2ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
(Audiência Pública Conjunta das Comissões CMADS e CPOVOS (semipresencial))
Em 10 de Setembro de 2024 (Terça-Feira)
às 13 horas
Horário (Texto com redação final.)
13:27
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O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Boa tarde a todas e a todos!
Eu queria agradecer a presença a cada entidade, a cada representante do Governo, a todos que estão atentos a este tema.
Já se completam 5 anos do maior desastre ambiental do Atlântico Sul, do nosso planeta, em que o nosso País foi extremamente afetado.
Além disso, nós percebemos, naquele ano, em 2019, a omissão dos governantes, que não conseguiram dar respostas rápidas a esse desastre, que foi o derramamento de óleo nas praias do Nordeste e do Sudeste, em que foram atingidos nove Estados do Nordeste e dois Estados do Sudeste, além de milhões de pessoas.
Por isso, eu queria começar fazendo a leitura do início da nota do GT-Mar, que é um grupo de trabalho da Frente Parlamentar Ambientalista:
Em agosto de 2019, ocorreu o crime de derramamento de óleo, que afetou o litoral de nove Estados do Nordeste, mais dois do Sudeste, Espírito Santo e Rio de Janeiro, sendo a maior tragédia ambiental já ocorrida na história do Atlântico Sul, seja pelo tipo de material, seja pela extensão.
Além de comprometer o ambiente e toda a biodiversidade marinha, afetou a vida de pescadores e pescadoras artesanais que se encontravam nas águas, inclusive seu local de trabalho e de existência, e de um conjunto de sistemas simbólicos próprios e complexos.
O primeiro registro oficial do derramamento de petróleo foi no dia 30 de agosto e se estendeu até março de 2020. Dois meses após o primeiro registro, apenas dois meses após, o Governo Federal, à época, criou, por meio da Medida Provisória nº 908, de 28 de novembro de 2019, o auxílio emergencial pecuniário para pescadores profissionais artesanais inscritos e ativos no Registro Geral da Atividade Pesqueira — RGP, domiciliados nos Municípios afetados pelas manchas do óleo.
Entretanto, frente às dificuldades que essa classe trabalhadora enfrentou e enfrenta para ter acesso ao RGP, muitos pescadores e pescadoras não tiveram acesso ao benefício. São casos, por exemplo, de trabalhadores e trabalhadoras que possuíam apenas o protocolo de requerimento do RGP e, assim, não foram atendidos.
Esta é uma pauta necessária para podermos aprofundar os impactos que o derramamento de óleo causou ao meio ambiente, à vida das pessoas que foram afetadas, à saúde de todo o ecossistema marinho e, principalmente, das pessoas que vivem nesse ambiente.
Dessa forma, declaro aberta a presente reunião extraordinária de audiência pública da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, em conjunto com a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, atendendo ao Requerimento nº 36, de 2024, da CPOVOS, e ao Requerimento nº 51, de 2024, da CMADS, de minha autoria, juntamente com a Deputada Carol Dartora, subscrito pelos Deputados Dorinaldo Malafaia e Nilto Tatto, para debater os 5 anos do crime de derramamento de petróleo em nove Estados do Nordeste e dois do Sudeste no litoral brasileiro.
13:31
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Informo que esta reunião de audiência pública é semipresencial e contará com a participação remota de alguns convidados.
A Mesa de debates será composta pelos seguintes convidados: Kátia Cristina dos Santos Cunha, Coordenadora-Geral de Territórios e Integração de Políticas Públicas do Ministério da Pesca e Aquicultura; Carolina Morishita Mota Ferreira, Coordenadora-Geral de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Marcelo Neiva de Amorim, Coordenador-Geral de Emergências Ambientais do IBAMA, que vai falar pela plataforma Zoom; Paulo Gilvane Lopes Pena, professor titular da Universidade Federal da Bahia, que também vai falar pelo Zoom; Andréa Rocha do Espírito Santo, Secretária de Territórios e Meio Ambiente do Conselho Pastoral dos Pescadores, que fará sua fala juntamente com a Sra. Isabel Cristina Chagas, representando a CONFREM Mulheres, de Alagoas; Joana Mousinho, Coordenadora Nacional da Articulação Nacional das Pescadoras; e Erivan Bezerra de Medeiros, Coordenador da Campanha Mar de Luta, representando o Movimento de Pescadores do Brasil.
Inicialmente, cumprimento todas e todos, em especial os senhores expositores que estão aqui presentes conosco.
Informo que a reunião está sendo gravada para posterior transcrição e será disponibilizada na página oficial desta Comissão.
Para melhor ordenamento dos trabalhos, adotaremos os seguintes critérios: será concedida a palavra aos nossos expositores convidados por até 10 minutos. Os Deputados inscritos poderão fazer uso da palavra, após a fala dos convidados, por até 3 minutos.
Oportunamente, a depender do tempo, será concedida a palavra aos expositores para as respostas e considerações finais.
Como autor do requerimento, gostaria de, primeiramente, apresentar algumas observações.
Quero agradecer a cada um e cada uma aqui. Esse tem sido um tema que nós temos tratado no GT-Mar, juntamente com a Letícia, que está presente conosco, que representa também o GT-Mar na Frente Parlamentar Ambientalista.
Quero dizer que precisamos discutir com profundidade quais são as medidas que o nosso Governo vai tomar em reparação àqueles pescadores e pescadoras que foram afetados e que ainda são afetados pelos danos causados por esse derramamento de petróleo. E não há culpados. Parece que não achamos os culpados depois de 5 anos. Por isso, essas pessoas ainda continuam aguardando suas indenizações não só pelos danos pecuniários, mas também pelos danos causados à sua saúde.
Então, contamos com os representantes do Governo Federal, com a sensibilidade deste Governo, para que possamos avançar com essa pauta e aprofundar esse tema. Diante de tantos representantes aqui que conhecem com profundidade a situação dessas pessoas, nós esperamos construir uma audiência pública participativa, inclusive com a representante do Greenpeace, Dra. Gabriela, que está conosco aqui, e com tantas outras entidades que terão vez e voz nesta audiência pública para fazer uso da palavra.
Quero agradecer e convidar para compor a Mesa cada um dos expositores que foram aqui citados: a Dra. Kátia Cristina dos Santos, a Dra. Carolina Morishita Ferreira. O Sr. Marcelo Neiva está no Zoom e o Sr. Paulo Lopes Pena também, assim como a Dra. Andréa Rocha do Espírito Santo e a Sra. Isabel Chagas, do COFREM. Convido também a Sra. Joana Mousinho e o Sr. Erivan Bezerra Medeiros. Quero iniciar com a nossa querida pernambucana Kátia Cristina, para fazer uso da palavra, a famosa Kátia Cunha.
13:35
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A SRA. KÁTIA CRISTINA DOS SANTOS CUNHA - Obrigada, Deputado. Boa tarde a todas e a todos.
Eu peço licença ao meu nobre colega Túlio Gadêlha, já foi meu colega de trabalho, nosso Deputado, para saudar a Mesa na pessoa destas duas pescadoras, a companheira Andréa Rocha e a companheira Joana Mousinho, que é lá do meu Pernambuco, vizinha da minha terra, Igarassu.
Minha gente, gostaríamos muito, 5 anos depois dessa tragédia, de estar aqui reunidos e reunidas para comemorar alguns avanços que nós tivemos. Mas, infelizmente, 5 anos se passaram e muita gente, quase 100% dos pescadores e pescadoras, não foi reparada.
Eu pude testemunhar de perto, Deputado Túlio, em 2019, esse desastre, porque na época eu estava como Deputada Estadual, no mandato coletivo das juntas e Presidenta da Comissão de Direitos Humanos em Pernambuco. Abraçamos essa pauta. Fomos imediatamente para o litoral sul de Pernambuco, e o desastre estava lá. Quem esteve lá, quem presenciou, tenho certeza de que todo mundo aqui é testemunha ocular daquele cenário de guerra montado. E podemos reforçar cada vez mais que foi a maior tragédia do nosso litoral.
Dito isso, hoje eu estou como Coordenadora-Geral de Territórios e Integração de Políticas Públicas do Ministério da Pesca e Aquicultura. O Ministério tem feito um esforço, junto com a Secretaria de Pesca Artesanal, para atender a uma demanda histórica dos pescadores e pescadoras e do movimento de pesca, para tentar, de alguma forma, reparar. Obviamente, não é o suficiente, porque a demanda é muito grande.
Eu venho aqui hoje para apresentar algumas ações que nós estamos desenvolvendo como forma de reparação também. Esse é um Governo que dialoga, é um Governo que, tenho certeza, está empenhado em resolver essa situação. Esta audiência pública é pertinente demais, porque essa cobrança não pode cessar enquanto a solução não vier.
Peço licença para passar uma breve apresentação das ações que o nosso Ministério está desenvolvendo através da Secretaria de Pesca Artesanal.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nós temos dois TEDs sendo desenvolvidos, um com a UFPE, que chamamos de TED do Petróleo, e outro com a FIOCRUZ, o TED FIOCRUZ Saúde nos Territórios, e temos o ACT FIOCRUZ, que é para aquisição de EPIs para nossos pescadores e pescadoras.
13:39
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O TED do Petróleo tem como objetivo elaborar e implementar políticas públicas de proteção de recursos e práticas culturais e socioambientais sustentáveis nas comunidades pesqueiras artesanais no litoral nordestino, nos Estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, em especial nas áreas afetadas pelos impactos do derramamento do petróleo ocorrido nas últimas décadas desse século, nos últimos anos, levando em consideração, é claro, o racismo ambiental.
Ações e metas desse TED.
A meta 1 é identificação dos principais problemas e potencialidades enfrentados por cada comunidade de pesca artesanal.
A meta 2 é criação de observatórios de territórios pesqueiros artesanais ou centros de estudos de gestão de ecossistemas nos Estados que eu já citei, práticas bioculturais, emergências climáticas e injustiças e racismos ambientais. Esses observatórios funcionarão para as práticas de troca de saberes desde as comunidades de pesca artesanal e conhecimentos técnicos e científicos com a participação de docentes, pesquisadores e discentes.
São nove metas, mas separei apenas algumas.
A meta 3 é identificação de alternativas socioeconômicas complementares e/ou de apoio às atividades das comunidades de pesca artesanal. Orientações para a estruturação do comércio e serviços em base local e integrado em cadeias produtivas, tais como, restaurante, mercado, hotelaria, turismo de base comunitária, dentre outros, objetivando, dentre questões relevantes, o combate ao racismo ambiental. O combate ao racismo ambiental está presente em todas as metas.
A meta 3 é desenvolvimento de modelo de governança multinível de comunidades de pesca tradicional, integrando as instituições e segmentos sociais — colônias de pescadores, organizações e coletivos — envolvidos.
A meta 5 é desenvolvimento de processos de formação e cursos básicos voltados para os processos de autonomização, com ênfase na troca de saberes e conhecimentos técnicos, que considerem a questão do racismo ambiental. Destaca-se a elaboração de projetos de financiamento, rodas e oficinas de conservação ambiental, atividades de produção, divulgação e comercialização dos produtos e serviços das comunidades que considerem a questão da justiça e do racismo ambiental. O investimento nesse TED é de 2 milhões e 100 mil reais.
E temos o TED FIOCRUZ Saúde nos Territórios. É um TED de formação e ação de agentes de saúde e ambiente em territórios da pesca artesanal no litoral nordestino, cujo objetivo é promover o desenvolvimento de formação, pesquisa e ação em saúde em territórios pesqueiros no litoral dos Estados do Ceará, Bahia, Paraíba e Pernambuco. Ele tem como objetivo específico: proporcionar a formação de pescadoras e pescadores na perspectiva de vigilância participativa; qualificar profissionais da atenção básica, da vigilância em saúde e dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador — e da trabalhadora, é claro —, para o cuidado e atenção à saúde da população da pesca artesanal.
Eu separei três metas: organização e estruturação de coordenação política pedagógica e elaboração de metodologia dos cursos; oferta de quatro turmas para o curso agente popular de saúde dos povos das águas, sendo uma turma por Estado, com até 40 participantes; e curso de aperfeiçoamento para cem profissionais de saúde do SUS, para atuar nessas áreas que foram atingidas. Por último, nós estamos em tratativa com a FIOCRUZ para estabelecer um acordo de cooperação técnica — ACT para a aquisição de EPIs, que, no caso, são repelentes e protetores solares, para os nossos povos das águas, nossos pescadores e pescadoras.
13:43
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Enfim, como eu falei de início e volto a repetir, a nossa secretaria está extremamente disponível para qualquer ação que vocês queiram desenvolver a partir desta audiência pública e também de portas abertas para receber cada um e cada uma. Sabemos que essas ações são limitadas. Podem dizer: "Ah, mas é tão pouco para tanto!" E, de fato, não podemos deixar de falar aqui do corte orçamentário do Governo Federal, e o nosso Ministério foi o segundo mais atingido por esse corte. Então, nós estamos fazendo, popularmente falando, peço licença, das tripas coração para conseguirmos reparar tudo o que foi feito com o nosso povo, não só em relação à questão do petróleo, porque sabemos que os povos das águas precisam de reparação histórica em vários pontos, em vários sentidos. E, como se não bastasse o acidente com petróleo, logo em seguida veio a pandemia.
E saibam que estamos de mãos dadas com vocês. Essa secretaria, repito, é uma demanda de vocês e está aqui para servi-los cada vez mais.
Muito obrigada.
No caso de qualquer dúvida, podem nos procurar. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Nós que agradecemos aqui a representação do Ministério da Pesca, na pessoa de Kátia Cunha.
Eu, particularmente, conheço a Kátia e o mandato dela como Deputada. Ela sempre foi uma voz firme em defesa de pescadores e pescadoras e também veio a somar muito no Governo Federal pela sua capacidade de escuta e de formulação de políticas públicas.
E é importante também lembrar que existe um esvaziamento, não é, Kátia, por parte do próprio Congresso, eu diria assim, em termos de orçamento para as políticas públicas do Governo Federal. E isso tem sido motivo de crítica que nós temos feito aos nossos colegas, inclusive pelo espaço orçamentário que foi ocupado nos últimos anos no Congresso. Isso deixou os Ministérios em uma situação difícil para fomentar políticas públicas.
Gostaríamos muito de que aqueles números daqueles projetos fossem muito maiores, mas sabemos da capacidade da companheira Kátia e do Ministro André de Paula para tentarem trazer mais orçamento e fazermos boas políticas públicas para pescadores e pescadoras artesanais. E essa é uma luta que temos que travar e aprofundar aqui no ambiente do Congresso, inclusive tentar fortalecer essas Pastas fundamentais para os pescadores e pescadoras artesanais.
Agora eu queria convidar a Sra. Carolina Morishita Mota Ferreira, Coordenadora-Geral de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para fazer uso da palavra pelo tempo de 10 minutos.
Por favor, Carolina.
A SRA. CAROLINA MORISHITA MOTA FERREIRA - Boa tarde.
Eu sou Carolina Morishita, Coordenadora-Geral de Acesso à Justiça da Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça.
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Inicialmente, queria registrar a minha solidariedade a todas as pescadoras e pescadores atingidos pelo derramamento do petróleo. Agora estamos no marco de 5 anos, e eu tenho certeza de que, em muitos momentos desses 5 anos, vocês precisaram se deslocar dos seus territórios, vir para Brasília nessa secura, nessa dificuldade para conseguir continuar essa disputa pela reparação de danos e pela efetivação do acesso à Justiça.
Cumprimento todos, nas pessoas do Deputado e também das pescadoras e pescadores que estão aqui na Mesa. Fico muito honrada de ter a possibilidade de estar aqui e escutar vocês.
Queria explicar um pouquinho qual é o papel da Secretaria de Acesso à Justiça.
Somos uma secretaria nova, que se iniciou com este Governo. Então, existimos há 1 ano e meio mais ou menos. E o nosso objetivo é conseguir efetivar o acesso à Justiça de todas as pessoas, especialmente das que estão em alguma situação de vulnerabilidade.
Dentro das competências, das atribuições da secretaria, temos a de aprimorar o sistema de Justiça, construir diálogos e articulações com os Ministérios Públicos, as Defensorias Públicas e o Judiciário para que as pessoas consigam visualizar quais são os seus caminhos, judiciais ou extrajudiciais. Então, esse é um dos nossos pontos, e temos nos esforçado especialmente para o fortalecimento da Defensoria Pública em todo o Brasil, para que ela consiga estar presente nos territórios. Também temos a atribuição — que eu acho que é uma das mais importantes — de fazer o enfrentamento do racismo, e aí incluído o racismo ambiental.
As comunidades tradicionais, como são pescadoras e pescadores artesanais, além de todas as outras violências, têm que fazer uma luta, um enfrentamento do racismo ambiental para que não sejam invisibilizados os danos que foram vivenciados.
Dentro da Secretaria de Acesso à Justiça, temos entendido que a reparação é uma parte essencial do ciclo de acesso à Justiça. Não basta iniciar um processo, iniciar um diálogo, se você não consegue efetivamente se visualizar como reparado. E entendemos que essa reparação só é possível a partir da construção de participação social, porque você só consegue efetivamente atender os danos que foram vivenciados... E eu digo tanto dos valores que não puderam ser ganhos, porque a pesca não poderia ser realizada, quanto das festividades e celebrações imateriais que não puderam ser realizadas, porque a praia não poderia ser acessada, e do que isso significa no cotidiano daquela comunidade, que perde um espaço de lazer, de descanso mental. Sabemos do cansaço emocional e mental que atinge as pessoas, especialmente as lideranças, que precisam buscar, a todo momento, a visualização do que aconteceu, mesmo 5 anos depois, e mostrar que isso ainda é um problema e não foi algo que aconteceu, mas é algo que segue acontecendo, segue sendo pauta cotidiana das pessoas que estão nos territórios.
Para isso, temos tentado, por todos os caminhos, construir espaços de fortalecimento das pessoas que estão nos territórios. E vou dar um exemplo que não é especificamente em relação ao derramamento de petróleo. Nós temos uma clínica de acesso à Justiça e desastres e temos buscado financiamento para poder replicá-la em outros territórios. O trabalho dessa clínica é realizado em São Sebastião junto com o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Construiu-se uma formação, em parceria com um projeto de extensão universitária, em que lideranças fazem parte dessa formação de acesso à justiça, do conhecimento de quais são os caminhos possíveis, de como se trilha o acompanhamento dos processos individuais e coletivos no território. Isso é para que sejam construídos mecanismos de prevenção, e não de repetição, para que tais danos não aconteçam de novo, para que haja fortalecimento de políticas públicas que apoiem as pessoas em algum momento de necessidade e também para que elas consigam diagnósticos.
13:51
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Eu achei muito importante o TED do Ministério da Pesca falar em diagnóstico. Isso porque entender o que aconteceu como dano é essencial para saber o que é que tem de ser reparado. Às vezes, o olhar de fora é muito diferente daquilo que efetivamente tem que ser atendido. Então, o nosso TED ali em São Sebastião também busca entender o que aconteceu, diagnosticar, envolver a comunidade e seguir no processo de reparação das comunidades. Esse é um projeto que temos o desejo de replicar em vários outros territórios do País. E também estamos abertos a diálogos, a construções não só para essa replicação, mas também para outras medidas e espaços que vocês entendam que são necessários, para que o Ministério da Justiça e a Secretaria de Acesso à Justiça possam estar próximos e fazer acompanhamentos. Quero deixar isso bem registrado aqui.
Com certeza, aquilo que for pontuado na audiência vai fazer parte das nossas construções de planejamento. Infelizmente, registro, assim como a colega Kátia o fez, que temos restrições orçamentárias. O orçamento da Secretaria de Acesso à Justiça é bastante restrito. Nós não conseguiríamos implementar esses projetos só com o nosso orçamento. Por isso, temos buscado emendas parlamentares e outras formas de financiamento para que efetivamente participemos desse ciclo de acesso à Justiça.
Queria agradecer e me solidarizar de novo com toda essa luta das pescadoras e pescadores atingidos e ressaltar esse compromisso de absorver tudo o que for colocado aqui para analisarmos internamente e buscarmos outras formas de estarmos presentes e participarmos com vocês dessa grande luta.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Nós agradecemos à Carolina Morishita, que representa aqui o Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Ainda farão uso da palavra alguns participantes e convidados, que estão aqui para fazer perguntas. Teremos também as considerações finais. E cada representante do Governo ou de entidades que estiver na Mesa poderá ser questionado e, no momento oportuno, responder às perguntas.
Antes de dar continuidade, eu queria saudar a Sra. Thais Feher, que está aqui presente também, Coordenadora de Projeto da Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas da Presidência da República.
Fique à vontade para fazer uso da palavra no momento oportuno, Thais.
13:55
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Queria convidar agora o Dr. Marcelo Neiva de Amorim, Coordenador-Geral de Emergências Ambientais do IBAMA, que está conosco virtualmente. Imagino a correria que deve estar sendo para o Dr. Marcelo, porque sabemos que o País está literalmente pegando fogo.
Eu já agradeço a presença aqui de Marcelo, que está conosco pela plataforma Zoom. Fará uso da palavra pelo tempo de 10 minutos.
O Marcelo está com a palavra.
O SR. MARCELO NEIVA DE AMORIM - Boa tarde a todos.
Gostaria de agradecer esta oportunidade de falar sobre essa agressão que o Brasil sofreu 5 anos atrás. Todos os brasileiros tiveram os seus direitos ao uso do meio ambiente saudável afetado com essa mancha de óleo de origem desconhecida, em especial, a população tradicional que vive da pesca ou mesmo aquela que vive também do turismo. Todos foram bastante afetados, e me solidarizo com essa luta, na esperança de podermos encontrar um culpado e todos receberem a sua devida indenização.
Considerando o tempo, vou logo para a apresentação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Falando rapidamente sobre o vazamento de óleo que ocorreu no litoral brasileiro, vou falar do histórico de 2019 até 2024. Relembrando, foi desde agosto de 2019 que apareceram as primeiras manchas. Já em setembro, nós colocamos nossa equipe em campo, inclusive fazendo uso de uma aeronave especializada para tentar identificar a origem dessas manchas. As manchas foram cada vez mais se ampliando e aparecendo no Estado do Rio Grande do Norte, onde montamos um posto de comando para entender o que estava acontecendo. Acionamos a Polícia Federal por perceber que não se tratava de algo pontual, mas de algo que demonstrava, já nos seus primeiros dias, ser muito maior do que vinha acontecendo nos últimos anos.
Assim, tivemos posto de comando em Salvador, São Luís, Brasília, Rio de Janeiro, principalmente a partir de outubro, quando foi acionado o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional.
Os trabalhos realizados na época contaram com o uso de imagens de satélite. Dois helicópteros somente do IBAMA fizeram algo em torno de 420 horas/voo. Esse avião especializado, com os equipamentos mais modernos do mundo, tentava identificar a origem. Mais de 40 viaturas, 280 servidores participaram de todo o trabalho para mapear o que foi encontrado, dar a resposta adequada à questão de fauna. Foram realizados trabalhos diários.
Tivemos também parceiros internacionais especialistas em vazamento de combustíveis, como era o caso da ITOPF. E fizemos uso de imagens de satélite com o pessoal da ESA, da Europa, e da NOAA.
Aí estão algumas manchas observadas no ano de 2019. À época, não estávamos numa situação triste como estamos agora, com a questão do incêndio. Então, podíamos recorrer aos próprios brigadistas que contribuíram para a retirada do óleo da praia.
Para ter, à época, um controle mais preciso de onde estava aparecendo esse óleo, a forma como ele estava se distribuindo ao longo do litoral brasileiro, foram feitas vistorias in loco, cujas informações eram encaminhadas para o comando central por intermédio de aplicativo on-line.
13:59
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Isto aqui é para os senhores terem uma noção de como eram colocadas essas informações numa planilha. Os senhores veem os pontos relativos a agosto, setembro e outubro. As equipes iam a campo e, através do aplicativo, identificavam a chegada do óleo ao longo do litoral brasileiro.
Todas essas informações, como é obrigação de todo ente público, foram disponibilizadas em sites do IBAMA e em outros sites, como o site da União e o site da Marinha do Brasil. Nesse site havia informações que atendiam a todas as pessoas, direta ou indiretamente envolvidas com o tema, com, por exemplo, orientações de limpeza, de retirada do óleo; orientações sobre uso de EPIs; orientações sobre destinação temporária e depósito temporário dos resíduos oleosos recolhidos na praia. Estão aí algumas das informações. Esse site ficou na principal página do IBAMA durante o ano de 2019 e 2020 e atualmente ainda se encontra no site do IBAMA.
Caso os senhores tenham o interesse de conhecer um pouco mais a fundo do que ocorreu no evento de 2019, as informações estão lá disponíveis para qualquer interessado.
Na época, como eu disse anteriormente, foi acionado o Plano Nacional de Contingência, que teve como coordenador a Marinha do Brasil. Foi formado o Grupo de Acompanhamento e Avaliação, conforme descrito no Plano Nacional de Contingência, que é o Decreto nº 10.950, de 2022. O Grupo de Acompanhamento e Avaliação é composto pelo IBAMA, a Marinha do Brasil e representante da ANP.
A estrutura criada na época tinha as Capitanias dos Portos como ponto focal para os Estados. Dali vinham a demanda ou as necessidades que eram direcionadas para o distrito naval relacionado àqueles Estados e chegava ao comando maior com o objetivo de disponibilizar recursos, visando principalmente à retirada do óleo das áreas afetadas.
Esse monitoramento foi realizado diuturnamente do mês de agosto de 2019 até março de 2020. Este foi o último mapa, quando, em março de 2020, os servidores que iam a campo com o aplicativo na mão não encontravam mais pelotas de óleo na praia. Então, houve a desmobilização e o encerramento do que nós, na época, denominamos de Operação Manchas de Óleo de Origem Desconhecida.
Foi feito na sequência um trabalho para a retirada e correta designação de todos os resíduos que foram fruto desse grande acidente, desse grande evento que afetou a nossa costa.
Como eu disse, agora deixando o exemplo, tudo isso que foi colocado em poucas palavras se encontra ainda disponível no site do IBAMA, caso queiram buscar alguma informação complementar.
Na sequência, no ano de 2021, fizemos um simpósio para discutir as lições aprendidas. O ano de 2019 pegou o Governo Federal todo de surpresa. Acho que ninguém nunca imaginou isso. Ainda hoje, ele é considerado um dos maiores eventos da categoria, pela área de abrangência do volume de óleo que afetou. Ele se enquadra como o maior evento no mundo nessa categoria, nesse tipo de característica. E precisamos, logicamente, fazer um encontro entre todos os respondedores que participaram direta ou indiretamente do evento, para entender as lições aprendidas e discutir formas de nos prepararmos para lidar melhor com uma situação parecida que venha a ocorrer. O simpósio foi realizado no período de 20 a 24 de setembro de 2021. Os senhores vão lembrar que, nesse período, nós estávamos em situação de COVID. O evento foi todo realizado de forma on-line, e nele pudemos discutir quais eram as estruturas existentes durante a resposta; como se deram as ações de limpeza, a gestão dos resíduos, a resposta à fauna; qual era a estrutura instalada para esse tipo de atividade no Brasil; e como se deu a interação com os demais órgãos e com a mídia.
14:03
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Foi observado que há uma necessidade de se enxergar melhor o que é denominado Amazônia Azul. Através de um fomento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, foram disponibilizados recursos que hoje estão sendo gerenciados pelo INPE, com todo o apoio de várias universidades, para atender um grande sistema multiusuário de detecção, previsão e monitoramento de derrames de óleo que venham a ocorrer em águas jurisdicionais brasileiras. Em 2022 se iniciou esse projeto, que foi denominado Sistema Multiusuário de Detecção, Previsão e Monitoramento de Derrame de Óleo no Mar — SISMOM, do qual o IBAMA é um dos atores principais, porque é o usuário final para fazer o monitoramento dessas informações a fim de evitar que o Brasil fique cego em uma situação como a que ocorreu no ano de 2019.
No ano de 2022, ocorreu algo similar, mas de muito menor envergadura: uma chegada de óleo de origem desconhecida que ocorreu no mesmo período, começando em 25 de agosto na Bahia e depois atingindo outros Estados, como Paraíba, Sergipe, Ceará e Rio Grande do Norte. Em um momento esse óleo parou, mas voltou de novo em Fernando de Noronha. Em outubro, retornou aos Estados de Pernambuco, Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão e Espírito Santo. Utilizamos um método bastante similar ao que foi realizado em 2019, já com a expertise de utilizar os aplicativos, de acionar melhor os atores. Dessa forma, nesse caso, não houve nenhum acionamento do Plano Nacional de Contingência. O trabalho foi realizado com a coordenação dos Estados e o apoio do Governo Federal. É bom entender que o resultado da análise laboratorial demonstrou que parte desse óleo era o mesmo óleo de 2019, e outra parte era um óleo novo, de uma nova origem, o qual chamamos de óleo de 2022.
Em 2023, já pensando nos resultados que foram obtidos na oficina de lições aprendidas, na qual foram colocados todos os acertos e erros, um dos grandes gargalos observados foi a gestão da emergência. A eficácia da resposta foi colocada como algo que tem que ser melhorado. A necessidade de adequação da capacidade de limpeza e de retirada do óleo também foi um dos pontos que chamaram atenção. Naturalmente, a distribuição de EPIs e outros equipamentos foi um item colocado como um dos mais importantes nas lições aprendidas.
A partir do ano de 2023, o IBAMA criou o Programa de Preparação para Resposta a Derramamento de Óleo no Litoral Brasileiro, com um projeto-piloto no Rio Grande do Norte, em Pernambuco e em Alagoas. Nesse projeto-piloto, o público-alvo foi a Marinha do Brasil, órgãos estaduais e municipais de meio ambiente, a Defesa Civil e a sociedade civil organizada, que foram capacitados para utilizar EPIs, retirar de forma adequada o óleo, caso aconteça algo parecido, e trabalhar uma gestão compartilhada em que os três entes e o privado consigam trabalhar juntos, numa ação única de interesse da Nação para uma resposta adequada. O projeto demonstrou bons resultados, e, agora, no ano de 2024, o projeto-piloto de 2023 passou a ser um projeto nacional, abarcando desde o Maranhão até o Espírito Santo, seguindo todo o litoral, com o mesmo público e os mesmos objetivos do evento de 2023. O Decreto nº 10.950, de 2022, que criou o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional e que especifica que a Ministra do Meio Ambiente é a Autoridade Nacional, exige que o Governo Federal, principalmente através do IBAMA, da Marinha e da Agência Nacional do Petróleo — ANP, faça capacitações e esteja sempre preparado para eventos de significância nacional relacionados a acidente com óleo. Então, dos dias 7 a 9 de agosto do ano passado, a Marinha do Brasil fez um grande exercício para discutir, de forma simulada, como deveriam ser as ações adotadas pelos entes federais se um evento desses viesse a acontecer hoje.
14:07
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Por fim, já no presente ano, exatamente no dia 22 de outubro de 2024, aqui nas dependências da sede do IBAMA, em Brasília, será realizado o I Simpósio do Plano Nacional de Contingência, que tratará da situação atual desse plano e das perspectivas para o futuro, fazendo principalmente o fomento da participação da Rede de Atuação Integrada, que é representada por praticamente todos os entes hoje presentes na Esplanada dos Ministérios. Espero contar com a presença dos ouvintes e de todos os que estão acompanhando esta palestra nesse simpósio que ocorrerá em Brasília, no dia 22 de outubro, nas dependências do IBAMA, mais precisamente no auditório do IBAMA.
Agradeço a oportunidade e peço desculpa por ter ultrapassado o tempo em alguns minutos com a apresentação. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Obrigado, amigo Marcelo Neiva de Amorim, Coordenador-Geral de Emergências Ambientais do IBAMA, pelos esclarecimentos e pelo trabalho que o IBAMA vem fazendo de prevenção e de conscientização para que eventos como esse não se repitam e, caso venham a se repetir, os órgãos do Governo estejam mais estruturados para poder responder de maneira imediata.
Agora eu queria convidar para fazer uso da palavra o Prof. Paulo Lopes Pena, professor titular da Universidade Federal da Bahia, que está conosco pelo Zoom.
Com a palavra o Prof. Paulo, pelo tempo de 10 minutos.
O SR. PAULO GILVANE LOPES PENA - Muito obrigado, Deputado Túlio Gadêlha.
Eu quero agradecer esse honroso convite da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais.
Nestes 10 minutos, trarei algumas questões que considero importantes em relação a esse desastre, que ficou conhecido como o maior desastre ambiental desse tipo. Ele deveria ter sido considerado não apenas uma emergência ambiental, mas também uma emergência em saúde pública.
14:11
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A Andréa está presente na Mesa... Houve um movimento de pesquisadores e lideranças de marisqueiros para que essa emergência fosse considerada pelo Governo anterior, mas essa omissão persistiu. Tentarei trazer alguns elementos dos impactos na saúde até a presente data.
Inicialmente, lembro que o Nordeste do Brasil conta com quase 500 mil pescadores artesanais, e a grande maioria, aproximadamente 80%, trabalha em regiões litorâneas, estando potencialmente expostos aos impactos desse desastre. Já foi dito que esse petróleo, ou óleo cru, contaminou locais de trabalho de pescadores e, sobretudo, de marisqueiras, onde atuam mulheres gestantes e nutrizes, além de crianças e adolescentes que circulam por essas áreas. Muitas dessas pessoas foram expostas não apenas durante a coleta de mariscos contaminados, mas também durante o beneficiamento de mariscos e peixes, o que levou essa contaminação ao ambiente doméstico.
Gostaria de comentar sobretudo sobre a ingestão de mariscos e peixes contaminados. Chamo a atenção para alguns pontos essenciais sobre os riscos toxicológicos do óleo bruto ou petróleo. Trata-se de uma mistura complexa de vários componentes químicos, entre eles os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e, principalmente, o benzeno, que é reconhecidamente cancerígeno. Além da intoxicação aguda de inúmeros trabalhadores e trabalhadoras, que restam desconhecidos, esses agentes podem causar efeitos a médio e longo prazos, principalmente câncer, além de outras doenças no sistema nervoso central, doenças hematológicas, imunológicas e genéticas.
Essa contaminação, repito, pode ocorrer pela via cutânea, através da pele íntegra, pelo contato direto, ou pela inalação. Entretanto, algo impressionante ocorreu aqui: a contaminação pela ingestão de peixes e mariscos contaminados. Essa exposição não atingiu apenas a população em geral, mas, sobretudo, os pescadores e marisqueiros, que, durante o desastre, enfrentaram fome e miséria, já que não conseguiam comercializar seus produtos. Isso ocorreu devido à ausência de assistência adequada, como alternativas alimentares.
Cito aqui exemplos de narrativas de pesquisa que fizemos na Bahia e no Ceará sobre essa questão. Uma das pescadoras relatou: "Não temos dinheiro e não vamos deixar de dar comida aos nossos filhos. O que temos para oferecer a eles são os nossos pescados, que podem estar contaminados. Mas o que fazer, meu Deus? O Governo não nos aponta outro caminho". Outra pescadora nos relatou: "Meus filhos comeram peixes do óleo, sentiram dor de barriga, vomitavam e tinham diarreia". Outro exemplo de narrativa, esse, de Pernambuco: "Pescamos o sururu para consumo. Ele estava com cheiro de petróleo e continuou, mesmo depois de cozido. Tivemos que nos alimentar desse peixe contaminado".
14:15
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Essas narrativas evidenciam algo inusitado no mundo: um grau de intoxicação muito mais grave quando ocorre a ingestão. Eu lembro, portanto — e serei enfático nessa questão —, que muitos pescadores tiveram que se alimentar com peixes e mariscos — entre aspas — “temperados com petróleo”. Repito: diante da fome, tiveram que consumir peixes e mariscos com gosto de óleo e petróleo, uma vergonha nacional que permanece invisível e cujas consequências graves para a saúde também permanecem desconhecidas.
Essa situação agravou os efeitos tóxicos da exposição. No entanto, não há qualquer acompanhamento da saúde dessas pessoas nas Unidades de Saúde da Família ou nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador. Para efeito de comparação, quando ocorre exposição a hidrocarbonetos aromáticos, especialmente o benzeno, em trabalhadores da indústria do petróleo, as empresas são obrigadas a manter os prontuários médicos desses trabalhadores por um período de 30 anos após a exposição. Isso, para identificar precocemente possíveis casos de câncer, entre outras doenças. São 30 anos! Eu pergunto: onde estão os prontuários desses pescadores e pescadoras que foram expostos a esse produto, muitas vezes de maneira grave, e, numa situação ainda pior, ingeriram esse produto altamente tóxico?
Essa questão nos leva à necessidade urgente de que o Ministério da Saúde — faça o reparo de que o Ministério poderia ter representante nesta Mesa — e desenvolva ações de vigilância do câncer e dos efeitos da exposição ao petróleo bruto em todas as marisqueiras e pescadores atingidos pelo desastre-crime.
Essa vigilância deve necessariamente incluir exames de saúde periódicos e anuais, por tempo indeterminado. Eles podem ser feitos, sim, pelo SUS, na Unidade de Saúde da Família. Não são exames sofisticados. Trata-se de exames hematológicos, como os que todos nós fazemos periodicamente. Esses exames poderiam ser associados a exames periódicos gerais e ocupacionais, que são uma demanda e uma reivindicação histórica dos movimentos de pescadores na área da saúde. Há também a necessidade de realizar avaliação ambiental para investigar a presença de contaminantes do petróleo, principalmente metais pesados e hidrocarbonetos policíclicos e aromáticos, nas principais regiões pesqueiras, considerando que as manchas de petróleo retornaram em outros momentos.
14:19
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Enfim, é necessária uma ação concreta hoje no âmbito da saúde pública para tentar mitigar esses efeitos.
Encerro a minha fala ressaltando que também há uma necessidade de reparação coletiva a essa categoria que sofreu tanto com esse desastre, diante da violência imposta pela omissão do Governo anterior. É necessária uma reparação contra a violação de direitos humanos essenciais de pescadores e marisqueiras perpetrada pelo Estado brasileiro. Ou seja, há necessidade de uma reparação coletiva, que deve ser discutida com os movimentos de pescadores e pescadoras artesanais e marisqueiras, principalmente no Nordeste do Brasil.
Esta é a mensagem que eu gostaria de apresentar aos Deputados e Deputadas nesta audiência nestes 10 minutos.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Nós é que agradecemos ao Prof. Paulo Lopes Pena, professor titular da Universidade Federal da Bahia, por sua participação nesta audiência pública, que, sem dúvida, nos traz muito conhecimento, por meio da ciência, e provoca a reflexão sobre a preocupação que devemos ter. Quando falamos das queimadas e do impacto que elas causam, não apenas ao meio ambiente e a todo o ecossistema, mas também às pessoas que vivem nas cidades e que estão inalando aquela fumaça, nós nos preocupamos não só com o momento que estamos vivendo, mas também com as sequelas que ficarão naquelas vidas.
Essas pessoas que passam dias inalando essas fumaças sofrem impactos diretos, assim como os pescadores e suas famílias, que sobreviveram, como bem disse o Prof. Paulo, se alimentando de mariscos e frutos do mar que, muitas vezes, não eram mais vendidos devido à falta de procura durante o período do derramamento de óleo nas praias. Em muitas ocasiões, essa era a única forma de sobrevivência.
Alimentar-se desses frutos do mar por dias, meses ou até anos, sem dúvida, provocou impactos na saúde dessas pessoas. Por isso, nós precisamos discutir com profundidade o monitoramento da saúde dos pescadores, bem como a questão dos prontuários médicos.
Doutor, onde estão esses prontuários médicos? Que impacto foi causado na saúde dessas crianças e dessas famílias?
14:23
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Queria saudar a presença da Deputada Carol Dartora, que subscreveu o requerimento de realização desta audiência pública conosco e vai fazer uso da palavra assim que concluídas as exposições dos componentes da Mesa. A Deputada Carol é um exemplo de Parlamentar que defende a pauta do meio ambiente, de todo o ecossistema, e está sempre muito presente conosco nas audiências públicas da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Federal.
Convido para fazer uso da palavra, pelo tempo de 10 minutos, a Sra. Joana Mousinho, Coordenadora Nacional da Articulação Nacional das Pescadoras, a quem agradeço a presença.
A SRA. JOANA MOUSINHO - Boa tarde.
Em primeiro lugar, eu quero agradecer a Deus por este momento. Depois de 5 anos é que vem acontecer esta audiência pública, pela qual nós lutamos muito.
Também quero parabenizar o Deputado Túlio por ter essa força de nos ajudar e de estar sempre conosco.
É muito difícil sentar aqui para falar do que nós passamos na época do derramamento do petróleo. (A oradora se emociona.) Foi cruel a vida de nós pescadores e pescadoras, principalmente das mulheres. Quando surgiram as manchas, o IBAMA falou que apareceu com EPI, com isso e aquilo. Minha gente, quem enfrentou as manchas foram as mulheres, os homens, os adolescentes, tirando tudo aquilo da beira da praia, dos manguezais, sem nenhum aparelho, sem nenhum apetrecho, sem nenhum EPI para proteger suas vidas.
Nós hoje temos o quê? Sequelas. Tudo o que o Dr. Paulo Pena falou aí é realidade. Temos sequelas não só físicas, mas também mentais. Há pessoas que hoje ainda têm tremores nas mãos por causa do petróleo. De vez em quando, aparecem aquelas bolhas no corpo que ficam estourando como se fossem queimaduras.
Está aqui o Erivan, que, até hoje, tem uma queimadura no pé que não aguenta levar sol, não aguenta levar batida da água do mar. Ele passa dias sofrendo privações porque não tem como pescar por causa disso.
Não houve nenhuma reparação. O Governo, na época, não nos ajudou em nada. Algumas pessoas chegam a dizer: "Está bom de desistir. Faz 5 anos! Não vai acontecer nada". Ninguém pense que vamos desistir. Não vamos parar. Vamos continuar unidos, brigando, lutando, insistindo. Ninguém vai nos ganhar na canseira, não! (Palmas.) Ninguém vai nos ganhar na canseira, porque Deus vai dar força para continuarmos brigando por nossos direitos.
Nós não estamos aqui pedindo favores, não; estamos exigindo nossos direitos, porque, se não houver pesca artesanal, não haverá comida saudável na mesa de ninguém. Setenta por cento da comida saudável que vai para a mesa de vocês é da pesca artesanal, não é da pesca industrial.
Eu lembro muito bem que, quando o pessoal da Globo chegou à minha cidade para fazer entrevista, eles só se preocupavam com o turismo. Nenhuma vez se preocuparam com os pescadores e com as pescadoras. A coisa foi tão séria lá na entrevista que eu quase me atraquei com a repórter da Globo. A coisa foi muito séria, minha gente!
14:27
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Não é fácil, não, procurar um pão na mesa para dar aos filhos e não encontrar, ter um produto e não conseguir vender, ter que comer tudo aquilo contaminado. E depois temos que nos calar? Nada de calar!
Está aqui o grupo Mar de Luta, com honra, com força, para continuarmos lutando.
Eu peço o apoio de todos vocês que estão nos ouvindo para que isso não pare. Espero que possamos ser ressarcidos do nosso prejuízo, apesar de já fazer 5 anos, e que tenhamos saúde de qualidade, porque não temos, principalmente as mulheres, que foram as que mais sofreram. Já imaginaram como ficou uma mulher grávida que retirou petróleo da beira da praia? Só quem não tem coração não vê isso. E algumas pessoas ainda vêm contar balela. Existem coisas que são balela, minha gente!
Não adianta ficar com raiva de mim, não, porque eu sou assim mesmo. Nós brigamos hoje para não ver algo assim voltar a acontecer futuramente, porque o que mais existe aí são perfurações de poços de petróleo, e isso pode causar outro desastre. Nós tememos por isso.
No caso de São Paulo, não aconteceu derramamento de petróleo, mas a população foi atingida indiretamente. E o pessoal está sofrendo.
Eu vi que, no Litoral Sul de Pernambuco, onde foi mais atingida a população do Cabo de Santo Agostinho e da Barra de Sirinhaém, foi um sofrimento total o pessoal tirando aquele produto. Sumiram algumas espécies nossas. Sumiram e não voltaram mais.
Eu estou nervosa. Toda vez que eu falo de petróleo, eu fico nervosa, porque sei o que nós passamos. Pedimos que isso não venha a acontecer mais. Nós dizemos "não" para toda perfuração de poços de petróleo. (Palmas.)
O pessoal visa o petróleo porque gera muito dinheiro, muita grana para os ricaços. E para nós trabalhadores da pesca vem o quê? Só vêm desgraça e derrota. Só vêm perturbação do meio ambiente, derrota do nosso meio ambiente. Nós vivemos da pesca e queremos água limpa, ambiente limpo. Nós preservamos o meio ambiente porque vivemos dele.
Aí, quando vamos cortar uma vara no mangue — no trabalho nosso nós utilizamos um aparelho, um material de pesca —, o IBAMA vem e nos multa. Sabemos cortar uma vara muito bem, de tal maneira que aquele pé de mangue cresce de novo, não morre. Para isso, nós temos prática. Nós somos professores disso. Nós somos doutores em defesa do meio ambiente. Para defendermos o meio ambiente, nós não precisamos estar em faculdade, não, porque nós aprendemos no dia a dia. Nós sabemos defender na prática, não é na teoria.
É por isso que eu me orgulho de ser pescadora artesanal. Eu digo em todo canto: "Eu sou doutora da pesca! Eu sou doutora do meio ambiente!", e a minha turma também, homens e mulheres pescadores artesanais.
14:31
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Para encerrar a minha fala, eu quero dizer a vocês que pensem na votação que vai haver aqui, futuramente, do Projeto de Lei nº 131, de 2020, que defende o nosso meio ambiente, que preserva os territórios pesqueiros. Deem apoio a essa nossa luta. Nós precisamos do apoio de vocês.
Nós ficamos sem pescar; nossos estoques não podíamos comer. Uma coisa eu quero dizer: não queremos caderno de resposta, não. Agora virou onda esse caderno de resposta. E esse caderno de resposta que acontece aí não temos nem tempo de ler, porque, se formos ler, não vamos pescar. E ele tem palavras que nós pescadores e pescadoras não entendemos. "Não" a caderno de resposta!
Obrigada. (Palmas.)
(É entoada a música "Sem medo de ser mulher".)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Agradecemos muito a participação à D. Joana Mousinho, Coordenadora Nacional da Articulação Nacional das Pescadoras.
Sem dúvida, D. Joana, estamos nesta audiência para ouvir especialistas, dados, números. Todos são muito importantes, com a sua fala, o seu lugar de fala, o seu olhar. São importantes os estudos apresentados por cada um e por cada uma. Mas ouvir aqui uma pescadora que viveu na pele o impacto desse derramamento de óleo é algo enriquecedor para todos nós. Eu acho que a senhora traz muito conhecimento para esta audiência pública. Eu queria agradecer, em nome da Câmara Federal, a sua presença conosco, D. Joana. Muito obrigado.
Eu queria convidar a usar da palavra agora o Sr. Erivan Bezerra de Medeiros, Coordenador da Campanha Mar de Luta, que está representando aqui o Movimento de Pescadores do Brasil.
O SR. ERIVAN BEZERRA DE MEDEIROS - Boa tarde a todos e a todas. Quero saudar a Mesa no nome do Deputado Túlio Gadêlha.
Eu me chamo Erivan Bezerra de Medeiros, sou pescador numa comunidade chamada Prainha de Cotovelo, no Rio Grande do Norte. A Prainha de Cotovelo, Deputado, fica entre o maior cajueiro do mundo e a Barreira do Inferno.
Eu vi o nosso Marcelo, do IBAMA, dizendo que fizeram um trabalho brilhante, mostrando uma conjuntura. Eu quero dizer a ele, em primeiro lugar, que visite a Unidade de Conservação da Barreira do Inferno, porque há bastante petróleo lá, há umas 5 toneladas lá para ele retirar. Essa é a grande realidade.
Os nossos companheiros Beto e Núbia moram na Vila de Ponta Negra, uma vila de pescadores, e fazem o monitoramento lá. Todo dia, eles vão lá e veem como é que está o petróleo. O petróleo continua nas pedras de lá, e eles não têm acesso ao local, porque é uma unidade de conservação. Se o pescador for pego lá, ele vai preso, vai responder por estar fazendo espionagem, por isso e aquilo. Então, existem essas coisas aí.
Eu quero dizer também que tudo o que já foi relatado pelos nossos companheiros é a grande realidade. Nós estamos aqui hoje não querendo cartilha, mas querendo uma resposta. Já se passaram 5 anos, e 5 anos não são 5 dias. Nós tínhamos um governo que era negacionista, não via as comunidades, não via os territórios, só via o capitalismo. E hoje temos um governo que diz que é do povo, um governo que fomos nós que lutamos para colocar no poder, mas continuam ainda essas migalhas de cartilha. Não existe reparação dos danos causados por esse crime. Não foi acidente, foi um crime. Todo mundo sabe que foi um crime, que alguém provocou isso e está aí para destruir o território, para destruir o meio ambiente, para destruir o povo, para matar. Essa é a grande realidade.
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E nós estamos aqui hoje. Podíamos estar muito bem depois de 5 anos, comemorando, agradecendo a união, agradecendo a todos pela reparação, mas, infelizmente, nós estamos hoje aqui. Muitos já perderam a vida depois disso, com problema psicológico causado por esse derramamento, e não houve uma reparação por parte nem do Ministério da Saúde nem do órgão de direitos humanos, que não escutou essas comunidades.
É um racismo estrutural enorme o que estamos passando no nosso território, no nosso País. Nós queremos respostas — essa é a grande realidade —, porque 11 Estados do nosso País foram afetados, e todos eles estão passando grandes necessidades, já que nenhum foi ainda ressarcido. O dinheiro não compra a vida de ninguém nem a saúde de ninguém, mas, infelizmente, ele é necessário para amenizar algumas situações que as pessoas estão passando dentro dos territórios, dentro das comunidades.
Eu quero trazer também aqui que, na época, saiu um auxílio pecuniário, e 64 mil pescadores em todo o País foram contemplados. Até mortos receberam isso aí, mas quem estava lá na frente, lutando e batalhando, até hoje não recebeu. Eu sou um deles. Tenho 22 anos de RGP, mas, na época, o meu RGP estava suspenso porque, desde 2012, foram suspensos todos os RGPs, e só havia um tal de protocolo. Aí pegaram uma relação — não sei se foi o IBAMA ou se foi outro órgão que passou para a Secretaria-Geral da Pesca, que não era Ministério ainda — e fizeram uma ação totalmente desigual, para tirar os pescadores artesanais, como se dissessem assim: "Vamos acabar de matar aquele povo ali".
Lançaram uma portaria. Eu acho que foi o Senador Jean Paul Prates, do Rio Grande do Norte, que fez uma portaria para que fosse pago esse auxílio pecuniário. Essa portaria caducou, e depois não a renovaram. Então, Deputado Túlio, eu acho que é o momento de os Deputados tentarem renovar essa portaria aí, para pelo menos fazerem uma reparação de danos para os companheiros que não receberam esse auxílio. Toda vez que nós saímos do território para vir aqui, eles ficam lá angustiados. Já hoje, alguns me ligaram perguntando se ia sair alguma indenização para eles. (O orador se emociona.)
Desculpe eu estar emocionado, mas é que nós sabemos o que passamos.
Eu disse a eles: "Nós vamos para a luta. Esperamos que os Parlamentares reconheçam a nossa luta. São eles que fazem as leis, são eles que fazem os PLs, são eles que fazem as coisas". Talvez os Parlamentares possam fazer alguma coisa para amenizar a nossa situação, porque a nossa situação dentro dos territórios está muito difícil. Além de os peixes estarem desaparecendo depois desse derramamento, de 5 anos para cá, nós já sentimos a falta de várias espécies dentro dos estuários — eu moro na beira de um estuário. Ninguém sabe a razão disso, pois não existe uma pesquisa que diga por que essas espécies estão desaparecendo do estuário.
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Então, é isso. Ficamos todo dia angustiados, vimos aqui para a luta. Como a companheira falou ali, eu tenho uma queimadura, porque, quando fui a uma pedra tirar um bolo de óleo, caiu um pingo quente no meu pé e o queimou. Eu peguei o bolo, tirei com a mão e joguei na água, porque estava quente. Tirei o bolo lá e levei. Até hoje, eu já passei por oito dermatologistas, que me passaram várias pomadas de farmácia de manipulação. Eu uso essas pomadas, e a queimadura diminuiu um pouco, mas ela está andando na pele do pé e, toda vez que eu levo sol, ela queima bastante, fica vermelha. Quando estou pescando em cima da jangada — eu pesco de jangada — e levo água salgada do mar, ela também volta a incomodar e, assim, atrapalha minha vida de pescaria.
Eu quero dizer também que dei entrada na minha aposentadoria e que ela foi negada. Queriam me dar um auxílio desses que os doentes recebem, o BPC, e eu disse não, porque eu trabalhei a vida toda e não quero ser aposentado com BPC, pois perderia o direito ao meu 14º salário. Então, eu vou ter que recorrer à Justiça para ver se consigo me aposentar. Essa é a grande realidade que a pesca passa dentro deste marco histórico em que estamos.
Eu ainda gostaria de dizer aqui que nós pescadores somos contra a PEC 3/22, de privatização das praias. Sabemos que estamos num ano de campanha municipal. É no Município onde começam as legislações, mas lá não se faz nenhuma legislação que beneficie a pesca artesanal.
Então, gente, vocês que estão aqui, pescadores ou não, procurem saber quem são os Vereadores que vocês vão botar no poder, verifiquem se eles vão trabalhar pelas comunidades tradicionais, pelos territórios pesqueiros, pelos indígenas, pelos quilombolas, por todas as comunidades tradicionais, porque são eles que fazem as primeiras leis dentro dos territórios. Aqui em Brasília, são feitas leis de âmbito nacional. Precisamos ter uma boa escolha, porque todos os projetos que vemos dentro dos Municípios são contra a pesca artesanal, o desenvolvimento da pesca artesanal.
Como a companheira falou, segundo o IBGE, nós botamos 70% da alimentação saudável na boca dos brasileiros. E isso é porque, hoje, o brasileiro, conforme a pesquisa, só come 9 quilos de peixe por ano. Já pensou? Ele só come 9 quilos de peixe por ano! Se os brasileiros comessem mais peixe, quanto peixe a mais nós não estaríamos botando na mesa de todos eles?
Temos que pensar numa alimentação saudável e em tudo isso que vem da pesca artesanal. É como a companheira falou: a pesca industrial vem da piscicultura e da carcinicultura, que estão destruindo os manguezais. O Rio Grande do Norte abriu, agora, vários viveiros de criação de camarão que estavam desativados e abriu vários postos de petróleo que estavam também fechados. Nós também somos contra esses postos de petróleo. Venderam a Refinaria Clara Camarão para a empresa 3R, que reativou os postos que estavam fechados — e vai abrir mais: parece que tem já mais 18 plantas para abrir.
Quero também aqui falar, Deputado e demais presentes, sobre o impacto referente à energia offshore, que dizem que é uma energia sustentável e renovável para as comunidades tradicionais. Quando chegam lá, falam desse dilema das mudanças climáticas, mas, infelizmente, essa energia representa destruição e morte dentro dos territórios pesqueiros. Por quê? Primeiro, começaram a fazer as estruturas de geração dessa energia em cima das dunas. É nas dunas que se armazena toda a água potável da chuva, que se acumula e depois vai para as lagoas. Quando o sol esquenta, ela vai para as lagoas. Com as lagoas cheias, ocorre a reprodução dos peixes, e o pessoal continua tendo aquela água constante. Depois que instalaram isso, as lagoas foram secando, foi sumindo a água. Eles cavam um negócio de concreto maior que isto aqui, um buraco de não sei quantos metros, e ali a água não tem como se acumular. Ficamos preocupados porque, só no meu Estado, 79 plataformas de energia offshore já estão praticamente licenciadas e poderão ser instaladas no mar, em cima dos corais de baixa profundidade, que ficam a uma distância de 5 milhas, onde está todo o berçário da nossa pesca. Como é que vamos sobreviver a isso?
14:43
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Então, essa energia não serve para nós. Essa é a grande realidade. Não somos contra a transição energética, mas nós precisamos de uma transição energética que escute as comunidades, que respeite a OIT 169, que nos escute (palmas), que faça uma consulta prévia e livre com as comunidades. Depois vamos para um plano energético sustentável e saudável, que não tenha vindo para nos matar.
Era isso que eu tinha para dizer. Muito obrigado a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Obrigado, amigo Erivan, pelas suas palavras aqui na Comissão. Sem dúvida, o que o senhor vive e passa é também o que milhares de brasileiros pescadores estão passando. Essas preocupações com relação à aposentadoria e à indenização precisam ser tratadas no âmbito do Parlamento, inclusive com discussões de estratégias por parte da Comissão de Meio Ambiente e da Comissão dos Povos Originários, para que possamos não só avançar nos bons projetos, como o citado pela Joana, o PL 131, que defende os territórios pesqueiros, mas também buscar a devida indenização às pessoas que sofreram com o derramamento de óleos nas praias e que não tiveram respostas.
Queríamos saudar os estudantes do Colégio São Domingos, que estão aqui conosco. Peço uma salva de palmas para essa garotada que está aqui nos corredores. (Palmas.)
Também temos a presença do Deputado Dorinaldo Malafaia aqui conosco.
Agradeço ao Deputado Dorinaldo e à Deputada Carol Dartora, que estão presentes, e ao Deputado João Daniel, que mandou representantes para acompanharem esta audiência pública — muito obrigado. (Palmas.)
Dando continuidade à audiência, ouviremos agora a fala de duas companheiras que estão dividindo o tempo, mas que terão um acréscimo nesse tempo, conforme combinado com esta Presidência, e, por fim, a fala da representante do Greenpeace, a Dra. Gabriela, que irá fazer uma breve apresentação.
Eu queria agora convidar a usar da palavra Andréa Rocha do Espírito Santo, Secretária de Território e Meio Ambiente do Conselho Pastoral dos Pescadores.
A SRA. ANDRÉA ROCHA DO ESPÍRITO SANTO - Uma boa tarde a todas as pessoas.
Eu sou Andréa Rocha do Espírito Santo, do Conselho Pastoral das Pescadoras e dos Pescadores.
Quero iniciar dizendo que é muito bom estar aqui junto com os pescadores e as pescadoras artesanais, com organizações como o Conselho Pastoral dos Pescadores — CPP, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais — MPP e a Articulação Nacional das Pescadoras. É muito bom termos conquistado este espaço.
14:47
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Eu queria agradecer ao GT-Mar essa possibilidade que vimos construindo e ao GT de Racismo Ambiental essa aproximação.
Deputada Carol Dartora, queremos apresentar a situação de racismo ambiental a que as comunidades tradicionais pesqueiras estão submetidas em todo o território nacional. A aproximação com esse GT é muito importante e relevante para a superação do processo de racismo e de violação de direitos que temos vivenciado nesses territórios.
Passaram-se 5 anos do crime do petróleo, e estamos aqui, na Casa do Povo, exigindo — o verbo é "exigir" mesmo — e reivindicando o acesso à justiça, o direito dos povos, o direito dos territórios, o direito ao meio ambiente e o direito do meio ambiente, o direito dos territórios e do ecossistema.
É inacreditável — parece até piada — que, 5 anos depois, não tenhamos uma resposta efetiva e nenhuma perspectiva de mitigação e de reparação para os povos atingidos. Esse foi um crime de grande dimensão, o maior desastre ambiental na sua proporção. Estamos aqui hoje, 5 anos depois, e ficamos bestas diante da situação.
Ainda no início da minha fala, eu queria saudar todas as pessoas, a Mesa, o Deputado, a Kátia Cunha, o Erivan, a D. Isabel, a mestra Joana, a quem eu queria pedir a bênção. Joana é uma das mulheres fundadoras e criadoras da Articulação Nacional das Pescadoras, militante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais. Ela tem feito história, é uma mulher que participou da Constituinte da Pesca.
Ontem, fazíamos uma jornada pela maioria dos gabinetes desta Casa, convidando os Deputados para estarem presentes aqui hoje e ouvirem a situação dos pescadores diante desse crime ambiental. Gostamos de demarcar que isso foi um crime, e esse crime tem, até hoje, suas consequências, ele não passou. Ouvi as pessoas usando, em suas falas, verbos no passado: "foi", "era". Não. Esse crime está presente, vive impregnado na vida dos povos das águas, mulheres, homens, crianças, jovens. D. Joana caminhava conosco com muita limitação. Em alguns lugares, pedíamos um lugar para ela sentar. Diante disso, queríamos fazer uma reverência a essa mestra e agradecer sua presença. (Palmas.)
14:51
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E quero dizer que nós estamos aqui hoje para escutar — falta falar a D. Isabel, que é pescadora; o Erivan e a Joana já falaram — os clamores que vêm desses territórios a respeito de um crime ambiental que permanece e do racismo ambiental que está impregnado na vida de todas as comunidades tradicionais. No caso desse crime, os mais impactados foram os pescadores e pescadoras artesanais. Os danos, os impactos e o sofrimento do ano de 2019 permanecem.
Nós viemos cobrar — a palavra é "cobrar" —, exigir dos poderes públicos resposta urgente e efetiva. E retomo a fala dos pescadores, que dizem: "Não queremos papel, não queremos promessas, não queremos propostas; nós queremos efetivação". São 5 anos de esquecimento, de negação, de racismo, de invisibilidade. Já basta. A nossa perspectiva nesta jornada...
Essas pessoas, pescadores e pescadoras, estão aqui desde domingo. Saíram de seus territórios. Ontem foi um dia de jornada, eu já disse, e sentimos falta dos Deputados desta Casa. Nós nos dividimos em três comissões, passamos a tarde indo de gabinete em gabinete, batendo às portas, e parece que esse clamor não foi ouvido. O que é que está faltando? O que é que está faltando para essas vozes serem ouvidas, para essas pessoas serem vistas nesse processo de violação de direitos? Eu queria deixar o registro de que sentimos falta dos Deputados. Nós temos proposta concreta para ser efetivada em relação ao desastre. Por isso é que estamos aqui.
Desde o início, desde o primeiro momento, os guardiões e guardiães do território pesqueiro foram os primeiros a chegar à praia, a ver e coletar o petróleo. No desespero, na agonia, sem entenderem direito, sem informação, colocaram lá seus corpos, que foram contaminados pelo petróleo. Mas aquele é o seu lugar. O território é a sua vida, e eles precisavam defendê-lo. Desde o primeiro momento, estamos lutando por justiça. Fizemos denúncias em vários espaços.
Sou agente do CPP, sou do Recôncavo da Bahia e, neste período, estou numa função nacional do CPP. Não há uma reunião de pescadores e pescadoras artesanais, um evento, um seminário, um debate, uma roda de conversa de que participemos em que não se aborde essa questão dos impactos do crime do petróleo. Esse tema é muito recorrente. Então, não têm faltado denúncia, clamor. O que tem faltado é que a política pública aconteça.
Como eu disse, nós viemos demandar, exigir. E, nesse processo da organização com os pescadores, as pescadoras e as organizações que estão articuladas na Campanha Mar de Luta, nós passamos um tempo construindo um documento, que vamos apresentar, e pensando as pautas. Na verdade, essas pautas não são novas.
14:55
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Ano passado, na semana do primeiro registro do crime, que foi no dia 30 de agosto, nós estivemos em Brasília com uma comitiva e participamos de reuniões com vários órgãos: a Defensoria Pública, a 6ª Câmara do Ministério Público Federal, o GT-Mar, do qual participa o Deputado Túlio Gadêlha, a Secretaria da Presidência e o Ministério da Pesca. Foi por isso que nós propusemos a vinda também de vocês do Ministério da Pesca e da Secretaria da Presidência. No dia 30 de agosto, um dia simbólico, nós fomos ao Palácio do Planalto, numa comissão com essas organizações, com o movimento, com a Secretaria da Pesca Artesanal e a Secretaria da Presidência, e lá fizemos um compromisso. Desse compromisso, fizemos a nossa parte — e nós estamos aqui, neste processo de resistência —, mas, na Secretaria da Presidência e no Ministério da Pesca, ele não andou. Nós vimos as propostas e as apresentações, mas, na nossa percepção, o que foi demandado, que está sistematizado no documento, não caminhou em nenhuma reunião.
Diante dessa barbárie, desse massacre que é o crime do petróleo, a proposta das comunidades pesqueiras é a criação de um grupo de trabalho com todos os Ministérios que têm a ver com essa questão das comunidades tradicionais pesqueiras — eles estão citados lá no documento —, entre eles o Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente. E a nossa expectativa com relação ao Ministério do Meio Ambiente não é que venha a pessoa responsável pelas emergências ambientais, o que é fundamental e foi necessário em 2019, mas a resposta não foi efetiva e não foi rápida. Se ela tivesse sido efetiva e rápida, o petróleo não tinha se espalhado do jeito que se espalhou. Esse é um dado que o Ministério precisa reconhecer. E o que nós estamos propondo ao Ministério é a recuperação do território, das espécies, do ecossistema, que os pescadores têm relatado não existirem mais. E isso, acumulado a outras situações, inviabiliza a vida nos territórios.
Então, queremos discutir este assunto nesse grupo de trabalho com o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Saúde, o Ministério do Desenvolvimento Social, o Ministério da Igualdade Racial, o Ministério das Mulheres, o Ministério dos Direitos Humanos — temos o nome de todos os Ministérios aqui — e outros.
Amanhã, nós temos uma agenda com o Governo. Esperamos que isso seja reforçado, que saiamos de lá com uma resposta concreta e que se diga: "Daqui a 1 mês, ou daqui a 15 dias, que é melhor, pois o tema é urgente, vocês voltem aqui para participar". Não abrimos mão de participar. Não adianta fazer essas propostas, pensar projetos, sem a participação do povo, das comunidades dos atingidos. Do Legislativo nós exigimos o resultado das CPIs. Foram realizadas duas CPIs nesta Casa, ou melhor, a CPI do Óleo e a Comissão Externa. Queremos essa resposta, precisamos dessa resposta, desses dados. Esse documento é importante, porque a CPI foi encerrada sem resultados. Foi encerrada pela articulação do lobby do petróleo, que tem muita influência. Então, queremos resposta, que é um passo importante.
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Também esperamos que, daqui a 15 dias ou mais, nós recebamos um ofício nos convidando para participar desse processo de apresentação das informações da CPI. E, quem sabe, haverá a reabertura dessa CPI, para atualizar a situação de ameaça e de conflito que as comunidades vivem. Eu já falei e queria repetir: esse crime não passou, ele está impregnado, ameaçando e inviabilizando a vida nos territórios, das mulheres e das juventudes, que têm que migrar para outras atividades porque não há mais pescado. O manguezal, as coroas, os estuários, os territórios pesqueiros ainda sofrem os impactos disso.
Quanto ao Judiciário, nós queremos demandar somente que ele dê a resposta em relação ao inquérito. Quem foi que realizou isso? Há um processo, há um inquérito que está em andamento. Nós estamos há 5 anos sem ter essa resposta. Queremos que se responsabilize também quem praticou isso. Joana já antecipou: um crime dessa proporção, se não tem responsabilização, abre precedentes para todo mundo sair queimando mata, derramando petróleo e cometendo outros crimes ambientais. Isso também é importante e tem que ser referência. Então, nós exigimos também conhecer o responsável e vê-lo ser penalizado.
A perspectiva de reparação é coletiva e integral. O que foi impactado foi o território, o modo de vida. Então, a reparação tem que ser feita nessa perspectiva.
Com isso, queremos fazer referência também ao Ministério da Pesca, que tem grande responsabilidade com os pescadores e pescadoras artesanais. Erivan falou do acesso ao auxílio pecuniário. O Ministério da Pesca não quer ou é incapaz de fazer o registro geral dos pescadores e pescadoras artesanais. (Palmas.)
Na hora em que aconteceu o crime, os pescadores não tiveram acesso ao auxílio pecuniário porque não tinham o documento que é da responsabilidade do Ministério emitir, mas que ele não emite. Isso foi uma dupla violação. O RGP dos pescadores e das pescadoras precisa ser resolvido, e é pelo território. Há pescador que não quer fazer RGP. E existem outras formas. Nós queremos propor outra forma de reconhecimento para a reparação desse crime, com a participação do povo.
15:03
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Para finalizar, porque nós concordamos em dividir a fala com D. Isabel, queremos demarcar novamente nosso repúdio à PEC da privatização dos territórios pesqueiros, dos terrenos de marinha. (Palmas.)
Queremos repudiar o projeto que está em curso na Casa vizinha, no Senado, que trata da regularização das eólicas offshore. Temos perspectiva da construção de uma transição energética, e não transação energética. Eu ouvi isso dos pescadores do Nordeste esses dias. É assim que eles estão chamando. É uma transação financeira o que estão querendo fazer. O interesse é lucro. Então, nós repudiamos isso também.
Além disso, afirmamos a importância — e queremos o compromisso de todos que estão aqui nos ouvindo, da Casa — da aprovação do PL 131, que trata da proteção e regularização dos territórios tradicionais pesqueiros, para contribuir com o enfrentamento às mudanças climáticas, à crise climática que estamos vendo aí. Regularizando o território, deixando na mão dos pescadores, que são guardiões e guardiãs, nós vamos ter segurança climática. O PL 131 também é importante para reparar e mitigar os impactos do crime do petróleo.
Eu queria encerrar, agradecer por essa possibilidade e dizer que nós estamos aqui e vamos continuar nesse processo, nessa fileira, nessa luta, até que isso seja reparado ou resolvido, se é que um crime dessa proporção pode ser resolvido.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Nós agradecemos à companheira Andréa Rocha pela sua fala, que traz a sua força e a sua indignação com a falta de respostas. Eu fiz questão de ouvi-la bem além do tempo combinado, porque precisamos mesmo ouvi-la e precisamos mesmo de respostas por parte deste Parlamento e do Poder Executivo.
Mas eu também gostaria de lembrar que existia uma outra composição no Governo Federal de pessoas que eram negacionistas, que não davam condições para os servidores executarem seu papel. E eu digo isso compreendendo a estrutura do Ministério da Pesca e do Ministério do Meio Ambiente. Muitas vezes, esses servidores nem sequer tinham diárias para poder acompanhar o que acontecia nos seus territórios.
15:07
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Portanto, queria fazer uma saudação a ele que chegou, que está aqui conosco, o Deputado Airton Faleiro, e dizer aos pescadores e pescadoras que, aqui dentro, dentro deste Parlamento, nós quatro, junto com a Deputada Carol Dartora e o meu amigo Dorinaldo Malafaia, travamos muitas batalhas, mas, infelizmente, somos a minoria para fazer bons projetos avançarem. Infelizmente, é uma pequena parte dos Parlamentares que abre as portas para movimentos sociais, para tentar construir projetos de leis junto com eles, com escuta. Grande parte dos Parlamentares é eleita por estruturas financeiras e vêm para cá representar esses interesses. Então, eu acho importante sempre frisar e diferenciar Parlamentares como o companheiro Dorinaldo Malafaia, como a companheira Carol Dartora, como o companheiro Airton Faleiro, como o companheiro João Daniel, que estão tentando construir esse movimento de reparação, de preservação do meio ambiente e de fortalecimento dessa consciência, dessa consciência ambiental e dessa consciência de luta por dias melhores para essas pessoas que vivem do ecossistema marinho, do meio ambiente. Nós iremos sempre abrir a palavra para vocês e construir bons projetos, por um país melhor, menos desigual e mais justo.
Antes de passar a palavra para a querida companheira Isabel Chagas, da CONFREM — Comissão Nacional para o Fortalecimento das Reservas Extrativistas e dos Povos Extrativistas Costeiros Marinhos, lembro que há mais uma fala, a de Gabriela, e depois abriremos a palavra para os Parlamentares e para representantes de entidades convidadas.
O SR. AIRTON FALEIRO (Bloco/PT - PA) - Presidente, V.Exa. me concede só 1 minutinho, para eu me justificar?
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - É claro, Deputado.
O SR. AIRTON FALEIRO (Bloco/PT - PA) - Vejam: a nossa dinâmica aqui é maluca. Hoje está na pauta, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o projeto sobre a anistia ou não dos invasores do Congresso Nacional, do pessoal golpista que atacou os Três Poderes. Havia a previsão de não ser atingido o quórum, e acabou sendo atingido o quórum. Eu sou da Comissão. Então, peço a compreensão de vocês porque tenho que ir para lá, porque o jogo lá está pesado. Mas vocês já visitaram o meu gabinete, e nós já nos conhecemos. Como diz o ditado, estamos juntos!
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Muito obrigado, Deputado Airton.
Passo a palavra à Sra. Isabel Chagas.
Por favor, pode fazer uso da palavra.
Sem anistia para os golpistas, Deputado Airton! Vamos lá!
A SRA. ISABEL CRISTINA CHAGAS - Boa tarde a todos e a todas.
Sou Isabel Cristina Chagas. Sou de Alagoas. Estou aqui representando a CONFREM, que é uma comissão dos povos e comunidades tradicionais. Sou pescadora da minha comunidade, Barra do Camaragibe, em Alagoas, e, em nome das mulheres que foram queimadas pelo petróleo, contaminadas, eu venho a esta Casa pedir que as pessoas reparem melhor no que aconteceu conosco. Não estamos aqui pedindo auxílio. Não. Estamos pedindo reparação, por tudo o que nos foi causado. Isso é o que faz com que estejamos aqui fazendo este movimento.
Temos o apoio das instituições aqui presentes: a Oceana, a Arayara. Elas nos dão apoio e estão aqui batalhando conosco. O Conselho Pastoral dos Pescadores — CPP nos trouxe até aqui.
Precisamos deste momento para esclarecer que não foi por falta de compreensão nossa que recebemos aquele petróleo. Nós não sabíamos com o que estávamos lidando e estamos contaminadas, estamos com sequelas, com queimaduras. Precisamos dessa reparação.
Falou bem o senhor do IBAMA. Ele mostrou as praias contaminadas, mas ele mostrou também quem estava lá tirando o petróleo, que éramos nós mulheres, crianças, pessoas da comunidade, pessoas que estavam ali sem saber de onde veio aquele petróleo.
Precisamos de uma resposta, precisamos de uma concretização do que aconteceu.
15:11
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Sabemos que, se navio fica passando para lá e para cá, vai derramar petróleo novamente. Cadê as barreiras de contenção? Cadê os EPIs adequados, para as mulheres não se contaminarem mais? O nosso território pesqueiro, é lá onde a gente vive e é de lá que a gente tira o nosso sustento. Precisamos defender aquilo ali. É de lá que tiramos o nosso alimento para botar a nossa refeição na mesa. Se vendemos o maçunim, levamos para dentro de casa o arroz, levamos o feijão, levamos a farinha. Não vivemos só do maçunim, não comemos maçunim puro, precisamos do café, precisamos do açúcar. Não produzimos açúcar. Precisamos do fardamento para colocar na criança para ela ir à escola. Precisamos do material didático adequado para os nossos filhos. Eu estudo. Como estudo na minha casa, eu preciso de Internet, mas na minha cidade não tem. Precisamos de tanta coisa. Mas base de petróleo instalada na nossa comunidade existe. Lá não temos Internet, mas temos base de petróleo. Fizeram perfuração lá, colocaram sonda e estão aí oferecendo blocos de petróleo. Mas do que precisamos? Eu preciso estudar, preciso que meus filhos estudem, preciso que meus netos estudem. Não preciso de bloco de petróleo instalado que acaba com o meu manguezal. Preciso de reparação, não só eu como também 15 mil mulheres no Estado de Alagoas e Pernambuco. Sou da APA Costa dos Corais. É preciso que reparem esses danos que nos atingiram.
Hoje somos poucas representantes aqui, mas existem 15 milhões de pessoas nesses nove Estados que pescam e mais 2 milhões no Sudeste. São pessoas que vivem da pesca artesanal. Essa nossa voz não pode se calar. São 5 anos de não reparação, de não comprometimento com o povo que vive ali, de não comprometimento com o povo pescador artesanal que existe no nosso Brasil. É de lá que vem o sustento para todas as mesas do Nordeste.
O pessoal sai daqui para fazer turismo lá. O turismo se recompôs. O turismo, com as piscinas naturais, se recompôs, mas a gente não se recompôs ainda. Os nossos mariscos desapareceram das nossas praias. Não temos alimentação adequada. Muitos ficaram com as finanças prejudicadas, com a saúde comprometida. Muitos estão doentes psicologicamente. Eu mesma não mergulho mais na água como eu mergulhava antes. Tenho consciência. Tenho medo do petróleo. Até ali, nos bancos de corais, existem resquícios de petróleo. Chegam às nossas praias direto. Os corais estão com craca agarrada. Por quê? Eles ficam muito tempo debaixo d'água, nas fortes marés, de março e de agosto.
Eu também sou doutora da pesca. Tenho 50 anos de pesca, sou doutora. (Palmas.) Somos visitadas por pessoas da universidade que querem saber como é a pesca. Para eles se formarem, elas passam por nós. Nós é que levamos esses alunos ao nosso manguezal para mostrar como funciona uma comunidade tradicional, como é a pesca artesanal. Eu sei onde se encontra um pesqueiro. Eu sei o meu pesqueiro. Eu sei onde o peixe dorme, mesmo sem ver o peixe. Eu sei onde está o siri enterrado. Eu conheço a minha comunidade. Existem pessoas formadas na pesca, engenheiros de pesca, e tudo isso passa por nós. Eu e Joaninha somos representantes aqui. (Palmas.) Existem pessoas formadas na pesca. Eu sou cientista da pesca, conheço muito bem a minha maré. Eu sei quando é maré alta. Eu sei qual é a melhor lua. Eu sei qual é a melhor maneira de pescar. Eu não preciso que ninguém me ensine. Eu aprendi com o tempo e com a vida.
Muito obrigada por esta Casa me receber. (Palmas.) (Manifestação na plateia: Essa luta é nossa, essa luta é do povo! É só lutando que se faz um Brasil novo!)
15:15
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O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Pessoal, eu gostaria de pedir que déssemos continuidade à audiência. No final, faremos uma cantoria forte para reforçar a luta.
A SRA. ISABEL CRISTINA CHAGAS - Gostaríamos de entregar um documento.
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Será entregue ao final. Vamos ouvir agora os outros convidados.
Eu queria agradecer muito a fala à companheira Isabel, a Dra. Isabel Chagas, doutora da pesca, do mar, dos oceanos, e dizer que nós nos somamos a essa luta dos manguezais, nós nos somamos a essa luta encontrando bons Parlamentares para podermos levantar esta pauta.
Eu tenho certeza, gente, de que, se tivermos aqui algumas poucas dezenas de Parlamentares comprometidos com essa causa, conseguiremos avançar com os bons projetos, conseguiremos a sensibilidade do Governo para que possamos reparar, se é que é possível reparar, os danos causados por esse derramamento de petróleo nas nossas praias, os danos causados às famílias desses pescadores que alimentam o Brasil.
Queria ouvir agora a Dra. Gabriela Nepomuceno, outra doutora que está aqui conosco, representando o Greenpeace. Ela vai falar um pouco sobre o estudo que foi realizado.
Muito obrigado.
A SRA. GABRIELA NEPOMUCENO - Boa tarde a todos, todas e todes.
Em primeiro lugar, eu peço licença para falar às comunidades pesqueiras que estão aqui, às mulheres pescadoras e aos pescadores, e agradeço ao Deputado Túlio Gadêlha pela oportunidade e por ter permitido a fala também aos que estão aqui acompanhando a audiência.
Em nome do Greenpeace, organização que esteve presente lá há 5 anos, mobilizando recursos financeiros e humanos para tentar conter aquele desastre horroroso, eu gostaria de reiterar as falas sobre a necessidade de responsabilização dos causadores do desastre e também a necessidade de construção de políticas de reparação à população e à biodiversidade que foram atingidas.
Como parte da solução desse problema do petróleo, defendemos a urgência da implementação de uma política de transição energética que tenha objetivos e metas claras, assim como um orçamento predefinido que seja efetivamente executado, que esteja disponível. E que seja também uma transição justa, que inclua a escuta e a consulta à população nos territórios e que aponte para o abandono progressivo das fontes fósseis de energia.
Nesse sentido, eu gostaria depois de compartilhar com vocês o estudo que o Greenpeace realizou e publicou em março, em que alertamos para os impactos que a exploração de petróleo na foz do Amazonas pode trazer, principalmente para as comunidades e as populações indígenas daquela região. O estudo também aponta alternativas de desenvolvimento sustentável a partir dos saberes e das tecnologias que as próprias comunidades já possuem, chamando a atenção para o fato de que essas formas de economia popular precisam de incentivo do Estado. Disso depende o desenvolvimento de uma economia de fato sustentável.
Gostaria também de aproveitar a ocasião para externar nossa preocupação com o pacto de transição que foi feito entre os três Poderes, porque, apesar de ser um pacto político e estratégico importante, ele também possui contradições não menos relevantes.
15:19
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Estou falando, por exemplo, de projetos sobre as eólicas citadas aqui. Esses projetos tramitam no Congresso Nacional com jabutis, com incentivos ao gás e ao carvão, o que mostra que esses projetos não propõem uma transição real.
Gostaria de finalizar, já que a minha fala é bem pontual e rápida, dizendo que, para a solução desse tipo de problema e para a elaboração de políticas públicas, é imprescindível a participação social. No entanto, não me refiro a qualquer tipo de participação social, mas sim a uma participação social qualificada, capaz de escutar as populações impactadas nos e dos territórios, as quais, repito, possuem sua sabedoria, suas tecnologias e, muitas vezes, têm mapeadas as soluções para os problemas que vivenciam nos territórios.
Gostaria de colocar a nossa organização à disposição para se somar à luta de vocês.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Obrigado, Gabriela.
Agradeço ao Greenpeace a participação nesta audiência pública.
Agora, eu queria convidar a Dra. Renata Prata, do Instituto Arayara, para fazer uso da palavra.
A SRA. RENATA PRATA - Boa tarde.
Inicialmente, cumprimento o Deputado Túlio Gadêlha e também todos os outros membros da Mesa, na pessoa da D. Joana, a quem faço toda a reverência e peço benção.
O Instituto Arayara, como organização de sociedade civil, traz aqui uma série de demandas na forma de encaminhamentos, entendendo, como bem dito aqui, que este é um aumento de cobrança, não de mera apresentação de dados.
A primeira demanda é a retomada do GT de acompanhamento das consequências desse derramamento trágico de petróleo. Dessa forma, será possível evidenciar os impactos e assegurar a compensação dos pescadores, havendo, assim, a prestação de contas sazonais e a realização de audiências públicas para encaminhamentos.
A segunda demanda é, finalmente, a responsabilização dos culpados por esse derramamento de petróleo.
A terceira demanda é a implementação de políticas públicas, a efetivação das normas internacionais já adotadas pelo Brasil e a assinatura e ratificação da CLC 92.
É importante ressaltar que, se o Estado brasileiro tivesse, lá atrás, adotado a CLC 92 — como o próprio nome revela, essa convenção é de 1992 —, teria tido acesso ao fundo internacional para a compensação, coisa que não aconteceu de 2019 para cá, justamente pelo fato de o Brasil não ter assinado a convenção.
A quarta demanda é a adoção de planejamento espacial marinho integrado às manifestações conjuntas entre o Ministério de Minas e Energia e o Ministério do Meio Ambiente.
O Monitor Oceano, elaborado pelo Arayara — o panfleto de divulgação está sendo distribuído aqui por nós — foi recentemente lançado e mapeia os blocos exploratórios de petróleo e gás e as sobreposições a áreas sensíveis, do ponto de vista socioambiental.
Hoje, 19% da área do PAN Corais têm sobreposição de blocos exploratórios. O endereço do Monitor Oceano é monitoroceano.org. Os parceiros no lançamento do monitor e na elaboração estão aqui presentes: a CONFREM, o CPP e o Painel Mar.
15:23
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Nossa quinta demanda é que os Ministérios e o Congresso definam normas para assegurar a aplicação efetiva da Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho — OIT, para que assim tenhamos, de fato, consulta livre e prévia informada às comunidades. Dessa forma, as empresas precisam reconhecer e utilizar os protocolos de consultas comunitárias apresentados para as comunidades, isto é, precisam dotar de efetividade a norma à qual o Estado brasileiro já é vinculado.
Nossa última demanda é que sejam sempre incluídos em licenciamentos ambientais de petróleo e gás estudos de impactos cumulativos e sinérgicos, com uma avaliação ambiental de área sedimentar — AAS nas áreas mais sensíveis do litoral.
Essas demandas constam em carta assinada por mais de 140 organizações da sociedade civil. Essa carta já foi entregue em mãos ao Secretário Nacional de Transição Energética e Planejamento do Ministério de Minas e Energia. Ao final desta fala, vou entregá-la aos Deputados aqui presentes e ao Presidente da Mesa. A sociedade civil construiu esta carta e já tem acesso a ela.
Em nome do Instituto Arayara, obrigada.
Esperamos a sensibilização e o compromisso do Estado brasileiro depois desses 5 anos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Obrigado, Renata Prata, pela sua participação conosco.
Agradeço ao Arayara pela parceria que tem feito com o Parlamento brasileiro, trazendo estudos, produzindo conhecimento, mobilizando, capacitando, disponibilizando-se para fazer advocacy das boas causas. O Instituto Arayara tem ajudado bastante esta Casa e os Parlamentares a fazerem o bom debate com ciência e com dados. Muito obrigado, Renata.
Antes de chamar os Parlamentares, eu queria convidar para fazer uso da palavra por 3 minutos o Humberto Almeida, da Articulação Caiçara de São Sebastião, que está presente conosco nesta audiência pública.
O SR. HUMBERTO ALMEIDA - Queria saudar a Mesa e todos os presentes.
Eu só queria lembrar que o crime do petróleo não terminou, não cessou ainda. Como as comunidades que já foram mencionadas, eu sou de São Sebastião, no litoral paulista. Lá, desde 1970, temos derramamentos. Tivemos dois grandes derramamentos no Canal de São Sebastião. Hoje nós temos lá o ship-to-ship. Em toda operação, vaza óleo no mar, só que isso não é mencionado, mesmo porque esse tipo de operação é feita à noite.
Já estamos entrando na Etapa 4 do pré-sal, sendo que nem na primeira etapa a minha comunidade, a Comunidade do Araçá, ao lado do Porto de São Sebastião, foi assistida com compensações e mitigações. Isso é muito grave! Ainda temos material exposto no solo, no Bairro da Topolândia, onde morreram diversas pessoas e continuam morrendo por causa desse material que está lá. Algumas pessoas foram removidas, mas outras, não. Outras ainda têm a casa em cima desse derivado.
No Bairro da Olaria foi despejado muito material nas limpezas das tubulações da Transpetro, que presta serviços para a PETROBRAS. Esse material ainda está no solo. Quando chove, é todo lavado, e essa água vai toda para o mar. Os mariscos ali são contaminados. Só que os moradores, infelizmente, têm que comer. Eles dependem daquilo, não têm outro modo de vida.
A especulação imobiliária está dentro da nossa área. A própria Prefeitura tentou tirar a nossa comunidade de lá recentemente. Somos nós quem brigamos, quem mais cuidamos do mangue. Nós somos pescadores, mas temos como função também cuidar da área. Nós fazemos mudas e as replantamos. Quando começamos a denunciar, é mais fácil nos retirar do nosso local do que nos deixar ali. Eu acho que é isso o que eles pensam.
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Gostaríamos que alguém realmente fosse lá, que órgãos de meio ambiente fossem lá obrigar a retirada desse material do solo, porque a nossa vida está ali. Nós vimos aqui cobrar. Queremos que eles façam o que deveriam ter feito e até agora não fizeram. Sentimos a dor de todos aqui, porque nós também vivemos isso, frequentemente.
Só posso dizer de novo que isso não terminou, que os órgãos públicos prestem mais um pouco de atenção. Na verdade, os fiscais são os moradores das comunidades. São eles que denunciam. Só que a denúncia parece nunca chegar à ponta. Parece que eles fazem de tudo para não mostrar o problema, porque é mais fácil vender o petróleo do que zelar por aquela comunidade que está cuidando daquele local.
É isso. Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Obrigado, Humberto, pela sua participação conosco também na Comissão.
Eu queria agora agradecer aos Parlamentares presentes que aguardaram as falas dos convidados e dos representantes das entidades que estão conosco. Lembro que o Parlamentar teria direito, pelo Regimento da Casa, a fazer uso da palavra no momento que fosse oportuno e que ele quisesse, mas ambos os Parlamentares aguardaram para poderem ter mais elementos e complementarem as suas falas aqui. Assim, eu queria agradecer à Deputada Carol Dartora e também ao Deputado Dorinaldo Malafaia.
Passo a palavra à Deputada Carol Dartora.
A SRA. CAROL DARTORA (Bloco/PT - PR) - Muito obrigada. Boa tarde a todas, boa tarde a todos.
Quero começar cumprimentando todas as pessoas. Faço um cumprimento especial ao Deputado Túlio Gadêlha, que preside esta audiência e que, juntamente comigo, apresentou o requerimento para que pudéssemos ter esta audiência conjunta da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais. O Deputado Túlio representa o GT-Mar e eu represento o GT de Racismo Ambiental, da Frente Parlamentar Ambientalista.
Quero também cumprimentar os que me antecederam por todas as falas brilhantes, maravilhosas. Cumprimento a Kátia Cristina, a Carolina Mota, o Marcelo Neiva de Amorim, o Paulo Gilvane, a Joana Mousinho e os demais presentes. Se faltou eu mencionar algum convidado, peço desculpas.
A maior parte dos elementos mais importantes para serem discutidos aqui já foram trazidos, mas quero reforçar alguns, como, por exemplo, pensar que, 5 anos após esse derramamento de petróleo, as praias e os manguezais ainda sofrem, mas não são apenas os ecossistemas que foram afetados, é importante que se diga isso. As comunidades costeiras continuam à mercê dessas consequências, e isso fala sobre o racismo ambiental, que acontece quando os impactos da degradação ambiental recaem desproporcionalmente sobre os grupos vulneráveis historicamente excluídos, como as populações negras, indígenas e pobres. É isso o que vemos acontecer e foi isso o que aconteceu a partir desse crime. Mais uma vez, as populações que historicamente estão à mercê dos acontecimentos não foram incluídas efetivamente na sociedade brasileira.
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Precisamos pensar que tivemos uma abolição inacabada, que a população negra deu toda a sua força de trabalho e não teve ressarcimento disso, que a população indígena teve seu território invadido e ainda luta pelo direito a ele efetivamente. Mais uma vez, essas populações estão sendo revitimizadas. Trata-se de populações que não foram ressarcidas historicamente e que, mais uma vez, nessa situação de crime, ficaram sem ressarcimento. Essas desigualdades vão se multiplicando, vão se acumulando. Isso fala do racismo ambiental, isso fala dessa estrutura racista que sempre nos coloca na base para suportar os impactos mais pesados. Pescadores e pescadoras artesanais que garantem o sustento de tantas famílias não foram ressarcidos. O que podemos perceber é que também não houve ações concretas de reparação para essas pessoas, e algumas seguem abandonadas.
Esse acidente não é um caso isolado, é um reflexo desse sistema que coloca as vidas negras em segundo plano e que marginaliza aqueles que dependem diretamente da natureza para viver. Esse é o aspecto mais cruel, porque quem na humanidade não depende diretamente da natureza para sobreviver?
O racismo ambiental acontece quando a devastação do meio ambiente perpetua as desigualdades sociais e raciais.
Para mudar esse cenário, é urgente que chamemos o Governo, o que estamos fazendo aqui, e discutamos as soluções através dos dados, das pesquisas, da vivência, da experiência de cada uma e de cada um dos atingidos. Que os responsáveis assumam as suas culpas e garantam o ressarcimento justo. Justiça ambiental só existe quando há justiça social.
Contem comigo nessa luta. O meu mandato está à disposição. Estamos aqui, junto com a Frente Parlamentar Ambientalista para fazer todos os esforços.
Quero lembrar também que, há 5 anos, não houve medidas realmente contundentes para mitigar esse crime, porque estávamos num Governo extremamente contrário a nós. Quem estava à frente do Ministério do Meio Ambiente, na verdade, foi um dos maiores destruidores da natureza da nossa história. Então, que possamos minimamente agora pensar que o tempo não volta atrás, que o petróleo foi derramado, mas que temos que garantir justiça para as comunidades afetadas.
Coloco só mais uma coisa muito triste. Quero aproveitar este espaço em que estamos falando de meio ambiente, de preservação, de natureza, de racismo ambiental para dizer que a minha cidade está sob fumaça. A minha cidade é mais uma que está sendo vítima das queimadas. A minha cidade bateu recorde de insalubridade e poluição do ar e, neste exato momento, há inúmeras pessoas com problemas respiratórios, com muitas dificuldades, por causa de mais um crime.
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A questão do meio ambiente, que era vista como uma pauta menos urgente, menos importante, cada vez mais demonstra ser a questão de todos os momentos, a questão da história.
É isso. Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Obrigado, Deputada Carol. Obrigado pela voz altiva, pela força e pela firmeza de sempre em defesa do meio ambiente e das pessoas que vivem dele.
Agora, convido o Deputado Dorinaldo Malafaia, do PDT do Amapá, para fazer uso da palavra.
O SR. DORINALDO MALAFAIA (Bloco/PDT - AP) - Obrigado. Boa tarde a todos e a todas.
Quero agradecer o convite ao Deputado Túlio Gadêlha e parabenizá-lo, porque ele sempre traz a esta Casa temas relevantes que têm uma característica muito importante, que é ter o povo no centro do debate. Acho que esta é uma das questões fundamentais nesta Casa. Nós sentimos muito a ausência do povo nesta Casa, debatendo. Todas as falas foram neste sentido. Eu fico muito feliz quando vejo um Parlamentar como V.Exa., Presidente, que realmente tem a empatia e a humanidade necessárias para trazer aqui representantes do povo com falas profundas, com muita propriedade.
Temos aqui os filhos dos filhos, dos filhos da elite brasileira, que se perpetua nesta Casa. Aqui é um espaço que, teoricamente, é do povo, mas que, logicamente, não coloca o povo no centro das decisões e dos debates. Quando o Deputado Túlio traz para cá exatamente as comunidades para debater temas relevantes para a proteção dessas comunidades e para a correção de crimes ambientais como esse que aconteceu com todos os pescadores e todas as associações é fundamental. Então, quero parabenizar mais uma vez o Deputado Túlio.
Quero também parabenizar todos os que compõem a Mesa. O Sr. Erivan Bezerra foi muito feliz na sua fala, porque conseguiu trazer para nós essa conectividade. Eu sou da Amazônia e sei exatamente que hoje tudo está conectado, logicamente. Nós vivemos uma crise ambiental profunda, e vejam como atinge todos.
Vimos a Deputada Carol acabar de falar da fumaça que está atingindo a Região Centro-Oeste e a Região Sul, uma fumaça que vem, inclusive, da Amazônia. Agora estamos vivendo lá uma seca. O Presidente Lula está, inclusive, no Amazonas, tratando de uma estiagem como nunca tivemos. Ou seja, tudo mudou. Para vocês terem uma ideia, em regiões da Amazônia onde nunca vimos estiagem e seca, há peixe morrendo por falta de água. Então, são situações bastante complexas, e estamos conectados a esse problema.
Uma pergunta fundamental foi feita pela Sra. Andréa Rocha, do conselho, sobre o que está faltando, e o Deputado Túlio respondeu dizendo claramente que o que está faltando é a representatividade do povo nesta Casa. Precisamos muito que este debate se estenda e que as representações políticas do povo possam também apostar não só no processo de mobilização que há nas lutas das comunidades, mas sobretudo na eleição de representantes que sejam do povo.
É muito contraditório lutarmos muito no campo e vermos na nossa comunidade, muitas vezes, o companheiro do lado depositando sua confiança na mesma pessoa que o explora, ou seja, promovendo aquele processo todo de perpetuação de elites dentro desta Casa. Então, acho que trazer esta reflexão para nós é importante para compreendermos como fortalecemos a representatividade aqui, como bem lembrado pelo Deputado Túlio, o que nós não temos.
Aqui somos minoria. Vocês estão vendo uma Casa cheia de representantes do povo, com pouquíssimos Parlamentares que defendem esta pauta ambiental. Isso é um reflexo da crise que nós vivemos. Passamos décadas debatendo capital versus trabalho. Depois, passamos a discutir capital versus trabalho e meio ambiente. Agora, é a questão humanitária como um todo. Há uma crise profunda de representatividade aqui também.
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Eu acho que o caminho deve ser exatamente buscarmos nas comunidades um nível de organização permanente e que possamos reativar, como lideranças que somos, a motivação. Devemos orientar as pessoas na base, para entenderem que este espaço, mesmo teoricamente sendo do povo, não tem a representatividade da população brasileira, do povo raiz, do povo que está no campo, nas comunidades. Nós temos uma grande dificuldade com isso. E eu acho que isso é parte do nosso desafio.
Queria colocar o meu mandato à disposição de todos os companheiros que estão aqui compondo Mesa para essa batalha. Nós teremos um bom debate — eu recebi o material do Greenpeace —, uma boa reflexão sobre a questão da foz do Rio Amazonas, onde eu estou, um debate profundo sobre a questão do petróleo.
Logicamente, todo o processo que vivemos na Amazônia, com grandes projetos, não representou necessariamente o desenvolvimento da população local. Nós temos que reconhecer isso. A história de mais de 50 anos de exploração da Amazônia, seja na extração mineral, seja na construção de hidrelétricas, não representou desenvolvimento regional de fato.
Sempre repito que há hoje um processo de forte favelização na Amazônia, e não temos debatido isso profundamente. Haverá a COP no ano que vem, temos falado muito de indicadores sociais, mas estamos morrendo com malária. Houve 65% de aumento nos casos de malária. Há a questão dos garimpos, com o processo da crise ianomâmi que temos acompanhado. E há ainda a questão específica da favelização do povo que sai da sua área, do seu território, em razão do agronegócio, que está chegando lá também. Essas pessoas voltam para as cidades, e as cidades da Amazônia estão virando grandes favelas.
Queria mais uma vez saudar V.Exa., Deputado Túlio, meu companheiro e amigo, pela honrosa audiência, em que acolhe a população brasileira, tendo a clareza e a dimensão da importância do seu papel neste Parlamento. Parabéns! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Obrigado, Deputado Dorinaldo, amigo e colega. Também o parabenizo por sua luta e sua atuação.
É importante fazer essa reflexão sobre a transição energética, sobre as contradições que existem no Governo e aprofundar o debate sobre o cuidado com as pessoas que vivem do meio ambiente, para que elas possam se desenvolver de maneira digna, ter seus devidos reparos e indenizações, mas também discutir um futuro melhor.
Enquanto o mundo fecha usinas hidrelétricas, fecha usinas nucleares e tem abolido os combustíveis fósseis, não faz sentido continuarmos investindo nesse modal de combustível, de energia, cujo caminho parece ser o que o Parlamento aponta nos projetos discutidos e aprovados aqui.
Por isso reforço com essa mulherada, com pescadoras e pescadores, a importância de estarmos juntos nessa luta, conscientizando-nos, organizando-nos politicamente, discutindo e ocupando os espaços políticos.
O Parlamento seria diferente, eu tenho certeza, se houvesse pescadoras com mandato aqui dentro, se houvesse nele mulheres guerreiras, como D. Joana, a Dra. Joana, doutora do mar, doutora da pesca, que pudesse falar em nome dos pescadores e representá-los. Enquanto esse tempo não chega, seguimos lutando aqui.
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Para finalizar, eu gostaria de convidar a Dra. Letícia, representando o GT-Mar, para fazer uso da palavra. Depois concluiremos esta audiência pública.
Tem a palavra a Dra. Letícia.
A SRA. LETÍCIA CAMARGO - Obrigada, Deputado.
Eu cumprimento todas e todos que estão à mesa. Esta audiência foi riquíssima. Muito obrigada por tudo o que foi apresentado aqui, tão fundamental; cada exigência, cada cobrança. Eu realmente espero que os representantes do Poder Executivo que estão presentes aqui hoje realmente levem isso muito a sério a partir de agora, porque 5 anos é tempo demais. Não tem cabimento que, num Governo como este que nós temos agora, que diz se comprometer com a pauta socioambiental, continuemos sem respostas para os atingidos.
No mais, eu queria dizer que ficou muito claro aqui na fala dos representantes à mesa — o que foi ótimo, porque é importante trazer isso para o debate — a quantidade de batalhas que as comunidades pesqueiras têm que enfrentar dentro deste Congresso Nacional. Nós temos agora no Senado, como foi bem lembrado pela Andréa e pela Joana, o PL 131. O Erivan nos lembrou das eólicas offshore. Realmente, nós tivemos recentemente uma proposta de pacto de transição ecológica pelos três Poderes. E a solução apresentada pelo Legislativo veio por meio de um PL sobre mercado de carbono que não controla e não regula o agronegócio, que é o maior emissor de gás carbônico no Brasil; sobre biocombustíveis, que não são uma solução real e fiel à transição ecológica; e sobre as eólicas offshore, que, na verdade, vão impactar diretamente as comunidades tradicionais pesqueiras, que não foram consultadas. E esse projeto está sendo apresentado como uma solução ambiental, o que ele não é. Isso tem que ser denunciado.
Também se falou aqui sobre a PEC 3, que, tudo indica, vai ser votada depois das eleições. Então, nós temos que estar atentos e organizados e trabalhar para segurar isso mais uma vez. Precisamos de mais uma campanha nacional, assim como fizemos na primeira vez, para não deixar isso ser pautado. Então, é importante essa lembrança. Foi muito importante isso ter sido dito.
A ameaça constante do petróleo também foi muito bem colocada aqui. Eu acho que a organização tem que ser cada vez mais forte, para não deixar que o Governo brasileiro mais uma vez permita que isso aconteça, agora numa nova área de exploração, como vai acontecer na fronteira da Amazônia.
E queria ressaltar a importância dos encaminhamentos que foram apresentados aqui, principalmente pelo CPP, na fala da Andréa. Os encaminhamentos para o Executivo e para o Judiciário são importantes. E, para o Legislativo, fica a sugestão, Deputado, de se fazer um encaminhamento, uma solicitação para a consultoria especializada da Casa, para que ela faça um levantamento sobre quais foram os resultados tanto da CPI do derramamento de óleo no Nordeste quanto da Comissão que foi aberta aqui naquele tempo. Eu acho que cabe fazer essa solicitação via mandato, e o GT-Mar pode apoiar nesse trabalho.
Por fim, o que tínhamos que estar discutindo aqui não são as eólicas offshore como solução de transição energética, não é esse tipo de saída proposta na PEC 3 para solucionar problemas que, na verdade, têm que ter outros caminhos, e, sim, o PL 131, como foi bem apresentado aqui. Isso sim seria uma solução importantíssima. Outra solução é a Lei do Mar, que precisa ser aprovada para ontem por este Congresso Nacional. Então, que continuemos a luta. Vamos continuar juntos. Não podemos desistir, pessoal.
É isso. Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Obrigado, Letícia.
Agradeço a você a representação, nesta audiência pública, do GT-Mar da Frente Parlamentar Ambientalista.
Antes de encerrar, eu queria primeiramente agradecer a presença a todas e a todos. Foi muito importante esta audiência de quase 3 horas. Eu acho que nós temos muito material aqui, a partir das falas dos representantes das instituições, dos pescadores e das pescadoras aqui presentes. Foi algo muito importante mesmo.
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Nós recebemos aqui um pedido dos pescadores de que façamos uma entrega formal aos representantes do Governo do manifesto dos 5 anos do derramamento de petróleo nas praias. Então, eu queria convidar os representantes do Governo para virem aqui para o meu lado esquerdo e os pescadores para virem para o meu lado direito, para que possamos fazer a entrega simbólica desse manifesto. Há aqui representantes do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Ministério da Pesca, do Ministério do Meio Ambiente. Aos que puderem, eu peço que venham aqui atrás, para ficarem ao lado das pescadoras. Eu queria pedir aos representantes do Governo que se levantem também, para receberem o manifesto e para registrarmos este momento, antes de eu encerrar a audiência pública.
Agradeço aos convidados que estão conosco virtualmente. Como foram feitas várias falas e não foram feitas perguntas, nós não vemos necessidade de passar para considerações finais ou respostas. Então, vamos fazer a entrega simbólica desse documento e, depois, eu retorno à Presidência para encerrar a audiência pública. Vou me somar aqui aos representantes do Governo e aos pescadores.
(Pausa prolongada.)
O SR. PRESIDENTE (Túlio Gadêlha. Bloco/REDE - PE) - Antes de encerrar os trabalhos, agradeço aos senhores e às senhoras palestrantes as brilhantes contribuições a esta audiência pública, assim como agradeço a todas e a todos a presença.
Informo que a próxima reunião deliberativa está prevista para ocorrer logo em seguida a esta audiência.
Está encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
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