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O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Sras. e Srs. Parlamentares, caros colegas, prezados consultores legislativos, prezados palestrantes, demais amigos presentes, muito bom dia. De antemão, quero agradecer a todos os que aqui estão fisicamente ou de modo virtual.
Hoje realizaremos uma audiência pública na qual iremos tratar do tema Automação e reflexos na empregabilidade. Este tema foi proposto pelo grupo de estudos Inteligência Artificial, Inclusão Digital, Automação do Trabalho, Empregabilidade e Previdência: Desafios e Soluções, relatado por mim. O objetivo da audiência é avaliar a complexidade das inteligências artificiais como tecnologia inovadora no mercado de trabalho, os possíveis impactos dos grandes segmentos do mercado de trabalho, as possíveis alterações no status social e remuneratório das profissões e os desafios da qualificação profissional no ambiente das inteligências artificiais.
A automação pode criar novas profissões, especialmente na área de desenvolvimento, manutenção e supervisão de sistemas automatizados. Profissões focadas em habilidades humanas, como criatividade, empatia e tomada de decisões complexas, também podem ganhar destaque. A inclusão digital e o acesso a programas de aprendizados que abordem as novas demandas do mercado de trabalho são desafios importantes a serem enfrentados. A crescente automação pode exigir uma reavaliação do conceito de trabalho, levando, isso é importante, a discussões sobre jornadas mais curtas, novos modelos de emprego e uma possível revisão do sistema previdenciário. Em suma, a automação e as inteligências artificiais oferecem inteligência e inovação, mas também apresentam desafios significativos para a empregabilidade, exigindo respostas proativas em termos de educação, políticas públicas e reestruturação social, para garantir uma transição suave ao futuro do trabalho.
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O Sr. Aguinaldo fez graduação e mestrado em Economia pela Universidade de São Paulo e doutorado em Economia Aplicada pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. Foi Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA, e atualmente é Especialista em Políticas de Emprego e Mercado de Trabalho do Escritório da Organização Internacional do Trabalho no Brasil.
O Sr. Luis Claudio fez graduação em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e é mestre e doutor em Administração pela mesma universidade. Atualmente, é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, tem experiência docente no ensino superior e profissional nas áreas de telecomunicações, consultoria e marketing.
O terceiro palestrante é o Sr. Gilson Geraldino da Silva Junior, que está participando pela plataforma Zoom. O Sr. Gilson Geraldino é bacharel e mestre em Economia, ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais, e doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professor na Universidade Federal de Santa Catarina e faz pesquisa sobre Economia da Inovação.
Queria, em nome do Escritório da Organização Internacional do Trabalho no Brasil, agradecer o convite. É um prazer estar aqui com todos.
Eu vou tentar fazer um breve apanhado de alguns estudos que a OIT tem feito sobre o tema, alguns estudos que eu e algumas outras pessoas da academia temos feito.
A OIT ainda não tem uma visão em alguns aspectos, por exemplo, da regulamentação do trabalho por plataformas, aplicativos. Mas é um tema que está sendo debatido lá, como as questões previdenciárias, que o nobre Deputado mencionou, os impactos das novas tecnologias sobre essas transformações do mundo do trabalho.
(Segue-se exibição de imagens.)
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A transição digital tem o potencial de impactar profundamente o mundo do trabalho, seja alterando o conteúdo das ocupações já existentes, criando novas ocupações, novas formas de trabalho, seja também, em alguns casos, destruindo ocupações que são hoje realizadas por diversos tipos de trabalhos — e aí, nesse caso, deslocando os trabalhadores para novas funções.
Há o surgimento de novas tecnologias, como, por exemplo, automação, plataformas digitais, inteligência artificial e big data, grandes volumes de dados que são hoje tratados pelas grandes empresas de comunicação e no próprio processo produtivo. Atualmente os dados são gerados ao longo de todo o processo de produção e de comercialização, em setores como logística. Todas essas transformações têm criado novas oportunidades, mas também estão substituindo alguns trabalhadores e mudando a natureza da atuação em algumas ocupações.
Falando um pouco das oportunidades que essas transformações geram, há novas possibilidades de carreiras. Graças a essas novas tecnologias, novas ocupações estão surgindo, com novas oportunidades de realizar o trabalho de forma remota, de forma mais flexível, com menos barreiras geográficas para acessar novas oportunidades de trabalho. Hoje, há plataformas globais de emprego pelas quais os trabalhadores e as trabalhadoras podem exercer as suas atividades independentemente do local onde essas pessoas estejam vivendo.
Há a possibilidade de gerar mercados de trabalho globais, mercados de oferta de serviços e de trabalho. Há transformações também das habilidades necessárias para o desempenho de muitas ocupações.
Entre os desafios, temos as questões de substituição de trabalhadores, em muitos casos, em tarefas que considerávamos rotineiras. Mas a fronteira do que se considera rotineiro ou não está em constante transformação, e esse é um dos grandes desafios. Isso tem levado à perda de empregos em alguns setores. Por enquanto, ainda são perdas localizadas. Não se trata de transformações que têm levado a perdas ainda massivas em determinados setores, mas a transformação digital tende a gerar transformações maiores nos próximos anos. Então, ainda não se trata de uma transformação que tem levado a uma perda massiva, mas isso pode vir a acontecer em alguns casos, em alguns setores de atividade, em algumas formas de produzir, até porque, junto com a transição digital, como eu vou dizer mais à frente, temos a questão da transformação justa, a transformação para a economia verde.
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Temos a transição para a sustentabilidade, que tem, também ela, acoplada à transição digital, gerado transformações que podem vir a impactar alguns setores de atividade, principalmente, por exemplo, os setores ligados à extração mineral, de óleo e gás, ou os setores de energia ligados a carvão. Então, esses setores, acoplados às transformações digitais com a transformação para a sustentabilidade, para o combate às mudanças climáticas, também tendem a gerar transformações adicionais. E aí há o risco de se criarem novas desigualdades no mercado de trabalho. Alguns estudos indicam que transformações nos empregos de salários médios podem levar a uma polarização. Isso já aconteceu no passado, nos anos 80 e nos anos 90, e pode vir a acontecer novamente a partir das transformações das novas tecnologias digitais.
A transição digital também vai exigir que repensemos as políticas de educação, de treinamento e de incorporação de jovens na força de trabalho, porque uma parcela considerável da força de trabalho vai precisar ser requalificada, e os sistemas de ensino também vão precisar ser repensados em alguns aspectos, em termos de conteúdo, para fazerem frente a essas transformações.
Eu vou apresentar um trabalho bastante recente de alguns colegas da OIT. Eles avaliaram os efeitos que a inteligência artificial generativa, que são principalmente esses grandes modelos de linguagem de máquina ou de geração de linguagem generativa, vão ter ou podem vir a ter sobre o mercado de trabalho.
A classificação que eles usaram, dentro de cada ocupação, para quais tarefas teriam maior potencial de substituição ou de ser complementadas pela inteligência artificial, foi feita, inclusive, com o uso de inteligência artificial. Então, sob esse ponto de vista, trata-se de um trabalho bastante inovador, porque eles utilizaram a própria inteligência artificial como mecanismo para estimar os potenciais impactos sobre as ocupações que a própria inteligência artificial poderia vir a ter.
Esses colegas estimaram que o impacto não é tão generalizado e se concentra mais nas funções administrativas, que são as funções mais altamente expostas potencialmente às transformações que a inteligência artificial vai produzir. Então, nesse caso das tarefas ocupacionais das funções administrativas, cerca de um quarto dessas tarefas tem um potencial de estar muito expostas, com um risco maior, aí, sim, de substituição. Mais de 50% do conteúdo dessas ocupações administrativas têm um nível médio; e um componente mais residual tem um nível menor de exposição. No caso dessas tarefas de exposição média, isso se divide entre as tarefas que vão ser substituídas e as tarefas que vão ser complementadas por essas novas tecnologias.
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Só que alguns outros tipos de profissionais, como profissionais de saúde, trabalhadores de serviços pessoais, proteção e segurança, trabalhadores dos setores de venda, comércio, tanto do comércio varejista quanto de atacado, e também trabalhadores de atendimento ao cliente, vão ter uma exposição moderada. Para estes profissionais, estimou-se, a partir dessa metodologia, que o impacto vai ser mais de complementação e transformação de algumas atividades, substituição de algumas atividades por outras, do que uma substituição mera e simples dos trabalhadores por tecnologias de inteligência artificial.
Do ponto de vista dos resultados, como foi um trabalho comparativo, eles estimaram que, para os países mais ricos, os efeitos são mais disruptivos do que para países como o Brasil, que é um país de renda média alta, só que também os ganhos líquidos vão ser maiores para esses países. Então, apesar de ter uma perda, em alguns casos, os ganhos são maiores do que, por exemplo, os de países como o Brasil e países de renda baixa, porque estamos menos expostos, mas também o ganho de novas ocupações tende a ser menor no primeiro momento, pelo menos na forma como foram estimados esses impactos.
Algumas ocupações, como, por exemplo, telemarketing, vendas e trabalhos administrativos, apesar de serem menos importantes, principalmente nos países de renda baixa, são um pouco mais importantes em países de renda média alta, como é o caso do Brasil. Então, o Brasil está numa situação um pouco intermediária.
O que esses nossos colegas da OIT mencionam também é a importância de analisar, principalmente em estudos futuros, não apenas a questão quantitativa, mas também a questão da qualidade dos empregos que vão ser gerados a partir dessas novas tecnologias. Há algumas ocupações altamente qualificadas que vão ser geradas por essas tecnologias, mas há também algumas ocupações mais precárias, que depois eu vou tentar estimar, falar brevemente.
A metodologia tomou como base a descrição de cada ocupação. Aqui infelizmente eu peço desculpas porque não tive tempo de traduzir tudo. No caso brasileiro, temos a Classificação Brasileira de Ocupações — CBO. Eles utilizaram como referência a classificação internacional, e a CBO serviu de inspiração para muitas das tarefas que estão na classificação internacional. A partir do que cada trabalhador faz em cada ocupação, eles estimaram, a partir dos próprios softwares de inteligência artificial, como o ChatGPT, o quanto cada tarefa ocupacional poderia ser afetada por essas novas tecnologias.
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Eles usaram tanto a descrição oficial das ocupações internacionais quanto algumas tarefas preditas pela própria inteligência artificial para determinadas ocupações. Os resultados foram mais ou menos similares, bastante alinhados, o que mostra certa robustez da metodologia.
Em termos de resultados, como eu tinha mencionado, as ocupações administrativas são aquelas em que mais de três quartos das tarefas desempenhadas pelos trabalhadores administrativos têm um potencial de ser afetadas tanto de forma bastante intensa, quanto de forma mais moderada. Em segundo lugar, estão os técnicos e profissionais das áreas tecnológicas, por exemplo, técnicos de informática, técnicos administrativos, os profissionais que têm nível técnico, que, no caso do Brasil, seria a CBO 3, o grande grupo de ocupações de nível técnico. Em terceiro lugar, também estão os profissionais de nível superior, que chamamos de profissionais mais qualificados; e os trabalhadores de vendas e serviços estão em quarto lugar. Então, esses seriam os quatro grupos que têm mais vulnerabilidade, mas os trabalhadores administrativos, auxiliares administrativos, técnicos e tudo isso, de longe, são os mais vulneráveis.
Quando desagregamos por tipos de países, para o mundo como um todo, cerca de 13% dos empregos são empregos que serão potencializados por essas novas tecnologias; e muito menos, cerca de apenas 2,3% foram estimados como empregos que serão substituídos num primeiro momento por essas tecnologias de inteligência artificial.
Então, como os senhores e senhoras podem perceber, o impacto é mais de complementar o que os trabalhadores fazem do que de substituir, o que é uma boa notícia, principalmente, para países como o nosso, o Brasil, que está ali entre os países de renda média alta, que está aqui embaixo desta tabela, o que está bem alinhado com a média mundial, que seria em torno de 2,5% dos empregos sendo substituídos, e em torno de 13,5% dos empregos de países do perfil do Brasil sendo complementados pela inteligência artificial, o que é uma boa notícia, não deixa de ser uma boa notícia, porque indica mais uma complementaridade, porque essas novas tecnologias vão trazer mais ferramentas de trabalho do que tecnologias que vão substituir os trabalhadores. É claro que, mesmo entre esses empregos que serão substituídos, também há outros empregos que hoje nem sabemos quais serão, mas que vão ser criados a partir dessas novas tecnologias, o que também é uma nova e boa notícia.
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Uma coisa que pode ser um pouco preocupante é que foi estimado que os empregos desempenhados hoje predominantemente por mulheres tendem a ser duas vezes e meia mais afetados do que aqueles hoje desempenhados por homens no mercado de trabalho, principalmente funções administrativas, como eu mencionei, que têm um peso muito grande no emprego feminino e geram oportunidades de emprego predominantemente, majoritariamente para mulheres, empregos como em telemarketing, atendimento ao cliente e outras ocupações mais tipicamente desempenhadas por mulheres. Esse é um fator preocupante. O outro fator de grande preocupação é que determinadas populações em alguns países podem ser mais afetadas. Ainda vamos tentar fazer uma desagregação desses resultados para os dados brasileiros, mas só a partir do próximo ano, para tentar verificar, por faixa de renda, se no caso brasileiro isso também afeta, por exemplo, mais negros do que brancos. Mas, de fato, as mulheres, pelo perfil de emprego mais em ocupações, em alguns casos, em funções administrativas, tendem a ser mais afetadas por essas tecnologias.
Eu tenho um estudo feito com meu colega Kubota, do tempo em que eu ainda estava com ele no IPEA, sobre a propensão de automação das tarefas ocupacionais, muito similar ao que os colegas da OIT agora fizeram mais especificamente para o caso da inteligência artificial. Na época, discutimos mais as tecnologias de automação complementares à inteligência artificial. Utilizamos uma metodologia com base na classificação, na tipologia de tarefas. Esse é outro ponto. A inteligência artificial tende a ser um pouco complementar à automação, à robotização e a outras tecnologias, como big data, que podem vir a ter um impacto um pouco menos complementar ao que os trabalhadores fazem e mais substitutivo, que podem vir a substituir trabalhadores mais do que a inteligência artificial.
Mas também temos que reconhecer que esses estudos ainda são muito preliminares. Acho que a ideia que a literatura mais recente tem trazido é que essas mudanças não vão ser tão disruptivas quanto se pensou inicialmente e que vai haver um certo tempo de ajuste do mercado de trabalho e de criação de empregos simultaneamente a uma eventual substituição de trabalhadores em determinadas ocupações. Mas é claro que questões localizadas podem vir a demandar tanto dos Estados e Municípios quanto até mesmo de Governos nacionais políticas públicas mais localizadas.
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Um trabalho recém-publicado pelo Banco Mundial, há uns 15 dias, fez uma estimativa sobre o impacto de robôs e ferramentas no mercado de trabalho brasileiro, não sobre a questão da inteligência artificial especificamente, mas um pouco mais na linha do trabalho que eu e o colega Kubota fizemos no passado para o Brasil sobre tecnologias de automação. Eles já conseguiram identificar que a queda do preço ao longo das décadas de 1990, 2000 e 2010 afetou um pouco o emprego no Brasil ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, principalmente o de baixa qualificação, em tarefas operacionais. Isso já levou, segundo dados da RAIS, a um aumento da desigualdade salarial entre trabalhadores com diferentes níveis de habilidade, o que está um pouco na linha do que estimamos que poderia acontecer com os processos de automação que ainda se desenham para o futuro.
Então, temos que estar cientes dos riscos, principalmente com a mudança nas demandas por novas habilidades, que parecem já estar trazendo algum impacto. Eu tenho um trabalho, ainda não publicado, em que eu utilizo a RAIS. As funções administrativas realmente já têm reduzida a sua participação no emprego formal brasileiro. Esse é um processo que já está em marcha inclusive na administração pública. Mas, se o mercado de trabalho crescer de forma geral, a tendência é que esses trabalhadores possam ser recolocados gradualmente em outras funções.
Para finalizar, medidas e políticas necessárias para mitigar os efeitos negativos tanto da automação quanto da inteligência artificial. Principalmente, é preciso mais investimento na educação. Acabamos de ver o nosso desempenho no PISA, que é uma prova que compara internacionalmente o desempenho dos estudantes. O Brasil tem tido, de forma bastante consistente, mau desempenho. Nosso desempenho não tem melhorado ao longo da última década. Esse é um fator muito agravante da nossa capacidade de nos colocar de forma ativa e produtiva diante dessas novas tecnologias. Ainda temos uma força de trabalho pouco qualificada. Então, precisamos de mais investimento em educação, em políticas de treinamento, como políticas de aprendizagem industrial, e políticas de desenvolvimento, para a criação de uma cultura de habilidades digitais, principalmente habilidades de base, como matemática, ciências, interpretação de texto, compreensão, para o aprendizado ao longo da vida. Precisamos de programas de requalificação para os trabalhadores que venham a ser deslocados e redes de segurança social para apoiar esses trabalhadores deslocados, como programas de assistência social, a exemplo do Bolsa Família e do BPC, que o Brasil já tem, principalmente para os trabalhadores mais idosos que venham a ser deslocados e não tenham condição de retornar ao mercado de trabalho, porque eles têm um nível de qualificação ainda pior do que os trabalhadores mais jovens.
E, no caso de políticas como o Bolsa Família, precisamos atrelá-las a programas de qualificação e treinamento que possam ser portas de saída e uma expectativa de recolocação profissional para os trabalhadores.
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E temos que criar um mercado de trabalho que seja resiliente nesta era digital, com redução das distâncias entre aqueles que têm e aqueles que não têm acesso às tecnologias digitais; infraestrutura de telecomunicações, com educação, treinamento, inclusive à distância, e programas de alfabetização digital; programas de aprendizagem ao longo da vida; incentivos fiscais, para que os próprios trabalhadores consigam se educar ao longo da vida, com programas como o FIES, que foi importante no passado e pode voltar a ser importante principalmente em momentos de retomada do crescimento econômico; ambiente favorável para o empreendedorismo digital, com garantia de que as empresas tenham acesso a essas novas tecnologias; diálogo social entre as organizações de trabalhadores e de empregadores; e novos padrões de trabalho, para incorporar esses trabalhadores, essas novas formas de trabalho, nos regimes de previdência tradicionais.
Eu tinha um último eslaide, mas, basicamente, minha mensagem era esta, sobre a importância de uma articulação entre a transição digital e essas questões da transição justa e da transição para a economia verde e sustentável. O Brasil tem uma grande vocação para gerar empregos verdes, então é preciso avaliar o impacto ambiental das tecnologias digitais, porque em alguns casos essas tecnologias consomem muitos recursos, como energia; é preciso incentivar padrões que levem à interoperabilidade de sistemas e componentes; é preciso incentivar a reparabilidade e a reciclabilidade; é preciso investir em energias renováveis que reduzam o impacto ambiental dessa transição para a economia digital; e é preciso incentivar, por meio de políticas públicas, tecnologias sustentáveis e com menor consumo de energia.
Realmente, essa transição tende a mudar o mundo do trabalho, mas eu acho que ela vai transformar mais do que destruir, vai criar mais do que destruir, principalmente atrelada a essa questão das mudanças climáticas e da transição para a sustentabilidade. Precisamos estar preparados. Precisamos adequar as políticas de treinamento e de educação, as políticas industriais, de incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento, e também as questões da política previdenciária. Ainda está havendo uma discussão, não há um consenso internacional sobre como regulamentar, por exemplo, o trabalhador de aplicativos, o trabalhador de plataformas digitais, o trabalhador que presta serviços considerados microtarefas, que são um trabalho eventual.
Os sistemas de previdência precisam, antes de querer enquadrar os trabalhadores nos arcabouços já existentes, incorporar essas novas formas de trabalho de maneira ativa, para que não haja pessoas que, quando cheguem ao fim da sua vida laboral, não tenham tido a oportunidade de gerar tempo de contribuição por conta de rigidez ou de falta de novas formas de adequação do sistema previdenciário.
Obrigado.
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O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Agradeço ao Dr. Aguinaldo Maciente pela contribuição, pelos dados que trouxe sobre este tema tão importante. Muitos ficam assustados, acham que vão acabar os empregos. Essa contribuição que o senhor traz com dados e estudos esta Casa só tem a agradecer.
Temos hoje três palestrantes. As perguntas vão ser feitas depois. O pessoal vai se identificar, e vamos controlar daqui a ordem das perguntas.
Eu quero agradecer a presença do meu amigo Deputado Prof. Paulo Fernando. Muito obrigado pela participação nesta Comissão. Seja bem-vindo! Nem preciso dizer que esta é sua Casa, porque V.Exa. já sabe disso.
Eu também gostaria de agradecer à Renata Baars, Diretora Adjunta da Consultoria Legislativa e aqui representante do Diretor; ao Angelo Azevedo Queiroz, consultor legislativo; ao Guilherme Pereira Pinheiro, consultor legislativo; ao Ígor Moreira Lima, consultor legislativo. E agradeço à Juliana, porque que sem ela o negócio aqui não funciona. É ela que faz o meio de campo... Nem vou dizer "meio de campo", porque sou flamenguista, mas é ela que faz as atividades funcionarem nesta Comissão.
Deputado Helio Lopes, representante do Rio de Janeiro, meu Estado natal, Deputado Paulo Fernando, senhoras e senhores consultores, senhoras e senhores convidados e todos que nos acompanham pela Internet, eu gostaria, antes de iniciar a minha fala, de parabenizar o trabalho do Congresso. Até já escrevi sobre isso. Tanto a Câmara quanto o Senado estão na vanguarda da discussão sobre IA neste País, e na vanguarda até mesmo se fazemos uma comparação com outros países.
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10:50
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O tom da minha fala vai ser de certa forma otimista, como meu colega e amigo Aguinaldo finalizou a fala dele.
Registro a minha satisfação de compartilhar a mesa também com o Gilson, que é colega nosso de longa data.
Como o Aguinaldo bem comentou, essa evolução da IA, marcada pelo lançamento do ChatGPT, vai afetar muito mais, pelo menos no primeiro momento, o chamado trabalho white collar, o de colarinho branco, como o que nós fazemos aqui.
Como comentou o Deputado Helio Lopes na minha apresentação, eu sou servidor, mas, antes disso, trabalhei no setor privado. Trabalhei em consultoria, implementando projetos de reengenharia, de implementação de software... Também trabalhei 3 anos em operadora de telecom. Então, tenho vivência prática nesse mundo white collar. E tenho uma visão razoavelmente otimista, em linha com o que o Aguinaldo apresentou.
Nessa discussão sobre a substitutibilidade do emprego por máquinas, por algoritmos, acho que alguns fatores estruturais devem ser levados em conta. Um deles, segundo dados recentes do Censo, é a questão etária. O Brasil está envelhecendo em 40 anos o que a França e a Grã-Bretanha levaram mais de 1 século para envelhecer. Então, o nosso envelhecimento é muito rápido, e essas tecnologias podem vir a ajudar determinados setores, determinadas atividades. Países bem envelhecidos, como Japão e Itália, são exemplos disso.
Outro fator estrutural, que acho que é o mais importante, é a questão do crescimento econômico. No início dos anos 2000, estivemos na FIESP com o então Presidente do IPEA e vários diretores de associações setoriais. Era uma época em que o Brasil estava crescendo, e o discurso uníssono dos diretores foi este: "Está faltando engenheiro, está faltando mão de obra, precisamos formar mais engenheiro". Vocês devem lembrar que o Cristo estava decolando lá no Corcovado. Infelizmente, aquele foi um voo de galinha. Pouco depois vieram crises, e não se fala mais em falta de engenheiro — meu filho inclusive está fazendo engenharia —, esse discurso ficou no passado. Era uma época em que o Brasil estava crescendo muito.
Então, sobre essa questão do PIB, acho que é interessante notar o seguinte: o trabalho pioneiro que trata das questões de automação foi de Oxford, de dois autores, chamados Frey e Osborne. Parece que eles têm mais de 14 mil citações. Só eu e o Aguinaldo já os citamos duas vezes, para vocês terem uma ideia. É interessante que tanto o trabalho deles quanto o nosso e outros, como o da McKinsey, dão uma ordem de grandeza de ocupações de risco médio ou alto de cerca de 50% — o nosso deu 52%. Isso rende matéria no jornal, rende aquela manchete: Metade das ocupações está em risco de automação.
Mas o que estamos observando hoje? Vamos pegar o mercado de trabalho dos Estados Unidos como exemplo. O FED está subindo os juros, afetando o mercado financeiro de todos os países, inclusive o nosso. Por quê?
Porque o mercado de trabalho está aquecido, pressionando os preços, pressionando a inflação. Qual é a situação do Brasil hoje? Temos uma boa situação de emprego em relação a alguns anos atrás. Esse trabalho da OIT que o Aguinaldo mencionou faz este disclaimer no início: isto aqui não é para ser uma previsão de quanto vai ser, isto aqui é só para dar uma sinalização de que tipo de tarefa é mais suscetível, por exemplo, à questão do gênero, qual vai ser mais afetado, ou à questão racial, e assim por diante. Não é para se levar esse tipo de estudo como uma projeção do que vai acontecer.
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10:54
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Um exemplo que eu gosto muito de dar é o do cobrador de ônibus, que no Rio chamamos de "trocador". Se você for ao Rio e entrar num ônibus, você não vai encontrar trocador. Aquilo está bastante automatizado, via cartãozinho, ou o motorista vai dar o troco. Aqui em Brasília é diferente, a maior parte dos ônibus tem trocador. Então, não é a tecnologia por si só que vai determinar se uma tarefa vai ser automatizada ou não. Esse é um exemplo. Questões de economia política vão influenciar também, questões regulatórias. Aqui mesmo na Câmara foi discutida a questão dos frentistas. Nos Estados Unidos, qualquer filme de 50 anos ou 60 anos atrás já não tem frentista, e aqui no Brasil temos. Essa é uma questão de economia política. Então, não é a tecnologia que vai determinar se uma tarefa vai ou não vai ser automatizada.
Outro exemplo que eu gosto de dar é o da Amazon. Nos Estados Unidos, os centros de distribuição são muito mais automatizados que os do Brasil. Por quê? O equipamento é relativamente barato, e a mão de obra é relativamente cara. Aqui no Brasil é o inverso: o equipamento é caro, há imposto de importação, depois será necessário fazer a manutenção do equipamento, ao passo que a mão de obra é relativamente barata. O olhar do economista e também a minha bagagem no setor privado mostram que o empresário, que o capitalista vai fazer um investimento, e esse investimento em automatização tem risco. Ele vai projetar um fluxo de caixa, vai descontar o custo de oportunidade de capital, e o VPL, que é o valor presente líquido, tem que ser positivo. É muito fácil para alguém de fora dizer: "Ah, vamos automatizar!" Mas, principalmente para as pequenas e médias empresas, que são a grande maioria das nossas empresas brasileiras, as grandes empregadoras — eu sou filho de pequeno empresário, mas meu pai é aposentado hoje —, um investimento malfeito pode destruir uma empresa, pode destruir a vida de uma família. Então, não é tão simples assim automatizar. Uma série de fatores devem ser levados em conta.
Outro aspecto sobre essa dinâmica acho que o Aguinaldo citou bem e esse estudo da OIT também mostra bem. A tecnologia pode vir para substituir, e realmente há um setor no Brasil em que isso ocorreu fortemente com a Internet, que é o setor financeiro. O pessoal da minha geração e anteriores tinha que ir ao banco e enfrentar fila para pagar um boleto, coisa que os nossos filhos hoje devem achar jurássico, e realmente é, se comparamos com o cenário de hoje. Então, realmente esse é um setor que foi muito afetado.
Mas outros setores não foram tão afetados, mesmo com todas essas ondas de sistemas de informação, de ERP, softwares de gestão, supply chain management, etc. Essa tecnologia, que pode ser chamada em inglês de augmenting, em português — já é um neologismo — seria "empoderar", melhorar o nosso trabalho. Saiu a notícia, semana passada, de que um Vereador usou o ChatGPT para elaborar a minuta de uma lei que inclusive foi aprovada por unanimidade. Isso facilitou a vida desse Parlamentar.
Uma executiva da Google Cloud, a Presidente da Google Cloud mundial, tem uma visão que eu compartilho e que é bem interessante. Acho que superestimamos o impacto no curto prazo e eventualmente subestimamos o impacto no longo prazo. Então, em linha com o que comentei anteriormente e, de certa forma, com o que o Aguinaldo comentou também, acho que no curto prazo não há um impacto tão grande, e eu vou procurar ilustrar isso.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Os dados das pesquisas de inovação, os dados das pesquisas TIC Empresas mostram que o grau de inovação das nossas empresas — não só no Brasil, porque essa discussão vale para outros países também — é relativamente baixo. Como eu comentei, a maior parte das empresas é pequena. É óbvio que as multinacionais e as grandes empresas vão estar sempre na vanguarda, adotando tecnologias de ponta, mas existe essa escadinha aqui... Eu dei uma entrevista para o Valor, e a jornalista pegou uma frase que eu disse e usou como manchete. Eu disse que a IA não iria cair de paraquedas. Nunca imaginei que essa fosse ser a manchete. Mas o que está por trás dessa fala? Existe uma hierarquia. As empresas têm que se digitalizar, têm que se conectar, ter Internet, depois elas vão adotar sensores para conseguir visualizar o que está acontecendo. Isso se vê na manufatura e se vê cada vez mais no agro, que está na ponta da adoção dessas tecnologias. A partir desses dados, desse entendimento do que está acontecendo na empresa — quem trabalhou no setor privado sabe que é preciso limpar esses dados, armazená-los, contar com a segurança daquela informação —, aí sim são feitos os modelos preditivos, inicialmente com intervenção humana, que é o tipo de trabalho que nós fazemos, que o pessoal da academia faz, que o pessoal de bancos faz, e na última etapa essa modelagem vai ser automatizada, a própria máquina, o próprio algoritmo vai trazer o resultado.
Temos alguns exemplos desse último caso em questões de fraude. Todos aqui usamos cartão de crédito. Se eu faço uma transação em Brasília há 30 minutos e há uma transação pessoal no Rio no mesmo horário, com o mesmo cartão, isso não pode estar certo.
O algoritmo, automaticamente, para a nossa segurança, vai ter que fazer o bloqueio. Então, algumas ocupações vão ser, sim, mais afetadas por algoritmos, como o ChatGPT.
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Para ocupações que geram conteúdo, como o jornalismo, ocupações que lidam com texto, como o direito e a advocacia, e ocupações que geram imagens, segundo estudo bem recente feito nos Estados Unidos com plataformas de freelancer, em prazo mais curto o número de jobs, o número de trabalhos diminui, e a remuneração também cai um pouquinho. Então, para alguns tipos de atividade de ocupação, sim, acho que pode haver impacto maior no curto prazo.
Para finalizar, quero dizer que esse tipo de discussão sempre se volta para a questão da educação, para a questão da desigualdade... Esse é um problema estrutural que o Brasil tem e que não vai ser resolvido da noite para o dia. Houve um evento no MEC há alguns anos em que o Aguinaldo e eu estivemos. Veio o Salman Khan, que é o empreendedor americano que criou a Khan Academy — o pessoal de educação conhece —, que vai gamificando e criando conteúdos muito interessantes para os estudantes. Na época, uma secretária fez uma pergunta: "Quem aqui tem o pai ou a mãe com ensino superior?" Estou falando de um evento que aconteceu aqui na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Menos de um terço. Pouquíssimos. E eu não era um deles. Então, aquilo que a Europa Ocidental e os Estados Unidos fizeram 100 anos atrás nós conseguimos há pouco tempo, que é universalizar a educação. E agora temos o desafio de dar qualidade a essa educação.
Eu vou colocar uma posição bem pessoal minha. Duas coisas já está provado que funcionam. Uma é a alfabetização na idade certa. Acho que não por acaso temos como Ministro da Educação o ex-Governador do Ceará. O sucesso do Ceará, especialmente de Sobral, que é falado em prosa e verso aqui no Brasil, se dá por vários fatores, mas o principal não é a tecnologia — lá eles não têm computador, Internet, tablet nas escolas —, é educação na idade certa. A partir disso, o estudante e a estudante vai ter autonomia para estudar por conta própria. A outra coisa que funciona, aí já mais para o ensino médio, é o ensino em tempo integral, que vários estudos demonstram que tem bastante impacto.
Deixo então esta nota relativamente otimista. Acho que no curto prazo não temos motivo para desespero. Posso estar errado e daqui a 1 ano não estarmos nós aqui, e sim avatares, mas, a princípio, não acredito nisso no curto prazo. Em algum momento, sim.
Então deixo uma nota otimista. Acho que não há motivo para desespero no curto prazo, mas sobre o tema da previdência, que não é a minha especialidade, no longo prazo nós temos que pensar. Já existe um problema hoje com as plataformas, problema de falta de contribuição, tão bem colocado pelo nosso colega Rogério na sessão anterior.
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O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Muito obrigado, Dr. Luis Claudio Kubota, que, assim como o Dr. Aguinaldo, trouxe dados e informações que só engrandecem este debate. Como o doutor bem disse, estamos falando aqui hoje, mas não sabemos o que vai acontecer amanhã. O bacana é que estamos discutindo hoje com as informações que temos e fazendo uma perspectiva para o futuro, e o futuro sempre vai ser brilhante. Agradeço novamente a oportunidade da sua presença.
Antes de chamar o próximo palestrante, eu quero agradecer a presença da Sra. Carla da Silva, do Ministério da Pesca e Aquicultura; do Sr. James Marlon Azevedo Görgen, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que participa de forma virtual; da Sra. Kadine Bárbara Ferreira dos Santos, coordenadora na Secretaria do Trabalho e Emprego do Governo do Estado da Bahia; do Sr. Paulo Vargas, superintendente na Federação das Indústrias do Estado de Goiás; do Sr. Ronaldo Lemos, Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro; do Sr. Sandro Mabel, ex-Deputado Federal desta Casa e hoje Presidente da Federação das Indústrias do Estado de Goiás; do Sr. Tales Agnes do Nascimento, da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos; do Sr. Arivaldo Freitas, gerente corporativo; do Sr. Marcelo Almeida, Diretor de Relações Governamentais da Associação Brasileira das Empresas de Software; do Sr. Lucas Calmon dos Santos, consultor no Ministério da Saúde; e do Sr. Labaran Riskuwa, da Embaixada da Nigéria.
Muito obrigado pelo convite. Estou muito honrado em poder contribuir neste debate. Parabéns à Câmara dos Deputados pela iniciativa.
Eu queria saudar os palestrantes Aguinaldo e Luis Kubota, pelas considerações muito pertinentes, e cumprimentar os demais participantes, que estão aqui virtualmente ou presencialmente.
Vou fazer algumas considerações de uma perspectiva um pouco mais ampla. Eu vi as outras apresentações, e também os outros encontros, e acompanhei agora a fala dos meus colegas economistas. Percebo que as pessoas estão muito preocupadas com uma coisa que é importante, mas que talvez seja parte de um todo mais complexo. Eu queria chamar a atenção dos senhores para a importância de pensarmos a relação entre inovação, economia e sociedade.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Essas coisas, a inovação, a economia e a sociedade, retroalimentam-se. As inovações criam a possibilidade de desenvolvimento de novos produtos e serviços, tanto para uso civil quanto para uso militar, criam novos mercados, novas profissões, que por sua vez provocam transformações na sociedade, não raro transformações muito profundas, como bem ilustra o paradigma da eletricidade, da telefonia e da aviação. Não está sendo nem vai ser diferente com as tecnologias que compõem a chamada "fronteira tecnológica", que estão basicamente em três grandes grupos: computação de alto desempenho, biotecnologia e nanotecnologia.
Eu queria chamar a atenção para o que vou chamar de "ponta do iceberg", para três icebergs, vou fazer duas sugestões e me encaminhar para a conclusão.
A ponta do iceberg é esta discussão que está em pauta, sobre os impactos da inteligência artificial no mundo do trabalho. A literatura mostra que a inteligência artificial é uma entre as várias categorias de software ou linguagem de programação, chamem-na como quiserem, que dependem cada vez mais de hardwares muito sofisticados. Então, não adianta nada ter isso tudo, se não houver capacidade computacional grande. O mercado de trabalho é apenas um dos vários mercados da economia. No caso, um dos mercados de fatores de produção, em que as empresas buscam mão de obra.
Para dar um pouco mais de solidez ao que eu estou falando, vou comentar três estudos, todos eles deste ano de 2023.
O primeiro é da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que deu ao estudo exatamente o título dado ao estudo que os senhores estão fazendo, ou seja, Inteligência Artificial e Mercado de Trabalho. Eles chamam a atenção para um anúncio do ChatGPT que há aproximadamente 1 ano acabou envolvendo a grande mídia tradicional e digital no debate sobre inteligência artificial, particularmente sobre esses modelos de linguagem em grande escala, que são fáceis de serem usados pelo público leigo. Mas essa tecnologia é só uma entre várias ferramentas atualmente abertas ao público e parte de um desenvolvimento contínuo de inteligência artificial que remonta aos anos de 1940. Há teorias e artigos sobre isso, há algoritmos que foram publicados nos anos 60.
Esse estudo da OCDE é parte de um amplo programa de pesquisa dela sobre a relação entre inteligência artificial, trabalho, inovação, produtividade e habilidades das pessoas, com o intuito de oferecer evidências empíricas robustas que vão além do anedotário. Há muita coisa circulando por aí que mais atrapalha do que ajuda. Então, a intenção dela é de esclarecer.
Eu fiz dois recortes desse relatório, que é bem extenso. O primeiro, que está na página 104, na qual eles tratam da relação entre inteligência artificial e trabalho ou emprego, é o de que, por enquanto, não há sinal de queda de demanda do trabalho causada por uso de inteligência artificial — por enquanto. Um pouco mais para a frente eles dizem que a inteligência artificial vai automatizar algumas tarefas, mas que o saldo líquido disso sobre o emprego hoje é ambíguo.
O outro estudo, que é exatamente o estudo que o Aguinaldo mencionou — só que ele mencionou com mais detalhes, e eu vou ser um pouco mais rápido —, foi feito pela Organização Internacional do Trabalho. Ele também foi publicado este ano e também trata da relação entre inteligência artificial e emprego. Eles analisam dados de aproximadamente 60 países e fazem estimativas para 189 países. O recado que eu peguei do relatório é de que o efeito complementar acaba prevalecendo sobre o efeito substituição, que foi o que Aguinaldo também destacou. Ele até mostrou um gráfico que deixa isso bastante claro. Então, na página 34 desse estudo, eles dizem textualmente que o efeito é mais de complementação do que de substituição.
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O terceiro e último estudo sobre a relação entre inteligência artificial e mercado de trabalho foi feito pelo Fundo Monetário Internacional e também foi publicado este ano. Eles analisaram os efeitos em duas economias avançadas — Reino Unido e Estados Unidos — e em quatro economias em desenvolvimento — Brasil, Colômbia, Índia e África do Sul. Como era de se esperar, eles constataram que o efeito varia muito entre os países e dentro dos países, particularmente quando fazem os recortes de idade, nível educacional, ocupação e nível de renda.
Então, pelo resumo desses três estudos e por mais uma ampla literatura recente sobre isso, não está muito claro o que vai acontecer. Por enquanto, coincide com a conclusão do Luís Claudio, a de que não é motivo para desespero, mas também não é motivo para ser omisso. Repetindo: a relação entre inovação e mercado de trabalho, no meu entendimento, é a ponta do iceberg.
Eu queria chamar a atenção para três icebergs, para três coisas bem grandes e complicadas que deveriam ser pensadas. Em primeiro lugar, cito a fronteira tecnológica, as tecnologias de uso amplo, ou seja, a computação de alto desempenho, que é a base da chamada "economia digital" — e aí você tem a computação clássica em escala exaflop, que foi atingida este ano, e a computação quântica, que envolve vários tipos de hardware e software, que vão muito além da inteligência artificial. Em segundo lugar, cito a biotecnologia, que é base para vários projetos de bioeconomia, que já estão em andamento há bastante tempo em vários países. Em terceiro lugar, cito a nanotecnologia, que é base para vários projetos de nanoeconomia, que estão também em andamento em vários países. Essas três coisas se retroalimentam.
Então, nessa fronteira tecnológica, abre-se a possibilidade de novos negócios, de novos mercados, de novos postos de trabalho e também a possibilidade de soluções inovadoras para vários problemas que temos hoje, como estes: temas ambientais — o saneamento em particular; uso racional de recursos naturais — Amazônia e pré-sal; habitação, mobilidade e cidades inteligentes, tema que está sendo debatido pelo mundo inteiro; novas fontes de energia — nuclear, etanol de terceira geração e hidrogênio verde; saúde — medicina de alta precisão, equipamentos médico-hospitalares, odontologia, farmacêutica; segurança pública e defesa nacional.
O segundo grande problema que eu percebo — e este seria o segundo iceberg — é o sucateamento do sistema federal de pesquisa e ensino superior. Eu estou fazendo um recorte do sistema federal porque estamos na Câmara Federal. Se estivéssemos numa Câmara Legislativa estadual, eu faria o recorte do Estado.
É muito importante que exista um substancial investimento no sistema federal de pesquisa e ensino superior, que é composto pelas universidades federais, como é o caso da Universidade Federal de Santa Catarina, nos laboratórios nacionais, como é o caso do Laboratório Nacional de Computação Científica, e nas fundações federais, como é o caso da FIOCRUZ, para manter e formar massa crítica de alto nível, que é um elemento decisivo para o acompanhamento do debate mundial na fronteira tecnológica e a proposição de política pública. Sem gente altamente capacitada para isso, não vai dar para fazer o acompanhamento. Isso tem um grau muito grande de benefício para a sociedade. Então, é fundamental haver a atuação de entes estatais nesse debate. Esse sistema federal tem condições para isso, mas ele precisa de suporte maior.
Aqui vale destacar duas coisas. A primeira: o sistema federal de pesquisa e ensino teve recursos drasticamente reduzidos nos últimos 10 anos, por várias razões. A segunda: o setor privado brasileiro sempre foi e continua avesso a riscos, particularmente tecnológicos, o que torna o complemento estatal federal decisivo para inovação. O Luís Claudio até deu exemplos bem práticos dessa aversão ao risco. O cara pode quebrar simplesmente, se ele ficar apostando demais.
O terceiro iceberg — e este é grande — são as agendas tecnológicas da China e dos Estados Unidos.
Vários países têm agenda tecnológica, mas eu fiz o recorte da China e dos Estados Unidos, que são as duas grandes economias do mundo hoje. Não podemos deixar de considerá-las. Há uma metáfora de que o mundo é um avião com duas turbinas: uma turbina é a China, e a outra turbina são os Estados Unidos. Então, não podemos prescindir de ver o que eles estão fazendo.
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No caso da China, ela tem uma ampla agenda de inovação. Eu recortei três agendas. A primeira é o Made in China 2025, a atual política industrial da China, lançada em 2015, que tem como objetivo colocar a China na fronteira da manufatura avançada. A segunda agenda é a Estratégia de Desenvolvimento Baseada na Inovação, lançada em 2015, que tem objetivos de longo prazo e três etapas: a primeira era a de até 2020 a China ser uma nação inovadora — e eles conseguiram isso, todo mundo viu; a segunda é a de até 2030 a inovação ser o motor do crescimento econômico da China, e ela emergir como uma nação líder em inovação — destaque para a palavra "líder"; e a terceira é muito ambiciosa: de até 2050 a China ser uma superpotência tecnológica. A terceira parte da ampla agenda de inovação e produção complexa da China é o Plano de Inteligência Artificial, lançado em 2017, que tem três objetivos. O primeiro era o de até 2020 ela conseguir dominar aplicações gerais de inteligência artificial em níveis semelhantes aos de países avançados; o segundo é o de até 2025 ela obter grandes avanços em teorias de inteligência artificial compatível com os líderes mundiais — friso o termo "teoria", que é muito profundo — e tornar a inteligência artificial a principal força do avanço industrial e da transformação chinesa; e a terceira meta do plano chinês de inteligência artificial é a de até 2030 transformar a China no principal centro de inovação em inteligência artificial do mundo — grifo a palavra "principal". Eles são muito ambiciosos.
Agora eu vou fazer o recorte de três projetos ou agendas dos Estados Unidos em tecnologia — também é um país que tem uma agenda muito ampla em vários setores.
O primeiro projeto deles foi lançado em 2011 e tem como objetivo garantir a liderança dos Estados Unidos em manufatura avançada. Isso foi proposto pelos conselheiros do Presidente dos Estados Unidos para ciência e tecnologia. Eu destaco uma frase deles, muito importante. Eles não acreditam que a solução para os Estados Unidos manterem a liderança em manufatura avançada seja a política industrial. Eles acreditam firmemente que o caminho é uma política coerente de inovação. Então, eles propõem ou propuseram há mais de 10 anos que devem deixar as políticas industriais tradicionais de lado e focar as políticas de inovação, porque sem isso é impossível fazer o setor produtivo caminhar para a fronteira da tecnologia. Eles apontam aí que os Estados Unidos precisam de estratégias para criar ambiente favorável à inovação e aos negócios relacionados à inovação e precisam investir na superação das falhas de mercado, a fim de garantir a infraestrutura necessária para que empresas de base tecnológica prosperem nos Estados Unidos e para que as novas tecnologias sejam desenvolvidas nos Estados Unidos — isso no país que está na liderança.
As outras duas agendas dos Estados Unidos que eu ressalto, lembrando que são muitas e bem ambiciosas: em 2019, o Poder Executivo dos Estados Unidos lançou a Iniciativa Americana para Inteligência Artificial, e, em 2020, a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, House of Representatives, subscreveu isso — há um documento que se chama Iniciativa Nacional para a Inteligência Artificial; e, em maio de 2021, o Senado dos Estados Unidos aprovou o chamado Endless Frontier ACT. Esse nome não foi dado à toa. Ele remete a um relatório de 1945 que foi a base para a criação do sistema de inovação americano de primeira geração.
Essa lei planeja investir 112 bilhões de dólares nos anos fiscais de 2022 a 2026. O Governo dos Estados Unidos está preocupado com a disputa internacional em alta tecnologia. Repito: a nação líder em tecnologia está preocupada com isso. Eles elegeram dez áreas prioritárias. Cinco dessas dez áreas prioritárias são de tecnologia da informação e comunicação: inteligência artificial, aprendizado de máquinas e outros softwares avançados; computação de alto desempenho, semicondutores e hardware avançado; computação quântica e sistema de informação; robótica, automação e manufatura avançada; tecnologia de comunicação avançada, segurança cibernética, estocagem de dados e tecnologia de gerenciamento de dados. As outras cinco áreas estão na fronteira tecnológica. São elas prevenção e mitigação de desastres naturais; biotecnologia e tecnologias médicas; energia avançada, baterias e eficiência na indústria — eficiência energética, no caso; ciência de materiais avançados, o que nas entrelinhas é nanotecnologia, e engenharia.
Então, eu estou tentando mostrar que a discussão que vocês estão propondo é extremamente importante, mas ela é parte de um todo mais complexo, e os países líderes estão muito ambiciosos nessa disputa tecnológica internacional.
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Aqui, muito humildemente, eu faço duas sugestões. A primeira sugestão é a de que demos um jeito de fazer uma mobilização nacional pela ciência, tecnologia e inovação, como já fizemos várias vezes. Eu vou citar três exemplos de mobilizações que envolveram recursos bilionários. Uma delas foi pela Copa do Mundo de Futebol de 2014, que começou muito antes da Copa e custou cerca de 31 bilhões de dólares; a outra foi pelas Olimpíadas de 2016, que também começou muito antes de 2016 — todo o esforço para que ocorresse — e movimentou cerca de 44 bilhões de dólares, sendo 21 bilhões em gastos públicos; e o último exemplo é o da grande mobilização pela compra de vacinas para o combate à pandemia, que mobilizou 30 bilhões de reais entre 2020 e 2022.
Os Estados Unidos se mobilizaram pela tecnologia e inovação nos anos 40 e o fizeram novamente nos últimos 15 anos. A Europa se mobilizou grandemente nos anos 60 e o fizeram novamente nos últimos 20 anos. A China está se mobilizando de forma inédita nos últimos 20 anos.
Fontes de recursos no Brasil existem, só que eles têm que ser alocados. São 16 os fundos setoriais para ciência, tecnologia e inovação, sendo que 3 deles respondem por 64% dos recursos, mais o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, mas eles vêm sendo contingenciados. Se eu peguei o dado certo na Internet, de 1999 a 2023, esses fundos todos arrecadaram o equivalente a 101 bilhões de reais — correntes, não ajustados pela inflação —, mas cerca de 11% disso foi pago. Há ainda as receitas estimadas do pré-sal, que estão em torno de 334 bilhões de dólares entre 2022 e 2031. No ano passado, a PETROBRAS pagou quase 200 bilhões de reais em dividendos, sendo que 56 bilhões de reais foram para a União. Então, esta é a minha pergunta: o que foi feito com esses 56 bilhões? Parece muito dinheiro, mas, quando comparado com o que os outros países estão fazendo, vemos que é pouco. Daí, a necessidade de um esforço para romper os gargalos de inovação e tentar acompanhar a fronteira tecnológica se revela mais importante ainda. Mesmo que esses recursos sejam mobilizados, eles ainda vão estar muito aquém do que está nas agendas dos governos, dos gastos bilionários de grandes empresas. Um grupo de empresas que é conhecido como 3A2M, composto por Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Microsoft, em 2022, investiu 202 bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento.
Isso equivale a mais de 1 trilhão de reais em apenas 1 ano ou a aproximadamente 60% das receitas estimadas do pré-sal para o período de 2022 a 2031.
Eu vou pedir permissão aos senhores para fazer umas perguntas provocativas. Uma delas é esta: o que o Brasil fez com a riqueza gerada com a madeira da Mata Atlântica, com o ouro de Ouro Preto e com os diamantes de Diamantina? Aonde isso foi parar? A outra pergunta é esta: o que o Brasil vai fazer com os fundos para ciência, tecnologia e inovação e com os recursos do pré-sal? Eu entendo que eles deveriam ser usados para financiar uma mobilização nacional pela ciência, tecnologia e inovação.
A segunda sugestão é de que seja estabelecido um fórum permanente de discussão sobre a inter-relação entre inovação, economia e sociedade. Eu mais uma vez parabenizo a Câmara dos Deputados e o ilustre Deputado Helio Lopes pela iniciativa, mas isso não pode ser ocasional, isso tem quer contínuo. É muita coisa, é muita informação, é muito rápido, e as pessoas têm que dialogar com mais frequência. É uma pena que eventos como este aconteçam esporadicamente.
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Eu ressalto que o Brasil não teve protagonismo nos paradigmas tecnológicos do vapor, do eletrometalmecânico e da informática offline e corre o risco de ficar à margem dos paradigmas tecnológicos em consolidação. Isso tem consequências drásticas. Vou dar um exemplo relativamente fácil de entender. O Brasil teve várias empresas no setor automotivo. A Fábrica Nacional de Motores, a Companhia Brasileira de Tratores, a Agrale, a Gurgel, a Troller etc., mas o Brasil não conseguiu consolidar uma indústria automotiva própria para atender à demanda nacional e muito menos para atuar como multinacional ou transnacional, como fizeram Estados Unidos, França, Itália, Alemanha, depois seguidos por Suécia, Japão, Coreia do Sul e mais recentemente pela China — todos esses países têm grandes empresas nesse segmento. Essas empresas geraram e geram riquezas para os seus respectivos países pela virtuosa atuação que têm nos mercados domésticos e externos. Isso também gera bons empregos e repercute positivamente no consumo, na arrecadação de tributos e na previdência. Então, a legítima e importantíssima preocupação com o equilíbrio atuarial do sistema previdenciário está intrinsecamente ligada ao mercado de trabalho formal e a pessoas com uma boa remuneração. Se isso acontecesse, não haveria grandes preocupações com o equilíbrio atuarial de previdência.
Eu queria caminhar para a conclusão fazendo um recorte do relatório que uma comissão americana elaborou em 2022 sobre segurança e inteligência artificial. Uma frase me deixou bastante preocupado. Está escrito lá textualmente: "Os Estados Unidos não estão preparados para se defender ou competir na era da inteligência artificial". A pergunta é esta: se a maior potência tecnológica e militar do planeta não está preparada para se defender e competir na era da inteligência artificial, o que diremos do Brasil?
Para encerrar, eu queria chamar a atenção para o seguinte: o Brasil corre o sério risco de ficar irreversivelmente fora da produção e geração de conhecimento tecnológico e de ser perpetuamente dependente dos países detentores dessas tecnologias. Isso é muito sério. Também há o risco de submissão tecnológica, de simplesmente não termos como fazer nada, o que pode colocar em risco a soberania nacional e até o desenho das nossas fronteiras no decorrer das décadas de 2020 a 2040. A Ucrânia está aí para dizer que não podemos deixar de ficar atentos a essas coisas.
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11:30
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O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Obrigado, Dr. Gilson Geraldino da Silva Junior, pela explicação, pelas informações, pelos dados baseados na parte tecnológica. O CEDES agradece a contribuição que o senhor deu com essas informações ao nosso pessoal, aos nossos consultores e aos demais palestrantes e ouvintes que estão acompanhando esta reunião do CEDES.
Meu nome é Angelo Queiroz. Sou consultor legislativo da Câmara dos Deputados. A minha especialidade é assessoria na área de direito do trabalho, de processo do trabalho, uma área que, sem dúvida, está inteiramente conectada com as questões que estamos discutindo aqui e uma área que vem passando por questionamentos evidentes. Ainda ontem, numa reunião de um grupo de colegas que estudam a nossa própria estrutura interna de trabalho, como nós vamos lidar com as demandas que chegam a esta Casa em torno do trabalho dos aplicativos, tive a nítida percepção de que estamos no momento de parir uma nova ordem trabalhista.
O direito do trabalho, as relações contratuais trabalhistas, as relações da prestação de serviços são uma costela do direito civilista que tem raízes ancestrais. Se formos muito longe, voltaremos aos romanos, pelo menos na cultura ocidental, mas, para ficar mais perto, voltemos ao Código Napoleônico. Por volta de 1943 ou há quase 1 século, o direito do trabalho se destaca, torna-se um contrato especial, ganha uma dimensão e toda uma estrutura normativa, toda uma estrutura jurídica.
Nós temos um Ministério Público do Trabalho, um Ministério do Trabalho e uma Justiça Trabalhista, que, aliás, é a maior do Brasil. Tudo isso faz com que, neste momento, tenhamos muita dificuldade de estabelecer uma relação, um contrato de trabalho que não contemple uma dicotomia. Há um patrão que emprega, contrata, paga os salários, garante férias, décimo terceiro, responde por contribuições previdenciárias, concentra a sua atividade, exerce vigilância, organiza a produção, tem um estabelecimento para esses novos modelos de trabalho que estão surgindo com a tecnologia. Parir esse novo mundo está sendo muito difícil, não só porque é algo novo, mas porque os paradigmas ainda não estão colocados, vão ser construídos.
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11:34
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Há uma pergunta. Eu não sei se o Aguinaldo consegue respondê-la, porque não dá para imaginar que se fala pela OIT. A OIT se debruça sobre a questão trabalhista e sobre vários aspectos, como o trabalho infantil, o trabalho de jovens, o de idosos. Há um dado que preocupa. A mão de obra que mais sofre o desemprego são os jovens. Pelo menos estatisticamente, as pessoas mais velhas são, ainda, as que têm melhor condição de emprego. Sobre elas, porém, pesa o processo de envelhecimento do mercado de trabalho. Mas ainda são os jovens.
Algumas questões se dão por razões óbvias. Por exemplo, os jovens com até 16 anos de idade não podem trabalhar. Então, eles são desempregados por força da lei. Até os 18 anos não podem trabalhar em atividades insalubres, perigosas. Portanto, também são desempregados por força da lei. E o trabalho noturno está vedado para eles. Para fazer um contraste, fazendo uma abordagem mais superficial e imediata, os jovens teriam vantagens competitivas, porque a tecnologia para eles é nativa, eles já nasceram com o tablet e o celular, diferentemente de outras gerações. Essa é uma vantagem que realmente pode modificar o cenário? Ou seja, os jovens terão mais chances de se empregar ou não, isso não será uma vantagem? Porque as barreiras — se é que se pode considerar que essas barreiras são boas, são vantajosas... Vamos proteger e pagar um preço por essa proteção?
E as questões educacionais, especialmente em um país como o Brasil, não vão mudar esse cenário. Os jovens não vão tirar vantagem do movimento tecnológico. Eu sei que esta é mais uma avaliação, sem condições de ser muito profunda, mas eu gostaria de saber um pouco mais a sua visão, como lidar com isso, porque interfere nesse debate sobre isto: para onde vão as relações de trabalho. Estamos vendo um processo. Alguma coisa nova vai ter que surgir agora no Brasil para regular as relações de trabalho entre aplicativos e os seus prestadores, e não será a CLT, e não será o Código Civil, será uma outra coisa. Então, isso já é uma realidade para já. Esta é uma pergunta.
Faço outra pergunta. Eu estou achando isso muito interessante, porque tanto a sua exposição, Aguinaldo, quanto a sua, Kubota, colocaram um pouco de alívio no coração da gente. Para já, vemos um efeito mais de complementaridade do que de substituição. Então, isso é bom, isso é bacana.
Porém, a exposição do Gilson coloca, de novo — é claro que esse não é o objetivo dele, mas problematizar é necessário —, a questão da dificuldade que vamos ter com a própria geopolítica que a tecnologia vem trazer para nós e com a própria condição em que o Brasil se encontra hoje. Segundo o Gilson, estamos muito, muito atrasados. A pergunta, até porque o Kubota fez menção a essa escadinha, é esta: em que ponto dessa escada o Brasil está hoje, de maneira geral? Está muito no começo da escada? Pergunto para avançarmos, para criarmos essa infraestrutura que possa trazer uma melhoria nessa visão.
E, para o Gilson, a minha pergunta é a seguinte. Você abordou muito a questão da presença dos fundos e da ação estatal no desenvolvimento da ciência e tecnologia. Minha pergunta é simples e direta: esse modelo tem chance de dar certo, Gilson? Ou está na hora de tentarmos também olhar alguma forma de fazer com que essa aversão ao risco tecnológico, que você citou e que é visível... O empreendedor brasileiro não quer tomar risco em ciência e tecnologia. Está na hora de vermos como que se faz, o que é preciso para ele tomar risco? Ou vamos continuar colocando dinheiro público nessa empreitada? O que podemos esperar disso?
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11:38
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O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Antes do início das respostas, eu gostaria de agradecer a presença do Sr. Ronaldo da Silva Pereira, Auditor-Chefe do Ministério Público da União.
A OIT ou os países membros da OIT decidiram recentemente que a OIT vai debruçar-se sobre este tema, com vistas a até 2025, ou em 2025, na reunião do Conselho de Administração, tomar algumas decisões, fazer uma recomendação ou dar um passo normativo em relação, por exemplo, ao trabalho por aplicativos e por plataformas.
No momento, realmente, ainda não há um consenso. O que estamos fazendo é tentar sistematizar as experiências dos países. Acho que até o Brasil está avançando bastante nesta discussão. E é importante que o Brasil se faça ouvir também, pela importância que... Nos países desenvolvidos, o trabalho por aplicativos ou por plataformas acaba sendo mais eventual, mas, em países que têm perfil como o do Brasil, muitas pessoas vivem desse trabalho de forma integral, e realmente tem havido uma precarização, em alguns aspectos, desse tipo de trabalho.
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11:42
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É algo um pouco polêmico, porque há algumas questões de autonomia que esse trabalho permite, mas também, para algumas subcategorias, esse é um trabalho muito pouco autônomo, porque, até pelo fato de ele ser muito mal... não é que ele seja mal remunerado, mas ele não remunera a ponto de permitir uma autonomia de escolha de jornadas, e os algoritmos determinam muito dos aspectos do trabalho, como, por exemplo, o preço, o local de trabalho; e as jornadas têm sido bastante extenuantes. É um tipo de trabalho que tem as suas características também de não autonomia. Vai depender um pouco das experiências e das decisões dos legislativos de cada país sobre como regulamentar: se vai ser como um trabalho autônomo ou um trabalho supervisionado, mas sem um vínculo empregatício.
Em alguns países, tem-se adotado o caminho de transformar algumas dessas categorias de trabalho, principalmente de entregadores, como um vínculo trabalhista, mas já também com resultados um pouco heterogêneos, em termos de... Em alguns países, essas plataformas deixaram de operar, em outros não conseguiram. Acho que é uma decisão que cada país vai ter que tomar, até pelo seu perfil do direito trabalhista e a realidade também dos profissionais: se eles são mais de período integral, se é um trabalho mais eventual e também se é um trabalho menos ou mais qualificado. Em alguns países onde, por exemplo, o trabalho por aplicativos ou por plataformas também assume uma característica de trabalho mais qualificado, por exemplo, de serviços de TI, acho que faz mais sentido, talvez, tratar esse emprego como um trabalho autônomo e independente, eventual. Mas acho que determinadas categorias em alguns países têm tido uma regulamentação mais próxima à do vínculo trabalhista, também com alguns resultados ainda não muito claros sobre se essa regulamentação foi bem sucedida.
Então, a OIT ainda não tem um posicionamento. Acho que vai ser tomada essa decisão com base nas experiências dos países. E acho que é importante que um país da dimensão do Brasil se faça ouvir a partir do seu Legislativo, das suas Casas Legislativas, a partir da realidade do País. O IBGE acabou de divulgar dados mais detalhados, no caso brasileiro, sobre o emprego por aplicativo, o que, eu acho, pode ser um marco de tomada de decisão para a legislação brasileira neste tema.
Acho que a questão dos jovens brasileiros é um desafio. Temos os jovens ainda muito vítimas do desemprego, do subemprego e também do emprego abaixo das suas próprias qualificações, até pelo fato de o Brasil ter passado por um período relativamente prolongado de baixo crescimento. Desde 2015, tivemos uma desaceleração, como o Kubota mencionou, um voo de galinha, numa década anterior.
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Entretanto, a partir de 2015, até agora — até por conta da pandemia, que agravou ainda mais a situação —, uma parcela dos jovens brasileiros teve uma inserção muito ruim no mercado e foi pega de surpresa pelo baixo desempenho do mercado de trabalho, depois agravado pela pandemia. Muitos jovens deixaram de procurar a educação, até pelo custo. Por exemplo, a pessoa sai do ensino médio, depara-se com um mercado de trabalho pouco aquecido — a questão da pandemia ainda se somou a isso —, com o custo para acessar o ensino superior, e não percebe no mercado uma remuneração para o investimento que precisa fazer. Então, este foi um conjunto de conjunturas muito desfavorável, tanto que hoje temos um número de matriculados no ensino superior, proporcionalmente à quantidade de jovens, bem menor do que tínhamos 10 anos, 8 anos atrás.
Eu acho que, na linha do que o Prof. Gilson falou, temos alguns desafios muito sérios pela frente, para a retomada do ensino superior, do ensino técnico. Há até mesmo a não melhora dos nossos indicadores educacionais, principalmente na questão da qualidade da educação.
Hoje temos, proporcionalmente, uma parcela muito mais significativa de jovens — acabaram de ser divulgados os dados do IBGE sobre geração "nem-nem" e tudo o mais — e até de crianças fora da escola, mais do que havia 10 anos atrás. Isso foi agravado pela pandemia e, em parte, por um vácuo de políticas públicas na área educacional e de treinamento. Durante a pandemia, as empresas pararam de contratar aprendizes, e isso não foi retomado no pós-pandemia. Os jovens agora até retomaram o emprego mais rapidamente do que os adultos, entretanto em uma situação de precariedade, de salários muito baixos, e em funções que exigem uma qualificação muitas vezes menor do que a que eles já vêm trazendo. Então, são desafios grandes.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Está satisfeito?
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O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Solicito aos palestrantes que, quando forem responder, citem o nome, para que fique registrado nos Anais da Casa e fique mais fácil a identificação para quem for ouvir a reunião através de áudio.
Houve um trabalho que fiz com o colega Léo Lins, do Comitê Gestor de Internet, comparando dados de empresas brasileiras com empresas europeias. São dados comparáveis. A adoção de IA — inteligência artificial no Brasil é relativamente positiva, mesmo em comparação com empresas europeias. Não é o caso da Internet das coisas, mas no caso da IA, especificamente, nossa situação é razoavelmente interessante.
E essa questão da escadinha das empresas não é um problema só no Brasil. Se você for ler os textos da OCDE, verá que isso acontece nos Estados Unidos, na Europa, no Japão e em outros países. Temos que perder essa visão ingênua de que nos Estados Unidos é tudo avançado. Acho que não é bem assim. Há aquele documentário que o Obama patrocinou, na Netflix, que ganhou prêmio e tudo. Mostra a realidade de uma empresa na indústria americana.
Nossos dados da PINTEC Semestral, também lançados há pouco tempo, são positivos, com a ressalva de que são empresas de manufatura com cem ou mais pessoas ocupadas. Então, é um corte já bem enviesado. A manufatura em geral é mais tecnológica que a média dos outros setores, e empresas com cem pessoas ocupadas são razoavelmente grandes.
E nós temos casos interessantes de adoção no Governo, como o Pix, por exemplo. Alguns anos atrás, líamos que na China era tudo pago pelo WeChat e não tem mais... O único lugar aonde eu vou hoje no Brasil e não vejo cara feia quando vou pagar em dinheiro é à feira livre. Aqui em Brasília, é na CEASA. Fora isso, as pessoas perguntam: "Você não tem cartão, não?" Então, a digitalização do nosso pagamento em todas as camadas sociais é superimpressionante, e não se vê esse tipo de tecnologia instantânea, 24 por 7, em vários países europeus.
O free flow, que está sendo adotado na Rio-Santos, é produtividade na veia. Uma coisa é adotar a tecnologia, outra coisa é essa tecnologia se transformar em produtividade: não haver mais a cancela, e os veículos passarem livremente, sendo cobrados a posteriori. Em uma vez, quando fui visitar meu filho que está estudando no interior de São Paulo, havia um engarrafamento na BR-40, no primeiro pedágio.
Eu tinha a tag, porque meu filho estava estudando lá, então resolvi adquiri-la. Só eu ganhei meia hora por causa daquela tag. Imaginem nossos caminhoneiros ganhando meia hora em cada pedágio por que passam por dia! Isso é produtividade na veia.
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No caso dos aeroportos, hoje você consegue sair de Guarulhos sem qualquer intervenção de agentes da Polícia Federal. Você tira a sua foto, apresenta o seu passaporte, para entrar e sair do Brasil. Se sua ficha estiver limpa, não haverá intervenção humana alguma.
Cito o exemplo do Gov.br. O Brasil ficou em segundo lugar no GovTech Maturity Index do Banco Mundial, em grande parte por causa da iniciativa do Gov.br. Este é interessante pelo seguinte: há o clichê de que dados são o novo petróleo. Então, o Brasil é um país do Oriente Médio em dados. Temos o SUS, o maior sistema de saúde universal do mundo; temos uma rede de energia interligada, diferente, por exemplo, da dos Estados Unidos; teremos os dados do Gov.br, que estão sendo cada vez mais utilizados por todos nós cidadãos. Portanto, se conseguirmos trabalhar esses dados, teremos a matéria-prima que muitos países não têm.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Passo a palavra ao Sr. Gilson Geraldino da Silva Junior.
O SR. GILSON GERALDINO DA SILVA JUNIOR - Muito bom dia! Eu sou Gilson Geraldino, da Universidade Federal de Santa Catarina.
Eu vou responder primeiro à sua pergunta direta: se devemos colocar mais dinheiro público nas questões de inovação para o setor privado.
Tentei chamar a atenção, tentei provocar aqui uma reflexão sobre o seguinte ponto. Nós estamos na Câmara Federal, por isso eu estou falando de sistema federal. Existe um sistema federal e recursos federais. Então, se há um grande desafio tecnológico e um sistema federal de ensino e pesquisa, eu entendo que os recursos federais deveriam ser alocados no sistema federal, para se formar massa crítica a fim de acompanhar essa discussão, avançar nessa discussão e apontar soluções para questões específicas brasileiras, por este ser um país muito complexo, com muitas particularidades regionais e setoriais. Então, falar de Brasil não é nada simples. Esses recursos não estão chegando ao destino porque estão sendo bloqueados. Eles estão indo para algum lugar, mas não estão indo para o sistema federal.
Com relação ao setor privado e à aversão ao risco e ao lapso tecnológico das empresas, eu percebo o seguinte. Sugeri aqui uma mobilização nacional para se debater sistematicamente a relação entre inovação, economia e sociedade. Eu vou aqui especular, mas seria bom fazer uma pesquisa mais rigorosa. Mas a impressão que eu tenho é a de que os empresários estão muito preocupados com o seu dia a dia, em ganhar mercado, resolver os problemas e atender bem o cliente. Ele não tem a mínima condição de acompanhar os avanços tecnológicos e muito provavelmente nem sabe que há alternativas de máquinas, equipamentos e processos produtivos que poderiam tornar a vida dele melhor. Então, esse é o primeiro ponto. Quero dizer que, se você faz um fórum permanente sobre isso e difunde essa informação, ele vai saber que aquilo existe e vai começar a considerar como alternativa.
O segundo ponto é fazer a relação custo-benefício. Como o Claudio bem colocou na sua primeira intervenção, deve-se fazer a relação custo-benefício tanto de curto prazo quanto de longo prazo. Pode ser que imediatamente isso não seja uma boa ideia, mas, se o empresário não fizer isso, o negócio dele vai desaparecer. Portanto, explicando-se claramente para o empresário esse play-off de curto e longo prazo, ele vai pensar sobre isso e tomará alguma providência.
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A literatura internacional sobre financiamento com inovação deixa muito claro que até certo ponto o setor privado resolve. A partir daí é preciso constituir fundos específicos, eventualmente, com a ajuda do Governo.
Eu cito o exemplo do PROER, que foi extremamente criticado, mas fundamental para a reestruturação do sistema financeiro, quando da estabilização monetária. O PROER deu lucro e evitou uma tragédia no sistema bancário brasileiro. Então, nesse caso, no ponto que precisa ser observado e mensurado com a devida cautela, é necessário constituir um mix de fundos e, eventualmente, ter uma ajuda pública para suprir esse gap, essa lacuna de recursos que aparece no mundo inteiro.
Quanto ao segundo aspecto que você levantou — e eu vou usar a expressão que você usou, porque é muito interessante — sobre geopolítica da tecnologia, precisamos, obviamente, acompanhar isso, identificar o que pode ser útil ou não para o País, porque nem tudo o que eles estão fazendo nos é útil. E para isso precisamos de massa crítica e da participação regular em fóruns de discussão que acontecem o tempo todo.
Os avanços tecnológicos e a difusão de tecnologias estão acontecendo muito rapidamente. Vou dar um exemplo relativamente fácil de entender. A difusão do fogão a gás e da geladeira levou de 70 a 80 anos para atingir percentual acima de 90% da população. O telefone celular levou 10 anos. Então, precisamos ter mais agilidade e mais proximidade com esses fóruns de debates. Para isso, precisamos de massa crítica para, senão não vamos saber nem perguntar, muito menos entender a resposta.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Muito obrigado, Dr. Gilson Geraldino da Silva Junior.
O SR. GUILHERME PEREIRA PINHEIRO - Obrigado, Deputado. Cumprimento-o pela condução dos trabalhos, mais uma vez, e cumprimento também os membros da Mesa: o Aguinaldo, o Luis Claudio e o Prof. Gilson. O debate aqui hoje foi de alto nível. Acho que todas as apresentações vão agregar muito ao estudo do CEDES.
Meu nome é Guilherme. Eu também sou consultor legislativo na área de ciência e tecnologia, regulação de Internet e telecomunicações. Acho que saímos deste encontro hoje realmente com a impressão do copo meio cheio. Nós normalmente avaliamos os impactos da IA com o viés do desemprego, do choque negativo no status social e remuneratório das profissões. Falamos muito também da substituição e da automatização de tarefas, como nos setores de call center, contabilidade e análise de dados. Entretanto, essa visão de criação de novos empregos realmente é bastante interessante, sobretudo pelas habilidades que vão ser demandadas, talvez até mais criativas, emocionais e complexas para solução de problemas. Acho que esse é um tema que nós devemos focar.
Para não ocupar muito tempo mais, eu quero direcionar minha pergunta, de forma bem sintética, ligada à questão da desigualdade de renda e oportunidades, com foco regional no Brasil. Não sei se os senhores já se depararam ou já realizaram alguma pesquisa nesse sentido.
A pergunta, direcionada a todos os convidados, é esta: assim como dissemos, na questão de gênero, por exemplo, que as mulheres sofrem mais impacto, vocês conseguem localizar, no Brasil, regiões ou cidades em que esse avanço na automação e na inteligência artificial pode aumentar a desigualdade regional e social, uma questão que procura ser endereçada até constitucionalmente?
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Tenho outra pergunta. O Prof. Gilson mencionou a questão dos fundos. Temos 16 fundos vinculados ao FNDCT. Então, pergunto como o Prof. Gilson vê a necessidade de reestruturação desses fundos. O que temos que fazer? Obviamente, não há tempo aqui para entrarmos em muitos detalhes, mas pergunto se será necessária a criação de um novo fundo direcionado especificamente a essa rede de proteção quanto ao impacto que a automação e o uso da inteligência artificial podem trazer para as desigualdades regionais. Será que alguma coisa nesse sentido seria útil ou esse seria um caminho errado a se tomar? Gostaria de ouvir dos convidados algo sobre isso.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Muito obrigado, Guilherme.
Não há muitos estudos que tentam avaliar os impactos, do ponto de vista regional, dentro de cada país, mas um estudo da OIT avaliou vários países, então podemos esperar que, se eles indicarem de forma correta que a maior parte dos empregos a serem afetados é de empregos mais urbanos, principalmente por conta do perfil de serem empregos administrativos... Por exemplo, se fizermos um paralelo com o Brasil, onde as regiões mais ricas se assemelham mais aos países ricos, e as regiões mais pobres se assemelham mais ao que vai acontecer com os países pobres, o estudo da OIT indica que as regiões mais ricas ou mais prósperas do Brasil vão ter tanto uma perda um pouquinho maior. Mas é nessas regiões que a inteligência artificial tende a gerar mais benefícios também, porque são regiões que encampam, por exemplo, as regiões metropolitanas, onde há os empregos cuja produtividade vai se potencializar, enquanto que, nas regiões mais pobres, um pouco mais rurais, voltadas ou para extração mineral ou para atividades mais agrícolas, o impacto vai ser mais limitado, e os benefícios também serão um pouco mais limitados. Apesar de que, como o Brasil tem uma agricultura em transformação e ainda em processo de modernização, várias das tecnologias de inteligência artificial também vão poder ser aplicadas no campo, e já têm até sido. Então, acho que, no caso brasileiro, podemos esperar alguns impactos positivos, principalmente na questão de logística, transporte, otimização das práticas de produção e colheita, uma coisa que já vem ocorrendo, mas que, no caso brasileiro, ainda há espaço de modernização, espaço que, no caso dos países desenvolvidos, é um pouco menor.
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O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Obrigado, Dr. Aguinaldo Maciente.
O SR. LUIS CLAUDIO KUBOTA - Caro Guilherme, obrigado pela pergunta. Acho que da parte mais relativa a escritórios, digamos, o Aguinaldo já falou.
O exemplo dado sobre o campo acho que é interessante, porque é onde o Brasil está dando muito certo. Quero só fazer a ressalva. A IA é a bola da vez. Todo mundo fala de IA. Mas acho que o interessante é pensar no conjunto de certa forma coerente com aquela pirâmide que eu mostrei, a da conjugação dessas tecnologias. É preciso ter sensores, conectividade, modelos. E, no caso do campo, é preciso ter tecnologia de sementes, solos e assim por diante.
O que os dados brasileiros têm mostrado é que o Centro-Oeste é um tremendo sucesso, com redução da pobreza, redução da desigualdade, tudo com base em tecnologia. E, mais uma vez, não é a IA ou o ChatGPT que, pelo menos por ora, vão ter impacto lá na colheita em si.
Temos desafios também, como o Aguinaldo colocou, de logística e mesmo de conectividade, que é muito prejudicada no campo. Então, as empresas maiores acabam tendo que criar suas próprias redes para conseguir conectividade para utilizar de forma plena o benefício dessas tecnologias. O campo no Brasil é um exemplo interessante de setor onde a tecnologia traz riqueza e diminui a desigualdade.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Obrigado, Dr. Luis Kubota.
O SR. GILSON GERALDINO DA SILVA JUNIOR - Guilherme, obrigado pela pergunta. Você fez duas perguntas, uma mais ampla, sobre desigualdade.
Eu desconheço estudo detalhado em âmbito regional no Brasil. Isso seria importante, porque temos uma assimetria regional muito grande.
Eu queria chamar a atenção para a questão dos elementos endógenos geradores de desigualdade. Há algumas coisas que, pela simples dinâmica da sociedade, vão gerar desigualdade por si sós.
Vou dar três exemplos que geraram desigualdade muito grande no Brasil e fizeram do Brasil um dos países mais desiguais do mundo. O primeiro é a escravidão; o segundo, a inflação; e o terceiro, o acesso ao ensino. Esses três problemas ainda não foram substancialmente resolvidos, e seus impactos sobre a desigualdade não foram devidamente equacionados.
Você está colocando uma quarta coisa, a tecnologia, que também é algo que, pela própria dinâmica da sociedade, tem uma tendência a gerar desigualdade por duas razões. Primeiro, a pessoa que tem acesso a essa tecnologia vai conseguir aprender mais, vai poder criar mais, vai ser mais produtiva e, com isso, vai gerar mais produtos, mais processos, etc.
A outra é que ela vai conseguir se proteger do próprio efeito da desigualdade. Assim como acontece quando há inflação e quem tem acesso ao sistema financeiro se protege dela e até ganha com ela, os que têm acesso à tecnologia também ganham com ela.
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Eu não tenho números, mas, em linhas gerais, esse é um fenômeno antigo nas sociedades. No caso brasileiro, em particular, nós ainda temos legados a superar.
Quanto a sua pergunta sobre fundos, eu entendo que sim, os fundos devem ser revistos. Eles foram pensados em outra época tecnológica e social e estão muito pulverizados. Na minha fala sobre a fronteira tecnológica, eu destaquei as tecnologias de uso amplo. São tecnologias que não servem para tudo, mas servem para muita coisa. Eu vou dar um contraexemplo para ficar mais fácil o entendimento. A máquina de tirar caroço de azeitona só serve para tirar caroço de azeitona e mais nada. Agora, as tecnologias da computação de alto desempenho, de biotecnologia e de nanotecnologia são usadas em infinitas coisas, de medicamentos a pneus, aviação, etc. Então, os fundos estão muito setorizados, na atual questão, são fundos setoriais.
Eu entendo que deveria haver um fundo único e deveria haver um mecanismo de taxação. Aliás, a reforma tributária ainda está em debate; talvez tenha voltado para essa Casa, depois da apreciação pelo Senado. Então, especulando — e quero deixar bem claro que estamos em um brainstorm —, até que ponto essas big techs não poderiam ser tributadas para poder constituir esse fundo?
Peço sua permissão para estender esse tema para a questão ambiental. Até que ponto as empresas poluidoras não deveriam ser tributadas, primeiro, para se desincentivar o uso de tecnologias poluidoras, segundo, para que se financie o fundo para a transição verde, que vai ser feita somente com o uso dessas tecnologias da fronteira tecnológica?
Vou dar aqui o exemplo de um acidente com petróleo que houve no Golfo do México. Esse petróleo foi parar na costa dos Estados Unidos. E quem resolveu isso foi a biotecnologia. Uma empresa tinha lá uma bactéria que comia petróleo. Eles jogaram essa bactéria no mar, ela se reproduziu imensamente, e o petróleo foi acabando. Na época em que o mar estava limpo, o Presidente Obama, inclusive, foi nadar, se não me engano, lá na Flórida, para mostrar para todo mundo que o mar realmente estava limpo.
Então, entendo que, sim, os fundos devem ser reestruturados, e se deve tentar pegar alguma coisa dessas empresas trilionárias que estão no Brasil — não sei se elas pagam ou não pagam imposto, eu não sou tributarista — e financiar esse fundo de alguma maneira.
Essa resposta é semelhante à resposta dada à pergunta que o seu colega Angelo fez sobre o modelo de financiamento, se repetimos o que já tivemos ou se fazemos um novo. Como eu respondi a ele, entendo que se deve fazer um novo. Até certo ponto, deve-se usar recurso privado; a partir de outro ponto, é preciso ter um fundo especial, eventualmente, com participação de dinheiro público, como foi o caso do PROER, o que não necessariamente vai dar prejuízo — o PROER deu lucro.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Agradeço o Dr. Gilson Geraldino Junior e aos demais pelas respostas.
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Vamos ouvir agora o Sr. Geraldo Leite, Diretor da Consultoria-Geral e que foi muito importante quando surgiu este assunto. Ele matou no peito e botou a bola para rolar, fazendo uma comparação com o futebol — apesar de eu ser flamenguista, volto a relatar aqui, não é muito bom falar de futebol neste momento.
O SR. GERALDO MAGELA LEITE - Deputado Helio, senhores palestrantes, colegas consultores, vou falar aqui como um bom atleticano, Deputado. Aqui a nossa reunião é de parceria, mas o último confronto não foi bom não.
Eu quero falar em nome da Consultoria Legislativa e parabenizar o Deputado Helio, porque foi ele que nos trouxe essa preocupação. Foi ele que apresentou a proposta deste estudo ao CEDES. Nós fizemos uma pequena alteração para incorporar outros elementos ao estudo da inteligência artificial e o impacto no mundo do trabalho e da previdência, mas a iniciativa foi dele. Ela foi respondida à altura pelos nossos consultores Angelo, Igor e Guilherme. E a Renata também está acompanhando de perto. Eles têm produzido audiências importantes, em torno de um tema que é muito rico, sobre o qual é necessário pensar.
Estamos praticamente encerrando esta sessão legislativa e, possivelmente, esta seja a última reunião em torno deste tema. Mas, no ano que vem, retomaremos os trabalhos. Então, esta é uma palavra de cumprimento. Tenho acompanhado os trabalhos a distância e estou muito satisfeito com os resultados e com as audiências que têm sido produzidas.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Eu agradeço ao Sr. Geraldo esse estudo conjunto. Tínhamos uma ideia, mas a contribuição dos consultores a ampliou. Tínhamos uma noção sobre o tema, mas vocês a enriqueceram com este estudo voltado à temática da empregabilidade, da previdência e do trabalho. Estamos juntos nessa caminhada. Só tenho a agradecer a forma como os consultores, a Renata e a Juliana têm contribuído conosco.
Deixo as portas abertas para os palestrantes que trataram aqui deste tema tão importante. Com certeza, no ano que vem, eles devem ser convidados novamente para vir aqui.
De antemão, desejo aos senhores, por ser esta a nossa última reunião, um feliz Natal e um próspero Ano-Novo.
Estamos entrando no recesso, como disse o Geraldo, mas, no ano que vem, com certeza, vamos continuar este estudo. Esta não é a reta final, porque este estudo tem várias fases. Este é o término de uma fase. A Casa, sem dúvida, dará continuidade a este estudo do CEDES, porque ele é muito amplo, e vão aparecer outros aspectos do tema a tratar. Sintam-se em casa. As portas estarão sempre abertas.
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O SR. AGUINALDO NOGUEIRA MACIENTE - Mais uma vez, muito obrigado ao CEDES e a todos os senhores envolvidos na organização deste evento. Obrigado pelo convite.
A OIT está à disposição para dialogar sobre este e outros temas do mundo do trabalho e da previdência. Para nós, foi uma honra e um grande prazer participar deste debate, que é muito importante.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Muito obrigado, Dr. Aguinaldo Maciente.
Parabenizo o Congresso Nacional, tanto o Senado Federal quanto a Câmara dos Deputados, por esta iniciativa! Eu soube agora que a iniciativa foi do Deputado Helio Lopes, a quem parabenizo.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Obrigado, Dr. Luis Kubota.
O SR. GILSON GERALDINO DA SILVA JUNIOR - Ilustre Deputado Helio Lopes, muitíssimo obrigado pelo convite. Eu fiquei extremamente honrado em receber o convite para estar aqui. Espero ter contribuído para arejar as ideias, porque este tema é bastante complicado.
Obrigado aos consultores pelas excelentes perguntas, que ajudaram a esclarecer um pouco melhor o meu raciocínio. E mantenho o meu alerta de que devemos ter uma mobilização mais intensa em torno da questão tecnológica e ter um fórum permanente de discussão ou, pelo menos, discutir isso esporadicamente.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Muito obrigado, Dr. Geraldino.
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O SR. GERALDO MAGELA LEITE - Deputado, se o senhor me permite, quero apenas lembrar — e certamente os nossos convidados palestrantes já foram informados disso — que todas essas discussões são transformadas depois em publicações da Casa, por intermédio do Centro de Estudos e Debates Estratégicos. Então, é muito importante que os senhores palestrantes e todos os demais convidados depois nos brindem também com textos e artigos para publicação, ao final deste estudo.
O SR. PRESIDENTE (Helio Lopes. PL - RJ) - Muito obrigado.
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