Horário | (Texto com redação final.) |
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09:37
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Antes de mais nada, peço que coloquem os celulares em modo avião ou silencioso para não atrapalhar os trabalhos.
Temos início a cerimônia de abertura do seminário Os Novos Desafios Regulatórios do Ecossistema Digital.
O evento tem promoção da Comissão de Comunicação e Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados.
O principal objetivo deste seminário é debater temas como o poder do mercado digital e suas oportunidades fiscais; o avanço dos serviços digitais sobre os serviços convencionais e modelos regulatórios pró-inovação; os cenários de conformação social no ecossistema digital; a liberdade de expressão na comunidade cristã no cenário digital; o anonimato no ecossistema digital, dentre outros assuntos importantes relacionados ao tema, incluindo as proposições legislativas para a regulamentação do tema em tramitação nas Comissões da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Informo que este seminário está sendo transmitido ao vivo pela Internet e pode ser acessado pelas páginas da Comissão de Comunicação no portal da Câmara e pelo Youtube, no canal oficial da Casa.
Convidamos para compor a sessão de abertura: Sra. Presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara dos Deputados, Deputada Nely Aquino; Sr. Presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, Carlos Baigorri; Sra. 1ª Vice-Presidente da Comissão de Comunicação, Deputada Dani Cunha; Sr. Presidente da Comissão de Comunicação, Deputado Silas Câmara.
(É entoado o Hino Nacional.)
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09:41
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Gostaria, inicialmente, de saudar aqui a Presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação, Deputada Nely Aquino; o nosso Presidente da Comissão de Comunicação, Deputado Silas Câmara; a Deputada Dani Cunha e a todos os demais Parlamentares presentes que estão neste importante seminário.
Agradeço a presença de todos os representantes da Consultoria Legislativa, aqui da Câmara dos Deputados, professores da UnB, servidores da ANATEL.
E também agradeço, na pessoa do nosso Presidente Silas Câmara, a oportunidade de estarmos aqui junto com os especialistas da Universidade de Brasília fazendo este debate que é tão fundamental para a nossa democracia e para a nossa sociedade.
A ANATEL vem se colocando à disposição do Congresso Nacional, e desta Comissão, justamente para contribuir com os debates associados aos desafios regulatórios do ambiente digital — um ambiente que cada vez está mais presente na nossa economia, na nossa sociedade, disputando mercados com a mídia tradicional —, com os serviços tradicionais, o que coloca cada vez mais em destaque esses desafios regulatórios e como o Estado brasileiro deve se reposicionar
como o Estado brasileiro deve se reposicionar em relação ao ambiente digital para fazer valer justamente os valores que estão previstos em nossa Constituição, a defesa da cidadania, da democracia, o combate ao anonimato e garantir que possamos ter uma sociedade cada vez mais justa, mais igualitária e mais saudável, livre de mentiras, livre de violência e livre de agressões no ambiente digital.
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09:45
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Agradeço, especialmente, ao nosso Presidente Silas Câmara, ao Presidente Daniel Aquino e, claro, à liderança da Deputada Dani Cunha, que foi fundamental para nos mexermos e preparamos este seminário. Espero que todos vocês que nos acompanham presencial e virtualmente aproveitem essa oportunidade, porque esse seminário foi feito com muito carinho por todos aqui envolvidos, justamente para trazer o debate e o colocarmos na pauta da sociedade.
A SRA. DANI CUNHA (Bloco/UNIÃO - RJ) - Bom dia a todos, Sr. Presidente da Comissão de Comunicação da Câmara, em nome do qual saúdo a todos os Parlamentares presentes, Deputado Silas Câmara; Sra. Presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação, também da Câmara dos Deputados, Deputada Nely Aquino; Sr. Presidente da ANATEL, Dr. Carlos Baigorri e todos os demais aqui presentes. Queria cumprimentar também os servidores da ANATEL e, em nome do Oliveira, do Eduardo e do Silvio, todos aqueles servidores da Câmara também que nos ajudaram a fazer este dia e o conjunto de seminários acontecerem.
Senhores, ao aceitar esse desafio proposto pelo nosso Presidente da Comissão, meu amigo Silas Câmara, para coordenar a realização de um amplo debate sobre o ambiente digital e os desafios para o estabelecimento de um marco regulatório eficiente para o emprego de tecnologias, plataformas e serviços digitais interligados que satisfatoriamente viessem a atender as expectativas de operadores, Governo e consumidores, propusemos a realização deste primeiro seminário, tomando por base uma série de estudos realizados pela Universidade de Brasília, instituição pela qual tenho maior apreço. Agradeço a todos os presentes que também contribuíram muito, e a ANATEL. Assim, somamos esforços para um objetivo comum.
Ressaltamos nesta iniciativa a participação efetiva da ANATEL, na pessoa do Presidente Carlos Baigorri e dos professores, técnicos e pesquisadores da Universidade de Brasília que elaboraram um estudo profundo que envolveu, entre outros pontos, os avanços civilizatórios de liberdade de expressão e informação no ecossistema digital, o poder do mercado e suas oportunidades fiscais, o avanço dos serviços digitais sobre os serviços convencionais e modelos regulatórios pró-inovação. E acrescentamos a influência das mídias digitais na comunidade cristã como um novo desafio importante a ser usado de modo consciente e harmônico para o aproveitamento de todo o seu potencial.
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09:49
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É importante destacar que o processo histórico de regulação do cenário de telecomunicações no Brasil é datado de 1962, com o estabelecimento do Código Brasileiro de Telecomunicações, Lei nº 4.117, de 1962, pioneiro na história ao estabelecer diretrizes legais para as telecomunicações do Brasil, seguido pela Lei Geral de Telecomunicações, Lei nº 9.472, 1997.
Estamos agora, hoje, neste momento, vivenciando o cenário de um novo modelo regulatório, em um ambiente digital que a cada dia cresce, em desenvolvimento de novas tecnologias e ferramentas extraordinárias e, acima de tudo, em um novo ambiente de convívio social.
Como professora, entendo o potencial da Internet para catalisar mudanças significativas nas vidas e nas histórias das pessoas, através de um letramento digital e de uma troca de conhecimento interativo profundo, que transcende de maneira enriquecedora a experiência das quatro paredes na sala de aula.
Os debates que hoje iniciamos nos permitirão estabelecer e priorizar proposições que tramitam nesta Casa Legislativa e que já estejam em condições de deliberação para indicarmos à sociedade brasileira que a Câmara dos Deputados está presente e atuante no processo de regulação do ecossistema digital do nosso País.
É sob esse prisma e com foco na responsabilidade que o Poder Legislativo, em especial a Câmara dos Deputados, tem a oferecer à sociedade um debate profícuo, ouvindo a Academia, os especialistas, os gatekeepers, enfim, todos os envolvidos, para que deste trabalho possa resultar num arcabouço regulatório moderno e condizente com a expectativa do brasileiro, que é, sem dúvida, um viciado e apaixonado por redes sociais.
O debate sobre a regulamentação da Internet precisa envolver diferentes perspectivas. A Internet é um ambiente, leia-se, de liberdade, transparência e responsabilidade, além de ser uma forma de comunicação inovadora, a mais interativa que já existiu até hoje. Ela propicia, por exemplo, empoderar mulheres a lutarem contra a violência, fortalece a liberdade religiosa e o respeito às crenças e diferentes cultos. A Internet nos permite discutir políticas de acessibilidade e promoção da dignidade e cidadania nas favelas, entre outras questões pelas quais me dedico e envolvo cotidianamente. É um espaço para campanhas de cunho social, como de doação de órgãos. Sem medo de errar, três quartos da população brasileira se relaciona de alguma maneira com uma rede social e está diariamente conectada a uma rede.
Um fato curioso que saiu recente, não sei se vocês viram, é que o brasileiro é o povo que manda quatro vezes mais áudio e é o povo que mais manda figurinha no mundo. Interessantíssimo isso, mas é uma grande verdade.
Pessoalmente, eu me encarregarei de elaborar um relatório na coordenação deste seminário para consolidar o que de mais relevante for discutido e, assim, traçarmos um caminho para atualizar o marco regulatório das mídias digitais, modernizando o ambiente digital em prol do progresso, da justiça, da igualdade, da liberdade de expressão e, acima de tudo, do agir com responsabilidade, que é o traço mais fascinante da nossa cultura e história.
A SRA. NELY AQUINO (Bloco/PODE - MG) - Bom dia a todos.
Quero deixar registrado meu agradecimento ao Presidente Silas pelo convite e à Vice-Presidente, Deputada Dani. Temos que nos aproximar mais, Deputada Dani. Nós mulheres temos que nos fortalecer sempre. Nós temos um amigo em comum que é muito querido, inclusive hoje é o aniversário dele, Marcelo Aro, que gosta muito de você.
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09:53
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Cumprimento com muito carinho o meu Vice-Presidente, Deputado Gilson Daniel, do Espírito Santo, meu parceiro do Podemos e uma grande liderança desta Casa, e o Deputado Pastor Diniz, que está ao lado dele.
Agradeço a presença dos ilustres convidados, todos com notório conhecimento na área. Reunimos aqui representantes da Academia, do mercado e da sociedade, bem como dos três Poderes que acompanham a República.
Gostaria de expressar minhas congratulações à ilustre Deputada Dani Cunha, autora do requerimento e idealizadora do seminário que agora iniciamos.
Os temas a serem debatidos, conforme o programa apresentado, estão relacionados ao poder do mercado digital e suas oportunidades fiscais; ao avanço dos serviços digitais sobre os serviços convencionais e aos modelos regulatórios pró-inovação; ao cenário de conformação digital no ecossistema digital; à liberdade de expressão na comunidade cristã no cenário digital e ao anonimato no ecossistema digital.
Estamos vivendo uma era marcada por acelerados avanços tecnológicos e digitais. Tais avanços redefinem constantemente nossas capacidades e exigem adaptações quase instantâneas para acompanhar as transformações que nos são exigidas na forma como vivemos, trabalhamos e interagimos. A transformação digital é um processo contínuo de mudança de procedimentos e mentalidades, que requer agilidade para que os desempenhos se tornem mais eficazes, seja em empresas privadas, seja no serviço público.
Obviamente, acompanhar as transformações e os avanços digitais é questão crucial para manter a competitividade e a otimização do trabalho. Contudo, existe uma série de questões que necessitam ser debatidas por esta Comissão. O exercício do nosso papel como reguladores exige urgente atenção e apresentação de soluções eficazes para o impacto, muitas vezes inesperado, da tecnologia digital em todos os setores da sociedade. Destaco, entre eles, a proteção de dados e a privacidade dos usuários. Vivemos em um mundo onde informações pessoais são coletadas, armazenadas e analisadas em larga escala. Por diversas vezes já ouvimos falar de ataques cibernéticos e vazamentos de informações. Precisamos criar regulamentos e estratégias que impeçam o uso indevido e vazamento de dados sensíveis que possam afetar a população.
Em relação às plataformas digitais, faz-se mister evitar que elas se transformem em palanques para exaltar discursos de ódio, disseminação de fake news, manipulação política e fontes de fraudes e golpes. É necessário que Governo, empresas e centros de pesquisa trabalhem juntos para proteger os cidadãos brasileiros, desenvolvendo e implementando políticas de segurança vigorosas, além de criação de infraestrutura tecnológica resistentes a ataques. Faça-se primordial a educação e a conscientização da sociedade sobre as práticas seguras no uso da tecnologia avançada.
Ressalto que, neste seminário, pretendemos garantir que o progresso tecnológico beneficie a todos de maneira ética e sustentável. Nossa missão é enfatizar a liberdade de expressão, o diálogo e a democracia. Esperamos que este seminário inspire o surgimento de novas ideias e elementos que contribuam para as propostas sobre a matéria que já tramitam no Parlamento.
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09:57
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O SR. PRESIDENTE (Silas Câmara. Bloco/REPUBLICANOS - AM) - Bom dia a todos. Bom dia a todas.
Saúdo a Deputada Dani, a Deputada Nely, meu querido Carlos Baigorri, todos aqui presentes na pessoa do Deputado Pastor Diniz e do Deputado Federal e Gilson Daniel também, bem assim os nossos convidados.
Eu tenho um discurso escrito, mas vou ousar falar poucas palavras de improviso até porque, no início deste seminário, ouvi que está sendo transmitido ao vivo pelas mídias sociais. Imagino que do outro lado provavelmente há muitas pessoas interessadas.
Ao ouvirem falar que a Comissão de Ciências e Tecnologia e a Comissão de Comunicação estavam preparando um pacote de seminários, mesas de trabalho e várias atividades para um possível marco regulatório das mídias sociais, os nossos principais aliados do sistema como está e adversários em uma possível regulamentação, já devem estar construindo uma quantidade imensa de notícias, tais como: "Comissão de Ciências e Tecnologia e Comissão de Comunicação querem tolher ou ferir a liberdade de expressão". É o que mais se usa como ferramenta, com todo o respeito, do mal, para evitar que o Brasil tenha uma lei justa que regule essa área tão sensível, como já foi dito por vários discursos, nesta manhã, antes mesmo de ouvirmos os técnicos.
Para estes próximos dias, a nossa agenda foi preparada caprichosa e delicadamente, com muita competência, pela minha Primeira Vice-Presidente, a Deputada Dani Cunha, e por toda a equipe técnica, a quem saúdo na pessoa do Silvio, o nosso decano nesta equipe técnica, um homem muito respeitado na Câmara dos Deputados.
Quero dizer a vocês que sou absolutamente a favor de que o Congresso Nacional produza um marco regulatório justo, que respeite todos os princípios. Querem ver um exemplo? Durante este seminário, provavelmente no próximo, Deputada Dani e Deputada Nelly, nas mesas de trabalho, nós vamos conhecer quem verdadeiramente quer debater o assunto. O movimento mais concreto de quem não quer debater o assunto é não comparecer a nenhum dos seminários, não apresentar nenhuma sugestão e o que for produzido no final será possivelmente atacado com a narrativa ou com a fake news de que o único objetivo é tolher a liberdade de expressão ou a liberdade religiosa do Brasil.
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10:01
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Por isso, percebi o cuidado com que a Deputada Dani e a Deputada Nely disseram em seus pronunciamentos que é preciso ter cuidado com essas liberdades, são liberdades que o povo brasileiro olha com muita delicadeza, com muita sensibilidade, por sermos um país essencialmente cristão — 96% do nosso País é de atividade ou de profissão cristã. Isso é um desafio muito grande para a regulamentação do mundo digital, porque também estão expostos a uma série de atividades, de torpedos, a partir desse mundo digital e de todas essas big techs, que, para se proteger de um marco regulatório, se utilizam de ferramentas poderosas que influenciam às vezes a mente da sociedade em na busca de qual verdadeiramente é o nosso objetivo.
Hoje, o Brasil vive um conflito muito grande, é um país dividido e luta para se entender entre irmãos. Mas, quando precisa que alguém arbitre em algo significativo no mundo digital, não há outro recurso a não ser o Supremo Tribunal Federal, que termina levando a pecha de interventor da democracia ou das liberdades. Na verdade, ele só pode agir provocado por algum brasileiro ou por algum partido político ou por algum segmento da sociedade para se manifestar a respeito de algo. No entanto, se o Congresso Nacional oferecer para os brasileiros um marco regulatório que seja justo, democrático e que assegure as liberdades, com certeza isso acabará com a ferramenta de narrativas e de mobilização que termina tendo um objetivo muito claro ou de monetizar ou de construir seguidores ou de construir grande quantidade de likes a partir daquilo que se joga como suposta verdade, quando na realidade não passa da construção de um conceito que deturpa aquilo que de fato é liberdade.
Portanto, acho mais do que justo que a Comissão de Comunicação e a Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação possam trabalhar paralelamente a outras iniciativas do Congresso para produzir algo que, ao final de tudo, possa enriquecer, possa agregar em termos de sugestão para produzirmos rapidamente algo que seja justo, eficiente e respeite as liberdades, mas também que construa um conceito de relacionamento, para que tudo aquilo que é tradicional, tudo aquilo que existe em comunicação não seja atropelado, não seja completamente extinto de um mundo futuro na área digital, que na verdade utiliza, na maioria das vezes, aquilo que a mídia tradicional produz, às vezes aproveitado pelo mundo digital, sem nenhuma remuneração, sem nenhuma tributação.
Aquilo que é tradicional e que gera conteúdo paga altíssimo para que esse mercado ou essa atividade funcione. Na minha avaliação, isso é muito, muito ruim para a população brasileira e para essa convivência entre o que é tradicionalmente utilizado em tecnologia digital, como, por exemplo, o sistema de radiodifusão, que compete com esse mundo digital, não tem paralelo ou não tem nenhum tipo de sustentação em termos de equilíbrio para que essas duas atividades possam sobreviver.
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10:05
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Eu quero parabenizar a eficiência e a rapidez com que a Deputada Dani Cunha e os técnicos construíram essa agenda. Tenho certeza absoluta de que, ao final de tudo isso, vamos produzir algo bom e eficiente e que funcione para o Brasil.
No final da minha fala, não sei se está no protocolo ou não, já convido a Deputada Dani Cunha para assumir a Presidência deste seminário. Ela construiu com todos os componentes que aqui estão, com todos os técnicos que aqui estão, o que vai ser tocado no dia de hoje, que ela possa, então, junto com a Deputada Nely, que certamente daqui a pouco também deve ter, na atividade que realiza, uma agenda muito corrida. Nós vamos estar o dia todo aqui interagindo.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Não sei se o cerimonialista havia preparado alguma programação ou alguma ordem de mediação.
(Pausa.)
Seguimos aqui para o primeiro painel com o título O Poder do Mercado e Oportunidades Fiscais. São estudos sobre o poder de mercado dos controladores de acesso aos serviços digitais, os gatekeepers, estudos sobre oportunidades fiscais trazidas pelos serviços digitais.
Eu gostaria de convidar para compor a Mesa os expositores Prof. Bruno Fernandes, professor da Faculdade de Administração, Contabilidade, Economia e Gestão de Políticas Públicas da UnB; o Prof. Andre Rossi de Oliveira, da Utah Valley University, que participa de forma digital, porém não menos importante; o Prof. Otton de Azevedo Lopes, da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília; o Consultor Legislativo Cesar Mattos; o Prof. Juliano Maranhão, da USP — Universidade de São Paulo; e o Deputado Reginaldo Lopes. Sua presença está confirmada no painel, porém está com a agenda lotada, está presente em outra Comissão, e vai participar no final.
(Pausa.)
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10:09
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Em razão do número de convidados, o seminário está composto por dois painéis hoje, assim como será na semana que vem, na quarta-feira, dia 19. Neste primeiro painel, cada palestrante terá o tempo de até 15 minutos para a exposição. Encerradas as apresentações, estão reservados 15 minutos para o debate. Os Parlamentares que desejarem fazer uso da palavra...
Peço licença para quebrar o protocolo, pois, como não temos aqui apenas Parlamentares, se houver alguém que queira contribuir para o debate, terá também a palavra por até 3 minutos, devendo inscrever-se pelo sistema Infoleg. Mas, como temos um grupo pequeno, peço ao Oliveira e ao Eduardo que façam esse controle manual dos inscritos.
O público pode também encaminhar perguntas à Mesa. Há formulários à disposição dos interessados com a assessoria do evento.
(Manifestações fora da sala de Comissão.)
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Peço escusas pelo barulho de outras eventuais Comissões. Infelizmente, às vezes, isso ocorre na Câmara.
Eu queria iniciar a minha fala fazendo uma ponderação no sentido de que, quando nós executamos o referido estudo que está sendo aqui apresentado, a reforma tributária estava em discussão nesta Casa, e nós trabalhamos sob a perspectiva das PECs 45 e 110, que até então estavam sendo colocadas em relação à reforma. Por sua vez, isso não atrapalha em si os resultados que serão aqui apresentados. É necessário fazer essa observação, porque hoje a reforma já está aprovada e em vias de ser regulada e implementada.
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10:13
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(Segue-se exibição de imagens.)
O estudo buscou primeiro referenciar-se ao que estava acontecendo no mundo em relação à tributação dos serviços digitais. E nós sentimos necessidade de entender um pouco mais o processo da mudança de regime dos sistemas tributários nacionais, uma vez que, nesse estudo, nós precisamos trazer algumas relações envolvendo a questão econômica, a questão de mudança nos Governos, que estava ocorrendo no mundo inteiro, e a discussão no âmbito da OCDE, que envolve o Brasil como signatário que é da organização. Então, nós precisávamos entender quais eram as variáveis que influenciavam a discussão naquele momento. E, sem dúvida, a principal variável é a mudança do padrão econômico para uma economia muito mais digital, processo esse que vem ocorrendo muito acentuadamente na última década e que obviamente impactaria os sistemas tributários nacionais, o que não é diferente no Brasil, uma vez que o nosso sistema tributário é muito focado na tributação de comércio e de indústria e foi construído no período pós-Segunda Guerra, nas décadas de 60 e 70. Assim, precisávamos entender essa mudança econômica e como o nosso sistema tributário nacional não estava adequado a absorvê-la. E nós realizamos esse estudo histórico, referencial, para entender esses movimentos.
Daí, nós observamos que, no âmbito da tributação de serviços digitais, a Europa já tinha tomado a frente, digamos assim, apesar de as discussões na OCDE trazerem uma preocupação muito grande com relação à bitributação das empresas e de haver a visão de que isso precisaria ser melhor discutido. Mas, por conta de suas necessidades orçamentárias, alguns países europeus decidiram implementar uma taxa ou um tributo específico para os serviços digitais, lá chamado de DST — Digital Service Tax. O meu colega Othon vai detalhar um pouco mais sobre as legislações desses países e como é feita lá a tributação da DST.
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10:17
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Mas essa foi a nossa grande referência para o estudo de oportunidades fiscais. Ou seja, dado que há uma mudança econômica global irreversível, com as economias cada vez mais pautadas em serviços digitais, dado que o Brasil estava em processo de discussão de parte do seu sistema tributário voltado para o consumo — e essa reforma tratou do consumo, o que impacta diretamente o que nós vamos apresentar aqui —, e dado ainda que alguns países europeus, inclusive países latino-americanos, já estavam implementando taxas ou impostos específicos para serviços digitais, queríamos saber qual era a situação no Brasil e qual seria o potencial arrecadatório — que é a grande questão aqui — no País em três cenários.
O primeiro cenário, pensando o Projeto de Lei nº 2.358, de 2020, que trata da CIDE digital, seria um tributo específico para o setor com uma alíquota de 1 a 5%. Outro seria o do Projeto de Lei nº 218, de 2020, que trata da Contribuição Social Digital, com uma alíquota de 3%. E aqui é importante fazer um paralelo: as alíquotas desses dois projetos são condizentes com as alíquotas aplicadas na Europa para a DST — Digital Service Tax que variam de 1 a 5%, numa média de 3%. E o do Projeto de Lei nº 131, de 2020, que trata da COFINS digital, teria uma alíquota bem maior, de 10,6%, sobre os serviços digitais.
Como eu já disse, nós trabalhamos, naquela ocasião, ainda na perspectiva da aprovação da reforma tributária, visto que esse estudo iniciou-se mais ou menos 1 ano atrás.
Então, nós fizemos estimativas — e vou tentar resumi-las, em função do nosso tempo bastante reduzido — considerando esses grupos de serviços digitais. Inicialmente, listamos nove grupos de serviços digitais, mas, por questão de dados, reduzimos a pesquisa a seis grupos de serviços digitais com essas empresas, que os senhores podem ver neste quadro. A primeira grande dificuldade foi estimar a arrecadação tributária, o tributo sobre o consumo, basicamente o ICMS, o ISS e o PIS/COFINS, e o fato de que essas empresas não têm capital aberto na Bolsa brasileira, ou seja, eu não sei qual é a receita dessas empresas aqui no País.
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10:21
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É óbvio que são dados envolvidos em sigilo fiscal. Com certeza, a Receita Federal tem esses dados. Mas, para fins da nossa pesquisa, a solução foi então criar um modelo que pudesse estimar a receita dessas empresas no Brasil. Como pesquisadores, nós estamos acostumados a trabalhar com modelos e com a criação de proxies, e então nós criamos este modelo, que está na tela, para acessar a receita. Essas empresas todas têm capital aberto na Bolsa de Nova Iorque. Assim, eu acesso a receita global dessas empresas e, a partir dessa receita global, ao aplicar esse modelo, que leva em consideração essas variáveis — e não vou detalhá-las em função do tempo —, nós conseguimos extrair a receita Brasil dessas empresas. Sabemos que conseguimos isso com relativo sucesso. E, após extrair a receita Brasil dessas empresas, nós fizemos então as estimativas.
Podemos ver nesta tela a arrecadação potencial, considerando os três projetos de lei e a reforma tributária de até então. Qual seria o impacto da reforma tributária? A unificação dos tributos sobre o consumo eliminaria um problema que nós estamos vivendo no Brasil em função da erosão de base. E havia uma discussão se a aplicação correta desses serviços digitais deveria ser de ICMS ou de ISS. Obviamente, as empresas irão preferir o ISS, que é uma alíquota de 2% a 5%, com o ICMS podendo chegar a 22%, 24%. Então, com a unificação dos tributos no IBS — Imposto Sobre Bens e Serviços, nós eliminamos esse problema da erosão de base e fizemos os cálculos, considerando até então a alíquota prevista do IVA no Brasil, somando o IBS e o CBS de 25%. Hoje, nós já sabemos que essa alíquota é maior.
Com relação aos números que apresento aqui, nós temos, nas três primeiras barras, as estimativas para os projetos de lei. Lembrando que esses três projetos de lei, o da CIDE digital, o da COFINS digital e o da Contribuição Social Digital, apresentam tributações específicas para o setor.
Então, eu começo ali com a alíquota de 3% da Contribuição Social Digital, depois vem a CIDE digital com uma alíquota progressiva de 1% a 5% e, depois, a COFINS digital com 10,6%.
As três últimas barras mostram o impacto da reforma tributária considerando três possibilidades de crédito presumido. Sabemos da possibilidade de redução dos tributos em função dos créditos gerados nas entradas, de 50%, 25% e 0%, tendo ciência de que essas empresas teriam poucos créditos.
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10:25
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Então, fizemos essa estimativa para cada um dos seis segmentos que nós trabalhamos. E, para finalizar a minha fala, vou lhes apresentar as estimativas agrupadas dos seis setores.
O nosso potencial de arrecadação seria: em relação ao PL 218, de quase 10 bilhões; em relação ao PL 2.358, em torno de 16,5 bilhões; em relação ao PL 131, da COFINS digital, que é a maior alíquota de 10,6%, de aproximadamente 35 bilhões. E, com a reforma tributária e a unificação dos tributos sobre o consumo, eliminando o problema da erosão de base, nós teríamos um potencial arrecadatório de 41 bilhões a 82 bilhões.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Prof. Bruno, muito obrigada. Sua apresentação foi extremamente rica, e acho que o senhor já a disponibilizou para o grupo, correto?
(Pausa.)
Então, quero só esclarecer a todos que, no final, aqueles que quiserem disponibilizar o seu material e o seu conteúdo, nós vamos juntar tudo para inclusive usar como embasamento para um conjunto de propostas que faremos nas reuniões internas das Comissões.
Antes de passar a palavra ao próximo expositor, eu quero pedir uma gentileza. Infelizmente, está acontecendo alguma baderna qualquer que diminui o nosso trabalho enquanto Parlamentar, lastimosamente. E, para que isso não atrapalhe o andamento desta Comissão, peço a quem puder que entre e saia por essa porta aqui. Eu sei que talvez vamos andar um pouquinho mais lá fora, mas seremos interrompidos um pouco menos. Infelizmente, não há o que possamos fazer com relação à sala ao lado, mas vamos aqui tentar prezar pelo bom andamento da nossa Comissão e do nosso seminário.
Lembro que, caso não tenha ficado claro, deixaremos o debate para o final. Quem quiser fazer perguntas, temos aqui na mesa de apoio a lista para perguntas aos expositores. Então, quem quiser pode se encaminhar a essa mesa, por gentileza, para se inscrever, dizendo o que deseja falar, apontar ou pedir, após o término das falas. E peço ainda à organização que coloque alguém na porta também, por favor. Eu agradeço.
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10:29
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A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Professor, eu vou te pedir mais 1 minuto. Senão, o senhor vai estar falando em vão. Vou pedir só que aumentem o volume. A equipe técnica está se mexendo para que isso aconteça.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Agora foi. Agora está perfeito.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Está ótimo, está perfeito.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Já está autorizado, professor. Veja se é possível!
(Segue-se exibição de imagens.)
Então, no primeiro eslaide da apresentação, vocês estão vendo o Estudo sobre os Efeitos do Exercício do Poder de Mercado no Ecossistema Digital. Esse estudo foi realizado durante o ano passado, e os autores sou eu, que sou professor da Utah Valley University; o Prof. Paulo Coutinho, da UnB; e o pesquisador Alexandre de Carvalho, do IPEA.
Na estrutura da apresentação, eu vou falar rapidamente sobre as características das plataformas digitais, como nós as definimos no nosso trabalho; a teoria econômica sobre concorrência em plataformas digitais; a defesa da concorrência nesse segmento; a experiência internacional; as tendências recentes; e vou oferecer algumas conclusões.
A definição que nós usamos é bastante ampla e tem um sabor mais econômico, como não poderia deixar de ser, porque esse é um estudo, do ponto de vista econômico, do impacto das plataformas digitais.
Então, em geral, uma plataforma tem que satisfazer essas condições. Ela tem uma localização que pode ser geográfica, virtual ou híbrida e consiste em dois ou mais lados, dois ou mais mercados. Por exemplo: pode haver um mercado do lado dos compradores, do lado dos vendedores. Também pode haver o lado dos anunciantes. Ela atua como intermediária, gerenciando as transações entre esses diversos lados, tem uma tecnologia que viabiliza a realização dessas transações e possui um mecanismo de coordenação, que fornece incentivo à participação dos usuários. O fundamental aqui é entender que, diferentemente de mercados tradicionais, onde as pessoas vão para fazer compras e vendas — e o mercado em si não tem nenhum poder de decisão —, as plataformas são agentes decisores. Elas podem estabelecer preço de participação na plataforma, coordenar o comportamento de compradores e vendedores, fornecer garantias de qualidade e outras coisas semelhantes. Dentro dessa definição, se focarmos naquelas plataformas cuja localização é virtual, nós podemos chamá-las de plataformas digitais.
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10:33
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A principal falha de mercado, a principal característica econômica dessas plataformas é a existência do que os economistas chamam de externalidades de rede. E elas existem em dois tipos: diretos e indiretos.
A externalidade de rede direta é aquela que existe quando o valor de uma plataforma aumenta proporcionalmente ao número de usuários total dela. Se vocês pensarem em uma plataforma de mídia social — Facebook, WhatsApp, etc. —, quanto mais pessoas participarem dessa plataforma, melhor para mim como usuário. Então, nesse caso, existe essa externalidade chamada de externalidade de rede direta.
Agora, como eu expliquei na definição, muitas dessas plataformas coordenam dois ou mais lados. Eu pensei na Amazon, por exemplo, onde existem os compradores e vendedores. Na loja de apps da Apple, por exemplo, existem os usuários dos apps e os desenvolvedores. Então, nesse tipo de plataforma que tem dois ou mais lados, existe também a externalidade de rede indireta, na qual os usuários de um lado valorizam a presença de usuários do outro lado. Se eu vou comprar um produto na Amazon, por exemplo, não adiantaria nada eu participar dessa plataforma se não existissem os vendedores do outro lado do mercado. Quanto mais vendedores existirem desse outro lado do mercado, melhor para mim como comprador. Eu vou ter uma variedade maior de qualidade, preços, etc.
A segunda falha de mercado significa que esses mercados não são totalmente competitivos. Isso dá margem ao exercício de poder de mercado.
A segunda é a economia de escala. Deixem-me dar um exemplo: quando a Amazon faz investimentos, ela tem que fazer investimentos altíssimos em hardware e software para construir sua plataforma de digitais; a Microsoft faz investimentos altíssimos em servidores e em toda a tecnologia para poder proporcionar o serviço de armazenagem em nuvem. Esses investimentos iniciais em desenvolvimento, instalações, etc. são altíssimos, mas, depois que o investimento já foi feito, o custo adicional de aceitar, por exemplo, mais um usuário da nuvem da Microsoft é muito baixo. Isso faz com que, à medida que as plataformas vão adicionando mais, mais e mais usuários, o custo médio dela, ou seja, o custo total dividido pelo total de usuários caia rapidamente. Isso tem implicações para a concorrência nesse mercado.
Outra que eu quero mencionar é a chamada economia de escopo. Isso acontece quando a mesma plataforma ou a mesma empresa consegue produzir duas ou mais linhas de produto de uma maneira mais eficiente e a um custo mais baixo do que se houvesse duas ou mais empresas produzindo esses produtos separadamente.
No caso das plataformas digitais, o fundamental é que essa economia de escopo vem da possibilidade de adquirir um grande volume de dados dos usuários. Então, pode-se usar esses dados para conhecer melhor o comportamento do usuário e, então, entrar em outras áreas, em outras atividades e conseguir produzir todos esses produtos ou serviços a um custo mais baixo do que se empresas diferentes tentassem entrar separadamente em cada atividade.
Bom, então, como eu mencionei, a principal característica dessas plataformas digitais que afeta sua regulação e a defesa da concorrência no setor é a presença de externalidades de rede. Eu quero dar um exemplo rápido aqui. Digamos que duas plataformas entrem em um determinado mercado de buscas na Internet, por exemplo, e que elas tenham, inicialmente, a mesma qualidade, que não sejam diferentes em nenhuma dimensão.
Aleatoriamente, digamos que a plataforma A começa com um número maior de usuários. O que vai acontecer nesse caso? Os usuários da plataforma B vão começar a migrar para a plataforma A, porque, como eu disse antes, eles dão um valor muito alto ao tamanho da plataforma, ao número de usuários da plataforma. Então, se eu estou na plataforma B e vejo que mais gente usa a plataforma A, a tendência é que eu queira migrar para a plataforma A. Assim, o tamanho da plataforma A continua a crescer, crescer, crescer, até que a plataforma A se torna a plataforma dominante. Em inglês, esse fenômeno é chamado de market tipping, que é característico dos mercados digitais, ou pelo menos daqueles em que as plataformas digitais atuam.
Isso não é tão simples assim como eu descrevi. O processo de competição pelo mercado depende não só dessas externalidades de rede. Ele depende também de outras características, como a qualidade das plataformas, a eficiência, o modelo de negócio e os preços cobrados pelas plataformas, evidentemente.
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Quais são as implicações disso para a regulação do setor? Vamos começar falando sobre a defesa da concorrência. A presença dessas externalidades de rede cria um problema muito peculiar. Geralmente, a defesa da concorrência olha para o bem-estar do consumidor, tenta proteger ou maximizar o bem-estar do consumidor. Tipicamente, aceita-se a hipótese de que o bem-estar do consumidor é diretamente proporcional à concorrência no mercado, ao número de empresas, por exemplo. Mas essa ligação é quebrada no mercado de plataformas digitais, porque pode ser que a concentração seja boa e que ela aumente o bem-estar do consumidor. Quanto maior a concentração, quanto mais usuários fizerem parte da mesma plataforma, maior vai ser o valor que os usuários, que os consumidores darão a essa plataforma, ou seja, o bem-estar deles está aumentando. As agências antitruste, que fazem a defesa da concorrência, têm que prestar atenção a isso, para não simplesmente tentar avaliar o nível de bem-estar do consumidor com base no número de empresas presentes naquele setor.
Um dos desafios fundamentais para a análise de defesa da concorrência é o uso dos dados dos usuários, porque as plataformas digitais conseguem acumular uma grande quantidade de dados, e isso lhes dá vantagens competitivas em relação a plataformas menores. Vou dar um exemplo. Digamos que uma das plataformas oferece vários serviços, como e-mail, mapas, mecanismos de busca na Internet etc. Uma plataforma desse tipo vai conseguir coletar dados sobre todas essas decisões do consumidor, e com base nisso vai poder entender melhor o comportamento não só de um consumidor individual, mas também da população de consumidores usuários. Com isso, ela vai poder expandir seus negócios e oferecer produtos de maior qualidade, o que é evidentemente muito bom para os usuários. Por outro lado, isso cria um poder de mercado que ela pode usar — não necessariamente vai usar, mas pode fazer isso — para prejudicar a concorrência.
Outro desafio para a defesa da concorrência é o comportamento do consumidor. Existe uma área da economia chamada de economia comportamental, que estuda isso e que já identificou vários tipos de viés no comportamento do consumidor, como status quo, saliência, impaciência etc. O viés de impaciência é a tendência que as pessoas têm de dar mais valor ao benefício que elas têm imediatamente, e menos valor ao benefício potencial que elas poderiam ter no futuro. As plataformas sabem disso e procuram explorar esses vieses.
Quando se usa um mecanismo de busca na Internet, geralmente a plataforma vai colocar no topo da página aqueles anúncios ou aqueles links que são mais lucrativos para a plataforma, porque sabem que o consumidor, que o usuário muito provavelmente vai olhar só para aqueles, e não vai descer até o final da página para procurar outros. Aqueles resultados que a plataforma coloca no início não são, necessariamente, os mais vantajosos para os consumidores.
Outra questão importante para a defesa da concorrência é a inovação. Se a regulação tiver mão pesada, se a agência de defesa da concorrência determinar que haja uma quebra estrutural ou proibições estruturais de atuação das plataformas em outros mercados, isso pode prejudicar a inovação, porque essas plataformas não vão querer criar novos produtos e novos serviços inovadores se elas tiverem receio de que isso vai ser proibido pela defesa da concorrência. É possível que uma intervenção regulatória ou antitruste diminua a inovação.
Por outro lado, a própria atuação das plataformas digitais pode prejudicar a inovação. Por quê? Porque, quando as plataformas são muito grandes e têm poder de mercado muito alto, elas têm a habilidade de impedir a entrada de novos concorrentes. O empreendedor com uma startup vai pensar duas vezes antes de tentar criar um produto que vá competir com o produto principal da plataforma. Muito provavelmente, ele vai desenvolver alguma coisa complementar ao produto da plataforma, e isso diminui a inovação nos produtos que a plataforma já oferece.
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A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Prof. Andre, quero situá-lo com relação ao tempo. Nós estabelecemos 15 minutos para cada expositor, e lhe faltam 40 segundos, mas vamos conceder uma prorrogação de 5 minutos para o senhor terminar. Pode ser assim?
Nos Estados Unidos, o American Choice and Innovation Online Act ainda está em tramitação. No Reino Unido, o Digital Markets, Competition and Consumer Bill foi aprovado agora, em 23 de maio de 2024.
Vou rapidamente falar sobre as duas abordagens que existem no mundo. A primeira é a abordagem antitruste tradicional. Eu já apontei alguns problemas associados a essa abordagem. Nos Estados Unidos, é bom falar, houve um renascimento da abordagem antitruste com a Sra. Lina Khan, do Federal Trade Commission — FTC, juntamente com o Departamento de Justiça. Eles têm iniciado várias ações na Justiça contra as Big Techs. Ainda não houve nenhum grande ganho nessas ações, mas, se a Google for penalizada, se for considerada culpada por uma possível monopolização ilegal da indústria de buscas on-line, isso vai ser uma grande vitória para a abordagem antitruste.
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica — CADE tem tido uma atuação relativamente limitada nessa área. Nós fizemos um estudo dos atos de concentração e de defesa da concorrência entre 1995 e 2020, e mostramos que, dos 143 atos de concentração no mercado de plataformas digitais, dois se referiam a potenciais gatekeepers, e 97,9% desses atos de concentração foram aprovados sem restrições.
Das condutas anticompetitivas — houve 16 nesse período —, três estavam diretamente relacionadas a potenciais gatekeepers, e o CADE não impôs nenhum remédio em casos que julgaram esses gatekeepers.
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A outra abordagem é a intervenção regulatória preventiva, que tem duas vertentes. Na primeira vertente, que ocorre nos Estados Unidos e na União Europeia, há limites quantitativos para a identificação dos gatekeepers. Por exemplo, empresas que ultrapassem certos limites numéricos de faturamento, valor de mercado e número de usuários são imediatamente classificadas como gatekeepers. A segunda abordagem é a do Reino Unido, da Inglaterra, onde existem alguns limites numéricos, mas o regulador tem uma flexibilidade e uma liberdade muito grandes para determinar se uma empresa vai ser classificada como gatekeeper ou não. Então, existem essas duas vertentes dentro da abordagem principal do que eu estou chamando de remédios preventivos.
Esta lista mostra algumas medidas que os reguladores podem adotar, e vou mencionar algumas poucas que vêm das três peças legislativas que eu mencionei. Algumas obrigações são impostas às empresas, como realizar negócios em termos justos e razoáveis, fornecer informações claras, avisar com antecedência sobre mudanças relevantes na plataforma. Essas são as obrigações impostas. Além disso, existem condutas proibidas, como dar tratamento preferencial aos seus próprios produtos e serviços, restringir a interoperabilidade ou impedir que usuários tenham acesso aos dados gerados pelas suas próprias atividades.
Esse estudo tem quase 100 páginas, e peço desculpas por falar de maneira corrida sobre os principais aspectos dele. Nós procuramos definir e identificar as principais características de mercados digitais. É importante enfatizar que essas características estão presentes em todos os mercados desse tipo, independentemente da localização da plataforma. Por isso, nós focamos essas características comuns. A presença dessas características, especialmente a externalidade de rede, que eu mencionei antes, faz com que a análise de defesa da concorrência seja mais difícil e precise ser adaptada.
Além dos desafios técnicos criados por essas falhas de mercado, a intervenção antitruste também é mais morosa e não tem capacidade de avaliar todas as características das plataformas ao mesmo tempo. Ela é mais pontual. Por isso, a tendência que tem sido observada recentemente nos Estados Unidos e em outras praças que estão na vanguarda da discussão é de complementar esse arcabouço antitruste com uma regulação ex-ante, como no caso das legislações que eu mencionei.
Em conclusão, podemos discordar de quais foram os remédios adotados nos outros países, mas os aspectos econômicos dos mercados digitais são universais e precisam ser levados em consideração.
Eu vou disponibilizar os meus eslaides para quem tiver interesse. O relatório que nós preparamos para a ANATEL também já está disponível ao público. Esperamos que ele contribua para o debate e que as ideias que eu apresentei aqui possam servir de subsídio para a tomada de decisão pelas autoridades competentes.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Prof. Dr. Andre, muito obrigada. Nós agradecemos a oportunidade de ouvir esse conteúdo extremamente importante.
Obrigada também por disponibilizar sua apresentação, porque ela será bastante usada, sem sombra de dúvida, para atingirmos nossos objetivos nos seminários e no transcorrer do trabalho da Comissão de Comunicação.
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Inicialmente, cumprimento a Exma. Sra. Presidente Dani Cunha, todas as autoridades e Deputados presentes, a audiência de professores, assessores e consultores. É um prazer estar aqui.
Minha apresentação vai ser composta de três partes. Na primeira parte, vou fazer uma exposição de direito comparado dos sistemas de tributação dos serviços digitais no exterior, especialmente na Itália, na Espanha e na França. Depois, farei observações sobre a tributação das plataformas digitais diante da reforma tributária. Por último, farei uma sugestão de como essa tributação pode ocorrer aqui no Brasil.
A primeira coisa que eu me preocupei em fazer nesse estudo foi pegar países que tributam os serviços digitais e as plataformas digitais a partir de categorias uniformes, que nós pudéssemos utilizar como bases para também adotá-las aqui no Brasil.
Dentro dessa visão de categorias uniformes, podemos falar primeiro dos Estados Unidos, para que tenhamos uma ideia de como está o estado-da-arte lá. Nos Estados Unidos, não há legislação federal sobre o tema. Lá, o governo federal resiste em tributar as plataformas digitais, inclusive tendo aberto investigações contra países que o fizeram. No Brasil há vários projetos de lei propondo tributação sobre as plataformas digitais, e um dos motivos para que eles não tenham evoluído foi a ameaça dos Estados Unidos de abrir investigações contra o Brasil. Então, os Estados Unidos não tributam as plataformas digitais e resistem a fazer essa tributação.
Os países europeus foram vanguardistas na tributação de plataformas digitais, especialmente a Itália, que já em 2018 começou a tributá-las.
Os fatos que possibilitam que haja incidência do tributo, os fatos que abrem as portas para a incidência dos tributos na Itália são: veiculação de publicidade, disponibilização de interface para interação entre os usuários, inclusive oferta de bens e serviços, e transmissão de dados. Então, esses três fatos geradores possibilitam a incidência de tributo sobre as plataformas digitais, sobre os serviços digitais.
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Os contribuintes selecionados na Itália para sofrerem essa tributação são aqueles que têm receita global superior a 750 milhões de euros e, no território italiano, 5 milhões e 500 mil euros. Então, estas são as duas condições para que haja seleção do contribuinte para sofrer a tributação: receita global superior a 750 milhões de euros e faturamento local superior a 5 milhões e 500 mil euros. Outro aspecto que levanta perplexidade em relação à incidência de tributos sobre os serviços digitais é a localização do usuário. Tanto a Itália quanto os outros países resolveram isso facilmente. O aspecto espacial, o que possibilita localmente a incidência do tributo é o endereço de protocolo IP do usuário. Então, o protocolo IP do usuário tem que estar situado em território italiano para que haja incidência do tributo. Por último, dentro da experiência italiana, há incidência de uma alíquota de 3% sobre as receitas auferidas no ano civil anterior ao ano em que há incidência. Então, é essa a experiência italiana.
Em 2019, a França seguiu o exemplo da Itália e também passou a tributar os serviços digitais. A tributação na França se deu pela Lei nº 2.019-759. Na França, os fatos geradores, a hipótese de incidência, a porta de abertura para que haja incidência do tributo é a disponibilização de interface para interação entre os usuários e a veiculação de publicidade. Então, a França escolheu só dois fatos geradores: disponibilização de interface e veiculação de publicidade.
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Os contribuintes que estão sujeitos a essa tributação são aqueles que têm receita global acima de 750 milhões de euros, e receita local, na França, de 25 milhões de euros. Da mesma forma que a Itália, a França considerou que o tributo incide quando o usuário, em território francês, utiliza o serviço, e isso é determinado também pelo endereço IP. A alíquota selecionada na França é de 3% sobre a base de cálculo, que são as receitas auferidas em contraprestação aos serviços no curso do ano. Então, são 3% sobre receitas na França.
A Espanha passou a tributar esses serviços pela Lei nº 4, de 2020. Na hipótese de incidência, ou fato gerador, os fatos que possibilitam a porta de abertura para a incidência do tributo são: publicidade digital, intermediação digital e serviços de transmissão de dados. Então, são três fatos geradores, seguindo o exemplo da Itália. Os contribuintes que sofrem incidência desse tributo são aqueles que têm receita global acima de 750 milhões de euros, e na Espanha, local, de 3 milhões de euros.
O aspecto espacial também é o usuário definido pelo endereço IP, a alíquota e a base de cálculo, o percentual do tributo e sobre o que ele incide é de 3% sobre as receitas com os serviços descritos, excluído o IVA.
Com a reforma tributária, o que nós temos? Os serviços digitais não mais sofrem incidência de ISS ou ICMS. Há uma discussão muito grande sobre isso, como o Prof. Bruno colocou. Os prestadores de serviço obviamente preferem o ISS, que é uma alíquota municipal entre 2% e 5%, e os Estados tentam fazer com que esses serviços também sofram a incidência de ICMS, que é uma alíquota superior a 17%.
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Isso é muito claro, porque o IBS e a CBS vão incidir sobre bens e serviços bens e serviços materiais e imateriais, inclusive direitos. Então, a incidência é muito ampla. Os serviços digitais estão claramente sujeitos à incidência desses tributos.
A reforma tributária não exclui que nós sigamos o exemplo da Itália, da França e da Espanha e também coloquemos um tributo dedicado, uma contribuição para tributar esses serviços.
O PLP 2.018/20 e PLP 2.358/20 fazem uma tributação adicional desses serviços. Isso é possível no nosso sistema tributário.
Com a reforma tributária, há o princípio da neutralidade, que dispõe que os tributos não podem induzir produção ou consumo. O Estado deve ser neutro. Quem deve escolher o que vai consumir ou o que vai ser produzido é o próprio cidadão, é o contribuinte. Não é o Estado. Por isso há uma alíquota neutra para não haver indução de consumo por alíquota baixa ou desestímulo do consumo por alíquota alta. No Brasil foi adotada uma neutralidade mitigada, já que são várias as exceções à alíquota geral de 28%.
Então, oferecemos sugestões de tributação dos serviços digitais. A primeira que se avizinha é a tributação pela alíquota uniforme do IBS e da CBS, tomando cuidado para haver a especificação de que haverá incidência desse tributo se o usuário estiver situado no Brasil, de acordo com o protocolo IP.
O que pode ser feito é a criação de um tributo adicional nos moldes da Itália, da França e da Espanha e também como proposto no PL 2.358/20 e no PLP 218/20.
Outra coisa que pode ser feita, para observar o princípio da neutralidade mitigada, é igualar a tributação dos serviços digitais com o serviço de telecomunicações por eles serem complementares e análogos. Eles não são idênticos, mas são complementares e análogos. Nós sabemos que sobre os serviços de telecomunicações incidem o FUST e o FUNTTEL, com alíquota de 1,5%.
Então, poderiam somar esses tributos também.
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A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Prof. Othon, muito obrigada pela sua explanação. É muito importante nós aqui também entendermos o que já é praticado em outros países, até para podermos ter base ou não, vermos o que pode vir a funcionar ou não. Isso é extremamente interessante.
Enquanto o senhor explanava aqui, eu estava conversando com o Prof. Bruno. Um dado que chama a atenção e que eu gostaria de compartilhar com os senhores, já que estamos tratando de tributo, é que, nos últimos 4 anos, a não regulamentação das redes no Brasil gerou uma perda de mais de 200 bilhões de reais em receita. Menciono esse dado para que ele fique na nossa cabeça enquanto pensamos no assunto de tributação.
O SR. CEZINHA DE MADUREIRA (Bloco/PSD - SP) - Sra. Presidente Dani Cunha, posso usar a palavra?
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Claro, Deputado Cezinha de Madureira.
O SR. CEZINHA DE MADUREIRA (Bloco/PSD - SP) - Sra. Presidente, Deputada Dani Cunha, cumprimento V.Exa.
E quero dizer, Presidente Silas Câmara, que V.Exa. está fazendo um belíssimo trabalho aqui na Comissão de Comunicação.
Presidente, eu queria fazer alguns comentários. Antes, porém, cumprimento o Presidente Baigorri, que esteve na Comissão, e o Vinicius Caram. Eles são gestores na ANATEL. Além de Conselheiro, o Baigorri é concursado daquela agência e presta um serviço muito importante para a população. Ressalto também a atenção que o Baigorri, o Caram, o Gebrim e o Wilson, que hoje é nosso Secretário de Radiodifusão, devotam ao Parlamento. Então, parabéns a eles pelo trabalho de sempre! Eu queria fazer menção a isso.
Sobre o tema que nós estamos discutindo aqui no seminário, quero parabenizar o Presidente Silas Câmara e V.Exa., Deputada Dani, pela coragem e disposição de discutir esse tema. Este é o lugar onde nós temos que, de fato, discutir. A representação do Brasil está aqui na Câmara dos Deputados, do maior representado ao menor representado. A democracia é muito importante e bonita por isso. Temos a oportunidade de ouvir todos. Alguns discordam, outros concordam, e, na discórdia e na concordância, nós encontramos o meio do caminho. De fato, no Brasil, hoje nós estamos precisando achar um meio para que possamos ter paz.
Muitos reclamavam dizendo que, havia um tempo, só existia fígado na República, mas parece que a eleição ainda não acabou. Há fígado para todo lado. E bem dizia o mestre Ulysses Guimarães que política não se faz com o coração, muito menos com o fígado, mas se faz com a cabeça, com a razão. Então, nós precisamos, de fato, discutir este tema nesta Comissão.
No mais, quero comentar um pouco o tema do seminário de hoje.
Mas, antes, cumprimento também o Juliano Maranhão, professor da Universidade de São Paulo, e, em seu nome, cumprimento todos os outros participantes que estão aqui, o pessoal da UnB, que está fazendo um belíssimo trabalho nos estudos relacionados à radiodifusão, às big techs, a esse novo momento que nós estamos vivendo no Brasil e no mundo. São muito importantes esses estudos, porque nós temos uma lei arcaica, de 1963, que rege a comunicação no Brasil. De fato, ela precisa ser atualizada. Então, parabéns por esse trabalho!
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Aqui eu venho falar sobre o que está acontecendo hoje no setor de big techs, Internet, radiodifusão. Durante a vida inteira, no Brasil e no mundo, nós tivemos a informação pelo rádio e pela TV. Diga-se de passagem, recentemente, representando esta Comissão e a Câmara dos Deputados em um seminário em Washington, nós ouvimos ali representantes de todas as Américas falarem sobre esse tema, que está bem adiantado em vários países. No Brasil, nós precisamos, de fato, achar o meio do caminho, para trazermos uma igualdade para o setor.
Ora, se durante a vida inteira empresários do setor de rádio e TV trouxeram notícia fidedigna, dedicaram a sua vida ao jornalismo, para informarem a sociedade, e no Brasil, em especial, à liberdade de expressão, em nenhum momento nós iremos aceitar neste Parlamento que algum setor venha a calar a sociedade através dos seus Parlamentares. Já chega que o STF venha a legislar em nosso nome. Aqui é a Casa da discussão. Aqui é a Casa onde se discute, aprova ou não aprova. Esta Casa é soberana.
E eu falo da importância deste seminário. Nós precisamos trazer aqui as pessoas dos setores representados para conversarmos, dialogarmos, para continuarmos valorizando aqueles que sempre serviram o País, o rádio e a televisão. Repito: não somos contra nenhuma big tech, não somos contra nada da Internet. Nós só precisamos que não haja dois pesos e duas medidas. Nós precisamos igualar um ao outro, Deputado Silas Câmara.
Por um lado, têm responsabilidade o rádio, a TV, o jornalista, o locutor, o apresentador ao darem uma notícia, que custa muito para o empresário, que paga uma outorga, paga um aumento de potência, paga uma mudança de endereço, uma atualização, paga a renovação, paga os encargos, que são altos, e por aí vai. A carga tributária do setor é muito alta. Por outro lado, não está regulado, não está regulamentado o setor das big techs, que, às vezes, têm no Brasil funcionários que são dos Estados Unidos, da China ou de outros países e não tributam no Brasil. Não há igualdade. É preciso haver inclusive igualdade social, é preciso haver aqui igualdade entre todos. A lei é para todos, não é só para mim e para a Deputada Dani, não. Ela é para o Deputado Silas, que é lá do Amazonas, é para o Prof. Juliano, que é da Universidade de São Paulo, e assim sucessivamente.
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Essas empresas precisam entender que é necessário trazermos a responsabilidade para todos. Se há uma carga tributária alta para o setor de rádio e televisão, vamos tratar de diminuir isso ou trazer a responsabilidade para essas big techs também. Nós precisamos trazer essa responsabilidade para todos que não a têm hoje.
Ora, falam o que querem na Internet e não têm responsabilidade nenhuma, Deputado Silas. Nós queremos preservar que o brasileiro possa usar o seu celular, a Internet para falar o que quiser. Precisamos manter a liberdade de expressão, aquilo que é garantido na Constituição, mas também precisamos ter coragem de legislar nesta Casa e colocar no ritmo, na regra que é para os outros também as big techs, a Internet, precisamos trazer a responsabilidade para aquele que fala uma notícia falsa, que não fala a verdade, que dá uma notícia sem fonte.
Hoje, quando vemos uma notícia, temos que perder tempo perguntando a uma assessoria se é verdade ou não. Antigamente, ouvíamos e já agíamos. Nós temos o programa A Voz do Brasil, que traz todas as verdades do Brasil, que fala o que acontece de verdade. Mas o fato é que nós temos que sair correndo para ver se um assunto é verdade ou não, e, até que isso aconteça, pode-se dar uma notícia falsa e acabar com uma família, acabar com a vida de um político, acabar com a vida de um juiz, acabar com a vida de um Parlamentar, acabar com a vida de um filho, como já aconteceu no passado, nessa loucura de processos, às vezes indevidos. Em um momento muito crítico no País, pessoas infartaram por causa de uma notícia falsa. Nós não podemos permitir que isso continue acontecendo no nosso País, que é maravilhoso.
Eu conversava agora com o Embaixador de Chipre, e ele falava da beleza do Brasil e do quanto eles adoram o Brasil, aquilo que nós temos a partir da Amazônia, Deputado Silas. Nosso País é maravilhoso. Mas nós precisamos ter a responsabilidade de não sermos aqui só Deputados ou Senadores de selfie, e sermos, sim, Parlamentares que prestam um serviço à sociedade com coragem.
Parabéns a todos que estão tendo a coragem de vir aqui debater! Esse é o lugar do debate. E nós continuaremos aqui trabalhando para defender a liberdade de expressão, mas também para trazer responsabilidade àquele que não cumpre com os seus deveres no Brasil, inclusive o de pagar os tributos.
Nós vivemos um momento muito difícil. O Presidente do Banco Central, nesta semana, em São Paulo, em uma homenagem que ali foi concedida a ele, falou comigo da dificuldade que o País vai enfrentar em 2025. Alguns setores, com carga tributária muito alta; outros não compensam pagando.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Deputado Cezinha, parabéns pela sua fala irretocável.
O Deputado Cezinha é não só um amigo querido, mas também um Deputado que tem vasta experiência no setor da comunicação. E ele levantou um ponto extremamente relevante enquanto falamos de comunicação.
Falamos da comunicação como um todo. Radiofusão e TV são setores da comunicação que já estão regulamentados, vamos dizer assim, já pagam seus altos tributos. No entanto, a parte digital, que é justamente o que estamos debatendo aqui, ainda tem essa não regulamentação, de que há pouco eu falei, que já gerou, nos últimos 4 anos, um prejuízo de mais de 200 bilhões de reais.
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O SR. CEZINHA DE MADUREIRA (Bloco/PSD - SP) - A nossa Bíblia diz que Jesus Cristo falou: "Ou você é morno, ou você é quente. Então, se você for ali, daquele jeito, vomitar-te-ei da minha boca".
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Perfeito. Excelente, Deputado.
O SR. JULIANO SOUZA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO - Muito obrigado. Primeiro eu gostaria de agradecer o convite feito gentilmente pela Deputada Dani Cunha e pelo Deputado Silas Câmara e cumprimentar os demais componentes da Mesa e todos os presentes, não só fisicamente como também virtualmente.
E quero começar fazendo dois elogios. Primeiro, elogio a própria iniciativa de pensar a regulação do ambiente digital, dos ecossistemas digitais, tendo em vista os riscos à privacidade, à própria democracia e à concorrência no mercado observados. É uma iniciativa importante refletir sobre esse tema. E o segundo elogio se dirige justamente à reflexão e ao cuidado tomado ao chamar também a academia para esse debate. Isso é muito importante, tendo em vista que existem riscos da própria regulação.
O Deputado Cezinha de Madureira falou em equilíbrio, falou em meio-termo. O Deputado Silas Câmara também destacou isso e falou em regulação justa. Essas são preocupações que mostram uma inclinação para a reflexão e para a ponderação, que é muito importante para o exame das consequências da regulação, para o que a academia pode trazer uma boa contribuição. É preciso tentar esclarecer os cenários e contribuir com o debate ao mostrar quais podem ser as consequências e, portanto, como se pode dosar essa intervenção do Estado no mercado, no domínio econômico — o mercado é extremamente dinâmico e envolve tecnologias complexas, não é simples de compreender.
E, com relação a isso, agora eu vou sair do campo da tributação e olhar para a concorrência nos mercados digitais. Existem três crenças importantes que estão na base dessas iniciativas de regulação da concorrência em mercados digitais, mas que merecem reflexão e podem ser beneficiadas com estudos e contribuições da academia.
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A segunda crença é a de que essa intervenção seria absolutamente necessária para gerar contestação das líderes que vêm sendo observadas nesses mercados digitais.
E a terceira crença é a de que o modelo europeu poderia servir de inspiração ou já seria adequado para uma regulação do mercado digital, dos mercados digitais nacionais.
Então, com relação à primeira, a ideia de que se trata de uma intervenção leve, nós temos que primeiro pensar que o movimento diz respeito a tornar um mercado extremamente dinâmico, de inovação, um mercado regulado. Essa transformação é importante e precisa ser bem pensada. As iniciativas de regulação têm olhado para a restrição a determinadas condutas, como condutas de discriminação de condições de oferta de serviços ou de uso ou tratamento de dados pessoais ou dados em geral que são utilizados e processados, muitas vezes, por inteligência artificial para aumentar a eficiência do serviço. Então, são restrições a algumas condutas que normalmente, algumas vezes, são apontadas como intervenções leves. Agora, quando nós tornamos um mercado dinâmico um mercado regulado, nós podemos perder em eficiência no atendimento aos usuários, aos consumidores nesse mercado. Portanto, cuidado. E a reflexão é importante. Alguém pode dizer que nós estamos numa situação diferente das experiências de regulação no Brasil, em que ela foi construída em cima da privatização de serviços públicos e que as dificuldades ou falhas de mercado envolvidas levaram a regulamentações que envolvem inclusive a regulação de preços em determinados setores.
Então, com relação a isso, aparentemente, uma regulação dos mercados digitais seria mais leve. Nenhuma das propostas envolve regulação de preço, mas nós temos que lembrar que vários desses serviços disponibilizados são serviços gratuitos e que o grande valor ou ativo — alguns comparam a moeda — são os dados. E os dados são objetos de regulação. Não só os dados pessoais, e já existe uma legislação própria para isso, mas a forma de tratamento de dados vem sendo discutida como um objeto de restrições, que talvez possa se equiparar a restrições de preço, porque a base do modelo de negócios nos serviços digitais está ligada ao tratamento de dados e ao tratamento de dados com o uso de inteligência artificial. Portanto, é delicado, sim, esse movimento de regulação.
Muito importante olhar para as consequências dessas intervenções e condutas em que se observa e se propõe alguma restrição e verificar qual seria o impacto nesses mercados, no mercado brasileiro em particular.
Segundo ponto. Há a ideia de que essas intervenções seriam absolutamente necessárias para trazer contestação e rivalidade nesse mercado — ou nesses mercados. O termo "mercado digitais" encampa uma série de serviços distintos, que não são necessariamente concorrentes e precisam ser analisados com cuidado. Não existe um mercado digital, mas diferentes serviços que formam diferentes mercados, e a intervenção regulatória precisa olhar para as consequências nesses diferentes mercados.
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Em relação à necessidade de intervenção, normalmente a visão é retrospectiva. Nós observamos a liderança de determinadas empresas por um tempo prolongado nesse mercado. Portanto, pensa-se na intervenção do Estado para promover a contestação. Agora, nós precisamos levar em consideração que estamos pensando na regulação justamente num momento de grande transformação desse mercado, que é consequência do crescimento dos sistemas de inteligência artificial. A inteligência artificial vem para provocar uma grande revolução mercadológica no ambiente digital. E isso precisa ser cuidado, porque o impacto é similar, em proporção, ao que foi observado na transição da mídia tradicional para as mídias digitais.
O que nós observamos nesse primeiro movimento? As mídias tradicionais produziam o seu conteúdo para os seus telespectadores nas diferentes modalidades e havia uma concentração de mercado também. Com a mudança para o ambiente digital, num primeiro momento, essas empresas de mídia apresentavam o seu conteúdo na Internet. Quando passamos para a Internet 2.0, ganhou maior relevo o papel das plataformas intermediárias que direcionam o usuário para uma vastidão de informações e de conteúdos na Internet. Nesse momento, deixamos de falar em entrar na Internet e passamos a participar de uma ou de diferentes plataformas. Então, houve uma mudança importante no acesso à informação, que deixou de ser fornecida diretamente por aquele produtor de conteúdo e passou a ser consumida nas plataformas. Isso afetou, negativamente, o próprio modelo de negócio das mídias tradicionais, que vivem uma crise hoje, tendo em vista que o modelo de renovação via venda de espaço publicitário tem agora o seu grande valor visto nas mídias digitais.
Algo semelhante está para acontecer — ou já está acontecendo — em relação à inteligência artificial para as mídias digitais. Em muito pouco tempo, o termo "entrar na Internet" vai deixar de ser usado, vai ser anacrônico, porque vamos passar para um momento em que nós estaremos permanentemente integrados a dispositivos operados por sistemas de inteligência artificial. Também conviveremos com assistentes pessoais que vão estar nas nossas próprias vestimentas e que extrairão a informação do ambiente on-line.
Se antes eu extraía informação diretamente das mídias tradicionais e, em seguida, passei a extrair informação dos intermediários, daqui a pouco, eu não vou mais entrar ou participar de plataformas intermediárias, mas vou consumir informação do meu assistente pessoal, que é um sistema de inteligência artificial. E isso vai provocar, nas plataformas e nas empresas on-line, uma transformação semelhante à que ocorreu com as mídias tradicionais.
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Então, diante dessa transformação brutal, é importante não só olhar para o passado, mas pensar nas consequências numa visão retrospectiva, numa análise do poder de mercado. Temos que fazer uma análise agora prospectiva e muito cuidadosa — porque as transformações estão ocorrendo — sobre quais seriam as consequências de uma regulação para um mercado que está em transformação.
Em vez de pensar só em poder de mercado no ambiente digital e de plataformas, talvez fosse interessante se pensar em como estaria a alocação e as relações de poder nesse novo mercado de inteligência artificial por dois fatores. O primeiro é esse potencial de transformação. O segundo é o fato de que as próprias plataformas baseiam seu modelo de negócio em inteligência artificial.
Aqueles que venham a adquirir posição de poder nos mercados de inteligência artificial deveriam ser foco também de preocupação, para entender como é que vai funcionar esse mercado. Basta dizer que a empresa que já despontou nesse mercado de inteligência artificial é a OpenAI, que não era uma das plataformas dominantes. Então, existe um potencial de transformação e de mudança das relações de concorrência muito grande. Não podemos só olhar para trás, para os últimos 15 anos de domínio das plataformas. Temos que olhar para frente e entender quais são as consequências dessa mudança.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Prof. Juliano, só faço uma questão de ordem.
O SR. JULIANO SOUZA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO - Com relação ao último ponto, só para concluir, sobre essa crença na necessidade da intervenção do Estado para promover contestação no mercado precisa se refletir com mais cuidado, porque a transformação pode já estar ocorrendo dentro do mercado. E, ao olhar para a regulação, é preciso olhar para essa nova realidade dos mercados de inteligência artificial.
Cito o modelo europeu, que vem sendo inspiração não só no Brasil, como em diferentes países, na regulação que já foi mencionada antes, que é o Digital Markets Act. Com relação a isso, temos três perguntas importantes para fazer. Acho que a academia, de novo, pode nos ajudar a pensar sobre isso. A iniciativa europeia é baseada numa estratégia geopolítica específica da Europa e de posicionamento em relação aos grandes líderes globais nos mercados digitais. É uma estratégia no sentido de exercer uma soberania normativa, estabelecer e influenciar globalmente quais seriam os padrões de governança nesse ambiente.
Pergunto: é interessante para o Brasil adotar a mesma estratégia geopolítica? Mais do que isso, o Brasil possui condições de ter sucesso com essa mesma estratégia geopolítica, como fornecedor de parâmetros de governança global nos mecanismos on-line? É importante estudarmos e entendermos isso com cuidado. Temos as mesmas condições de mercado do que os diferentes mercados de serviços digitais europeus? Não necessariamente. Por exemplo, o mercado de varejo on-line, na Europa, tem a posição dominante da Amazon. Aqui no Brasil não é assim, é diferente. Então, temos que olhar as condições de mercado locais para pensarmos nas consequências da regulação.
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Por fim, o Brasil tem uma tradição bem estabelecida, trazida pela jurisprudência do CADE, que é o órgão judicante sobre repressão e infrações à ordem econômica. A nossa jurisprudência é semelhante à europeia? Existem pontos de contato, mas existem diferenças, em particular, a decisão sobre casos no ambiente digital. Então, nós temos que entender qual é o impacto de uma regulação que imponha obrigações ex ante em relação à jurisprudência do CADE. Esse é outro ponto em que a academia também pode ajudar.
De novo, elogio a preocupação não só quanto à regulação, mas também quanto ao equilíbrio da regulação, buscando evitar erros de intervenção. A academia pode contribuir com isso, pensando em diferentes alternativas para a regulação da concorrência em mercados digitais, o que inclui intervenção com regulações ex ante; aperfeiçoamento do processo, do conteúdo e da atuação do CADE; e contribuição, eventualmente, com outros órgãos para reforço do aparato institucional de defesa da concorrência.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Prof. Juliano, muito obrigada pela sua exposição.
Eu queria, por gentileza, convidar o Deputado Reginaldo Lopes a juntar-se à Mesa e agradecer-lhe por, gentilmente, aceitar participar e me ajudar a colocar representatividade da Câmara dos Deputados nesse nosso seminário. Hoje o nosso tema principal são os novos desafios regulatórios do ecossistema digital. O nosso painel, especificamente, aborda o poder do mercado e as oportunidades fiscais.
O SR. REGINALDO LOPES (Bloco/PT - MG) - Bom dia a todos e todas. Agradeço o convite à Deputada Dani Cunha para participarmos desse momento tão importante. O mundo da democracia e o mundo da comunicação passam pelo mundo digital. Então, essa será uma tendência do século XXI.
Primeiro, quero dizer que, no âmbito da reforma tributária, Deputada Dani, nós estamos buscando uma correção de enormes distorções que o nosso sistema provocou para todos os setores econômicos. Eu sei que, na busca de fazer uma síntese rápida sobre a reforma, as pessoas falam que estão organizando uma simplificação. Lógico, simplificar é sempre positivo. Mas eu quero dizer que não se trata só de uma simplificação. Na verdade, é uma megassimplificação. Mas, para além de fazermos esta megassimplificação, nós estamos corrigindo inúmeras distorções no nosso sistema tributário que não existem em nenhum lugar do mundo.
Quanto à simplificação, de fato, o Brasil não tem regras tributárias, tem exceções tributárias. O Brasil praticamente tem uma exceção para cada CNPJ do Brasil. São 460 mil normas tributárias.
Assim, vamos ter uma única legislação nacional do ponto de vista da reforma sobre consumo. Hoje existem 27 legislações estaduais, sendo 5.571 legislações municipais e centenas de milhares de normas, portarias, legislações sobre PIS, COFINS e IPI. A reforma unifica todos esses impostos sobre consumo — IPI, PIS, COFINS, ISS, ICMS — e cria um único imposto, que é o IVA — Imposto de Valor Agregado. Ele é dual, mas é único. Na verdade, ele é dual porque o Brasil vive uma transição na política, e há uma espécie de desconfiança. Um Governador falou para mim que não é desconfiança, é transição federativa. Então, há uma transição federativa.
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Fizemos o IVA federal, da União, e o IVA subnacional. Mas o que importa é que teremos uma única legislação e um comitê único nacional gestor. Por que isso é importante? Porque, de fato, a nossa economia passou a perder PIB no mundo, O Brasil já teve 4% do PIB no mundo, hoje tem 2,2%. O Brasil praticamente se desindustrializou, passou a ser um país primário-exportador. É lógico que o nosso setor primário ficou tão potente que também tem tecnologia. É um erro achar que o setor agro não agrega tecnologia. O que estou dizendo é que qualquer produto com mais de duas fases de produção, de valor agregado, torna-se inviável, porque o nosso sistema cobra imposto do imposto, imposto do valor acumulado. O nosso sistema não cobra imposto do valor adicionado. Isso faz uma diferença do ponto de vista da concorrência.
Então, Deputada Dani, se eu pudesse resumir a reforma tributária, eu diria que, pela primeira vez, nós estamos fazendo uma reforma estruturante, uma reforma que vai garantir ao setor produtivo competitividade. Nós vamos fazer uma reforma para dar produtividade, ganho de produtividade a todos os setores econômicos, mesmo se houver setor de serviços. E os serviços? Não existe nação sem indústria. A Argentina era a maior economia das Américas e hoje está toda fragilizada.
Costumo brincar que nascemos pela mão da indústria, morremos pela mão da indústria, acordamos pela mão da indústria, dormimos pela mão da indústria. Então, o projeto de nação tem que ser um projeto de fortalecimento também da indústria. Não é que a indústria tenha sido a mais beneficiada. Qualquer setor com mais de dois, três, quatro elos de produção se torna o mais prejudicado, porque esta cumulatividade tributária tira desse setor a sua competitividade. Mas não é uma competitividade, Deputada Dani, só para vender para o mercado exterior, embora seja muito importante. Gostamos de dizer que somos um país com superávit na balança comercial.
O nosso superávit na balança comercial é devido ao conceito da reforma tributária de não cobrar imposto na exportação, o que foi feito em 1995 para o setor primário. Só que o Brasil se tornou uma economia primária. O nosso superávit na balança vem das contas do setor semielaborado ou do setor primário. Quando recortamos o setor de valor agregado, o setor manufaturado, vemos que o nosso déficit, em 2022, foi na casa de 128 bilhões de dólares. Para cada bilhão de dólares, é como se o Brasil estivesse exportando 30 mil empregos. Com esses 128 bilhões de reais, nós vamos chegar a quase 3 milhões de empregos.
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O Brasil virou uma espécie de exportador, de gerador de empregos de valor agregado fora do País, nos mercados internacionais, e um importador de mercadoria de valor agregado. Mas a não competitividade da indústria nacional não é só no mercado internacional. Por que há esse debate se os importados vão ser tributados ou não? Porque também os importados conseguem chegar ao Brasil mais baratos do que os produtos da economia nacional. Então, essa reforma faz essas correções de rumo. Ela busca corrigir essas distorções.
O conceito da nossa reforma é o de megassimplificação. Ela corrige distorções enormes de se cobrar imposto na exportação. Nós não podemos, Deputado Luiz Carlos Hauly, cobrar imposto na exportação. Por que, em 1995, nós erramos? Porque não deveríamos ter tirado imposto só dos setores primários. Deveríamos ter feito a reforma tributária.
V.Exa. é do Rio de Janeiro, Deputada. Eu sou de Minas Gerais. Nossos Estados não têm dívida bilionária com a União. Nós sofremos uma invasão de competência tributária feita pelo Governo anterior — o Ministro era o Antônio Kandir, que deu nome à Lei Kandir —, que tirou os nossos impostos na origem, não nos deu os impostos no destino, e nós ficamos sem receita, ficamos endividados. Esta é a origem dos problemas. Não é por acaso que todos os Estados que devem são exportadores primários ou semielaborados — devem 90% da dívida com a União. Então, a reforma corrige essa distorção.
A Constituição diz muito bem: o imposto é no destino pleno. Então, também é mais uma correção. Não faz sentido a Deputada Dani Cunha usar o seu cartão de crédito e pagar imposto para o Estado de São Paulo. Não faz sentido um cidadão do Piauí pagar imposto para outra cidade ao comprar um carro. O imposto é no destino.
Outras correções de distorções também são importantes. Aí entram aqui no nosso debate os investimentos. Não podemos cobrar impostos de investimentos. Tudo que for considerado investimento, seja para a área da comunicação, seja para a área da saúde, seja para a área da educação, tem que ser creditado. Não faz sentido.
Eu sou mineiro e adoro um queijinho. Se for fazer um laticínio, mesmo que não tenha vendido nenhum queijinho mineiro — nem canastra, nem frescal —, já vou começar pagando imposto. Eu deveria poder cobrar e só pagar imposto depois que eu vendesse o produto. Então, esse também é um princípio que ajuda a modernização do setor intensivo em tecnologia como o setor da comunicação.
Também acredito nessas distorções que estamos corrigindo com a reforma e com as soluções que estamos agregando, como a inteligência digital. Temos agora à mesa o split payment. O Deputado Luiz Carlos Hauly sempre defendeu essa tecnologia inteligente. Só pela utilização desse mecanismo, poderemos reduzir a carga tributária em 3% a 4%, porque ele combate a sonegação, a fraude e a inadimplência.
O mundo hoje faz relações comerciais por meio de pagamentos. Com o split, já podemos separar, cobrar, creditar, debitar, devolver resíduos tributários para o setor produtivo, devolver os recursos para o Estado, para a União, para o Município, imediatamente, em 3 dias. Isso é uma revolução, porque o sucesso do novo modelo econômico é o creditamento pleno, e não a cumulatividade tributária plena.
Nós assistimos à questão da medida provisória sobre normas para creditamento.
Isso é fruto de um país judicializado, de um país inseguro, de um país onde quem tem crédito também não recebe. Isso tudo é custo. Tira a eficiência. Não dá ganho de produtividade aos setores econômicos brasileiros. Tira o Brasil da disputa com os importados, tira o Brasil da presença de valor agregado no exterior.
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Então, do ponto de vista da comunicação, do jornalismo, do mundo digital, o modelo de toda essa produção cultural, audiovisual, foi baseado na boa literatura do direito comparado internacional. Nós não inventamos. Nós estamos fazendo a reforma de conectar o nosso ecossistema ao ecossistema internacional sobre tributação em relação ao consumo. Essa é a nossa reforma. Nós baseamos também a conexão desse sistema nas experiências internacionais. E, naquilo em que já havia imunidade, como no setor de telecomunicações, na compra desses equipamentos, nós preservamos essa imunidade. E também conseguimos buscar no nosso sistema tributário, praticamente, três alíquotas: a alíquota padrão, a reduzida e a zero. Do ponto de vista desse setor, calculamos a alíquota efetivamente paga. Isso foi interessante.
Por que a alíquota da saúde, da educação, do transporte e de outros setores — telecomunicações, jornalismo — entraram na alíquota reduzida de 60%? Porque, efetivamente, a alíquota é menor. A reforma tributária é neutra. Ela não quer aumentar a carga tributária, menos ainda para o cidadão, porque quem paga imposto sobre consumo é o consumidor, não é o setor produtivo. O setor produtivo paga renda, paga patrimônio, paga outros tipos de impostos, mas, nesse caso, é o cidadão.
Também fizemos a Emenda Constitucional nº 132, de 2023, que o Congresso Nacional votou e promulgou em 20 dezembro do ano passado.
Então, é a partir desses preceitos também que nós estamos regulando e regulamentando a reforma no PLP 68/24, que espero, na primeira ou na segunda semana do mês de julho, vá a plenário, para todos nós debatermos e aprofundarmos essa regulamentação.
Por último, eu gostaria de dizer que eu estou muito confiante. Nós vamos sair do pior sistema tributário do planeta — estamos entre os dez piores sistemas, de acordo com o Banco Mundial —, para entrarmos nos dez melhores, talvez entre os cinco melhores do mundo, porque nós somos um país avançado tecnologicamente Temos nota fiscal — não é, Deputado Hauly? Agora nós vamos ter uma nota fiscal única, nacional, com a mesma nomenclatura. Vamos fazer um split mais inteligente do que alguns outros países na Europa fizeram.
Então, a nossa reforma vai ser supertecnológica. Ela vai fazer essa revolução em 3 anos, 4 anos. Eu costumo dizer que ela ainda vai ser popular, Deputada Dani. E por que ela vai ser popular? Porque nós ainda vamos implementar o chamado cashback, que é a devolução de parte dos impostos para as pessoas de menor poder econômico.
Na condição de economista, não como político, político tem o debate, tem os arranjos políticos, tem as convergências necessárias, tem os acordos, tem o diálogo, mas, como economista, eu sou convencido de que o melhor era haver o menor número de exceções possível para que pudéssemos devolver o imposto para quem tem menor renda.
Isso é mais progressividade. Esse é um modelo mais redistributivo de riquezas.
Não justifica todos que estão nesta sala comprarem um botijão de gás e pagarem o mesmo preço que paga uma mãe negra, mãe solo, que ganha Bolsa Família, que tem três filhos. Ou um dono de banco pagar a mesma alíquota na compra de cesta básica que o porteiro do banco. Isso é regressividade. Ao devolver para aqueles que têm menor renda, isso é progressividade. Isso é justiça social. E o mecanismo do sistema tributário também tem responsabilidade com o enfrentamento às desigualdades.
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Então, nessa perspectiva, a nossa reforma, além de ser a melhor tecnologicamente, nós também vamos fazer uma reforma popular ao devolver parte dos impostos para as pessoas mais pobres. Em relação ao botijão de gás, devolvermos 100% para 73 milhões de brasileiros que estão no CadÚnico, com renda per capita de meio salário mínimo. Na compra de alimentos, 20%. Na energia, na água, no esgoto, 50%, ou seja, é um mecanismo interessante que vai fazer a economia girar, crescer e fazer mais justiça social.
Esses foram os princípios, Deputada Dani. Coloco-me à disposição. O Deputado Luiz Carlos Hauly acabou de chegar. S.Exa. é um professor, nosso mestre. Mas me coloco sempre à disposição para continuarmos esse debate, que eu acho extremamente importante. O sistema tributário brasileiro é muito complexo, judicializado, essa é outra questão que nós vamos resolver.
No mundo, onde há um sistema como o IVA, há 1% do PIB na Justiça. O Brasil tem um PIB na Justiça. Isso é um absurdo. O cidadão paga sem saber que está pagando, paga um imposto covarde, escondido. Essa é outra mudança. O imposto brasileiro será por fora. A pessoa saberá separar o preço deste celular com o preço do imposto. Vai pagar mil reais pelo celular mais 260 reais de imposto, totalizando 1.260 reais. Isso é transparência. E transparência é uma questão fundamental para a formação de consciência política, consciência cidadã, consciência fiscal. E é essa consciência fiscal que vai também mudar a mentalidade dos homens públicos, dos gestores e dos agentes, na perspectiva de gastar melhor, de investir melhor o dinheiro dos impostos, os recursos públicos nessa perspectiva. Isso é muito importante também para mudarmos o País e para melhorarmos a eficiência dos gastos públicos no País. Essa é a transparência.
O cashback promove isso, o imposto por fora promove isso, o split payment vai também promover isso. Nós vamos dar um prêmio, sortear 0,05% da CBS para a consciência cidadã, para forçar a formalização. O débito e crédito fazem um modelo compartilhado de fiscalização, todo mundo junto para combater.
Então, acho que vamos conseguir reduzir, esse que é o maior imposto sobre consumo no mundo, de 35% para 25%, 26%. Quem sabe, depois de 5 anos, quando iremos rever as alíquotas, reduza-se mais ainda, porque eu tenho certeza de que o novo modelo vai também, ao ampliar a base de tributação, não separar bens tangíveis e intangíveis, serviços de mercadoria, cobrar nas plataformas digitais, todo mundo no destino, eu tenho convicção de que nós vamos aumentar a arrecadação e aí poderemos ainda mudar, ainda baixar, reduzir mais esse imposto para os consumidores brasileiros, porque tributar consumo não é uma boa prática tributária. Devemos tributar o menos possível para fazer a economia girar mais e promover mais produção de riqueza, emprego e renda e oportunidade de qualidade de vida para todos e todas.
Obrigado, Deputada Dani Cunha. Não sei se era essa a expectativa, talvez fosse mais fácil eu responder às perguntas, mas é com enorme carinho que eu estou aqui para parabenizar V.Exa. pela iniciativa, por pautar também a reforma tributária dentro desse contexto das telecomunicações, dentro do contexto do mundo digital. Eu acho que isso é fundamental. Pode ter certeza de que nós preservamos todos os direitos constitucionais desse setor e também fizemos a alíquota de equilíbrio para a tributação.
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A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Deputado Reginaldo, muito obrigada pela sua explicação pragmática, transparente e direta sobre a importância dessa nossa reforma tributária.
Sem sombra de dúvida, existem muitos questionamentos acerca da reforma, como também isso impacta o setor das comunicações, o qual estamos aqui discutindo.
Quero agradecer imensamente a V.Exa. Quero dizer que nós vamos contar muito com o senhor, porque temos muito o que discutir acerca de tributos no meio digital. Com certeza, haverá inúmeros desdobramentos, não só nos seminários de hoje, não só no grupo de trabalho, como também na reforma tributária.
A nossa expectativa aqui com tudo isso é que consigamos, através da Comissão de Comunicação, desdobrar em conjuntos de leis ou em marco regulatório, mas, de alguma forma, que consigamos trazer à tona, após um debate elucidativo, um conjunto de regulamentações, e, sem sombra de dúvida, V.Exa. vai ser uma parte importante nessa interlocução.
Muito obrigada por dispor do seu tempo, por explicar com muito cuidado a todos em que pé estamos e a que pé o País pretende chegar. Eu também tenho bastante confiança.
Eu queria convidar para se juntar à Mesa o Deputado Luiz Carlos Hauly. E mais uma vez agradeço ao nosso consultor Cesar por ter cedido mais um espaço de fala, agora para o Deputado Luiz Carlos Hauly. Na sequência, eu lhe concederei a palavra
O SR. LUIZ CARLOS HAULY (Bloco/PODE - PR) - Bom dia. Obrigado, Deputada Dani Cunha, 1ª Vice-Presidente da Comissão de Comunicação, ilustres membros desta Mesa, convidados desta importantíssima reunião sobre os meios de comunicação do nosso país.
O Brasil, desde o começo do século XX até 1980, foi o país que mais cresceu no mundo, sendo que, de 1931 a 1980, teve o dobro do crescimento dos Estados Unidos, a uma taxa anual de 6,3%. A cada 16 anos, dobrávamos o nosso PIB. Estávamos seguros de que chegaríamos ao Primeiro Mundo rapidamente. Infelizmente, por erros estruturais de um sistema tributário iníquo e injusto criado em 1965, pela Emenda Constitucional nº 18, em que o legislador à época, em vez de adotar o modelo europeu, francês, de IVA, de imposto único na base do consumo de valor agregado, partilhou a base do consumo em três. Deu os serviços para os Municípios, com o ISS; deu os bens para os Estados, com o ICMS; deu um pedaço da tributação de bens para o Governo Federal, com o IPI.
E manteve o Imposto de Renda clássico na base da renda e manteve os impostos patrimoniais divididos entre Municípios e Estados. A Previdência ficou com o Governo Federal também.
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Daquele momento em diante, na medida em que se aumentava a carga tributária, aumentava-se a complexidade do sistema. Chegamos a 1988. Antes, porém, experimentamos uma grave crise econômica em 1981, 1982 e 1983, que derrubou o PIB em 8,7% e ocasionou a década perdida de 80, e começamos um ciclo negativo de 44 anos hoje, com um crescimento médio de 2%.
Imaginem uma empresa que estava crescendo a 6%, 3%, e, de repente, cai para 2%, tendo picos, na década de 80, em 1982, de 11%, e, em 1982, de 20%, quando a economia ficou zerada. Imaginem o que aconteceria se fosse uma empresa, uma grande corporação internacional. Teria quebrado. Como é um país, nesses 44 anos, não conseguimos dobrar o PIB. Antes, a cada 16 anos, dobrávamos o nosso PIB.
Este é o coração do problema da economia brasileira, que eu venho falando há mais de 35 anos, desde que conheci o modelo tributário europeu, através de um convênio. Com a metade da idade que eu tenho hoje, conheci o modelo alemão. Fiz um convênio com a Secretaria de Fazenda de Berlim, quando Berlim ainda era sitiada pelos aliados. Daquele momento em diante, eu falei: "Mas, caramba, o Brasil não tem um IVA". E eu, como economista, comecei a debater, porque na academia se estuda en passant o sistema tributário. E comecei a me dedicar ao IVA.
Cheguei ao Congresso em 1991 e falei: "Olha, eu vou fazer um IVA dos Estados". Naquela época, em 1991, nos Estados, era preponderante a base do consumo, o IPI era pequeno.
Aí o Governo Federal, após a Constituinte, turbinou o PIS e a COFINS, e começou a inventar outros tributos na base do consumo. Criou, inventou tributo na folha, ampliou a tributação da folha e transformou a base do consumo no Brasil a mais tributada do planeta e das galáxias.
Dos meus estudos, na minha referência, 75% da arrecadação brasileira está sobre a base do consumo e folha, porque folha também é consumo. Pode-se morrer de tributar a empresa, vai tudo para o preço, até o momento em que a empresa não consegue ter competitividade. Aí ela parte para o planejamento fiscal, para a inadimplência, para a sonegação. E o pior dos mundos é que esse modelo foi-se complicando cada vez mais por milhares de normas tributárias.
O Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação — IBPT fala que houve mais de 400 mil normas tributárias da Constituinte até hoje e que existem hoje 35 mil normas tributárias ativas.
Aí eu vim pelo caminho, não deu certo a minha PEC, em 1991, que se transformou na Emenda Constitucional nº 3, aí apresentei outra, fui defendendo o modelo.
E aí passou o Governo Fernando Henrique. Nós tínhamos um grupo grande de trabalho, com o Mussa, com o Germano Rigotto. Passaram os outros Governos — Lula 1,2, Dilma 1,2, Michel Temer, Bolsonaro —, e a proposta era a mesma: criação do IVA. Ninguém gosta de pagar imposto, imposto é uma imposição, mas ele é o menos ruim de todos os impostos, é como a democracia, exceto todos os outros.
E, a partir de todo esse convencimento, houve várias outras iniciativas da academia, enfim, todos que entendiam do ramo defendiam o IVA. Só que, para chegar a esse IVA, foram anos e anos de debates. Só eu tenho mais de duas mil palestras, milhares de entrevistas, porque eu me dediquei muito a esse tema.
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E, no meio do caminho, Deputada Dani, eu fiz o SIMPLES. Como não dava para fazer o outro, pensamos em salvar as microempresas, com o movimento da Frente Parlamentar da Microempresa, SEBRAE, juntamos as forças, e aprovamos, em 1996, primeiro o SIMPLES, depois aprovamos o outro SIMPLES, até que, em 2006, eu fui o Relator do Super-SIMPLES e do MEI. Hoje existem 9 milhões de microempresas e 15 milhões de MEIs.
E a reforma tributária não chegou ao lucro real e ao lucro presumido, que dá menos de 1 milhão de empresas, mas que são responsáveis por 70% do PIB. Então, as pequenas e microempresas estão quase chegando a 30%. Quando nós começamos o movimento, eram 17% do PIB. O resultado foi enorme.
O que eu pensava? A microempresa é a única forma, ao lado do cooperativismo, de enfrentar as grandes corporações. Senão, o Brasil tinha que ter um padrão igual ao dos países médios europeus, com bastante microempresa e bastante cooperativismo, para enfrentar as grandes corporações nacionais e transnacionais.
Ainda estamos longe do paraíso de termos metade da economia, pelo menos, nas mãos das pequenas e microempresas. Um dos impedimentos centrais foi o sistema tributário, o mais iníquo, injusto, caótico e canalha do mundo.
O Banco Mundial tem feito relatório. Faz 1 ano ou 2 anos que não faz, mas ele contrata uma empresa para fazer, e Brasil, dentre 190 nações, está na posição 184, dentre os piores. No ambiente de negócio, em 124º. Ora, se nós somos a 8ª economia do mundo, o 5º território do mundo, a 7ª maior população do mundo, com as terras mais ricas, com as maiores reservas naturais, com as maiores reservas florestais do mundo, com as maiores reservas de água do mundo, com o melhor clima do mundo, com um povo que tem o mesmo traço do povo americano e canadense, qual é o problema? É um problema estrutural. Não tem nada a ver com o povo, com as empresas. Tem a ver com a estrutura que os Governos e o Parlamento mantiveram nesses 50 e poucos anos.
Chegamos à pregação. Estava com esse projeto pronto no Governo Fernando Henrique, pensei que ele fosse fazer, porque eu era tucano, fui Líder, Vice-Líder, mas ele não fez.
Bom, o fato é que o convencimento chega na hora certa, nem antes nem depois. E chegou o momento. Ano passado, aprovamos a Emenda Constitucional nº 132 e agora delegamos ao Governo Federal, Estados e Municípios mandarem a lei complementar. Mandaram dois projetos, frutos de mais de 500 pessoas — da União, dos Estados e dos Municípios — que se envolveram.
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Este não é um projeto do Governo Lula, este é um projeto de Estado. Aqui não há ideologia política, aqui temos a economia de mercado brasileira, que está falida. Nós temos uma economia de mercado de aproveitadores, em que os que podem mais choram menos, que recebem benefícios fiscais — planejamento fiscal, inadimplência e sonegação. Isso tem um custo. A renúncia fiscal custa 6,5% do PIB contábil, da União e Estados. A inadimplência custa 300 bilhões de reais por ano e tem um estoque de 5 trilhões de reais em dívida ativa, da União, Estados e Municípios. O contencioso tributário está em 75% do PIB, segundo o INSPER. Isso significa que nós temos 7,5 trilhões de reais — ou um pouco mais, porque o PIB já está acima de 10 trilhões de reais — de contencioso tributário. E o custo da burocracia está entre 100 bilhões e 200 bilhões de reais. O Banco Mundial fala em 100 bilhões e o IBPT, em 200 bilhões. Então, essas iniquidades destruíram o ímpeto das empresas — da geração de emprego e de renda, do lucro e do crescimento econômico.
O sistema tributário é a estrutura principal em qualquer economia do mundo. A economia existe para quê? A produção rural, industrial, comercial e de serviço nos países existe para quê? Para abastecer o cidadão, a família. Essa é a razão. Ela não existe para si mesma. A economia de mercado existe para abastecer. Por sua vez, S.Exa. o cidadão, o consumidor, a família, enfim, é empregada dos meios de produção ou dona. A produção é algo uno — bens e serviços. É única a produção de bens e serviços. Quando o IBGE calcula o PIB, o que ele faz? A soma da produção de bens e serviços. Este copo, este telefone, este microfone e este computador estão carregados de bens e serviços — serviços de transporte, de limpeza, de segurança, de contabilidade, do advogado, do engenheiro, do arquiteto do projeto. Está tudo dentro do preço. Já ouviram a expressão "no free lunch", "não existe almoço grátis"? Você pode tributar, e ele põe isso no preço, como eu disse um pouquinho antes, até o momento em que ele não tem competitividade. Por isso a mortalidade de empresas no Brasil é a maior do mundo. Nosso contencioso é 90% do contencioso do mundo. E poucos países do mundo tem uma dívida como a nossa.
Então, o que nós propomos? SIMPLES. Com a ideia do Super-SIMPLES, juntei oito tributos numa única guia. É como se fosse um sales tax mensal. Nos Estados Unidos é o Sales Tax, diário, no ato da compra e venda. O SIMPLES virou um sales tax mensal, ele é um percentual da receita bruta. Ali eu coloquei um percentual do ISS, do ICMS, do IPI, do PIS, da COFINS, do Imposto de Renda, da CSLL e da Previdência. E não cobramos da microempresa o salário-educação. Não cobramos o Sistema S nem o FUNRURAL.
E agora, o que podemos fazer? Há 10 anos eu conheci Miguel Abuhab, um empresário de Santa Catarina, que me trouxe uma proposta tributária através de um Senador do Estado. "Vou conhecer esse homem", falei. Eu era o Relator da PEC 293, em 2016, 2017 e 2018, que aprovei aqui nesta Casa, talvez nesta Comissão, ou na outra, por unanimidade. Só que não foi para a frente porque o governo mudou e eu não me reelegi. A PEC 293 gerou a 110 e a 45 — eu chamei a PEC 45 de 155, e a PEC 45 virou a Emenda Constitucional nº 132. Então isso avançou.
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Nós colocamos os conceitos — pagamento eletrônico em tempo real, no ato da liquidação da compra, crédito financeiro. Isso foi apelidado pelo Appy de split, que eu chamo de pagamento compartilhado. Qual é a ideia? Cada comprador, PJ, dado o que ele comprou, ele se credita, se ele comprou bem, se vendeu bem. Se eu comprei bem, com nota fiscal e pagamento no sistema financeiro, meu crédito fica na nuvem; se eu vendi bem, na medida em que vai entrando o valor, o dinheiro das minhas compras, eu recebo de volta aquele crédito, e encerrou a minha etapa. Eu não fico com nenhuma responsabilidade, e o Estado não tem mais nada a ver comigo, com essa empresa. Vai para a segunda, até o consumidor final.
Quem é que paga o imposto de consumo, hoje, no mundo inteiro? É o consumidor. No Brasil nós demos essa incumbência para as empresas, e as empresas se apropriaram do imposto do consumidor na guerra fiscal. Elas apropriam anualmente 650 bilhões de reais, que estão dentro dos preços. A inadimplência está dentro dos preços, o custo burocrático está dentro dos preços. O consumidor final consome 6,5 trilhões de reais. Segundo a POF — Pesquisa de Orçamentos Familiares, 6,5 trilhões de reais, 65%, é o consumo das famílias. Lá está embutida a maior carga tributária do mundo. Eu somei o arrecadado e o não arrecadado, os incentivados, a inadimplência e a burocracia. Isso dá 41% de alíquota, que vai cair para 26%. Esse é o primeiro ganho do consumidor brasileiro, das empresas — "desimpacta" as empresas.
O serviço de telecomunicações não vai mais pagar toda essa parafernália, não vai ter mais cumulatividade. A CNI contratou a LCA, que fez um estudo de cumulatividade. O agricultor brasileiro é o mais passado para trás em todos os tempos. Ele tem uma cumulatividade de 12%, que pode ser reduzida a zero. Mas fizeram travas; o próprio setor agrícola, sem me consultar, aceitou na negociação travas — eu sempre dei sugestões, indicações ao movimento agrícola brasileiro. Então, podemos zerar a cumulatividade. Qual é o princípio? É o da neutralidade. Nenhuma empresa paga o imposto, nem ele fica cumulativo, para não ficar correndo para a frente.
Outro ganho é que o imposto nunca mais ficará dentro da empresa, e o governo, municipal, estadual ou federal, não põe a mão no dinheiro antes da liquidação dos créditos das pessoas jurídicas. E, só na hora em que o consumidor final comprou, ele recebe de volta o seu crédito, e encerrou a operação dele. Vai para outra. É muito simples, como o Miguel Abuhab explica. É um pouco mais simples do que o Governo está explicando. Eu estava aqui há pouco com um amigo que é de um grupo de economistas e tributaristas, e ele me falou: "É mais simples do que você está pensando". A tecnologia está a nosso favor.
Ontem, aqui na sala da frente, fiz uma audiência pública com o Miguel Abuhab e o pessoal da Receita Federal e do SERPRO. O Juliano, da Receita Federal, da parte tecnológica, falou: "Tranquilizem-se. O Governo vai montar um sistema de segurança jurídica que não vai ter sigilo fiscal rompido, e nós temos tecnologia hoje". Garantiu ao Brasil e ao Congresso que o sistema está sendo montado na linha do Miguel Abuhab.
Sabem quem é o Miguel? Ele é o maior empresário de logística de abastecimento do Brasil.
É de Joinville. Ele gerencia 80% do abastecimento dos supermercados do Brasil. Trabalha com a indústria, o atacadista e o supermercadista, sabe o trânsito das notas fiscais. Ele presta esse serviço, vende esse serviço. Tem uma empresa muito bem-sucedida. Antes, ele era dono da Datasul, que foi vendida para a TOTVS. Então, nós estamos falando de alguém que tem conhecimento de causa — não um conhecimento simples —, está aí há 50 anos. Ele é engenheiro do ITA. E hoje todos estão defendendo o split, que é o pagamento compartilhado.
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De resto, cashback é solução. Redução de alíquota é transferência da alíquota para outros produtos. A economia de mercado, como eu expliquei, digamos, tem 1 milhão de itens, que são consumidos pelas famílias nos 365 dias do ano. Se eu tiro 100 mil itens, tenho que carregar a conta em 900 mil itens. A coisa é bem simples assim.
Do Imposto Seletivo eu já fui defensor. Hoje, abomino o Imposto Seletivo. Abomino cobrança do tipo CPMF — abomino. Por quê? Fui aprendendo. "Ah, alíquota zero, cashback, para família pobre." Ótimo! Eu defendi isso, PECs e tudo, mas é melhor fazer a devolução personalizada. Mas, como o legislador constituinte decidiu isso, nós vamos manter os dois. Vamos começar com a alíquota reduzida dos setores de educação, saúde, alimentação, transporte e habitação, que são os itens do art. 6º da Constituição — direitos constitucionais das pessoas e dever do Estado. E depois nós vamos arranjando.
E não existe setor de serviços separado do de bens. É uno. Toda a produção de bens e serviços está unida.
Isto é o que eu vim transmitir a vocês: tranquilidade. Eu não sou Governo e não faço oposição como já fiz antigamente ao PT. Fui o maior opositor do PT nesta Casa, por mais de 30 anos. Eu faço agenda construtiva, nacional, produtiva, porque, se não fizermos, ninguém fará. E eu estou transmitindo todo o conhecimento que adquiri aqui nesta Casa. A academia me deu a base, mas tudo o que eu aprendi nesses anos foi adquirido aqui dentro desta Casa. Já fiz milhares de palestras no Brasil e fora do Brasil.
A reforma é benigna para todo setor. Vai haver mais dinheiro no bolso do consumidor para comprar mais serviço de informática — isso é o que eu quero dizer para vocês —, para comprar mais chocolate, mais comida, porque nós vamos aliviar o consumidor desse peso que carrega hoje, dessa estupidez, desse manicômio tributário, que jogou toda a conta no consumidor final.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Deputado Hauly, é sempre um prazer poder compartilhar, ouvir e aprender também com a sua vasta experiência. Muito obrigada por trazer para este seminário, de forma elucidativa e pragmática, um pouquinho mais do que está por vir e dos desafios que nós enfrentamos hoje. Sem sombra de dúvida, como eu disse anteriormente ao Deputado Reginaldo, isso se reflete não só hoje nos nossos desafios de tributar o ecossistema digital, mas também, muito em breve, para além da reforma tributária, pois aqui nós teremos de elaborar uma solução, ou um conjunto de soluções. Então, sem sombra de dúvida, o senhor e a sua experiência serão muito importantes para colaborar para que cheguemos a essa solução.
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O SR. LUIZ CARLOS HAULY (Bloco/PODE - PR) - Esqueci uma coisa. Queria só fazer um comentário.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - É claro, por favor.
O SR. LUIZ CARLOS HAULY (Bloco/PODE - PR) - Eu fiz a Lei Kandir, a Lei do ICMS. Eu estive, lá atrás, no CONFAZ, elaborei a resolução que vigeu de 1988 a 1996. A Lei Kandir era o projeto do Kandir — ele virou Ministro —, e eu era o Relator. Eu negociei a desoneração das exportações de produtos in natura e semielaborados com os Estados, os Municípios e a União e com as empresas, o setor produtivo. Os produtos industrializados já eram desonerados até então.
A partir da desoneração, a partir da Lei Complementar nº 87, de 1996, eu criei um fundo de compensação. Já existia outro fundo de compensação na Constituição de 1988. E, finalmente, na balança comercial desses quase 30 anos da legislação, o saldo de exportação, desoneração de importação é positivo aos Estados. A briga é que Minas, Pará, os dois Mato Grosso, Goiás e alguns outros Estados são mais exportadores que importadores. Isso aí é um erro de partilha — é um erro de partilha, só isso —, que agora vamos resolver no texto constitucional.
Foi o zeramento da exportação que fez do Brasil o maior exportador de commodities do mundo, porque a tributação era empecilho. Devido a essa bagunça feita com a medida provisória recentemente, semana passada, os contratos internacionais começaram a ser repactuados. A China já passou a comprar dos Estados Unidos. Como ontem a solução foi dada, a medida provisória não tem mais eficácia, nós vamos recuperar o mercado. O mercado é muito sensível a qualquer carga tributária incidente nas exportações.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Muito obrigada, mais uma vez. Com certeza, sem sombra de dúvida, essa foi uma grande aula.
Retomando o nosso tema específico do ecossistema digital, vamos ouvir agora o nosso último expositor.
Antes, porém, registro que, para ampliar o debate, nós fizemos questão de tentar convidar o máximo, digamos assim, de origens de expositores possível. Então, tivemos a oportunidade de ouvir professores de diferentes universidades, Parlamentares. E teremos a oportunidade de ouvir também um grande consultor legislativo, pessoa que lida com o dia a dia, de fato, da construção das leis. Então, sem sombra de dúvida, também tem muito a elucidar.
O SR. CESAR COSTA ALVES DE MATTOS - Muito obrigado, Deputada, pelo gentil convite da Comissão, ou das duas Comissões que estão organizando este debate.
Eu cheguei a trabalhar numa publicação da Consultoria Legislativa, e a minha parte era sobre essa coisa de big techs e concorrência. E eu vou poder me utilizar do que o Juliano Maranhão e também o Andre Rossi de Oliveira, meu colega de UnB, já falaram. Então, isso já me facilita bastante para ser um pouquinho mais rápido, em relação ao que eu ia apresentar.
Vou fazer, então, um pouco esse misto de economia e de concorrência.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Já vou direto à primeira questão concorrencial importante. No final das contas, toda a ideia de gatekeepers, "dos porteiros", que embasa até o digital marketing europeu, o qual foi muito falado aqui, tem a ver com uma questão de concorrência. Na verdade, tem a ver com uma questão de integração vertical, em que se tem o negócio principal da big tech — por exemplo, o buscador horizontal do Google é o negócio principal do Google —, e os negócios adjacentes, os vários buscadores verticais, como chamamos. Por exemplo, o Google Shopping é um buscador vertical. Para chegar ao adjacente, você tem que passar pelo principal. Aí, você gera uma possibilidade de discriminação. Eu estou dando o exemplo do Google, mas há outros casos — loja de aplicativo, principalmente Android e da Apple. Aí, você tem possibilidades e tem que avaliar estratégias de discriminação na provisão de insumo, e contra terceiros. Aí, você tem essa ideia de avaliar a questão do self-preferencing, que é fazer a preferência, discriminar em favor de si próprio. Na verdade, não é uma análise econômica trivial, ela é realmente bastante complicada. E tudo tem a ver com essa questão de tentar estender o poder de mercado que você tem no negócio principal. Por exemplo, no caso do Google, é muito evidente que a busca horizontal do Google é algo que tem poder de mercado. No caso, por exemplo, de lojas digitais, as lojas da Apple, que estão no nosso celular, inventaram, na verdade, o negócio. Por essa razão, elas têm um poder de mercado para os aplicativos. Então, a questão é ter uma estratégia de extensão de poder de mercado do negócio principal para o negócio adjacente e evitar que o desenvolvimento de terceiros no negócio adjacente desafie eventualmente os negócios principais da big tech.
Há nisso, então, uma mistura de concorrência e regulação. Há ensinamentos da regulação de infraestrutura que podem ser utilizados aqui. Essa ideia de gatekeeping é muito utilizada na área de infraestrutura, em porto, em transmissão e distribuição de energia elétrica e também em telecomunicações — há esse tipo de preocupação. E muito da regulação está pautado nisso. Então, há uma divisão do trabalho entre agências reguladoras e agências de concorrência, aqui.
Qual é o consenso atual sobre o tema? Deputada, infelizmente não há. Na verdade, temos o Projeto de Lei nº 2.768, de 2022, do Deputado João Maia. A Deputada Any Ortiz fez vários seminários e consulta pública inclusive. Então, na verdade, há trabalhos bastante interessantes, em que você vê elementos dos dois extremos: um lado diz que os mercados digitais estão sem concorrência e que a legislação antitruste não dá conta disso, e o outro lado diz que ela dá conta perfeitamente.
E veja que essas citações que eu trouxe aqui para consulta são de doutrinadores, economistas e doutrinadores do antitruste e da regulação bastante estrelados nos dois lados. Então, no final das contas, não é muito claro. Enquanto na infraestrutura, quando nós fizemos as nossas regulações de acesso em vários setores, nós já pegamos muito do aprendizado de outros países, nesse caso aqui estamos pegando o Digital Markets Act, que acabou de começar. Então, não temos muito claro se funcionou ou se não funcionou, porque não foi colocado em operação ainda. Tudo é ainda muito embrionário, do ponto de vista da implementação, para saber se deu certo ou não.
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Muitos desses pontos das características econômicas das big techs, sugerem, de fato, que existe um espaço de intervenção na área de regulação muito importante, efeitos de rede; externalidades, que o Prof. Andre colocou; mercado de dois ou vários lados, quer dizer, a microeconomia desse negócio é diferente; economia de escala e escopo; vantagem de firma pioneira; dados — o Prof. Juliano Maranhão disse isso, dados são o novo óleo —, e aí tem toda uma discussão também de portabilidade de dados. Ao mesmo tempo, dados são investimento, então, como trabalhar os dados se eles são investimento. Então, no final das contas, "no such thing as a free lunch" para dados. Não é uma coisa trivial podermos concluir rapidamente o que fazer em termos de portabilidade de dados.
O modelo de negócio, nesse caso, é baseado em propaganda. Aí tem um dito interessante dos fundadores do WhatsApp: "Quando propaganda está envolvida, você, o usuário, é o produto". Essa é uma característica econômica muito forte do mercado de big tech. Na verdade, ele não cobra de você, então não é por preço. É muito diferente a dinâmica competitiva deste tipo de mercado. E a concorrência é baseada em inovações. Então, o conceito de destruição criativa de Schumpeter é muito forte aqui, e não só ele, quer dizer, o Handbook on Competition Policy in the Digital Age, de 2022, da OCDE, traz que nesses mercados há muito risco de falso positivo e muito risco de falso negativo. O risco do falso positivo é intervir e minar o espírito empreendedor do empreendedor schumpeteriano. Por exemplo, o risco de colocar uma self-preferencing como infração per se é muito grande. Em geral, muitas dessas big techs desenvolvem negócios adjacentes em que elas estão, na verdade, mirando para os próprios negócios delas, porque há um desenvolvimento dentro da empresa e é natural que seja assim. As empresas, em geral, fazem para si mesmas. Então, existe um grande risco de dizer: "Olha, você está fazendo uma conduta anticompetitiva", quando, na verdade, aquilo faz parte de uma estratégia de expansão e que é próprio de cada empresa. Não é uma estratégia anticompetitiva em si. De outro lado, a inação também pode levar à emergência de um poder de mercado durável, incontestável, onde haja uma inércia por um tempo bastante grande.
O caso do Google, eu acho que o caso mais importante aqui no Brasil foi o caso do Google Shopping e também em outras jurisdições, tem um voto belíssimo do ex-Conselheiro Mauricio, do CADE. Eu acho que, na verdade, tem ali dentro muita doutrina
de jurisprudência antitruste, muito sofisticada. Pode-se concordar ou não com o resultado final, não vou entrar nesse ponto, mas é muito sofisticada e muito competente a análise que foi feita no CADE. Inclusive, o Plenário ficou dividido — então, mais uma vez, não é uma coisa trivial —, se o algoritmo dele elevava artificialmente o ranking dos próprios serviços no Google Shopping ou não. E tem um bordão do Google, se compararmos com infraestrutura, no mínimo bastante convincente: há competição. No caso do Google, diferentemente da infraestrutura, está a apenas um clique a possibilidade de mudar. Os agentes não mudam, pois há o custo de troca do aprendizado. Você confia no Google, você gosta do Google, então há uma certa inércia e você resiste a dar esse clique. Mas, de fato, a competição está a apenas um clique.
Lojas de aplicativos: Apple e Google. Os consumidores, em geral, têm frequentemente softwares, dados, enfim. Então, temos o Android e a Apple; temos o relatório americano, de 2020, da Lina Khan, quando ela ainda não era a Presidente da Federal Trade Commission. Eles chegaram à conclusão de que Google e Apple não competiam. Disseram: "Não, são coisas totalmente diferentes. Então, não competem, não tem concorrência". Mas chega-se a uma implicação um tanto curiosa, porque, se eles não competem, se eles se juntassem não haveria problema. Intuitivamente, isso não parece ser verdade. Se eles se juntassem, se houvesse um ato de concentração que envolvesse tudo do Android, tudo da Apple, provavelmente isso seria um problema. De um lado, neste mundo se veem comportamentos muito mais cooperativos dessas empresas com os desenvolvedores, com terceiros, do que se viam na era em que esse tipo de problema estava restrito ao mundo da infraestrutura. De outro lado, há vários mecanismos de apoio aos desenvolvedores dessas mesmas empresas que não se pode subestimar e que são importantes, inclusive, para estimular a concorrência.
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O próprio relatório americano mostra alguns casos que são bastante desconfortáveis. No caso da Tile, a empresa fazia hardware e software para encontrar objetos perdidos, itens perdidos. E ela teve um período muito grande de cooperação com a Apple, até que a Apple desenvolveu o seu próprio software e começou a colocar dificuldades para a Tile dentro da loja de aplicativos da Apple. De fato, isso acende uma luz amarela. Então, eu estou dando exemplos de um lado e de outro em que pode haver, sim, espaço para uma intervenção, seja antitruste, seja regulatória, ex-ante.
O Facebook é muito citado pela política agressiva de aquisições, que eles chamam de killer acquisitions. Pouca atenção foi dada a essa ideia de concorrência potencial. Ele não estava exatamente no mesmo mercado relevante, por isso tem toda uma discussão de rever como definir mercados, que é a unidade essencial da análise de concorrência e de regulação. E houve pouca discussão, seja na aquisição do Instagram, seja na aquisição do WhatsApp.
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Existem autores que mostram como pode haver esse tipo de externalidade de rede mais custos de troca e gerar problemas na concorrência nesse mercado. A Amazon também tem os seus problemas. No Brasil, definitivamente ela não é um problema, e se ela for um problema, é um problema subsidiário em relação ao Mercado Livre, que é o player mais dominante no Brasil. Mas há questões em que se discute a opacidade do algoritmo do buy box da Amazon. Então, são coisas que também têm que ser discutidas
A Alexa também tem sido muito discutida. Ela estaria criando um grande portfólio de serviços. Quando é feita uma pergunta para a Alexa, a Alexa, em geral, responde com um produto da Amazon, e isso pode ser um problema. De outro lado, suponha que a Alexa fosse dada para você, assim como esses panfletos que você ganha das várias lojas de departamento: "Olha, minha forma de fazer marketing vai ser através disso", isso seria um problema anticompetitivo? É realmente uma questão a ser discutida.
Vários autores alertam, o Digital Markets Act avaliou o self-preferencing como per se, ou seja, é uma conduta de proibição absoluta. Isso é muito arriscado, Deputado. É muito arriscado, porque, na verdade, se está impedindo vários desses agentes de desenvolverem negócios correlatos. Se está impedindo o espírito inovador, isso pode ser um grande risco. Esses autores, o Kremer, de Toulouse, e outros autores colocam teste de efeitos, e isso remete a uma coisa muito parecida com o que se faz com a defesa da concorrência, que é usar a chamada regra da razão. Vai-se analisar custo e benefício, conduta a conduta, antes de botar a ferro e fogo que aquilo ali deve ser proibido ou não. E mais do que isso, tem que usar uma máxima de defesa da concorrência e dizer: "Olha, você tem que proteger a concorrência e não os concorrentes". Essa máxima tem que ser lembrada em cada análise feita desse tipo de conduta como self-preferencing. E muito dessa análise de colocar como uma proibição absoluta tem a ver com a ideia de querer desenvolver concorrentes e não obrigatoriamente concorrência. Isso é muito sutil, mas é muito importante. As agências de concorrência, e as agências reguladoras também, têm muita consciência disso, portanto é importante não pensar em uma coisa absoluta para isso aqui.
Para encerrar, em relação à não discriminação é muito importante traçar essa linha divisória: o que é não discriminar? Por exemplo, a Apple traz um mapinha da própria Apple. Para quem usa o Google Maps, quando está na estrada ou está em outros lugares — eu já baixei o Google Maps e já encontrei outros Maps também —, o que vem aqui pode induzir, mas de fato acaba sendo uma escolha. Será que eu tenho que obrigar?
O que eu tenho que fazer? Proibir a Apple de botar o próprio Maps ou obrigá-la a botar todos os Maps? Talvez uma coisa intermediária: "Olha, você só não pode criar constrangimentos na hora que eu estiver baixando e começar a ter bugs aqui no meio do negócio". Então, a forma de intervir tem que ser uma forma muito inteligente para evitar que o próprio consumidor saia muito prejudicado disso aqui.
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Então, é isso, Deputado. Nós fizemos um livrinho com os colegas da consultoria, e eu trabalhei na parte digital de concorrência. Eu acho que a Deputada Dani está muito cautelosa nessa discussão. Ela sabe que, na verdade, nós estamos consertando o pneu no meio da coisa, porque não se sabe ainda exatamente qual é a medida adequada dessa regulação.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Muito obrigada, Cesar. Foi uma apresentação extremamente importante que realmente levanta pontos que muitas vezes são associados à concorrência, mas não é sobre a concorrência. Eu anotei até a sua frase: "Você tem que proteger a concorrência e não os concorrentes". Então, é um ponto extremamente importante, inclusive à medida que caminharmos, para tentar ajudar a dar rumos. Espero que isso seja lembrado e sempre colocado em primeiro lugar. O maior princípio de livre mercado é esse, e não seria diferente no âmbito digital.
Terminadas as apresentações desta sessão, caso haja algum interesse, poderemos iniciar uma rápida fase de debates. Eu gostaria de consultar a Secretaria para saber se houve algum inscrito. (Pausa.)
Não houve nenhum inscrito. Caso alguém queira fazer alguma colocação, tirar alguma dúvida ou ponderar algum ponto, estamos aqui à disposição. Do contrário... Concorrer com a hora do almoço é sempre difícil, não é? Mas, independentemente disso, eu gostaria aqui de agradecer imensamente a todos. Muitos podem dizer que está na hora do almoço e que não há perguntas. Não. Eu gosto de dizer que os assuntos foram bem esclarecidos, e as pessoas que nos acompanharam se sentiram respondidas, vamos dizer assim. Isso é sempre um ótimo sinal.
Então, já encerrando esse primeiro painel do nosso seminário, eu quero convidar todos os presentes para acompanharem o segundo painel, que vai ocorrer no período da tarde, a partir das 13h30min. Agradeço a todos os profissionais que estão aqui, os assessores parlamentares, os profissionais que vieram compor esta Mesa, a própria imprensa, o público em geral. Agradeço a todos pelas valiosas contribuições e peço àqueles que não vão participar de outros painéis que não deixem de nos acompanhar, porque nós não estamos fazendo apenas seminários. Nós estamos fazendo um build up, vamos dizer assim, para a conclusão de matérias e materiais que possam ser debatidos no âmbito da Câmara Legislativa, no formato de um conjunto de leis. E os senhores, certamente, são os grandes responsáveis pela espinha dorsal desse trabalho que desejamos fazer.
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12/06/2024
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13:44
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O SR. COORDENADOR (Carlos Manuel Baigorri) - Boa tarde a todos e a todas. Vamos dar continuidade ao nosso Seminário Os Novos Desafios Regulatórios do Ecossistema Digital.
Quero agradecer mais uma vez à 1ª Vice-Presidente aqui da Comissão, a Deputada Dani Cunha, não só pela organização, mas por todo o apoio que tem dado a esse tema e à realização deste seminário.
Eu vou ser o moderador desse segundo painel de hoje que fala sobre o avanço sobre os serviços convencionais e modelos regulatórios pró-inovação.
Senhoras e senhores, boa tarde. Estamos, neste momento, dando continuidade aos trabalhos sobre os avanços sobre os serviços convencionais e modelos regulatórios pró-inovação.
Passo aos esclarecimentos. Cada palestrante terá o tempo de até 15 minutos para a exposição. Encerradas as apresentações, estão reservados 15 minutos para o debate, e os Parlamentares que desejarem fazer uso da palavra, por até 3 minutos, deverão se inscrever por meio do sistema Infoleg Parlamentar. O público pode encaminhar à Mesa suas perguntas por escrito, e há formulários à disposição dos interessados com a assessoria do evento. Informo que este seminário está sendo transmitido ao vivo pela Internet e pode ser acessado pelas páginas das Comissões no portal da Câmara ou pelo Youtube, no canal oficial da Casa.
Para compor a Mesa, tenho a satisfação de convidar diversos convidados aqui. Eu vou mencionar um a um, mas informo que, para não ficarmos com a mesa cheia, vou chamando de dois em dois, que vão fazendo as suas apresentações.
Então, vamos chamar, ao longo da sessão aqui, a Sra. Priscila América Solís Mendez, professora da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília, a quem agradeço a disposição e já peço que venha se somar aqui. Muito obrigado. Chamo também o Sr. Alexandre Veronese, professor da Faculdade de Direito, membro do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações da Universidade de Brasília.
Após a apresentação dos dois, vamos chamar, na sequência, a Sra. Vânia Vieira, professora do IBDP, IBMEC e Enap; o Sr. João Camilo, Diretor de Assuntos Institucionais e Regulatórias do SBT; o Sr. Márcio Novaes, Presidente da Abratel e Superintendente Institucional da Record; o Sr. Deputado Danilo Forte; e a Sra. Sílvia Fagá Almeida, professora da Fundação Getúlio Vargas. Também informo que foi enviado o convite à Sra. Kaliana Kalache, Diretora do Meta Facebook, que respondeu e justificou sua ausência.
(Segue-se exibição de imagens.)
Agradeço o convite para participar deste seminário. Vou começar apresentando, então, o título do nosso trabalho: Estudo sobre o Avanço das Plataformas, Aplicativos e Serviços Digitais sobre Serviços Convencionais de Telecomunicações Regulados, incluindo, mas não limitado aos serviços de telecomunicações regulados.
Nós desenvolvemos esse trabalho com um conjunto de objetivos. O objetivo geral é o estudo dos novos desafios regulatórios do ecossistema digital do Brasil. É um trabalho estritamente técnico. E os objetivos específicos seriam o estudo dos principais desafios regulatórios originários das novas conformações do ecossistema digital para exercícios dos direitos fundamentais. Então, foi um trabalho desenvolvido na Universidade de Brasília, entre os professores da Faculdade de Tecnologia, do Departamento de Ciências da Computação.
Aqui está a lista dos professores que participaram desse relatório, que é bastante extenso, de mais ou menos 400 páginas. Então, é evidente que, hoje, em 15 minutos, eu não vou poder aprofundar todos os elementos desse relatório.
Mas ele está disponível no site da ANATEL e pode ser feito o download para consulta. Então, para quem quiser maiores detalhes do relatório, ele está lá, organizado em cinco capítulos.
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O primeiro capítulo faz um estudo sobre a corrida pela liderança digital. O segundo capítulo faz um estudo sobre a cadeia de valor, que é um tópico que eu vou aprofundar um pouco hoje. O terceiro capítulo fala sobre as OTTs, que também é um assunto que eu vou dar especial atenção aqui na minha apresentação. O quarto capítulo trata do impacto das OTTs na indústria global de telecomunicações. E o quinto capítulo, que, por uma questão de tempo, abordarei muito rapidamente, trata dos elementos habilitadores e das tecnologias habilitadoras para atender a essa evolução da Internet e dar uma perspectiva do andamento.
Então, na nossa estrutura da apresentação, eu vou começar com uma introdução em que darei ênfase ao tópico que traz o conceito de OTT, que é um assunto bastante discutido em muitos momentos, mas muitas vezes não fica claro o que são as OTTs. Vamos falar um pouco sobre isso e também como é a sua participação na cadeia de valor das telecomunicações. Depois veremos um pouco o ecossistema de Internet, com as visões do ecossistema, com os principais atores. Iremos analisar três dos principais atores desse ecossistema, que são as chamadas big techs, iremos ver em quais segmentos elas atuam mais fortemente. Também veremos essas dinâmicas de competição que podem acontecer entre elas. Depois faremos um panorama da regulação com um resumo, um apanhado das diferentes ações que têm sido feitas do ponto de vista tecnológico. E finalmente faremos as conclusões desse relatório.
Então, quando falamos de ecossistema digital, estamos pensando em um conjunto de serviços à sociedade, que vai ter o suporte desse ecossistema digital, formado por um conjunto de tecnologias, atores e forças de equilíbrio. Tudo isso enquadrado em um conjunto de tendências. Essas tendências podem ser tecnológicas, podem ser comportamentais e podem ser sociais.
Quando pensamos em OTT, cuja tradução literal seria Over the Top, pensamos: por que Over the Top? Porque estamos pensando em um tipo de serviço que está em cima de uma infraestrutura. Para entender melhor esse conceito, eu coloquei aqui para vocês cinco definições de diferentes órgãos bastante conceituados, como é o caso da União Internacional de Telecomunicações, como é o caso também de vários artigos científicos que pesquisamos.
Dentro de todas essas definições, o que temos? Temos que OTT, na verdade, não é uma empresa, não é uma entidade, OTT é um serviço. Quando falamos em Over the Top, estamos fazendo referência a um conjunto de serviços, e esses serviços estão sendo oferecidos em cima de uma estrutura baseada em Internet.
E o que é essa estrutura baseada em Internet? É uma estrutura que utiliza o protocolo TCP/IP, que é um protocolo aberto, um protocolo que não percebe royalties, não tem que ser feito nenhum tipo de pagamento para uso de todas as especificações desse protocolo e, por tal motivo, termina sendo uma plataforma muito interessante e muito inovadora, pelo mesmo fato de ser uma plataforma aberta.
Então, aqui podemos ver o conceito de OTT, que basicamente é um serviço. Esse serviço está baseado em cima de uma arquitetura, que é esse protocolo TCP/IP, que é o protocolo que todos nós utilizamos diariamente na Internet.
E isso vai estar em cima de uma estrutura.
A partir dessa definição genérica, vamos dizer, do que seria OTT, nós podemos começar a particularizar um pouco mais quais são os tipos de OTTs. No caso da ITU, eles fizeram uma definição bastante genérica em que dizem que OTT vai ser um aplicativo acessado e entregue pela Internet pública, que pode ser um substituto técnico funcional para serviços tradicionais de telecomunicações internacionais — pode ser um substituto, mas não é necessariamente.
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E aí nós temos outra definição, que é o caso do BEREC — Organismo de Reguladores Europeus de Comunicações Eletrônicas, que definem que uma das características da modalidade de serviço de OTT é a sua capacidade de existir, independentemente do provedor de acesso à Internet. Ou seja, ele não depende do provedor, ele depende simplesmente de ter uma infraestrutura que seja baseada em cima do protocolo TCP/IP para a distribuição do serviço. Então, cria-se uma independência de qual vai ser a infraestrutura na qual esse serviço vai ser oferecido.
E o BEREC vai ainda um pouco mais longe. Ele define três tipos de OTTs: OTT-0, que seria aquela que é muito próxima de ser substituta ou que substitui de fato serviços de telecomunicações; e OTT-1 e OTT-2, que já fogem um pouco e que são serviços mais baseados em conteúdo e não são serviços tradicionais de telecomunicações.
Portanto, quando pensamos na cadeia de valor de telecomunicações no mundo, nós podemos dividir essa cadeia de valor. E agora vamos ver essa cadeia de valor de telecomunicações e a cadeia de valor da Internet para poder fazer essa comparação.
No caso da cadeia de valor de telecomunicações, nós podemos dividi-la em três grupos: grupo de serviços digitais; grupo de conectividade e de infraestrutura, em que vamos colocar todos aqueles equipamentos, as torres e todos os serviços em nuvem que estão implementados, por exemplo, no caso do 5G, em cima de arquiteturas virtualizadas, de ambientes virtualizados; e a interface do usuário, que tem a ver basicamente com o dispositivo que o usuário utiliza para acessar aquele serviço.
Podemos ver, nesse gráfico que está sendo mostrado agora no eslaide, a evolução dessa cadeia de valor de 2010 para 2020. E o que chama a atenção, no caso da cadeia de valor de telecomunicações, é que existiu quase uma duplicação dos serviços digitais dentro dessa cadeia de valor; enquanto a conectividade e a infraestrutura diminuíram; e, no caso das interfaces de usuários, os dispositivos se mantiveram quase iguais.
Olhando para essa cadeia de valor, vamos agora ver essa cadeia de valor de telecomunicações especificamente no Brasil, de 2017 a 2020. E observamos esse mesmo comportamento em que novamente os serviços digitais aumentam, eles vão se duplicando, e hoje, em 2024, esses valores estão ainda maiores. E também podemos ver que esse comportamento é muito parecido.
Em que se diferencia essa cadeia de valor de telecomunicações com a cadeia de valor da Internet? Para entendermos melhor isso, vamos ver agora esse diagrama que nos mostra que a visão da cadeia de valor da Internet, em vez de ter três componentes, vai ter cinco componentes: o primeiro componente são os direitos de conteúdo, que, como vocês podem ver, é bastante estreito dentro dessa cadeia de valor;
nós temos os serviços on-line, que são os dominantes dentro dessa cadeia de valor; a parte de tecnologias e a parte de serviços habilitadores também são interessantes de serem vistos dentro desse grupo; as partes de conectividade e as interfaces do usuário são menores.
Para termos ideia de como tudo isso se configura, nós temos aqui, nesse gráfico em formato de pizza, os volumes de tráfego de cada uma das empresas que trabalham dentro dessa cadeia de valor da Internet. E nós podemos ver, por exemplo, o Alphabet, que é a detentora da Google, como a dominante. Podemos ver aqui uma tendência também bastante forte, que todos aqui já devemos estar experimentando, que é o tráfego de vídeo, é o tráfego que aparece como tráfego dominante. Previa-se que, até 2028, 80% do tráfego que teríamos dentro das redes seriam tráfego de vídeo. De fato, hoje, em 2024, esse valor já está sendo observado. Então, a tendência é que esse tráfego continue sendo o tráfego dominante futuramente, com características bastante específicas de maior consumo de banda.
Quando vemos esse comparativo entre a definição de OTT, a definição dos serviços tradicionais de telecomunicações, a cadeia de valor das telecomunicações e a cadeia de valor da Internet, começamos a ver que, apesar de existir uma concorrência em serviços específicos, entre, por exemplo, o serviço OTT-0, que é um substitutivo de um serviço tradicional de telecomunicações, os papéis desses atores do ecossistema digital podem ser complementares com sinergias importantes. E esse talvez seja o melhor cenário, ou seja, pensar que nós vamos ter uma sinergia entre OTTs e as operadoras móveis, em que idealmente vai existir uma relação mutuamente benéfica e um círculo virtuoso, em que os usuários buscam acesso a novos serviços, as OTTs estimulam as operadoras a evoluir suas redes para atender serviços emergentes e as operadoras investem melhorias em suas redes.
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Quando nós olhamos o cenário e as perspectivas do mercado de telecomunicações, todas essas informações que acabamos de ver são claramente refletidas nesses gráficos. Podemos ver que tivemos um crescimento de aproximadamente 220% no tráfego global de dados na rede móvel; a quantidade de acessos móveis vem progredindo ano após ano; e percebe-se um crescimento acelerado na taxa de usuários móveis também que temos, e grande parte dos usuários atraídos a essa rede móvel a partir de serviços do tipo OTT.
A análise dos diversos cenários nos mostra que, por um lado, as plataformas on-line têm um crescimento da importância nas cadeias de valor das telecomunicações e da Internet, elas são participantes, elas têm um crescimento de taxa de retorno de investimento bastante alto, elas têm um crescimento de assinaturas e de usuários; e as operadoras de telecomunicações, por outro lado, têm observado um decrescimento da importância nas cadeias de valor desse núcleo delas, que seria a parte de infraestrutura e de conectividade, um decrescimento da taxa de retorno do investimento e um crescimento de assinaturas e usuários, motivado principalmente pelo acesso a serviços do tipo OTT.
Então, as operadoras de telecomunicações devem procurar — e estão de fato fazendo isso — novas receitas a partir da diversificação dos pacotes de dados,
da diversificação de serviços, da parceria com as OTTs, e também trabalhar com operadoras pipeline de dados. E aí tem um papel muito importante a tecnologia 5G, porque ela vem a ser a impulsionadora de tudo isso, a partir da disponibilidade de largura de banda e de novos serviços, muitos dos quais hoje não são utilizáveis nas tecnologias 3G e 4G.
Vou agora rapidamente falar sobre o ecossistema da Internet. Para entendermos o ecossistema da Internet, nós podemos vê-lo a partir de duas visões: uma visão é a da Internet Society, que é muito baseada na definição de padrões e políticas. Então, ela tem esse conjunto de organizações que vemos aqui, como é o caso da ICANN, do IETF, do IANA, do W3C, Academia, dando suporte a todo esse desenvolvimento; e também podemos ver uma visão funcional, que é a proposta pelo Body of European Regulators for Electronic Communications — BEREC, com uma visão funcional que parte do usuário até o provedor daqueles serviços.
Então, aqui podemos ver como esse ecossistema da Internet funciona, a partir dessa visão funcional do BEREC, que talvez seja a mais interessante e a mais didática para entender: nós vamos ter o lado do usuário; nós vamos ter uma infraestrutura de Internet no meio; e nós vamos ter um lado do servidor. Nesse diagrama que estou mostrando, nós podemos ver que, em cor amarela, aparecem aqueles elementos dentro desse ecossistema, que têm uma presença forte; em cor rosa, aqueles que têm uma presença moderada; e, em cor azul, aqueles que têm uma presença quase nula ou inexistente.
E aqui vamos analisar o caso da Alphabet, com todas essas informações que aparecem aqui. Nós que somos usuários, por exemplo, de Google, de vários serviços da Alphabet, podemos ver que eles têm uma forte presença na parte de aplicativos, na parte de plataformas, na parte de uso e uma presença moderada na parte de aplicativos. Então, a partir desses diagramas, podemos ver que muitos dessas grandes big techs, para alavancar o mercado em que estão trabalhando, têm decidido também investir em alguns elementos que consideram estratégicos dentro dessa cadeia de valor ou desse ecossistema da Internet. A Alphabet, por exemplo, tem investido em cabos submarinos. Ela oferece o serviço de DNS para facilitar o acesso aos seus serviços.
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Outro exemplo é a Amazon, que é uma empresa que já está completando 40 anos e é considerada a maior empresa da Internet em termos de receita. Ela tem uma presença muito forte na parte do navegador. Ela trabalha basicamente com marketplace. Então, ela é uma grande agrupadora de diversos mercados, vende isso e está também na implementação de sua própria infraestrutura de rede, priorizando a implantação também de cabos submarinos, porque, novamente, essa parte de conectividade e acesso aparece como um elemento crucial na sua estrutura.
Finalmente, temos também a Meta, que é a empresa que trabalha com o Facebook, com o WhatsApp, com o Instagram. No caso da Meta, o seu volume de negócios provém quase inteiramente de publicidade, 97% dos ingressos vêm de publicidade. Então, podemos ver que ela possui 18 centros de dados em todo o mundo e está investindo também em uma infraestrutura própria de conectividade a partir de cabos submarinos...
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A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Profa. Priscila, peço desculpas por interromper, mas eu gostaria de informar que nós concedemos um tempo de 15 minutos, e eu estou fazendo uma prorrogação de 5 minutos. Nós vamos conceder esse tempo para todos, mas peço gentilmente que a senhora se encaminhe a uma conclusão.
Então, quanto à competição das plataformas digitais, nós vemos que existe uma posição estratégica das plataformas digitais e OTTs, o que permite interações diretas entre os grupos de usuários. Essas cadeias de valor que vimos dependem de plataformas multilaterais. O crescimento de serviços e aplicações OTTs, a partir de banda larga, têm permitido uma economia cada vez mais concentrada dentro da Internet.
Pela questão do tempo, vou passar rapidamente ao panorama da regulação, inicialmente fazendo uma comparação. As telecomunicações têm sido fortemente reguladas. Existe uma grande bibliografia e muitos casos de referência sobre a regulação das telecomunicações. Já no caso das big techs ou no caso das OTTs, basicamente está tudo sendo feito como uma coisa nova.
Temos alguns exemplos recentes, não vou entrar em detalhes, porque muitos já foram discutidos na parte da manhã: o Código Europeu das Comunicações Eletrônicas; recentemente o regulamento do Digital Markets Act — DMA, que foi aprovado também na Europa e tem focos específicos na proteção do usuário e focos específicos nos gatekeepers. Todos esses detalhes estão bastante analisados dentro do nosso relatório. E, no Brasil, nós temos um trabalho que foi feito pelo Comitê Gestor da Internet, também que lista 11 ações a serem consideradas pelas organizações que compõem a governança da Internet e 23 diretrizes para orientar a regulação.
Algumas ações em outros países estão listadas aqui. No nosso relatório, vocês podem ver isso com mais detalhe, mas não vemos uma linha única de ação, vemos uma diversificação da forma como essa regulação está sendo abordada em diferentes países.
Conclusões. Basicamente, resumindo o que eu apresentei: as cadeias de valor, as OTTs, as arquiteturas de serviços que são necessárias e importantes de serem entendidas para analisar como todo esse mercado pode ser regulado, os desafios da regulamentação e como as OTTs e o mercado de telecomunicações podem trabalhar em um círculo virtuoso para que o usuário seja o mais beneficiado de toda essa cooperação.
O SR. COORDENADOR (Carlos Manuel Baigorri) - Obrigado, Profa. Priscila. É muito importante a apresentação para demonstrar como esse ambiente digital vem crescendo e como as OTTs, conforme você definiu, vêm assumindo um papel cada vez mais importante na captação do valor gerado por esse ecossistema.
É interessante conjugar esse achado juntamente com o achado do que foi apresentado hoje de manhã, na discussão sobre tributação e efeitos fiscais, de que, ao mesmo tempo em que você tem um setor cada vez capturando mais valor, ele ainda tem um tratamento tributário completamente diferente dos outros setores da nossa economia.
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Inicialmente eu gostaria de saudar a 1ª Vice-Presidente da Comissão de Comunicação, o Deputada Dani Cunha. Muito obrigado pelo convite. Saúdo o Presidente Carlos Baigorri, representante da Agência Nacional de Telecomunicações, meus colegas aqui presentes, Vânia; Molinaro, nosso Diretor do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações; Murilo César Ramos; Márcio Iório; e a colega Priscila, da Faculdade de Tecnologia.
O papel que me cabe é falar sobre o modelo regulatório para a inovação. Como a Profa. Priscila falou, a SECOM, unidade da Universidade de Brasília, é um centro multidisciplinar, e nós nos dividimos em equipes de pesquisa. Nós colaboramos, e eu e a Vânia redigimos juntos esse relatório. Então, eu espero que eu não repita alguma coisa que depois a Vânia vá tratar, por eu estar exatamente falando antes.
Eu não trouxe propriamente uma apresentação. Então, vou falar algo razoavelmente rápido. O quadro trazido pela Profa. Priscila é excelente, porque ele faz um mapa que serve para que pensemos na necessidade de transformações institucionais em relação ao modelo regulatório desse ecossistema digital. Esse não é um problema só do Brasil, como ela bem colocou; é um problema global.
Eu trouxe dois livros só para servir de exemplo. São livros recentes. Na verdade, são de dois autores, mas um especialmente é do Anupam Chander. Em um livro de 10 anos atrás, ele considerava que as regras para o funcionamento da Internet iam ser fixadas a partir das necessidades econômicas e que a economia ia ser um impulsionador das transformações jurídicas.
Agora, 10 anos depois, ele edita um livro mostrando que está acontecendo um processo reverso. O Estado está começando, em vários países, a construir iniciativas para fazer a regulação desse novo setor digital, que, como mostrou a Priscila, em 10 anos mudou muito. Então, nós vamos ter que pensar em alguma coisa não olhando para trás. É o meu desafio nesta apresentação pensar em um modelo regulatório que consiga dar margem para que o regulador possa pensar no que vai ser regulado no futuro. Nós vimos, em 10 anos, uma regulação que se modificou completamente.
Então, nós temos que pensar em um modelo regulatório que na verdade tenha elementos — obviamente, isso vai demandar recursos — para colaborar, nesse ecossistema digital, para efetivamente apresentar soluções regulatórias para o futuro.
O outro livro é o Digital Empires, de Anu Bradford, em que ela mostra que há uma guerra internacional para fazer prevalecer o modelo.
É óbvio que o modelo europeu é o que acaba nos chegando com mais tranquilidade, mas existem outros modelos, como da China e dos Estados Unidos. O livro da Wendy Hall e do Kieron O'Hara nos mostra que os Estados Unidos têm dois modelos regulatórios, um modelo regulatório de Washington e outro do Vale do Silício.
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Então, eu acho complicado, primeiro, nós fixarmos uma pauta definida, muito clara e específica. Eu acho que esse é um processo em construção e estamos debatendo nesta audiência da Comissão. É um processo da SECOM, são várias pesquisas e estudos, e o Legislativo brasileiro vai definir, nos próximos anos, qual modelagem vai ser mais adequada.
Então, a minha apresentação vai ter basicamente três pontos. Primeiro, eu vou trazer um problema sobre a necessidade de regular. O segundo vai ser discutir o papel da ciência, tecnologia e inovação no ecossistema digital, que é algo que, obviamente, está presente no que a Profa. Priscila falou, quer dizer, como os investimentos em ciência e tecnologia vão se misturar cada vez mais.
A Profa. Priscila falou do 5G. Vou dar um exemplo. Todas as patentes do 6G já estão depositadas. Ainda estamos implantando o 5G, mas todas as patentes relativas ao 6G já estão depositadas. Estamos olhando para a sexta geração de telefonia móvel, o que mostra que a aceleração nesses processos de comunicação é inexorável e os reguladores vão ter que dar conta disso. Depois vamos falar um pouquinho sobre o papel do regulador brasileiro.
O relatório intitulado Communication Regulators of the Future da OCDE, eu acho que vale a pena citar, porque ele traz algumas modelagens para que imaginemos que não existe um único modelo apenas, porque nós temos várias opções e podemos pensar.
Qual é o grande problema nós que vamos ter? É algo que pode parecer relacionado até ao senso comum. O grande problema é que, se pensarmos em uma regulação muito forte — estamos vendo isso, por exemplo, com a inteligência artificial —, alguns atores de mercado dirão: "Isso vai inibir investimentos, porque eu vou ter mais receio de investir, vai aumentar os meus custos, porque eu vou ter que, na verdade, contratar mais gente para fazer os compliances necessários", e por aí vai. Há esse primeiro trade-off.
De outro lado, se fizermos uma regulação que seja, digamos assim, muito fácil: "Deixe o mercado se autorregular, trace só alguns princípios gerais, e as coisas vão se organizar à medida que forem acontecendo", corre-se o risco de graves danos acontecerem e não termos tido a oportunidade de criar alguma medida preventiva.
Enfim, já vivemos isso no mundo e sabemos que isso é uma coisa grave. Então, a ideia é tentarmos um equilíbrio regulatório, em que o regulador possa ter mecanismos para agir com bastante ênfase, mas também que ele não seja um entrave ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação, que vão marcar os próximos passos do sistema.
Então, é o que chamamos de modelo regulatório pró-inovação. Ele não é meramente um modelo regulatório. Vamos ter que escolher qual vai ser exatamente esse modelo regulatório, ou seja, um modelo que privilegie a liberdade e que faça um bom equilíbrio entre regulação eficiente e liberdade para que possamos ter desenvolvimento científico e tecnológico.
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Nesse aspecto, o legislador brasileiro marchou bem na década de 90, quando já tivemos as nossas primeiras experiências. Infelizmente, nas décadas que se seguiram, isso não se tornou uma realidade por outro motivo, mas o legislador marchou bem quando ele disse: "Eu vou privatizar o setor de telecomunicações, então eu vou criar um fundo para garantir que haja investimentos em desenvolvimento científico, tecnológico e inovação para telecomunicações". É o FUNTEL. "Eu vou liberalizar parte do setor de combustíveis em geral, então vou criar também um fundo para o desenvolvimento tecnológico dessa área."
Começou-se a pensar na lógica de que era necessário criar fundos, e esses fundos, inclusive, alimentavam algo que, para nós, do mundo científico e tecnológico, é muito importante, que é o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico — FNDCT. Assim, teríamos uma fonte de recursos na qual, junto com toda uma mudança legislativa, que vinha desde a Lei de Inovação até outras leis posteriores, culminou, inclusive, com uma emenda constitucional que modifica os arts. 218 e 219 da Constituição da República. Eu costumo dizer que é até uma coisa interessante, porque nós fizemos uma emenda constitucional para compatibilizar a Constituição com a legislação ordinária, e não o contrário.
De fato, hoje eu poderia dizer que, do ponto de vista jurídico, temos um framework. Então, nesse campo das capacidades institucionais, esse quadro está montado. A questão é conseguir colocar esse quadro para andar e entender mais detalhes específicos sobre como esse quadro vai funcionar.
O que eu acho que é muito importante? É claro, a ANATEL já faz parte dos debates do FUNTEL. Devemos aprofundar os debates dos reguladores e de outros órgãos estatais que tenham interveniência exatamente na alocação e na gestão desses recursos, e, obviamente, liberar que esses recursos sejam utilizados. Além, talvez, — imagino que esse tenha sido o debate na parte da manhã — de pensarmos em novas formas de financiamento e de fomento para o desenvolvimento dessas novas tecnologias não só para a academia, mas também para os regulados, empresas e startups.
Nós temos uma lei específica que fomenta o empreendedorismo e as startups, que é a lei que inclusive trata de ambiente regulatório experimental. Só conseguimos pensar, em um primeiro momento, em sandbox regulatório. A própria lei é muito estrita, pois limita o conceito de ambiente regulatório experimental a sandbox regulatório. Podemos até pensar em um conceito mais amplo de ambiente regulatório experimental. É como sair de uma bancada de laboratório para efetivamente ajudar isso a se transformar em uma tecnologia específica, já com algumas salvaguardas. Esse é o nosso grande desafio.
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A governança adequada das tecnologias emergentes é, portanto, uma tarefa própria dos governos, em razão da sua capacidade de alterarem potencialmente, de serem disruptivas, as vidas sociais existentes, usualmente de modos incertos.
Governar a inovação a que sejam limitados, potencialmente seus efeitos negativos, representa uma função complementar em governos nos quais há sistemas bem funcionais de inovação. Essa função se soma às correções de falhas de mercado, sistemas e instituições.
Vejam que estamos falando até de falhas que costumamos chamar de falhas de governo, quer dizer, de uma decisão governamental que, eventualmente, gere algum problema.
Essa governança equilibra interesses do setor privado com considerações do bem-estar público e de legitimidade democrática. Essa nova função se tornou mais importante, ainda que mais difícil, pois as próprias tecnologias têm se mostrado mais complexas, pervasivas e convergentes.
É como bem mostrou — novamente reitero —a Priscila. Quer dizer, sem a camada de infraestrutura, a camada over the top não tem como existir.
Então, assim, elas na verdade não são excludentes. Elas têm que ser convergentes. Então, não é uma guerra entre infraestrutura e aplicações. Isso não existe. Tem que haver, na verdade, uma dinâmica de convergência em relação a esses temas.
Alguns têm argumentado que os desenvolvimentos recentes em torno das tecnologias digitais e de sua convergência com sistemas biológicos e outros podem definir um ponto de transição para se reavaliar o papel da governança tecnológica.
Então, o que derivamos disso? Como é que vamos fazer essa transição? Temos que passar de um momento onde estamos regulando o passado e o presente para começar a pensar em uma regulação para o futuro. Isso é um desafio enorme.
Esse relatório traz para nós três sugestões. A primeira é a definição de uma agenda regulatória que seja participativa e orientada para missões. Nós definimos os objetivos e tocamos isso. A segunda é termos uma criação coordenada de soluções. Podem ser testbeds, e podemos incluir o conceito de sandboxes, ou seja, termos mecanismos regulatórios para fazer isso. E, por fim, a terceira medida é que possamos desenhar esses produtos e processos com base em uma padronização que tenha em conta determinados valores sociais ou valores éticos, que não seja uma padronização sem esse tipo de dinâmica.
Como meu tempo já esgotou, eu já vou falar um pouquinho das modelagens dos reguladores em transformação. Na verdade, eu acho que talvez seja isso que nos interesse propriamente. Depois eu concluirei.
Nesse relatório da OCDE, nós temos três grandes modelagens ou três grandes propostas. E elas não vieram do acaso, não são abstratas. Elas derivam, na verdade, de estudos que fizeram de benchmark em relação a vários países do mundo. O primeiro é ter um regulador específico para o setor. Nós, por exemplo, definimos que vamos ter um regulador de comunicações unificado.
Esse regulador vai absorver dezenas de funções. Alguns países escolheram esse tipo de modelagem e funcionam bem com ele. Tudo isso depende...
Eu me lembro de um debate na Delegação da União Europeia, sem querer fazer uma nota de rodapé longa, em que uma colega perguntou a uma colega da Delegação: "Quem faz esse tipo de coisa na União Europeia? Não é uma entidade reguladora de tal setor?" E ela respondeu: "A União Europeia não é um bloco unificado". Ela quase teve que falar assim: "A Hungria é muito diferente da Alemanha".
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Cada País escolhe, de acordo com o seu modelo nacional, como vai internalizar um regulamento ou uma diretiva. Nós dizemos que tem que haver uma autoridade. Agora, se vai ser uma autoridade separada ou uma autoridade unificada com outra, isso é uma definição de cada país.
Essa lição da resposta da colega da Delegação da União Europeia vale para nós. O Brasil vai ter que pegar um modelo que seja adequado às nossas capacidades institucionais. Esse é o nosso ponto central.
O segundo modelo é um regulador que cuide de vários setores. Cito um exemplo de um regulador hipotético. Imaginem um regulador de redes. Não interessa se ele está regulando rede de telecomunicações, se ele está regulando rede de distribuição de energia, se ele está regulando rede de distribuição ferroviária, ele é um regulador de redes. Existem vários efeitos econômicos de rede que são similares nesses vários tipos de setores, apesar de terem algumas diferenças. Isso é outra opção.
E o terceiro é uma noção de regulador convergido. Seria como se pegássemos, por exemplo, algumas autoridades reguladoras num hipotético país e fundíssemos essas autoridades reguladoras numa única autoridade reguladora. Eu não vou indicar nomes de autoridades brasileiras para não gerar mal-estar. Mas imaginem que existem países que fizeram esse tipo de coisa, porque viram, na verdade, sinergias importantes que podiam ser construídas, podiam ser feitas.
Então, o que é muito importante? É muito importante entendermos que estamos num momento em que a regulação está mudando substantivamente muito, e ela não está mudando por acaso, ela está mudando porque o nosso objeto regulado está mudando. Isso necessariamente vai obrigar o regulador e o legislador brasileiro, por conseguinte, que é quem tem a palavra final na definição dessa modelagem, a fazerem, produzirem um sistema ou um arcabouço regulatório, do ponto de vista institucional, que consiga dar conta daquele primeiro problema que eu mencionei, que é fazer uma regulação que respeite a liberdade e a possibilidade de se criar o empreendedorismo, a inovação e que, ao mesmo tempo, não seja tão aberta ao ponto de expor os usuários e a sociedade brasileira a graves riscos.
O SR. COORDENADOR (Carlos Manuel Baigorri) - Obrigado, Prof. Veronese. De fato, é uma apresentação muito interessante e importante, pois conjuga essa discussão sobre duas visões de mundo da regulação
do ambiente digital: uma visão, digamos assim, mais propriamente europeia, focada em direitos, em proteção e mitigação de riscos, e uma visão, digamos assim, mais americana, apesar de haver uma divisão entre o Vale do Silício e Washington, mais focada na inovação, na promoção da tecnologia.
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Eu entendo, conforme você colocou, e concordo plenamente que o Brasil precisa encontrar o seu papel, a sua posição nessas duas visões. Nós temos uma realidade completamente diferente de ambas, completamente diferente em termos de maturidade da nossa sociedade, de direitos que já foram adquiridos na Europa, em relação à dinâmica do investimento e da inovação dos mercados nos Estados Unidos.
Precisamos encontrar um caminho brasileiro ou, considerando a relevância do Brasil no ambiente regional, quiçá o caminho que muito possivelmente vai acabar sendo o latino-americano para essa discussão digital. E tudo isso dialoga diretamente também com a questão da soberania do nosso País, a qual é até um dos elementos dos livros. Eu disse, em uma audiência da Comissão, que, se o Estado brasileiro não tem condição de fazer valer as decisões dos seus órgãos constitucionais no ambiente digital, a conclusão é que não existe soberania no ambiente digital. Os Estados nacionais foram assumindo uma posição. O único modelo que existe é aquele em que os Estados estão completamente afastados da governança da tecnologia, da governança da Internet. O Brasil seguiu essa linha desde o começo da implantação da Internet. Enquanto sociedade, nós fomos incorporando esse modelo.
Acho que este é o momento de fazermos uma reflexão: esse é o caminho que realmente queremos? Nós fomos por inércia nele. Parece-me que nunca houve essa reflexão. A Internet veio, as coisas aconteceram, a vida seguiu, e agora nós olhamos para trás e percebemos que o Estado não tem praticamente papel nenhum nessa discussão, nesse debate.
E agora vemos o Supremo Tribunal Federal e o TSE tentando tomar decisões nos processos eleitorais, o Congresso Nacional se debruçando sobre a situação, que virou terra de ninguém, porque vimos seguindo um caminho como sonâmbulos. Agora percebemos o custo desse caminho que seguimos, que é um caminho que faz sentido para a sociedade americana, de onde surgiu esse modelo, mas que talvez para nós não faça sentido.
Então, eu acho que esse debate é fundamental para fazermos uma reflexão sobre o papel do Estado brasileiro que esperamos, sobre o tamanho da nossa soberania no ambiente digital.
E já chamo para compor a Mesa a Sra. Vânia Vieira, professora do IDP, do IBMEC e da ENAP, e o Sr. João Camilo, Diretor de Assuntos Institucionais e Regulatórios do SBT.
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Agradeço, primeiramente, à Deputada Dani Cunha, que hoje assume a Presidência dos trabalhos, e a parabenizo pela proposta do debate. Agradeço ao Deputado Silas Câmara, Presidente da Comissão, o convite carinhoso e pessoal ao SBT. Agradeço também ao nosso Presidente da ANATEL, Baigorri, uma pessoa muito querida do nosso setor, que está moderando este debate.
Quero dizer que é uma honra estar ao lado de tantas mulheres, algo que achei muito rico neste evento, apesar de estar intimidado — o debate ficou muito profundo para alguém que trabalha com televisão. Eu vou me ater, humildemente, às pautas das emissoras e deixar o debate mais aprofundado para os professores.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu não posso perder a oportunidade de, toda vez que estou nessa Casa, falar de algumas coisas que são muito próprias do nosso setor. Então, muito embora eu não me aprofunde nos temas, eu preciso defender algumas coisas que são caras para nós.
A apresentação está dividida em três partes: os mitos que precisamos derrubar, as contribuições que temos dado em relação à radiodifusão e, por último, um encaminhamento simples, com duas sugestões muito específicas. Entendemos que esta Casa é pragmática e que precisamos escolher nossas guerras, nossas lutas.
O primeiro mito é que a TV aberta é convencional. Não é. Isso dialoga um pouquinho com o tema deste painel, e eu quis me prender a duas palavras: "convencional", que está no tema do painel, e "inovação". A TV aberta não é convencional. É digital, gratuita, estruturada e móvel. E ela não tem nem de longe aquela característica convencional ou tradicional.
Nós temos utilizado muita a expressão "veículo de comunicação profissional". Infelizmente, essa tônica de tradicional ou convencional dá uma impressão de algo arcaico e não digital. É claro que é uma palavra bonita — falamos de mais de 70 anos de história —, mas queremos frisar que a TV aberta é muito mais do que isso, vai muito além disso. Hoje, somos totalmente digitais em termos de qualidade de som e de imagem, e o alcance da TV aumentou.
Uma das coisas que eu queria frisar nessa parte de não ser convencional é a TV 3.0. Vamos precisar muito da ajuda desta Casa na implantação desse novo sistema, que vai proporcionar à TV um salto gigante a respeito da inovação. Por meio dela, os telespectadores vão ter recursos de interatividade e de personalização, vão ter acesso a um conteúdo de qualidade, com áudio imersivo e imagem, e vão ter a possibilidade de, de repente, comprar pela televisão. Nós acreditamos que a TV 3.0 vai ser um salto gigantesco nesse processo, e esta Casa vai ser muito importante para isso.
Precisamos também desconstruir o mito de que a TV está morrendo. A TV não está morrendo. Eu caminho muito por esta Casa e pelo Senado Federal e, volta e meia, ouço isso. É um discurso elitista que precisamos combater. A maioria da população brasileira tem como única fonte de informação, entretenimento e acesso à cultura a televisão — e é a televisão aberta.
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Precisamos desconstruir o mito de que a TV está morrendo, para impedir a diminuição de inovações e investimentos. E é disto que mais precisamos para continuar sobrevivendo: processos que inovam e processos que sustentam a televisão.
Uma das coisas que trago para vocês são alguns dados de que eu gosto muito. Hoje, mais de 65 milhões de casas possuem TV aberta, segundo a última pesquisa do IBGE. É muita coisa! Isso quer dizer que 99,2% da população têm acesso a esse recurso tão importante. E a TV linear é responsável pelo consumo do aparelho de 74% da população. Ou seja, ainda é o principal e o grande veículo de comunicação profissional a que a população tem acesso.
Então, precisamos desconstruir o mito de que a TV está morrendo. A TV ainda vai durar muito tempo e vai continuar sendo um dos mais importantes veículos de comunicação, mesmo porque vai se transformar. Com a TV 3.0, nós vamos crescer ainda mais nesse processo.
Agora eu passo para as contribuições. Eu queria falar um pouquinho sobre o grande papel da televisão para o jornalismo profissional. Hoje temos um debate muito forte, muito grande em relação à desinformação. É claro que nós contamos com a educação midiática e as regulações, mas o antídoto que acreditamos ser o mais forte contra a desinformação é a informação de qualidade, precisa e apurada. Por isso o jornalismo profissional é tão importante.
Nessa dinâmica, por que é tão prazeroso para nós falar isso? Porque, de alguma forma, existe uma animosidade entre o Parlamento e alguns posicionamentos das mídias, das imprensas.
O que queremos dizer é que no Brasil existe uma condição de TV aberta que não existe em nenhum outro lugar do mundo. Nós temos 15 redes nacionais, não é, Presidente Baigorri? Em nenhum outro lugar do mundo existe isso. Temos um setor extremamente democrático, extremamente plural. Se a pessoa não gosta de uma linha editorial, pode acompanhar outra. Então, a contribuição do jornalismo para a população é essencial, e precisamos afirmar essa contribuição da TV aqui.
A segunda coisa que eu quero firmar como uma grande contribuição da TV aberta são os grandes temas de que trata. Eu elenquei dois, a difusão da cultura brasileira e a difusão do agro, pautas importantíssimas para nós. Hoje não conseguimos identificar outro veículo que traga tanta informação de filmes, músicas e entretenimento associados ao nosso País, à nossa língua. Nós somos um país de língua portuguesa, cercado de outros países de língua estrangeira. Nós precisamos preservar a nossa língua, o nosso sotaque. E de onde é que vem isso? Da TV aberta. É o maior meio de difusão da nossa cultura e das nossas pautas.
Recentemente, o Prof. Andre Moreira, da USP, fez uma apresentação a pedido da ABERT. Ele pesquisou e nos trouxe uma informação. Não é uma crítica às plataformas de streaming, mas Disney+, Netflix e Amazon não têm 5% de conteúdo nacional em suas plataformas. E a TV aberta tem uma grande contribuição em relação ao nosso conteúdo, à nossa cultura e à nossa língua e a temas que são caros para os brasileiros. Eu não podia deixar de falar isso aqui e de reafirmar o compromisso e a relevância que temos. Às vezes, a nossa autoestima é derrubada, por conta das intempéries, dos problemas, de tudo aquilo que enfrentamos no dia a dia, mas não podemos ter vergonha de dizer que nós temos uma TV aberta forte, pujante, emblemática, bem-feita, bem produzida, referência para o mundo em conteúdo e em pluralidade.
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Eu quero focar em dois, e o primeiro deles é a sustentabilidade do jornalismo profissional. Eu quero parabenizar a Casa — e o faço na pessoa da senhora — pela aprovação, na última semana, do PL que trata da remuneração do conteúdo jornalístico. Seja por esse modelo, seja por um modelo de fundo, seja por qualquer outro modelo que o Parlamento proponha, nós precisamos disso para sustentar o jornalismo profissional. Esse encaminhamento regulatório para nós é essencial. Que bom que a Casa está caminhando nesse processo e está debatendo isso. Precisamos muito que o jornalismo tenha condições de reforçar questões tão essenciais como a democracia e de levá-las à população de uma forma mais simples, seja com suas coberturas, seja com debates.
Recentemente, o SBT inaugurou no seu jornalismo um quadro chamado Tintim por Tintim, em que, com muito orgulho, explica para o seu público, que é mais simples, que tem um pouco menos de acesso à informação acadêmica, temas que estão sendo debatidos nesta Casa. Explicamos a exoneração da folha de pagamento e a PEC das Praias, por exemplo, e isso faz com que o público comece a entender o Parlamento. O papel do jornalismo nesse processo educativo é essencial. Por isso, precisamos defender a sustentabilidade do jornalismo profissional.
As ações que hoje estão sendo tomadas na Casa, de alguma forma, já cumprem uma agenda regulatória, mas precisamos nos debruçar cada vez mais sobre isso. Nós erramos? Eu faço mea culpa. É claro que nós erramos. Como imprensa, temos vários problemas e precisamos nos ajustar em várias situações. Mas o que sempre reforçamos é que temos CPF, temos CNPJ, temos cara, temos endereço, temos estrutura e temos uma legislação enorme e pesada, que, de alguma forma, faz com que respondamos por cada um dos erros que por ventura venhamos a cometer. De qualquer forma, o nosso papel está sempre sendo cumprido. A população está cada vez mais bem informada e bem instruída sobre assuntos acerca dos quais precisa se posicionar.
Ontem nós tivemos uma notícia muito ruim. O Diário Popular, de Pelotas, que tinha 133 anos, Presidente Baigorri, fechou as portas. E o que é isso? É o jornalismo que não se sustenta, que não tem como passar para frente. E vão se criando desertos de notícias. É um tema que temos trazido ao Parlamento há muito tempo. Nós precisamos cobrir esses desertos de notícias. Nós precisamos impedir que pequenas rádios e pequenos jornais fechem. Isso repercute na vida daquela pessoa que está lá na base. Vai se informar como? Em meios que, de alguma forma, lucram ou tocam na desinformação como ambiente de negócio? Deixem-me falar uma coisa para vocês: desinformação não pode ser negócio, não pode ser produto de lucro e de negociação. Nós concorremos hoje brigando para levar à população informação de qualidade. Ou vamos levar informação de qualidade caríssima, bem apurada ou vamos entrar no beco da desinformação. Como emissora, nos recusamos a fazer isso.
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Se não pensarmos em soluções para remunerar o conteúdo jornalístico, para sustentar o jornalismo profissional, nós estaremos fadando a população à pior das pobrezas, a pobreza informacional. E isso, Presidente Dani, repercute diretamente na democracia, porque, se as pessoas não têm acesso à informação de qualidade, estão sendo tolhidas em seu direito de saber a respeito de temas importantes, do que os candidatos defendem, da estrutura do País.
A segunda demanda que temos é o fortalecimento da publicidade. Hoje, nós nos sustentamos com a publicidade. Volta e meia, ouvimos nesta Casa que a televisão e o rádio — eu estou falando especificamente da televisão, mas o rádio sofre isso também — são concessões públicas e, por isso, de alguma forma, tem que ser controlado tudo o que está lá. E há vários projetos tramitando nesta Casa que confiscam o nosso tempo para o tratamento de vários temas importantíssimos, por exemplo o câncer de mama. É definido o tempo de 1 minuto, 1 vez por semana, para falar a respeito disso. Ora, não há ninguém neste País que fale sobre prevenção ao câncer de mama mais do que a TV aberta. O mesmo digo do feminicídio. Não há ninguém neste País que fale mais a respeito de como prevenir e proceder sobre feminicídio do que a TV aberta. Esse tipo de projeto, de alguma forma, tolhe o nosso conteúdo e diminui a nossa estrutura para a publicidade.
Deixem-me contar uma coisa para vocês. Tramitam no Congresso hoje quase 200 projetos de lei que retiram tempo do rádio e da TV. Se todos esses projetos fossem aprovados de uma vez, nós teríamos 16 horas da nossa programação retiradas do ar. É preciso ter cuidado com isso. É um endereçamento que eu peço, é uma ajuda que eu peço. Nós já executamos esse papel de tratar de temas relevantes. É necessário o fortalecimento da publicidade. Nós somos concessão pública, sim, mas a nossa única fonte de arrecadação e de sustento vem da publicidade.
Hoje eu falo especificamente do SBT, porque nós somos praticamente a única emissora que faz, comercialmente, algum tipo de programação direcionada ao público infantil, às crianças.
Eu sou, atualmente, conselheiro do Conselho de Comunicação Social do Congresso. Eu pedi um levantamento a esta Casa e ao Senado e recebi a informação de que mais de 300 projetos de lei regulam, restringem ou proíbem algum tipo de publicidade. Será que o melhor caminho é a restrição? Nós acreditamos que não. Nós estamos numa sociedade de consumo. O melhor caminho é a educação. Eu não posso tutelar as crianças e os adolescentes, por exemplo, no caso da restrição da publicidade de produtos infantis. Eles precisam aprender aquilo que deve ser consumido ou não, aquilo a que ele vai ter acesso ou não. "Ah, mas isso é muito complexo." Sim, mas em que nós precisamos investir? Em educação, seja educação midiática, seja educação para o consumo, seja educação dentro das escolas, pensando em conteúdo. O que é que precisamos fazer? Não restringir aquilo que traz a sustentabilidade para as emissoras.
Uma das coisas que toca o nosso negócio — e não conseguimos entender de onde vem, qual é o endereço disso — é essa questão da publicidade infantil. Não tem como sustentar uma programação infantil nas TVs sem a publicidade infantil. Foi por isso que as outras emissoras aboliram a programação infantil. E, se a criança não assiste um programa direcionado a ela na TV, vai assistir onde? Na Internet?
Ela vai assistir o quê? Um programa de entrevistas? Um programa jornalístico? A criança precisa ter acesso a programas feitos para ela.
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Voltando ao que eu falei lá no começo, gostaria de reafirmar que nós da TV aberta somos os grandes difusores da cultura brasileira. Se não começamos a formar, Presidente Dani, esses meninos e essas meninas desde o início da infância — eu sou pai de duas crianças — pensando a questão da cultura, da linguagem, do sotaque, como é que vai ser no futuro? Essas crianças vão ter acesso a isso? Ou vão ter acesso a conteúdos internacionais que, de alguma forma, não dialogam com a importância, com a relevância que têm os conteúdos brasileiros e a nossa identidade nacional, como bem colocou o Presidente Baigorri? Isso perpassa a questão da nossa identidade, até chegar à questão da nossa soberania.
Eu deixo para vocês o nosso pedido de endereçamento em relação à sustentabilidade do jornalismo e à necessidade de não restringir a publicidade, mas, em vez disso, trabalhar para que ela seja cada vez mais livre. Que possamos produzir, sim, uma publicidade responsável, autorregulada pelo CONAR, que é exemplo para o mundo, que funciona muito bem no País. É algo que precisamos frisar com orgulho. Nós temos uma publicidade muito bem autorregulada, com regulações próprias para a publicidade infantil.
De fato, a radiodifusão aberta, a radiodifusão pública, a radiodifusão comercial e toda a radiodifusão têm um papel fundamental na difusão do conhecimento da cultura e no combate à desinformação.
Ainda bem que você fez esse arremate no final, porque o que eu ia falar é que eu concordo que o melhor remédio contra a desinformação e a mentira é o jornalismo de qualidade, mas eu não acredito que o jornalismo de qualidade seja suficiente para acabar com a desinformação, por uma questão econômica — eu sou economista. O jornalismo de qualidade custa caro, mas a mentira e a desinformação são baratinhas. A receita levantada com o jornalismo de qualidade não chega nem perto da receita que grandes plataformas ganham com a mentira e com a desinformação. Eu não acredito que uma disputa de mercado pela informação de qualidade ou pela mentira vá ser suficiente para lidar com esse problema, que, como muito bem você colocou, afeta o dia a dia de cada um e o acesso de cada um à informação e, no final, a democracia como um todo, porque algumas pessoas começam a viver em desertos de notícias, sem acesso à informação e se tornam facilmente manipuláveis no processo político, no processo eleitoral. Isso pode levar ao fim da democracia.
Um ponto que você colocou, que é destacado tanto pela ABERT quanto pela ABRATEL — vejo aqui o amigo Márcio Novaes — e que precisamos ter em mente, para dar alguma sustentabilidade para o jornalismo de qualidade, é a simetria regulatória. Recentemente, eu vi uma notícia de que o STF havia anunciado que julgaria, neste mês ou no próximo, a constitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet, sobre a responsabilização das plataformas. E também recentemente eu vi a notícia de que o Diário de Pernambuco havia sido punido por uma decisão sobre a sua responsabilização acerca do que um entrevistado disse em 1995.
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Então, se olharmos negócio contra negócio, percebe-se que não há um custo muito baixo, uma receita muito grande e um risco zero — esse é o modelo da mentira — e, no modelo do jornalismo de qualidade, há um custo muito alto, uma receita baixa e um risco muito alto. Claramente, qualquer economista sabe quem vai ganhar essa disputa nesse mercado, ainda mais porque eles disputam justamente o mesmo mercado, que é o mercado da informação e da notícia.
A SRA. DANI CUNHA (Bloco/UNIÃO - RJ) - Queria só fazer um aparte.
Queria agradecer Camilo pelas suas palavras e considerações e dar uma contribuição do ponto de vista político.
O senhor vem alertando muito, e o programa Tintim por Tintim talvez seja a melhor e a maior definição do que precisamos. Não podemos ter falta de informação, mas, ao mesmo tempo, também não podemos ter a desinformação. Tudo precisa ser devidamente explicado na sua devida oportunidade e da sua devida forma.
Então, eu queria dizer que recebemos as pautas, e este espaço da Comissão de Comunicação, como os senhores aqui bem sabem e entendem, existe justamente para que este debate seja feito e para que nós possamos levar para um âmbito ampliado, que é o Plenário da Câmara dos Deputados, as nossas devidas propostas, pleitear e realmente ter essa briga.
Nós entendemos que, se deixarmos as coisas como estão, nada aqui vai andar. E se a Comissão não assume esse protagonismo e não assume essa responsabilidade... Nós sabemos do dia a dia econômico, do dia a dia nacional, do dia a dia fiscal, da dificuldade que é tratar de um tema aqui e levá-lo do início ao fim de uma tramitação.
Então, quero dizer que todas as pautas aqui são recebidas de forma muito caras e que nós realmente colocamos este espaço para que este debate seja amplo. Tanto na questão da publicidade quanto na própria questão da TV 3.0, a sua devida personalização no âmbito da Internet, para a qual, sem sombra de dúvida, vai acabar cabendo uma série de regulações também nesse ínterim, nós nos colocamos à disposição para ser seus agentes.
Eu gostaria de começar cumprimentando a Deputada Dani Cunha, agradecendo pela proposta de realização deste seminário, que, para nós que somos pesquisadores, é uma grande oportunidade de debater, do ponto de vista acadêmico, científico, assuntos que estão na pauta do Legislativo.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Nós estamos chamando muito a atenção para o fato de que, como já foi dito, nós temos agora uma oportunidade única de nos debruçar sobre esse objeto a ser regulado, que, como bem disse o Prof. Veronese, é um objeto que, essencialmente, ainda está em transmutação, em evolução, em transformação. Então, o que trazemos aqui é de que forma o direito e, é óbvio, especificamente a norma jurídica que está sendo construída pelo Parlamento brasileiro podem atuar como um instrumento de incentivo à inovação, e não como um instrumento de obstaculização desse processo.
Sabemos muito bem que o nosso modelo regulatório tradicionalmente é fundamentado no que chamamos de modelo de comando e controle, quando as normas são prescritivas, dizem o que o regulado deve fazer, que medidas devem ser adotadas. Muitas vezes, a norma se debruça até mesmo sobre o procedimento. Muitas vezes, ela não se preocupa tanto com o resultado, com o objetivo regulatório em si, mas passa a estabelecer padrões de desempenho sem considerar, inclusive, que os regulados são muitos, são diversos e que o procedimento que eles adotam também, obviamente, é essencialmente diverso.
Como já foi bem dito, nosso desafio na discussão dessa matéria é, exatamente, encontrarmos o modelo brasileiro, mas um modelo brasileiro que alcance esse equilíbrio, como também já destacou aqui o Prof. Veronese, entre a necessidade óbvia de que o Estado estabeleça regras de proteção dos consumidores, dos usuários, regras que protejam a democracia, protejam o acesso à informação, mas, ao mesmo tempo, não intimidem, não desincentivem o desenvolvimento tecnológico, a inovação e toda a experimentação que está por trás desse processo.
O que queremos destacar aqui? No caso do ecossistema digital, vivemos o que é chamado pela literatura como uma disrupção bastante profunda, inclusive, que é chamada de inovações disruptivas, que são aquelas que se diferenciam das inovações tradicionais exatamente porque não são apenas um processo incremental, um processo de acúmulo, mas, de fato, apresentam-se ali como uma disrupção em que temos a possibilidade — obviamente, todo mundo aqui sabe disso — de vermos, então, os regulados produzindo novas tecnologias, novos serviços, novos produtos. Precisamos ver de que forma, então, o direito do Estado se posiciona em relação esse processo.
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Chamamos a atenção aqui para que precisamos, nesta oportunidade do debate legislativo que está posto, encontrar então esse meio-termo, de forma que o Estado seja capaz de estabelecer regras, como eu disse, que protejam todos os atores desse processo, regras que orientem o desenvolvimento dessas inovações, mas, ao mesmo tempo, permitam a chamada experimentação, permitam, principalmente, que os regulados tenham previsibilidade e segurança jurídica.
Isso se coloca como uma novidade no Brasil. Muitas vezes não é da nossa cultura; não é da nossa cultura administrativa; não é da nossa cultura jurídica, um processo em que se estabelecem normas confiando nos regulados, confiando nos servidores, confiando nos aplicadores da norma. Então, muitas vezes, vivemos no Brasil uma crise, basicamente, de confiança mesmo. Por conta dessa desconfiança é que esse modelo prescritivo de comando e controle muitas vezes é colocado.
Então, o que propomos aqui é que o Legislativo seja capaz de encontrar essa modelagem adequada, ampla e geral o suficiente, de modo que reconheça essa diversidade de perfis das empresas, que reconheça essa diversidade de tecnologias, de setores.
Vemos aqui que, quando estamos falando de ecossistema digital, estamos falando de uma miríade de serviços, de novas tecnologias. Isso é o que aumenta esse desafio. Mas, então, precisamos, ao mesmo tempo, encarar a norma, o direito, como um instrumento de fomento à inovação que não tolha esse processo inovador e permita o que chamamos de autorregulação regulada, como já foi dito aqui. O modelo de autorregulação regulada, é importante destacar, às vezes é equivocadamente tido como um modelo leniente, como um modelo que privilegia o regulado, que fragiliza a regulação, que deixa as empresas soltas. Precisamos também desconstruir esse mito e mostrar, inclusive, as experiências de outros países nesse sentido, para que possamos, então, num contexto de, como eu disse, confiança, de diálogo entre regulado e regulador, construir essa regulação que, ao mesmo tempo, incentive a autorregulação por parte do setor privado, mas regulada pelo Estado e pelo regulador.
Não estamos aqui, de forma nenhuma, defendendo o enfraquecimento das instituições; pelo contrário. Uma questão que vamos mostrar logo à frente é exatamente a necessidade de termos capacidades estatais aprimoradas. Então, esse processo de incentivo à inovação, de criação de um ambiente propício à inovação, não surge da noite para o dia.
E ele não surge ali apenas de boas ideias, de lampejos de inovação; ao contrário. Trata-se, de fato, de um modelo realmente de desenvolvimento de novas abordagens, de novas tecnologias.
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Mas, o tempo todo, esse modelo acredita na importância do diálogo. Essa importância do diálogo faz-se tão relevante nesse processo de construção de uma modelagem pró-inovação exatamente porque, se estamos vivendo um modelo de disrupção, de inovação disruptiva, precisamos reconhecer que, muitas vezes, o Estado e seus agentes não dispõem ainda do conhecimento necessário para estabelecer as normas mais adequadas. Então, é exatamente por isso, como foi mencionado aqui pelo Prof. Veronese, a criação do sandbox regulatório. Acredito que a ANATEL está prestes a lançar a sua primeira experiência de sandbox.
(Pausa.)
Essa experiência busca exatamente que esse ambiente de experimentação possibilite o desenvolvimento de novas tecnologias, serviços e produtos sob acompanhamento, sob o monitoramento do regulador. Isso é que vai contribuir para a redução da assimetria informacional que vivemos nesse ambiente.
Queremos chamar a atenção aqui que estamos falando muito sobre a importância de se construir uma modelagem, um modelo legal pró-inovação, mas não podemos esquecer que a inovação também precisa acontecer dentro do Estado, dentro da administração pública. Se estamos dizendo que o Estado precisa desenvolver incentivos, sabemos que ele muitas vezes pode se valer do que tradicionalmente é posto como um incentivo negativo, como multas, como fiscalização, mas pode também se valer de incentivos positivos, como desonerações, incentivos reputacionais, que hoje também são, às vezes, até mais relevantes do que os próprios incentivos negativos.
Mas precisamos olhar para as nossas instituições estatais. Num eslaide anterior, eu menciono a questão da administração, do chamado direito administrativo do medo, esse apagão das canetas que hoje é tão estudado no âmbito do direito administrativo. Então, esse modelo legal pró-inovação também precisa trazer previsibilidade e segurança jurídica para os servidores públicos que atuam nesse processo. Estamos falando de uma diversidade de servidores que atuam nas mais diferentes funções.
Então, neste projeto tivemos a oportunidade de estudar as atividades da ANATEL, as diversas atividades em profundidade, e fica muito claro que o fiscal que está na ponta, que está ali exercendo a sua atividade de fiscalização regulatória, muitas vezes não tem o conhecimento, a informação, de que a cúpula da ANATEL dispõe. Então, essa assimetria informacional também precisa ser, vamos dizer, atacada por esse modelo que incentiva a inovação pública.
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Hoje a literatura já mapeou e estuda vários instrumentos, para que o Estado possa investir nesse processo. Como eu disse, precisamos reconhecer que processo de inovação não é algo que nasce da noite para o dia, é preciso investir institucional e estruturalmente e, principalmente, no que eu quero destacar aqui, antes que meu tempo também expire. Precisamos desenvolver essa capacidade dos agentes públicos de também pensarem a inovação, também conseguirem pensar e aplicar a norma nessa perspectiva mais responsiva, dando esse necessário espaço para que o regulado inove, desenvolva-se e contribua com novas tecnologias, serviços, produtos para a sociedade.
Nesse sentido, temos alguns desafios para vencer no que tange às organizações públicas: essa própria cultura organizacional que ainda permeia o Estado, essa aversão ao risco, essa resistência interna, essa intolerância a erros. Precisamos ressaltar que, nos últimos anos, muitas vezes, com a exacerbação dos órgãos de controle, o que também é muito bem diagnosticado pela literatura acadêmica científica, há o fortalecimento de órgãos de controle em detrimento dos órgãos de gestão. Muitas vezes isso naturalmente gerou dificuldade e esse medo no servidor público de trabalhar nessa perspectiva de permitir essa experimentação.
Também os órgãos públicos ainda estão muito baseados em organização hierárquica. Precisamos reconhecer que o princípio hierárquico acaba inevitavelmente comprometendo a inovação. A repartição de competências muito fixas, muito baseadas em caixinhas dentro da estrutura das agências, dos órgãos públicos também acabam por comprometer a inovação.
A inovação é, por essência, permeável. Ela precisa ser discutida em termos intersetoriais e transversais, e precisamos reconhecer também a questão da restrição financeira e orçamentária com a qual todos os órgãos lidam hoje. Não é algo deste momento, não é algo deste Governo, mas sabemos que o cobertor sempre é curto, e sempre é difícil atender a todas as necessidades.
Então, apontamos o desafio dos Parlamentares brasileiros, junto com a sociedade civil, os empresários, todos os atores e reguladores envolvidos neste processo. Precisamos levar em consideração todos esses elementos, e não apenas pensar em normas que visem controlar e regular o processo de desenvolvimento de novas tecnologias.
Acho que sua apresentação dialoga muito com a do Prof. Veronese. Vejo alguns pontos de contato, especialmente quando menciona esse desenho extremamente prescritivo, que é o desenho do acompanhamento de comando e controle.
Quando eu falava com o Prof. Veronese sobre os modelos originais das primeiras privatizações, digamos, ele usou a expressão "marcharam bem" no sentido de que se criou leis mais principiológicas, que permitiram que a regulamentação infralegal pudesse, de alguma forma, ocupar esse espaço.
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Aí, Deputada Dani Cunha, eu acho que a Lei Geral de Telecomunicações — falo sobre ela porque é o que conheço mais — é um exemplo disso. É uma lei que foi criada em 1997, na época em que o orelhão era o grande desafio. Do telefone fixo, já passamos para o orelhão, a banda larga, o 4G, o 5G, e a lei é basicamente a mesma. Por quê? Porque a lei foi definida como uma lei quadro, com missões, conforme colocado, com a grande missão que era levar o acesso às telecomunicações para todo o Brasil, e essa missão foi sendo atualizada na medida em que a tecnologia foi sendo atualizada. Ela não foi uma lei específica para uma tecnologia. Ela foi uma lei para uma missão, num sentido mais amplo.
Eu acho que esse excesso de prescrição... Esse é um desafio importante para o Congresso Nacional, agora que vemos discussões sobre inteligência artificial e plataformas digitais. Quanto mais prescritiva for a lei ali na minúcia, ainda mais num assunto disruptivo como tecnologia, a chance de, em poucos meses, em poucos anos, ela se tornar completamente caduca é muito grande. Também não é preciso esperar tantos anos, como o Código Brasileiro de Telecomunicações, que está aí há 60 anos já. Então, temos que encontrar um equilíbrio entre ser necessário, sim, fazer essas revisões e ter leis principiológicas, que não precisem ser revistas a todo momento.
Sobre a questão da divisão em caixinhas, também faço um ponto de contato com a palavra do Prof. Veronese, quando, no final da sua apresentação, falou sobre os modelos regulatórios. Eu, desde o meu discurso de posse da Presidência da ANATEL, manifesto essa preocupação de que, a cada nova temática que surge no ambiente digital, se quer criar um novo órgão regulador. Então, segurança cibernética é importante? Agência da segurança cibernética. Proteção de dados é importante? Autoridade de Proteção de Dados, autoridade de inteligência artificial. E vai-se fragmentando a estrutura do Estado, perdendo uma abordagem, uma visão do todo, porque se começa a criar vários agentes para olhar para a sua caixinha, para olhar para a sua árvore, e não há ninguém olhando para o todo. Isso gera uma série de custos, custos de transação, custos de coordenação, além de multiplicar diversos custos fixos, porque cada um deles vai ter que ter uma procuradoria, ter uma corregedoria, ter um RH, ter uma TI, e vai-se multiplicando custos, gerando ineficiências num momento em que o Estado brasileiro precisa ser mais eficiente, até para tratar melhor o pobre do contribuinte.
(Intervenção fora do microfone.)
(Intervenção fora do microfone.)
(Risos.)
(Intervenção fora do microfone.)
Gostaria de começar agradecendo o convite e a oportunidade de trazer algumas reflexões aqui para debater com os senhores e com as senhoras.
Eu achei muito produtivo e muito interessante ouvir tudo o que foi comentado até o momento pelos meus colegas de painel, digamos assim.
Para complementar — espero complementar a discussão —, do que eu tenho acompanhado não só como acadêmica, mas também como consultora da LCA, onde exerço um trabalho de consultoria e acompanho de perto as discussões de regulamentação e de aplicação da política de defesa da concorrência, vou até fazer alguns contrapontos, talvez com uma ênfase maior na discussão sobre defesa da concorrência e aspectos concorrenciais, também sob a ótica econômica — aqui eu sou colega do Dr. Carlos Baigorri, sou economista também.
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Eu acho que um ponto bem importante para conseguirmos avançar na discussão é começarmos a separar a natureza dos problemas que temos enfrentado e que têm trazido preocupação. Parece-me que várias das preocupações são legítimas, mas é importante entender qual é a natureza dos problemas para melhor entender aonde queremos chegar com a regulamentação e, então, qual vai ser o melhor caminho.
Ao ter como referência os aspectos concorrenciais, várias questões que até ouço aqui e tenho ouvido em outros fóruns e tenho estudado academicamente mostram que a natureza de alguns problemas não é concorrencial. Então, esperarmos que instrumentos concorrenciais resolvam esse problema também não seria o caminho, e isso não tem nada a ver com a Lei de Defesa da Concorrência estar incompleta ou não, ou não dar conta. Mas não vou aprofundar a discussão específica da concorrência aqui.
Mas o ponto é que, se não identificarmos a natureza do problema e aonde queremos chegar com a regulação, talvez ainda fiquemos misturando muitos temas e acabemos tentando resolver várias questões com ferramentas que não são as mais eficientes. Um problema pode ter natureza concorrencial, pode ter uma preocupação política, uma preocupação geopolítica, pode ser de interesse nacional, de soberania nacional, pode ter uma preocupação com a democracia. Vários desses problemas talvez tangenciem, mas não começam com questões concorrenciais. E aí não vai ser, por exemplo, discutindo quem são os grandes players, principalmente pensando em segmentar ou pulverizar os mercados, que vamos resolver a questão.
Coloco isso por quê? Porque, conforme até já apresentado mais no começo da sessão aqui da tarde, vimos que as plataformas digitais têm conquistado posições de destaque justamente porque há vários elementos, sob a ótica econômica, que favorecem a eficiência econômica conforme temos players de maior aporte, com um maior número de usuários, e temos, então, economia de escala, economia de escopo, economia de rede, que já estão presentes em outros mercados, independentemente de serem digitais. Esses mercados, essas plataformas digitais vão ganhando porte e relevância por conta desses elementos que as tornam mais eficientes. Então, necessariamente sairmos discutindo uma segmentação, uma pulverização desse mercado talvez não seja o caminho, especialmente quando os mercados não são marcados por preocupações que são de natureza concorrencial. Desmembrar ou pensar em algum tipo de segregação dessas plataformas poderia levar, inclusive, a ineficiências, que são a perda dos ganhos que verificamos ser o que justamente as levaram a ganhar esse porte.
Então, acho que o principal ponto é voltarmos de novo a ver aonde pretendemos chegar com todas essas preocupações que foram levantadas aqui. É legítimo discutir isso sob a ótica da política pública, especialmente, mas, novamente, temos que pensar aonde queremos chegar e qual é a natureza do problema. Há vários problemas que podem ser de natureza distributiva e não concorrencial, de natureza política — e eu não falo de forma nenhuma como uma questão negativa — ou de soberania nacional.
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Cada uma dessas questões deve ser endereçada de uma forma diferente. Talvez não haja uma única solução para isso. Talvez cada uma delas tenha que ser discutida num projeto de lei específico ou de uma forma diferente. E me parece um pouco que as discussões acabam passando de uma forma ainda bastante misturada quando pensamos qual é a falha de mercado ou a falha de ecossistema que identificamos e aonde queremos chegar com isso. Todos esses elementos, como os associados à soberania nacional, distribuição de renda e garantia de democracia, são extremamente legítimos sob a ótica da política pública, mas, novamente, cada um deles vai ter uma forma diferente de ser endereçado.
Um dos pontos que, academicamente, também entendo ser bastante importante — e vale a pena estressar aqui — é tratarmos do caso a caso. Entendo que toda a regulamentação que temos discutido aqui de plataformas digitais é assimétrica em algum grau, ou seja, não se deve regulamentá-las de forma generalizada, a priori, até porque, talvez, no médio prazo, quase todos os setores da economia vão ser digitais. Quando falamos em mercados digitais ou plataformas digitais, há um grupo mais restrito de segmentos de mercado que são marcados pela presença desses agentes, mas, com a evolução, com o avanço tecnológico, a expectativa é de que quase todos os setores da economia sejam marcados por esse tipo de agente atuando no setor. Então, eu entendo que boa parte da regulamentação que temos discutido aqui vai ser assimétrica no sentido de endereçar ou de ter como alvo alguns agentes. Portanto, até para delimitar quais são esses agentes, talvez, a depender do objetivo e a depender do desenho regulatório que vejamos como necessário para chegar ao objetivo, agentes diferentes vão ter que ser considerados nesse debate.
Quando eu falo do caso a caso, eu tenho uma análise caso a caso de setor, tenho uma análise caso a caso de modelo de negócio. Por que isso? Porque há vários setores que só existem no ambiente digital. Agora, também há vários setores que já existiam antes e foram modernizados ou complementados com canais digitais ou com um braço digital. Então, todos esses setores, nas suas especificidades, vão ter preocupações diferentes e formas diferentes de serem endereçados para, justamente, acolher — acho que foi a preocupação de praticamente todos que trouxeram algum ponto aqui — essa questão de regulamentar o mercado, mas sem que isso vire uma barreira para se avançar em inovação. Acho que isso talvez seja o grande denominador comum entre todos os debatedores nesse painel.
Então, nesse sentido, eu trago esse ponto de reflexão sobre sempre voltarmos e delimitarmos quais são os objetivos de cada um dos pontos que foram trazidos aqui, qual é a natureza deles. Dado o meu viés de atuação, mais focada em concorrência, fico bastante preocupada em separar o que é uma preocupação concorrencial e o que não é uma preocupação concorrencial. E, acima de tudo, é preciso pensar na realidade brasileira.
Acho que temos experiências internacionais muito ricas, já inclusive sendo implementadas no período recente, nos últimos meses. São experiências muito interessantes, com desenhos que fazem, talvez, sentido nas realidades em que elas foram implementadas. A experiência da Comissão Europeia com o DME e a experiência britânica com o DMCC também surgiram de muito debate, e, nesse sentido, parabenizo a iniciativa deste debate que está sendo promovido aqui. Acho que temos bastante avanço a ser feito para justamente identificar quais são as peculiaridades brasileiras, para nos inspirarmos um pouco na experiência internacional, que é sempre muito rica, muito válida, até porque, digamos, nesse sentido, eles já estão um pouco à frente, eles já estão implementando, e podemos mapear o que tem sido bem-sucedido, o que parece que pode funcionar no Brasil, o que parece que não faz sentido no Brasil, mas avançarmos nesse debate para identificar, então, quais são as peculiaridades brasileiras.
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O Brasil é um país muito grande. Temos, em termos de número de usuários, condições de ter mais plataformas grandes, inclusive nacionais ou da América Latina, e também internacionais, de várias outras regiões. Então, comparando com outras jurisdições, talvez o Brasil tenha condições de acolher um número maior de plataformas atingindo a tal da massa crítica — que é aquele tamanho mínimo de usuários que ela tem que ter para realmente conseguir concorrer no mercado —, em todos os setores, não, mas talvez em alguns dos setores. Por isso, de novo, há sempre que olhar caso a caso.
E o Brasil também tem muita heterogeneidade, acho que esse ponto também já foi trazido aqui. Talvez de forma parecida com a Europa, mas parecida de um jeito diferente, no Brasil também há várias regiões muito distintas, o que é uma dificuldade que a Comissão Europeia também deve ter enfrentado na hora de pensar em diretrizes ou na hora de implementar uma regulamentação.
Então, são elementos que precisamos considerar aqui. Todos eles, na minha avaliação, convergem muito para uma discussão de caso a caso, o que, de novo, volta à necessidade de pensar nos problemas, de pensar, então: "Essa é a minha preocupação. Aonde eu quero chegar com a possível regulamentação?" E aí é traçar o desenho, traçar quem tem que ser regulamentado. Caso contrário, se tentarmos fazer algo muito amplo, o que, obviamente, do ponto de vista de análise ex ante, pode ser um pouco menos desafiador, na hora de vermos o resultado dessa regulamentação, talvez encontraremos mais desafios.
Eu tenho ouvido muita discussão sobre as experiências internacionais sob a ótica da teoria econômica da regulação, da teoria política da regulação, tenho discutido bastante os aspectos jurídicos, mas acho muito importante trazermos mais evidências da realidade brasileira e de qual será o impacto regulatório efetivo das possíveis regulamentações que podem vir a ser implementadas, como os projetos de lei que até já foram mencionados aqui. Quem vão ser os agentes afetados? Ao olhar esse agente afetado, estamos tendo o efeito... Quando digo agente afetado, não é só o agente regulado, mas os outros lados da plataforma. Quais usuários vão ser afetados e de que forma vão ser afetados? O ambiente competitivo também vai ser afetado para melhor ou para pior? Então, essa análise de impacto regulatório e uma discussão mais aprofundada sobre as evidências empíricas que temos da realidade brasileira me parece que são elementos importantes para trazermos para a discussão para vermos se, realmente, o efeito esperado dessa regulamentação de mercado vai ser na direção que se objetiva, seja aumentar a concorrência, seja aumentar a soberania nacional ou garantir a soberania nacional que o Brasil já teria conquistado, seja garantir a democracia, enfim, qualquer que seja ela.
Quando penso nos diferentes mercados, no caso a caso, chama-me bastante a atenção que, para os mercados que surgiram no ambiente digital, a depender da regulamentação, podemos estar falando não só de privar a inovação, mas talvez até de fazer com que determinados serviços não se desenvolvam mais ou deixem de existir. Ao mesmo tempo, quando penso nos mercados que já existiam e foram complementados com o avanço tecnológico, com a existência das plataformas digitais, posso verificar que há mercados que seguem apresentando características da dinâmica off-line, da dinâmica do mercado físico, como, por exemplo, o varejo, em que, com a importância do canal digital, a existência de omnicanalidade acaba, na verdade, aumentando a concorrência, em vez de diminuí-la. Então, há vários elementos. Olhando para o segmento de varejo e para outros segmentos, vemos que o tratamento tem que ser específico porque alguns deles podem não ter mudado tanto, em termos de dinâmica, de como eram antes do avanço tecnológico e da existência dessa discussão sobre plataformas.
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Acho que, para avançarmos, precisamos sentar e debater mais e trazer principalmente mais evidência, se possível econômica, puxando aqui para o meu viés, para podermos separar melhor, então, qual é o problema, aonde queremos chegar com ele e qual seria o melhor desenho e analisar o impacto da possível regulação que estamos discutindo. Então, convido todos a refletir um pouco nessa direção de tentar avaliar qual seria o impacto regulatório desses projetos de lei, que, inclusive, já estão em discussão aqui nesta Casa.
De fato, essa é uma reflexão muito importante porque qualquer decisão tomada, seja pelo Congresso, seja pela administração pública como um todo, seja pelo regulador, precisa ser baseada em fatos, dados e evidências.
Agora, um dos motivos que torna esse debate não só relevante, mas também um tanto quanto urgente é que várias dessas evidências, em alguns mercados, já estão bem consolidadas. Eu vou dar um exemplo que o setor de telecomunicações já vem enfrentando há alguns anos: o mercado do Serviço de Acesso Condicionado — SeAC, que é a TV por assinatura. Em 2012, foi aprovada pelo Congresso, depois de um processo muito longo, a Lei nº 12.485, que é a Lei do SeAC e traz uma série de obrigações legais sobre conteúdo nacional, direito do consumidor... Enfim, há uma lista relativamente grande de obrigações para os prestadores desse serviço, como outorga, pagamento de licença e tudo o mais.
O que acontece é que, em 2012, iniciou-se o processo de chegada do streaming. No começo, não havia uma evidência muito clara se eles faziam parte do mesmo mercado relevante, se havia uma competição entre eles pelo mesmo cliente. Essa característica de substituição de um serviço pelo outro foi ficando cada vez mais relevante, mais evidente. Eu, particularmente, não tenho mais TV por assinatura; só tenho streaming em casa. Isso ficou muito patente recentemente.
O que acontece é que esse tipo de situação em que há dois agentes disputando o mesmo mercado relevante, mas com condições regulatórias completamente diferentes, não só regulatórias, mas tributárias também, faz com que a definição de quem vai ganhar o mercado não se dê pela eficiência, pela qualidade da prestação do serviço, pela qualidade do conteúdo, mas, sim, pelas normas do Estado. Eu, particularmente, não acredito que seja papel do Estado escolher ganhadores e perdedores no mercado.
Quando olhamos para o setor, por exemplo, de telefonia, Deputada Dani, eu não me lembro da última vez em que fiz uma chamada telefônica pelo telefone. Todo mundo faz chamada telefônica pelo WhatsApp. As condições de prestação do serviço são diferentes, as obrigações regulatórias são diferentes, tudo é diferente.
O Dr. Camilo deu o exemplo aqui da programação infantil. Eu não sabia que a razão de ter acabado a programação infantil na TV aberta estaria associada às obrigações de publicidade para o público infantil, mas não sei se existem obrigações de publicidade para o público infantil no Youtube. Então, hoje praticamente todas as crianças... Ninguém mais assiste ao Bom Dia & Companhia, em que as crianças ficavam torcendo para ganhar o PlayStation. Giravam e ficavam lá: "PlayStation! PlayStation!" Não há mais isso. Agora o pessoal vai para o Youtube.
Então, esse tipo de evidência que começa a surgir, primeiro, em mercados em que há essa competitividade, nos serviços de telecomunicação, na comunicação como um todo,
a cada dia que passa vai expandir para outros negócios. Por exemplo, temos agora uma discussão muito grande na venda de equipamentos de telecomunicações. As empresas que vivem no mundo real, como uma lojinha aqui da Feira dos Importados, se começam a vender equipamento não certificado, equipamento irregular, a polícia, a ANATEL, a ANVISA baixam lá, fecham a loja, lacram os equipamentos, levam tudo e o lojista fica prejudicado. Agora, se ele vende num marketplace, não tem responsabilidade sobre aquilo. Ele alega que não tem responsabilidade, que ele é uma mera plataforma, um mero intermediário. Então, quem é que vai ter lojinha? Começa a haver uma competição desleal.
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E aí o Estado, me colocando como regulador nessa disputa entre SEAC e streaming, fica numa situação que é a seguinte, o único jeito de fazer o level playing field, de dar equivalência às regras, se tem um lado que não tem regra nenhuma e não se pode colocar regra, é retirar todas as regras do outro lado. Mas muitas vezes algumas regras que foram colocadas são regras legítimas, como, por exemplo, conteúdo nacional. Vamos tirar as regras de conteúdo nacional? O Congresso Nacional decidiu que era legítimo ter regra de conteúdo nacional. E muitas vezes essas assimetrias vão até à questão tributária, e aí fica mais complexo ainda, a falha de Governo fica mais relevante ainda. Esse é o grande problema, hoje, na minha visão. Concordo plenamente, precisamos documentar melhor com fatos, com dados, até para entender qual é a melhor solução. Mas em alguns mercados isso já aconteceu, alguns mercados já desapareceram. O mercado de TV por assinatura não desapareceu, mas perde base, ele está já na cauda longa do mercado. A cada trimestre se reporta perda de base, há anos ele não ganha mais base de clientes, porque está todo mundo saindo.
O SR. MÁRCIO SILVA NOVAES - Boa tarde a todos. Começo cumprimentando a Deputada Dani Cunha. Muito obrigado pelo convite, pelo honroso convite; o meu querido amigo Presidente da ANATEL, Carlos Baigorri; a todos que me antecederam, o João Camilo, colega também da radiodifusão, que sabe das nossas dificuldades.
Eu não ouvi a todos porque cheguei um pouco atrasado, mas eu gostaria de tentar organizar as ideias. São tantas coisas que a gente ouve, pensa e repensa que é difícil tentar organizar tudo isso numa única fala e em pouco tempo. Mas eu acho também que debater demais... Precisamos agir mais, precisamos ter um certo foco, uma objetividade. E é dentro deste princípio que nós da ABRATEL, Deputada Dani, estamos tentando atuar junto ao Congresso Nacional, e sermos efetivos, sem sermos injustos.
Como colocou a Dra. Sílvia, há uma preocupação que eu acho extremamente importante, pertinente, e que nos afeta muito na nossa história. Nós, enquanto emissoras de rádio e televisão, e a Record, emissora à qual eu tenho honra de pertencer, ao grupo, de participar e representar nesse momento, é uma empresa com mais de 70 anos de vida. Poucas empresas neste País têm tanto tempo de vida, de existência, principalmente numa área como essa. Mas, o que acontece? Eu conversava esses dias com o Presidente Baigorri sobre como nós fomos acostumados a viver num cercadinho de regras:
não pode isso, não pode aquilo. Você está limitado a ter tanto; você não pode, porque você exerce um cargo, enfim. E foram colocando regras e nós fomos nos adaptando a essas regras e o nosso cercadinho foi ficando cada vez menor.
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Eu não ouvi o que o João falou, mas eu entendo que o que ele falou aqui é fruto desse caminhão de regras. Existe até um estudo apontando que passariam de cinco horas, se nós fôssemos atender a todos os projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional. Você falou isso, João? Daqui a pouco a gente só coloca no ar a programação para atender aquilo que desejam e que acham que é justo e razoável.
Bem, mas dentro dessa ideia, tentando trazer para o foco do debate aqui, de tudo que eu ouvi, de tudo que temos debatido ao longo dos anos — eu acho que já é tempo demais, é muito tempo, é "muito calor e pouca luz", como dizia um amigo meu —, precisamos ter efetividade. E para ter essa efetividade, aqui na Comissão de Comunicação, nós da ABRATEL elaboramos um texto, que foi relatado e aprovado no mês passado, sobre a remuneração do conteúdo jornalístico. Cabe a nós defendermos isso, é o nosso setor e temos que lutar por isso. Eu acho que não cabe justificar o porquê de nós devermos ter esse direito de negociar com essas empresas de comunicação. E eu faço aqui um parêntese: empresas de comunicação social. São empresas de comunicação social, porque assim o Governo reconhece. Para poder receber verba da SECOM, é preciso ser uma empresa de comunicação social. E assim eles são considerados. Ganham o Prêmio Caboré de veículo do ano. Sobem no palco e o recebem. Justo. Não estou tirando o mérito. São empresas competentes que souberam aproveitar uma tecnologia que está aí livre.
Agora, naquilo em que há uma intersecção com o meu setor, com aquilo que eu faço, que é levar jornalismo, que é levar comunicação e entretenimento, eu me remunero apenas com a publicidade, porque não cobramos assinatura. O nosso serviço é gratuito, é entregue ao povo com altíssima qualidade, e cobre um país continental. Em mais de 70 anos de vida, temos que começar, e principalmente o Congresso Nacional, a olhar para nós e dizer o seguinte, que são brasileiros que produzem conteúdo brasileiro para brasileiro, feito por brasileiros, com qualidade extraordinária, porque a Record vende suas novelas para mais de 60 países. Isso é um motivo de orgulho para a nossa classe artística, seja ela no seu amplo espectro de produção de conteúdo, seja para nós. Isso é motivo de orgulho. Então eu acho que temos que olhar para isso. Ao contrário, Deputada Dani, se eu pegar uma pastinha e for lá para a terra do Tio Sam para montar uma rádio, o Tio Sam vai pedir, primeiro, para eu ser americano. Ele vai falar: "Você é estrangeiro. Você é cucaracha". Então, temos que pensar um pouquinho na reciprocidade das coisas, temos que pensar em cima disso também.
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Vou tentando conseguir pegar a linha de raciocínio aqui, porque a idade vai nos deixando um pouquinho distraídos.
Dentro dessa intersecção, essas empresas não produzem conteúdo. O conteúdo é colocado lá, as pessoas postam esses conteúdos, que, muitas vezes, fazem sucesso.
Eu sempre digo que o nosso setor, Presidente Baigorri, antigamente era uma vitrine. Sou de uma cidade pequena do interior. Sou do tempo em que um dos passeios, no fim de semana, era ir até o centro da cidade, ver as vitrines, ver o que estava lá disposto, bonito, novidades etc. Aquilo atraía a audiência. Havia a expectativa e o desejo de consumir aquilo que estava exposto naquela vitrine. O nosso setor é isso. O setor deles também é isso. E eles não têm custo nenhum para disponibilizar o conteúdo deles, ao contrário do nosso, que custa caro, é muito tributado e muito regulado.
Seguindo a linha de raciocínio, o conteúdo deles é impulsionado. Eu não vou entrar no mérito se o conteúdo é falso, é mentiroso. Falo mentiroso porque usam a expressão fake news, e eu detesto esse tipo de expressão. A língua brasileira é tão rica, dispensa qualquer necessidade de expressão norte-americana, inglesa, nós temos bastante capacidade para isso. Mentira é mentira, sempre foi. E hoje a mentira é turbinada pela tecnologia.
Quando há impulsionamento de um conteúdo, mesmo que esse conteúdo seja verdadeiro, ele foi impulsionado, ele foi pago. Eu paguei para que ele pegasse aquele conteúdo meu e o pulverizasse, enviasse-o no seu WhatsApp, na sua conta de Instagram etc. À medida que ele está fazendo isso, está se remunerando disso, as regras precisam ser aplicadas. Nesse caso, para mim, é evidente isso.
E não precisa criar regra, a regra está posta. As regras que regulam a publicidade no Brasil são postas. Eu pago e as respeito, pelas agências de publicidade, pelos anunciantes e assim por diante.
A ANATEL exerce um trabalho importantíssimo, que, infelizmente, é enxugar gelo, de ir atrás dessas caixinhas piratas que vendem TV por assinatura. É uma caixinha que custa 300 reais, 400 reais, você tem 800 canais e não paga nada. Isso é crime de pirataria. É crime previsto em lei. Não precisa tipificar isso, já está tipificado.
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E o que acontece? Você encontra anúncios desse produto nessas empresas de comunicação. Se eu fizer um anúncio desses, o Ministério Público vai me pedir uns 50 mil anos de pena para ser cumprida, a ANATEL vai mandar lacrar o meu transmissor. Não vai?
Então, a regra está posta. Eu não vejo a razão de nós ficarmos com tantos debates há anos, como desse famigerado Projeto de Lei nº 2.630, de 2020. Até decoramos o número dele, dá até para jogar na loteria esse número, 2.630, fazer umas combinações e, quem sabe, ganhar na Mega-Sena.
O João trabalhou comigo há alguns anos, o Samir está aqui comigo, o Portela trabalha comigo. Perdi a conta na 11ª participação, depois não contei mais. Lá atrás, eu já dizia o seguinte: o que vale no real vale no virtual. Por que não? Eu não posso — aliás, posso, mas é perigoso — colocar uma câmera da Record na rodoviária, agora, deixar 1 hora a câmera ligada, com o microfone ligado. Vai ter gente que vai passar, dar um tchau, dizer "Oi, mamãe" e não sei o que. Vai ter gente que vai xingar alguém. Nessa hora que ele xingar alguém, podem falar assim: "Xingaram você lá na Record". E eu vou responder por isso.
Então, sinceramente, temos que agir. E a ABRATEL tem feito isso, seja na remuneração do conteúdo jornalístico, seja na regra de publicidade. Basta aplicar as regras. E é isso que esta Casa precisa enxergar, precisa botar agilidade e rapidez nisso.
Foi falado aqui da autorregulação. A Dra. Vânia falou da autorregulação, que é importantíssima. Agora, como é que eu trago uma pessoa para a autorregulamentação? Se eu estivesse lá, será que também teria vindo aqui? Vamos ser sinceros nos nossos pensamentos, nas nossas reflexões, nas nossas críticas. Será que nós, do outro lado, talvez não faríamos o mesmo? Eu não queria estar cercado. Queria estar livre para poder pensar, agir, correr, impulsionar o meu conteúdo, mas não é isso que vemos acontecer.
Então, entendo que me parece mais simples isso. Inclusive, o próprio Supremo tem duas ações diretas de inconstitucionalidade. Disseram que as pautariam neste mês de junho. Tomara que as pautem, porque, aí, sim, essas empresas vão buscar a autorregulamentação, porque vão encontrar, na autorregulamentação, uma medida menos impactante que nós nunca tivemos, porque fomos regulados e somos regulados.
Enquanto eu estiver representando esse setor, vou representá-lo enquanto brasileiro. Temos que ter orgulho disso. Precisamos parar com esse negócio de achar que o nosso negócio é ruim, que nós fazemos as piores coisas e que o gringo é o cara. Ele é um cara que não sabe nem qual é o nome da capital do nosso País. Um Presidente americano disse que a capital do Brasil era La Paz.
Desculpem. Já estou esgotando o tempo, mas é que eu fico, às vezes, até indignado, Presidente Baigorri, porque tenho que correr para dar resultado, porque temos mais de 20 mil funcionários, mais do que qualquer montadora de automóveis.
E nós não fabricamos parafuso nem roda. Não há como reinventar o parafuso nem reinventar a roda. Agora, o nosso setor tem que fazer isso, porque a tecnologia nos atropela a cada 6 meses. E nós só produzimos o conteúdo.
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Eu sempre digo o seguinte: a parte mais gostosa do sanduíche é o recheio, e quem faz o recheio somos nós. São as empresas mundiais e pouco as brasileiras que fazem câmera, switcher, mesa de edição, de conteúdo, transmissor, antena, televisão, aparelho de TV. Tudo isso é vendido pelas fabricantes coreanas, japonesas etc. em cima do quê? Desse conteúdo, do recheio do sanduíche que nós fazemos. E o nosso sanduíche é bom demais.
Então, eu queria só agradecer, mais uma vez, a oportunidade e desejar que esta Casa, no seu comando, Deputada Dani, do nosso querido Deputado Silas Câmara, Presidente da Comissão, e de todos os Parlamentares, tenha essa sensibilidade, mas, acima de tudo, agilidade. Nós precisamos de efetividade, de resultado, sem sermos injustos.
Só quero fazer um testemunho aqui sobre sua demanda de agilidade, menos discussão e mais ação. Vou trazer o meu testemunho de que a Deputada Dani Cunha é uma Deputada de ação. Nas últimas 2 semanas, botou-nos para trabalhar aqui, eu, a Dagma, a equipe da Comissão também, virando noites, trabalhando. Então, agora eu, particularmente, tenho muita esperança de que vamos ter uma entrega propriamente dita desses debates todos, desse plano de trabalho que está sendo produzido.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Eu queria fazer um adendo e queria agradecer pelas palavras, Presidente Baigorri.
Na minha pouca trajetória aqui enquanto Parlamentar, eu sou uma Parlamentar conhecida por tentar tocar as coisas a toque de caixa, mas agilidade não significa que não precisemos ter o conteúdo nem a informação.
Quando estávamos organizando esses seminários — não é, Presidente? —, tentamos colocar o máximo de expositores possível, mas, ao mesmo tempo, falamos que não podemos demorar 6 meses. Isso porque temos pressa em ter um resultado palpável antes do início do recesso, para que, quando voltem os Deputados, consigamos entregar um conjunto de trabalhos, de leis, em soma ou em unidade, mas com o objetivo, realmente, de que consigamos trazer uma discussão, e não só uma discussão no caráter da Comissão de Comunicação. Nós temos um objetivo grande de realmente levar isso para discussão em plenário. Não significa que não precise passar o seu devido rito, mas o rito pode ser feito com boa agilidade.
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Eu queria dizer que nós precisamos, sim, ser ágeis. Podemos ter agilidade e também manter o debate na sua amplitude, na sua diversidade de opinião, também de forma resolutiva. Então, eu queria reiterar a importância deste espaço para isso e me colocar à disposição para que possamos sempre agir e não levar 30 anos, 40 anos, 50 anos para fazer um marco regulatório. Não precisa ser feito em 5 dias, mas que seja feito no seu tempo justo e no seu tempo adequado.
A Secretaria me passou uma questão encaminhada pela plateia. Vou lê-la. E deixo a palavra aberta para todos os que participaram da Mesa e quiserem se manifestar.
Olá. Meu nome é Elizabeth e sou consultora da área de comunicação da Câmara. Gostaria de perguntar aos integrantes da Mesa se eles defendem que a regulação das mídias digitais e das plataformas digitais seja realizada por múltiplas entidades, como ANATEL, ANCINE e ANPD. Além disso, essa entidade reguladora também deve regular o setor de radiodifusão para garantir o cumprimento dos preceitos condicionais de pluralidade, diversidade, conteúdo regional, educativo e informativo previstos no art. 221?
O SR. ALEXANDRE KEHRIG VERONESE AGUIAR - A Profa. Elizabeth Veloso, que é consultora legislativa desta Casa, diga-se de passagem, traz uma pergunta difícil. Na verdade, a prerrogativa de decidir essa modelagem é do Congresso Nacional, essa prerrogativa não é nossa.
Sobre a autoridade de proteção de dados, em princípio, o ideal seria ela ser mantida de forma apartada, porque a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico — OCDE, de certa maneira, determina isso. E é uma pretensão do Governo brasileiro — não é deste Governo, é do Estado brasileiro — ascender à OCDE no futuro. Então, manter a ANPD separada me parece algo razoável.
Agora, como o Presidente Baigorri bem colocou, com a Agência Nacional de Cibersegurança, a Agência Nacional de Inteligência Artificial, o fato é que vamos ter que talvez pensar num modelo de regulação convergida, exatamente por conta de restrições orçamentárias. O Presidente Baigorri é economista. Vivemos, há décadas, com esse problema de orçamento curto. E vamos criar mais duas agências, mais dois conselhos, mais dois RHs? Realmente, talvez enxugar isso num órgão regulador holístico e amplo seja uma solução mais razoável e condizente com a modelagem brasileira. Novamente, existem países que optaram por esse tipo de dinâmica.
Outra coisa que eu gosto sempre de falar é que temos outro problema, que sei que não está na pauta legislativa neste momento, mas é relevante, que é a proteção de dados pessoais para fins criminais. A nossa lei exclui isso. Hoje temos esse buraco. O Brasil acedeu à Convenção de Budapeste. Esse assunto não é tratado em nada no Brasil. Alguém vai ter que fazer isso em algum momento.
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Daqui a pouco, o processo de multar o colega da ABRATEL em 50 mil anos de prisão pode ser anulado por uma violação de proteção de dados pessoais no meio dessa investigação criminal, porque exatamente não temos uma legislação para tratar disso nem uma autoridade reguladora para cuidar dessa matéria.
Temos vários temas. Para dar uma resposta clara para a Beth, eu acho que o modelo de regulador convergido, que é uma das propostas da OCDE, é um caminho, na minha opinião, modesto, razoável. Seria fazermos mais 5 ou 6 reguladores e achar que eles vão atuar em conformação, apesar da Lei nº 13.848, de 2019, que é a Lei das Agências. Essa lei diz que as agências têm que agir e que há um conselho das agências. Se ampliarmos isso para 25 agências, quanto mais players termos, mais difícil fica regular. Então, a minha proposta seria um regulador convergido ao máximo possível, que seja necessário, de acordo com a vontade do povo, expressa pelo Poder Legislativo brasileiro.
O SR. COORDENADOR (Carlos Manuel Baigorri) - Se ela mandar outra pergunta, eu lhe aviso, Prof. Veronese.
A SRA. PRESIDENTE (Dani Cunha. Bloco/UNIÃO - RJ) - Presidente Baigorri, eu queria lhe agradecer não só pela oportunidade de fazer toda essa organização, junto com toda a sua equipe, mas também pela moderação, no dia inteiro de hoje, no painel da tarde e no painel da manhã também.
Eu queria agradecer a todos os expositores, a todos os assessores, a todos que trabalharam em conjunto.
E quero reiterar que, na semana que vem, nós temos mais três painéis de igual importância, talvez, senão mais. Quero convidar os senhores para estarem presentes, não só nesses painéis, mas realmente num conjunto de soluções que buscamos trazer.
Nós teremos ainda uma oportunidade, muito em breve — e eu me comprometi no começo, hoje pela manhã —, ao final de todas essas palestras, de reunir todo o conteúdo, divulgar o conteúdo reunido e, na primeira reunião sequencial, na Comissão de Comunicação, já entregar um relato com propostas, já com Subcomissões de temas, para que possamos realmente, com um calendário eficaz, trazer um conjunto de soluções.
É lógico que não depende só de nós ou da nossa boa vontade. Se assim o fosse, talvez muitas coisas estivessem diferentes, mas o nosso papel aqui, no âmbito do Parlamento e no âmbito dos nossos temas que defendemos, é lutar até o final, para que tudo seja devidamente debatido e exposto.
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