 3 e 13, de 2024, de autoria do Deputado Bruno Ganem.
Agradeço a presença dos senhores, a quem convido para compor a Mesa: Carlos Eduardo Palhares Machado, Diretor do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal; Maria de Fátima Albuquerque, mãe da vítima Arianne Estevan Risso; e Rodrigo Borges Correia, Delegado da Polícia Federal e Chefe do Serviço de Segurança Aeroportuária.
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Saúdo o Deputado Padovani, pessoa na qual saúdo o Presidente, o Deputado Newton Bonin, o Dr. Rodrigo Borges Correia, Delegado de Polícia Federal, a Sra. Maria de Fátima Albuquerque, mãe da Arianne, o Dr. Clayton Rovigatti Leiva, perito do INC, que está responsável pelo caso Voepass na parte de perícia, e a Sra. Adriana Ibba, mãe da pequena Alice, que também estava naquele voo.
Eu estou aqui à disposição dos senhores caso tenham perguntas relacionadas à atuação da perícia da Polícia Federal. Vou utilizar o tempo que tenho para descrever as atividades que já foram realizadas e o que ainda está sendo realizado pela perícia da Polícia Federal. O Dr. Borges vai explicar a parte investigativa, e eu ficarei responsável por falar sobre a parte da perícia.
De antemão, é importante destacar a diferença entre a atividade de investigação chamada SIPAER — Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos para fins de prevenção, que é realizada e conduzida pelo CENIPA, e a investigação realizada para fins criminais, para atribuição de responsabilidades, conduzida pela Polícia Judiciária e, no caso específico, pela Polícia Federal.
Tão logo houve o acidente, várias imagens começaram a circular pela Internet. Eu faço parte de grupos de investigação aeronáutica, trabalho na Polícia Federal há aproximadamente 20 anos. Meu primeiro caso pericial foi o da TAM 3054, em que atuei como perito de local. A minha formação original é em Odontologia. A Polícia Federal, no concurso de 2004, abriu vagas para peritos médicos e peritos dentistas com a expectativa de atuar em situações de desastres, com foco na identificação de vítimas. A minha entrada na Polícia Federal se deu nesse contexto. Poucas dias depois da minha posse, houve o acidente da TAM. Depois disso, eu participei de praticamente todos os sinistros aeronáuticos de maior porte, todos que envolveram a aviação comercial.
Desde o primeiro momento, entendo muito bem a diferença que há entre o papel do CENIPA e o papel da Polícia nessas investigações. O que eu venho percebendo é uma evolução muito grande na forma de lidar com os casos. Num primeiro momento, não tínhamos muito bem definidos as atribuições e os papéis durante a investigação. Hoje, esses papéis estão muito bem definidos. Parte desse papel do CENIPA foi exposta pelo Brigadeiro Moreno, que já esteve nesta Comissão.
Por conta de ter participado de vários sinistros aeronáuticos, faço parte de grupos de WhatsApp para discutir o tema. Tão logo houve o início da circulação das imagens, esse grupo recebeu algumas da queda da aeronave. Fiz a checagem da informação e, obtendo a confirmação, entrei em contato com o Dr. Moreno, Diretor Técnico Científico da Polícia Federal, sugerindo-lhe que entrasse em contato com o Diretor-Geral da Polícia Federal para verificar a entrada da Polícia Federal no caso. Isso foi antes das 14 horas daquele dia.
O Diretor-Geral, tendo feito as tratativas, autorizou que eu fizesse contato com o Chefe da Delegacia de Campinas, o Dr. Eduardo, e com o Superintendente da Polícia Federal em São Paulo, o Dr. Sanfurgo. Foi então planejada a resposta da Polícia Federal ao caso. Eu fiquei responsável pela resposta pericial.
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Do outro lado, também na Polícia Federal, havia uma movimentação para o planejamento da resposta de investigação. De pronto foi instaurado inquérito federal para apurar o acidente. Esse inquérito ficou sob a responsabilidade da Delegacia da Polícia Federal em Campinas, que é chefiada pelo Dr. Eduardo, que, logo no primeiro momento, estabeleceu que seria o delegado de plantão o responsável por atender a parte emergencial, mas, num segundo momento, seria outro delegado, o Dr. André, que até hoje está responsável pela Presidência do IPL.
Sabendo que a Polícia Federal entraria no caso, nós montamos uma equipe multidisciplinar para fazer as abordagens devidas. Fizemos as orientações específicas para o Delegado da Polícia Federal e para o Superintendente e obtivemos informações sobre a resposta do CENIPA para que fizéssemos o contato preliminar com o CENIPA. De pronto, tivemos informação de quem estaria indo para o campo: foi o Coronel Fróes, o mesmo que fez a apresentação do relatório preliminar do CENIPA. Então, antes de irmos para lá, já tínhamos contato com o CENIPA, com a Polícia Civil e com a Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo para ajustar a atividade conjunta.
O foco da perícia, quando acontecem acidentes que envolvem vítimas, é o tratamento com os familiares. O nosso foco principal sempre, apesar de sabermos que vamos trabalhar com a investigação, são os familiares.
Saímos de Brasília com uma equipe multidisciplinar. Parte dessa equipe trabalharia com uma equipe local para ir até onde o avião havia caído para orientar os trabalhos e atuar junto à Superintendência da Polícia Técnica de São Paulo na retirada dos corpos e dos remanescentes humanos. Até aquele momento, não tínhamos ideia da condição que encontraríamos. Foi também para o local uma equipe que trabalharia com a investigação do acidente aeronáutico para fins periciais e criminais, que aqui está representada pelo Clayton, o perito responsável pelo caso. Fomos com uma equipe para trabalhar a identificação de vítimas. Eu, mesmo estando Diretor do Instituto Nacional de Criminalística, pela minha vivência nesses casos, fiz questão de ir para dar suporte aos familiares.
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O nosso foco esteve principalmente no local, aonde chegamos no mesmo dia do acidente. Da noite da sexta-feira em que aconteceu o acidente até a noite do dia seguinte, ininterruptamente realizamos a atividade de recolhimento dos corpos, dando toda a dignidade possível a eles.
É importante dizer que, antes da retirada dos corpos, nós fizemos uma vistoria no local de queda da aeronave. Nós percebemos que uma parte do avião estava queimada; outra parte, não. Naquele primeiro momento, não dava para sabermos da complexidade de identificação dos corpos que estavam na parte queimada do avião, mas nós já tivemos uma orientação preliminar sobre como seria o processo de identificação.
A Superintendência da Polícia Científica de São Paulo estava com muitos peritos lá, que atuaram ativamente na retirada dos corpos. Nós participamos da orientação dessa retirada, que foi feita de forma a trazer dignidade ao corpo, como se fosse de alguém da nossa família. Isso foi falado para as pessoas. Como todos nós pegamos voos comerciais, poderíamos ser nós mesmos, poderiam ser nossos pais ou nossos filhos ali. Todos trabalharam com esse sentimento de fazer uma atividade técnica com muito respeito aos corpos, à dignidade daquelas pessoas mortas, também com uma preocupação muito grande em relação aos familiares.
Na noite do primeiro dia, os trabalhos foram concentrados na parte do avião que não estava queimada. Na manhã do dia seguinte, a partir das 6 horas, começamos a trabalhar na área queimada. A Polícia Federal estava sempre trabalhando com a Superintendência da Polícia Técnico-Científica de São Paulo. Havia o acompanhamento de delegados da Polícia Federal e de delegados da Polícia Civil. Havia o suporte direto do Corpo de Bombeiros. Havia a presença da Defesa Civil. O pessoal do CENIPA estava lá. Tratava-se de um trabalho multidisciplinar, que, naquele momento, era coordenado pela perícia.
A parte queimada, assim como a parte não queimada, havia passado por um colapso dos bagageiros que estavam em cima. Então, quando o avião caiu, estava praticamente chapado. Depois daquele parafuso chato, houve o colapso do teto da aeronave sobre os passageiros. Primeiro, nós tínhamos que fazer a remoção daquele material para que pudéssemos ter acesso aos corpos. Fizemos isso de madrugada na parte não queimada. Na parte queimada, começamos a remoção na manhã do sábado.
Depois de haver sido retirada a parte do bagageiro, com o apoio de bombeiros, nós pudemos perceber a condição dos corpos. De plano, já percebemos que seria possível a identificação da grande maioria dos passageiros por impressão digital. Em casos de desastre, existem apenas três metodologias recomendadas pela Interpol, o principal organismo que traz recomendações para identificação nesses casos: por impressão digital, por arcada dentária e por material genético.
Em outros casos de que participamos, como, por exemplo, o caso da Air France, nós tínhamos uma limitação muito grande de identificação por impressão digital, principalmente pela ausência de informação de referência. Para fazer identificação, fazemos praticamente um quebra-cabeça: juntamos uma informação que está no corpo com uma informação da biografia da pessoa que está desaparecida ou que o familiar está procurando.
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Essas três metodologias — repetindo, impressão digital, exame de arcada dentária e identificação genética — são metodologias técnicas. As pessoas, mesmo sem estarem preparadas para a morte, têm essa informação em algum lugar. No caso do Brasil, há um sistema de identificação civil baseado em impressão digital. Então, todo mundo aqui tem impressão digital em algum lugar, que pode ser acessado.
Como é um evento fechado, num acidente aeronáutico, nós temos uma lista. É muito tranquilo para a Polícia Científica coletar a lista e, a partir daí, coletar as informações de impressão digital e fazer a identificação, desde que essa informação esteja presente no corpo.
No caso da Air France, a maior parte dos estrangeiros não tinha essa informação, o que limitava o método de identificação por impressão digital. No caso do Brasil, vimos que havia condições de fazer a identificação por impressão digital. Logo no primeiro momento, nós sabíamos que a identificação seria muito rápida para a maioria dos casos.
Algumas situações são mais complexas, como no caso da Lizinha, que era um bebê, uma criancinha. Não tínhamos a informação, apesar de termos visto a identidade da Liz no momento em que estávamos fazendo a busca. Muitas vezes, os desenhos das digitais não estão tão fáceis de serem coletados no corpo. Então, no caso da Liz, não sabíamos se seria tão rápido. Talvez tivéssemos que ir para a arcada dentária ou para a identificação genética. Mas, de pronto, já sabíamos que a maioria das identificações seria por impressão digital.
No período da manhã, nós liberamos os primeiros corpos para irem ao IML. Quem fez toda a atividade de exame dos corpos foi a Superintendência de Polícia Técnico-Científica de São Paulo. A Polícia Federal apenas acompanhou a atividade e deu sugestões, mas não foi a Polícia Federal a responsável pela identificação. A Superintendência de Polícia Técnico-Científica de São Paulo atuou de forma muito próxima ao Instituto de Identificação de São Paulo, que não é vinculado a ela.
Então, é importante fazer um ajuste também do mérito do trabalho rápido de identificação, porque muitas vezes o associamos apenas ao IML. O IML é, sim, responsável pelo exame dos corpos, mas a identificação foi feita por método papiloscópico para quem tinha a impressão digital, que, no caso de São Paulo, era feito pelo Instituto de Identificação do Estado de São Paulo.
Tão logo finalizamos a atividade de recolhimento, no sábado, a equipe da Polícia Federal se deslocou para São Paulo, tendo como foco principal conversar com os familiares. Tivemos a informação de que os familiares estavam sendo atendidos no Instituto Oscar Freire, que fica ao lado do IML. Então, primeiro, sim, fizemos uma vistoria no IML. Eu a chamo de vistoria, mas ela não deve ser entendida como qualquer tipo de atividade fiscalizatória ou de auditoria, porque isso não cabe ao evento. Estávamos ali só para dar apoio, para que tudo fosse feito rapidamente, com segurança, trazendo menos dor aos familiares.
Depois de fazermos a vistoria no IML, fomos ao Instituto Oscar Freire e percebemos que o centro de acolhimento dos familiares estava sendo principalmente colocado lá no instituto. Os familiares estavam acomodados num hotel, que ficava em outra localidade. Entendendo que traria muito menos desconforto aos familiares se as informações fossem passadas no hotel, fizemos a sugestão ao Ministério Público de São Paulo e à Defensoria Pública de São Paulo de que as atividades de informações aos familiares fossem transferidas, pelo menos de forma coletiva, para o hotel.
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Sabendo que o foco são as famílias, sabendo que o mais importante é a família ser munida de informações e sabendo também que a família tem que ser comunicada antes de qualquer outra pessoa ou qualquer outro grupo e antes da imprensa, nós, em conjunto com o Ministério Público de São Paulo, com a Defensoria, com a Superintendência da Polícia Federal em São Paulo e com a Superintendência de Polícia Técnico-Científica de São Paulo, estabelecemos que seria feito um comunicado ou uma reunião diária com os familiares, em um dia que seria conhecido pelos familiares, para que fosse estabelecida uma rotina de comunicação. Então, no próprio domingo, solicitamos o agendamento de uma reunião com os familiares. Isso foi feito via operadora, a Voepass, e, às 18 horas daquele domingo, nós conversamos com os familiares.
Eu estou olhando aqui para baixo, porque eu estou me lembrando de como foi aquele dia, era Dia dos Pais. Nós não conseguíamos mensurar a dor que as pessoas estavam passando.
Algumas vezes, no Dia dos Pais, eu não estava em casa por estar atuando em casos desse tipo. Um caso foi o de um Deputado, o Deputado Eduardo Campos, que era presidenciável, e o avião caiu em Santos. Foi um dos casos de que eu tive que participar logo depois de o meu filho ter nascido. Eu estava atuando, primeiro, num caso da Ucrânia, onde um avião foi abatido e morreram 298 pessoas. Na época, eu estava na Interpol. Quando eu voltei, menos de 1 semana depois, o meu filho tinha acabado de nascer, eu tive que ser acionado para atuar no caso. Ali, com mais de 1 centena de familiares, nós termos que falar da morte dos familiares aos pais, no Dia dos Pais, foi algo muito impactante para todos que estavam ali. Os familiares certamente perceberam a emoção de todos nós que estávamos ali, e nós sentíamos muito, assim como sentimos muito pela perda dessas pessoas.
Nós entendemos que a investigação SIPAER, por algumas proteções legislativas, tem preferência em relação à investigação criminal, pelo fato de ter por finalidade evitar que aquelas situações se repitam.
Então, naquele domingo, no Dia dos Pais, nós conversamos com os familiares e transmitimos as informações de forma oficial e em primeira mão. Os familiares tinham uma orientação pontual, no Instituto Oscar Freire, mas eles passaram a receber uma informação oficial de órgãos diferentes. Estavam lá o Ministério Público de São Paulo, a Defensoria e a Polícia Federal. A Superintendência de Polícia Técnico-Científica não esteve naquele dia, mas depois participou. Ali nós explicamos o que havia sido feito até aquele momento e quais seriam os próximos passos. Havia uma angústia muito grande dos familiares de entender o que aconteceu, uma angústia também muito grande de querer receber de volta os seus familiares. Ali nós transmitíamos as informações técnicas e também dávamos orientação sobre prazos de atividade, naquele momento, sempre com muita preocupação de não trazermos falsas expectativas, mas nós sabíamos que seria rápido.
Para os familiares, que estavam em uma situação de desconforto muito grande, não sabiam se voltavam ou se ficavam lá até o final do processo, a nossa orientação foi que permanecessem lá por pelo 2 semanas, porque imaginávamos que, em 2 semanas, a maior parte das identificações teria sido feita e os corpos poderiam ser levados de volta ou para os locais que os familiares entendiam necessário.
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O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Concedo-lhe mais 5 minutos.
A identificação aconteceu mais rápido do que esses 15 dias. Na quarta-feira, foi feita a comunicação de que todos os corpos estavam identificados e, em menos de 1 semana, os familiares puderam levar esses corpos de volta. Para a Polícia Federal, a atividade não terminou ali. Terminou a identificação, mas a Polícia Federal continuou acompanhando os trabalhos de perícia do sinistro aeronáutico. Desde o primeiro momento, o Clayton e outros colegas estavam trabalhando em conjunto com o CENIPA na análise dos destroços.
Quando eu falo "em conjunto", não quer dizer que os dois trabalham compartilhando ou discutindo as informações. Na verdade, o CENIPA, a Polícia Federal e a Polícia Judiciária têm acesso ao mesmo tipo de informação, mas cada um processa essas informações do seu jeito, porque, ao final, o objetivo vai ser diferente. No nosso caso, é uma investigação para fins de atribuição de culpa, de responsabilidade, e nós temos que ser muito restritivos nessa atribuição de responsabilidades. No caso do CENIPA, é um levantamento de possibilidades. Quanto mais ampla for a investigação deles, melhor. Eles podem inclusive se dar o direito de fazer especulações sobre as possibilidades.
Não vou entrar no caso específico, mas vou utilizar um caso similar ou um caso também de sinistro aeronáutico de que nós participamos. Posso citar o caso TAM 3054, em que havia chuva, a aeronave estava com um dos reversores inoperante, a pista tinha acabado de ser reaberta e não havia sido feito o grooving nela. Muitos falavam: "Poxa, o avião caiu porque estava com o reverso inoperante", ou "O avião caiu ou se acidentou porque o grooving não estava posto ali", ou "O avião caiu porque estava chovendo". Na análise do CENIPA, eles entendem todos esses aspectos como fatores contribuintes, que podem inclusive modificar a interpretação dos pilotos na questão operacional. Às vezes, eles ficam mais nervosos, a pista é curta, não havia área de escape naquele momento. E esses fatores podem induzir ao erro.
Para a visão da polícia, contudo, se falarmos que a ausência de grooving foi determinante para acontecer o acidente, todo avião que pousasse ali se acidentaria, e não aconteceu isso. Se falarmos que é o reverso que estava inoperante, aquele avião, por estar com o reverso inoperante, a todo pouso, sofreria as mesmas consequências. Isso não aconteceu. Veja que eu não estou falando do caso concreto. Eu só estou tentando explicar a diferença de abordagem do que o CENIPA faz e do que a Polícia Federal faz.
No final das contas, a Polícia Federal faz uma investigação técnico-centífica muito parecida com a que o CENIPA faz. Todas as análises que podem ser destrutivas ou modificativas são feitas em conjunto. Um perito da Polícia Federal esteve acompanhando as atividades na França, no BEA, que é o CENIPA da França. Tudo foi acompanhado pelos dois grupos. As extrações foram feitas de forma conjunta, foram feitas de forma duplicada. O CENIPA recebeu os dados, e nós os recebemos também. Apoiamos na garantia da cadeia de custódia dos elementos, mas depois a análise é toda independente.
Hoje o nosso trabalho está concentrado na análise de diversos elementos relacionados ao caso. Temos os dados da caixa-preta. Eu vou só citar aqui, no último minuto que eu tenho, as linhas de ação em que temos trabalhado.
Temos feito análises dos registros de manutenção, análises dos diários de bordo e demais documentações, análises dos dados do gravador de dados da aeronave, avaliação da operação da aeronave e do treinamento dos pilotos, análises meteorológicas, análises detalhadas dos áudios do gravador de voz, fazendo a correlação entre todos esses elementos.
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O que temos hoje é muito parecido com o que o CENIPA apresentou no seu relatório preliminar. Temos feito o cruzamento dessas informações para entendermos melhor quais foram as causas do acidente.
O trabalho não tem prazo para ser finalizado, mas é um trabalho de longo prazo. A maior parte dos documentos ainda não foi recebida. Nós tivemos também um delay na recepção dos materiais, porque, para que haja o compartilhamento de informação relacionada a sinistros aeronáuticos pelo CENIPA, tem que haver uma determinação judicial. Foi feita a petição pela Polícia Federal. Num primeiro momento, foi dada como favorável, mas, para que se juntassem as informações aos autos, o que é praticamente impossível para algumas situações...
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - O senhor tem 30 segundos para a conclusão.
Estamos hoje com toda a informação, mas demoramos quase 1 mês, uns 40 dias — não é, Clayton? —, para que recebêssemos a informação. Quando saiu o relatório preliminar do CENIPA, não tínhamos ainda os dados. Já tínhamos ido ao CENIPA, tínhamos visto os dados, conversamos com o CENIPA, vimos aquela animação, mas os dados só chegaram depois do relatório. Os trabalhos periciais seguem.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Passarei agora a palavra ao Deputado Marangoni, que fará as suas perguntas ao Sr. Palhares, Diretor do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal.
O SR. MARANGONI (Bloco/UNIÃO - SP) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Primeiramente, boa tarde a todos e todas aqui presentes. Quero parabenizar o Sr. Presidente pela condução dos trabalhos, parabenizar meu ilustre colega Deputado Padovani, o nosso Relator, parabenizar todos os convidados.
Acalma-nos um pouco saber da competência e da seriedade com que a Polícia Federal está trabalhando. Também nos acalma a preocupação de cada um de vocês — com essa forma humana que vimos aqui — com cada uma das famílias das vítimas. Parabéns para vocês todos.
Eu queria registrar algumas perguntas. Eventualmente, talvez um ou outro possa responder, de acordo com a pertinência. Eu só pedi para registrar isso, Presidente, e já agradeço. Temos outras reuniões. Eu só não queria perder a oportunidade de deixar isso registrado.
Só para fazer uma consideração, se me permite, Presidente, eu viajo constantemente pela Voepass, porque há uma região no oeste paulista, em Presidente Prudente, no meu Estado de São Paulo, que é a Voepass que atende. Há 15 dias, mais ou menos, eu estava aguardando para pegar um voo e retornar a São Paulo. Era um domingo, às 6 horas da manhã. A aeronave, por problemas técnicos, não decolou e ficou 3 horas em manutenção.
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Ressalte-se: manutenção num domingo, às 6 horas da manhã, numa cidade do extremo interior do Estado. Isso nos traz muitas preocupações.
Eu tenho ouvido, Deputado Padovani, das pessoas que fazem essas linhas da Voepass, que constantemente tem havido atrasos por problemas técnicos em praticamente todos os voos da companhia. Eu, inclusive, fiz mais um requerimento de abertura de CPI. Eu estava falando agora com o Deputado Padovani também que há outros requerimentos tramitando na Casa. Isso nos preocupa muito.
Eu acho que o que queremos entender é o que está acontecendo com a companhia, porque não pode ser razoável, constantemente, de forma recorrente, haver voos operando, mas parados e atrasados para se fazer manutenção. Ou seja, as manutenções estão sendo feitas ali a todo momento.
Então, eu queria deixar isso registrado e tenho certeza de que esta Comissão, juntamente com todas as autoridades aqui, vai se aprofundar para entendermos o que está acontecendo com a Voepass definitivamente.
As aeronaves da Voepass, particularmente a acidentada, são de propriedade da Voepass ou são arrendadas? Se forem arrendadas, qual é a empresa arrendadora e qual a sua qualificação no mercado aeronáutico?
É possível estabelecer um vínculo de responsabilidade entre a LATAM e a Voepass em razão do acordo de codeshare celebrado entre as duas empresas?
Notícias informam que o manual do ATR-72 aponta o risco de a aeronave perder sustentação e girar se entrar em uma área de gelo severo, classificando essa condição como "emergência" — entre aspas. A mesma notícia também informa que, em outro manual intitulado Operações em Tempo Frio — prepare-se para o gelo, de 2011, a ATR alerta que — entre aspas — "o gelo severo indica que a taxa de acúmulo é tão rápida que os sistemas de proteção contra o gelo falham em remover o acúmulo". Orienta ainda que — entre aspas — "a tripulação precisa sair dessa condição imediatamente". Acresce-se que esse manual foi distribuído para as companhias aéreas que operam esse modelo de avião. A ser verdade, por que os pilotos de controle de tráfego aéreo não consideraram a informação das condições meteorológicas críticas que seriam encontradas na rota?
O meteorologista Humberto Barbosa, coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites do Instituto de Ciências Atmosféricas da Universidade Federal de Alagoas, afirmou que o voo da Voepass do acidente não deveria ter sido autorizado por causa da previsão de tempo naquele dia. Dadas as condições meteorológicas que indicavam intensa formação de gelo na rota da aeronave, esse voo não deveria ter sido cancelado? Se decolou sob risco, quem teria dado autorização ou determinação nesse sentido? Os pilotos não deveriam ter ponderado com quem de direito sobre esse risco?
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O controlador de tráfego aéreo do Aeroporto Regional de Cascavel foi identificado e ouvido no curso da investigação? Se positivo, pode ser sintetizado o que o controlador informou?
Há notícia de quatro aviões do mesmo modelo terem caído devido à formação de gelo: o Voo 4184, da American Eagle, em 31 de outubro de 1994, nos Estados Unidos; o Voo 791, da TransAsia Airways, em 21 de dezembro de 2002, no Estreito de Taiwan; o Voo 883 da Aero Caribbean, em 4 de novembro de 2010, em Cuba; e o Voo 120 da UTAir, em 2 de abril de 2012, na Sibéria. Esse histórico não deveria ter sido considerado para recomendação dessa condição a todos os pilotos, uma vez que são acidentes recorrentes?
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Deputado Marangoni, em face da importância das perguntas, vamos abrir a palavra para o Sr. Carlos Eduardo Palhares Machado, Diretor do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, realizar as respostas.
O SR. CARLOS EDUARDO PALHARES MACHADO - Eu fiz uma série de anotações aqui em relação às dúvidas do Deputado e vou tentar responder todas. Eram seis, mas acho que eu anotei umas dez.
É muito importante esclarecer como funciona a investigação na polícia judiciária. Temos a atividade de investigação, que é conduzida pelo delegado, que é o Presidente do IPL, e temos a atividade da perícia. Boa parte dessas perguntas que o senhor me fez refere-se a questões que são coletadas pelo delegado e sopesadas. É avaliado, por exemplo, se a empresa deveria ou não voar. Isso é algo que o delegado avalia na investigação.
O senhor perguntou sobre ser propriedade da Passaredo ou ser arrendamento. É uma informação que, para a perícia, não há tanta relevância para entender o que foi o acidente, mas, para o delegado, é uma informação que certamente ele vai coletar.
Nós fizemos uma série de solicitações de documentos. Alguns documentos nós solicitamos ao CENIPA. Estamos esperando informação do BEA. Fizemos pedido de informação para a ANAC. Fizemos várias solicitações de informações. Quando essas informações chegarem, elas serão interpretadas, juntadas ao IPL, ao inquérito policial, e o delegado também vai considerar.
O universo do delegado sobre a investigação é muito mais amplo do que o universo da perícia. A perícia foca principalmente em questões factuais, em questões objetivas relacionadas àquele voo. Vou dar um exemplo. Eu também já voei muito com a Passaredo, fiz meu doutorado em Ribeirão Preto, e havia um voo direto de Brasília a Ribeirão Preto.
Na época, era um BRASILIA, se não me engano. Depois, passou a ser um EMBRAER. Em certa medida, eu passei pelo que o senhor colocou.
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Mas vamos supor — não estou falando de casos concretos — que todos os voos atrasem por manutenção. Podemos até fazer uma análise de todos os voos para termos uma estatística da prevalência dessa situação, e passamos isso para o delegado, contudo a perícia foca no que aconteceu naquele avião. Quais foram as providências que eles deveriam ter tomado e não tomaram, caso houvesse alguma situação como essa?
Foi falado da situação do sistema antigelo. Há mais de um sistema antigelo. Nós não sabemos exatamente o que se passava na cabeça dos pilotos, mas sabemos o que os pilotos fizeram e, assim, podemos tentar entender o que aeronave fez, como a aeronave respondeu. O CENIPA, por exemplo, falou que foi acionado um botão. Também não estou falando de casos concretos, porque não temos todos os elementos, mas apertaram um botão. Será que, quando apertaram aquele botão, o sistema foi acionado ou não? Se o sistema foi acionado, talvez o problema tenha sido excesso de gelo, por exemplo, ou é tanto o gelo que o sistema se torna incapaz, como o senhor falou. Mas pode ter acontecido também de ele ter apertado o botão, e o sistema de boot não ter inflado. Nesse caso, temos uma situação diferente. Em uma situação, que é a primeira, de ele ter apertado e funcionado, aí vamos para fatores operacionais. Será que ele deveria estar voando naquela altitude por tanto tempo? Ele teria que ter tomado algum tipo de providência diferente da que ele tomou? Se ele apertou e funcionou, a providência era uma. Ele sabia se estava naquela condição? Digo isso porque esse avião voa mesmo nessas condições. Mas os pilotos são treinados para não submeter o avião a condições que possam levar a uma emergência. Até que ponto eles sabiam? Se estamos indo nessa direção da operação dos pilotos, estamos analisando um fator que o CENIPA chama de fator operacional. Nós não chamamos exatamente assim, mas se trata da operação da aeronave.
Contudo, se ele apertou e não funcionou, aí já não é mais uma situação do piloto, é uma situação da aeronave. A investigação vai tentar entender se aquilo aconteceu pela primeira vez naquele caso. Pode ser que sempre tenha funcionado e, daquela vez, ele apertou e não funcionou. Nesse caso, os registros de manutenção vão ser muito importantes. Caso não tivesse funcionado, há quanto tempo isso já não funcionava? Há algum reporte relacionado a isso? A perícia foca em questões objetivas. Nós analisamos e falamos: "Aconteceu isso", ou "O resultado foi esse porque aconteceu determinada situação", ou "A aeronave não funcionou da forma adequada", ou "Ela funcionou da forma adequada, mas a operação não foi a mais adequada". Isso nós ainda não sabemos. Estão sendo analisadas essas verificações do resultado da caixa-preta com os computadores. A caixa-preta registra um determinado momento, mas podemos ter componentes do avião com registros diferentes do que está na caixa-preta. Podem ser mais completos ou menos completos. Quando fomos lá para a França com o pessoal do CENIPA, fomos coletar informações que pudessem complementar os dados da caixa-preta. Com isso, vamos ter condições de direcionar a responsabilização.
No final das contas, sempre vai ser o delegado que vai falar, mesmo que 99% da investigação sejam amparados pela perícia, porque normalmente a investigação aeronáutica é muito baseada na perícia.
Mas quem vai fazer essa afirmação é o delegado, muitas vezes, junto com outras informações. O delegado pode, além da perícia, ouvir pessoas. Se nós falamos alguma situação que remete à manutenção, ele pode ouvir alguém da manutenção, pode ouvir pessoas que podem complementar aquela informação pericial.
Dito isso, eu vou tentar responder rapidamente os pontos que eu anotei. Se os senhores entenderem que eu tenho que complementar, eu complemento.
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Quanto ao vínculo de responsabilidade entre LATAM e Voepass, isso vai ser analisado pelo delegado. A perícia, nesse caso, não está focada nisso.
Sobre o risco de entrar em emergência com gelo, uma das perguntas que o senhor fez foi relacionada a outros casos. Nós não consideramos os outros casos como algo determinante para este. Mas nós consideramos, sim, os outros casos como orientadores do que pode ter acontecido com este avião neste acidente, quais as condutas que deveriam ter sido tomadas pelos pilotos e quais as condutas que poderiam ter sido tomadas pela companhia aérea ou pelas autoridades aeronáuticas quanto a recomendações.
Quando sai um relatório do CENIPA com várias recomendações, essas recomendações trazem endereçamentos para vários grupos. Às vezes, é para companhias aéreas; às vezes, é para fabricantes; às vezes, é para o pessoal da manutenção.
Utilizando um exemplo relacionado a um caso de que participei, também falando do caso TAM, percebemos que, quando o avião TAM pousou, ele tocou o solo, e a conclusão foi de um equívoco na operação dos manetes por uma condição de estresse ali. A aeronave avisou duas vezes que deveria haver o retard dos manetes, eles tinham que ser levados para trás. O próprio sistema fala da altitude e, quando toca no solo, ele fala "retard", e o piloto leva os dois manetes para trás.
No caso da LATAM, um dos manetes ficou — na época era TAM — para frente e o outro para trás. Isso, combinado com a configuração do sistema, fez com que o avião, ao invés de parar, acelerasse um dos motores e acabasse batendo lá na frente. Essa condição já tinha acontecido em voos anteriores.
A partir dos acidentes que aconteceram, que não levaram a uma quantidade de mortes como no caso da TAM, que foram quase 200 pessoas, surgiram recomendações por organismos como o CENIPA. E uma das orientações era que o sistema, em vez de falar só duas vezes que deveria retardar os manetes, ficasse repetindo isso para que os pilotos, naquele momento de estresse, conseguissem perceber isso.
Ocorre que essa recomendação entrou na categoria "recomendável". Não vou utilizar os termos técnicos, mas existem recomendações que são obrigatórias e algumas que são sugestões. Quando é sugestão, a empresa pode não adotá-la. No caso da LATAM, foi isso que aconteceu. Ela não tinha aquele sistema, que não era obrigatório, mas que já tinha sido reportado, e aconteceu de novo a mesma coisa.
Por isso, é importante a investigação do CENIPA, para que todos tenham noção do risco que se corre relacionado aos mesmos fatos.
No caso das cinco aeronaves, quando estávamos lá no local, já fomos sabendo de alguns desses casos, especialmente o que aconteceu nos Estados Unidos. E o olhar da nossa equipe e do CENIPA era muito focado para isso.
O que temos que olhar para ver se aconteceu aquela mesma situação ou não. E a coleta dos destroços orientava para isso.
Então, há o risco, mas esse risco e mesmo os dados meteorológicos não são o que orientam o cancelamento ou não do voo, porque voar já pressupõe risco, e aquele avião, dependendo de onde voa, em situação de gelo, os pilotos já sabem, e existem orientações e procedimentos para evitar que ocorra o que aconteceu.
Portanto, apesar de entender que essas situações aumentam o risco e apesar de isso não ter a ver com a perícia, stricto sensu, talvez esse risco não seria suficiente para levar ao cancelamento. Mas eu estou falando de situações hipotéticas e de algo que não é da perícia.
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16:08
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Sobre a apresentação do plano de voo, esse é um dos elementos que utilizaremos para fazer o nosso laudo.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Dando continuidade às exposições, passo a palavra ao Sr. Rodrigo Borges Correia, Delegado da Polícia Federal e Chefe do Serviço de Segurança Aeroportuária.
O SR. RODRIGO BORGES CORREIA - Boa tarde a todos, boa tarde a todas. Exmo. Deputado Newton Bonin, agradecemos o convite feito à Polícia Federal para participar desta importante Comissão. Nós estamos aqui em companhia do nosso Diretor do Instituto Nacional de Criminalística, o Dr. Palhares, e do perito que está conduzindo também as investigações para prestar aos senhores algumas informações referentes a esse trágico acidente ocorrido em Vinhedo.
Antes, Deputado, eu gostaria de fazer algumas breves considerações. Eu gostaria de manifestar a minha profunda condolência à Sra. Maria de Fátima e à Sra. Adriana. Eu tive a oportunidade de, na semana passada, assistir novamente ao depoimento que foi prestado pelo pessoal do CENIPA, e a Deputada Eliza manifestou um sentimento até mais pessoal do que técnico, falando do sentimento que é perder um parente.
Então, como o próprio Dr. Palhares falou, na Polícia Federal, antes de sermos profissionais, somos todos humanos, e um incidente dessa natureza comove bastante todos que estão trabalhando nessa situação. Então, a nossa Diretoria-Geral, desde o primeiro instante, pediu para que fossem elencados todos os melhores profissionais da área, os mais experientes — o nosso próprio diretor compareceu ao local —, delegados experientes em investigações dessa natureza, para que possamos dar, no momento adequado, a resposta que todos os familiares querem a respeito desse acidente.
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16:12
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A Polícia Federal, em relação à investigação judicial, tem uma preocupação extrema em apenas se manifestar de forma mais contundente quando exauriu de todas as formas a investigação, quando teve acesso a todas as provas e perícias. Só então, a Polícia Federal poderá falar para as famílias, de forma tranquila, quais as suas conclusões a respeito desse acidente. Digo isso porque imputar responsabilidade a alguém é muito grave; assim como não imputar qualquer responsabilidade por acidentes ocorridos também causa uma série de desconforto para as famílias das vítimas.
Então, peço perdão porque, muito provavelmente, os senhores poderão nos fazer perguntas que, neste momento, não poderão ser respondidas, porque a condução da investigação depende muito, nesse tipo de crime, do que a perícia vai apontar. A partir da perícia, como bem disse o Diretor Palhares, será possível ao delegado que está conduzindo a investigação adotar sua linha investigativa. Ele pode entender: "Olha, houve aqui certa negligência, imperícia ou imprudência por parte das pessoas envolvidas". Não estou falando que é o caso; estou falando em tese. A partir disso, o delegado pode adotar as linhas investigativas, ouvir pessoas, solicitar mais documentos e até mesmo incrementar as perícias.
Na fase da investigação em que estamos, não temos muitas informações para passar aos senhores. E também há outro "porém" nessa situação. Como disse o Diretor Palhares, essas provas, que, para a investigação, são chamadas "vestígios", são obtidas com grau de sigilo. Quando um juiz determina o compartilhamento das provas ou vestígios que o SIPAER colhe no local de acidente, ele assim o faz com o compromisso de sigilo por parte do investigador.
Então, antes do relatório final, antes da apresentação das provas para a persecução penal, para o Ministério Público promover ou não a ação penal, essas investigações ficam em sigilo, a menos que o juiz determine que esse sigilo seja levantado.
O nosso serviço de segurança aeroportuária não é responsável pelas investigações; essas investigações estão a cargo da delegacia de Campinas, cujo chefe é o Dr. Edson, e o delegado que está conduzindo é o Dr. André. Eles têm todo o conhecimento do arcabouço probatório até agora produzido pela perícia e compartilhado pelo SIPAER.
Então, comparecemos hoje a esta audiência porque percebemos que, na audiência passada, houve uma consideração muito importante, qual seja a necessidade de eventualmente se produzir novas políticas públicas, até o aperfeiçoamento da legislação ou mesmo de normativos para que, cada vez menos, ocorra esse tipo de acidente.
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16:16
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Percebi, Deputado Padovani, que há a percepção disso nesta Comissão, ou seja, de não se tentar criminalizar nenhuma espécie de transporte, em especial da aviação. Vamos tentar, de todas as formas, caso haja a culpabilidade de alguém, apontá-la de forma bem certeira, para não deixar margem a qualquer tipo de especulação.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Passo a palavra ao Relator, o Deputado Padovani, para fazer seus questionamentos.
O SR. PADOVANI (Bloco/UNIÃO - PR) - Boa tarde a todos.
Obrigado pela presença, Dr. Carlos Eduardo Palhares, D. Maria de Fátima, Dr. Clayton e Dr. Rodrigo, que muito nos ajudam a chegar não a uma conclusão ou a um veredito, mas às soluções para que isso seja esclarecido e que possamos, através desta Comissão, propor uma legislação melhor e sugerir investimentos que possam melhorar o sistema de aeronavegabilidade no Brasil.
As perguntas serão dirigidas ao Dr. Carlos Palhares, mas, se quiserem, todos os demais convidados poderão respondê-las.
Sobre a investigação do acidente — que está sendo conduzida pela Polícia Federal —, é possível alguma conclusão preliminar?
Em recente audiência na ANAC, um comandante da Voepass relatou condições de trabalho absolutamente incompatíveis com a responsabilidade de se pilotar uma aeronave. Quais indícios disso transparecem nas apurações em andamento?
Há relato de outro comandante, divulgado pela imprensa, dizendo que trabalhou apenas 1 mês com a Voepass, informando ter voado com um palito mantendo acionado o sistema antigelo no avião da Voepass que pilotava. Também antes do acidente, a comunicação entre os pilotos sugere que o dispositivo antigelo estava funcionando intermitentemente, ligando e desligando algumas vezes. O que pode ser dito sobre isso?
Também há relato de a aeronave acidentada ter sofrido recentemente dano estrutural e, por isso, ter ficado algum tempo em reparos. Há algum indício de esses danos estruturais terem contribuído para o acidente?
Há informações de que o avião acidentado já havia apresentado falhas no sistema antigelo, segundo relatório do sistema interno, tendo ficado inoperante em seis ocasiões durante 3 dias do mês de julho de 2023 e que, em ao menos uma das vezes, foi emitida uma recomendação técnica para que o avião não voasse para o Sul do País, por conta das temperaturas mais baixas. Procede essa notícia?
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16:20
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Nos ATRs, existe um sistema de degelo pneumático de borracha inflável chamado de botas ou sapatas de degelo, que são acionadas depois de que há formação de gelo nos bordos de ataques das asas e dos estabilizadores, quebrando o gelo já formado. Coexiste com o sistema antigelo, que previne a formação de gelo. Ao considerar o acidente do Voo 4184, em 1984, a Administração Federal de Aviação dos Estados Unidos aprovou o uso de degelo maior nas asas dos ATRs 42 e 72, quase dobrando a cobertura efetiva das botas nas aves, com essa modificação tendo sido desenvolvida e testada pelo consórcio que fabrica. O ATR acidentado já era adotado desse aperfeiçoamento?
A maior parte das perguntas se refere a uma análise que está em curso, e hoje ainda não há informações suficientes para responder, mas, no que for possível, farei algumas considerações.
Sobre a conclusão preliminar, não estamos prevendo a emissão de um laudo preliminar sobre o caso. O CENIPA já fez um relato que, na nossa opinião, foi muito completo em relação às informações disponíveis até agora, como foi comunicado aos senhores. Quando foi feito o relatório preliminar, a Polícia Federal sequer tinha acesso àquele conjunto de informações. Nós só começamos a trabalhar objetivamente sobre os dados depois disso.
Como já existe uma orientação completa e isso não faz parte da nossa doutrina, não está previsto um laudo preliminar. Contudo, será feito um laudo sobre o local da queda da aeronave, e esse laudo está em processo de finalização. Talvez, dentro de 1 ou 2 meses, possamos emiti-lo, mas é um laudo mais descritivo do que foi encontrado no momento em que a perícia chegou ao local. Então, a aeronave estava de tal forma, caiu em tal local, foram recolhidos tantos corpos, e a perícia trabalhou de tal forma. Esperamos que esse laudo seja logo emitido.
Quanto ao laudo de perícia de investigação do sinistro aeronáutico, ele vai sair mais para frente. Normalmente, o tempo médio de conclusão de laudos em acidentes desse tipo é, em média, 1 ano, podendo ser um pouco menor ou um pouco maior, dependendo da complexidade. Ainda estamos acessando os dados para avaliarmos o quão complexo vai ser.
Quanto aos elementos que indicam falha humana e material, consideramos todas as hipóteses possíveis, tanto falha humana, falha operacional, falha de manutenção da aeronave, quanto, conforme foi falado pelo Dr. Borges, uma eventual negligência, imprudência, imperícia, falhas na aeronave, mas tudo isso ainda está sendo levantado e analisado para, posteriormente, colocarmos no laudo de perícia criminal federal.
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16:24
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Sobre o relato de condições de trabalho, isso entra em um dos fatores que estão sendo analisados. O CENIPA chama de análise de fator humano. Na perícia, chamamos de análise das condições dos pilotos: se eles descansaram, se eles não descansaram, se a rotina estava em desacordo com as regulamentações, se eles foram submetidos a uma carga maior ou de estresse no trabalho. Isso tudo vai ser analisado. E já foi solicitado o encaminhamento dessa informação.
Sobre termos informação quanto ao relato do uso de palito para se fazer um eventual conserto na aeronave, sobre o dano estrutural e sobre problemas no sistema antigelo, tudo isso vai constar. Aliás, o caso do palito, não, mas o dano estrutural e eventuais problemas no sistema antigelo estarão reportados no relatório de manutenção da aeronave. Isso ainda estamos esperando.
Como falado também, a investigação da perícia ou o trabalho da perícia é baseado em elementos objetivos, que podem ser documentos, podem ser análises dos destroços, mas o delegado tem outras fontes de informação. Entre as fontes de informação que o delegado tem está a fonte testemunhal. O delegado pode ouvir pessoas e pode ouvir essa pessoa que reportou ter tomado conhecimento do uso de um palito. A perícia não tem acesso nem terá acesso a essa situação, mesmo que ela tenha ocorrido.
Sobre o sistema pneumático de degelo, eu vou falar o que eu tinha falado para o outro nobre Deputado. Temos a possibilidade de analisar os registros de manutenção para ver eventuais problemas e reports de problemas nesse sistema. Ainda não recebemos esses dados. Temos a possibilidade de ver o acionamento que está registrado na caixa-preta. Como já foi dito pelo pessoal do CENIPA, temos a possibilidade de checar isso com computadores da aeronave para ver se a informação que está registrada na caixa-preta é convergente ou divergente dos outros computadores e podemos analisar também os próprios componentes pneumáticos e fazer uma análise física desses materiais para ver se houve ou não o acionamento. Então, para a situação em questão, não temos hoje os dados de manutenção nem o resultado da análise desses materiais. Por isso, não podemos falar. Mas pode ter acontecido, e essa é uma das hipóteses que consideramos.
O SR. PADOVANI (Bloco/UNIÃO - PR) - Obrigado, Carlos.
O SR. CARLOS EDUARDO PALHARES MACHADO - Hipoteticamente, há como saber. Eu não posso dizer agora, eu não posso fazer essa validação agora e dar informação sobre a validação, só que as análises que estamos fazendo, se exitosas, permitirão que façamos a análise do que a caixa-preta registrou e o que de fato aconteceu naquela situação.
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16:28
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O SR. PADOVANI (Bloco/UNIÃO - PR) - Pela forma como caiu a aeronave, girando para o lado direito ou para o lado esquerdo, pela curva que fez, é possível falar em alguma tendência de falha desse sistema de degelo em alguma das asas?
Gostaria também de externar os nossos mais profundos sentimentos. Nós somos técnicos, profissionais, mas não deixamos de nos entristecer com situações trágicas cada vez que ocorrem.
Sobre o sentido de giro da aeronave, o que se observa é que houve uma reversão, inclusive. Ela começou a girar para a direita e depois deu cinco giros para a esquerda. Então, a princípio, neste momento, não dá para afirmar que exista alguma relação com uma eventual falha no sistema de boots ou no sistema de degelo.
O SR. PADOVANI (Bloco/UNIÃO - PR) - Nós sabemos que a nossa legislação prevê, quando o piloto aciona a torre por algum problema técnico, a necessidade de ele passar por uma nova avaliação técnica. Assim, seu brevê é retido por alguns dias, e ele tem que fazer novos cursos, mesmo quando o problema é mecânico.
Se não me engano depois 1 hora e 28 minutos de voo, o piloto pediu para baixar a altitude do avião para ir a pouso. Mas era já quase o período de pouso. Há condição de o piloto já saber — não sei se os senhores vão investigar isso — que havia muito gelo e ter pedido para baixar a altitude antes do período do pouso, mas não ter reportado nada à torre por medo desse procedimento, que não é uma punição, mas uma forma de fiscalização por problema na aeronave, ou até para proteger a empresa da exposição por uma falha no sistema? O senhor acha que pode haver alguma correlação? É comum isso acontecer com os pilotos?
O SR. CARLOS EDUARDO PALHARES MACHADO - Nós temos condição de falar sobre questões objetivas relacionadas ao caso. Muitas vezes, nós, subjetivamente, percebemos uma tensão, uma apreensão dos pilotos quando estão conversando, mas não colocamos percepções subjetivas no laudo. O laudo só vai conter informações objetivas. Temos os dados da caixa-preta, os dados que foram registrados no computador e também os áudios. Os áudios estão sendo analisados. Há partes com o volume mais alto e outras com o volume mais baixo, e existe muito ruído da aeronave. Talvez a análise dos áudios nos traga indicações sobre isso que o senhor está falando. Mas, neste momento, nós não temos possibilidade de falar nada a esse respeito.
O SR. PADOVANI (Bloco/UNIÃO - PR) - Em um momento, 2 minutos antes, o copiloto fala: "Muito gelo". Aí, o comandante pede à torre permissão para baixar a altitude para pouso. A informação de que o sistema de degelo pode não ter funcionado, a fala do copiloto e o pedido do piloto à torre, que foi negado, podem ter relação com a queda? Pode ser que os pilotos tenham tentado, de forma voluntária, baixar a altitude e, numa infeliz coincidência, por deixarem e externar a realidade do voo, isso guardar uma correlação com o acidente?
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16:32
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O SR. PADOVANI (Bloco/UNIÃO - PR) - Eram essas as perguntas, Sr. Presidente.
Eu sabia a sua resposta, Dr. Carlos, mas eu tinha que perguntar, para deixar isso claro no relatório, até para possíveis sugestões de legislação. No passado, os pilotos podiam dizer: "Estou com problema, preciso baixar a altitude", e não eram punidos. Não digo punidos, mas avaliados. De um tempo para cá, depois da criação da agência, veio essa norma, e ficamos preocupados que haja omissões durante o voo sobre o que está acontecendo no avião. É por isso que eu tinha que fazer essa pergunta, sem ser redundante, Dr. Carlos.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Vou fazer também minhas indagações à Polícia Federal.
O SR. CARLOS EDUARDO PALHARES MACHADO - Eu acredito que essas informações que dizem respeito à parte aeroportuária podem ser fornecidas pelo Dr. Borges.
Quanto à primeira pergunta, sobre restrição de operação no aeroporto de Cascavel, o que posso dizer é que fizemos um pedido para obtenção das informações, mas eu não tenho condição de falar se tínhamos essa informação ou não. Não analisamos ainda a informação relacionada a isso. Se recebermos, estará contida no laudo essa informação.
Sobre o contrato da Voepass, eu não tenho essa informação para passar para o senhor. O que posso dizer, de forma mais genérica, é que a investigação da Polícia Federal pode, de uma forma paralela, se deparar com uma série de outros ilícitos que não necessariamente diretamente vinculados com o acidente. Parece-me que há uma representação do Ministério Público, salvo engano no Paraná, acerca dessa questão da Voepass com o aeroporto. O Ministério Público deve estar com um procedimento administrativo aberto, juntamente com a ANAC, a agência responsável por cuidar desse tipo de situação.
E, muito provavelmente, se houver alguma espécie de ilícito, vai ser promovida a persecução penal para apurá-lo. Mas ele não necessariamente vai entrar diretamente na investigação do acidente do voo da Voepass. Pode ser que, incidentalmente, se gere um novo inquérito policial. Não temos essa informação agora. Espero que o processo de investigação avance e que, se for o caso, isso possa ser informado também à Polícia Federal.
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16:36
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Eu não tenho informações para dar ao senhor sobre medidas de segurança adicionais no aeroporto de Cascavel. O que posso dizer é que, tão logo aconteceu o acidente, delegados e agentes da Polícia Federal de Cascavel imediatamente foram até a delegacia para colher as primeiras informações e solicitar que as imagens do sistema fossem preservadas, porque havia a preocupação que pudesse — talvez não seja o caso, digo novamente — haver algum ilícito de ordem dolosa. Mas tudo isso vai ser investigado pela Polícia Federal, caso a perícia aponte que houve alguma espécie de falha.
Todos os funcionários de aeroportos passam cotidianamente por treinamentos. O Programa de Segurança Aeroportuária prevê, quando há esse tipo de incidente, quais são os tipos de treinamentos e capacitações que as pessoas têm que adquirir. E, provavelmente, se for apurado que, por algum motivo, houve discrepância entre o que a norma prevê e a autuação dos funcionários do aeroporto, eles vão ser chamados para uma reciclagem, para aperfeiçoar os seus procedimentos de segurança aeroportuária.
Lembro os senhores — mais uma vez insisto nisso e vejo que o Deputado Medeiros está agora presente — que a aviação civil brasileira é muito segura. No mês passado, passamos por uma auditoria da OACI que comprovou que o nosso sistema de segurança aeroportuária é muito hígido. A OACI foi muito rigorosa em suas apurações e apontou que todas as normas previstas no ordenamento jurídico brasileiro e estipuladas pela ANAC são plenamente cumpridas nos aeroportos. Eventualmente, pode haver falhas, pois estamos tratando de seres humanos. Havendo essas falhas, vão ser corrigidas no momento certo.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Agradeço a presença da Polícia Federal e convido para tomar assento à mesa a Sra. Adriana Ibba, mãe de vítima do acidente.
(Pausa.)
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16:40
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Agradeço muito ao Deputado Nelson Padovani, a todos aqui presentes, aos advogados, à imprensa. Agradeço justamente porque, poucas vezes, nesses acidentes, nós vemos os familiares das vítimas — as vítimas, porque somos vítimas — serem ouvidas. Geralmente elas são escondidas no sentido de "estamos protegendo as coitadas". Mas o que nós vemos é uma grande exploração, uma forma de fazer com que essa dor não seja exposta, uma forma de proteger aqueles gananciosos. E eu digo isso porque eu vim aqui com muito mais perguntas, questionamentos, do que respostas.
Fiquei muito grata por essa grande coincidência de a Polícia Federal estar aqui, porque, de fato, eu creio nessa instituição. Eles têm mostrado o quão são valiosos para o nosso País. Mas nem todos são assim.
Eu e a Adriana estamos aqui para mostrar mesmo a nossa dor, para sensibilizá-los, para fazer com que vocês saiam daqui e sensibilizem outras pessoas, mães, pais, familiares de vocês, para que isso nunca mais ocorra. Nós sabemos que fatalidades ocorrem, mas isso não foi uma fatalidade. E tudo o que eu ouvi da Polícia Federal aqui...
Se vocês pegarem a minha primeira entrevista, que fiz quando eu saí do IML, quando saí daquele hotel, quando eles tentaram arrancar meu crachá para que a imprensa não me identificasse como familiar da vítima... Peguem essa primeira entrevista, que eu dei com muita dor. É exatamente o que hoje a Polícia Federal fala. É exatamente hoje que eu, sem saber nada... Mas aquilo estava a olhos nus.
Essas aeronaves estão aí há muito tempo sem as menores condições, sucateadas, arrebentadas na parte visível. Não é? Possuem cadeiras quebradas, janelas quebradas. Agora, imaginem como está a parte invisível, no que se refere à manutenção. E o que me assusta, senhores e senhoras, é que a documentação delas está toda em dia. Se não estivesse em dia, todo mundo diria: "Isso está errado. Vamos ver". Mas está em dia, e elas estão aptas, no papel, a voar! Elas estão aptas, mas elas mataram, ela matou, eles mataram nossos filhos, eles acabaram.
Vocês não têm ideia do que é isso. Não queiram passar por isso. Nós temos um grupo de 119 familiares. Aos domingos, a situação é desesperadora.
Um tem que segurar o outro, porque aqueles pais não estão mais fazendo churrasco. Muitos são gaúchos, são tradicionais, são o pessoal do Sul, do Paraná. Alguns são nordestinos, como eu, como a D. Lúcia, de Mossoró, como os irmãos do Constantino, de Natal, como sete órfãos de Fortaleza, duas esposas que ficaram sem os seus maridos, sem os pais dessas crianças. Além de chorarem a dor delas, elas choram a dor dessas crianças com o celular na mão, chorando, pedindo o pai.
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16:44
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A dor é muito grande, e eu estou aqui para falar de dor mesmo, para que cada um de vocês se sensibilize, para que vamos em frente, porque as nossas filhas não voltarão mais. Elas estão em outro nível. Eu tenho certeza de que viraram luz. Mas os filhos de vocês e as mães de vocês não precisam passar por isso. Elas não precisam ficar arrebentadas para sempre.
Eu sou uma mulher de 66 anos. A minha filha era única. A minha filha aos 6 anos disse que Deus a estava chamando para servir a Deus. E assim ela era musicista, tocava sete instrumentos e ficava louvando. Aos 9 anos, ela disse que queria ser médica, que Deus a tinha chamado para que ela salvasse vidas. Nesse tempo todo, ela só estudou. Ela era geriatra, ficou 4 anos sendo geriatra e disse: "Mãezinha, o meu sonho era ser oncologista, porque eu preciso ajudar pessoas que sofrem muito". Ela dizia assim: "Geralmente, as pessoas que têm câncer, mãe, uma grande parcela magoou ou foi muito magoada. Então, eu tenho que estar lá orando para que elas se perdoem". Essa era a minha filha. Nós nos planejávamos para que ela cuidasse da minha velhice e para que ficássemos juntas. Ela estava terminando. Ela iria para Fortaleza passar férias em novembro. Quando ela terminasse a residência de oncologia, íamos morar próximas, ficar perto. A partir de agora, senhoras e senhores, o que é que eu tenho mais na vida? O que é que eu posso?
Não deixem os pais de vocês passar por isso. São muitas as variáveis, desde o Aeroporto de Cascavel, que, de forma exacerbada politicamente, colocou... Eu analisei os papéis. Eu conheço, eu tenho um curso. Estou há 25 anos trabalhando com licitações. Eu conheço os processos, contratos sem ser assinados. São pequenas variáveis, são detalhes que levaram à morte 62 pessoas.
Quando dizem que o avião, uma tragédia não acontece de forma... Vinha acompanhando essa aeronave, que já estava há muito tempo, vídeos, todo mundo falando, e ninguém fazia nada, ninguém ia lá. A ANAC não ia lá: "Vamos ver o que está acontecendo". O Ministério Público não ia lá, senhoras e senhores. Eles não iam. Elas continuam a voar. Isto daqui tudo não adianta nada. Elas voltaram para Cascavel. Uma mãe de Cascavel... O que vocês acham quando a Adriana chega ao aeroporto e vê um balcão daqueles?
Aí você diz: "Não vamos investigar para quebrar a empresa, para culpar a empresa". Não queremos que quebrem a empresa, mas nós precisamos entender que não foi uma negligência, não foi um descuido, não foi uma responsabilidadezinha. Nós temos denúncias. Pelo fato de eu ter falado na televisão, eu ouço muitas denúncias. A Polícia Federal também deve receber denúncias, porque, se a minha eles identificam e falam no meu direct, quantas denúncias existem de mecânicos que são obrigados a fazer gambiarras?
E esses peritos também precisam investigar — não sei a Polícia Federal, não vocês. Eles são extremamente competentes, mas eles têm autonomia? Será que alguém não está canetando para essas aeronaves voarem? Será que o perito que estuda anos, anos e anos diz: "Olha, não tem condição essa aeronave", mas chega alguém lá e assina o papel? São perguntas, senhores. Será? Eu sei da competência. Eu sempre fui uma pessoa que gosta de estudar, minha filha gostava de estudar. Eu sei da competência dos senhores, eu sei o quanto se dedicam, mas será que vocês têm autonomia?
Muitas vezes, eu vi algo e questionei ao CENIPA. O CENIPA, que é um dos mais equipados do mundo, leva anos pesquisando para chegar e dar — o senhor confirmou aqui — uma orientação, ou melhor, uma recomendação. Ele não tem...
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16:48
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Eu não sei se alguém pode mudar isso, Deputado. Não sei de que forma, pois quem entende de lei são vocês, poderia mudar esse papel do CENIPA. Essas cabeças extraordinárias trabalham, e, quando chega a hora de melhorarem a aviação civil, só podem recomendar.
E o delegado disse aqui que o caso da TAM entrou em um nível de recomendação cujo nome o senhor citou anteriormente e eu esqueci, que não atenderam essa recomendação e que, por isso, aconteceu de novo. Recomendação sugestiva. Ou seja, será que os senhores não têm — aí fica a dúvida — uma forma de mudar o papel do CENIPA, fazer com que algumas coisas ele possa obrigar? Gasta-se tanto para se investigar! Aí, diz "Eu recomendo que a Voepass, a Gol, toda a aviação civil no País...", mas as empresas não atendem, cai avião de novo, e nada acontece. Aí elas vêm como vítima, elas têm seguro, senhores, elas ganham outra aeronave. E quem vai trazer minha filha de volta? E aquele hospital que está em luto?
O hospital está em luto. Inclusive, ontem uma psicóloga de lá disse que estão pensando em dar a uma ala os nomes da minha filha e da Mariana, que também era filha única, senhores. Naquele hospital eles dizem que está difícil trabalhar. São anos para formar um oncologista. Vocês sabem o que perde a comunidade e o que perde a humanidade quando alguém quer ganhar dinheiro e manda botar um palito? Vocês entenderam?
Foi um piloto de 15 mil horas que deu este relato na televisão. Ele disse: "Eu vi com os meus olhos aquele palito sendo colocado". Não foi alguém que inventou isso, não. Eu tenho tudo... Se vocês pegarem aquela entrevista que eu dei sem saber de nada — mas eu sou uma pessoa que diz que alguma coisa está errada —, vocês vão ver que tudo vai se confirmar. Essas aeronaves continuam aí para matar. Se nós não nos levantarmos, nós vamos esquecer, e daqui a pouco cairá outra.
Eu ouvi o senhor dizendo que a aviação civil brasileira é segura — do ponto de vista do aeroporto. Ela não anda segura, porque todo dia cai um aviãozinho pequeno. E o que acontece? Duas pessoas morrem. Nós não sabemos quem são essas pessoas. As famílias delas também ficam arrebentadas. Quando cai uma aeronave pequenininha, de um fazendeiro, com um piloto trabalhador que estava pulverizando a lavoura, fica por isso mesmo.
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16:52
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Nós recebemos denúncias no sentido de que se paga mal nessas companhias, e os melhores mecânicos estão indo... Hoje os sertanejos têm aviões de 200 milhões de reais. Quanto eles não vão pagar por um mecânico, não é? As companhias estão... Esses profissionais também estão migrando. E, muitas vezes, eles não falam sobre isso, ou falam escondidos, senão perdem o emprego.
Outra coisa a ser vista é essa questão do Regulamento Brasileiro da Aviação Civil — RBAC 117, com uma escala de 12 horas de jornada por 12 horas de descanso. Nós sabemos a tensão que é quando se dirige um carro o dia inteiro. Imaginem o piloto trabalhar o dia inteiro e no dia seguinte também, descansando apenas por 12 horas — e, nesse período, ele ainda é chamado. O que eu estou trazendo para vocês são denúncias que eu escuto.
E eu também estou trazendo indagações, perguntas para a Polícia Federal. Adianta nós termos a melhor Polícia Federal do mundo, nós termos o melhor CENIPA do mundo, termos os Deputados, termos pessoas lutando, se não mudarmos a regulação dos trabalhadores, que trabalham fatigados, que não podem reportar um defeito no avião?
Eu não sei exatamente o caso, mas ela disse que contaria. A própria mulher do copiloto — e eu vou usar o nome, porque ela me disse isso e já disse também em entrevista —, o Humberto, que tinha 61 anos e tinha um filho de 10 anos, disse que perguntava a ele: "Por que você não fala?" E ele dizia: "Mas, meu amor, eu tenho que trabalhar e, se eu falar, posso perder o emprego". Eles são colocados na geladeira, gente! Tudo isso nos afeta. Se os pilotos não estão bem, isso nos afeta. E não afeta somente quem viaja de avião, não. Caiu um avião na cabeça da coitada da manicure lá em Teresina!
O que eu estou fazendo é alarde mesmo, porque parece que tudo está no papelzinho... "Pegue a documentação"; "Ah! Fez a manutenção!" Mas que manutenção foi essa, senhores e senhoras?! Que manutenção foi essa, se o avião caiu?! O avião estava todo sucateado! Há um vídeo de uma vítima lá dentro que mostra as cadeiras. Tudo estava quebrado. Que manutenção foi essa? Aí, a ANAC diz: "Nós estamos sendo rigorosos". Eu preciso saber que rigor é esse!
Quantos médicos morreram? Quantos empresários? E aquele era um avião de luz. Havia nele tantas pessoas que trabalhavam pela família e pela humanidade! Vai acontecer de novo, porque a Polícia Federal, com toda a sua força, não vai conseguir evitar; o CENIPA, com os melhores técnicos e peritos, não vai conseguir evitar, porque a aviação, se quiser, vai fazer; se ela não quiser, ela não vai fazer.
Quem pode evitar são as Casas Legislativas, que têm que brigar e buscar regular a atividade das companhias aéreas, viu, Deputado? Têm que ir a esse sindicato e ver o que ele... Por que os sindicatos da aviação civil não são tão atuantes? Eles têm medo! O mercado é deste tamanho, é pequenininho! Se o profissional denuncia a companhia, não tem mais o seu emprego. Ele está fazendo o que mais ama e precisa sustentar a sua família, você entendeu?
Então, quem mais pode ajudar é esta Casa, Deputado — é esta Casa. Se o senhor quer salvar vidas, encampe esta luta.
Vocês que moram em cidades menores... Eu moro numa capital e ainda tenho a opção de pegar um avião grande, mas minha filha estava lá!
Ela escolheu o Hospital do Câncer de Cascavel. Ela foi aprovada em 12 hospitais, porque ela era nerd, ela era inteligente, ela só estudava. Ela disse: "Mãezinha, eu visitei o hospital e gostei demais ele. Por isso eu quero ficar nele, fazer minha residência no hospital específico, especializado, só de oncologia". Ela estava lá servindo, estava só salvando vidas! A Mariana só salvava vidas! Elas foram trabalhar às 4 horas da manhã. Elas não tinham autorização. Autorizaram, e elas foram às 4 horas da manhã, no maior frio — 4 ou 3 graus de temperatura —, saíram de lá correndo, porque foram liberadas às 10h30min, e colocaram as malas no avião para morrer, senhores.
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16:56
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Então, não adianta, senhores, se daqui a 1 ano e já tiver caído outro avião e outro. Se continuar assim, vai cair, gente! Vai cair! Não adianta dizer que não vai cair, porque vai cair!
Esta Casa é onde nós temos que lutar por uma CPI, lutar para mudar, porque não tem jeito, eles vão ficar lutando, eles vão lutar nesta daqui, eles têm competência. Nós confiamos neles e sabemos que fazem um trabalho seríssimo, que eles estão em cima, que eles não podem dizer muita coisa e que é difícil até para eles pegarem depoimento, porque é um mecânico que vai falar, é um piloto que vai falar. É tudo muito difícil. E o medo? Quando a esposa do copiloto lhe disse para falar anonimamente, ele lhe respondeu: "Mas como vou falar anonimamente? Nós somos tão poucos que eles vão descobrir".
Nós também estamos lutando! Nós criamos uma associação que tem por objetivo dar apoio aos familiares das vítimas, mas também lutar para salvar vidas, para prevenir acidentes. Vamos acompanhar e atuar. Os senhores podem contar conosco.
Era isso que eu queria trazer. Esta luta é nossa, é toda nossa, mas não se enganem, a Polícia Federal, o CENIPA, seja qual for o órgão, não vai... Agora, também precisa... Eu assumo tudo o que eu digo. As pessoas me dizem: "Seja amena. Seja amena. Seja amena". Eu respondo: "Não vou ser amena! Ninguém foi... Levaram minha filha de 34 anos! Acabaram com minha vida! Eu não vou ser..." Não! É o meu sentimento! É a minha dor! Eu só não quero que mais ninguém sofra isso! Tentem se colocar no meu lugar! O que eu vou fazer da minha vida, a não ser lutar? (A oradora se emociona.)
A ANAC é uma caixa-preta. Vocês precisam entender isso! Ela autoriza tudo. Que raio! Aí, os peritos dizem: "Não sei". Essas agências precisam, no Brasil, ser analisadas. Eu não acredito que os concursados, que os peritos, que as pessoas sérias que estão lá tenham alguma culpa, mas como se autoriza essa porcaria? Eles não podem dizer, mas essa empresa tinha cultura de utilizar coisa quebrada.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Concedo mais 3 minutos.
A SRA. MARIA DE FÁTIMA ALBUQUERQUE - Quando eles colocam... O avião caiu porque as asas congelaram. Eu não sou uma técnica, mas desde o início pergunto por que congelaram. Foi porque colocaram palito; estava quebrado...
A tranquilidade daqueles pilotos fazendo o procedimento mostra que eles estavam acostumados a conviver com aquilo. Se você tem uma geladeira velha, quando ela dá problema, o que você faz? Você dá uns trancos nela. Uma vez ela vai funcionar, outra vez ela vai, mas um dia ela não vai.
Dá a entender isso, porque qualquer ser humano nunca viveu aquela situação entra em pânico e pede socorro, mas, se a pessoa está acostumada... A Polícia Federal não pode deduzir isso; ela tem que colocar uma coisa exata; mas nós podemos falar. Vocês entenderam?
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17:00
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Então, a verdadeira caixa-preta, na minha opinião, é a ANAC. Que bom que ela vai ser chamada aqui, mas é preciso saber como é o protocolo, como é o procedimento. É a pessoa apresentar e dizer que fez tantas manutenções? Eles acompanham essas manutenções? É preciso ver. Vocês são os Deputados. É preciso ver. "Gente, vocês acompanham? Vocês veem? O que é? São peças originais? Não são peças originais?" Porque aeronaves estão caindo. Estão caindo. São seguros os aeroportos, mas as aeronaves que não têm manutenção caem a toda hora. A toda hora volta aeronave grande, pequena. A toda hora! Por último, até o avião presidencial teve problema — mas parece que foi causado por um pássaro.
Eu só queria... Eu vim mesmo para poder...
(A oradora se emociona.)
Nós não sabemos o que dizer, mas eu só vim dizer que está aqui uma mulher de 66 anos — vou fazer 67 em março — que pode ser a mãe de vocês amanhã, o filho de vocês. Corram e nos livrem desse mal. Que os acidentes sejam, de fato, fatalidades, mas que não sejam utilizadas essas aeronaves que continuam oferecendo tragédia. Eu não subo. Quem quiser subir naquilo... O Deputado continua subindo, mesmo com medo.
É isso. Vamos pegar firme. No que depender de nós, se tivermos que bater à porta de cada Deputado... Vamos fazer uma CPI, vamos buscar a ANAC, vamos mudar, vamos chamar o sindicato. Vamos ver essa regulação, vamos cobrar da ANAC essa regulamentação que determina o trabalho em turnos de 12 horas, com 12 horas de descanso. Os coitados desses pilotos saem fatigados.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Muito bem.
A SRA. ADRIANA IBBA - Quero cumprimentar os nobres Deputados e fazer um agradecimento especial ao Deputado Nelson Padovani, que viabilizou a minha presença hoje aqui para acompanhar esta reunião.
Quero agradecer imensamente por esta Comissão ter sido formada. É de extrema importância trazermos caras a essas perdas, que eu, como sobrevivente, não vou admitir que sejam apenas uma estatística.
Nós estivemos em São Paulo. Eu queria profundamente agradecer ao senhor todo o respeito naquele momento tão trágico, o acidente mais grave dos últimos 17 anos que tivemos aqui no nosso País. Com tanta dedicação, fardado, o senhor trouxe humanização para aquele momento tão difícil — o momento mais difícil, até hoje, da minha vida e da vida da minha família. Obrigada pelo cuidado, pelo respeito com a minha Lizinha. Muito obrigada.
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17:04
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Quantas vezes essas aeronaves degradadas e sem a devida manutenção levantaram voos sob olhares preocupados e alertas ignorados?
Quantas vidas poderiam ter sido salvas, se a segurança tivesse sido tratada como prioridade, e não como algo secundário?
Pensem nas famílias que hoje choram. Eu apelo, eu peço que, enquanto sociedade civil organizada, nós possamos estar juntos nessa caminhada, porque a participação de vocês é extremamente importante para que nós avancemos.
Essa perda não é apenas uma estatística, como eu disse. São histórias interrompidas, sonhos desfeitos, um vazio que nada poderá preencher. E tudo isso por quê? Porque o alerta que estava lá: havia erros, que foram ignorados. Não podemos mais permitir que isso aconteça.
Após o acidente, a VOEPASS suspendeu nove rotas diárias. Isso por si só nos faz questionar se esses voos estavam operando regularmente com essas aeronaves ou o que mais estava sendo colocado em risco. Cada denúncia que surge agora parece mais verídica, mais urgente, mais escandalosa. A pergunta que fica é: quantos outros voos estavam ou estão à beira de uma tragédia?
O relatório preliminar do CENIPA é claro e doloroso: um dos fatores determinantes do acidente foi a falha no sistema antigelo. E o mais grave: essa falha foi identificada logo no início do voo. Como é possível que algo assim tenha sido negligenciado? Qual era a política da empresa? Estamos falando de vidas! Os funcionários, os pilotos, todos os que estavam a bordo foram obrigados a trabalhar sob condições inseguras? Será que os próprios pilotos estavam voando com o coração na mão, temendo o que poderia acontecer?
Aqui, senhoras e senhores, eu faço uma pausa para refletirmos sobre o que realmente importa. Não estamos falando apenas de máquinas que falharam. Estamos falando da falha de um sistema, de uma cultura que coloca o lucro acima da segurança, que obriga os pilotos a voarem mesmo quando sabem que algo está errado. Onde está a autonomia desses profissionais? Onde está a garantia de que eles podem, sem medo de represálias, se recusar a decolar quando sentem que sua vida e a de seus passageiros estão em risco? Sabemos que, na prática, muitos pilotos são silenciados, são banidos, têm sua licença cassada por se recusarem a voar nessas condições. Isso é cruel, é desumano. Estamos pedindo que eles escolham entre seu emprego e sua vida. Isso não pode continuar.
O relatório técnico aponta que o dispositivo antigelo foi acionado três vezes e desligado duas. Até o momento da colisão, ele estava ativado, em uma tentativa desesperada de corrigir algo que nunca deveria ter acontecido. Imaginem o desespero dentro daquela cabine. Imaginem os minutos de tensão e os esforços para se manter o controle. Isso nunca deveria ter sido necessário. Esses profissionais, essas vidas deveriam ter sido protegidas desde o início, antes mesmo de o avião sair do chão. Especialistas dizem que, para uma tripulação, esse era um dia normal de trabalho. Como isso pode ser aceitável? Como chegamos ao ponto em que irregularidades são tratadas com tamanha naturalidade, como parte do cotidiano?
A VOEPASS, senhoras e senhores, acumula processos e uma reputação vergonhosa.
Foram quase 500 reclamações nos últimos 6 meses: ar-condicionado quebrado, atrasos, cancelamentos, mas o que realmente importa é o descaso com a segurança. Processos vários no Tribunal de Justiça de São Paulo pedem indenizações por danos morais.
Essas vozes precisam ser ouvidas. Nós precisamos de justiça, nós precisamos de respostas. E, como sociedade, precisamos nos unir para garantir que uma tragédia como essa nunca mais se repita. Não podemos mais permitir que vidas sejam tratadas como números, que a segurança seja um luxo. Cada vida importa, cada voo deveria ser seguro.
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Hoje levantamos nossa voz por aqueles que não podem mais falar por si; por minha pequena Liz, que, no auge da sua inocência de criança, achou que estava fazendo uma viagem segura; pelos que perderam sua vida; pelos que sofrem a dor da ausência; pelo vazio que ecoa lá na minha casa.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - Passo a palavra à Deputada Adriana Ventura.
A SRA. ADRIANA VENTURA (NOVO - SP) - Boa tarde a todos.
Eu quero, primeiro, cumprimentar o Deputado Newton e o Deputado Padovani e parabenizá-los pela Comissão.
Eu não cheguei no começo da audiência, mas cheguei a tempo de ouvir a D. Maria de Fátima e você, Adriana. Primeiro, expresso minha solidariedade pela dor de vocês.
Eu sou uma Deputada de São Paulo e fiquei chocada. Essa foi uma coisa que chocou o Estado todo. Fiquei mais chocada ainda quando o primeiro laudo saiu. Quando eu li "ligava e desligava, ligava e desligava, como se fosse uma coisa normal", aquilo me chamou muito atenção.
Como você mesma disse, essa foi uma tragédia anunciada. Sim, houve omissão. Sim, houve negligência, e como uma prática corrente. Eu acho que o que aconteceu com o acidente da VOEPASS mostra um modus operandi. Eu vou ampliar um pouco, porque acho que o cenário é um pouco mais triste: é o cenário do nosso País. Nós vivemos no País da impunidade, vivemos em um País onde se tolera corrupção e se toleram acidentes como esse, como se fossem coisas normais. Nós começamos a normalizar barbaridades.
Eu não sou técnica. Eu realmente viajo muito de avião — toda semana, aliás. Fico pensando no estresse que vivem os pilotos. Fiquei sabendo que qualquer piloto, quando anuncia uma emergência e faz um pouso, tem que passar por curso de reciclagem. Fui informada disso. Eu não sabia. Eu fico imaginando o estresse e a responsabilidade. É assustador! Nós estamos falando de vidas. Isso é um desrespeito.
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17:12
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Quando nós vemos um laudo que diz que aquela era uma prática da empresa, tomamos consciência de que aquilo deve ter sido feito muitas vezes antes, e outras centenas de pessoas poderiam ter morrido. E nós não podemos banalizar a vida, porque normalizar a impunidade, a corrupção etc., quando estamos falando de vida humana, é muito sério. Então, contem comigo.
O SR. PRESIDENTE (Newton Bonin. Bloco/UNIÃO - PR) - A Comissão agradece a presença de todos e se solidariza com a dor de todos os familiares das vítimas.
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