1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão Especial para estudo, atualização, modernização e adaptação de normas jurídicas brasileiras, no sentido de incorporar a elas os avanços tecnológicos nas relações interpessoais e atividades diárias
(Audiência Pública e Deliberação Extraordinária (semipresencial))
Em 19 de Outubro de 2023 (Quinta-Feira)
às 10 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
10:41
RF
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Bom dia.
Declaro aberta a 9ª Reunião Extraordinária da Comissão Especial para estudo, atualização, modernização e adaptação de normas jurídicas brasileiras, no sentido de incorporar a elas os avanços tecnológicos nas relações interpessoais e atividades diárias.
Encontra-se à disposição, na página da Comissão na Internet, a Ata da 8ª Reunião, realizada no dia 11 de outubro de 2023. Fica dispensada a sua leitura, nos termos do parágrafo único do art. 5º do Ato da Mesa nº 123, de 2020.
Não havendo quem queira retificá-la, coloco em votação a Ata.
Os Srs. Deputados que a aprovam permaneçam como estão. (Pausa.)
Aprovada.
Informo que a sinopse do expediente recebido encontra-se à disposição na página da Comissão na Internet.
A Ordem do Dia de hoje prevê a realização de audiência pública e a deliberação de requerimentos.
Passemos à audiência pública, que terá como tema Digitalização e Registros Públicos.
Esclareço que esta audiência cumpre decisão do colegiado, em atendimento aos Requerimento nºs 8, 11, 30 e 31, de 2023.
Foi convidado para audiência de hoje o Dr. Anderson Paiva, Juiz Auxiliar do Supremo Tribunal Federal, ex-membro do Comitê de Integridade do Poder Judiciário — CINT e da Câmara de Regulação do Regulador do Operador Nacional do Registro Imobiliário — ONR.
Convido o Dr. Anderson para se sentar à mesa para iniciarmos esta reunião. (Pausa.)
Dr. Anderson, nós vamos iniciar a nossa reunião fazendo uma breve exposição.
A Câmara dos Deputados decidiu criar esta Comissão Especial, que se convencionou chamar de Comissão Especial do Direito Digital. O objetivo da Comissão é atualizar o direito como um todo para a realidade digital, que já é a nossa realidade no dia a dia. Entretanto, não há nenhum respaldo na lei, não há nenhuma previsão legal em relação a muito do que já acontece hoje, do que já está na prática diária. Na verdade, estamos flutuando num limbo jurídico. O que se pretende é dar segurança jurídica para tudo que acontece. Hoje conversamos por celular, pagamos com Pix, estamos num mundo digital, mas o Código Civil é analógico. Então, nós temos que fazer essa atualização em vários segmentos. Um deles é a legislação cartorária.
Por isso, estamos chamando alguns especialistas e vamos escutá-los, justamente para entendermos esses avanços. O sistema notarial é fundamental para o cidadão. Obviamente, ele precisa ser digitalizado e acompanhar as demandas do progresso para facilitar a vida do cidadão e dele próprio.
O objetivo principal hoje é conhecer o que vem sendo feito, o que foi feito nesse segmento e o que ainda não foi feito, as razões, o que se deseja fazer. O senhor estava no coração, no pulmão de tudo isso. Nós gostaríamos de ouvi-lo.
Portanto, tem a palavra o Dr. Anderson Paiva.
10:45
RF
O SR. ANDERSON DE PAIVA - Bom dia a todos.
Inicialmente, eu gostaria de saudar todos os presentes, na pessoa do Deputado Lafayette de Andrada, a quem agradeço sobremaneira o convite.
É uma grande honra estar nesta Casa e contribuir para um debate que penso ser tão importante e tão salutar.
Antes de iniciar a minha apresentação, que já adianto que será breve, invoco as palavras do Prof. Barbosa Moreira — ontem houve o lançamento de um livro em homenagem a ele —, que dizia: "Discursos, convém que sejam poucos, se possível, que sejam bons; em qualquer caso, que sejam breves".
O Deputado salientou essa transformação digital na vida. Na década passada, talvez nos últimos 20 anos, houve grande impacto do direito constitucional sobre todos os ramos do direito; houve a constitucionalização do direito civil, do direito processual, do direito empresarial; houve uma preocupação no âmbito do direito penal. Eu diria que, contemporaneamente, o grande impacto que vemos é o da transformação digital no direito como um todo.
No âmbito processual, as videoconferências e as provas digitais estão transformando a nossa realidade. No âmbito do direito constitucional, há discussão sobre fake news, discursos de ódio, impacto no direito eleitoral. No direito civil, os smart contracts e os criptoativos influenciam também no direito processual. Como penhorar um criptoativo? Como executar dinheiro que está na forma de criptoativo? Em todos os ramos do direito, nós percebemos, sem dúvida alguma, o impacto dessa transformação digital.
Como salientou com muita percuciência o Deputado Lafayette, parece que estamos correndo atrás, porque essas transformações já ocorreram, já fazem parte da realidade da população como um todo, mas não existe normatização suficiente. Não falo apenas no âmbito do Legislativo, falo também no âmbito do Judiciário.
Por isso, quero expor aqui, em breves linhas, o que aconteceu no Judiciário.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nesse âmbito introdutório, eu queria destacar alguns exemplos que certamente fizeram parte da realidade de todos, com exceção dos mais novos. A Blockbuster, a Kodak e a BlackBerry eram gigantes. Fazia parte do dia a dia alugar um filme na Blockbuster. Eu já tenho certa idade e me lembro da época em que tirávamos fotos durante as viagens usando filmes que tinham 24 poses, 12 poses, 36 poses. Hoje, talvez em 1 minuto, num único lugar, tiramos 36 fotos e já vemos como elas ficaram. A Polaroid foi uma grande inovação, na sua época, porque com ela conseguíamos ver a foto imediatamente. Eu também tive um BlackBerry Messenger — BBM, que era usado por todos graças ao seu pequeno teclado. Tudo isso não tem muito tempo. Parece que ficou distante, mesmo sendo de um passado recente.
O que têm em comum esses três exemplos? Eles não foram capazes de acompanhar o ritmo da inovação tecnológica. Esse é o desafio que se apresenta a todos nós cidadãos e, em especial, ao Congresso.
Nesse sentido, eu destaco aqui a ideia da Quarta Revolução Industrial. Klaus Schwab, um alemão Diretor do Fórum Econômico Mundial, assim destaca: "Estamos a bordo de uma revolução tecnológica que transformará fundamentalmente a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos. Em sua escala, alcance e complexidade, a transformação será diferente de qualquer coisa que o ser humano tenha experimentado antes".
10:49
RF
Parece um tanto quanto apocalíptico quando ouvimos pela primeira vez, mas, se pensarmos num mundo pré-pandemia e pós-pandemia, já perceberemos os impactos que o nosso dia a dia sofreu: o trabalho remoto; a forma como nos alimentamos, por exemplo, com o iFood; a forma como nos relacionamos — muitos aí já ouviram falar no Tinder, sem dúvida alguma —; entre outras possibilidades. Hoje os relacionamentos e a comunicação demandam o WhatsApp.
Eu cortei um eslaide que havia aqui, porque a apresentação tem que ser curta, sem dúvida alguma, mas quero dizer que talvez todos os senhores hoje já tenham produzido conteúdo, já tenham produzido dados. Certamente já enviaram mensagens pelo WhatsApp, já trocaram e-mails, já acessaram provedores de conteúdo. No passado, palavras ficavam ao vento e se perdiam. Hoje elas produzem dados.
Exemplificando essa transformação digital que vivemos no mundo — o Brasil, por óbvio, não pode ficar fora disso —, cito o caso do Uber: a maior companhia de transporte do mundo hoje não possui um único veículo. Isso é uma verdadeira desmaterialização. Steven Pinker diz que os átomos estão se transformando em bytes. O que antes víamos de forma física, como tijolos, por exemplo, hoje são bytes. Quantos impérios de frotas de táxi havia antigamente? Tudo desmoronou muito rapidamente.
É assim também com a Netflix. Eu fico saudosista — acho que estou ficando velho mesmo — quando lembro a época em que recebíamos a revista da programação e marcávamos ali quando estrearia um filme: era no dia tal, no horário tal, e não tínhamos tempo para pausar, para ir ao banheiro, nada disso. A realidade se transformou muito rapidamente.
Aqui eu cito os exemplos da Alibaba, da Amazon, grandes empresas mundiais de e-commerce. Recentemente, o próprio Poder Executivo vem discutindo essa questão com relação à importação. Essas grandes empresas não têm sequer uma loja física. Então, o e-commerce também está mudando a realidade.
Este eslaide é sobre o mundo dos dados. Percebam os minutos que nós passamos on-line. Com os e-mails, as mensagens no WhatsApp e as fotos que postamos, todos nós produzimos conteúdo o tempo todo.
É por isso que eu trago à baila esta célebre citação: toda companhia — e quando eu falo em companhia, refiro-me também às instituições — vão ter o big data em seu futuro e vão estar, em algum momento, no ramo do data business, ou seja, de como tratar os dados.
Por isso, a LGPD é tão importante. Lembro aqui que o Ministro Barroso, Presidente do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça, ontem, presidindo sessão, disse que esteve em contato com grandes big techs, pedindo contribuição para o aprimoramento do Poder Judiciário.
Então, penso que todo e qualquer processo administrativo, legislativo ou judicial vai precisar, em algum momento, lidar com os dados e com o tratamento dos dados. O volume de dados hoje alcança uma proporção e um número espantosos.
Para demonstrar isso, eu trouxe mais uma frase, de alguns anos atrás, alguns bons anos atrás, do Eric Schmidt, que era Chefe Executivo e Diretor do Google. Ele disse que, desde o alvorecer da civilização até 2003, foram produzidos 5 hexabytes de informação, mas esse mesmo volume de informação, à época da frase, era criado a cada 2 dias. Eu vou além, para dizer que, hoje em dia, talvez esse mesmo volume de dados seja criado em 2 dias.
10:53
RF
Na época medieval, os livros eram inteiramente escritos. Para terem um segundo livro com base no primeiro, tinham de reescrevê-lo todo à mão. A prensa revolucionou isso e possibilitou a difusão do conhecimento por meio dos livros. O que antes demorava um bom tempo, mesmo com a prensa, hoje, em alguns segundos, nós conseguimos enviar pelo WhatsApp para um número infindável de pessoas — uma obra, por exemplo, num arquivo.
Então, hoje o grande desafio não é acessar a informação, porque as informações estão aí, estão disponíveis. O grande desafio é como acessar essa informação, e a informação que queremos. Não à toa o Google alcança esse poderio. O grande desafio não é produzir ou ter a informação; é encontrá-la de forma hábil, em tempo razoável.
Esta outra gravura eu gostaria de destacar, porque é o desafio do nosso tempo. As tecnologias estão evoluindo de forma exponencial. O problema é que as instituições, a legislação e os indivíduos mudam de forma logarítmica. Portanto, a cada instante, esse gap entre o que podemos fazer e o que fazemos se amplia. Vou dar um exemplo aqui, com base na minha pessoa. Todos os dias, eu descubro uma função no meu celular que eu não sabia que era possível utilizar. A minha câmera tem recursos infindáveis que eu nem sequer conhecia. Então, o grande desafio hoje é sermos capazes de utilizar todos esses recursos a nosso favor, a favor da sociedade, a favor do indivíduo.
Congratulo esta Casa, porque sou um entusiasta da Lei nº 14.129, de 2021, que dispõe sobre o Governo digital e o aumento da eficiência pública. Acho que é esta a linha que temos que seguir: buscar o aumento da eficiência por meio da transformação digital, por meio do uso das tecnologias que estão sendo disponibilizadas.
Eu destaco alguns incisos que estabelecem princípios. Um deles trata do uso da tecnologia para otimizar processos de trabalho da administração pública. Como eu falei, isso vale para a sociedade e o empresariado como um todo. Outro inciso trata do foco na universalização do acesso. O inciso III traz como princípio a possibilidade aos cidadãos, às pessoas jurídicas e aos outros entes públicos de demandar e de acessar serviços públicos por meio digital, sem necessidade de solicitação presencial.
A meu sentir, esta é, hoje em dia, a grande angústia do cidadão: tornar a vida mais fácil, acessível por um clique. Penso que estamos no caminho certo, mas esse caminho parece até aquela utopia dos sonhos, que se tornam cada vez mais inatingíveis. Avançamos um passo, mas parece que a estrada se duplica à frente, porque a tecnologia vem avançando.
No âmbito do Poder Judiciário, lá atrás, em 2019, antes da pandemia — e me parece que a pandemia foi um catalisador do potencial da tecnologia —, 76%, ou seja, 3 em cada 4 pessoas já acreditavam que o uso da tecnologia facilitava o acesso à Justiça. Então, já havia essa demanda no âmbito do Poder Judiciário.
Na gestão do Ministro Luiz Fux — do qual ainda sou Juiz Auxiliar no Supremo Tribunal Federal, como fui no Conselho Nacional de Justiça —, um dos cinco eixos que ele estabeleceu para sua gestão era a criação da Justiça 4.0 e a promoção do acesso à Justiça digital.
Devo salientar que não tenho dúvida alguma de que o Ministro Barroso, nosso atual Presidente, também tem como um dos principais eixos o desenvolvimento e o uso da tecnologia. A sessão de terça-feira no Conselho Nacional de Justiça demonstrou isso.
10:57
RF
Para aqueles que quiserem saber um pouco mais sobre o programa Justiça 4.0 — não vou me alongar em demasia aqui —, basta clicar na página do Conselho Nacional de Justiça e pesquisar sobre Justiça 4.0. Temos inúmeros programas lá.
Vou destacar apenas alguns, que penso que são aplicáveis às instituições como um todo. Não vou me ater a todas as possibilidades que foram desenvolvidas ao longo do programa Justiça 4.0. Eu trouxe, contudo, uma lista com alguns deles. Vou trazer alguns breves exemplos.
A PDPJ — Plataforma Digital do Poder Judiciário visou endereçar o seguinte problema que ocorria e creio que continue ocorrendo em diversas escalas dos diferentes governos: por vezes, os tribunais locais se deparavam com uma dificuldade, com um problema, mas esse problema, muitas vezes, era comum a outros tribunais. O que ocorria, nas palavras do meu querido amigo e também magistrado Fábio Porto, era uma espécie de corrida maluca, com gasto de verba pública e de pessoal para desenvolver uma solução para aquele problema local. No entanto, aquela solução não era passível de utilização por outro tribunal, porque tinham sistemas diversos. A PDPJ visou possibilitar que, diante de problemas comuns, os tribunais pudessem comungar esforços em desenvolver soluções comuns. Com isso, nós temos uma grande economia de recursos e a possibilidade de empreendermos, de forma comum, os esforços.
Esse é um grande desafio, porque, por óbvio, o mercado de tecnologia é um mercado global. Então, é difícil até recrutar pessoas qualificadas. Alguém pode morar no Brasil hoje e trabalhar numa empresa de tecnologia na Índia, na China, em qualquer lugar do mundo. Essa é uma dificuldade. Sem dúvida alguma, essa possibilidade de trabalho comunitário, juntando comunidades em prol do desenvolvimento de soluções, pode trazer grandes benefícios à sociedade.
O Balcão Virtual, que está um pouquinho mais à frente, na Resolução nº 372, é uma ferramenta criada no âmbito do Poder Judiciário, mas entendo ser possível espraiá-la por todas as instituições.
Muitas vezes, o cidadão, quando quer obter uma informação sobre um processo administrativo ou sobre um processo legislativo que seja, tem que se deslocar a um balcão físico — por isso, o nome é Balcão Virtual — e pedir a um servidor, a um funcionário uma informação, e aqui vou me ater ao âmbito do Poder Judiciário: "Eu gostaria de saber informações sobre o processo tal". Aí o servidor informa. Vejam que essa pessoa teve que perder um dia ou horas de trabalho, teve gastos com consumo, com transporte. Tudo isso é desnecessário.
O que é o Balcão Virtual? É a possibilidade de a pessoa clicar num link na página do tribunal e iniciar uma videoconferência. Assim, a pessoa pergunta diretamente ao servidor no seu local de trabalho. Vejam a economia que isso traz! Por vezes, advogados, por exemplo, tinham que se deslocar a comarcas longínquas simplesmente para obter informações sobre um processo. Hoje eles nem sequer precisam sair do escritório ou mesmo de casa. Então, é um grande ganho, que hoje está em todos os tribunais. O CNJ logrou a implementação dessa ferramenta. Já está implementada em todos os tribunais, em todas as varas. Basta acessar a página do tribunal.
Eu sou do Rio de Janeiro e trouxe um exemplo do Tribunal de Justiça daquele Estado. Na página em que temos os endereços, está o endereço físico, o tradicional; está o endereço de e-mail; e está também o Balcão Virtual. Na hora em que você clica naquele hiperlink, inicia-se uma videoconferência e você consegue obter aquela informação.
O sucesso foi tão grande que outras instituições adotaram essa ferramenta, como, por exemplo, a Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro, em convênio com o CNJ. Eu poderia citar também a UERJ, no Rio de Janeiro.
11:01
RF
Acho que é uma ferramenta que pode ser utilizada por diversas instituições públicas, pela economia e pela facilidade que traz para o cidadão, inclusive pelos cartórios, onde, muitas vezes, as pessoas querem tirar dúvidas. Em vez de se deslocarem ao cartório, presencialmente, fisicamente, poderiam, por meio de uma videoconferência, dialogar com o funcionário daquele cartório. Então, é um primeiro exemplo que eu gostaria de trazer.
No âmbito específico dos cartórios, temos o Agente Regulador do ONR, que eu tive a oportunidade de integrar. Trata-se do Operador Nacional do Registro Imobiliário, que cuida do SREI — Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis. Também as informações sobre isso estão na página do Conselho Nacional de Justiça. Como verifiquei que os próximos palestrantes atuam diretamente com cartórios, vou deixar para eles a fala específica sobre o SREI.
Vou tratar talvez da grande angústia, da grande vexata quaestio, quando se fala de direito digital, que não passou desapercebida pelo Poder Judiciário e, como dito, foi um dos eixos da gestão do Ministro Luiz Fux e, evidentemente, suscitou todo tipo de diálogo envolvendo este problema, qual seja: como ficam as pessoas que não têm acesso à Internet ou não têm equipamentos adequados? Ficariam elas alijadas de acesso à Justiça? Isto é, a tecnologia que estamos dizendo que pode ser uma grande aliada do poder público passaria a ser um óbice, um dificultador? Longe disso.
Em primeiro lugar, eu queria destacar a obra do Prof. Richard Susskind, que é consultor do Poder Judiciário inglês. Nessa obra, ele fala um pouquinho sobre a visão dele do futuro da Justiça e das on-line courts. Ele destaca — é uma visão global, de acordo com a OCDE — que 46% dos seres humanos vivem sob a efetiva proteção da lei, mas mais de 50% têm efetivo acesso à Internet. Percebam: é mais fácil hoje um cidadão acessar a Internet ou um computador do que ter efetivo acesso à Justiça. Quando falo de Justiça, falo até sobre as instituições em geral. Esse é um exemplo de como a tecnologia pode ajudar.
Mesmo aqueles que têm acesso formal à Justiça — e são muitos —, muitas vezes, deixam de agir por conta das dificuldades, de ter que se deslocar a um tribunal, de ter que ir, fisicamente, participar de uma audiência.
Dias atrás, uma querida amiga que está hoje vivendo em Portugal estava falando: "Eu não vou seguir com esse processo, porque não tenho como participar da audiência". Eu falei: "Mas nós já temos hoje ferramentas, como, por exemplo, o Juízo 100% Digital, no qual todos os atos se dão de forma digital, o que possibilita a participação numa audiência de forma remota". Então, hoje a tecnologia facilita e possibilita muitas vezes esse acesso.
Vamos fazer um breve histórico sobre como o Poder Judiciário tratou essa questão. Contextualizando, isso foi no meio da pandemia.
A primeira forma foi: todos os tribunais e todos os fóruns teriam que passar a contar com uma sala equipada para a realização de videoconferência. A partir desse momento, o cidadão não precisava mais ir ao fórum em que ocorria a sua audiência. Ele poderia ir ao fórum mais próximo de sua casa. Percebam que isso já foi uma grande benesse, sem dúvida alguma.
Em seguida, tivemos a Recomendação nº 101, que trouxe mais algumas medidas. Percebemos que não bastava deixar à disposição, no fórum mais próximo, uma sala, porque, quando falamos em excluídos e vulneráveis digitais, muitas vezes, em um primeiro momento, pensamos naquelas pessoas que não têm um equipamento ou o acesso à Internet. Só que existem muitas pessoas no Brasil e no mundo como um todo que têm, sim, acesso à Internet, que têm um equipamento, mas não sabem utilizá-lo. Então, é necessário possibilitar cidadania digital a essas pessoas. Essa resolução foi além, no sentido de determinar a disponibilização de um servidor no local, e não apenas de uma sala, para auxiliar a pessoa a participar da videoconferência. Eu, particularmente, acho que isso foi um grande ganho, porque, a partir do momento em que essa pessoa aprende a participar de uma videoconferência para uma audiência do Poder Judiciário, ela aprende também a fazer uma videoconferência para falar com o filho ou com o neto que está longe, para falar com um parente.
11:05
RF
Falando de pandemia, há os certificados de vacinação. Creio que quase todos conseguiram acesso à carteira de vacinação digital, no programa do SUS. Quase ninguém mais tem uma carteira física. A pessoa que não consegue acessar isso enfrenta uma série de dificuldades de ordem prática na vida. Então, precisamos não só regular as ferramentas, mas dar às pessoas a possibilidade de serem digitalmente incluídas nessa sociedade contemporânea, nessa sociedade 4.0.
E eu vou um pouco mais além. A Recomendação CNJ nº 130, de 2022, que, em seguida, em junho deste ano, tornou-se também uma resolução, com os Pontos de Inclusão Digital — eu tenho muito orgulho de ter participado do desenvolvimento da recomendação inicial —, a meu sentir, revoluciona a questão e sepulta o problema do acesso à vida digital. Qual é a ideia dos Pontos de Inclusão Digital? Se antes pensamos em uma sala de videoconferência no fórum mais próximo, com a Recomendação CNJ nº 130, instamos os tribunais a celebrarem acordos de cooperação com todas as instituições — Ministérios Públicos, Prefeituras, OAB, Defensorias Públicas —, de forma que todos esses locais possam ter uma sala de videoconferência. Quando falo de videoconferência, é mais do que isso, é uma sala com computador e acesso à Internet para que o cidadão possa utilizar. Multiplicamos, assim as portas da Justiça. Veja, o cidadão não precisa mais se deslocar a qualquer fórum, a qualquer unidade do Poder Judiciário. Basta ir a uma dessas salas. Mais do que isso, quando ele acessa uma dessas salas, acessa o Poder Judiciário brasileiro, porque pode acessar a Justiça do Trabalho, a Justiça Federal, a Justiça Estadual sem ter que se deslocar ao fórum dessas unidades de forma presencial.
O Brasil é um país continental. Eu que sou do Rio de Janeiro penso na realidade carioca, na realidade de São Paulo, na realidade dos grandes centros urbanos. Mas, ao longo do tempo, aprendi muito sobre a realidade do Brasil, que é muito distinta. No Rio de Janeiro, por exemplo, quase todas as cidades são sedes de comarca, contam com fóruns. Já no Norte e no Nordeste do País, muitas cidades não têm fóruns. Em muitos casos, o fórum fica a 4 ou 5 horas de distância, seja de carro, seja de barco. Lembro-me, certa feita — não tenho certeza se foi no Pará ou no Amazonas —, de perguntar, em uma cidade, a quanto tempo estava o fórum mais próximo. "Depende, doutor." "Mas como assim depende?" "Depende de duas coisas. A primeira é se o barco está a favor ou contra a correnteza. A segunda é se está na seca ou na cheia, porque na cheia dá para ir cortando de certa forma o rio, mas, na seca, tem que ir ziguezagueando." Eu nunca havia imaginado isso. Isso sequer passava pela minha cabeça.
Então, percebam, um Ponto de Inclusão Digital — e o Tribunal de Rondônia chamou de fórum virtual a criação dessas salas — possibilita a essas pessoas, que tinham mero acesso formal à Justiça, que teriam que se deslocar 2 dias de barco, por exemplo, para ir ao fórum mais próximo, sem saber se conseguiriam efetivamente acessar, ter acesso.
11:09
RF
O Tribunal de Roraima também tem ampla disponibilização de Internet — basta pesquisar. Ele criou unidades como essa em uma tribo indígena e, por meio dessa unidade de videoconferência, dessa unidade tecnológica, foi possível conferir identidade para um sem número de pessoas.
Um cidadão hoje que não tem uma identidade acaba ficando alijado de quase todos os serviços públicos, praticamente não tem cidadania, não consegue acessar um serviço de saúde, não consegue acessar o próprio Poder Judiciário. Então, essa é uma ferramenta que eu entendo ser revolucionária.
Entendo que outro parceiro para os pontos de inclusão digital podem ser os cartórios, que têm uma grande penetração no Brasil. Então, poderiam ser criadas também salas de videoconferência nos cartórios, possibilitando não só o acesso às diferentes unidades do Poder Judiciário, mas também a outros serviços que o cidadão demandar. Penso que esta é uma ferramenta que pode ser muito interessante: pontos de inclusão digital. Salvo engano, no Amapá, por exemplo, o tribunal fez parcerias com restaurantes, com aeroportos. Então, o cidadão poderia ir a um restaurante, que era considerado um parceiro do Poder Judiciário, e ali acessar a Internet de forma gratuita, pelo wi-fi.
Na minha experiência, embora muito se fale na Justiça Digital como um óbice à cidadania e ao acesso à Justiça, o que se revelou foi o contrário. Muitas pessoas que aparentemente diziam que não iriam participar por videoconferência, que preferiam ir de forma presencial, longe disso, preferiram participar por videoconferência, porque, de forma presencial, tinham que perder horas se deslocando para aquele local de forma física, contar com o trânsito, por exemplo, com os gastos com transporte, aguardar a realização e depois voltar para sua casa, perdendo, por exemplo, um dia de trabalho. Preferiram elas — e aqui falo de forma prática, na vivência prática — pedir a um vizinho, à comunidade em que moravam ou mesmo no seu trabalho, ao seu empregador, que lhe fornecesse um equipamento de acesso à Internet e perder tão somente o tempo necessário para participar daquele ato, sem comprometer, por exemplo, o seu dia de trabalho ou mesmo de lazer.
Então, os pontos de inclusão digital são uma outra ferramenta, que penso que os cartórios podem abraçar e trazer grande efetividade.
Já encerrando aqui a minha fala, eu gostaria de citar um trechinho do escritor israelense Harari, que tem três livros muito famosos, um deles é o 21 lições para o século XXI: "O mais importante de tudo será a habilidade para lidar com mudanças, aprender coisas novas e preservar seu equilíbrio mental em situações que não lhe são familiares. Para poder acompanhar o mundo de 2050 — mas eu diria o mundo de 2030 — acima de tudo, vai precisar reinventar a você mesmo várias e várias vezes". Isso, certamente os Parlamentares, mas eu também, como juiz, já me reinventei várias vezes ao longo da vida.
Se no passado, há algumas décadas, aprendíamos um ofício no início das nossas vidas e levávamos aquele mesmo ofício, daquela mesma forma, até o final dos nossos dias, hoje, isso certamente é diferente. Eu trabalhava de uma forma há 10 anos. Trabalhava de outra forma há 5 anos e hoje, a cada dia, aprendo, incorporo uma ferramenta nova. Acho que esse é um dos desafios do nosso tempo.
Para ilustrar isso trago estas fotos. Talvez alguns se lembrem da máquina de escrever. Quando surgiu o computador, muita gente falava que tinha curso de datilografia e que não queria saber de computador, que escrevia bem com a máquina. Hoje não conseguem viver sem o computador ou mesmo sem um notebook. Os telefones, cuja linha fixa era um grande patrimônio, hoje praticamente estão em extinção. Havia o celular chamado tijolão. Eu me lembro de um familiar que, quando surgiu o smartphone, e eu queria dar-lhe um, falou assim: "Não quero saber disso. Isso é muito complicado. Telefone tem que ter os números e um botão verde e um botão vermelho, porque celular é para fazer ligação". Hoje em dia essa mesma pessoa acessa conteúdo, manda mensagem, trabalha utilizando o celular. No balcão físico de uma Vara, a pessoa hoje, pelo computador, consegue ter as mesmas informações. Videoconferência. Antes um advogado, por exemplo, do Norte, tinha que se deslocar para fazer uma sustentação oral em Brasília, no tribunal sede, onde quer que fosse. Hoje, ele pode fazê-lo por videoconferência.
11:13
RF
Então, a Justiça contemporânea é a Justiça 4.0, essa Justiça que incorpora as tecnologias. Trago esse exemplo da Justiça, mas que penso ser aplicável para todos. Falo isso porque sei que esse será um dos desafios desta Comissão. Vivenciei esse desafio, porque, muitas pessoas que estão numa zona de conforto, acostumadas a lidar com aquilo que já têm, são resistentes à incorporação dessas novas tecnologias.
Finalizo com esta frase: "Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças". Vivemos um tempo de drásticas e radicais mudanças.
Agora sim, encerrando, trago uma citação atribuída a Fernando Pessoa, mas que penso ser papel tão importante desta Comissão e por isso é uma honra aqui estar: "Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos".
Penso que esta Comissão tem o papel de fazer essa travessia para um mundo contemporâneo, para esse mundo 4.0, e colocar o Brasil nessa vanguarda tecnológica do mundo.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Agradecemos ao Dr. Anderson, Juiz Auxiliar no Supremo Tribunal Federal, a bela exposição.
Dr. Anderson, apenas a título de informação, nós estamos numa fase aqui na Comissão em que nós estamos realizando essas audiências públicas, estamos ouvindo as instituições, mas, em breve, nós vamos iniciar realmente a fase de produção de texto. Nós queremos a colaboração do senhor, pela sua competência, pela sua experiência e pelo seu conhecimento.
Dr. Anderson, eu sei que o senhor está com o horário premido, então eu vou até evitar fazer mais perguntas, mas vamos continuar dialogando, porque vai ser muito importante para nós a sua colaboração para esta Comissão.
O SR. ANDERSON DE PAIVA - Fico à disposição desta Casa, à disposição do Relator e agradeço mais uma vez a oportunidade.
Saudações a todos.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Dando prosseguimento a esta audiência pública, nós vamos convidar então agora o Sr. Allan Nunes Guerra, Presidente da Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal, representante da Confederação Nacional de Notários e Registradores — CNR e da ANOREG.
11:17
RF
Dr. Allan, conforme nós falamos aqui no início, antes da fala do Dr. Anderson, esta Comissão vai avançar em vários termos, e um dos capítulos é exatamente a questão notarial. Por isso, nós estamos convidando os senhores para trazer um pouco da experiência que têm. Eu vou falar aqui cartórios, de maneira generalizada, para todas as funções do registro público. Esse é o nome consagrado pelo uso. Mas hoje o que nós desejamos e o que precisamos aqui é escutar justamente de vocês a quantas andam. É sabido que o CNJ já baixou algumas resoluções no sentido da digitalização dos cartórios. E como está essa evolução? O que já foi feito? O que não foi feito? O que precisa ser feito? Esse é o nosso intuito.
Estão aqui o Dr. Allan e os próximos convidados. Eu quero dizer algo. O que eu vou dizer aqui é público e notório. Existe uma reserva, um olhar diferente com relação aos cartórios, por parte da sociedade e, às vezes, até por alguns Parlamentares. Muitos acham que cartório já nem precisava mais existir. Na era digital, dispensam-se os cartórios. Eu não sou dessa corrente, mas há uma corrente forte nesse sentido. Hoje, a evolução tecnológica, como disse aqui o Dr. Anderson, permite ao cidadão um conjunto grande de ações que, na visão de muitos, dispensaria perfeitamente a existência dos cartórios. Eu não compartilho dessa tese, mas o que eu quero aqui dizer e deixar muito claro é que, quando houve o anúncio desta audiência pública, eu recebi muitas mensagens de colegas Deputados, no celular, dizendo: "Lafayette, tem que apertar os cartórios". É isso, realmente paira certo pensamento nesse sentido. E nós desejamos fazer aqui aquilo que a serenidade aponta, o que o bom senso mostra.
Evidentemente, nós vamos trabalhar com leis. As leis precisam ser votadas. Temos que ter maioria para aprovar ou para não aprovar. Elas podem receber emendas ou não. É claro que nós vamos trabalhar sempre dentro daquilo que o bom senso aponta, dentro da razoabilidade, dentro daquilo que é justo, dentro daquilo que é realmente o que a sociedade precisa e o que a sociedade deseja.
11:21
RF
Os convidados são os senhores. Então, vamos ouvir o Dr. Allan, que irá nos relatar os avanços e os progressos que já foram feitos, o que mais precisamos fazer, onde podemos colaborar, onde a lei pode aprimorar. Esse é o sentido inicial desta audiência pública.
Está com a palavra o Dr. Allan Nunes Guerra, que irá falar pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil — ANOREG.
O SR. ALLAN NUNES GUERRA - Exmo. Sr. Deputado Lafayette de Andrada, Presidente desta Comissão, senhores membros desta Comissão, senhores servidores, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil — ANOREG agradece esse convite, essa honra e essa oportunidade.
Deputado, nós sempre estivemos ligados à segurança jurídica. Nós vamos completar neste ano 180 anos de existência do serviço de registro de imóveis.
Quando digo segurança jurídica, digo que, em seguida, ela gera, por consequência, aumento do crédito e aumento da atividade econômica.
Eu estive recentemente, a convite do Itamaraty, em um país africano, para tratar de uma cooperação técnica cujo tema era registro público. Ali pudemos constatar que a atividade econômica é fraca porque não tem crédito, e não tem crédito porque não tem garantia, e não tem garantia porque não tem um sistema forte de registros públicos. E posso dizer: porque não tem cartório.
Nós sempre estivemos ligados à segurança jurídica e ao crescimento da atividade econômica. Eu vou trazer um exemplo bem prático para V.Exa. Até 1997, o sistema de garantia imobiliária que existia no Brasil era de hipoteca. Se o devedor ficasse inadimplente no seu crédito imobiliário, o credor fiduciário iniciaria um processo de excussão dessa hipoteca, que levava 8, 12 anos. Então, o credor não investia, não financiava, porque a garantia era ruim.
Existem as teorias lá da década de 70, dos 5 "C" do crédito: um deles era caráter. O que se via era que os bancos financiavam segundo o caráter do devedor, e não segundo a garantia, porque ele não tinha certeza da retomada do bem.
Em 1997, veio a lei de alienação fiduciária de imóveis e criou a execução da dívida imobiliária em cartório — retirou-a da Justiça e a trouxe para o cartório.
E aí, Sr. Alexandre, a lei disse o seguinte, e efetivamente isso veio acontecer: se o devedor do financiamento ficar inadimplente, o cartório notifica a purgar a mora em um prazo; e o cartório faz o procedimento pelo qual o banco credor retoma o imóvel, consolida a propriedade, paga o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis — ITBI e faz um leilão.
Isso, Excelência, fez o crédito imobiliário sair de insignificante "zero vírgula alguma coisa" do PIB para um índice com dois dígitos do PIB.
Até 1997, quem podia ter financiamento imobiliário no Brasil eram aquelas pessoas que pertenciam a algum fundo de pensão, como, por exemplo, o pessoal do Banco do Brasil, que tinha a Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil — PREVI; algumas pessoas que se cadastravam dentro da regra do antigo Sistema do Banco Nacional da Habitação — BNH; e uns poucos que obtinham crédito na Caixa Econômica Federal.
11:25
RF
A partir da lei de alienação fiduciária, os bancos passaram a financiar; as incorporadoras — vulgarmente conhecidas como construtoras — passaram a comprar os imóveis e a empreender; os profissionais qualificados fizeram carreiras, como arquitetos, engenheiros, corretores e agentes de marketing. A mão de obra menos qualificada foi empregada na construção civil, e o Brasil viveu uma época de crescimento econômico na década de 2000, por conta, é claro, do agro e da construção civil. Por quê? Porque passou a ter garantia forte, liquidez e certeza da retomada do bem, em caso de inadimplência.
Houve um procedimento do Ministério Público — do qual participei, Excelência — em que foi levantado o seguinte: não está havendo muita perda de bem? Viram que não. Viram o contrário. Como o processo ficou muito rápido, as pessoas eram chamadas a renegociar o débito e não perdiam o seu imóvel. Por consequência, houve uma diminuição na taxa de juros. Isso todos nós sentimos — nós mesmos ou nossos familiares temos imóvel financiado. Houve uma diminuição na taxa de juros, um aumento no prazo, uma diminuição no percentual exigido como entrada, e houve a realização do sonho da casa própria. E quem era um dos elos dessa corrente? Os cartórios.
Outro ponto: o registro de nascimento no Brasil. Veio a lei da gratuidade do registro de nascimento.
Veja V.Exa. que todas as vezes que esta Casa vota que algum serviço seja gratuito, ele será gratuito para o tomador direto do serviço, mas, não...
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Alguém está pagando.
O SR. ALLAN NUNES GUERRA - Ele é financiado, ele é financiado por algum tributo. A gratuidade do registro civil é autofinanciada pelo próprio serviço notarial e de registros.
Nós não somos, Excelência, um único real no orçamento da União, ou dos Estados, ou do Distrito Federal ou do Município.
Quando V.Exa. vota o orçamento, não existe nenhum um item serviço de notas e registro. Não existe no orçamento nenhum item para o registro de nascimento. Nós registramos anualmente 2,7 milhões de crianças no Brasil. Nós reduzimos o índice de sub-registro, que era perto de 20%, para 1,8%.
No Distrito Federal, nós registramos todos os meses 4.800 crianças. Nós estamos em todos os hospitais, em todas as maternidades — públicas e privadas. Sábado, domingo, Natal e dia de jogo do Brasil na Copa do Mundo, nós estamos lá registrando as crianças. E quem financia esse serviço? Os outros serviços notariais de registro. Tira-se um pouquinho do registro de imóveis, tira-se um pouquinho das escrituras, tira-se um pouquinho do protesto, faz-se um fundo, que financia aquele serviço.
Em 2007, uma lei desta Casa tornou possível que o divórcio e o inventário pudessem ser feitos também em cartório — não só na Justiça, mas também em cartório. Isso foi muito bom, porque a lei disse o seguinte: facultativamente, a escolha das partes e do advogado — é claro, nós não queremos serviço obrigatório —, com o pagamento de emolumentos, ou gratuitamente para quem se declarar pobre. Para aquele que chega e declara que é pobre, nós fazemos o processo idêntico ao outro, e não há ressarcimento do Estado. Não somos um único real do orçamento público.
11:29
RF
Essa lei fez com que a grande maioria dos advogados escolhesse os cartórios, porque mantivemos a segurança do processo judicial, com a nossa celeridade. Nós já temos perto de 6 milhões de atos realizados. Chegou o momento em que precisávamos da transformação digital. Não basta estarmos ligados à grande capilaridade. São 13.400 cartórios, estamos em todos os distritos, pertinho da Avenida Paulista, mas estamos num distrito do Município de Lavras, em Gororós, no Município de Dom Joaquim. Em todos os Municípios que o juiz anteriormente citou há um cartório. Nós temos uma capilaridade maior do que a da rede de loterias, mas precisávamos da inserção digital.
Nós do serviço notarial e registral dos cartórios estamos surfando numa onda de 2 metros e atrás vem uma onda como as de Nazaré, de 25 metros. Diferente dos outros serviços, de outras gerações que já vão aprender a surfar na onda de 25 metros, nós vamos ter que passar de 2 metros e aprender a surfar na de 25 metros.
Nós começamos a criar uma plataforma de atos notariais eletrônicos. Em dezembro de 2019, essa plataforma foi concluída e veio a pandemia. Os cartórios são fiscalizados e sujeitos às normas administrativas das corregedorias estaduais e do Distrito Federal e da Corregedoria Nacional de Justiça. Algumas corregedorias, em março de 2020, a exemplo do egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios regulamentaram os atos notariais eletrônicos. Eu cito, por ser do Distrito Federal, a da Corregedoria do Distrito Federal. Trata-se de ato conjunto: corregedoria e Presidência.
Logo, em seguida, o Conselho Nacional de Justiça regulamentou, por meio do Provimento nº 100, de 26 de maio de 2020, uma plataforma eletrônica chamada e-Notariado, de responsabilidade de uma das nossas entidades do Colégio Notarial do Brasil, que cuida da especificidade dos cartórios de notas, que fazem escritura, testamento, reconhecem firma.
Vejam que, de maio de 2020 para cá, nós emitimos 1 milhão e 1 mil, até julho deste ano, certificados digitais notariais, gratuitamente. Uma das barreiras da realização de documentos, inteiramente em meio eletrônico, é o custo do certificado digital. O nosso é gratuito. Nós emitimos 1 milhão de certificados digitais e lavramos, no período de maio de 2020 até julho de 2023, 672 mil escrituras eletrônicas.
11:33
RF
Então, eu tive o caso de uma senhora daqui do Distrito Federal, de Brazlândia. Ela emigrou-se do Brasil e foi para os Estados Unidos. Lá, ela comprou um imóvel e depois comprou um imóvel aqui no Distrito Federal, em Águas Claras. Eu fiz a videoconferência. Eu emiti um certificado digital para ela, lavrei a escritura com os dados que ela me passou, remeti-lhe o link. Ela o recebeu, não sei se no celular ou no computador, leu, assinou com aquele certificado digital e fez uma videoconferência comigo.
Na videoconferência, que está gravada, ela fala assim: "Olha, meu filho, que coisa, eu já comprei imóvel aqui nos Estados Unidos. E aqui recorremos a uma empresa chamada Title Company. Eu paguei o valor equivalente a 1,8% de custo do imóvel ao cartório. Não foi muito demorado, foram mais ou menos 60 dias. E no Brasil eu fiz tudo pela Internet e paguei 1.600 reais". Esses são os emolumentos do cartório, o que é irrisório, perto do apartamento que ela comprou em Águas Claras. E ela dizia assim, resumindo: "Aí está muito melhor, muito mais rápido e muito mais barato do que aqui". Então, Excelência, esse é um argumento para levarmos para quem defende acabar com o cartório.
Nessa viagem para o país africano, fizemos conexão em Paris e passeamos lá. Em três quadras, eu vi pelo menos três escritórios de público notário, ou seja, o cartório está aqui e está lá também. Outro exemplo de serviço de cartório que se transferiu de um órgão público que o prestava e foi para os cartórios é o apostilamento. O que é o apostilamento? É a legalização de um documento brasileiro para que ele produza efeito fora, para que ele seja aceito no estrangeiro.
Antes, essa legalização era feita exclusivamente pelo Ministério das Relações Exteriores, pelo Itamaraty. Vou dar um exemplo. Se uma pessoa precisasse fazer matrícula em curso superior em um país europeu, ela ia à sua escola superior aqui, pegava o seu diploma, ia a um cartório de notas, reconhecia a firma daquela pessoa que assinou o diploma, por exemplo, do reitor; reconhecia a firma do representante do Ministério da Educação. Depois, ia ao Itamaraty para reconhecer a firma do tabelião que reconheceu a firma do representante do Ministério. Depois, ia à embaixada ou ao consulado do país de destino do documento para autenticar a autenticação do representante daqui. E depois arrumava um despachante para mandar esse documento para fora.
O Brasil foi signatário de um acordo internacional, deu ao Conselho Nacional de Justiça a competência para dizer quem vai apostilar. Assim, o Conselho Nacional de Justiça falou que o próprio Judiciário e os cartórios vão apostilar. Hoje, Excelência, essa mesma pessoa leva o diploma a um único cartório. Esse cartório reconhece a firma, a assinatura daquele reitor que o emitiu, verifica se tem aquela função apta a emitir o certificado e apostila esse documento. Ele apostila esse documento digitalizando e inserindo esse documento em um site mundial que vai ser consultado lá, apondo a apostila e assinando. Assim, entrega para aquela pessoa. Então, quem precisava fazer essa matrícula sai lá de Serro, de Juiz de Fora ou de qualquer ponto do País e já tem um cartório que faz isso. A pessoa já sai com seu documento apostilado e, pelos seus meios, encaminha aquele documento para fora.
11:37
RF
Nós já temos 6 milhões e 100 mil documentos apostilados no Brasil. Desses, 215 mil são históricos escolares, mostrando que esse exemplo aqui se enquadra bem no caso concreto de uma transformação na vida do cidadão.
Então, Allan, está tudo perfeito? Não. Nós precisamos que sejam consagrados em lei os atos administrativos das corregedorias e o próprio ato nacional da Corregedoria Nacional de Justiça. É claro que V.Exa. caminhará para a propositura de algo mais concreto. Nós vamos precisar discutir a questão de emolumentos. Há hoje uma disparidade muito grande. Cada Unidade da Federação brasileira tem a sua tabela de emolumentos. Hoje, com o ato eletrônico, a pessoa que está no Espírito Santo pode escolher fazer a sua escritura no Distrito Federal só pelo critério do custo. Então, temos de discutir e, pelo menos, diminuir essa disparidade que existe.
Nós temos que discutir, como eu penso, respeitosamente, a questão de competência para esse ato eletrônico, porque nós temos de preservar aquela função notarial no interior do Brasil. O juiz que nos antecedeu, o Dr. Anderson, disse da criação de uma rede para a produção de audiências.
Durante a pandemia, eu tive no meu cartório um caso em que o juiz disse o seguinte: "O sistema de informática é ruim; a rede e a linha do usuário que está sendo ouvido na oitiva da testemunha ou cai de verdade ou cai por conveniência na hora que há um aperto. Então, para ouvir testemunha, faça por meio de um tabelião de notas". Ele deu esse despacho. O advogado chegou. Eu falei para ele: "Vamos fazer. Vamos ouvir as testemunhas, tal qual orientou o juiz". Combinei com os dois advogados que eu não sou juiz, é claro, teríamos que deixar isso bem claro para as partes, e que iria fazer só aquelas perguntas objetivas, por exemplo: "O senhor tem interesse na causa? O senhor é parente de alguma das partes?" Cada advogado faria a pergunta para as testemunhas. Eu reduziria tudo a termo em uma escritura, entregaria e peticionaria. Dito e feito, um advogado fez as perguntas, o outro também fez. Houve ali uma contradita. Eu reduzi a termo tudo o que foi dito, lavrei essa escritura, eletronicamente peticionei e encaminhei. Então, uma das propostas que temos, por exemplo, para trazer é a de os cartórios, como serviços auxiliares do Poder Judiciário, serem esse ponto de realização dessas audiências, quando eventualmente aquelas pessoas não dispuserem ou o próprio juiz achar que seja melhor que sejam ouvidas lá do que por meio de videoconferência. Há outros desafios, como, por exemplo, melhorar a nossa prestação de informações no registro civil. Há hoje uma central — penso que alguém vá falar sobre ela — de registro civil, que permite que o cidadão peça uma certidão sua de nascimento ou de casamento, por exemplo, ou a de outra pessoa, claro, de óbito, em qualquer ponto do planeta. Ele recebe essa certidão, que pode ser materializada ou pode ser usada tão somente em meio digital. Então, temos a tranquilidade de que nós melhoramos muito. Nós prestamos relevantes serviços já em meio digital, mas temos muito a melhorar.
11:41
RF
É muito oportuno o conteúdo desta Comissão. Excelência, o que se faz e se altera em uma norma de cartório transforma a vida efetivamente dos brasileiros. Transforma-se ali num momento de registro de nascimento, de noivado, de celebração do casamento, de protesto da sua dívida, de transferência do veículo que se faz, de compra e venda do imóvel, de testamento, etc. Transforma-se até num momento depois da morte, na medida em que determina o tempo e a segurança com que os seus herdeiros vão receber os seus bens. O que se fizer aqui terá um efeito na vida de todos os brasileiros, sem exceção.
A ANOREG agradece novamente por esta oportunidade e dispõe-se a contribuir efetivamente com respeitosas proposições de, por exemplo, um anteprojeto de lei. Continuem contando com o serviço eficiente dos cartórios brasileiros.
Obrigado, Excelência.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Agradeço as palavras do Dr. Allan, que representa aqui a ANOREG.
Convido agora o Sr. Hércules Alexandre da Costa Benício, Tabelião do 1º Ofício do Núcleo Bandeirante de Brasília, representando o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil — IEPTB e o Colégio Notarial do Brasil — CNB. (Pausa.)
Bom dia, Dr. Hércules.
Antes de passar a palavra para V.Sa., eu gostaria de fazer essas considerações introdutórias que eu já fiz. Realmente, precisamos avançar. É nesse sentido que nós gostaríamos de ouvi-los sobre o que tem sido feito, o que falta a fazer, o porquê, quais são as dificuldades econômicas, às vezes, tecnológicas ou mesmo por falta de uma regulação que permita fazer A ou B. É essa experiência que nós gostaríamos de ouvir agora do Colégio Notarial do Brasil.
O SR. HÉRCULES ALEXANDRE DA COSTA BENÍCIO - Muito bom dia, Deputado Lafayette de Andrada. É uma grande honra, para o Instituto de Estudo de Protesto de Títulos do Brasil, para o Colégio Notarial do Brasil e para o seu Conselho Federal, estar aqui para compartilhar algumas angústias e também relatar avanços quanto à "despapelização" dos cartórios.
11:45
RF
Uma coisa é certa, e o amigo Allan já antecipou: a Constituição determina que compete privativamente à União legislar sobre registros públicos. No art. 22, inciso XXV, isso está lá com muita clareza. Contudo, há uma lei de 1973 quanto aos registros públicos, que vem sendo atualizada, e há um Estatuto de Notários e Registradores, de 1994. O protagonismo hoje, contudo, vem sendo grandemente tratado pelo Conselho Nacional de Justiça — CNJ. É preciso estabilizar regras a fim de uniformizar o comportamento de notários e registradores.
Um exemplo dado pelo colega Allan foi no sentido de que o ato eletrônico vem em um ambiente de desterritorialização. Ora, quer dizer que, em qualquer momento do dia, em qualquer lugar do Brasil, eu posso interagir com uma unidade de serviço, por exemplo, apresentando um título para registro no cartório de imóveis? Hoje é assim. O protocolo é eletrônico. A qualquer hora do dia, eu posso chegar, digitalizar o meu título, por exemplo, uma escritura de compra e venda e levar a um protocolo.
Eventualmente, no Espírito Santo — como foi dito pelo Allan —, eu poderia eleger um tabelião do Distrito Federal porque há uma distinção de emolumentos? O CNJ disse: "Alto lá! Eu preciso manter o tabelião de aldeia lá do interior do Brasil". Ele falou aqui do Município de Serro, em Minas Gerais. "Eu preciso manter esse tabelião de aldeia porque, se por um acaso, com disparidade emolumentar, eu autorizo que qualquer pessoa use serviços notariais de outra Unidade da Federação, provavelmente, com a Internet, eu vá fulminar os tabeliães de unidades da Federação cujos emolumentos sejam mais caros". Não é isso o que o CNJ quer.
Há, portanto, um provimento da Corregedoria Nacional de Justiça — é interessante que se diga. É o Provimento nº 100, de maio de 2020, quer dizer, um provimento é um ato administrativo monocrático. O Corregedor assina-o. Qual é a estabilidade que tem o provimento? É preciso que haja lei, para que essa norma atenda os ditames constitucionais. Compete privativamente à União legislar sobre registros públicos e também sobre os serviços notariais. Pois bem, o que disse o CNJ? "Ora, para evitar a concorrência desleal, predatória mesmo, haverá uma territorialidade para os serviços eletrônicos dos tabeliães de notas".
Contudo, se a Internet gera desterritorialização, como você está me dizendo que, logo com o documento eletrônico, vai haver uma territorialidade, se a norma federal diz que o tabelião é de livre escolha? Por mais que eu esteja comprando um imóvel em Vitória, no Espírito Santo, por mais que eu more em Vitória, por mais que o vendedor seja de Vitória, eu posso eleger um tabelião de outro lugar. Isso só pode acontecer no plano físico, só na assinatura autográfica do papel. No documento eletrônico, existe territorialidade, senão nós fulminamos o tabelião de aldeia. Com razão, fizera isso o CNJ.
Agora é preciso que o Parlamento, então, se debruce sobre esse tema. Como conseguiremos conciliar a existência de vários atores? A capilaridade é fundamental. A população é atendida lá na ponta da lança, por meio de uma unidade de serviço notarial e registral. Isso foi endereçado pelo CNJ, e o Parlamento, certamente, irá tratar desse tema também.
11:49
RF
Algo importantíssimo, que foi o preâmbulo da apresentação do colega Allan, é a essencialidade dos serviços notariais. Dizem que isso parece uma jabuticaba brasileira ou que esses serviços são de origem lusitana, que isso faz parte da nossa colonização. Não, a força de um registro público — acho que o colega Flauzilino vai falar disso aqui — gera um mercado, gera garantia, gera tráfego de riquezas. É isso que precisamos verificar.
Na pandemia, com a restrição de circulação, os serviços foram muito demandados. Ninguém deixou de nascer durante a pandemia. Ninguém deixou de se casar. As videoconferências ocorreram. Porém, nós precisamos verificar como colher manifestação de vontade. E o Allan disse: "Notários e registradores são profissionais do direito que lidam com a segurança jurídica". E o que é a segurança jurídica no caso de manifestação de vontade?
Eu preciso saber qual é a autoria daquela manifestação de vontade: foi aquele rapaz mesmo que disse que se dispõe a casar com a outra pessoa ou foi um estelionatário? Eu preciso saber a autoria da manifestação de vontade e preciso também da garantia de integridade do documento, seja o documento eletrônico, seja o documento papelizado. No papel, nós temos uma base firme. Nós vamos verificar se houve ali manipulação, uso de produto químico para apagar algum trecho ou colocar outro trecho. Eu verifico uma assinatura com um padrão de força, cadência, na assinatura autográfica.
E o documento eletrônico? Opa! Documento eletrônico parece que é um substituto funcional do documento papelizado. Para ser um substituto funcional, eu preciso exatamente verificar a autoria e garantia de integridade. Como se faz isso? Vem uma lei em 2020, pouco depois do Provimento nº 100, do CNJ, a Lei nº 14.063, que diz que existem três tipos de assinatura eletrônica para se poder garantir a autoria e integridade aos documentos.
Um tipo de assinatura que não garante muita coisa, porque é superfrágil, é a tal assinatura eletrônica simples. É aquela em que você recebe um e-mail, e, do outro lado, está dito: "Clique nesse botão para assinar este documento". Muitas plataformas usam isso. As pessoas usam eventualmente para assinatura de contratos de locação, o que pode ser frágil demais. Isso porque alguém lhe mandou um e-mail, e aí, por meio dessa plataforma, o que você fez foi só apertar um botãozinho, quando muito, desenhou alguma coisa. Quem garante que o destinatário do e-mail carrega aquele CPF mesmo que foi dito? Essa é uma assinatura simples, para questões de somenos importância.
Assinatura simples gera algum tipo de cadastro. Por exemplo, quando alguém me manda um e-mail, a plataforma vai capturar a geolocalização da máquina, o IP da máquina, e vai saber que foi para aquele e-mail, foi para aquele CPF que eu cadastrei. Isso é simples. Ela não dá garantia de univocidade quanto ao signatário do documento.
E há outros tipos de assinatura eletrônica, bem mais sofisticadas, conforme diz a Lei nº 14.063, que são a assinatura avançada e a assinatura qualificada. A assinatura qualificada é fácil de identificar, é aquela em que o signatário utiliza um certificado digital dentro da infraestrutura de chaves públicas do Brasil, a ICP-Brasil, que, de resto, já foi criada desde 2001, pela Medida Provisória nº 2.200.
11:53
RF
Lá, nós temos que todo documento eletrônico assinado com certificado ICP-Brasil goza de validade e eficácia. Isso está tranquilo. Desde 2001, nós já temos a ICP-Brasil. Porém, a ICP-Brasil parece ser cara ainda. As pessoas não têm muitas condições de ter um certificado digital expedido dentro dessa infraestrutura de chaves públicas, cuja raiz é o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação. A Autoridade Certificadora Raiz está lá, uma autarquia vinculada ao Executivo Federal. Tudo bem, mas parece que, desde 2001, existe a Medida Provisória 2.200, e nós estamos falando em apenas 10 milhões de certificados digitais nas mãos de várias pessoas jurídicas, isso até predomina, porque a transação com a Receita Federal por pessoas jurídicas já se impõe.
Para além dessa forma de assinar com certificado qualificado, existem as assinaturas avançadas. E aí eu preciso verificar que a Lei de Registros Públicos recebeu avanços muito atuais, por exemplo, de uma lei de 2022, a Lei nº 14.832, a Lei do SERP — Sistema Eletrônico dos Registros Públicos, que é bem recente. Aqui eu faço referência à Lei nº 14.382, de 2022. Ela alterou o art. 17 da Lei de Registros Públicos, para, no § 1º, dizer:
Art. 17...........................................................................................................................................
§ 1º O acesso ou envio de informações aos registros públicos, quando realizados por meio da internet, deverão ser assinados com o uso de assinatura avançada ou qualificada (...), nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça.
O Parlamento delegou à Corregedoria do CNJ o poder de definir qual vai ser a assinatura avançada que poderá transacionar com os serviços notariais e de registro.
E aqui eu levanto a mão para perguntar o seguinte: para que eu possa pedir uma certidão de nascimento, eu precisaria de assinatura avançada? Não seria suficiente a assinatura simples? Por que eu tenho que ter uma identidade sofisticada. E se eu for um estelionatário? Eu terei acesso àquela base pública de certidão de nascimento. Talvez, possa haver um melhoramento.
Eu quero uma certidão de inteiro teor de uma matrícula. Eu preciso de uma assinatura avançada ou qualificada para esses atos de somenos importância em relação à autoria e integridade da manifestação de vontade? Talvez, possa haver um aprimoramento.
No entanto, o certo é que, em regra, quanto aos cartórios, como lidam com segurança jurídica, está correto dizer que eu preciso de maior seriedade na identificação da autoria da manifestação de vontade. Por isso, eu preciso checar qual é a seriedade dessa assinatura avançada e o que são assinaturas avançadas.
A Lei nº 14.063 traz alguns rigores para verificarmos como eu devo lidar com a assinatura avançada. Trata-se do art. 4º da Lei nº 14.063. E qualquer empresa pode dizer: "Olhe, eu produzo assinatura avançada, então use comigo". Espere aí, eu preciso saber qual é o grau de seriedade dessa empresa, porque ela vai ter um módulo criptográfico que precisa ser resistente a ataques. Então, não vai ser qualquer uma. Eu vou precisar passar por um crivo de auditoria daquele módulo criptográfico.
11:57
RF
A Lei nº 14.063, no seu art. 4º, diz o seguinte:
Art. 4º Para efeitos desta Lei, as assinaturas eletrônicas são classificadas em:
I - assinatura eletrônica simples:
(...)
II - assinatura eletrônica avançada:
(...)
III - assinatura eletrônica qualificada:
As simples eu já disse que não são tão firmes; as qualificadas eu já disse que são poderosas; mas, em relação às avançadas, a lei diz que são as que utilizam certificados não emitidos pela ICP-Brasil. Isso quer dizer que a autoridade certificadora não é aquela raiz do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, é outra autoridade raiz.
Então, serão usados:
Art. 4º......................................................................................................................................................
................................................................................................................................................................
II - (...) certificados não emitidos pela ICP-Brasil ou outro meio de comprovação da autoria e da integridade de documentos em forma eletrônica, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento, com as seguintes características — a musculatura da assinatura avançada:
a) está associada ao signatário de maneira unívoca;
b) utiliza dados para a criação de assinatura eletrônica cujo signatário pode, com elevado nível de confiança, operar sob o seu controle exclusivo;
c) está relacionada aos dados a ela associados de tal modo que qualquer modificação posterior é detectável;
Normalmente, dizemos que a assinatura avançada também envolve a criptografia assimétrica. Eu tenho uma chave privada, uma chave pública. Se alguém alterar aquele conteúdo do documento, eu vou ter uma alteração do resto do documento. Aí o documento foi adulterado. A assinatura avançada é firme, mas eu preciso saber qual é o grau de seriedade das empresas fornecedoras de chaves públicas e privadas no Brasil. O que fez o legislador? Submeteu esse crivo ao estudo do Conselho Nacional de Justiça.
O que precisamos verificar é o seguinte: como o legislador brasileiro vai ajudar para que o Brasil não desperdice experiências? Nós temos experiência do ITI. Quando se foi lidar no âmbito do Gov.br, o ITI foi chamado para se saber qual auditoria é preciso fazer para essas assinaturas avançadas poderem prevalecer no âmbito do Gov.br. Esse é o primeiro ponto.
Outro ponto: prestigiemos os notários do Brasil, que já têm toda uma infraestrutura de chaves públicas e privadas com os certificados notarizados. E o amigo Allan falou que, nesse meio-tempo, entre maio de 2020 até agora, em meados de 2023, foram mais de 1 milhão e 167 mil certificados emitidos pelos notários do Brasil.
Os notários do Brasil, nessa comunidade de confiança, têm os cartões de autógrafos dos brasileiros. Esses cartões de autógrafos já representam uma depuração de mais de 72 milhões de CPFs. Sabemos quem são esses CPFs. Conseguimos fazer batimento com base pública, por exemplo, da Secretaria Nacional de Trânsito. Via SERPRO, o tabelião consegue ver a biometria facial de alguém e dizer: "Você não precisa nem me mostrar a identidade. Eu sei que a chance de esse CPF ter este semblante, essa biometria facial, é de 94%". Beleza! Você é você. Isso dá um conforto.
Então, o avanço tecnológico traz até mais segurança jurídica na estabilização das provas. A prova no papel pode ser até mais falha, mais frágil do que a prova em documento eletrônico. Avançamos muito. Como eu disse, a Lei de Registros Públicos foi recentemente alterada pela Lei nº 14.382. E digo mais: veio uma lei agora, de 2023, que foi a conversão da Medida Provisória nº 1.162. Eu faço referência à Lei nº 14.620, de 2023, que enxertou o art. 17-A na Lei nº 14.063, de 2020, a Lei das Assinaturas Eletrônicas, para dizer que instituições financeiras podem interagir com os cartórios por meio de assinatura avançada ou assinatura qualificada.
12:01
RF
O que precisamos verificar é: quais serão as assinaturas avançadas sérias no Brasil? Decerto não é qualquer pessoa que hoje ostente um bandeirinha e diga: "Venha aqui que eu tenho um modo criptográfico. Eu gero um par de chaves, uma criptografia assimétrica, e você vai estar tranquilo". Qual é o grau de perenidade desse tipo de prestação de serviço? Qual é o grau de seriedade? Precisaria haver uma retaguarda econômica mínima para poder prestar esse tipo de serviço para o Brasil?
Então, isso é algo importante. Para além dessas questões mais técnicas sobre formas de assinatura, nos registros públicos houve um salto para o futuro quanto à Lei do SERP, a Lei nº 14.382, que precisamos fazer acontecer.
Quanto à racionalização, eu usei o termo "o não desperdício da experiência". Vamos verificar: o oficial do registro de imóveis — provavelmente teremos a fala aqui do colega Flauzilino — tem uma base de dados e um repositório de matrículas. Essas matrículas podem ser disponibilizadas para o mercado de uma forma, talvez, mais rápida e facilitada quanto a quais são os direitos ativos na matrícula desse imóvel. Isso porque, se eu envio para o mercado só um PDF, um arquivo eletrônico, eu estou despapelizando o cartório. Tudo bem. É suficiente despapelizar o cartório? Não, é importante disponibilizar dados estruturados para fácil e rápida adoção de, por exemplo, uma escritura pública. Eu quero saber, no caso daquele imóvel específico, em Brazlândia, quem é o proprietário, quem é o credor hipotecário ou o credor fiduciário. Se rapidamente eu tiver essa informação já depurada pelo registro de imóveis, melhor.
Outra questão quanto ao tabelião de notas: se você lavrou uma procuração pública autorizando transação imobiliária, se você lavrou um substabelecimento, uma revogação, isso precisa estar à disposição imediatamente daqueles registradores de imóveis, que vão querer saber se uma procuração está ativa ou se ela já foi revogada ou subestabelecida. O dever de casa do Colégio Notarial do Brasil é disponibilizar esta ferramenta rapidamente para o Brasil. E isso aqui já está no radar, ainda para 2023, pelo Conselho Federal do Colégio Notarial do Brasil.
Nós temos também na nossa agenda, já para agora, a apresentação de possibilidade de escrituras que sejam inteligentes, para que as partes possam transacionar e já fazer o título definitivo de transferência por mais que não tenha havido nesse momento ainda a quitação do imóvel. Como a quitação vai ser paulatina, pela plataforma do e-Notariado dos Notários Registradores, teremos smart escrituras, para o fim de poder controlar o recebimento destas prestações na aquisição de imóveis.
Quanto ao protesto, é certo dizer que a Lei nº 9.492, de 1997, recebeu um avanço muito poderoso, no ano de 2018, pela Lei 13.775, que enxertou o art. 41-A, que trata de uma central nacional de serviços eletrônicos compartilhados entre os tabeliães de protesto. O que fazem hoje? Disponibilizam pela CENPROT Nacional, essa Central de Protesto, consulta gratuita dos títulos protestados em todo o Brasil por todos os tabeliães de protesto — 3.779 tabeliães de protestos do Brasil. É uma consulta gratuita. Houve um avanço forte no Provimento nº 87, do CNJ, que hoje está no Código Nacional de Normas, no Provimento nº 149, de 2023, que sistematizou, consolidou os vários provimentos do CNJ. Eu falei do Provimento nº 87, do CNJ, que padronizou os serviços de protesto no Brasil e que está hoje no âmbito do Código Nacional de Normas do Provimento nº 149, do CNJ, que consolidou todos os provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça.
12:05
RF
O protesto, de forma ágil, viabiliza o credor receber, sem judicializar, seu crédito, a satisfação do crédito, isso é fundamental, o apoio às certidões de dívida ativa. É interessante ver como a Fazenda Pública usa o serviço de protesto. É importante dizer que não só a padronização mas também o Provimento nº 86, do CNJ, trataram da gratuidade para os credores. É importante que esse Parlamento divulgue ao Brasil que os credores podem enviar gratuitamente os títulos ao tabelião de protesto, que, gratuitamente para o credor, vai fazer o serviço de intimar o devedor e dar 3 dias para o devedor pagar o crédito. Isso é lindo.
De resto, o Projeto de Lei nº 4.188, de 2021, que já foi encaminhado à sanção, também trata de estabilizar o que já estava no Provimento nº 86, do CNJ.
Então, com essas breves palavras, o Colégio Notarial do Brasil e seu Conselho Federal e o Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil agradecem pela oportunidade e parabenizam o Parlamento por este engajamento e pelo cuidado na promoção de serviços com qualidade e na discussão de tema tão atual, como o dos documentos eletrônicos.
Muito agradecido.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Eu agradeço ao Dr. Hércules, que falou aqui pelo Instituto de Estudos de Protesto de Títulos e também pelo Colégio Notarial, pela sua participação.
Digo que, em breve, como eu já havia mencionado, nós vamos começar a produção legislativa e contar também com o apoio e a colaboração dos senhores. E tenho certeza de que há uma cobrança aqui: apertem os cartórios! Nós vamos conversar muito.
Existem vários assuntos sobre os quais precisamos conversar com mais tranquilidade, com mais calma, porque realmente precisam ser efetivamente regulados e parametrizados por lei, para um bom funcionamento dos cartórios em geral, a contento do que a sociedade deseja.
Agradeço, Dr. Hércules, a sua participação.
Vou convidar agora o Dr. Valter Shuenquener, que é juiz federal, doutor em direito público, professor da Faculdade de Direito da UERJ e Legal Staff na Secretaria de Assuntos Jurídicos da OEA, para usar da palavra. Ele vai participar via Zoom.
12:09
RF
Dr. Valter, a palavra está com o senhor.
O SR. VALTER SHUENQUENER - Muito obrigado, Deputado Lafayette de Andrada, a quem cumprimento e cumprimento a todos os que me antecederam nas falas.
Eu queria dizer que, infelizmente, não pude estar presencialmente. Estou falando aqui de Washington, nos Estados Unidos, onde eu me encontro em razão da função que estou desempenhando na OEA, na Secretaria de Assuntos Jurídicos.
Inicialmente, Deputado, quero parabenizá-lo pela criação dessa Comissão Especial tão importante. Eu arrisco dizer que essa Comissão toca num dos temas mais importantes para a governança pública, no direito contemporâneo, que é o tema, a bem da verdade, da transformação de um governo físico em um governo digital, um governo virtual. Este é o momento pelo qual nós estamos passando. Todos os que me antecederam — eu aprendi muito na manhã de hoje — chamaram a atenção para pontos que tocam nesta questão: o que está acontecendo na administração pública brasileira? O que está acontecendo nos órgãos de registro público, de mudança de transformação?
Eu acho que é sempre importante começar a fala destacando como o Brasil está na vanguarda, no mundo, a respeito dessa matéria. Eu acho que esse é um ponto de início fundamental, porque, às vezes, estamos na literatura, consultamos, vemos essa matéria e dizemos: "Ah, a Estônia!" Quando eu estava no CNJ como Secretário-Geral, um grupo de juízes fez uma visita à Estônia, que é um país de 1 milhão e poucos habitantes, quase a mesma população do paraíso Maceió. É um país que, com poucos habitantes, transformou-se digitalmente. Lá na Estônia, a pessoa, quando nasce, já tem login e senha! Portanto, é uma realidade completamente diferente da nossa, dado o nosso País, que é continental, com desigualdade social, com diversas instituições disciplinando o tema do registro.
Aqui nós ouvimos falar do CNJ, dos colégios notariais, do Poder Legislativo. Então, há uma multiplicidade normativa, sobreposição de atuação, o que torna o tema muito mais complexo, mas nós estamos na vanguarda, tanto no âmbito público quanto no âmbito privado.
Pix é uma invenção brasileira. Pix não é uma coisa que os países têm. Aqui nos Estados Unidos, para a pessoa fazer uma transferência on-line, de imediato, é uma confusão. Aqui se usa cheque, coisa que para nós é peça de museu no Brasil. Então, eu acho que é importante contextualizar que as mudanças estão ocorrendo de forma avassaladora.
E eu quero chamar a atenção, nesse aspecto, para duas plataformas que, a meu ver, são extremamente disruptivas e que tocam nesse tema da manhã de hoje. Uma delas é o Gov.br. E a minha intenção aqui não é ficar falando sobre o Gov.br, mas apenas colocar no holofote o que o Gov.br representa em termos de inovação, essa destruição criativa que ele proporciona. E a outra é a Plataforma Digital do Poder Judiciário Brasileiro — PDPJ-Br, começando de trás para frente, que consolida todos os microsserviços que são prestados pelo Poder Judiciário.
Qual era a realidade do Judiciário antes da plataforma? Cada um dos 91 tribunais tinha seu sistema processual, seu sistema de expedição de mandatos, de intimação, de tudo que era tecnologia. E a plataforma permite a interoperabilidade num único ambiente, criando o que hoje é chamado de CNJ Store, ou seja, uma plataforma em que os microsserviços são disponibilizados para os usuários do serviço da Justiça.
12:13
RF
Olhem que interessante: a PDPJ nos permite visualizar como o processo judicial — que antes era visto como de responsabilidade quase que exclusiva do Poder Judiciário — é algo que interessa, enquanto bem público, a todos os atores. Por quê? A OAB e o Ministério Público começaram a investir na PDPJ porque descobriram que esse investimento gera proveito para os próprios atores. A FEBRABAN, por exemplo, disponibilizou-se a desenvolver uma ferramenta para facilitar a intimação de credores, uma coisa que era inimaginável na época do processo judicial físico.
Muito se disse sobre atos notariais e reconhecimentos ou certificações virtuais eletrônicas que podem se dar por meio de um processo também. O processo eletrônico não é um processo físico na tela de um computador, é muito mais do que isso. E ele é muito mais por variadas razões. Em primeiro lugar, ele observa o princípio da ubiquidade. O processo eletrônico está presente em todos os lugares ao mesmo tempo. Isso vai gerar algumas reflexões. Por exemplo, a nossa lógica é uma lógica de divisão do Estado brasileiro por territórios. Foi dito hoje sobre desterritorialização. Isso gera um impacto tremendo. Muito se discute, hoje em dia, por exemplo, sobre quem tem atribuição para reconhecimento de firma, para autenticação de documento. Com a desterritorialização, por que eu, morando em São Paulo, preciso realizar um determinado ato em São Paulo, se posso fazê-lo em outro lugar que me cobre menos? A competição muda de patamar porque vira as costas para o território.
Esse é um ponto que eu acho revolucionário. O juiz, o servidor, no caso da Justiça, está presente em todos os lugares ao mesmo tempo, porque ele pode acessar, de tudo que é canto, o processo, as partes. Isso interferiu na advocacia. Por exemplo, quanto ao advogado que trabalha em Porto Alegre, o que o impede de ter um cliente em Fortaleza, em Maceió, em Natal, se o sistema processual pode ser acessado remotamente, se ele pode consultar as peças do processo e falar com o juiz remotamente? Isso interfere em nichos de advocacia.
Eu estou falando aqui de um setor específico em que a PDPJ mexeu, mas, se transportarmos isso para outras plataformas, a revolução é muito maior.
Em relação ao Gov.br, eu, pelo menos, sou assíduo utilizador dele, que acho magnífico. Ali nós conseguimos saber quando nos aposentamos, conseguimos ter o nosso CNIS, conseguimos saber inúmeras informações que, até pouco tempo atrás, eram tidas como informações a que só o Estado poderia ter acesso. Para eu conseguir o meu CNIS, eu tinha que fazer um requerimento ao INSS, enfrentar fila, agendar. Agora não, eu sei isso na tela do computador. E, naturalmente, esses serviços vão se incrementando, vão se ampliando. Não custa nada lembrar que o Gov.br só foi criado em 2019, e parece que é algo que já faz parte da nossa vida há muito tempo. Ele valida, como foi dito aqui, com diversas gradações, a assinatura das pessoas, dá um validador de assinatura digital. Todo esse movimento eu dou como exemplo. É óbvio que essas não são as duas únicas plataformas. Os cartórios desenvolveram uma belíssima plataforma, o e-Notariado, que foi já mencionada aqui. Inclusive recentemente, estando aqui nos Estados Unidos, eu usei o e-Notariado para validar uma procuração que outorguei a um terceiro. Então, é algo que funciona. Mas eu procurei dar dois exemplos de como nós estamos caminhando.
12:17
RF
Quero dizer que essa caminhada é fundamental, porque isso reduz despesa e torna o Estado brasileiro mais eficiente. Eu acho que esta, Deputado, talvez seja uma preocupação importantíssima do nosso Poder Legislativo: estimular a virtualização dos atos estatais, para trazer, e não afastar, a população para mais próximo do Estado, que é o que está acontecendo. É claro que existe exclusão digital e é preciso haver um movimento também de inclusão. Acho que uma lei que trate desse tema precisa se preocupar também com a inclusão digital. Mas é demonstrado que mais pessoas, percentualmente, têm acesso à Internet do que têm acesso, no mundo, a um Estado de Direito. Já se fez esse cálculo. Richard Sussekind demonstrou que, no mundo, mais pessoas dialogam com a tecnologia do que estão submetidas ao ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito.
Eu queria, rapidamente, apresentar três vantagens que, para mim, são muito nítidas nesse movimento de digitalização e de virtualização dos atos estatais para o mundo, saindo do mundo físico para o mundo digital. Uma delas é o fato de que, exatamente, o processo físico tem limitações que o processo eletrônico não tem. Por exemplo, esta talvez seja uma vantagem que ainda não está sendo adequadamente explorada: o processo eletrônico permite a mineração de dados. No âmbito do Judiciário, já se fala de uso de inteligência artificial com fundamento em petições que serão feitas com preenchimento de lacunas. E aí o juiz já vai receber uma minuta de sentença com base naquelas lacunas que foram preenchidas pelas partes. Por exemplo, um advogado requer uma aposentadoria por invalidez e preenche lá a petição preenchendo as lacunas no sistema. O perito judicial preenche o seu laudo também naquele formulário eletrônico. Isso gera um BI, um grande banco de dados e gera um projeto de sentença. E o juiz vai, naturalmente, avaliar se as informações batem com que o processo narra e vai julgar com base naquela peça que já foi, digamos assim, operacionalizada exclusivamente pelas informações disponibilizadas.
Então, eu acho que este é um ponto importantíssimo: um ato legislativo que cuide de processo eletrônico e de registro público tem que se preocupar com a forma de mineração dos dados. Isso pode ter valor. A monetização de dados é algo que é da essência da quarta revolução industrial. E isso é uma vantagem. O Brasil tem condições de explorar, dentro de padrões éticos naturalmente, esse potencial da monetização da virtualização.
12:21
RF
O processo eletrônico e o registro público eletrônico conferem celeridade à decisão do Estado e dos cartórios, obviamente. Cito até o meu exemplo pessoal: recentemente, eu precisei fazer uma procuração estando aqui, nos Estados Unidos. Se eu não pudesse fazê-la pelo e-Notariado, eu teria que me deslocar ao Brasil. Imaginem o custo de transação dessa operação! Não vale a pena, e você acaba não fazendo aquilo que era necessário ser feito. Portanto, celeridade caminha junto com redução de custo.
Eu gosto de colocar sempre no holofote o seguinte: no caso do Poder Judiciário brasileiro, desde que o CNJ passou a fazer a medição da despesa do Poder Judiciário por habitante, o custo dele sempre cresceu na sua história. A única vez que o custo foi reduzido foi durante o período do Programa Justiça 4.0, em que se apostou na virtualização dos processos. Essa foi a primeira vez que a despesa por habitante teve queda. Para mim, isso é uma demonstração inequívoca de como o investimento em tecnologia é o melhor investimento que um país pode fazer, porque ele confere celeridade, desburocratiza, simplifica e aproxima o cidadão da administração.
A terceira grande vantagem — na verdade eu falei que seriam três, mas eu estou acrescentando outras aqui —, a meu ver, é a transparência. Pegamos o Portal Nacional de Contratações Públicas. Durante um período, fui integrante do Comitê Gestor do PNCP. Isto é magnífico: o cidadão consegue saber o que está acontecendo num Município pequeno em termos de contratação, de licitação. A transparência também torna a gestão pública mais eficiente. Transparência nunca é demais.
Para não me alongar demasiadamente — eu separo agora a parte, talvez, mais importante da minha intervenção —, eu queria comentar alguns desafios, destacando seis tópicos.
O que eu acho que a discussão sobre digitalização e processo eletrônico não pode deixar de lado? O primeiro ponto — este inclusive, quando eu estava academia, na UERJ, na pós-graduação, no mestrado, era um tema recorrente — é o tema do viés discriminatório. Qualquer processo eletrônico, qualquer forma de decisão, qualquer forma de registo que seja feita com base em banco de dados precisa se preocupar com a governança da mineração, para evitar o que já é um problema na União Europeia e nos Estados Unidos: o viés discriminatório.
Há estudos e mais estudos sobre BIs, sobre tendências. Existe o velho exemplo daquele sistema que, por exemplo, indica que o negro está mais propenso a praticar crime, porque há um banco de dados que considera essa informação. E isso, obviamente, não faz o menor sentido. Mas, se essa extração de dados for feita sem a preocupação de evitar o viés discriminatório, esse é um risco que nós corremos.
E esse é um risco muito sério, porque existem algoritmos, principalmente em matéria de machine learning, que são opacos por natureza. O que eu quero dizer com isso? Nós não conseguimos saber o que levou a máquina em machine learning a sugerir uma decisão de uma determinada forma, por que ela disse que tal pessoa está mais propensa a praticar um crime. Nós não conseguimos identificar o motivo. Então, isso é algo muito sério. Já se fala até em se criar um comitê para atualização dos algoritmos. Esse é um tema que eu acho importante.
12:25
RF
Outro tema que não tem sido muito comentado, mas que eu acho que pode gerar problemas estruturais e que tem de ser objeto de preocupação de eventual lei sobre digitalização e processo, é o tema do equilíbrio de forças entre os entes da Federação.
O que é que eu quero dizer com isso? Vou dar um exemplo. Tradicionalmente, a matéria cartório é disciplinada ou pelo CNJ ou pelas corregedorias do Estado. Isso até já foi dito e reafirmado no dia de hoje e tem sido assim. Qual é o risco que surge? Vou dizer risco, mas isso é até uma constatação. A tecnologia tem, digamos assim, uma propensão monopolística. Por exemplo, normalmente, você vai ter uma situação em que a União vai querer desenvolver um sistema e aplicar em todos os entes da Federação. Esse movimento já está acontecendo. Basta mencionar o PNPC, basta mencionar o Gov.br. Portanto, matérias que, pela Constituição de 1988, são de competência dos Estados e Municípios começam a ser transferidas para a União e são sugadas pelo poder central.
E olhem que interessante: se começam a ser transferidas para a União, não vai demorar a ser transferidas para alguém de fora do nosso País. Quem rege o Uber não é o Brasil. O Uber já vem com o kit pronto. Tentamos ali estabelecer algumas regras, mas a queda de braço já está vencida, quando chega o fenômeno tecnológico. Portanto, acho que esta é uma preocupação importantíssima: como lidar com esse deslocamento do eixo de competências para o poder central.
E eu diria mais: deslocamento não só para o poder central, mas também para o Poder Executivo Federal. O que está acontecendo? O Poder Legislativo e o Poder Judiciário estão com uma participação reduzida nesse processo de formação normativa dessas tecnologias. Quem senta na cabeceira, como autoridade nacional de proteção de dados, na cabeceira do CNPD, que é o Conselho Nacional, quem senta na cabeceira do Gov.br., por exemplo, não é representante do Poder Legislativo, não é representante do Poder Judiciário.
Então, o que está acontecendo, que eu acho que deve ser objeto de preocupação, é um deslocamento para o poder central, um deslocamento para o nível federal. E eu nem falei de cartórios, mas obviamente os cartórios também estão sentindo essa tentativa de retirada de competências que tradicionalmente eram desempenhadas por outros atores.
Isso pressiona por uma mudança de competência regulatória. E aí eu acho que a saída, uma quarta reflexão que eu faria, é: a tentativa de criação de câmaras de coordenação, decisões coordenadas — a Lei de Processo Administrativo Federal já fala de decisão coordenada; a aproximação dos Poderes e dos entes da Federação, como já acontece, ainda que de uma maneira muito embrionária, mas no âmbito ambiental, com o CONAMA, por exemplo. Eu acho que esse é um movimento salutar para evitar rupturas e evitar até uma dificuldade no cumprimento de certas questões, certas regras.
Vai chegar o momento, a meu ver, em que, por exemplo, o Gov.br., não demora, vai validar a assinatura, de maneira que nós vamos perguntar o seguinte: por que é que eu tenho que ir a um cartório reconhecer firma se eu faço login, uso a minha senha e o sistema reconhece a minha senha?
Petição em processo judicial, por exemplo, nem é mais assinada. O advogado peticiona, mas não assina. Por que ele não assina? Porque, se ele juntou aos autos do processo, o sistema pressupõe que ele entrou com o login e a senha dele, e isso valida.
12:29
RF
Eu lembro que fiz uma reunião, um tempo atrás, com um juiz auxiliar da Suprema Corte da Rússia. Olhem que interessante. Não vou dizer que era a única, mas esta era a principal preocupação dele em relação ao processo eletrônico, porque a Rússia estava decidindo se adotaria ou não. Ele perguntou: "Mas é seguro? E, se alguém tirar a peça do processo, como é que vocês vão ter certeza?" A resposta que eu dei a ele foi a seguinte: "Seguros na vida só a morte e o pagamento de tributos, o resto é tudo incerteza. Agora, eu posso dizer uma coisa, é mais seguro do que a via física, porque, na via física, temos casos relatados de folhas de autos que eram desentranhadas, de advogado que comia nota promissória. Existem essas histórias. Agora, no processo eletrônico, eu não me lembro de ter ouvido algum caso de uma peça que desapareceu, até porque a parte contrária pode controlar, fazer o download de todo o processo e ver que está faltando tal peça". É muito mais complexo.
Aonde eu quero chegar? É muito provável que procedimentos de validação, de certificação que nós estamos acostumados a adotar desapareçam. Esse desaparecimento vai exigir uma nova formatação regulatória, através de uma regulação responsiva, uma regulação que não despreze, por exemplo, a expertise dos cartórios. Os cartórios precisam ser inseridos nessa dinâmica pela capilaridade e pela segurança que eles dão.
O meu receio é de que esse movimento se dê sem essa preocupação de oitiva, de efetiva participação de todos os atores que estão sendo afetados, para não chegarmos ao momento em que alguém diga assim: "Espere aí, mas por que é que eu tenho que reconhecer uma firma, se o Gov.br já valida a minha assinatura e se eu posso juntar uma petição nos autos de um processo judicial, algo seriíssimo, sem sequer assinar?"
Outro ponto que eu acho que exige uma reflexão é o armazenamento em nuvens. Tudo isso que estamos falando está relacionado com o Cloud Storage, ou seja, o armazenamento dos dados em nuvem, substituição de infraestrutura de peso, que é algo caríssimo, por armazenamento em nuvem. Nós temos o seguinte dilema, que não é só do Brasil, é também um dilema internacional: onde armazenar isso? Porque, em empresas como Amazon ou Google, o armazenamento não é feito em território nacional. Intuitivamente, não digo que é correto pensar dessa maneira, mas, intuitivamente, temos a seguinte ideia: "Não, espere aí, o Brasil tem que armazenar em território nacional os seus dados". Aí vem a pergunta: mesmo pagando mais caro por isso? Qual é o preço disso? Vamos contratar um sistema que eventualmente pode ser — não estou dizendo que é — mais barato, mais eficiente, e não vamos contratá-lo, porque ele está armazenado fora do País? E o que impede o armazenamento ser feito no País e algum hacker jogar toda essa informação para fora? Esse é um tema que o mundo inteiro ainda...
E temos até o seguinte questionamento: só podemos armazenar em empresas públicas como o SERPRO ou podemos armazenar em empresas privadas? Porque estamos falando de dados da população brasileira inteira. O Gov.br lida com informações de saúde das pessoas. Se aquelas informações forem vendidas para uma empresa de varejo, ela vai fazer miséria com aquilo, porque ela vai saber quem vai ficar doente, qual é o peso da população brasileira, qual vacina tomou, o que não tomou, enfim, vai ter muita informação valiosa. Essa é uma preocupação que eu acho que também existe. Vou falar de outra preocupação, a última, e vou encerrar minha fala. Eu me alonguei. Peço vênia, Deputado, mas esse tema me encanta bastante.
12:33
RF
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Estamos aqui ouvindo o senhor com muito interesse.
O SR. VALTER SHUENQUENER - A última colocação que eu trago para reflexão é a seguinte: o Estado, tradicionalmente, valida a sua autoridade por meio de uma composição cênica física. Nós estamos acostumados, desde criança, a ir a repartições que têm o pé-direito alto, cadeira com espaldar de mogno, móveis escuros. Por exemplo, aí esse é padrão mesmo, a Bandeira do Brasil à direita. Essa composição cênica não é irrelevante.
Quando nós andamos no Rio de Janeiro, por exemplo, na Primeiro de Março, vemos o Ministério da Fazenda, o Ministério do Trabalho, aqueles prédios que parecem prédios romanos, com colunas romanas, gregas. Isso é para quê? É para que o cidadão, nessa relação entre o Estado e o cidadão, sinta-se assim: "Eu tenho que aceitar isso, porque eu não tenho essa potência toda". Quando nós entramos em um tribunal, sabemos quem é o desembargador mais antigo em razão de onde ele se senta. Então, isso não é uma coisa irrelevante. A virtualização da administração pública mexe com isso. E esse é um dos fatores da resistência, naturalmente.
A minha avaliação é que o Estado vai ter que se reinventar para legitimar a sua decisão, porque ele não pode mais se legitimar com esse recurso, porque cada vez mais a relação não vai ser física. E a substituição que terá de ser feita, a meu ver, e acho que esta tem que ser uma preocupação de uma lei sobre registos públicos virtuais, etc., é a de transformação da preocupação formal em conteúdo. A decisão do Governo, a decisão do Estado, a decisão do juiz, a lei vai ser cumprida não porque um rito foi seguido em um determinado espaço físico, mas porque ela entrega um produto que a população aceita.
Portanto, eu acho que essa nova realidade vai prestigiar, muito mais do que ao longo da nossa história prestigiamos, o conteúdo em detrimento da forma. E o segredo, a meu ver, é uma lei que seja dúctil, flexível, que aceite modificações, que são muito velozes.
Eu vou dar só um exemplo aqui para fechar a minha fala. Eu disse que usei há pouco tempo o e-Notariado, que é um sistema magnífico. Não vou criticá-lo, porque eu gostei dele, já que ele me ajudou bastante. Mas olhem que interessante: a certa altura, eu tive que fazer uma videoconferência para mostrar que eu era eu, e eu já tinha enviado os documentos que eram necessários, tinha mandado tudo por e-mail. Fiz a videoconferência. Na videoconferência, a funcionária do cartório, muito educada, muito gentil, disse o seguinte: "Doutor, o senhor pode mostrar a sua identidade para mim?" Na hora, eu não estava com a minha identidade, estava só com a minha carteira de motorista dos Estados Unidos. Eu disse: "Minha senhora, eu não tenho a minha identidade, mas eu posso lhe dizer que eu sou eu. E a senhora tem o meu documento aí". Eu falei isso de brincadeira.
12:37
RF
Mas por que eu estou contando esse episódio? Eu não pude fazer, no primeiro momento, a validação. Eu tive que ir para casa, para, chegando em casa, pegar a minha carteira de motorista do Brasil, abri-la do meu lado e confirmar que eu era eu. O que eu acho que fica de lição aprendida, para mim pelo menos, em relação a esse episódio? Nós avançamos demais com o e-Notariado, só que muito mais precisamos avançar, porque não podemos pensar no mundo virtual sem nos desapegarmos daquilo que funcionava no mundo físico. Temos que nos desapegar disso.
Eu falei para ela: "Não faz sentido, minha senhora. A senhora não está vendo a minha foto no documento?" Ela disse: "Estou vendo, está aqui. O senhor mandou a carteira de motorista. É o senhor mesmo". Eu disse: "Pois é. Eu já assinei, com a validação do e-Notariado. Por que eu tenho que fazer isso?" "Ah! Porque é assim". Esse "porque é assim" é o que está gerando...
Eu não dei esse exemplo para criticar o e-Notariado, eu quero elogiá-lo, mas é um exemplo de como as mudanças são velozes. Portanto, qualquer lei que pretenda disciplinar este tema, na minha modesta opinião, precisa dar espaço para a mudança dinâmica, porque senão já vai nascer desatualizada. A mudança é cruel. Muda-se, muda-se, muda-se. Se duvidar, hoje já existe outro mecanismo, e, daqui a pouco, vai haver outro.
Deputado Marx Beltrão, eu queria mais uma vez agradecer por este tempo. Já passei da conta do tempo. Até vou me atrasar para outro compromisso que eu tenho, mas daqui a pouco eu ajusto lá. Parabenizo-o pela iniciativa, importantíssima iniciativa.
Também quero parabenizar, mais uma vez, os que me antecederam nas falas. Eu aprendi muito com as questões relacionadas a cartórios, à forma de certificação digital.
Sempre quero dar esta mensagem: de que nós não podemos tirar o Brasil da posição de vanguarda nesta matéria. Nós estamos na vanguarda em relação a um modelo de administração e de governo digital. Isso pode revolucionar, em termos de redução de desigualdade social. Isso pode trazer um impacto e uma inclusão social muito mais fortes do que a injeção de recursos em planos que entregam dinheiro público para pessoas específicas.
Eu sou um entusiasta desta matéria. Acho que temos muito ainda para avançar. Portanto, queria parabenizá-lo, Deputado. O senhor pode contar comigo para o que der e vier em relação a este tema.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Dr. Valter, agradeço demais a sua participação, que foi muito enriquecedora. Gostaria de dizer que vamos procurá-lo muito, para nos auxiliar neste nosso esforço. O senhor falou, brincando, que teve que apresentar a carteira de identidade para dizer que era o senhor mesmo. Agora, pior do que isso — e eu critiquei aqui o pessoal do INSS — é a prova de vida do velhinho, que tem que ir ao banco. Pelo amor de Deus! Hoje em dia ele pode inclusive mostrar a identidade, virtualmente, para o gerente do banco ou para um funcionário do banco. O velhinho que vai em cadeira de rodas, outro vai em maca, e ficam numa fila o dia inteiro. Eles saem não sei de onde para fazer prova de vida? Realmente precisamos apertar e chacoalhar o Governo. Eu reclamei quando o pessoal da Receita Federal e do INSS vieram a uma audiência pública desta Comissão.
12:41
RF
Mas agradeço muito ao senhor, Dr. Valter. A sua participação foi muito interessante, muito importante, com belas reflexões. Nós em breve vamos começar a fase de produção de textos efetivamente. Nós estamos agora ouvindo as instituições, ouvindo suas experiências e as suas dificuldades, mas nós vamos em breve começar realmente a produção dos textos e gostaríamos de contar, mais uma vez, com a colaboração do senhor, para elevar o nível dos nossos trabalhos. Muito obrigado por participar daí, de Washington. Boa tarde.
O SR. VALTER SHUENQUENER - Eu que agradeço.
Uma boa tarde a todos.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Nós vamos ouvir agora, também por videoconferência, o Dr. Robson Alvarenga, Conselheiro-Geral do Operador Nacional do IRTDPJ, representando aqui o Instituto de Registro de Títulos e Documentos e de Pessoas Jurídicas do Brasil — IRTDPJ.
Eu passo a palavra, então, ao Dr. Robson Alvarenga.
O SR. ROBSON ALVARENGA - Boa tarde.
Muito obrigado. Agradeço ao Deputado Lafayette de Andrada o convite e também a iniciativa deste debate.
Eu vim falar sobre o RTD, que é o Registo de Títulos e Documentos, a especialidade registral que trata de registro de qualquer documento, contrato ou direito que não seja de imóveis. Então, como todo serviço registral, a finalidade é dar autenticidade, publicidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos. No caso do RTD, nós tratamos do que não é imóvel.
Eu queria iniciar dizendo que o papel acabou. Durante muito tempo, essa foi a tecnologia empregada na civilização humana, mas ela já foi superada pela tecnologia eletrônica há várias décadas. Hoje podemos dizer que o papel acabou, que ele está nos seus últimos dias. É preciso lembrar que ele nunca foi perfeito, porque era um meio inseguro de prova. Havia vários defeitos: a assinatura em papel era muito ruim, era muito fraca. As tecnologias eletrônicas também não são perfeitas, mas são melhores, mais úteis, mais fáceis de circular. Um documento eletrônico tem uma versatilidade enorme, e precisamos aprender a usar e a nos beneficiar dessa tecnologia, mas sem esquecer que ela não é perfeita. Precisamos saber como usá-la, para escolher o nível de segurança que precisamos para cada tipo de ato.
No que se refere aos papéis que ainda existem, que precisam migrar para o meio eletrônico, os cartórios, o sistema registral já tem uma ferramenta, que hoje é a única capaz de transformar um documento em papel num documento eletrônico, que é o registo no RTD. Qualquer documento em papel registrado no RTD pode ser descartado e substituído por uma versão eletrônica desse documento, que vai ser conferido por meio de uma certidão do registro do RTD.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Esse registro é no RTD?
O SR. ROBSON ALVARENGA - É no RTD. Exato.
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - No RTD. Perfeito.
O SR. ROBSON ALVARENGA - Registro de Títulos e Documentos.
Então, esse registro pode ser feito tanto para fins de publicidade, quando a intenção da pessoa é de que esse documento seja acessado por todas as pessoas, quanto para o documento ao qual a pessoa não quer dar publicidade, quando pode fazer um registro para conservação, exclusivamente para conservação. Esse registro tem o custo médio de 1 real por página. Varia conforme o Estado, mas é um registro extremamente barato. Por meio desse registro, você transforma o papel num documento eletrônico. Passam a existir um registro eletrônico desse papel e uma certidão eletrônica desse papel, e o papel, então, pode ser descartado.
Esse registro para conservação prova a existência do documento, o conteúdo do documento, a data, com base na data do registro e não com base na data que consta no documento, porque a data que consta no documento é sempre insegura — a pessoa pode imprimir qualquer data que ela quiser —, mas a partir do momento em que há o registro, há uma certificação sobre a existência do documento naquela data. O registro também assegura a autenticidade das assinaturas que existam naquele documento. Com isso, o papel pode ser descartado de forma segura. O art. 161 da Lei de Registros Públicos, na redação recentemente alterada pela Lei nº 14.382, diz que a certidão no RTD terá a mesma eficácia e o mesmo valor probante que os documentos originais registrados, tanto os documentos físicos como os documentos digitais.
12:45
RF
Então, essa é uma ferramenta que está à disposição da população por um custo muito baixo, é o ato notarial registral mais barato que existe e que foi criado justamente para permitir que a migração de tudo o que é documento em papel que tem alguma relevância e que precisa ser migrado para o meio eletrônico seja feita através do RTD, com fé pública, para que esse documento eletrônico não seja uma cópia. Não é uma autenticação de cópia, é um registro, que pode ser consultado a qualquer momento e que tem o mesmo valor que o original. Esse é o primeiro ponto para o qual eu queria chamar a atenção, para que a sociedade brasileira saiba que pode deixar o papel de lado e que existe uma ferramenta para que a migração para o eletrônico seja feita de forma plena.
Também nesse ponto eu queria chamar a atenção para a questão da validade das assinaturas eletrônicas. Poucas pessoas sabem que uma assinatura eletrônica, depois de alguns anos, pode ficar em risco. Depois de alguns anos, fica difícil comprovar a autenticidade de uma assinatura eletrônica. Primeiro porque o certificado utilizado vai vencer. Os certificados digitais, mesmo os certificados digitais ICP-Brasil têm prazo de validade — normalmente, de 1 ano a 3 anos, podendo chegar até a 5 anos, no máximo. Depois de certo tempo, vencida a validade do certificado, a tecnologia de criptografia que foi utilizada para fazer aquela assinatura pode ser quebrada. É possível, especialmente agora, com a computação quântica, que tenhamos a quebra da tecnologia de criptografia depois de 8 anos, depois de 10 anos da criação daquela criptografia. Uma vez quebrada a criptografia, todas as assinaturas que usaram aquela criptografia vão estar sob suspeita. Então, não adianta você assinar o documento eletrônico, guardar no seu computador ou num servidor em nuvem e, daqui a 10 anos, querer usar aquele documento, que vai ter assinaturas vencidas e com uma confiabilidade muito reduzida ou até nenhuma. Se esse documento não tiver uma forma de revalidação, você pode perder a segurança jurídica que imaginava que tinha.
Uma forma de manter a validade dessas assinaturas ao longo do tempo é fazer todas as partes reassinarem o documento de tempos em tempos, a cada 3 anos ou 5 anos. Junta-se todo mundo de novo e se reassina o documento. Mas esse é um procedimento bizarro, impraticável.
O registro do documento no RTD congela a situação jurídica, ou seja, a partir do momento em que há uma verificação de que aquelas assinaturas eram válidas no ano de 2010, e aquilo foi registrado no RTD, eu posso dar certidão em 2050, dizer que aquelas assinaturas eram válidas, porque eu estou me pautando pela fé pública que foi verificada em 2010, quando aquela tecnologia não havia sido quebrada ainda.
Hoje precisamos estar atentos a isso. Documentos eletrônicos são extremamente úteis, mas há uma forma de tratar especialmente aqueles que tenham prazo longo de vida. Precisamos nos preocupar com isso, porque, senão, vamos ter uma crise. Eventualmente, daqui a 5 ou 10 anos, nós podemos ter uma crise de insegurança generalizada por conta de documentos que as pessoas imaginam que têm todo um potencial de segurança, que às vezes se perde ao longo do tempo. Também não sei se todos sabem que é possível usar o certificado ICP-Brasil vencido para assinar o documento. Basta mudar a data do computador. Você volta a data no seu computador em 2 anos e assina com o certificado vencido. Como é que se evita isso? Utiliza-se, no momento da assinatura, o Carimbo do Tempo. O Carimbo do Tempo é uma forma eletrônica de comprovação da data, em vez de se utilizar a data do computador. Mas ninguém utiliza o Carimbo do Tempo nas suas assinaturas. Ninguém, não, mas pouca gente utiliza, porque ninguém se preocupa com isso. Então, uma assinatura ICP-Brasil, hoje, que é considerada muito forte, sem o Carimbo do Tempo, é uma assinatura que tem uma fragilidade. Isso, passados 5 anos, 10 anos, torna-se extremamente frágil, talvez até ao ponto de invalidar completamente a segurança daquele documento.
12:49
RF
Então, o registo no RTD tem essa importante função, não só a de preservar o conteúdo, mas também a de dar validade para aquelas assinaturas no longo prazo. Isso é uma tranquilidade que pode ser explorada. Especialmente se tratando do registro para conservação, ao custo de 1 real por página, é um serviço bastante útil e a um preço muito acessível.
Agora eu queria falar sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos — SERP, trazido pela Lei nº 14.382. O SERP teve a intenção de aprimorar o serviço registral em vários aspectos, traz muitos aprimoramentos, mas tem uma principal novidade, que é muito revolucionária e que diz respeito ao RTD. O RTD vem sendo um registro feito no modelo de registros avulsos. Cada cartório de RTD, um separado do outro, faz o seu registro, e esse registo não é consultável. Se alguém quiser ver, ter acesso a um registro de garantia sobre uma máquina ou sobre um bem móvel registrado em São Paulo, precisa ir para São Paulo, pedir uma certidão no cartório de São Paulo. A mesma máquina pode ter sido dada em garantia em outra cidade, no Estado de São Paulo ou em outro Estado. O mercado, hoje, não consegue enxergar que existe isso, porque nunca houve uma ferramenta de consulta, ao mesmo tempo, de todos os registros de RTD do País. Então, para alguém ter certeza de que um negócio, como a garantia de uma máquina, é seguro, precisa pedir certidão nos 3.500 cartórios de RTD do País, o que é impossível. O SERP criou uma integração de todos os cartórios de RTD, por meio eletrônico, e criou uma consulta nacional de informações registrais, integrada por todos os cartórios. Isso significa que, a partir da implementação efetiva do SERP, o que deve ocorrer no início do ano que vem, haverá uma ferramenta na Internet, gratuita, para que qualquer pessoa possa consultar qualquer registro de RTD existente no País que envolva os seus bens móveis ou alguma dívida pendente sobre a pessoa. Isso significa que o mercado vai ter uma visibilidade que nunca existiu e vai poder medir se uma garantia sobre bem móvel realmente tem segurança, se realmente é efetiva ou não, se existe alguma outra garantia sobre aquele mesmo bem, se aquela pessoa é devedora de outros negócios ou consta como fiadora de alguma outra operação que possa comprometer o seu patrimônio. Então, essa ferramenta nacional é revolucionária, porque vai dar ao mercado uma visibilidade incrível, que nunca existiu, sobre a questão dos bens móveis. As garantias imobiliárias, sobre imóveis, no Brasil vão muito bem. É um mercado muito bem regulado. O Registro de Imóveis — RI trata muito bem disso, concentrando na matrícula todas as informações pertinentes a imóveis. Isso dá muita tranquilidade para o mercado e implica redução de custo de juros sempre que há uma garantia imobiliária. Mas pouca gente tem imóvel para usar como garantia. Então, essa mudança do SERP deve ter um impacto profundo para pequenos empreendedores e cidadãos em geral que não têm imóvel para usar como garantia e que vão poder usar bens móveis — o estoque do seu empreendimento, da sua pequena empresa —, os recebíveis. Qualquer direito de crédito, qualquer bem móvel, que antes era mal aceito pelos bancos, vai ser aceito e melhor avaliado. O banco, quando aceitava uma garantia sobre móveis, sabia que aquela garantia tinha um grande risco. Então, às vezes o banco exigia 3, 4, 5 vezes o valor em garantia em relação à operação. Mesmo assim, a redução de juros era pequena. O fato de existir uma garantia de bem móvel não ajudava tanto na redução do custo. Agora, com essa consulta nacional, essa integração de informações, a garantia sobre móveis vai ser muito mais confiável, muito mais previsível, e isso tende a gerar um impacto muito significativo na redução de juros sobre operações dessa natureza.
12:53
RF
Além disso, nessa mesma central do RTD nós também vamos concentrar as informações sobre as penhoras judiciais. As penhoras judiciais sempre foram um grande problema para o chamado Risco Brasil. Você tinha uma operação, tinha uma garantia, dava um empréstimo, e de repente aparecia uma penhora, que atropelava toda essa operação de garantia, surpreendia todo mundo, e havia uma discussão, então, de prioridade: "O que vai prevalecer? O contrato de garantia prevalece ou essa penhora? Depende da data do contrato, depende da data da penhora?" O fato é que ninguém tinha conhecimento da penhora e, muitas vezes, ninguém tinha conhecimento do contrato. Com a organização dessa consulta nacional, será possível ter acesso a uma fila nacional de prioridades, ou seja, o que está registrado ali vai ter prioridade sobre o que não está. Se uma penhora judicial foi decretada em qualquer Estado do Brasil, e o credor interessado nessa penhora não se deu ao trabalho de providenciar o registro, significa que ele não se deu ao trabalho de dar conhecimento para todo o mundo sobre a existência daquela penhora. O que vai acontecer? Sem essa notícia, o banco pode fazer uma operação de empréstimo, aceitar uma garantia daquele devedor, registrar essa garantia, e depois, quando acontecer o conflito entre essa penhora e a garantia registrada, o Judiciário tenderá a privilegiar o que foi registrado, que era a informação com publicidade plena, com publicidade real para todos. Por outro lado, se a penhora já estava registrada antes da garantia, evidentemente ela vai prevalecer sobre a garantia.
Então, essa modificação na forma de atuação do RTD, que passará a atuar junto, de forma integrada, e com uma busca nacional disponível ao mercado e a todas as pessoas, vai permitir a previsibilidade dos negócios e a resolução de qualquer conflito, não com base na data dos contratos, na data da penhora, mas sim com base na data do registro, porque o registro é que vai expandir a eficácia da penhora judicial do processo para todas as outras pessoas que não fazem parte do processo. Evidentemente, a decisão judicial tem eficácia imediata no processo. Todas as partes do processo estão imediatamente vinculadas à decisão judicial, mas, para que todo o Brasil esteja vinculado àquela decisão judicial, a publicidade registral vai gerar essa expansão da eficácia da decisão judicial para todo o País — e a mesma coisa vai acontecer com qualquer tipo de contrato. Qualquer contrato entre as partes vai ter a eficácia garantida para todo o País por meio desse registro e por meio dessa informação concentrada. Então, o que está sendo criado agora, com a implementação do SERP, é o paralelo do que há na concentração da matrícula de imóveis. Nós estamos criando a concentração de tudo o que é relevante em relação às pessoas e aos seus bens móveis na central do RTD, do SERP. Isso tende a impactar a vida de todo mundo e isso abrange bens móveis em geral — direitos, créditos. Isso pode abranger smart contracts, criptoativos, os direitos mobiliários que estão sendo paulatinamente regulados e que vivem hoje 100% com base na tecnologia. A tecnologia é muito útil, é prática, é versátil, mas não podemos nos esquecer de que ela tem riscos inerentes. Recentemente, vimos corretoras de criptoativos irem à falência — as maiores do mundo inclusive —, e isso gerou caos no meio, justamente porque, se a corretora fecha e os seus dados se tornam inacessíveis, ninguém consegue provar propriedade sobre nada que havia ali. A confiança na existência de uma empresa que tem um banco de dados é muito grande, mas temos que lidar com essa possibilidade. Se a empresa falir ou se extinguir por qualquer motivo, e esse banco de dados for corrompido, como também aconteceu recentemente, com grandes varejistas tendo que interromper seus serviços porque foram vítimas de hackeamento que comprometeu as informações sobre pedidos em andamento? Então, como vamos tratar na sociedade, nos próximos anos, de direitos eletrônicos ou mesmo de direitos tradicionais, mas que circulam pelo meio eletrônico, de forma muito útil, muito versátil, muito prática? Quando isso tiver certa importância, e o cidadão falar "eu quero ter algum outro mecanismo de proteção, que não seja simplesmente confiar numa empresa, que pode deixar de existir a qualquer momento", o sistema de registros públicos, então, especificamente o RTD, pode atender a essa demanda, porque no RTD podemos criar vários sistemas registrais de controle de direitos de propriedade sobre bens móveis em geral.
12:57
RF
Tem havido uma iniciativa por parte do Governo de regular diversos setores que precisam de algum controle, como, por exemplo, o de máquinas agrícolas. Existe todo um esforço para a criação de um mecanismo de controle das garantias sobre máquinas agrícolas, que envolvem patrimônio elevadíssimo e que podem ser às vezes furtadas numa determinada propriedade e serem direcionadas para outro lugar. Fica difícil rastrear isso. No RTD, através desse mecanismo de integração nacional de informações e através da figura da matrícula de bens móveis, que foi criada também pela recente Lei 14.382, pode ser feito o rastreamento, com base num código específico que identifica aquela determinada máquina, ou seja, é possível que qualquer documento que apareça com aquela máquina, independentemente da pessoa envolvida, seja cruzado com todos os outros registros. Dessa maneira, se alguém furtar uma máquina agrícola em um Estado, levar para outro Estado, e em algum momento essa máquina for utilizada para garantia, isso vai aparecer no sistema, e pode ser detectado, então, esse furto, porque o equipamento vai ser identificado por um código único nacional. Qualquer bem móvel que possa ser identificado por um código único pode ser objeto de controle específico no RTD, que pode espelhar o que temos com o sistema de matrícula imobiliária. Eu vim trazer essa ideia de que o RTD está disponível para usar essa competência de registro amplo, de qualquer tipo de direito, e para formatar isso conforme a necessidade da sociedade, para atender determinados segmentos de uma forma variada, sempre com base na ideia de concentrar a informação e divulgar isso, para permitir o controle das pessoas. Dependendo do segmento, é necessário criar uma customização, para atender aquele segmento, um tipo de busca especial, mas, a partir desse sistema único nacional, vamos ter condições de atender qualquer tipo de demanda referente a bens móveis. Para que isso funcione bem em todo o País, nós estamos desenvolvendo não só a Central Nacional de RTD, que já existe e está sendo aprimorada, mas também um sistema que os cartórios vão poder usar internamente para a prática dos atos registrais, para garantir a maior uniformidade possível do processamento dos registros 100% eletrônicos em todo o País. Então, não só o recebimento de documentos vai ser feito na via eletrônica, como também todo o processamento interno do cartório. Por menor que seja o cartório, por menor que seja a cidade, haverá essa ferramenta disponível, para que ele possa entregar um registro com a mesma qualidade tecnológica do registro feito numa capital. Nós temos também a recente novidade do Projeto de Lei nº 4.188, que foi aprovado e está aguardando sanção presidencial, que traz também para o RTD a questão da busca e apreensão extrajudicial de bens móveis e de veículos. Isso também está inserido dentro desse contexto, dessa ferramenta nacional, que vai ser 100% eletrônica. Então, os credores e as partes, os devedores vão ter acesso a todo esse procedimento de forma eletrônica. Vai ser um procedimento totalmente automatizado, que vai trazer muita agilidade e redução de custos e que vai permitir não só o acompanhamento eletrônico de todas as fases, mas também a inclusão das informações sobre isso nessa busca nacional. Então, se um veículo estiver sendo objeto de busca e apreensão, a informação sobre isso vai constar nessa central nacional, nessa consulta gratuita nacional, juntamente com todas as demais informações sobre bens móveis. Nós esperamos realmente que essa ferramenta tenha um impacto na melhora de vida das pessoas, na melhora de acesso ao crédito, porque o crédito mobiliário tem potencial para ser muito maior do que o crédito imobiliário. Ele só não é tão bem explorado no Brasil porque havia uma falta de confiança na formatação disso. Com isso, o Brasil tem a oportunidade de se desenvolver muito, já que a economia de qualquer país depende de acesso ao crédito, e esse acesso ao crédito precisa vir num custo adequado.
13:01
RF
Agradeço mais uma vez a oportunidade e fico à disposição da Comissão.
13:05
RF
O SR. PRESIDENTE (Lafayette de Andrada. Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Agradecemos ao Dr. Robson Alvarenga, que trouxe informações sobre as importantes inovações que estão sendo construídas no âmbito dos registros.
Como disse anteriormente, vamos em breve iniciar a fase de produção de textos legislativos e queremos contar com o apoio do Dr. Robson e de todo o RTDPJ.
Eu vejo que várias inovações estão acontecendo e que são importantíssimas, mas o juiz que primeiro falou aqui, o representante do Supremo, disse que, na verdade, muito do que tem sido feito foi feito em cima de regulamentação sublegal. São resoluções, despachos, e nada disso está em nenhuma lei. Nós temos aí uma resolução da Receita Federal, uma resolução do Banco Central, uma resolução do CNJ, e não há nenhuma lei que discipline nada disso. Então, nós precisamos efetivamente conferir segurança jurídica, na produção do arcabouço legal, para que esta realidade tecnológica venha em favor da sociedade. Se não tiver atrás de si um escopo legal, uma segurança jurídica, ela acabará trazendo problemas para o cidadão lá na frente, e o objetivo desta Comissão é justamente o de não deixar que isso aconteça. Nós desejamos fazer uma boa legislação, para que todos tenhamos segurança jurídica, para que a lei confira efetivamente a segurança jurídica que todos nós desejamos.
Agradeço, Dr. Robson, a sua participação. Vamos convidá-lo mais vezes para conversar sobre esses temas todos que envolvem os cartórios, porque é realmente um capítulo melindroso, que merece atenção muito especial da nossa parte. Mais uma vez agradeço as suas palavras.
Como o nosso horário está avançado, vamos encaminhar o encerramento, agradecendo a presença de todos.
Nada mais havendo a tratar, fica convocada reunião de audiência pública para data e horário a serem posteriormente informados.
Declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado a todos.
Voltar ao topo