Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Declaro aberta a presente audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, atendendo ao Requerimento nº 16, de 2024, de minha autoria, Deputado Sargento Portugal, para debater as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com síndrome de Pompe, bem como o protocolo clínico adotado pelo Sistema Único de Saúde — SUS.
Farei minha breve autodescrição para as pessoas cegas e com baixa visão que estejam nos acompanhando. Peço que os demais integrantes da Mesa também façam o mesmo, antes de iniciarem as suas falas.
Sou um homem de 47 anos moreno, careca, terno preto. Estou usando uma camisa azul — eu acredito que seja azul ou cinza —, gravata preta e tenho a melhor de todas as intenções do mundo para entregar para as pessoas que realmente precisam o que esta Comissão de Deficiência tem a oferecer. Estou à frente da Mesa Diretora do Plenário 13. Ao fundo há uma parede branca e a Bandeira do Brasil.
Este plenário está equipado com tecnologias que conferem acessibilidade, tais como aro magnético, Bluetooth e sistema FM para usuários de aparelhos auditivos. Além disso, contamos com os serviços de interpretação de LIBRAS e legendas em tempo real, que podem ser acessadas através do QR Code nas telas das entradas do plenário.
Esta audiência poderá ser acompanhada pela página da Comissão na Internet ou pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube, com janela de tradução em LIBRAS.
Informo, ainda, que este debate é interativo. O público poderá enviar perguntas e votar nas perguntas já feitas. As mais votadas têm chance de ser encaminhadas aos Parlamentares e convidados durante o evento e poderão ser respondidas. O serviço pode ser acessado pela página da Comissão no site da Câmara dos Deputados: www.camara.leg.br/cpd.
Como regra geral, peço que todos mantenham seu microfone desligado e o abra apenas quando forem usar a palavra.
Apresentação das convidadas e dos convidados: Sr. Natan Monsores, Coordenador-Geral de Doenças Raras, representando o Ministério da Saúde; Sra. Natasha Slhessarenko Fraife Barreto, Coordenadora da Câmara Técnica de Doenças Raras do Conselho Federal de Medicina; Sr. Marcondes Cavalcante Franca Junior, médico e professor livre-docente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas — UNICAMP, que participará virtualmente; Sr. Fabio Cenachi, Presidente da Associação Brasileira de Doença de Pompe — ABRAPOMPE.
(Palmas.)
Regras do debate: as senhoras e os senhores palestrantes farão sua apresentação por 10 minutos, prorrogáveis a juízo desta Presidência. Após as explanações, será concedida a palavra por 10 minutos ao autor do requerimento. Logo após, as Sras. e Srs. Parlamentares inscritos poderão falar por até 3 minutos. Em seguida, será concedida a palavra às senhoras e aos senhores expositores para as suas considerações finais.
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Sou um homem de pele clara e cabelo castanho. Uso óculos, estou vestindo um blazer azul, com uma gravata azul também, e uma camisa rosa.
Estamos no Ministério da Saúde com a Coordenação-Geral de Doenças Raras, que fica dentro da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde. Digo isso para a população que nos ouve, Deputado Sargento, compreender um pouco do nosso papel. Dentro do Ministério da Saúde, há diversas secretarias diferentes. Há secretarias que cuidam da formação de profissionais de saúde; há a secretaria que cuida da área de ciência e tecnologia; há uma secretaria que cuida de saúde digital; enfim, há várias áreas. Dentro das diversas áreas, há a Secretaria de Atenção Especializada, que é responsável por organizar um segmento importante da atenção à saúde, que é a atenção especializada. Na atenção especializada, há as especialidades médicas e os laboratórios importantes, e o segmento de doenças raras se insere nesse setor.
Tendo esclarecido isso, eu queria também esclarecer que, dentro do trabalho que fazemos na Secretaria de Atenção Especializada, uma das nossas diretrizes é o cuidado centrado nas necessidades das pessoas que vivem com doenças raras no Brasil.
Doenças raras é uma designação que nem sempre é fácil de compreender. Não sei se a população que nos acompanha tem noção do que esse termo no plural significa, mas nós estamos falando de um conjunto enorme de condições de saúde muito diversas — estimativas apontam algo em torno de 7 mil ou 10 mil condições diferentes. Algumas delas acontecem de forma mais frequente na população, algumas são ultrarraras e outras são restritas a grupos familiares ou pequenos contingentes de pessoas.
Parte substantiva das doenças raras tem componente genético. Isso significa dizer que nascemos com alterações genéticas que vão se manifestar precocemente ou tardiamente — no início da vida ou ao longo dela.
O termo “doenças raras” é derivado de movimentos sociais de pacientes. É uma bandeira social importante. O termo "doença rara", em si, não designa nenhuma entidade clínica, nenhuma entidade médica. Nenhum médico vai diagnosticar uma doença rara. Ele diagnostica síndrome de Pompe, fenilcetonúria ou qualquer outra condição.
Esse termo é uma bandeira, e, ao redor dessa bandeira, diversas forças da sociedade têm se organizado. O movimento social relacionado a doenças raras é um movimento bem expressivo. Desde a década de 70, há grupos de mães e pais se organizando fora do Brasil, e aqui no País um pouco mais tardiamente, até em decorrência do avanço da compreensão do que são as doenças raras.
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Os especialistas que falarão em seguida provavelmente farão descrições mais pormenorizadas do que é essa condição. Então, eu vou me ater ao papel do Ministério da Saúde, porque essa é a cobrança da sociedade que o Deputado Sargento Portugal está nos trazendo enquanto Ministério da Saúde.
Ao longo desse 1 ano e meio de existência da Coordenação, nós temos trabalhado para organizar a rede de serviços de atenção especializada em doenças raras no Brasil. Isso significa que os centros de referência, que, de modo geral, estão em hospitais universitários ou em outros serviços, foram instados ou convidados pelo Ministério da Saúde a se organizarem para trabalhar ao redor das necessidades dos pacientes do SUS, dos pacientes que buscam os nossos serviços em busca de um especialista que dê uma palavra de orientação, de um serviço de fisioterapia, de uma orientação nutricional, enfim, de tantos outros serviços.
Hoje, o Ministério da Saúde, por meio da Coordenação de Doenças Raras e dessa série de outras secretarias de que eu falei há pouco, dispensou 152 medicamentos voltados para doenças raras, de forma direta ou indireta; ano passado, foram 74 milhões de unidades farmacêuticas dispensadas para tratamento de pessoas com doenças raras; 27,3 milhões foram investidos em serviços novos habilitados; 30 milhões de reais foram destinados a uma nova estruturação do Programa de Triagem Neonatal; 18 novas tecnologias foram incorporadas; organizamos uma câmara técnica que tem feito reuniões regulares e estamos trabalhando em novas portarias, algumas importantes, inclusive, para o setor de Pompe, de serviços de infusão e de organização de serviços que apoiam o paciente. Estamos trabalhando também no diagnóstico, numa rede de laboratórios de referência para doenças raras que atenda a uma demanda corrente da população com doenças raras, que é a testagem genômica, o sequenciamento de nova geração, para implementá-la no SUS.
Ao longo desse 1 ano e meio, houve um aumento de quase 55% do número de serviços e ações em relação aos anos anteriores. Digo isso para demonstrar o empenho da Ministra Nísia e do Governo na busca de soluções conjuntas, com uma abertura para ouvir o Parlamento, a sociedade civil organizada e o setor produtivo no sentido de criarmos bons parâmetros e boas práticas para que as pessoas tenham acesso a tratamento.
Conheço vários pacientes que vivem com Pompe no Brasil. Lembro-me neste momento do Dr. Welton, do Rio de Janeiro também, que é uma figura bem conhecida no cenário de doenças raras e um querido amigo da militância há alguns anos.
Na posição em que me encontro agora, de gestor, nós tentamos dar esse apoio sistemático estruturado aos pacientes de Pompe e aos das outras condições também.
No Ministério da Saúde, a organização de serviços para a população com Pompe não consiste só em fornecer um medicamento. Sei que essa é uma das questões centrais desta audiência pública e esta é a grande pergunta: quando os pacientes de Pompe, principalmente os das formas tardias — como eu disse há pouco, as doenças raras podem ter formas precoces ou tardias —, terão acesso a tratamento?
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Hoje, no cenário global, há duas drogas, dois tratamentos sendo dispensados. São duas enzimas, duas proteínas que atuam no corpo, ciclando, movimentando a parte bioquímica das nossas células — eu me refiro a isso para que as pessoas que nos ouvem entendam um pouquinho mais —, e a terapia escolhida para tratamento da doença de Pompe, ou desenhada por pesquisadores da indústria farmacêutica, é a terapia de reposição enzimática.
O Ministério da Saúde, por meio da CONITEC, que é a comissão que faz a avaliação de incorporação de tecnologias, recebeu da indústria farmacêutica um pedido, depois do registro do medicamento, de avaliação de incorporação de uma droga — e eu já tive notícias de que, em breve, vai haver outro pedido de submissão. Mas houve uma recomendação final da CONITEC, numa reunião ordinária — fugiu-me o número da reunião — realizada em agosto, após deliberação por unanimidade da CONITEC, para a não incorporação de uma dessas terapias.
Essa incorporação se baseia em alguns critérios. A terapia de reposição enzimática tem uma especificidade e um alcance trazido por pesquisas clínicas e pela literatura. Então, houve um debate, por parte da CONITEC, sobre o quanto a eficácia da terapia traria bons resultados para pacientes com formas precoces e formas tardias da doença de Pompe.
A avaliação para as formas precoces foi positiva: a literatura científica e as evidências que estão disponíveis trazem algum ganho em termos de qualidade de vida para crianças que manifestam Pompe. Mas, infelizmente, os estudos, que são observacionais, trouxeram poucas informações, ou informações um pouco mais restritas, no que se refere à terapia de adultos, pessoas que têm formas um pouquinho mais avançadas da doença de Pompe.
Enfim, esses são medicamentos que fazem parte desse corpo, que é a terapia de reposição enzimática. O PCDT, o protocolo clínico, estabeleceu alguns critérios. Então, é necessário que haja o diagnóstico clínico e laboratorial da doença de Pompe do tipo precoce antes do início dos sintomas, com 12 meses de idade. Essa é uma determinação baseada nas evidências identificadas pela REBRATS — Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde, mas há outras tecnologias que têm se mostrado potencialmente mais custo-efetivas, inclusive, sob a avaliação de outras agências no mundo.
A ANVISA avalia muito os critérios de segurança, avalia como essas drogas podem chegar ao mercado e faz comparações com padrões internacionais. No caso da primeira droga, houve alguma restrição no que se refere às evidências. O Comitê Canadense de Medicamentos teve certa restrição, os programas australiano e escocês também apresentaram certas restrições ao medicamento. A nova droga que tem sido trazida — estou evitando citar nome específico de drogas — tem se mostrado um pouquinho mais custo-efetiva. Talvez essa seja uma discussão que brevemente será trazida pela indústria.
Enfim, o que eu estou tentando dizer com isso tudo? Que o Ministério da Saúde, com base nas melhores evidências possíveis, tem ouvido o setor da indústria farmacêutica e tem ouvido o clamor dos grupos de pacientes,
e essa decisão da Pasta sobre esses medicamentos a qualquer momento pode ser revista, à medida que novas evidências científicas sejam trazidas e sejam colocadas à mesa.
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Aí vem uma questão que pesou muito na decisão do Ministério da Saúde em relação à incorporação da terapia, que é a custo-efetividade. Boa parte das terapias voltadas para o campo das doenças raras têm uma característica em comum: são terapias de alto custo. Então, temos que sopesar os custos dessas terapias. E de maneira nenhuma, Deputado, estou precificando a vida do brasileiro, da brasileira, do cidadão brasileiro. Não estou entrando nesse critério de quanto vale uma vida humana. Não é essa a discussão. A discussão é acerca da sustentabilidade do sistema, baseando-se no tipo de ganho que as terapias podem trazer aos pacientes.
Então, em determinadas circunstâncias, o Ministério da Saúde e a CONITEC têm que tomar algumas decisões que podem não parecer simpáticas à população em geral, podem parecer uma recusa de acesso a tratamento, mas, na verdade, resultam de uma avaliação dos impactos na organização da rede, da avaliação dos impactos orçamentários e da avaliação dos resultados da incorporação de uma tecnologia, que talvez não sejam tão expressivos em termos de qualidade de vida ou melhora para o paciente.
Nós temos estimativas, por exemplo, de que, em um cenário de 5 anos, de 10 anos, as terapias de alto custo voltadas para doenças raras consumam uma parcela de 10 bilhões de reais do orçamento do Ministério da Saúde. Eu estou falando de acesso a tratamento não por um volume expressivo de condições, mas por um conjunto restrito de condições para as quais há tratamento medicamentoso. Mas 95% das doenças raras não têm tratamento medicamentoso. São tratamentos multidisciplinares de suporte, de garantia de qualidade de vida, usando um instrumental da saúde que é muito caro ao sistema público, que é o papel do fisioterapeuta, do nutricionista, da equipe multiprofissional, do centro de reabilitação.
Nesse sentido, nós temos trabalhado também na coordenação no sentido de organização de rede, para que o paciente com Pompe não se sinta abandonado no seu itinerário, na necessidade de oxigenoterapia; nas limitações que a condição impõe; na necessidade de trazer a atividade física para dentro do circuito da atenção primária, algo que tem sido discutido e que traz algum ganho de qualidade de vida para o paciente com Pompe.
Para finalizar a minha fala, quero dizer que a Coordenação-Geral de Pessoas com Doenças Raras está aberta a ouvir este Parlamento, a comunidade da indústria farmacêutica, a comunidade dos pesquisadores, a comunidade de pacientes, no sentido de que busquemos conjuntamente soluções que não inviabilizem o acesso a essas tecnologias, a esses medicamentos por uma questão de custo, de preço. E esse não é um problema exclusivo do Brasil; esse é um problema global. Os diversos sistemas públicos e privados de saúde que existem no mundo têm estremecido em razão do altíssimo custo das terapias desenvolvidas pela indústria farmacêutica voltados para pacientes que requerem o nosso olhar qualificado, o nosso olhar singular.
Uma pessoa que nasce com uma condição genética, que nasce com uma condição rara não pode ser abandonada à própria mercê dentro do sistema. Ela precisa ser acolhida e cuidada. Mas esse cuidado, principalmente no que se refere ao acesso à tecnologia farmacêutica, não pode privar esses pacientes e os demais do acesso amplo a outros cuidados de saúde. Então, o instrumental farmacêutico, o medicamento, não é a única forma de acesso à saúde ou à terapia.
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Reconhecemos, enquanto Ministério da Saúde, que para determinadas condições raras o tratamento é o divisor de águas.
Recentemente aprovamos na CONITEC terapias que trazem um impacto, em termos de qualidade de vida, muito positivo para pacientes, e são de alto custo, como é o tratamento, por exemplo, da fibrose cística.
No momento em que não há muitas certezas, no que se refere a custo-efetividade dessas terapias, de modo geral a posição da CONITEC tende a ser um pouquinho mais conservadora, no sentido de: "Indústrias, nos apresentem melhores evidências para que a nossa tomada de decisão seja aquela mais favorável ao paciente, para que a nossa tomada de decisão seja aquela que traga benefícios ao sistema de saúde, ao SUS, em termos de sustentabilidade também".
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Muito obrigado, Sr. Natan, pela sua explanação.
Quero iniciar a minha fala cumprimentando o Deputado Sargento Portugal pela iniciativa de chamar esta audiência pública para discutirmos essa doença, não diria frequente porque não é uma doença frequente, mas é uma doença rara, que realmente tem um impacto muito grande na vida das pessoas, especialmente na vida das crianças que muitas vezes não conseguem chegar ao primeiro ano de vida.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu sou pediatra e patologista clínica, então, eu circulo tanto na pediatria como na atenção primária, em Cuiabá, e como sou patologista clínica também estou no laboratório fazendo exame. Então, para mim é relativamente fácil falar de uma doença como a Pompe, que tem essa interface com o diagnóstico laboratorial.
A Doença de Pompe é uma doença rara. Por isso, estou aqui como Coordenadora da Câmara Técnica de Doenças Raras. É uma doença progressiva, é uma doença neuromuscular e tem um caráter genético autossômico recessivo. É também chamada de glicogenose tipo II.
O que acontece nessa doença é que existe a deficiência ou a ausência de uma enzima chamada enzima alfa-glicosidade ácida, também chamada de maltose ácida, que é uma enzima que pega o glicogênio, que é glicose mais glicose, e quebra esse glicogênio em várias glicoses para que ele seja utilizado pelas células, pelo tecido.
Como não há essa enzima ou há a deficiência dessa enzima, o glicogênio acaba se acumulando. Existe uma dificuldade da degradação do glicogênio lisossomal, que é o glicogênio que fica dentro dos lisossomos. Isso vai se refletir, especialmente, na musculatura lisa, na musculatura esquelética e na musculatura cardíaca.
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Existem gradações. Podemos ver pacientes com graves deficiências e pacientes com deficiências mais leves dessa enzima. Obviamente, a quantidade de enzima vai determinar como é a clínica, o que esse paciente vai apresentar. Às vezes, numa mesma família, entre os irmãos, na irmandade, vemos uma criança gravemente acometida e outra que chega até a idade adulta sem nenhum grande comprometimento. Então, ela pode se manifestar, como eu falei, em qualquer fase da vida.
Vamos falar em termos fisiopatológicos, tentando entender por que uns têm uma clínica mais exuberante e outros têm uma clínica menos exuberante. Quando a doença começa a se manifestar, há ainda o músculo funcional, absolutamente normal, com poucos lisossomos, ou seja, com esses glicogênios acumulados. A disfunção muscular inicial ainda não é perceptível. Depois passa-se para a disfunção muscular. Então, há o músculo funcional e, depois, há uma disfunção muscular. Já começa a haver um acúmulo visível de glicogênio nesses lisossomos, e as miofibrilas, que fazem parte desse músculo, começam a ser substituídas pelo glicogênio, levando à destruição muscular. Há, então, um músculo disfuncional e uma disfunção muscular. Por último, há a lesão muscular funcional, quando há grande acúmulo de glicogênio e infiltração lipídica, tipo substituição, nessas células.
Quando falamos epidemiologicamente, qual é a prevalência dessa doença? Infelizmente, não há um banco de dados ainda aqui no Brasil. Mas o que se sabe por estudos realizados em outros países é que a forma chamada infantil ocorre numa prevalência em torno de 1 para 38 mil, enquanto que a Pompe tardia, de 1 para 57 mil. É mais comum haver a forma infantil. Há também grupos étnicos em que é mais frequente: chineses e afro-americanos.
Quanto à apresentação clínica, existe uma classificação didática da doença: Pompe de início precoce e Pompe de início tardio. A Pompe de início precoce é aquela que acontece até o primeiro ano de vida, quando as manifestações clínicas surgem antes dos 12 meses de vida; o tardio é depois disso.
Mesmo dentro da Pompe precoce, há uma subdivisão entre a forma clássica e a forma infantil de início precoce, em que há uma cardiomiopatia importante que se inicia já nas primeiras semanas de vida. Geralmente, por volta da quarta ou sexta semana de vida, já pode haver manifestação clínica. Há uma alta mortalidade, dificilmente chegando aos 12 meses, se não for tratado. Há envolvimento cardíaco que já pode ser percebido pelo ultrassom morfológico de 3º trimestre. Já se percebe uma hipertrofia de ventrículo esquerdo — VE, hipertrofia de septo ventricular. Nesses casos, a atividade da enzima está muito reduzida. Em geral, é menor que 1%.
Por isso comentamos que os sintomas são mais frequentes, mais graves e mais precoces quanto menor a quantidade de enzima.
Dentro da infantil ainda, com a manifestação antes do primeiro ano de vida, há a forma não clássica da Pompe infantil, que é quando os sintomas se apresentam de maneira não tão grave. Há uma fraqueza muscular progressiva e, caracteristicamente, há atraso do desenvolvimento neuropsicomotor. Então, os grandes marcos do desenvolvimento psicomotor da criança, que são o sentar sozinho, o ficar em pé, o andar, são mais atrasados. Nesses casos da Pompe não clássica infantil, geralmente, não há a cardiomiopatia hipertrófica.
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Já a Pompe de início tardio é quando os sintomas, então, iniciam-se após os 12 meses de vida. Ela também é subdividida em forma juvenil e adulta, mas essa subdivisão não é aceita universalmente. Há uma evolução mais lenta, uma progressão menos agressiva. Os sintomas podem começar tanto na infância quanto na idade adulta. Eles podem começar após o primeiro ano de vida, e há casos descritos de início após a sétima década de vida, ou seja, após os 70 anos.
As características principais são a miopatia e a insuficiência respiratória crônica. Não há, então, a cardiomiopatia hipertrófica. Há um espectro bastante variado de sinais e sintomas. A fraqueza muscular das cinturas escapular e pélvica costumam ser frequentes e são as manifestações mais importantes. Também há a fraqueza da musculatura abdominal e da musculatura do tronco. Raramente, pode haver espinha rígida, fraqueza da musculatura facial com ptose palpebral, que é a queda do olho, e oftalmoplegia, quando o olho não faz todos os movimentos. Nesses casos, pode haver anormalidades no eletrocardiograma, como bloqueio de ramo, que é uma alteração em que o coração pode bater mais devagar. Há taquiarritmias supraventriculares ou ventriculares. Então, eles têm alteração mais da condução do músculo cardíaco do que propriamente uma miocardiopatia hipertrófica, como descrita na forma infantil clássica. A atividade da enzima, nesses casos, costuma variar de 1% a 30%.
Aqui é só um resumão das diferenças principais entre a Pompe de início precoce e a Pompe de início tardio. Não vou me ater a esses dados, porque já conversamos sobre isso.
O diagnóstico precisa do laboratório para sua confirmação. Existe uma suspeita clínica. No PCDT, feito pelo Ministério da Saúde, revisado em 2021, há os critérios para quando pensar em Pompe de início precoce e quando pensar em Pompe de início tardio. Pode-se fazer, primeiro, um teste qualitativo em papel filtro. Com uma gota de sangue, conseguimos fazê-lo. Isso já é disponibilizado por alguns laboratórios privados.
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Depois, o quantitativo já é um teste mais refinado, mais complexo, mas isso pode ser feito pelo teste do pezinho, não o teste do pezinho que existe hoje disponível na rede pública. Mesmo no teste do pezinho proposto no decreto assinado, em 2021, pelo ex-Presidente Bolsonaro não consta, não entra a Doença de Pompe, que é uma doença lisossomal. Não consta nesse teste do pezinho, que contempla 50 e poucas doenças, mas existe um grupo de doenças — Doença de Fabry, Gaucher e Pompe — que são verificadas por teste do pezinho mais específico. O médico precisa pedir isso.
É possível também, uma vez feito na gota de sangue, fazer o teste confirmatório em linfócitos ou fibroblastos e também o teste molecular. Pode-se fazer o sequenciamento, como o Dr. Natan falou, do gene GAA ou pode-se fazer um painel de distrofias musculares, porque muitos desses pacientes entram no diagnóstico diferencial de distrofia muscular. A biópsia muscular não é indicada. E há outros exames complementares, como a dosagem da CPK, o tetraglicosídeo urinário, eletro, ECO, espirometria, ressonância magnética de musculatura axial, eletroneuromiografia, enfim, uma série de outros exames.
Com relação ao tratamento — já estou acabando, Deputado —, a Doença de Pompe, como toda doença, deve ser vista de maneira personalizada. Hoje em dia, fala-se muito na questão da medicina personalizada. Não são iguais, apesar de terem a mesma doença, são diferentes. Então, deve-se ter essa personalização, esse tratamento individualizado. O tratamento multidisciplinar, com fono, fisio, nutricionista, terapeuta ocupacional, também deve ser individualizado, porque os pacientes são diferentes.
Infelizmente, o tratamento farmacológico não está ainda indicado no Brasil para os pacientes com Pompe de início tardio. Isso é realmente um problema sério que enfrentamos. E esses pacientes acabam conseguindo apenas mediante mandados judiciais, o que encarece muito mais. Então, acho que convém o Ministério da Saúde... E aqui, Natan, eu trago esta mensagem também para que se debruce sobre este tema, que se discuta, por exemplo, o compartilhamento de risco com a indústria farmacêutica, para que possamos possibilitar uma assistência melhor para esses pacientes.
A terapia, como foi falado, é de reposição enzimática, é Terapia de Reposição Enzimática — TRE, como chamamos. Existem duas drogas, basicamente. É importante analisar o status CRIM, que é o preditor — o CRIM é o material imunológico com reatividade cruzada —, para ver se existe um risco maior de aquele indivíduo responder menos e estar sendo dada uma medicação cara que não vá fazer resposta. Esses indivíduos, recebendo o tratamento farmacológico, têm uma qualidade de vida um pouquinho melhor.
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Eu sempre menciono as crianças porque estou habituada às crianças, mas é muito intensa a jornada de todos esses pacientes. Muitas vezes, eles ficam esperando décadas para ter um diagnóstico. A implantação de um diagnóstico precoce pela triagem neonatal incluindo a doença de Pompe poderia ajudar sobremaneira o diagnóstico precoce.
Outra ação seria a criação de um banco nacional de portadores de Pompe. Na Holanda, nós temos estes dados: há 17 milhões de habitantes ou pouco mais do que isso e há 900 pacientes com Pompe. No Brasil, o dado que nós temos são 170 pacientes com mandados judiciais. Isso, certamente, pode ser só a ponta de um iceberg.
Outra ação seria oferecer na graduação a disciplina doenças raras. Nós discutimos isso muitas vezes na Câmara Técnica, no Conselho Federal. Os alunos precisam sair com uma ideia para pensar em doenças raras. Falo daquele indivíduo que está lá na atenção primária, num rincão deste País imenso, com 5.570 Municípios. Nós precisamos de gente que pense em doenças raras. Uma vez que você pensa, você encaminha para um centro especializado, para fazer um diagnóstico. Isso é importantíssimo.
Também é preciso estudar a incorporação dessa terapia de reposição enzimática para o tratamento de doença de Pompe para todos os pacientes, com possibilidade de compra centralizada. Volto a ressaltar, Natan, o compartilhamento de risco. Acho que isso precisa voltar para a discussão numa pauta no Ministério da Saúde. Esse compartilhamento de risco é importante. É necessário que se discuta isso, que se traga a indústria para o debate: "Venha aqui! Vamos discutir! Se funcionar, nós pagamos. Se não funcionar, nós compartilhamos esse risco". Já existiu essa discussão dentro do Ministério. De repente, é o momento de se trazer isso novamente.
É preciso evitar judicialização, que acarreta aumento de custo, interrupções frequentes, pior condução dos casos e menor qualidade de vida para os pacientes.
É necessário fazer estudos. É importante não só que se realizem mais estudos, mas também que sejam estudos melhores e mais consistentes.
Deve-se garantir o acesso ao aconselhamento genético, tendo em vista que há 25% de risco em uma criança filha de pais que tenham essa doença, já que ela é autossômica recessiva.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Pode ter certeza de que não houve perda de tempo, houve ganho de conhecimento, até porque muita gente está nos acompanhando. Eu mesmo estou aprendendo. Tudo para mim aqui é muito novo, como também é para muitos que estão em casa. A expectativa das pessoas é que daqui saia algo construtivo. Eu sempre falo isso.
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Nós somos colegas de profissão. Eu sou policial também. Nós estamos muito mais afeitos ao mundo jurídico do que, efetivamente, a essa realidade das doenças, quanto mais as doenças raras. Eu estava pensando, na hora em que estava vindo para cá: estarei com duas estrelas nacionais da medicina, dois polos de radiação de conhecimento, a Dra. Natasha e o Dr. Natan. Então, eu vou ficar quieto para não passar vergonha, para não falar bobagem.
Por outro lado, eu também pensei: como um cara que pensa o direito sistematicamente; um cara que pensa o direito como fundamento de justiça; um cara que pensa o direito, há 32 anos, como essência daquela luminescência que existe e anima as nossas almas — queiram ou não, vai acontecer alguma coisa quando acabar aqui — pode contribuir? Ele pode levar o coração de uma mãe ou de um pai que vê aquela lágrima escorrer quando seu filho está no respirador; quando a sua filha não pode comer pela boca porque tem deficiência de deglutição e se vê alcançada por uma gastrostomia. Ele pode levar a narrativa de uma experiência pessoal, nesse caso, de forma singular.
Quando o Dr. Welton, um gigante como médico e como ser humano, convidou-me para assumir a Presidência da ABRAPOMPE, como eu poderia dizer não? Esse convite veio de alguém que já estava acometido, que é obrigado a usar o BIPAP 24 horas por dia. O BIPAP é o respirador que faz a inspiração e a expiração forçadas. Na verdade, ele desce o âmbito de movimentação do diafragma.
Pelo amor de Deus, não pretendo jamais entrar em detalhes médicos com esses luminares aqui, mas o fato é o seguinte: eu tenho doença de Pompe. Em 2018 — portanto, há 6 anos —, eu saturava 80%. Eu era cianótico. Meus lábios eram verdes. Então, houve o diagnóstico. Eu recebi a maior lição da minha vida quando a minha filha, que tinha paralisia cerebral, foi morar na nossa verdadeira casa e nos deixou com 15 anos. Eu acabei manifestando uma pneumonia recidiva. Eu tive três pneumonias seguidas. Os clínicos diziam: "Você não tem AIDS. Você não tem nenhum problema imunológico. O que acontece?" De repente, eu comecei a ganhar peso. "Você está parado. Você foi atleta a vida inteira e agora está ficando muito sentado, está muito acadêmico. Por isso, você está engordando e está com dor, com problema postural." Está bem. Na terceira pneumonia, naqueles plantões da vida, alguém fala: "A sua postura está me incomodando. Além da recidiva de pneumonia, a sua postura está me incomodando. Há uma tendência a perder o centro do core. Você não consegue manter o seu quadril".
Vocês devem ter percebido que eu tenho alguma dificuldade com pequenas inclinações.
Subir planos inclinados, por conta da musculatura posterior da coxa e do assoalho pélvico, é difícil. Subir escada é difícil. Percorrer longas distâncias é difícil. Num aeroporto, depois de andar todo aquele percurso, se você erra o portão e tem que voltar tudo, chega suando, sem conseguir respirar. Depois, tem que pegar um Uber. É difícil. Essas coisas são difíceis. Eu tenho que dar graças a Deus, porque hoje eu saturo, em ar ambiente, 98%.
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Nós começamos o tratamento em São Paulo e passamos por toda a via crucis que foi o diagnóstico diferencial. Passamos pelo teste da biópsia muscular, para diferir das demais miopatias e patologias musculares. Fizemos eletroneuromiografia de corpo inteiro. Explico para quem, como eu, não é da medicina: na eletroneuromiografia, o técnico pega a agulha, liga um fio e coloca na ponta do seu nervo. Na outra ponta do nervo, ele mede o tempo de reação, de propagação desse impulso elétrico no seu nervo. A pessoa toma choque no corpo inteiro — e não é qualquer choque; é um choque! Quando fiz na coluna, saía até fumaça do cabelo, quando eu tinha cabelo.
Aliás, eu não segui o protocolo. Eu já tive cabelo. Hoje, o que sobrou é agrisalhado, assim como a barba. Tenho olhos verdes e visto um blazer confortável. Estou meio "porpetoso", mas está tudo certo. (Risos.)
Nós fizemos as avaliações e não encontramos nada, até que o Dr. André Macedo, nosso amigo pessoal e também um estudioso da doença de Pompe, falou: "É doença de Pompe. Vamos fazer o teste genético". Após o teste genético, acabou: GAA com deficiência.
Meu irmão, que também tem a doença, pegou outro viés de tratamento inicial. Ele partiu para uma clínica cirúrgica convencional, acreditando que aquela deficiência de locomoção dele era decorrente de um problema de quadril e acetábulos. Fizeram uma cirurgia bilateral de próteses de fêmur. Qual é o problema? Quem tem doença de Pompe tem destruído o assoalho pélvico. Ele não tem o músculo, que foi ainda mais lesado com a cirurgia. Meu irmão usa cadeira de rodas. Ele é 8 anos mais novo do que eu. Eu tenho 52 anos de idade hoje e tenho uma condição física melhor do que quando era solteiro. Como aconteceu isso? Passamos ao tratamento inicial com a alfa-glicosidase ácida. Como só há dois nomes no mercado, não sei por que não falar. Aliás, um dos projetos da Associação Brasileira de Doença de Pompe é justamente a elaboração de um cadastro nacional, Deputado, com todos os doentes e esses pareceres. Eu fiz questão, desde o início do meu tratamento, de documentar, pari passu, todos os exames, todos os progressos e retrocessos da minha condição. Começamos com a alfa-glicosidase ácida, que é o Myozyme, e a doença estabilizou bem. Ao término do período de meia-vida, que era, em tese, 15 dias, começava o cansaço novamente e eu não conseguia respirar. Até que comecei a ficar muito cansado, e nós decidimos sair do protocolo.
Saímos do on label e fomos para o off label. Com os tratamentos infantis existentes na Holanda, que é o berço da pesquisa de Pompe, passamos a uma dose dobrada semanal do Myozyme.
Eu não vou falar do custo do Myozyme porque chego a me envergonhar de poder ter a sorte, de ter recurso jurídico — na verdade, foi o que houve — e conseguir acesso a esse medicamento. Eu desenvolvi bem, até que cheguei a um patamar de estabilização.
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18:20
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Por que existem mais estudos para o Pompe precoce do que para o Pompe adulto? Pelo simples fato de que as crianças morrem logo. Podem morrer até o segundo ano de idade, até o primeiro ano de idade, dependendo da intensidade do Pompe. Então, é óbvio que nós vamos centralizar os estudos nessa faixa etária.
"Para os gordinhos que têm Pompe, não vão fazer nada?" Vamos fazer. Eu vou ser o alvo do estudo. Vamos fazer. Dobramos a dose. Eu passei a integrar uma equipe multidisciplinar com fisioterapeuta, nutricionista, preparador físico e médico do esporte, junto com um neurologista. De repente, eu falei: "Cinquentão, está na hora da terapia de reposição hormonal e esteroidal!" Agora os caras da sociedade de medicina vão me malhar.
Vejam o seguinte: isso foi em 2020. Nós estamos em 2024. Portanto, em 2 anos, foi tudo documentado, com ressonância magnética de corpo inteiro, exame de densitometria óssea semestral, exames clínicos laboratoriais trimestrais, de propósito. Estamos falando de 4 quilos de massa óssea na coluna por debelação daquilo que seria a deficiência muscular. A musculatura vai perdendo força, e o osso vai perdendo densidade. Com isso, você vai criando as osteoporoses da vida.
Com a recuperação da musculatura de coluna, eu ganhei 4 quilos de massa de coluna! Eu tinha osteopenia no fêmur direito. Acabou de ser debelada na última densitometria que fiz, há 1 mês! Perdi, de massa gorda, 24 quilos. Eu sou um homem de 52 anos. Ganhei, de massa muscular, 18 quilos em 2 anos! Uma pessoa normal com essa idade não conseguiria fazer isso. Eu até comento com os nossos terapeutas, com o pessoal que me acompanha, que é uma verdadeira equipe: "O improvável nós já fizemos. Agora vamos para o impossível". E não é impossível.
Qual é a minha pretensão, além de popularizar esse diagnóstico, além de popularizar o acesso a essa medicação? Vocês não sabem o que eu sofro, o que dói no coração, o que dói na alma, cada vez que vejo uma mãe entrar em contato comigo pelo Instagram, por conta do meu perfil, e dizer:
"Dr. Fabio, pelo amor de Deus, ajude-me! O meu filho vai morrer!" — e morre.
Só quem passou por esse exercício na vida tem condição de aquilatar e de avaliar o que significa essa lição, o que significa esse caminho. Não tem preço, como o doutor falou. Não há como você precificar uma vida humana. E nós estamos falando em nome próprio. Fale no nome do seu filho. Aí você vai me dizer se isso tem preço ou não.
É preciso fazer o cadastro nacional para fomentar essa pesquisa, que é singular no mundo. Pode entrar em Google Doctors, pode entrar em PubMed, pode entrar em MCD, pode entrar no que você quiser e não vai achar reposição hormonal com uso esteroidal em pacientes de Pompe em progresso. Não há! Pelo menos não há trabalhos publicados. Por quê? Na hora em que a segurança pública encher muito o meu saco — está chegando perto —, eu vou fazer uma faculdade de medicina. Medicina não é olhar para a doença. Medicina é olhar para o paciente, Deputado, é para ele, para pessoas. Médicos cuidam de pessoas, não cuidam de doenças.
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18:24
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É preciso criar uma mentalidade, como a doutora falou. Sabe o que acontece? Eu tive um avô — todo mundo tem um avô — que morreu com edema pulmonar e hérnia umbilical muito extravasada, muito! Ele teve a doença creditada à complicação de diabetes. Com o conhecimento que eu fui adquirindo ao longo da minha jornada, percebi que ele tinha o andar cruzado, tinha uma pequena dificuldade para subir planos inclinados, começou a ter dificuldades respiratórias muito acentuadas. Ele sempre foi um homem dinâmico, de serviço pesado. Ele era grande também, uma pessoa grande. Ele tinha mais de 1,85 metro. Ele morreu de doença de Pompe. Daí veio um dos tais "azinhos" que eu preciso para o meu genótipo. O outro veio do meu pai. O meu pai não tem, é heterozigoto. Minha mãe também é heterozigoto. Só que eu e o meu irmão do meio tivemos a sorte de ser contemplados pelo duplo recessivo.
Eu respeito essa pauta. Como eu deixo um cara morrer de diarreia e vou tentar pensar num remédio supercaro? Mas não dá para precificar, não dá para comparar. Temos que pensar, como a doutora falou, neste compartilhamento de riscos. Dá para fazermos uma associação de esforços, o que é fundamental. Como seres humanos, o que estamos fazendo na Terra? Estamos aqui para crescer juntos e nada mais! Estamos aqui para seguir, para evoluir, para tentar melhorar este mundo, se não para nós, para os nossos filhos, netos e bisnetos. Temos que incluir esse teste do pezinho estendido o mais rápido possível. Por que eu vou deixar a criança correr o risco se eu posso identificar, se eu posso testá-la quando nasce?
Aliás, há tantas coisas, há tantos tratamentos doidos.
O que eu esperava quando estava, por 15 minutos, dentro do táxi, vindo do aeroporto para cá? Que eu levasse coração aonde já existia técnica!
Eu quero agradecer à ABRAPOMPE pela oportunidade fantástica; ao Deputado por essa gigante oportunidade; à FEBRARARAS, à Casa Hunter, à ABNEURO, à Casa dos Raros, à AMAVI Raras, ao Universo Coletivo, à Dra. Natasha, ao Dr. Natan, ao Dr. Welton, ao Dr. André, a todos eles.
Médico cuida de gente, não de doença.
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18:28
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(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Como eu falei, doutor, aqui não perdemos tempo, aqui adquirimos conhecimento e experiência.
Há aqui profissionais, pessoas que estudaram, pessoas representando o Governo, o senhor, não só como delegado de polícia, mas também como uma pessoa que tem a doença.
Nós não temos nem como estipular um tempo. Daqui a pouco, nós teremos sessão no Plenário, com Ordem do Dia. Estamos preocupados com isso e com outras reuniões também. Porém, quando você vai falando de experiência de vida, acho que todo mundo aqui se coloca dentro do problema. Aí é mais fácil. Quem passa por problema dentro de casa sabe do que estamos falando. É difícil: falta acesso; falta apoio no momento da dúvida. O que mais há é dúvida: "O que eu tenho, afinal de contas?" Até fechar o diagnóstico, muitos são tratados de forma equivocada ou nem são tratados. Poderiam estar vivos até hoje, mas se foram novos e mais velhos.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - É complicado.
Concedo a palavra ao Sr. Marcondes Cavalcante Franca Junior, médico e professor livre-docente do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas.
Doutor, eu não gostaria de estipular tempo — eu não gosto de fazer isso quando estamos ouvindo —, mas farei isso em razão dos compromissos. Preciso entregar a Comissão e me dirigir à Ordem do Dia.
Eu queria agradecer o convite, Deputado Sargento Portugal. É um prazer e uma honra participar desta audiência.
(Segue-se exibição de imagens.)
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18:32
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Lembro um pouquinho essa doença rara e relativamente recente conhecida na medicina que foi descrita em 1932, na Holanda, por esse médico, o Dr. Johannes Pompe — o nome da doença vem em sua homenagem.
Como nós vamos aprender nos próximos minutos, é uma doença que tem como alvos afetados os músculos e o coração, que na verdade não deixa de ser um músculo também. É uma doença considerada rara. Então, entra naquele conceito de doenças raras que foi trazido anteriormente nesta audiência pública.
A estimativa que temos, a partir de dados europeus, sobretudo, é que a doença de Pompe acomete uma pessoa a cada 40 mil pessoas na população geral. Isso nos dá uma ideia da frequência dessa doença.
É uma doença progressiva, como nós vamos aprender, e eventualmente fatal, sobretudo nas formas infantis, que se inicia num bebê e temos esse desfecho ruim, infelizmente. É uma doença que tem um substrato, uma causa genética.
Aqui é uma espécie de resumo, mostrando essa questão genética da doença de Pompe. O defeito responsável pela doença se localiza no cromossomo 17. Então, dos nossos 23 pares de cromossomos, no finalzinho do cromossomo 17 temos essa alteração genética.
Como foi comentado anteriormente pelo Fabio, é uma doença recessiva. Portanto, temos normalmente um pai que é portador, uma mãe que é portadora. Ou seja, há apenas essa cópia laranjinha alterada. Quando acontece esse casamento, em que ambos são portadores, temos algumas possibilidades em relação ao filho, e uma delas é essa em que o filho recebe os dois azinhos, um de cada progenitor. Aí, a doença se manifesta. Nós chamamos isso de herança genética autossômica recessiva.
Portanto, num casal em que ambos são portadores, a chance de os filhos terem a doença é da ordem de 25%. Por isso, muitas vezes nas famílias com Pompe, é comum que tenhamos às vezes mais de um caso afetado dentro daquela família especificamente.
A doença já foi também trazida aqui à discussão. É uma doença que acontece, porque o corpo dos pacientes com essa doença é incapaz de produzir uma determinada enzima que se chama enzima alfa-glicosidade ácida — GAA.
De maneira bem didática, é uma enzima produzida no músculo dos pacientes. E o que essa enzima faz? Ela basicamente quebra o glicogênio em moléculas de glicose. Então, para tentar deixar isso mais palpável, o glicogênio é como se fosse um estoque de energia que todos nós temos armazenado dentro das nossas células musculares. Esse glicogênio precisa ser quebrado em pequenas moléculas de glicose para que, a partir daí, consigamos gerar energia e, com isso, o músculo consiga trabalhar. Esse processo de quebra dessa molécula de glicogênio passa por essa enzima GAA. Então, nos pacientes com Pompe nós não conseguimos quebrar essa energia. Existe um acúmulo desse glicogênio e, com isso, então, não temos a capacidade de produzir energia. É isso o que leva a todo o problema da doença.
Há aqui um exemplo do que acontece no músculo de um paciente com a doença de Pompe. No começo da doença, nós temos poucas células musculares amarelinhas, portanto afetadas. À medida que a doença progride sem tratamento, nós temos aumento da quantidade de células afetadas, de tal maneira que, em uma fase terminal, o músculo fica basicamente todo atrofiado, comprometido.
É isso o que vai causar os sintomas que foram aqui comentados, como fraqueza, cansaço, dificuldades motoras em geral.
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18:36
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Há duas formas distintas dessa doença. Em verde, há o que nós chamamos de forma infantil, que acomete os bebês, e a doença progride de uma maneira muito agressiva e muito rápida. Em azul, há a forma do adulto, que é considerada tardia. A grande diferença é que, nos pacientes adultos, ainda há uma produção pequena, residual da enzima GAA. Então, há um pouquinho ainda de enzima. É isso que faz com que o quadro seja um pouco mais brando, um pouco mais tardio. Nas formas dos bebês, nas formas precoces, não há produção de praticamente nada da enzima GAA e é por isso que o quadro acontece mais cedo e tem essa evolução mais agressiva.
Nas crianças e nos bebês, há esse aspecto que vê nessa foto. São crianças molinhas, que chamamos de hipotônicas. Elas não conseguem adquirir os marcos esperados, como, por exemplo, segurar a cabecinha, sentar sem apoio e rolar. Muitas vezes, elas também desenvolvem fraqueza dos músculos de respiração. Então, vai haver pneumonias frequentes e distúrbios respiratórios, que, inclusive, motivam, muitas vezes, internações hospitalares. Esse é o quadro típico que observamos nessa forma mais grave da doença de Pompe.
Além da questão muscular, notem que aqui há duas radiografias: do lado esquerdo, mostra-se o coraçãozinho de uma criança saudável; do lado direito, essa imagem branca grande mostra um aumento do tamanho do coração, o que acontece em bebês com doença de Pompe. Então, além do acometimento do músculo dos braços e das pernas, há esse acometimento do músculo do coração. É por isso que a forma infantil do Pompe se torna tão grave. As crianças, muitas vezes, morrem de problemas de natureza cardíaca.
Aqui trago um dado da curva de sobrevivência, que nos mostra a porcentagem, a proporção de crianças que se mantêm vivas ao longo do tempo de vida. Notem que, aos 12 meses, apenas um quarto das crianças permanecem vivas; aos 18 meses, apenas 14%; e, aos 24 meses — portanto, 2 anos —, apenas 9%. Então, essa é uma doença extremamente agressiva e que, infelizmente, leva ao óbito esses pacientes nas formas mais graves pediátricas.
A forma do adulto é muito mais comum do que as formas infantis. Aqui há uma figurinha. É um esquema mostrando em vermelho e em laranja os músculos que são mais acometidos. Então, vejam: é a musculatura do abdômen e da região das pernas. Aqui há as fotos clínicas mostrando uma atrofia das coxas e uma atrofia da musculatura do dorso. Então, tudo isso causa um impacto muito grande nesses pacientes, que têm dificuldades para caminhar, para se levantar da escada, para se levantar de locais baixos, está certo? O impacto também na forma do adulto é muito grave, muito intenso.
Uma das coisas mais problemática e mais grave na doença de Pompe do adulto, como podemos ver aqui, é a dificuldade respiratória. Aqui vocês estão vendo essas imagens do tórax. Na parte de cima, há uma pessoa normal mostrando a inspiração e a respiração, que são bem diferentes, e, na linha debaixo, há o paciente com Pompe, em que praticamente não se vê nenhuma diferença entre inspiração e respiração, porque existe uma fraqueza dos músculos da respiração.
Esse é um grande problema nos pacientes com Pompe adulto. Para muitos, inclusive, precisamos dar um suporte respiratório com equipamentos para a ventilação. Essa é uma causa importante não só de perda de qualidade de vida, mas também de mortalidade nesses pacientes.
O diagnóstico de Pompe, por se tratar de uma doença genética, depende de testes feitos a partir da amostra de sangue ou de saliva. Faz-se o exame genético e procuram-se, então, as mutações e as alterações no DNA que estão relacionadas com a doença. Então, essa é a maneira de diagnosticar essa condição nos dias de hoje. Essa é uma coisa que temos conseguido fazer de maneira relativamente fácil nos dias de hoje.
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18:40
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Finalmente, acho que esse é o meu último comentário. O meu último eslaide se refere ao tratamento. Como já foi discutido aqui, acho que, nas falas que me precederam, essa é uma doença considerada tratável. A base da terapia consiste nessa reposição enzimática, em que se vai oferecer ao paciente a enzima que ele não consegue produzir. Isso é feito através de aplicações endovenosas, com intervalo quinzenal. A partir dos dados que existem, tanto nas formas pediátricas quanto nas formas do adulto, há uma clareza de que há uma melhora ou pelo menos uma estabilização do quadro, portanto, mudando esse caráter progressivo da doença.
Um ponto de consideração importante — acho, inclusive, que esse é um dos focos da nossa audiência — é a questão do cuidado que é disponibilizado no SUS. Para as formas precoces, há essa possibilidade de acesso, mas, para as tardias, infelizmente, não houve essa incorporação. Isso representa uma limitação muito grande para nós que lidamos com esses pacientes no dia a dia, nos ambulatórios, nas clínicas. Temos essa restrição em termos de oferecer o tratamento com reposições enzimáticas.
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18:44
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O questionamento se refere às ações do Ministério da Saúde. Como o SUS pode melhorar o atendimento às pessoas com Pompe? Como fica essa questão de restrição do protocolo até 2 anos de vida? É uma questão impactante que foi colocada por todos aqui à Mesa para o Ministério da Saúde.
Em relação à expansão da triagem neonatal e à adição de doenças no Programa Nacional de Triagem Neonatal, estamos, neste momento, dentro do Ministério da Saúde, trabalhando para que a triagem seja expandida. No dia 29 de fevereiro, foi pactuada uma nova portaria da triagem neonatal que traz as novas etapas de financiamento, de organização, de estrutura do Programa Nacional de Triagem Neonatal. Só que no avanço na rede — é importante que todos saibam dessa questão —, a portaria foi publicada, assim como, por exemplo, as portarias que trazem novos medicamentos para dentro do SUS, e precisamos de um tempo de organização de toda a rede, quer dizer, dos laboratórios, dos serviços, para que a oferta efetiva daquela tecnologia aconteça no SUS.
No caso da triagem neonatal, envolve a mudança de padrão de tecnologia. Então, hoje temos avaliações que são imunoenzimáticas, que envolve um tipo, um padrão de equipamento, uma rotina, e precisamos avançar para tecnologias como a espectrometria de massa. Então, são estruturas, são equipamentos mais sofisticados que requerem capacitação de equipe, treinamento. E nada disso está parado dentro do Ministério da Saúde, essas ações estão sendo tratadas pelas equipes.
Em relação a uma possível incorporação da doença de Pompe, com uma série de outras condições que têm sido, "Não, no Ministério da Saúde dá para incorporar", há uma questão de ajuste desse parque e avaliação, à medida que esse parque esteja disponível.
Em relação ao registro de pacientes, a Coordenação-Geral das Pessoas com Doenças Raras, neste momento, está trabalhando no sentido de possibilitar a existência de um registro brasileiro de pessoas com doenças raras, então, não só o Pompe, como outras condições. Essa é uma das pautas que eu levei para dentro do Ministério da Saúde quando fui convidado. Então, temos trabalhado num instrumento de avaliação biopsicossocial num primeiro momento, para entender de que as pessoas estão precisando. Esse instrumento está sendo desenvolvido por uma equipe da Universidade de Brasília, onde fica o Observatório de Doenças Raras, do qual sou egresso. Mas há outros trabalhos também muito importantes sendo realizados para mapeamento de pacientes e necessidades.
Cito um projeto financiado pelo CNPq e pelo Ministério da Saúde, capitaneado pela Dra. Têmis Félix, que está olhando, nos serviços de doenças raras, qual é o perfil, qual é a necessidade dos pacientes. Então, esse movimento no sentido de identificação e registro dos pacientes tem acontecido.
Em relação ao aconselhamento genético, aconselhamento de famílias, temos, neste momento, uma questão posta, uma disputa entre categorias profissionais. Então, o Ministério da Saúde considera que é uma atribuição exclusiva dos médicos. O meu conselho — eu sou biólogo, não sou médico — também diz que os biólogos podem fazê-lo, enfim, mas é uma questão de capacitação das pessoas para tal.
Então, por exemplo, eu não acredito que o médico vá conseguir orientar uma criança com algum grau de deficiência intelectual sobre necessidades educacionais e pedagógicas. Eu preciso de um pedagogo capacitado para aconselhamento, que também oriente. A clínica vai além do aspecto biomédico, a clínica vai para um aspecto ampliado também de cuidado, que temos considerado no Ministério da Saúde.
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18:48
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O professor de educação física vê um menino que começa a ter aquele andar diferente, tropeçando — isso acontece muito, por exemplo, em caso de ataxia. Se o professor for atento, ele identifica as necessidades educacionais diferenciadas. Então, nós precisamos de um ecossistema capaz de acomodar essas pessoas.
Em relação ao risk sharing, existe a questão de que eu falei há pouco: o Ministério da Saúde reconhece os efeitos dos tratamentos com as enzimas. Nós sabemos que eles trazem ganho de qualidade de vida. Mas há um elemento, Deputado Sargento Portugal, que eu queria trazer para esta Casa, pois é importante: alguns países do mundo solucionaram ou têm buscado solucionar a questão do acesso a medicamentos para doenças raras, bem como a questão do acesso a exames, estabelecendo uma estrutura orçamentária própria para alcançar essas pessoas. Então, nós precisamos de soluções criadas por esta Casa também no sentido de, dentro do Estado brasileiro, dentro da estrutura orçamentária do Estado, termos algum montante de recurso orientado para o atendimento dessa necessidade.
O que acontece, via de regra? Pela atual estrutura do Ministério da Saúde, quando uma tecnologia é registrada na ANVISA ou é aprovada na CONITEC, o recurso tem que sair de algum lugar do Ministério da Saúde para prover esse medicamento. Nós já temos um problema de contingenciamento de recursos — sabemos que essa é uma questão crônica não só do Brasil, mas também do mundo inteiro. A Inglaterra, por exemplo, resolveu o problema constituindo este tipo de estrutura: um montante de recursos é destinado ao tratamento dessas pessoas, ao financiamento dessas terapias. Esse é um recurso discutido publicamente, que a sociedade decidiu bancar e pagar. Essa discussão precisa acontecer: a sociedade brasileira está disposta a ajudar, a prover esse financiamento? Esta Casa está disposta a fazer esse debate?
Por que isso é importante? Porque preço acaba sendo um problema limitante, tanto para o Ministério da Saúde quanto para o paciente, quando a tecnologia está lá fora sendo desenvolvida, e o registro não aconteceu. Torna-se uma questão que diz respeito a todos.
E a própria indústria farmacêutica, às vezes, nos confidencia que é difícil trazer esses medicamentos para o Brasil em razão do altíssimo custo que essas tecnologias, às vezes, têm, decorrentes do fluxo de desenvolvimento, de acionista fazendo pressão. Eu não vou entrar em questões econômicas, mas esse é um fato que precisa ser enfrentado por todos nós, brasileiros e brasileiras: precisamos tomar decisão sobre o financiamento desses medicamentos.
Então, respondo aqui a algumas das perguntas: "Qual que é a proposta do Ministério da Saúde em relação à doença de Pompe de início tardio ou às formas mais avançadas de Pompe?" Nós precisamos acompanhar esses casos, como o seu. Para isso, eu preciso ter o registro; para isso, eu preciso ter o centro de referência organizado; para isso, eu preciso ter equipe clínica. Nós precisamos de um trabalho conjunto — e a coordenação está disposta a isso — para organizar esse ecossistema, a fim de que a sua experiência, Fabio, não seja uma evidência anedótica, mas uma evidência a ser considerada dentro do sistema.
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18:52
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O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Eu gostaria de agradecer.
Primeiro, quero pedir desculpas, porque nós tínhamos marcado uma reunião na bancada do Rio de Janeiro hoje para discutir o regime de recuperação fiscal, royalties do petróleo, cadeiras que o Estado está perdendo por conta do último Censo, e acabou que a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência estendeu esta reunião, e eu tive que me ausentar. Mas eu faço questão que esta reunião se estenda mesmo. Eu estava aqui falando o tempo todo da importância desta Comissão para entregar o resultado final na ponta, com a própria discussão que nós estamos tendo aqui hoje.
O SR. NATAN MONSORES DE SÁ - Hoje, no atual estado de conhecimento, não existe nenhum tipo de terapia gênica para essa condição. Eu evito usar o termo "doença", porque nós estamos falando de pessoas que nascem com essas diferenças. Enfim, hoje não temos.
Para algumas das condições genéticas, nós já começamos a ter algum vislumbre, mas, de novo, Deputado, esbarramos na mesma questão: estamos falando de terapias cujo custo é da ordem de dezenas de milhões de reais e precisamos discutir como se sustenta isso dentro do SUS. Esse é um problema de todos nós brasileiros.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Gostaria de dirigir essa mesma pergunta para a doutora, para o senhor e para o nosso colega que também está on-line, o Sr. Marcondes.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - "É possível impedir o fator genético dessa doença de alguma forma?"
A SRA. NATASHA SLHESSARENKO FRAIFE BARRETO - Certamente, isso já deve estar sendo feito. Em algum lugar do mundo, alguém deve estar testando isso. Mas eu, realmente, desconheço que já tenham conseguido fazer essa alteração gênica. Já existe terapia gênica para uma série de doenças, como anemia falciforme. Consegue-se trocar esse gene que está alteradinho, para que passe a produzir enzima. Isso já é feito dentro da barriga da mãe ainda, ou, às vezes, depois de nascido o bebê, com transplante e tal. Mas, a princípio, para a síndrome de Pompe, eu desconheço.
O SR. FABIO LOPES CENACHI - Gostaria só de lembrar que existem outras empresas que estão chegando ao mercado brasileiro; que estão pensando especificamente na terapia gênica; que estão querendo fazer, inclusive, um trabalho consorciado com a AbraPompe, por conta dessa disposição que nós temos de formar esse acervo de dados, porque uma das fundamentais necessidades desse acervo é proporcionar essa massa crítica de estudo.
Neste momento, vivemos no Brasil uma fase de transição na triagem neonatal. Qual é a questão posta aqui? Vários Estados não estavam fazendo a triagem neonatal de forma adequada, e isso custa vida de crianças, custa vida de brasileirinhos e brasileirinhas. Nós, enquanto Ministério, reorganizamos todo esse processo, para que a triagem neonatal, na fase atual, que engloba poucas doenças, aconteça.
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18:56
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Ao mesmo tempo, em razão de uma lei, de uma mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente, houve a necessidade de uma ampliação da triagem. Nessa ampliação, nós estamos introduzindo novas tecnologias de diagnósticos na triagem. A próxima será a espectrometria de massa, que é uma tecnologia para identificar doenças metabólicas. Na sequência, começaremos a trazer algumas tecnologias moleculares e quiçá — eu tenho trabalhado nisso, e nós vamos ter agora dois polos de sequenciamento de nova geração, conforme eu disse anteriormente —, no futuro, teremos testes genéticos disponíveis também em toda a rede. Mas nós estamos nesse movimento de transição, e, enquanto isso, podemos levar essa demanda para a CONITEC. Eu posso levar, internamente, enquanto Ministério: "Por favor, avaliem Pompe e outras condições que têm sido pedidas". "Por que essa doença não está na triagem neonatal?"
Mas é uma questão de nós entendermos também a natureza da triagem. Para a Pompe precoce, faz todo sentido nós termos essa condição na triagem, porque ela é uma doença recessiva, a criança nasce com ela, vai ter complicações. Agora, para determinadas condições tardias, já não faz sentido. Por quê? O que é triagem? É olhar a população inteira, todo mundo que nasce, e ver se aquela doença está lá ou não, para, então, ela ser confirmada. Por isso é triagem; não é diagnóstico.
A SRA. NATASHA SLHESSARENKO FRAIFE BARRETO - Rapidamente, com relação ao teste do pezinho, é possível se fazer, como o Natan muito bem colocou. Para todas as doenças testadas no teste do pezinho são realizados testes que nós chamamos de testes de triagem, que são testes altamente sensíveis, que dão vários falsos positivos. E, quando se fazem testes mais específicos, que são os que geram o diagnóstico, isso não se confirma. Por quê? Porque a ideia é que não se deixe passar criança nenhuma com a doença. Com isso, crianças saudáveis acabam sendo triadas, porque o teste é altamente sensível. O teste confirmatório é um teste muito mais específico, que vai dar diagnóstico. Geralmente, esse é um teste muito mais caro, mais complexo e mais específico.
Então, fico muito feliz, Natan, de saber que está havendo essa reestruturação. Eu, como pediatra e patologista clínica, fico muito feliz. Hoje vemos que lá no meu Estado, por exemplo, ainda continua, no teste do pezinho, sendo feita a triagem para seis doenças: a fenilcetonúria, o hipotireoidismo congênito, a fibrose cística, a deficiência de biotinidase, as hemoglobinopatias e a 17-OH progesterona, a hiperplasia adrenal congênita. Então, há testes só para essas 6 doenças por enquanto, mas na maior parte do Brasil ainda é assim. Mas vamos chegar a 50.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Caminhando para o final, vou deixar duas perguntas para os nobres convidados que estão aqui compondo a Mesa responderem nas suas considerações finais.
Se vocês acharem pertinente, eu acho que se enquadra.
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19:00
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Que esforços estão sendo feitos para aumentar a conscientização sobre a Doença de Pompe entre profissionais de saúde, pais ou responsáveis?
Com relação a essa conscientização, discute-se muito na Câmara Técnica de Doenças Raras do Conselho Federal de Medicina como fazer chegar ao aluno, na graduação, mudança curricular, para que esse aluno pense em doença rara.
Quando falamos em doença rara, falamos de um espectro enorme. Há mais de 6 mil doenças, quase 7 mil doenças. São aproximadamente 13 milhões os brasileiros que têm algum tipo de doença rara, e 95% delas realmente acometem crianças e tem fundo genético. Então, é uma enormidade. Que pelo menos esse aluno, quando for profissional, pense nisso.
Então, o Conselho Federal de Medicina, junto com a Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica, tem feito esforços no sentido de produzir vídeos de educação continuada. A Sociedade de Genética fez agora um manual excelente sobre isso. O que nós temos feito nesse sentido é fazer com que a informação chegue à ponta, chegue à Atenção Primária, chegue ao aluno. Isso se faz com mudança curricular, com estratégias de educação continuada, com manuais, com divulgação de eventos. A Câmara Técnica fez dois a três eventos por ano, na tentativa de disseminar o conhecimento.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Quero puxar também para mim: qual é a expectativa que a senhora tem em relação aos Parlamentares? Também temos a responsabilidade de ajudar.
A SRA. NATASHA SLHESSARENKO FRAIFE BARRETO - Com certeza. Eu sempre falo que nós, como médicos, fazemos a nossa ação. Todos os dias promovemos ações sociais, fazemos para um, fazemos para outro, ajudamos um, ajudamos outro, mas só conseguimos fazer para milhões sentados na cadeira em que o senhor está sentado, dentro do Parlamento. Então, nós esperamos muito dos políticos, seja dos Deputados Federais, seja dos Senadores, seja do próprio Governo Federal, o Poder Executivo, políticas públicas para o indivíduo com doença rara, que elas possam realmente existir de maneira bastante consistente e que todos os envolvidos, os stakeholders estejam na mesa para a discussão. O que se pode fazer? Não tem preço uma vida, realmente não tem. Uma vida não tem preço. Então, que a indústria também participe dessa discussão. Quando falamos em compartilhamento de riscos, quando falamos em compras, em fazer uma compra melhor, em inovação, precisamos pensar fora da casinha. Aí, sim, eu acho que o Poder Legislativo tem um papel fundamental nessa luta, nessa batalha.
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19:04
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O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Perfeito.
Vou falar sobre aspectos formativos e educacionais. Eu sou professor universitário, sou professor da Universidade de Brasília e estou cedido para o Ministério. Eu sempre digo para os meus estudantes que, quando falamos de doença rara, temos que começar a pensar numa lógica de medicina personalizada e que o pensamento diagnóstico não é determinístico, ele é probabilístico. Quando começamos a trabalhar com genética, aplicada à saúde humana, não é um laudo de exoma que vai ser definitivo. Eu preciso juntar aquela informação com informação clínica, com olhar delicado, singular sobre o paciente, para tentar ajudá-lo e me ajudar também, enquanto profissional de saúde, a identificar que condição é aquela.
Há uma questão de mudança de sensibilidade, de mudança de cultura dos profissionais de saúde no que se refere à forma como fazemos diagnóstico. Nós ainda trabalhamos muito com uma perspectiva do postulado de Koch — quem é da área médica sabe o que é. Há uma bactéria, o indivíduo ficou doente: se eu pegar aquela bactéria e colocar em outra pessoa, e ela vai ficar doente, logo, é determinada a causa. Não. Não trabalhamos, em genética, com causa e efeito sempre. De modo geral, é probabilística. Então, precisamos imprimir nos estudantes de saúde esta questão, de que a genética é probabilística.
Em relação às minhas expectativas em relação a esta Casa, Deputado, acho que precisamos discutir seriamente a questão do financiamento dessas terapias avançadas, questões de orçamento, precisamos determinar, na nossa estrutura, um modelo no qual as pessoas tenham acesso a esse medicamento, sem que isso pese na estrutura global da saúde enquanto recurso. Temos que destinar, às vezes, um recurso limitado para uma série de políticas que garantem o cuidado da população. Nós não estamos falando mais de comprimido ou de injeção, mas de um ecossistema (falha na transmissão) mas eu preciso do exame. Então, é um serviço que existe hoje ao redor daquela terapia, é uma jornada. Para eu garantir que esse conjunto de serviços chegue à população, eu preciso ter dotação orçamentária definida, eu preciso saber o tamanho do cobertor.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Concedo a palavra ao Dr. Fabio.
Realmente, a grande saída, Deputado e doutora, é a empatia. Enquanto médico você deve conseguir se colocar no lugar do seu paciente, mas não se colocar olhando de lá para cá, é colocar-se sentindo.
É claro que eu estava imaginando exatamente isso que o senhor referenciou algumas vezes. Não dá para imaginar uma circunstância como esta, em que eu tenho um Ministério que cuida da vida de pessoas formado por técnicos insensíveis. A sensibilidade se mostrou na sua fala de uma maneira discreta, como tem que ser em um ambiente como este. Eu já pensei em falar um monte de bobagens aqui, mas consegui me controlar. Isso foi bom.
(Risos.)
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Como é que nós formamos este Parlamento? Por que eu escolho o meu representante? Ponto. Não vou extrapolar.
Na Abrapompe, nós temos o Mês dos Raros, que é abril, em que nós fazemos vários eventos. Fiz uma série de lives, que estão nos nossos perfis, sobre a Doença de Pompe, sobre terapias integrativas e medicina integrativa, sobre atividade física. Aliás, eu tenho focado a produção do meu material nisso, por conta desse ganho, que está beirando a impossibilidade já, e por querer justamente democratizar pelo menos a vontade de experienciar isso. Posso ter um câncer renal, um câncer de rim?. Posso. Mas, se você não fizer, você vai morrer por conta da falência do seu diafragma. Vamos escolher. Eu prefiro arriscar.
No dia 28, Deputado, comemora-se o Dia Mundial de Conscientização da Doença de Pompe. Nós poderíamos promover um evento. Lá na Abrapompe promoveremos, com certeza. Eu me coloco à disposição do senhor, se quiser fazer um evento dessa natureza, de conscientização, mais para trazer justamente essa perspectiva da empatia, da exteriorização dos sentimentos das pessoas que são ligadas a esse problema.
É muito cortante ver pais do Brasil inteiro, do mundo inteiro, pedirem uma solução mágica, que não vem. Em relação à Duchenne, por exemplo, há um paciente em São Paulo que está exatamente com 6 anos, idade em que precisa do tratamento, e a dose única custa 16 "milha" — 16 "milha". Para você ter uma base do tratamento de Pompe, por baixo, se não o pessoal da Sanofi me joga um tijolo daqui a pouco.
O SR. FABIO LOPES CENACHI - ... eu faço duas infusões do Nexviazyme, que é a avalglucosidase. Para cada infusão minha, são 20 frascos, e cada frasco custa oito paus e meio. São 160 contos vezes 2, ou seja, 320. Como se define esse tratamento? Pelo peso corporal. Então, se a pessoa estiver com 40 quilos a mais, como eu estava, com a dose dobrada do Myozyme, e o meu tratamento era mensal, só de enzima era 1 "milha" e 500. Que milionário consegue sustentar isso?
Quando eu fiquei 20 dias sem fazer, eu comecei a sentir uma dificuldade respiratória incrível. Houve um momento na minha vida, logo após 2018, em que eu não conseguia dormir horizontalizado, por causa da distensão da caixa torácica. Você a distendeu, os músculos acessórios da respiração param de trabalhar, e você depende só do seu diafragma. Eu tinha 6% de atividade. O diafragma é um músculo liso. Então, recuperar isso não há como. Mas você consegue dar massa e definição para a caixa torácica. O corpo é perfeito, de uma ciência perfeita, que nós não sabemos explicar, e ele consegue debelar essas dificuldades.
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Aí vem a dificuldade de deglutição. Se eu ficar muito nervoso, eu começo a engasgar, por conta da base da língua — também é uma característica da Pompe. Eu começo a engasgar com a própria saliva. Não é um engasgo, é o engasgo. Há pessoas em que tem que ser feita traqueostomia e gastrostomia, para não broncoaspirar.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Quero agradecer a todos os que nos acompanharam até agora. Já são 19h13min. Hoje as pessoas mais interessadas tiveram aula aqui.
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - A senhora quer fazer mais alguma pergunta?
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - Eu gostaria novamente de agradecer a presença ao Dr. Natan Monsores, à Dra. Natasha Fraife, ao Sr. Fabio Cenachi, colega de profissão, e ao Dr. Marcondes Cavalcante Franca Junior, que participou de forma virtual.
Antes de encerrar, eu vou quebrar um pouco o protocolo. Eu gostaria de tirar uma foto com vocês, de todos nós aqui, mas principalmente de vocês que ficaram até o final, que valorizaram esse trabalho todo. Todos os que estão nesta mesa se dedicaram a isto, abriram mão de alguma coisa que estariam fazendo neste momento, de ficar com a família, de ter um momento de descanso ou outros afazeres, e isso é muito válido, eu valorizo muito.
Dr. Fabio, o senhor falou sobre empatia. Na nossa profissão, na polícia, nós temos um problema sério em relação a isso. As pessoas acreditam que nunca vai acontecer com elas, acham que tudo que veem na televisão vai acontecer com o próximo. Eu posso falar por mim. Eu treinei a vida toda, eu tenho 24 anos de polícia e fui baleado ao reagir a um assalto. Eu achava que fosse acontecer isso comigo no exercício da profissão, mas nunca em um assalto. Então, naquele momento, eu falei: "E agora? O que a gente faz?" No final, eu terminei com três tiros. Não morri porque Deus tinha um propósito...
O SR. PRESIDENTE (Sargento Portugal. Bloco/PODE - RJ) - É, tenho esta missão, a de estar aqui.
Desejo realmente muito boa sorte ao senhor. É um desafio muito grande, porque, independentemente de partidos, de pensamento, de quem ganhou e de quem perdeu, temos que pensar na população que precisa. Eu acho que todos estamos aqui pela população, pelo povo. E, como o senhor disse, as pessoas escolhem um representante para dialogar com os partidos, com as pessoas, independentemente de qualquer diferença, não para buscar likes, fazer videozinho engraçado. Acho que temos muito mais para entregar e oferecer para a população do que isso.
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Então, entrego tudo nas mãos de Deus, diariamente. Independente da religião de cada um e naquilo que crê, se em Deus ou... Enfim, o nosso compromisso está aqui.
E, como Parlamentar, estamos à disposição. O meu gabinete é o de número 527, no Anexo IV, e está de portas abertas a todos. Todos os projetos que queiram apresentar e dialogar com o Governo — estou aqui para ajudar, não para atrapalhar — e assim faremos para conseguirmos as respostas necessárias.
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