Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Senhoras e senhores, boa tarde.
Declaro aberta a reunião de audiência pública da Comissão de Legislação Participativa destinada a debater sobre as violações de direitos humanos cometidas contra policiais militares.
Ressalto que a presente audiência decorre da aprovação do Requerimento nº 12, de 2024, de minha autoria, aprovado por esta Comissão de Legislação Participativa.
Eu gostaria de agradecer a presença dos membros deste colegiado, do Presidente Glauber Braga, que está aqui também na nossa audiência, dos convidados e de todos e todas que nos assistem.
Informo que este evento está sendo transmitido via Internet, e o vídeo pode ser acessado pela página da CLP no site da Câmara dos Deputados e também pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube.
Eu gostaria de agradecer demais a todas e todos pela presença e também àqueles que nos acompanham on-line.
Este é um debate fundamental para debatermos de fato o projeto de segurança pública para o nosso País, mas também para reconhecer policiais civis, militares e rodoviários como trabalhadores que são. Muitas vezes, aqui nesta Casa, o debate sobre segurança pública e sobre a realidade dos policiais é feito pela chamada bancada da bala, que, muitas vezes, disputa o tema por uma perspectiva ideológica muito autoritária, sempre mostrando o imaginário do policial como herói, portanto, dotado de hiperpoderes, que podem, inclusive, extrapolar aquilo que são as suas funções, sempre numa lógica absolutamente repressiva e criminalizante dos mais pobres e da população negra. Muitas vezes, as contradições estão expressas no cotidiano da atuação deles, quando, em temas fundamentais, como os direitos trabalhistas e os próprios direitos humanos, não se colocam na linha de frente dessas temáticas.
No momento em que vemos uma série de operações policiais no Estado de São Paulo, por exemplo, sobretudo na Baixada Santista, que envergonham o nosso Estado, envergonham a população brasileira diante de um massacre que vem sendo feito — e sabemos quais são os principais corpos e perfis das pessoas que são vítimas dessa lógica —, eu acho que é fundamental trazer para a Câmara esse debate.
Por isso, eu agradeço muito, principalmente ao José Maria, que nos procurou, procurou o nosso mandato, sugerindo esse debate, através do nosso assessor Pedro e também do nosso companheiro Israel Dutra. Ficamos muito satisfeitos de poder realizá-lo aqui na nossa CLP, que é um instrumento que precisa ser cada vez mais utilizado pela população. É uma Comissão que foi uma conquista da Deputada Luiza Erundina e que tem justamente esse papel de trazer as vozes dos movimentos e da sociedade que, evidentemente, não se vê representada neste Parlamento.
Antes de passarmos aos debates, eu peço atenção das senhoras e dos senhores presentes para as normas internas da Casa. Os Srs. e as Sras. Parlamentares interessados em interpelar os expositores deverão inscrever-se previamente na mesa. Cada convidado terá o tempo de 10 minutos para sua exposição. Após o encerramento das exposições, cada Deputado inscrito terá o prazo de 3 minutos para fazer as suas considerações.
Agora, para compor a Mesa de debates, eu convido: o Sr. Fabrício Rosa, Policial Rodoviário Federal (palmas); o Sr. Luiz Fernando Passinho da Silva, Cabo Passinho, da Polícia Militar do Pará, que vai fazer sua participação on-line — boa tarde, muito obrigada pela sua participação —; o Sr. Orlando Zaccone D'Elia Filho, policial civil, que está aqui conosco (palmas); o Sr. Ederson de Oliveira Rodrigues, soldado da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, que também vai fazer a sua participação on-line;
o Sr. José Maria de Almeida, Presidente Nacional do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado — PSTU (palmas); a Sra. Priscila Akemi Beltrame, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil — OAB de São Paulo, que também vai fazer a sua participação on-line; e o Sr. Claudio Aparecido da Silva, Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, que está aqui conosco (palmas).
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Inicialmente, quero cumprimentar a Deputada Sâmia Bomfim, que está presidindo a Mesa e que propôs à Comissão esta audiência.
Quero cumprimentar o Presidente da Comissão, o Deputado Glauber Braga, um querido amigo de muitos anos.
Quero cumprimentar também os integrantes da Mesa, especialmente o camarada Zé Maria, do PSTU, que sugeriu que esta audiência fosse realizada.
Primeiramente, quero dizer da importância de se falar de violação direitos humanos de policiais. Precisamos fazer uma conexão entre a violação de direitos humanos de policiais, a violação de direitos humanos da população pela polícia e a militarização da segurança pública.
Eu estou aqui representando o movimento Policiais Antifascismo. Nosso movimento começou em 2016. E essa relação entre violação de direitos humanos de policiais, violação de direitos humanos da população pela polícia e militarização da segurança pública tem sido um ponto relevante nos nossos debates. Inclusive, é algo que deu origem à própria criação do movimento.
O movimento Policiais Antifascismo foi criado a partir de 2016 com o objetivo principal de construir policiais como trabalhadores. Atenção ao que eu vou falar para vocês: ninguém é trabalhador pela natureza da atividade. O conceito de trabalhador não é ôntico no sentido de fazer referência à natureza do trabalho.
Se eu perguntar a vocês: flanelinha, guardador de carro, é trabalhador? Camelô é trabalhador? Hoje é, mas, no início do conceito marxista de trabalhador, não eram trabalhadores, não, eram inimigos da classe trabalhadora, lumpesinato. Se eu perguntar a vocês: prostituta é trabalhadora? Serão 3 dias de debates, com 3 correntes: uma diz que sim, outra diz que não, e outra acha que vamos chegar a uma conclusão, mas ainda não está concluído o debate. Isso é porque não está na natureza da atividade.
Então, é uma besteira essa discussão se o policial é ou se o policial não é trabalhador. O policial será ou não trabalhador de acordo com a nossa decisão, a nossa construção. Interessa a nós que o policial seja construído como trabalhador? Essa é a pergunta, não é se ele é ou se ele não é. E, do nosso ponto de vista, do movimento Policiais Antifascismo, isso interessa muito e tem total relação com o tema da nossa audiência.
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Esse é um momento mágico em que nós vamos virar uma chave. Por quê? Existe toda uma estratégia. Eu vou tentar, neste tempo que tenho, apresentar para vocês uma tese de que existe uma relação intrínseca entre a violação dos direitos humanos dos policiais, a violação dos direitos humanos da população pela polícia e a militarização da segurança pública.
O movimento Policiais Antifascismo, criado em 2016, tem este objetivo: construir os policiais como trabalhadores. Enquanto alguns setores da esquerda ainda insistem em nos enxergar como inimigos da classe trabalhadora, a extrema direita cresce, conquistando espaços e corações no interior das corporações policiais, através do discurso romantizado e mentiroso do policial herói, de que a Deputada Sâmia falou na sua introdução.
Não somos heróis e não somos bandidos. O policial é um trabalhador que depende das condições concretas do seu trabalho e do seu salário para cumprir diferentes missões na prestação de serviços à população e na defesa da ordem estatal, porque são essas as funções da polícia, para garantir uma determinada ordem.
E nós, do movimento Policiais Antifascismo, queremos construir o policial como trabalhador para que ele possa discutir que ordem é essa que ele quer defender. O herói e o bandido não têm salários nem dependem de condições de trabalho para realizarem as suas funções. Heróis e bandidos também não são garantidores da ordem, sendo muitas vezes confundidos justamente por violarem o ordenamento jurídico. Batman e Coringa: aquela confusão de quem é do bem e quem é do mal, isso é até objeto de filme.
Ocorre que, independentemente do nosso ponto de vista acerca do que representa um policial ou mesmo acerca das funções desempenhadas pelas polícias, a militarização da segurança pública transformou trabalhadores policiais em soldados, regidos por um estatuto militar, treinados para atuar em um campo de guerra, no qual os policiais se opõem a seus inimigos na manutenção da lei e da ordem.
A consequência imediata desse modelo se encontra nos números. Temos a polícia que mais mata e a polícia que mais morre no planeta. Agora, há uma ressalva: é importante salientar que a morte de pessoas pelas mãos da violência do direito, a chamada violência policial — a violência policial é a violência do direito —, e de policiais pelas mãos da violência das ruas não ocorrem no mesmo contexto.
Não existe uma guerra a ceifar a vida de setores da população e de policiais dentro ou fora de serviço. As polícias matam em um contexto e policiais morrem em outro contexto. As polícias matam no contexto do massacre, operações policiais militarizadas que definem as periferias e os pobres negros como alvos de sua letalidade. Em outro contexto, policiais são executados nas ruas, muitos fora de serviço, em ações criminosas que também definem policiais como categorias de pessoas matáveis.
No Rio de Janeiro, menos de 25% dos policiais mortos morrem em confronto. Segundo dados da divisão de homicídio, 75% dos policiais mortos, no Rio de Janeiro, morrem em tentativas de latrocínio, sendo identificados no ambiente social com uma arma e uma carteira.
A insegurança é o resultado da política de militarização da segurança pública. A presença da polícia em qualquer ambiente passa a ser um fator de risco para a população e para os próprios policiais.
Não é uma tarefa fácil se locomover de casa para o trabalho e do trabalho para casa portando uma arma e uma carteira policial, assim como não é nada confortável um trabalhador da periferia entrar e sair de casa no meio de uma operação policial. Nós estamos falando de lados de uma única moeda. São dois lados da mesma moeda.
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Precisamos, então, entender como a segurança pública em nosso País foi transformada em segurança militar, onde a naturalização da guerra expõe trabalhadores policiais à desproteção do maior dos seus direitos fundamentais, que é o direito à vida, ao mesmo tempo em que transforma as polícias em máquinas de matar. Precisamos colocar o debate da desmilitarização no centro do processo da redemocratização tão almejada em nosso País, que não se completou ainda por conta, entre diversos outros termos, de herdarmos um modelo de segurança pública militarizado e implantado durante a Ditadura Militar brasileira. Esse modelo não seria possível sem a existência de uma Polícia Militar.
Reparem que a Polícia Militar existe desde o início do século passado, mas ela só ganha previsão constitucional para atuar na área de segurança na Constituição de 1968. Antes de 1968, não existiu uma constituição brasileira que previsse a atuação das polícias militares como agências de segurança pública. A Polícia Militar era uma polícia aquartelada, que era chamada, em tempos de sedições, de crise, para apoiar as polícias civis. Quem fazia o policiamento ostensivo eram as polícias civis. Isso foi retirado...
Aliás, no livro O que resta da ditadura, organizado por Vladimir Safatle, há um autor de uma série de artigos, de cujo nome agora me esqueço, que diz que a instituição que mais perdeu na Ditadura Militar foi a Polícia Civil. Perdeu a guarda do Governador, perdeu o policiamento das ruas para a Polícia Militar. Quem colocou a Polícia Militar como agência policial responsável pela segurança ostensiva nas ruas, pelo policiamento ostensivo foi a Ditadura.
Muito embora o tema da militarização da segurança pública venha a atingir o treinamento e a atuação de todas as polícias, inclusive das polícias civis, é a constitucionalização das polícias militares que inicia o processo da segurança militar, que infelizmente se manteve após a Constituição de 1988.
Aliás, a porta de entrada e de manutenção dos militares nas relações de poder em nosso País foi na Comissão que tratava de segurança pública na Constituinte de 1988. Os militares — isso está em vários documentos — escolheram a Comissão que tratava segurança pública na Constituinte de 1988 para definirem determinados dispositivos constitucionais — inclusive alguns estão em vigor, como o art. 142, que trata da manutenção da Polícia Militar — para se manterem nas relações de poder no nosso País.
Precisamos urgentemente colocar o debate da desmilitarização das polícias como um pré-requisito para o debate da desmilitarização da segurança pública. Por quê? Uma coisa é desmilitarizar a polícia, outra coisa é a desmilitarização da segurança pública. Polícia Civil é Polícia Civil. Polícia Militar é Polícia Militar. Nós estamos falando de polícia. Agora, a Polícia Civil pode atuar militarmente. Então, são temas distintos.
Vocês sabem qual é a diferença, a distinção entre polícia civil e polícia militar? Conceito internacional: a polícia militar vai se diferenciar da civil pelo local em que ela vai ser colocada na estrutura do Estado. Polícias que estão locadas no Ministério da Defesa são consideradas polícias militares. Por exemplo, na Espanha, a Guarda Civil Espanhola considerada polícia militar, porque a Guarda Civil Espanhola está localizada no Ministério da Defesa na Espanha. Carabineiros do Chile: estética militar, treinamento militar, operam militarmente; pelo conceito internacional, polícia civil. Por quê?
Porque a polícia carabineira está localizada no Ministério do Interior do Chile, e não no Ministério da Defesa.
Precisamos colocar o debate da desmilitarização da Polícia Militar como um pré-requisito para o debate da desmilitarização da segurança pública. O campo progressista e a Esquerda, de uma forma geral, têm cometido alguns equívocos nesse debate. A desmilitarização das polícias não vai reduzir violência policial. Polícias civis podem ser, inclusive, mais violentas que a Polícia Militar, como foi na operação mais letal da segurança pública do Rio de Janeiro, com 28 pessoas mortas na Favela do Jacarezinho, realizada pela Polícia Civil, não foi pela Polícia Militar.
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O uso militarizado das forças civis é um fenômeno que cresce em todo o mundo, mas uma polícia civil não se confunde com uma polícia militar. E eu já expliquei o porquê. Uma polícia militar é regida por um estatuto militar. Policiais são regidos por um estatuto de guerra, privados de seus direitos fundamentais de cidadania. O policial militar, no nosso País, é um sub-cidadão. E isso é estratégico porque, colocando o policial nessa sub-cidadania, permite que esse policial opere uma política de segurança militarizada que retira os direitos da cidadania da nossa população.
Policial militar no Brasil não pode ter sindicato. Policial militar no Brasil não pode fazer greve. Pode ser preso administrativamente porque o sapato está sujo, o cabelo está grande. Soldado não tem sequer direito à livre manifestação do pensamento. Se um cabo, um soldado da Polícia Militar... São poucos os corajosos que ainda conseguem se apresentar com um pensamento político porque eles sabem que militarmente eles podem ser cobrados pela livre manifestação do pensamento.
Pasmem! A retirada de direitos dos policiais militares hoje atinge inclusive as polícias civis, como na decisão do STF que ampliou a proibição do direito de greve para qualquer categoria policial. No voto de um dos Ministros, foi dito que as funções exercidas por policiais se equiparam às dos soldados. STF!
No Estado do Ceará, o Ministério Público Estadual chegou a ajuizar uma ação civil para proibir as associações de cabos e soldados, sob o argumento de que estariam, por uma via transversa, violando a proibição de sindicalização.
Recentemente, esta Casa aprovou a restrição de direitos políticos dos policiais, exigindo quarentena de 5 anos para afastamento das funções para que policiais possam se representar enquanto trabalhadores nas Casas Legislativas. Nós, do movimento Policiais Antifascismo, fomos contra isso, até porque a bancada da bala, essa que foi citada pela Deputada Sâmia, não é formada somente por policiais.
Lá no Rio de Janeiro, eu ouvi o Deputado Estadual Rodrigo Amorim falando no caminhão de som do sindicato dos policiais para uma quantidade imensa de policiais. Ele falou assim, abre aspas: "Vocês sabem que eu nunca fui policial, mas eu represento um campo político que é o único que pode garantir os seus direitos, a bancada da bala". A bancada da bala pode ser formada por jornalista, por empresário, por advogado. Então, ter medo de que policiais, enquanto trabalhadores, ocupem espaço político não vai frear a bancada da bala. O que vai frear a bancada da bala é disputarmos os policiais para o nosso campo político. É o que o movimento Policiais Antifascismo tem tentado fazer.
Eu vejo aqui hoje a presença do Fabrício Rosa, que é da nossa coordenação nacional, do Capitão Vinicius, que vai falar. São policiais que fazem parte desse movimento, que é novo, tem 6 anos, 7 anos, mas busca exatamente isto: nós não queremos ser a polícia da Esquerda, nós queremos ser a esquerda da polícia. E isso incomoda muita gente.
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A existência de uma Polícia Militar é uma das estratégias para a violação de direitos humanos em nosso País. Enquanto estratégia, ela remonta a uma disputa ocorrida na Constituinte de 1988. Foi na Comissão de Segurança Pública que foi feito pelos militares o lobby para se manterem nas relações de poder em nosso País. E no que diz respeito a tudo que foi destruído e construído após a ditadura militar, 60 anos para nós é uma história de um passado recente, não de um passado longínquo.
Na segurança pública, fica a pergunta e a resposta de um excelente livro organizado por Vladimir Safatle. O que resta da ditadura? E a resposta é: na segurança pública, tudo, menos a ditadura.
E é assim que o movimento Policiais Antifascismo vem aqui hoje agradecer o convite e dizer que a luta pela construção de policiais enquanto trabalhadores e pelos direitos fundamentais desses trabalhadores não se opõe, como muitos pensam, à conquista dos direitos da nossa população, não se opõe à redução do arbítrio das instituições policiais, muito pelo contrário. Se nós construirmos os policiais como trabalhadores, inclusive garantindo os seus direitos fundamentais, nós teremos muito mais chances de fazer com que esses trabalhadores se reconheçam na luta dos demais trabalhadores, e vamos dar uma virada histórica na utilização das polícias simplesmente para o arbítrio e para o interesse dos grupos políticos dominantes.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Eu é que agradeço, Zaccone, a brilhante exposição.
É uma satisfação gigantesca estar ao lado de pessoas de que o Brasil tanto se orgulha e que o Brasil tanto admira.
Deputada Sâmia, Deputado Glauber, saibam que vocês nos inspiram muito e que nós desejamos saúde, luz, força, coragem para vocês e para a família de vocês.
Agradeço ao Deputado Glauber e à Deputada Sâmia pela propositura da Mesa, ao Zé Maria, do PSTU, ao companheiro do movimento Policiais Antifascismo, uma grande inspiração para mim. É uma responsabilidade falar ao lado desse homem que eu tanto admiro.
Eu sou Fabrício Rosa, policial militar, oficial da reserva. Trabalhei durante 5 anos na Polícia Militar e estou há 19 anos na Polícia Rodoviária Federal. Ao todo, eu trabalho há 24 anos na polícia.
O processo de conhecimento do País e de leitura das desigualdades do mundo, para mim, nasce na polícia e parte dela, das operações de enfrentamento do trabalho escravo que fazemos cotidianamente, das operações de enfrentamento do tráfico de pessoas, das ações de combate à violência sexual,
das ações de defesa da comunidade LGBTQIA+. Esses lugares permitiram que eu pudesse ter, num locus privilegiado, a compreensão da desigualdade profunda, que é a grande marca do nosso País.
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Por isso, eu percebo que nós não podemos fazer um movimento de criminalização das existências policiais como se elas fossem existências neutras ou não políticas. Nós policiais não somos neutros. Nós policiais também lemos o mundo a partir das nossas viaturas e a partir das nossas corporações.
Em 2010, foi criada no Brasil a Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI+, rede de que também eu faço parte, justamente para enfrentar e denunciar a LGBTQIA+fobia institucional. Até hoje, mulheres trans policiais, homens trans são aposentados porque não são bem-vindos. Até hoje, homens gay policiais são colocados no almoxarifado porque há uma vergonha institucional desses homens gay. Até hoje, as mulheres lésbicas das polícias são colocadas em determinados locais. Então, nós sofremos com o processo da LGBTQIA+fobia.
Em 2015, nós nos unimos para dizer que nós policiais somos gente, gente diversa, gente trabalhadora e gente politizada. Quando eu falo de gente, eu quero dizer que gente fica doente. Nós adoecemos. Quando eu falo de gente, eu quero dizer que nós também temos fome. Muitas são as Guardas Municipais que pagam salários vergonhosos para os seus trabalhadores. Muitas são as Polícias Militares em que a diferença salarial entre um soldado e um coronel é de mais de 40 vezes.
Quando nós dizemos que nós somos gente, nós queremos dizer que é preciso se preocupar com a saúde mental dos policiais. Uma parcela grande dos quadros das polícias está afastada porque está adoecida por esse processo de violência de mão dupla. Uma parcela grande dos policiais sofrem com o alcoolismo, justamente porque foram adoecidos por esse processo de replicação da violência. Uma parcela grande dos policiais sofrem porque foram obrigados a fazer empréstimos altíssimos, e não há uma política de enfrentamento para que a liberdade bancária ingresse nos bolsos e na vida financeira dos servidores públicos, especialmente dos policiais.
Uma parcela enorme dos policiais estão em depressão porque são cooptados a fazerem serviços em seus horários de folga. No meu Estado de Goiás, há uma completa mercantilização da segurança pública, em que policiais militares e guardas municipais recebem horas extras, mas essas horas extras não ingressam na sua aposentadoria e nos seus direitos fundamentais. Há uma discussão sobre pagamento extra, como acontece no capitalismo central, para os policiais a partir das empresas.
É preciso dizer que os policiais se suicidam muito. A média de suicídio dos policiais é três vezes maior do que a média de suicídio dos brasileiros em geral. De 2021 para 2022, isso aumentou 55%. É preciso dizer que há tanto suicídio, dor, violência e morte nesse grupo de trabalhadores, que também é gente, justamente por esses fatores.
Nós precisamos dizer que nós somos gente e somos gente diversa. Na polícia há mulheres. Entretanto existe ainda uma cláusula de barreira, inconstitucional, que quer proibir as mulheres de ingressar na polícia, Deputada. Várias são as Polícias Militares, às vezes copiadas pelas Guardas Municipais, que colocam em seus editais que apenas 10% ou 15% ou 5% ou 6% das vagas — já vi editais de todas as formas — são para mulheres. Isso é um verdadeiro absurdo. Tentaram reiterar essa cláusula de barreira na aprovação da Lei Orgânica das Polícias Militares aumentando um pouco, para 20%, mas ainda é uma cota para macho,
ainda é uma cota para homem, excluindo as mulheres. Isso significa que, em um concurso para soldado de mil vagas, a mulher que ficou na colocação 101, se forem 10% das vagas, não vai ingressar. Entretanto o homem, muito menos preparado, que ficou na colocação 999 vai ingressar. Nós precisamos enfrentar essa violência contra as mulheres.
E precisamos enfrentar o assédio contra as mulheres, sobretudo na Polícia Militar. Enquanto fui policial militar, muitas vezes fui procurado por mulheres em situação de pranto e de lágrima, porque coronéis, majores, capitães as encurralavam no canto, fazendo assédios terríveis e humilhações terríveis a essas mulheres. Essa é uma realidade. Recentemente, duas policiais militares de Minas Gerais se suicidaram. Essa é uma realidade grave que precisa ser denunciada.
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Nós precisamos denunciar também o racismo que é presente cotidianamente nas instituições, inclusive contra os policiais pretos, os soldados pretos, os guardas municipais pretos.
Nós somos gente, somos gente diversa e somos gente trabalhadora. Como bem disse o nosso comandante Orlando Zaccone, nós não somos proprietários dos meios de produção e não há uma inconciliabilidade entre a nossa existência e a da classe trabalhadora. A força precisa ser disputada. Nós precisamos invadir o coração da força. Invadir o coração da força significa invadir as academias de polícia, invadir a existência da polícia, invadir os quartéis, as delegacias, porque, se nós não invadirmos esses lugares, o mercado estará lá, se nós não invadirmos esses lugares, a Igreja estará lá. Nós temos assistido, neste momento, a um cruzamento entre a Igreja e a militarização da vida, e falar disso é falar de violência contra os policiais. Nós temos policiais de umbanda, policiais de candomblé, policiais sem religião, policiais hare krishna, policiais ateus e policiais de várias matrizes religiosas diferentes. Falar de liberdade religiosa dos policiais é falar também de policiais que são trabalhadores.
A Portaria Interministerial nº 2, de 2010, diz que policial precisa de moradia com determinadas particularidades, porque policiais não podem morar em determinados territórios. Essa portaria diz que policial precisa de formação com determinadas especificidades. Quando nós discutimos um programa nacional de direitos humanos, um plano nacional de direitos humanos, quando nós discutimos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, é preciso que tenhamos um olhar atento para essa formação dos policiais.
Quando nós falamos que nós somos gente, gente diversa e gente trabalhadora, é preciso dizer que todo trabalhador sonha com uma carreira que seja minimamente racional, em que as pessoas da base possam chegar ao topo, possam apresentar um projeto para a empresa, para a Igreja, para o seu local de trabalho e possam estar à frente desse projeto, possam ascender nessa instituição, nesse lugar.
A segurança pública brasileira é uma das poucas do mundo que não permitem essa ascensão. O soldado chegará no máximo a subtenente. Nós temos uma segunda entrada, uma segunda carreira, que é a de oficiais. E nós vemos uma existência da humilhação, uma pedagogia da diferença. É isso que acontece na realidade dos militares. Nós temos um refeitório dos oficiais, um rancho dos praças, um coturno dos oficiais e um praça que vai limpar esse coturno. Nós temos uma realidade absolutamente incongruente para quem é praça e para quem é oficial.
Aos praças sobra a humilhação. Aos praças sobra a prestação de serviço sem reconhecimento. Os oficiais têm direito a tudo.
É preciso que pensemos em carreira única. Carreira única é um sonho. É preciso que as pessoas possam de fato chegar ao topo das suas instituições. É preciso que nós criemos instrumentos para que as promoções possam ser justas — já estou quase concluindo. Não dá mais para viver em locais onde assassinos, policiais assassinos... E aqui eu não estou generalizando dizendo que todos os policiais são assassinos, mas que uma parcela grande de policiais é de bandidos, é de criminosos, que não deveriam estar na instituição. Não dá para aceitar que criminosos cheguem ao topo da carreira e policiais legalistas, nacionalistas e democráticos não consigam galgar um andar na sua carreira. Nós precisamos enfrentar essas promoções por ato de bravura. Em Goiás, Deputada e Deputado, de cada dez pessoas assassinadas, seis foram mortas pelas mãos do Estado. E aqui eu não quero dizer que todos os confrontos foram ilegais, mas que muitos são os confrontos ilegais e eles precisam ser combatidos.
Quero encerrar dizendo que policial é gente: é gente diversa, é gente trabalhadora, é gente política, é gente politizada, é gente que quer também participar dessa dança da democracia, porque, quando o policial não participa desse rolê ou quando o militar não participa desse lugar, ele vai participar nos bastidores. Então, o policial tem que ter direito à participação política. Quando nós excluímos policiais com quarentenas de 5 anos, de 10 anos — é uma exclusão —, os policiais discutirão política do mesmo jeito, como fizeram ao longo da nossa história. E é preciso valorizar as lideranças que de fato estão comprometidas com a proteção dos direitos humanos e com a democracia. É preciso que essas lideranças tenham visibilidade, é preciso que essas lideranças galguem os maiores postos das suas carreiras, porque ao longo da nossa história foram muitos os policiais e os militares que defenderam a legalidade, foram muitos os que defenderam o fim da escravidão, foram muitos os que se revoltaram contra o sistema de opressões estruturais.
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A Comissão Nacional da Verdade, no seu relatório de 2014, disse que no período da ditadura militar 6.700 militares e policiais foram perseguidos, torturados, ameaçados. Proporcionalmente, esse foi o grupo mais perseguido, porque é muito difícil estar dentro da ordem e ser contra a ordem.
Enfim, quero deixar aqui, apesar de ser do Partido dos Trabalhadores, o meu absoluto repúdio à aprovação dessa Lei Orgânica da Polícia Militar da forma como foi aprovada. O processo de militarização da segurança pública é um processo político, é uma escolha política. Esse processo nasce com a coroa, esse processo nasce com a monarquia, mas ele é profundamente intensificado durante os mais de 20 anos de ditadura. Assim que os generais chegam ao poder, eles vão criando vários instrumentos, desde a redução da pluralidade das Polícias Civis, as Guardas Estaduais que existiam, as Guardas Municipais, desde a redução das competências das Polícias Civis até uma série de outros instrumentos, a criação de uma Inspetoria-Geral das Polícias Militares, a necessidade de o comandante da PM ser um general do Exército e uma série de outros instrumentos para deixar a polícia nesse lugar.
A exclusividade do policiamento... O termo "exclusividade" foi uma disputa de décadas, até que pegamos tudo isso que fizeram durante a ditadura e colocamos na Constituição. Eles só venceram. Ao longo do último século, eles só venceram. Nós só perdemos. Eles criaram uma série de instrumentos para militarizar a vida, e nós só perdemos.
A Constituição Cidadã e os Constituintes não foram capazes de enfrentar. E, ao não enfrentar, nós não enfrentamos o nascedouro da militarização da vida — e aqui eu quero encerrar. Por não enfrentarmos o nascedouro da militarização da vida, nós percebemos uma educação militarizada. Apenas no meu Estado, Goiás, há mais de 80 escolas militarizadas, mais de 80 escolas que doutrinam crianças para marcharem, para ficarem uniformizadas, para gostarem de armas. Isso, sim, é um processo de doutrinação.
Então, o policial é gente, é gente diversa, é gente trabalhadora, é gente que sonha com um projeto político real, que lhe dê voz, que lhe dê vez e que não os instrumentalize para a maldade e para violência, como fez o Governo Bolsonaro, que não deu nenhum aumento para os Policiais Federais, para nenhuma das três forças federais, que fez uma reforma da Previdência pesadíssima para as três forças federais, que reduziu a pensão das esposas e dos esposos dos policiais federais e que instrumentaliza o discurso da violência para o ódio e para a maldade.
Em nome dessa gente que é diversa, que é trabalhadora e que sonha, registramos todo o nosso repúdio.
Nós vamos construir esse projeto de País do qual eles e nós faremos parte.
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17:01
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(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Fabrício, por sua participação.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Aí caíram as chapas.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Parabéns por esse instrumento de organização dos trabalhadores, Fabrício. Muito bem.
O SR. VINICIUS CASSIO CORREA DE SOUSA - Eu lhe agradeço, Deputada. Agradeço a todos os camaradas que agora estão acompanhando ou que posteriormente acompanharão este debate, esta apresentação de ideias. Agradeço muitíssimo ao meu camarada José Maria, ao meu camarada Orlando Zaccone, ao meu camarada Fabrício Rosa, ao meu camarada Passinho.
Parabenizo o meu camarada Fabrício Rosa pelo mandato assumido, ainda que em data muito posterior à justa data, mas sei que qualquer pouco tempo é muito tempo, dada a competência desse camarada.
Eu quero, naturalmente, dizer aqui que tenho concordância com as considerações feitas anteriormente e ressaltar alguns pontos. Eu falei do meu camarada Passinho e de todos os camaradas, todos os camaradas. Mas eu quero ressaltar aqui alguns pontos.
O processo de redemocratização no Brasil é um processo inacabado — inacabado. Eu não digo isso somente porque o acesso verdadeiro aos direitos fundamentais ainda não é assegurado ao povo. Eu digo isso também porque falta o reconhecimento, no texto da lei, no texto da Constituição, dos direitos fundamentais que foram suprimidos
por ocasião do estabelecimento dos atos institucionais, do AI-1 até o AI-5, de 1968. Foram suprimidos, por exemplo, o direito ao habeas corpus e direitos políticos. Nessa ordem que vou dizer, foram suprimidos os direitos políticos dos militares e foram suprimidos esses mesmos direitos dos políticos. Em seguida, a população em geral teve seus direitos suprimidos, e o Brasil passou por aquele período nebuloso e terrível que foi a ditadura. Após o período da ditadura, foi iniciado um processo de redemocratização. Nesse processo de redemocratização foi tomado o sentido contrário. Então, se os direitos foram cassados na ordem militares, políticos e civis, foi sendo feita uma abertura, primeiro, para os civis, depois para os direitos fundamentais e os direitos políticos dos políticos de modo geral, mas ainda não se chegou à devolução dos direitos fundamentais dos militares. Incrivelmente, senhoras e senhores, meus camaradas, ainda hoje, no ano de 2024, portanto, 56 anos após o Ato Institucional nº 5, o militar continua não tendo direito ao habeas corpus. A Constituição estabeleceu uma exceção, no art. 142, § 2º: "Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares". Isso é de um absurdo completo e inadmissível!
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17:05
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Eu conclamo os Srs. Parlamentares para que, com prioridade, revejam isso, debatam isso, façam pressão no sentido do reconhecimento dos direitos fundamentais de todos os brasileiros, inclusive dos militares, a começar pelo direito ao habeas corpus, que é o mais essencial, está arrolado no art. 5º e não é assegurado aos militares na hipótese das punições disciplinares militares. Também os direitos políticos, os direitos de cidadania, o direito à reunião, isso precisa ser devolvido aos trabalhadores de modo geral, inclusive aos trabalhadores policiais.
A desmilitarização, enquanto instituição, enquanto polícia, é um processo importantíssimo e está sendo tratada aqui. Eu quero dizer da necessidade de desmilitarizar o trabalhador, o sujeito de direitos que é o policial e até mesmo o trabalhador da Defesa, das Forças Armadas.
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Evidentemente há uma implicação muito positiva na interação com a comunidade, sem sobra de dúvidas. Isso demonstra o quanto é importante primeiro tratar, reconhecer e respeitar o policial enquanto trabalhador, até mesmo para que ele se veja parte e participe de todas as lutas da classe trabalhadora.
Agora, nós não podemos perder de vista naturalmente que, para que as comunidades de fato não apenas interajam com as polícias, mas de fato que as comunidades dirijam as polícias, que as comunidades dirijam a sociedade brasileira, dirijam a política, dirijam as riquezas deste País, nós necessitamos de um processo revolucionário, necessitamos de uma revolução. Foi assim em todas as nações, em todas as nações da periferia do mundo que alcançaram, em algum tempo histórico, a sua soberania e a sua verdadeira independência. Mas, para que essa luta revolucionária seja também um direito de todos, para que a luta pela independência do País seja um direito de todos, também por isso é muito importante e essencial que os militares tenham os seus direitos fundamentais devolvidos na íntegra, os direitos políticos e o direito ao habeas corpus.
No mais, camaradas, eu quero, mais uma vez, saudar a cada um. Peço que dediquem a sua atenção a esse nosso debate, a esse tema caríssimo e importantíssimo que é a segurança pública, mas, sobretudo, ao direito constitucional e aos direitos fundamentais do cidadão brasileiro e do militar.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito bom, Vinicius. Muito obrigada.
Eu já vou também solicitar uma análise técnica legislativa sobre essa temática do habeas corpus, desse art. 142, para vermos de que forma podemos atuar sobre ela, porque, de fato, como eu estava comentando aqui com o Zaccone, eu não fazia nem ideia de que havia essa limitação tão óbvia de um direito fundamental de qualquer cidadão brasileiro de forma específica nas regras dos militares.
E também, quanto à temática que o Fabrício levantou sobre o estatuto da mulher policial, sobre a cota. A cota é um instrumento de inserção, mas, na verdade, é uma cota inversa, é uma limitação para as mulheres policiais. Se eu não me engano, a Deputada Erika Kokay aprovou, no dia de hoje — inclusive registro aqui a sua presença —, a possibilidade de uma audiência pública na Comissão da Mulher sobre essa temática ou um grupo de trabalho específico, porque há algum tempo, na verdade, principalmente em função do concurso aqui do Distrito Federal, elas trazem essa temática, e a Deputada Erika Kokay sempre traz também.
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Eu queria inicialmente agradecer à Deputada Sâmia Bomfim, que prontamente acolheu o pedido para realizar a audiência, ao Deputado Glauber Braga e à Comissão de Legislação Participativa, que aprovaram, e aos demais camaradas que estão aqui compondo a Mesa.
Acho essa discussão bastante importante. Ela é parte de um esforço que vem sendo feito já há um tempo para que possamos colocar na sociedade esse debate. Esse pode ser um primeiro passo, mas é um primeiro passo bastante importante. Eu acho necessário que asseguremos que ele tenha desdobramentos depois.
O meu ponto de partida nessa discussão, até pela minha localização na luta da classe trabalhadora brasileira durante já muito tempo, é sobre como nós enfrentamos a violência policial contra os setores mais desprotegidos da população, especialmente os setores mais pobres, negros e negras fundamentalmente, e também a violência da polícia contra as demandas legítimas e as lutas legítimas da classe trabalhadora.
Nós estamos, nesse momento, tendo expressões disso, como vocês devem estar sabendo. Ainda ontem, foi retomada a chamada Operação Escudo, em São Paulo. Nas duas primeiras fases dessa operação, já foram assassinadas mais de 80 pessoas. Ela foi retomada novamente ontem. O Governador de São Paulo e o Comandante da Polícia, que é o Secretário de Segurança, o Capitão Derrite, têm se esmerado na demonstração à sociedade brasileira de uma forma bárbara de tratar essa questão. Mas esse é só mais um exemplo, infelizmente, que se perde em muitos outros que nós temos visto no País.
Também há a forma como temos sido tratados. Nós estamos vivendo novamente outra onda de desocupações contra pessoas que não têm como viver como lhes garante a Constituição. Elas ocupam um terreno vazio, e a polícia vai lá com bomba, cassetete e bota todo mundo para fora.
Então, essa preocupação é o ponto de partida desse debate para mim. Agora, ao mesmo tempo em que é necessário reafirmarmos que, sim, há que denunciar, há que exigir punição dos policiais que praticam crimes contra a população, dos seus comandantes e do seu Governador, porque o soldado é mandado, ele não faz aquilo por iniciativa própria, nós precisamos ir além disso, sob pena de ficarmos enxugando gelo.
Eu acho que temos que buscar uma compreensão mais profunda desse processo, que se trata, na verdade, de um sistema. Se nós não compreendermos isso, para cada soldado que conseguirmos tirar das ruas porque se comprovou um crime que ele cometeu, o sistema produzirá mais dois, mais três. E nós não terminaremos com isso nunca.
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - É um projeto, exatamente, porque é um sistema que a nós, a população, parece um absurdo, só há desastre, só há erro, mas, não, ele foi construído e organizado para dar esse resultado que está dando, porque, na verdade, ele foi construído para proteger os interesses das elites dominantes que governam o País, que controlam, que são os donos do dinheiro no País, que, em última instância, mandam na sociedade brasileira. Esse é o sentido da existência desse sistema de segurança pública que nós temos no País.
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E é o grande empresariado, é o sistema financeiro a serviço da defesa dos interesses desse setor que aparece para a sociedade travestido de interesses do Estado, como se fosse uma coisa de todo mundo, mas, não, é de um setor bastante minoritário da sociedade, um sistema fundado na desigualdade, na injustiça e nessa violência, porque toda desigualdade e injustiça só se mantêm permanentemente no tempo através da coação, porque as pessoas tendem a reagir contra isso.
Então, desde esse ponto de vista, essa violência que é exercida para defender os interesses daqueles que controlam o sistema é exercida contra quem? Contra as pessoas que são excluídas justamente da riqueza que é produzida por essa sociedade e dos recursos que o País tem, para que esses recursos e essa riqueza possam ser concentrados em cima da pirâmide, na mão dos grandes empresários e do sistema financeiro. E a população mais pobre e a classe trabalhadora que têm os seus direitos desrespeitados. É um sistema que, em última instância, tem como função a contenção social, a contenção da pobreza e a contenção das lutas da classe trabalhadora, que, de uma forma ou de outra, questiona essa desigualdade, que é resultado desse sistema.
Se nós estudarmos a história do País e a história da constituição das polícias, vamos ver isso de maneira quase que desenhada. Isso vem desde os jagunços que eram contratados pelos donos de escravos para perseguir os escravos fugitivos até hoje. A estrutura básica era apresentada antes na República Velha, no Brasil Império, no Brasil Colônia, como defesa do Estado, e isso segue até hoje. Ou seja, trata-se de uma política de Estado.
E a militarização da segurança pública não é um conceito só da Polícia Militar, ela vai se estendendo. É aquilo que o Zaccone já falou: o último grande massacre lá no Jacarezinho foi cometido pela Polícia Civil. Essa última lei orgânica da Polícia Militar, que foi aprovada aqui, estende para a Guarda Civil várias atribuições que antes eram só da polícia, além de estender, de ampliar as atribuições da Polícia Militar. E essa militarização é funcional para esse objetivo, com a cadeia de comando rígida, essa disciplina de ferro, que é imposta, organizando as polícias à imagem do que é o Exército, porque a Constituição definiu a Polícia Militar não só como órgão auxiliar, como força auxiliar do Exército, ela foi estruturada tomando como exemplo o Exército.
Gente, o Exército se organiza para lutar contra outro exército, contra o inimigo, para matar ou morrer. Eles organizaram um exército para lutar contra a população brasileira, porque a Polícia Militar não atua para defender o País de uma agressão estrangeira. Então, isso tem funcionalidade, isso não é um acidente, isso é organizado com esse objetivo.
E aí entra o problema, que era um dos temas fundamentais desta audiência, que é a brutalização dos policiais, ou seja, o desrespeito aos direitos humanos dos trabalhadores que atuam nessas instituições, sejam civis, sejam militares. Isso é também instrumental. É necessário desumanizar o servidor público e o trabalhador que vai ser um policial militar, um policial civil, senão esse cidadão não consegue atuar frente a uma parcela mais pobre da população ou a uma luta da classe trabalhadora do jeito que os comandos precisam que eles atuem.
Vejam, o Zaccone falava da morte dos policiais e das pessoas que a polícia mata. A Polícia Militar do Brasil mata muita gente, mas também morre muita gente da Polícia Militar. E quem morre? São os pobres e pretos, que são os policiais de base, que convivem nessa situação e que vivem nas mesmas comunidades das pessoas que às vezes eles violentam.
Essa desumanização, essa brutalização do policial é necessária para que ele possa cumprir depois um papel, que é quase um papel de jagunço, infelizmente.
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Vejam: isso é uma política de Estado. Quando eu digo isso — eu acho importante frisar —, quer dizer que tanto a brutalização, a violência, o desrespeito aos direitos humanos que os policiais sofrem nas instituições, quanto a violência que é praticada contra a população ou contra trabalhadores que estão lutando por suas demandas legítimas respondem ao mesmo interesse. Em última instância, isso existe, e é organizado assim para salvaguardar os interesses daqueles setores, daqueles segmentos que controlam a nossa sociedade.
Nós vivemos no capitalismo, que é controlado por aqueles que são os proprietários, a grande burguesia. E esta é uma política de Estado porque o Estado responde a esse segmento da sociedade. Nós só vamos entender a barbaridade que tem sido feita pelo atual Governo, pelo Governo Lula, apesar da origem que tem o Partido dos Trabalhadores, se nós entendermos isso.
A última Lei Orgânica da Polícia Militar, que foi aprovada recentemente aqui, com o apoio do PT, é um escândalo. Ela consegue piorar a lei que vem do AI-5, lá da ditadura. Ela piora, não retira nenhum dos instrumentos, nenhum dos institutos bárbaros que aquela lei já tinha, mas consegue piorar.
E, não só isso, essa pregação dele pelo silêncio em relação aos crimes da ditadura, são expressões da mesma incompreensão. A ditadura, como disse aqui o Safate, está aí. Ela está aí na ação da Polícia Militar; está aí na tentativa de golpe que nós tivemos agora no dia 8 de janeiro. E esse problema segue.
Eu faço aqui um parêntese. E vou caminhando aqui para terminar, Deputada Sâmia. Vejam: esta é uma política de Estado, que atende aos interesses desse setor da elite que controla o País. E, enquanto houver capitalismo, vai ser assim. Não nos iludamos. Façamos a mudança que nós quisermos das polícias, elas vão seguir defendendo os interesses das elites dominantes.
Por isso é muito importante, eu acho, que compreendamos que uma libertação definitiva, seja da classe trabalhadora, seja dos próprios policiais, dessa opressão que eles sofrem só vai vir quando conseguirmos superar esse sistema. É preciso compreendermos isso para que os policiais entendam que devem buscar unidade com a classe trabalhadora, para enfrentar os problemas e as mazelas que afligem a sua vida, assim como os trabalhadores têm que apoiar as demandas justas, legítimas, pelas quais lutam os policiais. Deve-se apoiar a luta pelo direito dos policiais.
Mas, fechando o parêntese, qual é o tema que está colocado, que eu acho fundamental, nesse debate, que, aí sim, é um tema que deveria unir praticamente o conjunto da sociedade? O tema Desmilitarização, o tema Luta por um direito democrático. Não estou aqui mais falando de capitalismo, de socialismo, mas de um direito democrático. Estou falando do direito da população de não ser agredida pela polícia, que deveria protegê-la; do policial, que é pago pela população para, em tese, defender os direitos da população, e ele mesmo não tem direito nenhum.
Essa é uma necessidade, é um direito democrático que os policiais possam ter, os seus direitos trabalhistas, os seus direitos sociais, como qualquer outro trabalhador, e é um direito da população controlar, ter controle social sobre o sistema de segurança pública, que deveria ser para a segurança do público, da população. É dessa luta que nós queremos tratar.
E, camaradas, não há como enfrentar — buscando as razões mais a fundo — a violência policial contra os setores da população e a classe trabalhadora, ou a violência que os policiais sofrem dentro da sua instituição, sem tratarmos do tema da desmilitarização. Isso é um problema fundamental, é um problema democrático.
Este é um debate que nós precisamos tratar, inserindo a sociedade.
Se nós observarmos a aprovação dessa Lei Orgânica da Polícia Militar aqui no Congresso Nacional ou a atitude que o Governo atual tem tido frente a esse tema, nós vamos ver que não estamos tratando de um tema fácil de se resolver. Nós precisamos criar força social que pressione, seja no Parlamento, seja no Governo, para que sejam feitas mudanças. Para isso, é necessário que se faça esse debate.
Nós temos que chamar os setores todos — a Priscila, da OAB de São Paulo, que está nos acompanhando; o Claudinho, que está aqui, que é ouvidor das Polícias de São Paulo; o Movimento Policiais Antifascismo; os Deputados. Nós temos que tratar de colocar na rua esse debate, ganhar setores cada vez mais amplos da população para a necessidade da desmilitarização da segurança pública, para enfrentarmos o problema da violência com a população, para enfrentarmos o desrespeito aos direitos humanos dos próprios policiais, para que possamos ter um controle social maior, pelo menos.
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Nós não vamos acabar com esse problema, enquanto houver essa sociedade. É obrigação nossa lutar para que os direitos democráticos da população sejam respeitados e o direito democrático dos policiais também seja respeitado. Eu acho que essa é a luta.
Nós temos que ver de que maneira nós daqui podemos desdobrar iniciativas para reproduzirmos esse debate por todo o canto que pudermos e tomarmos iniciativas concretas que possam servir como ponto de apoio, seja para disseminar a discussão, seja para apoiar os policiais que querem ter uma atitude mais digna como trabalhadores a serviço da população, e que são perseguidos por isso, para que eles possam ter um resguardo, uma guarida.
Eu acho que se tomarmos iniciativas nesse sentido, nós vamos conseguir avançar, dar passos. Como eu disse, esse aqui pode ser um primeiro passo. Mas ele tem que ser só um primeiro passo, porque nós precisamos avançar nessa discussão.
A tendência — digo isso para encerrar, Deputada Sâmia — que nós temos, no cenário político que vivemos não só no Brasil, mas também em todo o mundo, é pensar que isso não é uma coisa animadora. Por exemplo, em São Paulo, não existe só a operação que nós estamos vendo agora. Em São Paulo, o Derrite, que é o Secretário da Segurança, mudou todo o Comando da PM. Botou inclusive gente mais nova para dirigir os mais velhos, botou gente alinhada com esse tipo de ideia de que "Eu vou acabar com os problemas na base da pancada, da violência".
Ele trocou agora o comando intermediário, e vai construir quase que uma milícia a serviço dele, com esse tipo de política. E se nós não enfrentamos esse debate a fundo, isso vai convencer os setores da população.
Por que isso é grave? Aquilo que está acontecendo em São Paulo é uma barbárie, mas houve uma pesquisa na Baixada Santista e 72% da população a apoiou. Nós fizemos dois atos em São Paulo contra aquele massacre. Em Santos, houve um ato a favor, porque, na miséria em que vive a sociedade, na angústia que vive todo mundo, o cara vai beirando o desespero — porque as pessoas vão vivendo em condições de vida cada vez piores — e qualquer demagogo que chegue a dizer que "Eu vou acabar com isso aqui na pancada" as pessoas acham que a solução pode ser por aí.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Imagina! Tranquilo. Obrigada, José Maria.
Inclusive quanto a essa sugestão, a esse encaminhamento que você está propondo, de esta não ser uma audiência pública que se encerre em si mesma, a Comissão de Legislação Participativa está à disposição. Ela é o instrumento para isso, seja, depois, como um instrumento para organizar audiências nos locais de trabalho, nas bases, seja como um instrumento de proposição legislativa, porque eu acho que, quando isso é alinhado a uma proposta institucional, mas colada principalmente a uma mobilização de trabalhadores, a uma demanda real, ela tem maior força para visibilizar o debate.
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Vemos se agravando muito a situação. Isso que o José Maria disse é corretíssimo, de que, muitas vezes, a população, por uma situação de desespero, acaba se agarrando a essa saída, que, na verdade, é contra a sua própria vida. Às vezes, por uma dificuldade, enfim, por uma abstenção ao debate da nossa parte, eles acabam abraçando essa saída, que é absolutamente reacionária.
Quero cumprimentar especialmente aqui o José Maria pela provocação, necessária, importante para que este momento pudesse ocorrer.
Quero cumprimentar também a Deputada Sâmia Bomfim por ter aceitado a provocação e levá-la a cabo. Em razão disso, estamos aqui discutindo, debatendo esse tema tão fundamental e importante.
Ainda quero cumprimentar não só todos os policiais que estão conosco aqui, os que também não estão presentes, os policiais antifascismo, mas também os policiais que não se enquadram nesse grupo de policiais antifascismo, mas que estão aqui conosco discutindo, dialogando e construindo perspectivas de melhoria das condições de vida e de trabalho das nossas polícias de todo o Brasil.
Ao cumprimentar todas as pessoas que estão conosco aqui, que não são policiais, aproveito para também agradecer as falas anteriores aqui do Vinicius, do Luiz Fernando, que ainda não o ouvimos, do Orlando Zaccone, do Fabrício Rosa, do Ederson, do José Maria. Daqui a pouco vamos ouvir a Priscila.
Acho que esse debate é fundamental, inclusive para colocarmos algumas coisas nos seus devidos lugares. Essa perspectiva que temos, de herói, de atribuir ao policial um heroísmo, que, na nossa opinião, contribui para colocá-lo numa situação de desumanização e consequente desumanização do outro também, porque, quando o cidadão não percebe que seus direitos humanos estão sendo observados, ele também se descompromete de observar os direitos humanos dos outros.
Discutirmos o tema no sentido de trabalharmos na perspectiva da humanização dos policiais é fundamental, é importante. Mas é legal pensarmos sob que perspectiva estamos discutindo as nossas polícias. Eu acho que este é ponto pacífico: a relevância, a importância que as polícias têm nos nossos Estados, nos nossos territórios. O serviço que a polícia faz é fundamental, essencial, garante a ordem e permite que se consiga viver num ambiente pacífico. Isso é muito importante, e tranquiliza a comunidade.
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O que baseia a formação da polícia — e é importante que as Deputadas Sâmia e Erika Kokay também saibam — é o Decreto nº 667, 1969. Neste momento estamos vivendo sob uma nova lei orgânica, que foi aprovada este ano e sancionada pelo Presidente da República. Mas mesmo com essa lei orgânica, o decreto continua vigorando. No caput desse Decreto nº 667, de 1969, Deputada, consta uma citação objetiva ao AI-5 da ditadura militar. Por aí, já se começa a ter, um pouco, uma noção acerca da base de formação das nossas polícias em todos os Estados.
É importante ressaltar — e eu acho que o José Maria foi a pessoa mais precisa nesse sentido — que falar da Polícia Militar sob a perspectiva de que nós é que temos atacado, essa coisa do discurso fácil, do discurso comum, do senso comum de que "bandido bom é bandido morto", é algo que pode tranquilamente acontecer em todas as Polícias Militares do Brasil. Esse sistema de segurança pública está sendo aplicado em todo o território nacional, em que há não só Governos extremamente de direita, como é o caso de São Paulo, mas também Governos Progressistas, como é o caso, por exemplo, da Bahia, do Ceará e de outros Governos.
O desafio é muito maior, porque não basta mudar o Governo. Sobre isso, eu acho que as falas que me antecederam aqui foram muito relevantes. Precisamos mudar a política de segurança pública. Precisamos restabelecer a ordem no que diz respeito à perspectiva de se pensar a entrega da política de segurança pública. E aí vamos esbarrar em uma série de desafios. Por exemplo: temos pessoas que são expoentes nacionais da política de segurança pública que defendem que quem nunca sentou numa viatura não pode discutir segurança pública. Mas quem nunca parou na frente de uma lousa pode discutir educação. Quem nunca sentou numa universidade de medicina, pode discutir saúde.
Mas na política de segurança pública há pessoas que fazem esse tipo de defesa, por exemplo, que eu acho um absurdo, porque se é uma política pública, por que não o debate público sobre ela? Ou as pessoas que estão aqui que não são policiais, por exemplo, não têm condição de falar qual política pública querem receber de segurança pública?
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Há outros incisos aqui. Mas vejam que a vida é o primeiro bem inviolável. E nós trabalhamos numa segurança pública sob a perspectiva de "bandido bom é bandido morto". Nós acabamos de viver essa situação em São Paulo. Vejam só: nós tivemos um policial militar, do Estado de São Paulo, que esteve numa ação no Morro de São Bento, na Operação Verão. Lá havia duas pessoas. Os policiais, segundo informações, chegaram pela mata. Eles são de um destacamento da polícia, que é de selva, o COIN. E, segundo denúncias, eles já chegaram atirando nas pessoas. Morreram duas pessoas. Dentre essas, uma era deficiente físico, que andava amparada por um par de muletas.
Passado 1 mês, esse policial que estava envolvido nessa ocorrência estava andando na Zona Sul de São Paulo e tomou uma fechada de um carro de Uber. Ele resolveu desembarcar da sua moto e fazer uma abordagem a esse motorista de Uber, quando chegou uma viatura de patrulhamento e fez simplesmente seis ou sete disparos de arma de fogo contra esse policial que estava abordando o Uber.
Perceba, Deputada, que essa lógica de que "primeiro atira, depois pergunta" é nefasta, tanto pode ferir a sociedade como pode ferir o policial. O policial foi morto porque foi confundido com o bandido, sob essa perspectiva de "primeiro atira, depois pergunta". Os policiais que chegaram poderiam ter feito uma abordagem, poderiam ter pedido para essa pessoa se identificar, etc., etc., etc. Tenho certeza absoluta de que, em hipótese alguma, ele apontaria a arma dele para os policiais do patrulhamento, conhecedor que é do método, do procedimento operacional padrão. Então, vejam isso.
Coisas muito relevantes já foram ditas aqui. Mas também é muito relevante gastar-se "tinta", que é o papel que é atribuído aos policiais, especialmente aos policiais da base das instituições policiais. Estou falando dos praças, dos soldados, dos cabos e sargentos.
Essas pessoas não têm o direito de opinar sobre política de segurança pública. O cidadão que defende que só pode falar de segurança pública quem sentou na viatura, não, isso não existe. Esse cidadão que defende que só pode discutir segurança pública quem sentou numa viatura também sabe que o soldado, o cabo, o sargento não podem opinar sobre gestão da política. Ele não pode, sequer, questionar uma ordem do superior hierárquico dele. Ele sabe disso, sob pena de assinar um crime militar de insubordinação, que é considerado crime hediondo, mas ele pode ir para a rua.
Para além disso, há também debates relevantes, como proteção social aos policiais e aos seus familiares, que não existe em lugar nenhum deste País, e baixa valorização. E aí, quando se fala de proteção social, falamos de educação, de saúde, de habitação. Baixa valorização salarial leva o policial a fazer bico. Em São Paulo — pasmem! — existe o bico ilegal e existe o bico legal. Qual é a consequência de se fazer o bico na vida?
"Mas o cara só está ganhando um dinheirinho a mais." Não, ele não só está ganhando um dinheirinho a mais. Ele trabalha numa atividade extremamente extenuante, que é ser policial. É muito extenuante ser policial. Agora, se é muito extenuante ser policial usando uma farda, um colete, uma viatura e com um colega consigo, os dois armados protegendo um ao outro, imaginem o quanto é extenuante o cara sem farda, sem colete, sem o colega, armado protegendo o patrimônio do outro! É muito mais extenuante.
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Os policiais precisam fazer bico porque, se não o fizerem, vão morrer de fome, Deputada. Isso é simples assim. E em São Paulo agora nasceu um advento do bico legal, o bico que a própria corporação oferece, que é a DEJEM; no caso das Prefeituras, as operações delegadas, etc. Essa carga de atividade é tão grande, tão extenuante, que leva o policial ao adoecimento mental. No ano passado — pasmem —, 9 policiais da corporação Polícia Militar do Estado de São Paulo morreram em confronto e 31 morreram de suicídio.
O nosso Secretário de Segurança está muito preocupado com os policiais que morrem em confronto. É muito relevante se preocupar com quem morre, especialmente nas condições em que os policiais morrem em confronto, mas a vida do que morre de suicídio não é menos importante da do que morre em confronto. O que se faz para responder ao suicídio? Qual resposta nós estamos dando? Qual resposta nós estamos dando ao suicídio? Qual resposta nós estamos dando aos níveis de adoecimento mental, que faz, por exemplo, um sargento da polícia entrar na companhia e matar um capitão e outro sargento? Qual resposta nós estamos dando para essas questões? Qual resposta nós demos a um capitão que entrou num dormitório e matou um sargento que estava dormindo? Eu quero saber se vai ser deflagrada a Operação Escudo para defender o direito desse policial de viver, ou daqueles 31 que se suicidaram, que foram levados ao suicídio. Eu quero saber se vai ser deflagrada a Operação Escudo, a Operação Verão, qualquer operação, como diria o nosso Governador, o raio que o parta, para defender esse cidadão, esse ser humano que está em sofrimento psíquico e é levado a essa situação.
Tenho certeza absoluta de que uma série de questões que chegam à Ouvidoria não deveriam chegar nem à Ouvidoria nem à Corregedoria se existisse um programa integral de atenção à saúde mental dos nossos policiais. Muitas vezes, essas reclamações nos chegam em razão de os policiais serem levados à condição de praticar um mau atendimento, uma agressão. Entre outros fatos ocorridos em São Paulo no ano passado, cito o de policial que agrediu uma senhora de 70 anos com um soco no rosto. Houve o caso de um morador em situação de rua que foi amarrado e carregado como se estivesse num pau de arara, dentro de uma unidade de saúde, e muitos outros casos. Então, é disso que estamos falando, é sobre isso que estamos falando.
E aí, senhores, não há jeito. As câmeras operacionais que os policiais carregam no seu fardamento são uma ferramenta fundamental de defesa do bom policial. As câmeras operacionais colaboram para que o policial cumpra os procedimentos operacionais padrões. Além de defenderem a sociedade, as câmeras defendem o policial, especialmente o bom policial, o policial que quer fazer o trabalho que precisa ser feito. Então, a tecnologia pode ser uma aliada fundamental para aprimorarmos as políticas de proteção aos nossos policiais e à nossa sociedade.
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17:45
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Outro dia, José Maria, eu ouvi um membro do Governo dizer, uma pessoa da Secretaria Nacional de Segurança Pública, que nós não tínhamos condições de discutir a desmilitarização porque não existia uma formulação consistente sobre isso na nossa sociedade. É lógico que quem esteve naquele encontro saiu de lá achando que aquela pessoa é de outro planeta, porque há muito tempo eu vejo vários movimentos, inclusive no próprio meio universitário, na academia, na ciência, discutirem os caminhos para pensarmos uma polícia mais humana, uma polícia mais respeitosa, uma polícia que respeite os cidadãos e as cidadãs, de forma mais cortês, qualificada.
Antes, porém, registro que, em São Paulo, a Ouvidoria tem uma relação muito qualificada com as forças de segurança. Pode não parecer, mas tem. A nossa relação com a Polícia Militar é muito qualificada, institucional e respeitosa. A nossa relação com a Polícia Civil e com a Polícia Científica também vai na mesma linha, é respeitosa, institucional e muito qualificada. E é lógico que vocês já devem imaginar que a nossa relação com o Secretário de Segurança Pública não caminha na mesma perspectiva — nós estamos fazendo essa pergunta desde que entramos —, porque, no nosso plano de atuação na Ouvidoria, temos uma trilha na perspectiva de enfrentar a criminalização da atividade policial, o que eu acho muito relevante.
Temos uma polícia, Deputada Sâmia, que, nos últimos 10 anos, por exemplo, contribuiu para o nascimento de 30 mil crianças. Nossa polícia contribuiu para a realização de em torno de 3 mil partos por ano. Isso não aparece, isso não surge, isso ninguém debate, isso ninguém discute. E sabemos de várias polícias pelo mundo que atuam, por exemplo, como redutoras de dano, que encontram um cidadão caído na rua e o resgatam, oferecem ajuda, levam a um especialista e depois acompanham a evolução desse cidadão. É essa polícia que colabora para as mulheres terem seus filhos, que faz parto, que acolhe que desejamos que exista, efetivamente.
A pergunta que eu quero deixar aqui é: a quem interessa que a nossa polícia não seja acolhida e aclamada pelo povo? A quem interessa? Essa pergunta precisa ser respondida. Interessa à Esquerda? Interessa à Direita? Interessa aos oficiais? Interessa, como disse o José Maria aqui, aos donos do capital? A quem interessa que essa polícia não seja acolhida e aclamada pela população que ela atende?
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Eu é que agradeço, Claudio, pela excelente explanação.
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17:49
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Senhores, sinto-me muito honrado pelo convite, e também contemplado pelas falas dos colegas anteriores. Mas uma das coisas que mais me preocupam nessa situação toda...
(Falha na transmissão) anos de polícia. Fui informado em 2008 de uma política com a frase de que eu tinha direito de não ter direito, eu e meus companheiros. Muitas vezes, as pessoas, estendendo os crimes da instituição à questão do policial, como se ele fosse absolutamente incapaz de qualquer individualidade, como se nós não (falha na transmissão). E isso é muito (falha na transmissão) discutir sobre racismo com o policial (falha na transmissão) só é tocado para chamá-lo de capitão do mato. Como é que eu vou pedir ao policial que defenda direitos humanos (falha na transmissão) determinação moral se ele mesmo não se sente sujeito de direitos humanos? Então, a situação é muito complicada.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Passinho, desculpe-me interrompê-lo. Queria lhe fazer uma proposta. Se puder tirar o fone de ouvido, talvez o som fique melhor. O som está um pouco falhado. Acabamos perdendo palavras no final da sua frase.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - O som está melhor assim. Obrigada.
Continuando, o grande problema é que, se o policial se sente excluído de políticas de direitos humanos, se as políticas antirracistas só manifestam o nome dele para acusar, nunca quando ele é a própria vítima do racismo, nós não vamos ter diálogos, muito menos com os entes queridos desse policial.
Nós passamos por traumas terríveis aqui. Nesse período em que eu tenho lutado, de 2012 até aqui, centenas de policiais, literalmente, foram assinados. E nós não conseguíamos qualquer repercussão a respeito disso. A repercussão que nós tínhamos era a de oportunistas, que tentavam, faziam de tudo para nos atiçar a reprimir crime com crime. Essa é a política do "bandido bom é bandido morto". Mas aí também entra uma frase pouco citada — acho que devia ser mais: "Soldado morto, farda em outro". Entendem? Nós simplesmente somos descartados. Não podemos reclamar de nada, porque nós somos tratados não como ponderadores, e sim como criadores de problema. Então, como fazermos alguma coisa?
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Toda essa minha participação nas lutas me rendeu muita confusão. Eu fui brutalmente perseguido. Eu dependi completamente... Eu não tive como fazer, por exemplo, o meu tratamento pelo plano de saúde do Estado nem pela instituição, e isso acontece com milhares de policiais. Ainda há o fato de que, a partir da reforma da Previdência, os policiais reformados por questão psiquiátrica, como eu, estão vivendo com um salário mínimo.
Eu vi um policial ser expulso porque criticou o Governador Helder Barbosa. Fez uma crítica normal, dessas que qualquer pessoa faz na Internet, e o cara tinha mais tempo de polícia do que eu tenho de idade. Então, o que aconteceu? Ele perdeu os direitos dele, todas as prerrogativas militares, e só ficou recebendo a aposentadoria porque não há como tirar a contribuição. A partir do momento em que nós somos excluídos de qualquer processo democrático, a partir do momento em que nós não podemos discutir minimamente a situação em que vamos arriscar as nossas vidas, nós nos sentimos desmoralizados. Aí, das duas, uma: ou o policial passa a ser aquela força cega que não se atreve a desobedecer, ou ele passa a se dedicar a serviços paralelos, sejam eles legais ou ilegais.
Nós não podemos permitir que se continue com essa política de uma polícia com a cabeça descolada do corpo. Quando reivindicamos qualquer coisa, somos tratados piores do que se fôssemos milicianos, de verdade. Eu vejo que a maioria dos milicianos conseguem ficar anônimos; nós, quando brigamos por direitos, não. Fui chamado de miliciano por movimentos que apoiei, porque eu estava por conta das manifestações contra assassinato de policiais. Então, ficamos desmoralizados dentro da nossa própria base.
Direitos humanos não são uma coisa para brincar. As pessoas nos condenam por muitas coisas. Não querem nos analisar. Com relação à situação da criminalidade civil, condenam-nos por não fazermos uma análise sociológica histórica aprofundada. Mas e quanto a nós? Não adianta nos apontar só para acusar ou gritar contra o punitivismo, mas ser punitivista quando o réu é um policial. Senão, não vai haver como criar consciência de classe entre nós. Consciência de classe hoje é privilégio entre os policiais. É privilégio mesmo.
O que mais me preocupa nesse ponto é que nós temos legislações que, quando não são remanescentes da ditadura, são derivadas dela, com pouquíssimas modificações. Até hoje, apesar de não vermos tanto alarde, o militar ainda precisa pedir autorização ao comando para se casar, por exemplo.
Então, imaginem a situação de um policial LGBT ter que pedir esse tipo de autorização, e ver esse documento circular pelas mãos de várias pessoas. Nem todo mundo se sente à vontade para falar disso no trabalho, ainda mais dentro de uma corporação machista, como a Polícia Militar.
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Outra situação é a das mulheres. Quatro mulheres da minha família são da Polícia Militar. Minha mãe é uma das policiais mais antigas do Pará. Eu escuto desde pequeno as histórias de assédio, as histórias de abuso moral, sexual. Com isso, as mulheres se sentem muito retraídas para reclamar, para tomar a frente. Aí, um cara, um homem... Sinceramente, não me caberia falar disso, porque essa é uma luta das mulheres, mas acabamos tendo que tomar a frente. Senão, não acontece nada.
É muito necessário que as pessoas simplesmente, na hora de verificar demandas humanitárias ou demandas trabalhistas, esqueçam essa ideia de que o policial é um inimigo do trabalhador, de que o policial é a máquina de opressão do Estado. Eu não sou uma máquina. E eu poderia convencer muito mais colegas se não fosse desmoralizado por esse discurso.
Em 16 de novembro de 2016, policiais do choque estavam colocados na frente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro para barrar a manifestação dos funcionários públicos que estavam tendo seus salários parcelados. O que aconteceu? Dois desses policiais — pelo menos, foram dois os que apareceram nas filmagens — abandonaram a formação porque não queriam reprimir aqueles trabalhadores. Eles foram presos por isso. Houve qualquer comoção por causa disso? Houve qualquer notinha de repúdio ou de apoio com respeito à prisão deles? Não. Os caras que poderiam ser um exemplo a ser seguido com relação a essas manifestações públicas, ou ao direito de manifestação do trabalhador, agora vão ser tachados de doidos. Não sabemos nem se eles ainda são policiais, se eles não foram expulsos, se eles não tiveram qualquer consequência mais pesada por conta disso. Eu não consegui encontrar sequer o nome deles. Isso acontece muito mais do que se pensa.
A batalha, companheiros, não é simplesmente tirar o caráter militar da polícia. Como já disseram aí, mesmo com caráter civil, a violência que sofremos, e a que cometemos, é consequência de uma lógica muito maior, de um projeto muito maior. Precisamos simplesmente extirpar, como câncer que são, essas legislações que restringem, que tratam como motim uma simples reclamação por condição de trabalho. Nós fizemos várias denúncias com fotos dos locais de trabalho. Fomos forçados a cumprir ordens ilegais.
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Antes de existir Polícia Penitenciária aqui no Pará, era a Polícia Militar que tomava conta dos quartéis. Nós éramos constantemente levados para dentro do presídio, numa situação completamente ilegal.
Então, se for para mudar alguma coisa, primeiro, façam conosco o que os senhores cobram de nós. Os senhores cobram que nos restrinjamos ao cumprimento da lei com relação à criminalidade civil, mas é preciso também que nos permitam discutir pessoalmente a legislação da qual temos sido vítimas — não há outra palavra.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Passinho, nós que agradecemos.
O companheiro José Maria estava me relatando um pouco a sua situação. E, se entendi bem, você foi vítima, na verdade, de um assédio moral dentro da corporação por ter apoiado uma mobilização de mulheres policiais. Em função disso, você está afastado das suas funções há 2 anos, com um salário mínimo de provimento, e não consegue retornar.
Eu queria nos colocar, enfim, colocar a Comissão — depois eu debato com o Deputado Glauber, mas tenho certeza do papel dele também nessa ação — para auxiliar também nessa disputa, que é uma disputa política, é uma disputa jurídica. Vamos nos cercar de solidariedade para reverter essa situação, que é muito grave. Uma pessoa ser impedida de desenvolver suas atividades causa uma série de prejuízos financeiros, psicológicos, familiares. Isso é um ataque muito brutal. O trabalhador tem o direito básico de organização, não é nem sindicalização, mas de manifestar uma opinião política em defesa das demais colegas da categoria.
Agradeço o convite feito pela Deputada Sâmia Bomfim ao Conselho Federal da OAB para participar desta audiência pública. Eu sou Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São Paulo e falo representando a Dra. Silvia Souza, Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal. Cumprimento a todos. Estou muito agradecida de poder participar.
Eu saúdo especialmente o José Maria e o parabenizo por, finalmente, conseguir deslanchar esse projeto, que é imenso, que exige de nós um esforço magnífico, que é a desmilitarização das polícias do País. Solidarizo-me com as falas anteriores. Eu faço coro com o Fabrício Rosa, muito arguto, muito preciso nas colocações, como também com o José Maria e com o Claudinho, nosso querido, corajoso e muito competente ouvidor que está nessa luta.
Ele me apresentou alguns temas muito interessantes que foram tratados aqui nesta audiência pública.
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Primeiro, eu fui tentar saber qual é o grande argumento contra a desmilitarização da polícia. Por que se apegar a um modelo arcaico, a um modelo que não funciona, a um modelo, como todos falaram, dissociado da vida dos civis? Por que eles precisam ser tão diferentes, ter uma estrutura tão diferente? Uma das respostas foi que era muito difícil reformar, que era muito difícil mudar esse estado de coisas.
Eu penso que a dificuldade nunca nos amedrontou. A dificuldade é o propósito de vivermos num regime democrático. Pensamos, por exemplo, nas privatizações. Elas sempre foram muito difíceis, mas continuaram acontecendo, para o bem, por mal, mas mudou completamente o cenário dos serviços públicos nacionais. A demarcação das terras indígenas é um tema muito difícil, muito complexo, mas ela está acontecendo, não na velocidade que deveria, mas está. Eu acho que os temas difíceis devem ser enfrentados e vão ser, porque os direitos humanos vão prevalecer e o regime democrático demanda isso.
Como bem colocou o Claudinho, esse tema não é ideológico. Esse tema tem que ser trazido para a técnica, com a proposta de padrões internacionais. Não querermos ter uma jabuticaba para resolver um problema que é internacional. O mundo inteiro tem Forças de Segurança construídas pelo Estado. Por que nos agarrarmos tanto a um modelo tão conhecido pelas suas falhas?
Falando em falhas, acho que a letalidade policial é algo inaceitável, por falhas de formação, por falhas da estrutura de carreira, por falhas desse heroísmo que o Claudinho também sempre nos fala. Há muitas falhas. Há falhas da Justiça Militar. Há falhas do controle da atividade externa. Eu acho que foi importante chamar o Ministério Público para participar. Ele é o órgão que tem essa tarefa de realizar o controle externo das polícias, mas ele não atua mudando, de fato, o que precisa mudar. Então, falamos de falhas na execução dos serviços.
Eu participei, pela Comissão, como observadora institucional, de algumas manifestações, e vi a brutalidade com que eles se apresentam para acompanhar uma manifestação pacífica. Eles se apresentam como se fossem para a guerra, até em manifestações sobre aumento de passagem de metrô. Isso é contra o próprio direito de liberdade. A liberdade de livre expressão do pensamento não combina com esse tipo de atuação das polícias.
Ha outras falhas, como as que o Cabo Passinho, que me antecedeu, fala. Eu acho que tivemos conhecimento, na Comissão de Direitos Humanos da OAB, desse caso dos policiais injustiçados que sofrem as penalidades pelos fatos mais esdrúxulos. E nós sabemos que não há dor maior do que a dor provocada pela injustiça.
E a injustiça sofrida por esses policiais foi dentro de uma hierarquia que não é pautada no bom senso, no trato urbano e na equidade com que as pessoas se tratam no mundo civil.
Então, eu gostaria de pedir, em nome da Comissão e em nome da OAB, que esse trabalho frutificasse, que fosse levado adiante. Ele está muito no sentido da PEC que foi arquivada, não sei se em 2018 ou 2019, de autoria do Deputado Lindbergh Farias, que tratava da desmilitarização da polícia e propunha a criação de uma polícia única.
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O que chamamos de polícia única? A polícia dividida por competência de crime, por competência específica e por território. Isso que é um trabalho de inteligência, um trabalho com especialização, um trabalho com foco em instrumentos de atuação, com base em inteligência e não na truculência, na ostensividade. Não podemos ter medo de quem o Estado nos apresenta para cuidar de nós. É preciso também que a polícia se realinhe aos valores civis com que todas as carreiras e todos os trabalhos se desenvolvem dentro da nossa República.
Eu acho que esse é um trabalho de refundação da República, é uma extrema oportunidade de criarmos um tecido social pacífico que passe pela desmilitarização das polícias.
Eu cumprimento a iniciativa da Deputada Sâmia Bomfim e agradeço a oportunidade de falar aqui ao lado desses grandes e valiosos companheiros de luta, o José Maria, o Claudinho, o Delegado Orlando Zaccone e todos que me antecederam.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Priscila.
Eu quero agradecer, primeiramente, a oportunidade de falar aqui em nome de uma categoria que sofre, que é a categoria dos praças da Polícia Militar.
Quero parabenizar a Deputada Sâmia por trazer esse tema à baila. Em nome dela, cumprimento a Mesa. E, em nome do Deputado Glauber Braga, cumprimento a todos e todas que nos acompanham através da TV Câmara.
Eu quero começar a minha fala me sensibilizando com a família do Sargento Edson Odilon Melo Pinto e com a família do soldado Mesti. Estes dois colegas, agora, no dia 14 de abril, se somaram às vítimas de suicídio da Brigada Militar do Rio Grande do Sul.
Eu quero dizer que esses dois casos não são casos isolados. Eles representam uma realidade nacional, em que, majoritariamente,
quem perece diante dos transtornos psicológicos, quem sucumbe, por conta da depressão, são os praças, os servidores menos remunerados, que sofrem assédio moral, psicológico, e que, infelizmente, não encontram respaldo, muitas vezes, para se protegerem diante dos abusos contra eles praticados.
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18:13
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Eu não poderia deixar de agradecer esta oportunidade que recebo, trabalhando com a Deputada Estadual Luciana Genro, que tem sido fundamental no combate aos abusos, na tentativa de provocar o Governo a tomar uma atitude com relação ao número de suicídios ocorridos na nossa corporação.
Eu preciso dizer que, um dia antes desta nossa reunião, eu recebi a informação de que irei responder um inquérito policial militar, por ter participado, no dia 20 de janeiro de 2022, de um ato contra os atos antidemocráticos. Eu, policial militar, me juntei a professores, a líderes sindicais, em defesa da democracia. Outros colegas meus faziam acampamento em frente ao Exército, e eles não respondem a nada.
Então, nós precisamos, primeiramente, desbolsonarizar as Polícias Militares. Nós precisamos, primeiramente, retirar o bolsonarismo de dentro das polícias. Por que eu falo isso? Porque aquelas pessoas que se manifestam em defesa da democracia são perseguidas, infelizmente. O policial militar é um ser humano. Quando ele tira a farda, ele é pessoa comum, como qualquer outra. Ele tem filho, ele tem mãe, ele tem família, ele vota também, mas não pode manifestar a sua opinião, se for contrário a essa extrema-direita que se apossou das Polícias Militares. É importante deixar documentado isso.
Eu quero dizer também que, na legislatura anterior a esta, foram encaminhados 84 ofícios para o Comando da Brigada Militar e para o Governo do Estado, cobrando explicações com relação aos abusos e assédios sofridos pelos policiais militares. Nós estamos falando de escalas diferenciadas. Nós estamos falando de postos base, que funcionam da seguinte forma: o policial militar precisa ficar parado em um ponto específico, desembarcado da viatura, exposto ao sol e à intempérie. Tivemos denúncias de colegas que ficaram expostos à chuva ao lado da viatura.
Tivemos também denúncias de colegas que foram obrigados a urinar dentro de garrafas PET nesses postos base. Tudo isso, infelizmente, acontece com a anuência do Estado, que se omite. Os órgãos fiscalizadores lavam as mãos, permitindo que estas arbitrariedades, que estes abusos ocorram.
Essas condições e esse tratamento desumano destinado aos policiais militares combinam com a péssima remuneração. No Rio Grande do Sul, os policiais militares estão com mais de 32% de defasagem salarial. Os policiais militares do Rio Grande do Sul, nos últimos tempos, perderam os avanços temporais, as vantagens que tinham, que eram uns 15%, 25%; perderam a promoção na reserva, já que a carreira do servidor militar no Rio Grande do Sul é uma carreira completamente desmantelada. Não há de se falar em carreira. Existe, no nosso Estado, a anomalia de termos três níveis de soldados, ou seja, três servidores que desempenham as mesmas funções são remunerados de forma diferente.
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18:17
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Infelizmente, a reforma da Previdência proposta pelo Presidente Bolsonaro e aprovada pela Câmara significou o confisco salarial dos veteranos da reserva, com alíquotas abusivas impostas sobre o salário desses servidores, que estão neste momento completamente endividados. Há colegas que estão superendividados, que precisam se submeter a bicos, além da sua jornada de trabalho legal em defesa do Estado.
É preciso que se diga que morrem mais colegas no trabalho informal do que na atividade policial, assim como morrem mais policiais por conta do suicídio do que em confrontos. Só no primeiro semestre de 2023, aqui no Rio Grande do Sul, nós já contabilizávamos a morte de seis policiais militares por conta de suicídio. Um dos colegas que eu citei trabalhava no Hospital da Brigada Militar, onde funciona o consultório psiquiátrico. Se nós estamos perdendo pessoas que teriam supostamente acesso mais facilitado a tratamentos, imaginem aqueles que não têm essa possibilidade.
Infelizmente, a forma com que os policiais militares são tratados — eu vou me ater a falar da instituição Brigada Militar — dentro da instituição Brigada Militar requer uma atenção não só da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, mas também dos Deputados Federais, das Comissões de Direitos Humanos, porque, infelizmente, essas pessoas estão sucumbindo diante de tanto desprestígio, diante de tanta desvalorização.
Percebo que policiais militares que desempenham, há mais de 20 anos, atividade policial, atividade-fim, que estão no policiamento nas ruas, foram impedidos de ascenderem profissionalmente,
foram impedidos de fazer um curso interno. Aqui no Rio Grande do Sul, para serem promovidos, além de se submeterem ao concurso intelectual, os policiais precisam se submeter ainda a um teste físico para ver se estão aptos ou não à ascensão profissional. Policiais militares que estão na atividade-fim, no policiamento, foram cerceados, não puderam avançar na profissão porque estavam lesionados, e as lesões, na maioria das vezes, foram ocasionadas por conta da função. Eles tinham problemas de coluna, problemas psicológicos.
No último edital do CTSP, do concurso para sargento, policiais militares que estavam afastados por problemas psicológicos, psiquiátricos e retornaram às suas funções também foram impedidos de progredir na carreira, porque o próprio edital limitava, o próprio edital impedia que essas pessoas pudessem progredir. Foi através do gabinete da Deputada Luciana Genro, com muita pressão, que nós conseguimos que em alguns casos esses colegas pudessem continuar no certame.
Então, percebam todas as atrocidades que acontecem dentro da instituição. Como o policial vai buscar o seu direito, como o policial vai lutar para que esses abusos não sejam cometidos, se ele ficará exposto depois, se nós temos a previsão de uma prisão administrativa? É isso mesmo. Policiais militares são presos administrativamente. Além de terem toda essa carga, ficam afastados de suas famílias, cumprindo prisão por transgressões, não por crimes. Digam-me qual trabalhador é preso por uma falha, por um equívoco na prestação do seu serviço. Mas policiais militares no Rio Grande do Sul ainda são presos por conta de falhas.
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18:21
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Então, é preciso que os órgãos fiscalizadores cumpram com a sua missão, é preciso que os órgãos fiscalizadores olhem o que está sendo feito, porque senão nós seguiremos com essa crescente de policiais que se suicidam, como se tudo estivesse normal.
Finalizo dizendo que, no ano de 2015, eu sofri um disparo de arma de fogo que acertou o meu colete, levei um tiro no peito. O meu colete foi extraviado pela administração, por ordem de um coronel que determinou que fosse colocado na quartelaria, de canto, para que ninguém soubesse. Somente 2 anos depois, após eu ter ingressado na Justiça, o meu colete passou por uma perícia, e a pessoa que desferiu o disparo contra mim está respondendo por isso. Essas coisas acontecem dentro da Polícia Militar.
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18:25
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A minha ficha de renovação do estágio probatório foi extraviada. Tentaram me excluir da Brigada Militar no período probatório porque o coronel tinha problemas particulares com a minha pessoa. Isso que tentaram fazer comigo fizeram com o Fabrício, que foi excluído, a bem da disciplina, porque tentou descobrir o que tinha acontecido com seu familiar militar que foi torturado e morto dentro de um quartel em Cachoeirinha.
Então, é importante o trabalho desta Comissão. É importante que façamos mais, que conversemos mais, porque nós temos muito mais casos a trazer para podermos colaborar com esse processo que se inicia. E é preciso que ele se inicie, para que possamos, de uma vez por todas, garantir os direitos humanos para os policiais militares também.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Ederson, por sua participação.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Está bem. Fique à vontade.
Eu me chamo Israel, faço parte do Brasilândia Nossas Vidas Importam, que atua na região norte da Capital de São Paulo, na região de mesmo nome, Brasilândia. Nós atuamos, há algum tempo, no apoio a famílias que têm entes que sofrem violência do Estado, desde prisões forjadas até assassinatos, no último período.
Queria agradecer o convite para estar aqui, hoje ao Zé Maria, do PSTU, e à Sâmia, também, por ter abraçado a iniciativa e por termos esta Mesa bastante qualificada.
Queria saudar o debate também. Eu acho que foi muito importante. Saio daqui com uma reflexão, que eu gostaria de mencionar antes de passar para o recado que eu quero dar. Talvez nós tenhamos que começar a contar dentro do genocídio do povo negro essas mortes dos policiais, coisa que normalmente não se faz.
Por tudo que vocês expressaram, evidentemente que quem morre, pela lógica de guerra dos Governos, que nada sofrem, que ficam nos palacetes tranquilamente, são os policiais e, às vezes, aquele menino — eu já conheci vários na Brasilândia — que tem o sonho de ser policial militar, porque ele entende que dá para passar no concurso público, entende que vai ter estabilidade e vai ter um futuro, mas, lá dentro, acaba se tornando outra coisa e se voltando contra o seu próprio povo.
Lá na Brasilândia não há Operação Escudo e não há Operação Verão, mas há genocídio do povo pelas mãos da polícia, como em toda periferia.
Eu trouxe, na verdade, um dossiê, e depois queria passar para vocês a versão on-line dele, para falar sobre dois casos que são bem representativos. Um se refere a dois jovens que tiveram uma prisão completamente ilegal, mas confirmada pela Justiça, desde o ano passado: o Lucas Mirtzrael e o Samuel Mohamed. São dois jovens negros que foram presos na região do Jardim Elisa Maria, que é parte da Brasilândia. E, mesmo com imagens colhidas pela família que mostravam que eles não estavam no local do crime no momento,
mesmo com o depoimento — o que efetivamente se comprovou — de uma das pessoas que participou do sequestro do qual eles são acusados dizendo que não os conhecia e que eles não tinham nada a ver com a coisa, mesmo com um deles sendo operário numa fábrica e o outro, desempregado no momento, não tendo problemas anteriores, mesmo com isso, todas as tentativas de reverter a prisão foram confirmadas. Na verdade, eles estão há mais de 1 ano presos.
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18:29
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Queria deixar a imagem do que a mãe do Lucas, a Adailza, uma vez contou. Quando o Lucas foi preso, o filho dele tomava banho e esperava o pai todos os dias porque ninguém conseguia contar para ele que o pai dele estava preso. O filhinho dele de 4 anos tomava banho, se aprontava e esperava no sofá o pai chegar, mas o pai nunca chegou, e faz mais de 1 ano que não chega. Isso é para vocês terem noção do quanto essa família está sofrendo. Por isso, queria deixar registrado, e isso está no dossiê que depois vou passar para vocês.
O segundo caso, que tem a ver com o vídeo, é o mais recente. Nesse ano, houve um caso de assassinato na Brasilândia que provavelmente alguns de vocês devem ter visto nos jornais. Foi o assassinato do Matheus Menezes, atacado quando andava de moto perto da Vila Penteado, que é parte da Brasilândia. Ele subia de moto com um colega próximo a um baile funk, como tantos jovens da região, e foi surpreendido por um tenente do 18º Batalhão — que é o batalhão da nossa região —, que inclusive era o responsável pela operação, com um golpe de fuzil, e esse fuzil perfurou o pescoço do Matheus, que morreu pouco tempo depois. Ele andou um pouquinho mais, perdeu o equilíbrio e morreu, porque foi praticamente degolado com um fuzil.
(Exibição de vídeo.)
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18:33
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Queria pedir para todo mundo que assistiu a esse vídeo que, na medida da sua capacidade, possa nos ajudar a levar à frente essa denúncia e possa fazer com que tenhamos... O Matheus não vai voltar; isso, infelizmente, não é possível. Mas que pelo menos um pouco de justiça — do que é possível nesse sistema carrasco do nosso povo — consigamos para dar uma resposta para a Valdirene, para o pai do Matheus, para a tia do Matheus, para os avós do Matheus, que estão sofrendo profundamente com esse assassinato.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Parabéns, Israel, pelo seu trabalho, pela sua militância! Agradecemos a você por ter nos trazido esse caso. Sem dúvida, colocamos como um dos encaminhamentos desta audiência dar atenção à Valdirene e a todos os seus familiares.
Também quero registrar aqui a minha total e irrestrita solidariedade a eles. Vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para dar solidariedade e acolhida a essa família, que passou por essa situação tão absurda.
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A SRA. ERIKA KOKAY (Bloco/PT - DF) - Queria parabenizá-la, Deputada Sâmia, pela realização desta audiência porque nós estamos lidando com vários aspectos que fazem com que tenhamos a necessidade de fazer muitos enfrentamentos.
Em algumas legislaturas nós chegamos a colocar em pauta a necessidade de que houvesse um processo de apuração de todas as ações policiais que representassem lesão corporal ou resultassem em morte. É necessário fazer uma apuração absolutamente aprofundada porque há uma letalidade policial que faz com que, em grande medida, tenhamos uma população com medo da própria farda.
A farda representa um medo muito grande, e, ao mesmo tempo, várias mães — e, na grande maioria, de úteros negros — ensinam aos seus filhos como devem se comportar, que não podem ter determinados trejeitos, o que indica um processo de concretude de uma exclusão muito intensa e de uma violência que não pode ser permitida.
Eu penso que nós estamos vivenciando uma demagogia penal, um fundamentalismo punitivista de forma muito profunda nesta Casa e, ao mesmo tempo, no próprio País quando se busca, de toda sorte, trabalhar e lapidar a vingança e a vingança, a vingança, a vingança. E, ao se tirar a condição universal do direito das pessoas, em grande medida, é como se houvesse a permissão para matar ou como se a farda fosse um salvo-conduto, porque se esbarra numa impunidade muito profunda.
Há que ter independência das perícias, o que não há em todo lugar. A independência das perícias é absolutamente fundamental. A perícia não pode estar submetida a uma lógica ou a uma estrutura que possa impedir que ela funcione de forma aprofundada. E há que ter independência da investigação. Ou seja, há que aprovar o projeto que está posto aqui e que já entrou em pauta algumas vezes, mas que sempre acaba por ser retirado por pressão dos que acham que a impunidade tem que ser uma norma.
Ao mesmo tempo, há o próprio olhar sobre as polícias, e nós vimos aqui vários depoimentos. Temos um regimento com a Polícia Militar, nesse processo de militarização da polícia, que, em grande medida, nem é utilizado, mas é como se fosse um processo de ameaça permanente a qualquer tipo de postura.
Está na imprensa hoje, aqui em Brasília, que um policial foi afastado, foi expulso porque ousou questionar que a prioridade para a polícia não deveria ser a compra de uniformes,
mas deveria ser a vacinação durante o período da pandemia. Falou sobre a necessidade de testagem com relação à COVID, falou sobre a necessidade de vacinação. E vejam que, aqui em Brasília, o Comandante da Polícia Militar furou a fila das vacinas e, em função disso, acabou sendo destituído do cargo, e havia um policial que exigia que houvesse a vacinação dos policiais e o cuidado, porque o mais importante seria cuidar dos policiais.
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18:41
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Então, temos um regimento que é um regimento pré-República, que é um regimento que possibilita punições por qualquer coisa se houver alguém com o poder de estabelecê-lo e utilizá-lo como um mecanismo de punição. Portanto, é preciso trabalhar não só a desmilitarização, como também eliminar esse regimento. Não se pode ter esse regimento regendo as Polícias Militares em todo o Brasil.
Também é preciso assegurar que haja os espaços de escuta e as falas. Por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal tem projetos como o do mapeamento de pontos vulneráveis para o enfrentamento à exploração sexual e, aqui no Distrito Federal, tem um superintendente, nesta gestão, que trabalha muito com inteligência, e não há nenhuma denúncia de violência de direitos humanos, mostrando que isso é possível. Eles têm que elucidar os crimes não é através da tortura, que foi generalizada, mas através dos mecanismos de inteligência que têm. E a Polícia Rodoviária Federal aqui no DF tem um trabalho muito grande inclusive na conscientização sobre os direitos das pessoas autistas, enfim, um trabalho que faz com que a polícia cumpra uma função de abraçar a própria sociedade.
Mas a Polícia Rodoviária Federal, que tem ciclo completo, deveria ter tido outra postura quando nós vimos o que aconteceu com ela durante o Governo Bolsonaro. O Fabrício é vítima disso. Nós vimos o quê? Não só o Fabrício, mas várias pessoas penalizadas. Há inúmeras denúncias de assédio moral e denúncias de assédio sexual, e não há processo de apuração. Então, ter corregedorias independentes também é absolutamente fundamental para que se possa fazer as apurações — e, ao mesmo tempo, ter instrumentos que possam apurar todas as denúncias.
Há a necessidade de se fazer a construção de uma política em que todas as denúncias possam ter respostas, e que se preste conta sobre elas. E não só as denúncias que atingem pela letalidade ou pela ação dos policiais que são contra os direitos, mas também as que envolvem as perseguições dos próprios policiais, para que nós não tenhamos que ficar convivendo com isso ou tenhamos que ver uma notícia de jornal em que o policial que questionou a necessidade de vacina durante a COVID está sendo acusado porque enfrentou os seus superiores e quebrou a disciplina — e que, muitas vezes, tem que pedir autorização ao seu próprio chefe para poder criticá-lo. Isso não existe! Isso é um processo refratário a qualquer tipo de Estado Democrático de Direito, penso eu.
Isso, portanto, indica que é preciso trabalhar com câmeras corporais, que estão sendo questionadas hoje pelo Governo de São Paulo. É inadmissível que nós tenhamos um Secretário de Segurança no Estado de São Paulo que coloque como troféu as dezenas de mortes provocadas por policiais.
É como se fosse uma vingança!
Eu lembro Gandhi quando ele falava que essa política de olho por olho acaba transformando todos nós em pessoas sem olhos durante a nossa existência.
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18:45
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Portanto, é preciso, penso eu, fazer com que nós tenhamos corregedorias independentes, perícias independentes, investigações isentas de todas as atuações policiais e câmeras corporais para que se possa dar respostas à sociedade sobre a letalidade policial e, ao mesmo tempo, cuidar para que não tenhamos...
Esse é um processo muito estruturante de naturalização do arbítrio. Muitas vezes, vemos que as pessoas, quando entram, são moldadas por essa estrutura de subalternização e, ao mesmo tempo, de salvo-conduto da própria farda — é como se a farda fosse um salvo-conduto. Tudo é possível e tudo é permitido que se faça desde que se esteja fardado ou que se use uma farda. Aqui se aprovou o recrudescimento penal daqueles que provocam ou que atentam contra os policiais, mas não há o inverso, que são os agentes públicos que precisam ter uma visão da sociedade que seja uma visão de acolhimento e não uma visão de medo.
Então, acho que são grandes os desafios que estão postos e que nós precisamos trabalhar muito com observatórios, trabalhar muito com dados, porque tivemos no Governo passado um apagão de dados e uma autorização para matar.
Essa é a mesma lógica do processo que existe aqui de tentar criminalizar todas as ocupações e os movimentos sociais. E vejam que havia que se ter uma resposta a isso: se o proprietário tiver o seu território ocupado, a sua propriedade ocupada, a polícia tem que responder em 48 horas; e, se não responder, ela vai ser penalizada por isso. Então, vejam que também existe uma vitimização dos policiais.
Nós criamos um grupo de trabalho para as mulheres policiais porque elas têm que ter a aposentadoria especial e conseguimos aqui na Câmara, durante o Governo Dilma, a aposentadoria de 25 anos, porque, se a jornada é diferenciada, não pode ser a mesma jornada entre homens e mulheres, ainda que seja uma aposentadoria especial. Há que se considerar por que as mulheres têm uma aposentadoria com um tempo menor. Essa é uma discussão, mas não é só essa, é a discussão de todo tipo de pressão que sofrem, particularmente as mulheres.
Nós custamos muito para derrubar e derrubamos, inclusive no projeto que reajustava os salários das forças de segurança aqui do DF, a trava de que só poderia haver, no máximo, 10% de mulheres na PM. Onde se pensa isso? Só 10% de mulheres... E não eram o mínimo; eram o máximo! E, no último concurso, o que aconteceu foi que as mulheres tinham a nota de corte, então a nota de corte contemplava as mulheres, mas, como as restringiram a 10%, tiveram que diminuir a nota de corte para os homens poderem assumir as vagas que não poderiam ser ocupadas por mulheres. Não pode isso! Não pode mais ser permitido esse nível de sofrimento e de violência de gênero, o que existe também dentro das corporações.
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18:49
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Por fim, eu lembro que em determinado momento, Deputada Sâmia, quando eu era Deputada Distrital, nós fizemos uma lei para introduzir nos cursos de formação dos policiais a questão dos direitos humanos e dos direitos LGBTQIA+. E eu fui conversar com o Secretário de Segurança Pública, que era um general da Polícia Militar. Eu disse a ele que nós tínhamos que combater os preconceitos. Ele disse: "Não. Não tem mais preconceito. Não tem mais preconceito. O negro é bem tratado... Não tem mais preconceito". Então, eu disse que estava falando de LGBTfobia, e ele disse: "Ah, quanto a isso, eu não posso falar nada".
Portanto, é um processo. Como é um processo de empoderamento da própria arma e de valorização das próprias respostas da brutalidade que existe, é um processo que vai ter também muitas expressões discriminatórias dentro das próprias polícias, em particular da Polícia Militar, que precisa ser desmilitarizada, como aqui já foi dito. É preciso trabalhar com o ciclo completo, penso eu, e é preciso que nós possamos ter também a revogação de todo esse regimento, que é um regimento extremamente brutal.
Eu gostaria de dizer, e vou concluir, sobre a necessidade desse processo de democratização, de observatório, de nós atestarmos tudo isso. Existe o fórum de segurança e existe o Instituto Sou da Paz, que fazem esse levantamento, mas é preciso que nós possamos consolidar os observatórios. Podemos trabalhar isso inclusive com emendas. Os perfis já estão postos.
Nós fizemos aqui uma CPI para tratar do extermínio de jovens negros. Em verdade, não conseguimos avançar com os resultados dessa CPI do extermínio de jovens negros, do genocídio de jovens negros. Há muito genocídio no nosso cotidiano e há a revivificação de todos os pedaços de períodos muito traumáticos da história brasileira, que vai se expressar na morte do Matheus. Tantas e tantas pessoas choram, muitas vezes sem que seu choro possa ser escutado. Nós já tivemos aqui audiências com as mães de Jacarezinho. Ali as mulheres diziam: "O que nós exigimos? Justiça".
E o que nós exigimos? Justiça. E o que nós precisamos fazer? Talvez, construir nesta Casa uma Subcomissão, um grupo de trabalho ou algo em que se possa dialogar sobre todos os dados que estão postos. Nós vimos uma ausência de dados, um apagão de dados no Governo anterior. A partir daí, precisamos trabalhar a construção de políticas públicas.
É muita dor, e nós convivemos com isso sempre. Eu lembro que, quando nós investigamos as mortes causadas por atuação policial, a comunidade muitas vezes se levanta. Ela se levanta, ela se levanta, ela se levanta e ela é ameaçada. A violência de segunda ordem ou assédio de segunda ordem é o que vemos quando se assedia quem quer denunciar. Nós tivemos a morte de um adolescente — e estamos buscando a investigação disso — aqui em Brasília, na região do Sol Nascente. Nós vimos que a polícia vai circulando entre as casas, andando entre as casas e se impondo.
É o assédio de segunda ordem. Faz-se o assédio para intimidar todo tipo de denúncia da população ou da comunidade acerca da violência que foi cometida. Assédio de segunda ordem. E tenta-se construir uma solidão, em particular das mães, mas também das famílias que teimam em levar isso adiante, porque há a intimidação em todo o entorno para que não façam as denúncias. Por isso, entendo a importância das câmeras.
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18:53
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Mas penso que há que se ter limites. Nós não podemos fazer acordos ou convênios internacionais em que nós tenhamos as câmeras, mas isso represente passagem de dados e nuvens de dados para organizações internacionais ou outros países. Então, é preciso também assegurar a soberania, colocar recursos no orçamento, criar as condições para que nós tenhamos e possamos ter produção de câmeras aqui no Brasil, para que nós possamos, enfim...
Eu lembro muito da câmera porque aqui na Câmara Federal, quando houve a tentativa de golpe, com a invasão da Câmara, nos atos fascistas e antidemocráticos, os policiais legislativos daqui conseguiram mostrar a sua atuação. Isso saiu na televisão, porque eles tinham câmeras. Elas protegem o bom policial. Elas ajudam a elucidar o processo, a elucidar o fato. Elas são parte do marco civilizatório e protegem o bom policial.
Eu fico muito preocupada com os policiais que resistem à câmera, porque ela protege o bom policial e ajuda a elucidar os casos. Tortura como instrumento de apuração é uma coisa absolutamente medieval. Suplício do corpo, espetacularização da própria punição, tudo isso que buscamos superar na história de evolução humana — e Foucault fala muito bem sobre isto, vigiar e punir —, tudo isso estamos vendo voltar com auspícios do que usam bótons e que acham que o punitivismo penal, a demagogia penal, o fundamentalismo penal é absolutamente fundamental e que as violências podem ser permitidas de acordo com quem sofre a violência, parcializando os direitos humanos. Os direitos humanos são universais e não podem ser parcializados. Mas eles dizem: "Não, é possível matar, de acordo com quem é o alvo, a vítima da própria morte". Ao mesmo tempo, dá-se ao policial um poder que é extremamente nocivo para a sociedade e para a democracia, como se a farda representasse um salvo conduto para todas as sortes de violações de direitos.
Por isso, parabenizo a Deputada Sâmia pela audiência e, ao mesmo tempo, registro o compromisso e a solidariedade com todas as pessoas que perderam seus meninos e meninas, seus filhos e filhas, seus entes queridos para a violência policial.
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A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Deputada Erika, pela sua brilhante contribuição e militância sempre na pauta aqui no DF e no Brasil, de maneira geral.
Eu solicito àqueles que queiram se manifestar que levantem a mão. Essa é a grande graça e vantagem da nossa Comissão, pois o público também pode, regimentalmente, participar e dar as suas contribuições. É para isso que ela serve.
Por gentileza, peço que antes da sua fala diga com clareza seu nome e a entidade que representa, para que possamos deixar registrado nos documentos desta Casa legislativa.
Quero registrar a presença da Poliana, Vereadora de Barra Bonita e recém-filiada ao PSOL. Ela está aqui, junto com uma comitiva de outros Parlamentares e colegas do interior, conhecendo aqui a Câmara nesta semana.
Antes de passar às considerações finais, eu fiz algumas anotações, ao longo das falas dos convidados e das convidadas, para servir como sugestões de encaminhamento para que sejam adotadas outras medidas.
São três análises jurídico-legislativas sobre alguns temas que foram apresentados. O primeiro deles é a temática do habeas corpus constante no art. 142, que não seria uma possibilidade, uma prerrogativa básica de defesa, um direito fundamental dos policiais, quando eles são acusados, quando eles respondem um inquérito. Devemos pedir mesmo essa análise legislativa e jurídica para ver de que modo podemos atuar, fazendo essa provocação também aqui no Parlamento.
O Decreto nº 667, de 1969, no seu caput, preserva a temática do AI-5; e a PEC que Deputada Erika Kokay mencionou — não foi a Deputada Erika?; agora não tenho certeza —, do Deputado Lindbergh Farias, sobre o tema da desmilitarização, que acabou sendo arquivada no Senado. Então, podemos voltar com esse tema aqui na Câmara. Podemos conversar com o próprio agora Deputado Lindbergh Farias, para abraçarmos esse tema, porque é um instrumento concreto de reivindicação de debate.
Há a temática das policiais e das cotas. Está contemplado com a iniciativa da Deputada Erika, com a subcomissão da Comissão da Mulher, que vai ser voltada para debater especificamente a esse tema. Eu vou solicitar para ser parte também dessa subcomissão.
Um tema que muito nos preocupa é que foi aprovado em duas votações no Senado Federal, ontem, a inserção na Constituição Federal da criminalização de usuários de drogas no Brasil. Na prática é para ampliar a lógica do racismo, do encarceramento e do absurdo que é uma suposta guerra às drogas que, na prática, significa uma guerra aos pobres, uma hipocrisia do debate real sobre o que significa tanto o consumo quanto a venda de drogas no Brasil. É grave.
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19:01
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Depois protocolarei formalmente um pedido aqui na Comissão, para fazermos uma audiência especificamente sobre isso, para trazermos os movimentos sociais, que quase não tiveram espaço de debate no Senado. Precisamos gritar sobre esse tema, porque é muito, muito grave, muito urgente e tem tudo a ver com esse debate de segurança pública, de atuação e também dos direitos dos próprios policiais.
E temos que dar os encaminhamentos possíveis, políticos e jurídicos, abraçar os casos tanto do Lucas quanto o Samuel, que foram presos injustamente, e também de justiça por Matheus, pela Valdirene e toda sua família. Colocamos todos os meios, tanto desta Comissão quanto da própria Comissão de Direitos Humanos, que é presidida pela Deputada Daiana Santos — nós também podemos acioná-los —, para dar os encaminhamentos necessários a esse tema.
Eu não sei se ficou faltando algo. É claro que temos de fazer audiências públicas na base também. O próprio Zé mencionou a importância de, de repente, levar e organizar esse debate especificamente em São Paulo. Nós também conseguimos fazer isso. Aprovamos formalmente o requerimento e organizamos lá, com os parceiros da Defensoria, da OAB, dos movimentos. Podemos fazer um movimento bem legal para fortalecer o tema.
Há os próprios policiais antifascistas que se organizam em São Paulo. É uma luta árdua, difícil, mas eles se organizam. Eu conheço alguns que também poderiam ser parceiros nesse tema. Ficam como algumas sugestões de encaminhamento. Caso os colegas tenham outras que eu tenha esquecido, podem colocá-las nas considerações finais também.
O SR. FABRÍCIO ROSA - O tempo de 3 minutos é muito pouco, mas eu quero me solidarizar com a dor das mães de São Paulo. Saibam que é a mesma dor compartilhada pelas mães do Brasil. Em Goiás, de cada 10 pessoas assassinadas, 6 foram mortas pelo próprio Estado, e, de cada 200 casos, apenas 1 vira processo, apenas 1 é denunciado pelo Ministério Público Federal. Esse é o avanço do punitivismo contra alguns selecionados pelo presidenciável Caiado.
Eu quero convidá-los, Deputada, a fazer outra discussão nesses 2 minutos que me restam. É sobre quem é convidado para a participação democrática. Alguns países reduzem a possibilidade de participação para determinadas categorias de pessoas. Por exemplo: no México, na França, na Guatemala, religiosos não podem se candidatar.
Para que policiais e militares tivessem direitos políticos no nosso País, nós travamos muitas batalhas. Foram muitas batalhas. Em 1937, nós nem sequer podíamos votar. Na América Latina, em alguns países, policiais não podem votar, a exemplo do Paraguai e da Bolívia.
Nós travamos uma batalha para que tivéssemos direito ao voto. Em 1946, apenas os oficiais começaram a votar. Os praças não podiam votar. Em 1963, houve um fechamento de Brasília — e muitas pessoas não sabem disto — em uma revolta de sargentos e cabos pelo direito de poderem se candidatar. Um Ministro do STF, Victor Nunes Leal, foi sequestrado. Um Deputado Federal foi sequestrado. Vários canhões foram colocados na cidade, para que policiais e militares tivessem direito à cidadania plena.
A pergunta é: nós temos direito à cidadania plena ou seremos excluídos do banquete da participação? Parece-me que, quando policiais são excluídos do banquete da participação, quando militares são excluídos desse banquete, o golpismo se intensifica muito mais.
Pelo estudo das democracias latino-americanas, o que eu posso perceber é que o golpismo se intensifica mais na exclusão dos direitos à participação política de policiais e militares do que na possibilidade de policiais e militares participarem politicamente.
Em 1988, aqueles que estão há 1 ano prestando serviço militar, os chamados conscritos, foram deixados sem direito à participação política.
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Nós repudiamos o projeto de lei que foi aprovado aqui na Câmara dos Deputados e que criou uma quarentena, porque isso restringe a possibilidade de participação política. É preciso que todos possam jogar o jogo, sejam religiosos, sejam policiais, sejam militares, mas dentro de regras. Nos Estados Unidos, os generais, a alta cúpula e os delegados — lá não existem delegados, mas algo parecido — estão proibidos de participar. É preciso haver regras, como quarentena e afastamento temporário. Nós temos que usar instrumentos de participação, e a democracia brasileira possui alguns.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Fabrício.
Como foi falado, direitos humanos não podem ser apartados, não se pode escolher quem tem direitos humanos ou não. Nesse momento, o que nós policiais sentimos, principalmente os militares, é que não somos sujeitos com direitos humanos. Essa é a maior dificuldade de inserir o debate dentro das corporações, dentro da tropa. Quando um sargento morre, alguém vê entidades de defesa dos direitos humanos passar por aqui? Colocam-se os direitos humanos como uma entidade, em vez de algo a que todos nós temos direito.
Essa situação fica ainda mais difícil quando buscamos apoio, porque simplesmente não recebemos. Os políticos progressistas têm receio de assumir as nossas pautas. Os políticos conservadores só nos manipulam, apontam para aquele lugar que sabem que nos dói e gritam, sem apontar nenhuma solução. Mas eles sabem muito bem manipular a nossa revolta.
Se o policial não vê direitos humanos como uma coisa plena, ele não vai se restringir ou enfrentar colegas que estejam violando isso.
Há também a obediência cega. Às vezes, confrontamos uma ordem ilegal, mas no final ficamos sozinhos contra o Estado. Mesmo que nós não sejamos punidos dentro da lei, há uma punição velada. Não posso ser suspenso nem preso, não podem fazer nada desse tipo contra mim.
Mas podem me mandar para algum lugar que vai atrapalhar completamente a minha vida. Se minha vida toda está numa determinada cidade, eles podem me mandar para outra cidade. Em Estados como Pará ou Amazonas, isso é muito pior para o policial.
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19:09
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Nós queremos ter ferramentas democráticas de reivindicação e de denúncia. Também queremos levantar as nossas próprias pautas.
Para que a segurança pública seja mais democrática e humana, as organizações de direitos civis precisam nos enxergar como sujeitos desses direitos. Só assim nós poderemos lutar de alguma forma.
Praticamente 90% das minhas lutas, de um jeito ou de outro, acabaram sendo crimes. Por quê? Porque é crime eu falar mal de qualquer coisa do Governo. As nossas denúncias eram criminalizadas pelo Ministério Público. É preciso quebrar esse paradigma. Precisamos ter para onde ir.
Não adianta tentar privar o praça do seu direito de voto, de denúncia, de opinião política, enquanto o Pazuello da vida está lá participando diretamente de palanque governista, de palanque político, e não se faz nada a respeito disso. As promoções estão atreladas a palanques políticos. Tem que ser respeitada a antiguidade, tem que ser respeitado o trabalho da pessoa. Sinceramente, a troca de favores políticos e o tráfico de influência têm sido pesadelos para todos.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Passinho.
Primeiramente, quero me solidarizar com as mães que, infelizmente, perderam seus entes queridos. Isso não ocorreu por culpa somente do policial que apertou o gatilho, mas também de um Estado que se omite diante desses casos recorrentes.
Muito me preocupo com um projeto que visa impedir que o policial militar participe da política, porque foi na política que eu encontrei uma forma de defender meus colegas, foi na política que eu encontrei uma forma de externar tudo de ruim que acontece com os policiais:
os abusos, as perseguições, as violações recorrentes dos direitos humanos e a omissão do poder público diante dessas atrocidades.
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19:13
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É muito importante que a parte progressista faça um trabalho forte para garantir esse direito aos policiais militares. Nem todos os policiais militares são bolsonaristas. Infelizmente, existem muitos, e eles estão organizados, estão fortes. Sim, estão muito fortes, porque muitas vezes têm o amparo das próprias instituições, que perseguem aqueles que criticam a extrema direita, mas autorizam muitos colegas a fazer política, inclusive nas suas redes sociais.
Agradeço mais uma vez à companheira Luciana Genro por ter me oportunizado fazer a defesa dos meus irmãos e irmãs de farda que pedem socorro — essa é a palavra.
Espero que nós possamos sonhar com um mundo melhor, com uma polícia humanizada e não militarizada. Espero que a polícia possa ser mais técnica, utilizando mais o conhecimento do que a força, utilizando mais o conhecimento do que as armas. Assim, com certeza, estaremos não só protegendo o policial, mas também a sociedade, e a sociedade passará a confiar novamente na polícia.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Ederson.
O SR. CLAUDIO APARECIDO DA SILVA - Quero me solidarizar com as pessoas que falaram aqui, especialmente o Israel, em relação às famílias da Brasilândia.
Eu me coloco novamente à disposição. Os dois casos têm procedimento aberto na Ouvidoria, temos feito o possível para colaborar, para que a justiça seja feita. Podemos voltar a conversar e pensar em outras possibilidades para acionar os caminhos jurídicos necessários para corrigir ou apresentar o mínimo de justiça possível para essas famílias.
Quero, mais uma vez, cumprimentar a Deputada Sâmia pela iniciativa da audiência pública e colocar a Ouvidoria da polícia à disposição. Se for deliberada uma audiência pública em São Paulo, a Ouvidoria será parceira e poderá mobilizar outros parceiros. O CONDEPE, a Comissão de Direitos Humanos e outras instituições em São Paulo podem ser parceiras nesse debate em São Paulo. Então, coloco a Ouvidoria à disposição da Comissão para aprofundar esse debate no nosso Estado.
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19:17
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Trago algumas reflexões para que a política de segurança pública seja mais efetiva, mais cidadã e, como bem disse o Passinho, caminhe em consonância com os direitos humanos — as duas coisas não são antagônicas. As pessoas que almejam melhorar a política de segurança pública precisam se mobilizar e se organizar para debater segurança pública. Enquanto continuarmos nessa apatia, sem buscar debater a segurança pública que deveria existir, vamos continuar convivendo com a perspectiva de "bandido bom é bandido morto", com as evoluções que esse pensamento produz, como a de "CPF cancelado" e com outras evoluções que vêm sendo trazidas pelo Secretário de Segurança Pública de São Paulo.
Ele quer desconstruir a letalidade policial e construir uma tal letalidade criminal. Eles vão avançando cada vez mais nessa perspectiva de desqualificar efetivamente o debate de segurança pública, sem necessariamente debater o que efetivamente precisa ser debatido no que diz respeito à segurança pública.
Hoje, uma das nossas perspectivas para qualificar o debate de segurança pública é enfrentar o debate da "casa grande e senzala" dentro das corporações policiais militares. O que existe, de fato, nessas corporações é uma casa grande e uma senzala. É uma casa grande composta pelos oficiais e uma senzala composta pelos praças. Se conseguirmos construir essa reflexão e enfrentar isso, podemos evitar uma nova Revolta da Chibata, que pode ser uma revolta interna no sentido de gritar por socorro e de buscar direitos.
Eu agradeço. Achei muito oportuna a audiência pública. Estarei presente em todas as outras que se desdobrarem dessa.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Claudio. Estamos juntos sempre.
O SR. JOSÉ MARIA DE ALMEIDA - Deputada Sâmia, quero mais uma vez agradecer o seu acolhimento e o da Comissão para trazer esse debate, que é fundamental.
A situação do País ocorre também no resto do mundo. Trata-se de uma crise que se aprofunda cada vez mais no sistema em que estamos. Vivemos um paradoxo. Na história da humanidade, nunca se construiu e se produziu tanta riqueza, tanto conhecimento, tanta ciência, e nunca uma parcela tão grande da população foi tão condenada à exclusão de tudo, sendo jogada ao desespero. Essa situação explica o uso cada vez maior da violência para conter o descontentamento inevitável das pessoas que trabalham e
produzem riquezas, mas são excluídas do usufruto da riqueza. São condenadas a viver numa condição de vida cada vez pior no reino da opulência. A pessoa olha para o lado e vê fartura, olha para a situação da sua família e vê tragédia. Essa é a condição da maioria da população. Quem se aproveita da situação do sistema e obtém lucro tem que conter as pessoas excluídas na base da violência. A tendência, nesse cenário, é que a situação piore.
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19:21
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É preciso disputar a consciência da população. Eu gostei muito da imagem sugerida pelo Claudinho: a situação da PM hoje é como uma casa grande e uma senzala mesmo. Isso é grave. Se não convencermos a população de que há um caminho que não é o da violência, como aponta o Governador de São Paulo e outros Governadores...
O Claudinho tem toda razão, isso não ocorre só Governo de direita, não. A Bahia, ano passado, foi o Estado em que a Polícia Militar mais matou gente no País inteiro. A Bahia ganhou do Rio, ganhou de São Paulo, ganhou de todos, e é um Estado governado pelo PT.
Se não convencermos as pessoas disso, elas acabam, pelo desespero, convencidas dessa saída que aponta o Governador de São Paulo. O desespero não leva necessariamente as pessoas para uma rebelião positiva.
A história mostra que parte da base do fascismo italiano e do nazismo na Alemanha era da classe trabalhadora desempregada, que passava fome, desesperada, que olhou para um populista de direita e falou: "Esse cara está dizendo que vai resolver, eu vou atrás dele para resolver". Essa é a luta, esse é o drama.
Dá raiva — para usar a palavra correta — quando o Governo do PT aprova essa nova lei orgânica da PM e tem essa atitude em relação aos setores armados do Estado, porque essa atitude ajuda a ultradireita a ganhar os policiais. O que a ultradireita faz? Ela não resolve o problema do policial e do praça, não melhora o salário nem a condição de vida. Ela dá licença para matar, para sair por aí e extravasar a raiva arrebentando tudo que estiver na frente. Ela promete a impunidade e ganha apoio. Nós vimos o que aconteceu no dia 8 de janeiro aqui em Brasília com a Polícia Militar. Ganha apoio. Quem deveria disputar a consciência dessa turma para outra visão, tanto dos policiais quanto da população, não faz sua parte. O que está fazendo? Está empurrando mais ainda os setores armados para o braço da ultradireita e empurrando a população para apoiar uma situação como essa de São Paulo.
A iniciativa que estamos tentando impulsionar tem essa responsabilidade. Nós temos que criar massa crítica na sociedade, apontando uma alternativa para a população, uma referência distinta dessa que está se construindo aí.
Se os policiais querem se libertar da opressão que sofrem, eles precisam se aliar aos trabalhadores. Não há outro caminho. Se os trabalhadores querem se libertar da espoliação e da opressão que o capitalismo exerce sobre todos, eles precisam buscar apoio nos setores armados do Estado, precisam apoiar as lutas legítimas dos policiais.
Nós não apoiamos, evidentemente, rebelião contra a democracia, como não se poderia apoiar o que aconteceu no dia 8 de janeiro. Agora, é uma obrigação nossa apoiar a luta dos policiais para melhorar salário, para melhorar condições de trabalho e para ter seus direitos garantidos.
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19:25
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Eu acho que é um esforço nosso. É uma luta fácil? Não, gente, é muito difícil. Mas se não comprarmos essa luta, nós entregaremos essa coisa de uma forma que ali na frente vai custar para todo mundo. Quem tem alguma perspectiva de mudança nessa situação em que o País vive ou de transformação dessa realidade não pode ignorar essa situação. Infelizmente, nós não temos hoje quem tem mais força nessa luta conosco. Não temos. Infelizmente, já estão adaptadas as que estão aí. Mas também não nos é dado o direito de escolher só as lutas fáceis. Nós temos que tratar de comprá-las. E eu acho que se acreditarmos e trabalharmos nisso, nós conseguiremos avançar. Esse é o sentido.
A SRA. PRESIDENTE (Sâmia Bomfim. Bloco/PSOL - SP) - Vamos tentar mais uma vez ver se o Vinicius consegue fazer as considerações finais on-line. Acredito que não. É uma pena. Ele estava inclusive querendo fazê-la. Mas, Vinicius, seguimos abertos no diálogo, na discussão e na construção.
Gostaria, novamente, de agradecer a participação dos nossos expositores e expositoras que muito contribuíram para o debate. Agradeço a todo o pessoal aqui da Casa, da Comissão e também da transmissão que trabalhou para que esta audiência fosse possível acontecer. Vamos dar sequência aos encaminhamentos. Quero agradecer demais a vocês. Foi excelente e riquíssimo o debate.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente reunião. Antes, porém, gostaria de convocar as Deputadas e os Deputados, membros deste colegiado, para a audiência pública sobre prevenção e posvenção do suicídio nos espaços educacionais, a ser realizada no próximo dia 23 de abril, terça-feira, às 10 horas, neste Plenário 3.
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