Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Declaro aberta a presente reunião.
Informo aos Srs. Parlamentares que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube e no portal da Câmara dos Deputados.
Quero pedir aos presentes um pouco de silêncio neste momento. Nós estamos num auditório que não é o habitual da nossa Comissão e aqui nós precisamos adaptar um pouco os trabalhos. Então, eu pediria um pouco de silêncio, para que possamos começar a nossa reunião de forma muito tranquila.
O registro de presença será feito por assinatura do Parlamentar em lista disponibilizada aqui no recinto pela Secretaria da Comissão. A inscrição para uso da palavra deverá ser feita por meio do aplicativo Infoleg, instalado nos celulares das Sras. Deputadas e dos Srs. Deputados.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos do Requerimento nº 51, de 2023, de autoria do Deputado Pastor Henrique Vieira, para debater sobre o PL nº 580/2007, que altera o Código Civil para dispor sobre contrato civil de união homoafetiva.
Temos aqui os seguintes convidados para esta audiência pública: o Exmo. Sr. Fábio Félix, Deputado Distrital (palmas); a Sra. Cíntia Cecílio, Presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB do Distrito Federal (palmas); a Pastora Adriana Carla, representante do Fórum de Diversidade Sexual e de Gênero da Aliança de Batistas e Evangélicxs pela Diversidade (palmas); a Sra. Simone Feres, representante da Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas — ABRAFH (palmas); o Sr. Glauco Barreira, professor da Universidade Federal do Ceará — UFCE; a Sra. Marisa Lobo Franco Ferreira Alves, Presidente do Movimento Nacional Pró-Mulher, escritora e pesquisadora de gênero; o Sr. Antonio Jorge Pereira Júnior, professor da Universidade de Fortaleza — UNIFOR, e o Sr. Rodrigo Pedroso, Procurador da Universidade de São Paulo — USP.
O tempo destinado a cada convidado para fazer a sua exposição será de 15 minutos, prorrogáveis a juízo desta Presidência, não podendo ser aparteados. Os Deputados inscritos para interpelar os convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer dos presentes.
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O SR. PASTOR EURICO (PL - PE) - Sr. Presidente, eu gostaria de pedir a V.Exa. que assegure que, como sempre, para os bons andamentos dos trabalhos, haja respeito com os palestrantes, independentemente de qualquer lado, e que vaias aqui não sejam aceitas.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Está registrado o posicionamento de V.Exa., Deputado.
Eu peço aos presentes que respeitem a diversidade de opiniões. Nós temos convidados que foram trazidos pelo autor do requerimento. São todos muito bem-vindos. E também temos convidados que vão fazer o contraponto. Este aqui é um espaço de debate. Então, é importante que haja respeito dos dois lados.
Meu nome é Cíntia. Eu sou advogada. Sou Presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB-DF. Sou conselheira naquela casa. Sou uma mulher lésbica casada. Casei em novembro do ano passado. Logo, logo farei um ano de casamento e sei que continuarei casada. Sei que não vai acontecer nada que vai acabar com o nosso direito ao casamento.
(Palmas.)
Eu sei disso, porque esse PL é inconstitucional — e todos nós já sabemos. Essa discussão é importante, porque nós devemos continuar sempre falando. É importante que as pessoas saibam que nós existimos. Nós não vamos deixar de existir, PL passando ou não passando. Nós não vamos deixar de casar. Nós não vamos voltar para o armário. Isso é um fato, ainda que insistam nesse PL, que já nasceu inconstitucional. Ainda que ele passe, e temos essa sensação de que, de fato, vai passar, mas isso não é um problema.
Isso não é um problema, porque o STF há 10 anos já decidiu sobre isso. O STF já falou pela Constituição, pela nossa Lei Maior, que nós temos o direito, que o nosso direito é igual. Uma palavra colocada num artigo lá em 1980, muitos e muitos anos atrás, não vai fazer com que deixemos de existir, com que o nosso direito deixe de existir.
Quando o Ministro reconheceu no STF as famílias homoafetivas, dali começamos a conquista dos nossos direitos. Em 10 anos, eu posso dizer que esta Casa foi silenciosa. Esta Casa, durante todos os últimos anos, foi silenciosa. Não teve coragem de votar nenhum projeto que falasse sobre a população LGBTQIA+ e agora decide votar um projeto que é inconstitucional, que claramente vem aqui querer tirar um direito nosso que já foi conquistado, como foi criminalizada a LGBTQIA+fobia.
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A população LGBTQIA+ existe e está ocupando seus espaços. Hoje, na OAB-DF temos uma comissão cuja diretoria é completamente composta por pessoas LGBTQIA+. Durante os 10 anos em que aquela comissão existiu, ela foi presidida por pessoas heterossexuais. Isso não é um problema. É importante ter aliados, contar com pessoas ao nosso lado colaborando. Mas quando nós temos pessoas para ocupar esses espaços, é preciso que elas os ocupem.
São importantes o Deputado Fábio, que é um grande representante da nossa luta aqui em Brasília, como também a Deputada Erika Kokay, que está nos representando, e todos os outros nomes. É preciso lembrar que temos força, não somos minoria na população. Não somos uma minoria, somos uma grande maioria. Se tivermos força, se nos unirmos, como estamos fazendo hoje ao encher este auditório, e como fizemos na quarta-feira passada, se continuarmos falando sobre os nossos direitos, sobre as nossas conquistas, não vamos regredir.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Agradeço à Sra. Cíntia Cecílio pela sua exposição, usando muito pouco do tempo que tinha disponível.
É uma satisfação estar com todos nesta tarde. Como disse o Presidente da sessão, este é um momento de reflexão, de debate, de ponto e contraponto, de modo que o resultado final seja o melhor para a democracia do País e para o direito de cada pessoa.
Sou professor de Direito Civil e de Direito Constitucional na Universidade de Fortaleza. Fiz meu doutorado na Universidade de São Paulo tratando do tema família. Fiz diversas publicações especificamente sobre o direito de família.
Acompanhei as discussões que aconteceram nesta Casa em 2015 acerca do Estatuto da Família. Foi um debate muito interessante e muito rico. Nesse contexto, observando as discussões doutrinárias e os posicionamentos políticos, vim trazer uma pequena contribuição aos Legisladores, que têm a tarefa de fazer o que é mais oportuno para as pessoas e para o Direito nacional.
Muitas vezes, por questão de paixões e de envolvimento de cada pessoa, pode-se criar na discussão uma série de falsas bifurcações: ou se é favorável a "a" ou se é contra "a"; ou se é favorável a "b" ou se é contra "b". Na verdade, a questão não é ser favorável a "a" ou a "b". A questão é buscar a linha mais correta para harmonizar o Direito conforme a Constituição Federal, para que cada cidadão possa pleitear seus direitos junto aos poderes civis legislativos, judiciários e executivos.
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A nossa querida Cíntia Cecílio comentou há pouco que o STF definiu a união homoafetiva no Brasil, igualando-a à união estável. Naquele mesmo ano, por coincidência, houve a mesma discussão na França, onde duas mulheres pleitearam que o código civil daquele país fosse declarado inconstitucional, porque não respeitaria a igualdade entre todos de buscar o casamento civil. A Constituição francesa traz para si o texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e está lá a igualdade. Então, essas duas mulheres pleitearam seu direito de ter o casamento civil reconhecido e que o código civil fosse alterado por ser considerado inconstitucional.
Na ocasião, a Corte Constitucional francesa respondeu que o princípio da igualdade foi estabelecido para tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais e não afeta de modo algum que o casamento civil na França seja entre pessoas de sexo diferente. Afirmou que, se querem um caminho para igualdade, especificamente nessa matéria, para que não haja mais diferença sobre sexo no casamento civil, o caminho é o Parlamento. Então, a Corte Constitucional francesa disse que não era sua competência, que a competência era do Parlamento.
Seguiu-se a isso uma grande movimentação da sociedade civil na França. Pessoas que defendiam a posição e outras se manifestaram, organizaram passeatas, e o Parlamento chegou à criação da união homoafetiva no código civil. Assim caminhou aquele país. Houve, de fato, um debate coletivo amplo, e a Corte Constitucional não chamou a si a competência que não lhe foi dada.
Muito se criticou o STF naquela ocasião por ter falhado com relação ao respeito à competência do Parlamento, por ter usurpado a competência própria do Legislativo no Brasil.
A despeito do resultado, podemos concordamos que a questão deveria ser reconhecida legalmente, mas a questão é que a competência legislativa é uma, e a competência judiciária é outra. Não deve uma corte abdicar da sua competência e usurpar a competência de outra para satisfazer o interesse que parece a seus membros ser o mais adequado enquanto finalidade, assim usurpando, de certa forma, os meios.
Parece-me que agora a apreciação da matéria está na Casa correta, que é o Parlamento. Sem dúvida, isso é constrangedor, porque o STF antecipou-se com relação a várias coisas nessa matéria, e não deveria tê-lo feito, do ponto de vista formal, por não ser de sua competência. Acho oportuno que todos os movimentos interessados estejam presentes no Parlamento para defender seus direitos e interesses, como acontece com a Cíntia, que trouxe a bandeira LGBTQI+.
Nessa perspectiva, dou um passo atrás para lembrar que, quando surge a especial proteção na Constituição do Brasil e em outras Constituições similares á do Brasil, ao se falar em especial proteção, fala-se em base da sociedade civil. Se o Direito Civil, se o direito estatal quer intervir em matéria privada, essa interferência sempre carrega ônus e bônus, mais ônus do que bônus.
Direito de família é um direito de deveres acima de tudo. É mais do que um direito de direitos. Acima de tudo, é uma imposição de deveres, em razão daquilo que se reputa importantíssimo e condição sine qua non para a preservação do que se entende ser o mínimo para o bem comum e para a sociedade. É nesse contexto que se entende que a lógica do Direito Civil em matéria de família é de ser extremamente impositivo e colocar deveres pesados, como existe no contrato de casamento. Dever de fidelidade, dever de coabitação, dever de mútua assistência. São deveres pesados.
O casamento civil não foi criado para atender a interesses privados, mas para responder a uma necessidade de sustentabilidade, na perspectiva do mínimo necessário para a preservação da sociedade, reconhecendo a base da sua própria subsistência. Esse é o ponto. Portanto, não foi criada essa ideia da tutela especial para a família — ou até na Constituição a definição de três situações concretas que sofreriam essa interferência estatal — em razão de capricho ou de atenção específica aos desejos daqueles que a compõem. Pelo contrário, é uma imposição de deveres, acima de tudo. Essa é a lógica.
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Nesse contexto, é bom entender que, ao se estabelecer o casamento civil, ao se falar que é essencial para a sociedade, há uma interferência na liberdade individual, há uma redução, portanto, do âmbito de ação. Por isso, a tarefa de definir quais são os contornos em que o Estado vai intervir e interferir devem ser cada vez mais restritivos, e não ampliativos. Esse é o caminho.
Essa regulação da família está no título VIII, Da Ordem Social, da Constituição Federal do Brasil, não está no art. 5º, Dos Direitos e Deveres Individuais. Está no título relacionado à ordem social, ou seja, interessa primeiro à coletividade.
Eu defendo muito a autonomia privada, defendo que cada um faça o que quiser, como quiser, de acordo com a Constituição e com a lei. Defendo que o Estado interfira o mínimo possível. Na regulação da união estável, enquanto tal, o Estado vai um pouco além. Para tutelar o mais fraco naquela relação, acabou-se criando uma categoria jurídica que levou os advogados a criar hoje o contrato de namoro, para evitar que se diga que a relação é uma união estável. É preciso pensar que pode haver abusos nesse contexto.
Acompanhei as discussões sobre o Estatuto da Família, em 2015, que tratavam disso. Naquela ocasião, propunha-se o reconhecimento de uma modalidade contratual mais ampla possível, porque interessava a solidariedade entre as partes, independentemente da questão sexual. É uma situação distinta de casamento e de união estável. Falava-se, inclusive, de pacto vital ou pacto de convivência. Portanto, se duas pessoas, homoafetivas ou não, querem viver juntas e de fato vivem juntas, e nenhuma delas se casa com uma terceira pessoa, por que não lhes dar uma categoria jurídica de tutela para que elas possam ser beneficiárias umas das outras?
Nesse contexto surge o projeto, que já é antigo, do Deputado Clodovil, que avançava um pouco nessa linha. Ele criava uma categoria de sociedade, que seria defendida e protegida não no âmbito do direito específico de família, mas do direito patrimonial. Nada impede que se crie uma categoria assistencial específica para atender aos interesses LGBTQI+. Chamo atenção para o fato de que esse interesse não pode ser restrito a esse grupo, deve ser ampliado a outros, não em razão da relação sexual, mas da solidariedade que há entre as pessoas. Se duas amigas ou dois amigos — ou três ou quatro — vivem juntos e estabelecem entre si um vínculo de solidariedade e de mútua assistência permanente, por que não lhes dar uma categoria jurídica de tutela para contemplar essa relação? Se naquele contexto fazem-se às vezes de família ou para o outro, por que não também atribuir ali um tipo de previdência privada individual, previdência social praticada pela categoria mais próxima do indivíduo?
Parece-me que esse projeto aponta algo que não seria inconstitucional. Ele aponta a previsão de criar uma categoria jurídica concreta que vai ter uma demanda específica. Eu acho que ele deveria ser mais amplo e sequer falar da orientação sexual, para que seja realmente mais democrático. Afinal de contas, por que interessaria à base da sociedade que houvesse uma relação homoafetiva? Em que sentido eu posso falar que ele é equiparado para a sustentabilidade da lógica original da criação da tutela da família como uma tutela especial?
Então, os três momentos estavam lá: o casamento civil entre homem e mulher; a união estável, pela semelhança, e falava a Constituição em facilitar sua conversão em casamento; e afiliação, que é a raiz, é o núcleo.
Então, se qualquer pessoa tem filho, torna-se a união dessa pessoa com seu filho uma família para efeitos jurídicos. Isso está na Constituição Federal do Brasil.
Parece-me que a Constituição tem que ser restrita naquilo que ela vai apontar, no âmbito de relação social, que é necessária, porque realmente é restrita nesse âmbito. O segundo ponto é que ela vai interferir nessa relação, vai reduzir a autonomia dos indivíduos. O terceiro ponto é que ela criou isso num contexto muito especial, porque algumas bases não podem ser alteradas ao bel-prazer de quem vai simplesmente interpretar aquela norma para atender a outros interesses. Por isso existe o Parlamento e o poder constituinte derivado, que pode fazer emendas e alterações nessa matéria, se for o caso. O STF, com boa intenção naquele momento, talvez tenha faltado com isso.
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14:53
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Então, minha contribuição é recordar que, a rigor, o que se pretende quando se regulam na Constituição essas categorias familiares não é favorecer o gosto, não é instrumentalizar para falar se aquilo é melhor que aquilo outro, ou dar um prêmio a certas relações pessoais, mas reconhecer um fato que vem de longa data, que vem de séculos, que é base da sociedade civil, e interferir o mínimo possível.
Por isso me parece, como um professor que pesquisa essa matéria, que há uma certa manipulação desse tema para outras bandeiras, mas elas não deveriam usar o direito de família para essa perspectiva. É preciso lutar contra o preconceito, sem dúvida alguma, e buscar direitos iguais e tratamento adequado. No entanto, não se deve manipular outras áreas do direito que, a rigor, na sua origem, na sua base, no seu pensamento original, não estão vinculadas a nenhum tipo de preconceito, mas a um conceito. Entendia-se que o casamento era a base da sociedade civil.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Prof. Antonio Jorge Pereira Júnior, pela sua participação, feita diretamente do Estado do Ceará.
(Manifestação na plateia: "Eu amo homem, amo mulher, tenho o direito de casar com quem eu quiser".)
Estamos muito felizes por estar aqui hoje. Eu quero me apresentar. Sou Fábio Félix, sou assistente social e servidor de carreira do Governo do Distrito Federal. Sou evangélico, nasci e fui criado na Igreja Batista. Hoje, estou no meu segundo mandato como Deputado Distrital. Fui eleito em 2018 e reeleito em 2022. Tenho muito orgulho de ter sido o Deputado Distrital mais votado da história do Distrito Federal.
(Palmas.)
De forma alguma eu falo isso por arrogância ou autopromoção, mas para dizer que existe muito espaço na sociedade para esse debate.
Ao entrar neste auditório, observei que muitas representações do movimento LGBT vieram, e a maior parte dos setores evangélicos não vieram para esta audiência pública. Faço o registro de que conheço muito bem o povo evangélico brasileiro, porque cresci numa igreja. O povo evangélico não tem interesse nenhum em cassar e em retirar o direito civil da população LGBT brasileira.
Então, eu tenho muita convicção de que a população evangélica não se mobilizaria e não se mobilizará por essa pauta porque ela está longe de ser a prioridade da população.
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É importante fazer o registro de que essa não é uma conversa fácil para nós. Deputado Pastor Henrique Vieira, essa conversa, para alguns, poderia parecer uma disputa de torcida; para outros, é palanque eleitoral na véspera do ano das eleições municipais. Para nós, é uma conversa sobre as nossas vidas. Eu me casei agora, em julho deste ano, com o meu companheiro, com quem estou há 7 anos, e, felizmente, eu tive muito orgulho disso. Foi um dia muito feliz na minha vida, como foi, com certeza, o dia da Cíntia, que deu o depoimento dela aqui, como foi o dia da Talita, como foi o dia da Keka, como foi o dia de muitos dos nossos companheiros e companheiras que tiveram a oportunidade de casar. Para nós, esse é um direito fundamental. Então, falar sobre isso aqui hoje não é só uma questão objetiva, não diz respeito a eleição, não diz respeito a uma briga de torcida. Essa conversa nos toca, nos atravessa, porque diz respeito ao nosso direito ao afeto, ao nosso direito ao amor.
Que isso fique registrado, Presidente, para V.Exa. ponderar com muita generosidade, carinho, a possibilidade real de retirar esse projeto de pauta.
Eu acho que a tentativa de aprovar esse projeto na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família, tem apenas um objetivo: atacar o nosso status de família, atacar com isso os nossos direitos civis, desqualificar as nossas relações, diminuir o nosso papel na sociedade.
É bom dizer — parece-me muito óbvio — que o direito ao casamento civil das famílias homoafetivas não retira o direito de nenhum outro segmento na sociedade. Pasmem, pode parecer brincadeira, pode parecer óbvio, mas que fique registrado que a existência do casamento homoafetivo não retira a importância do casamento heterossexual e o direito de todas as famílias heterossexuais a se constituírem como família. O nosso direito não anula, não retira e não diminui o direito de nenhuma outra família brasileira.
O Parlamento brasileiro hoje poderia estar se debruçando sobre muitos outros temas, sobre o enfrentamento à pobreza, sobre o aumento da política de assistência social, sobre a luta pelo direito à saúde, a renda da população, acesso a emprego, o direito à educação, mas uma parte muito extremista, muito pequena, do Parlamento brasileiro hoje está dedicada a tentar retirar o direito de mais de 100 mil famílias, e nós não vamos aceitar isso!
(Palmas.)
Que os nossos Parlamentares que estão aqui, que pretendem ano que vem concorrer às eleições municipais, seja a Prefeito, a Vereador ou mesmo os que estão observando e vão apoiar candidatos e candidatas, saibam de uma coisa: nós somos mais de 20 milhões de LGBTs neste País e dezenas de milhões de familiares. Quando vocês tocam nesse tema aqui, Presidente, vocês não tocam só nas LGBTs, vocês tocam em mães, vocês tocam em pais, vocês tocam em irmãos e irmãs, primos, primas, amigos e amigas. Nós conquistamos o que nós conquistamos hoje porque nós temos rede de apoio, porque nós temos, sim, maioria social que respeita o direito ao casamento civil.
(Palmas.)
Essa maioria social é consolidada.
Recentemente, uma pesquisa do Instituto Ipsos mostrou o apoio da população brasileira ao casamento homoafetivo. Hoje, 69% da população brasileira apoiam os direitos civis nas relações homoafetivas. Essa é uma demonstração de que não é prioridade para a população brasileira atacar e retirar direitos.
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Precisamos dizer o que nós, lideranças LGBTs e familiares estamos fazendo aqui. Viemos aqui hoje discutir o casamento civil. O que está em debate hoje são os direitos civis. Parece-me óbvio, mas é bom dizer isso.
Na última reunião, um Deputado que, inclusive, está apoiando o parecer do Relator, perguntou a um assessor: "O projeto é o do casamento religioso?" E o assessor disse a ele: "Não, Deputado, é do casamento civil. Depois eu explico a V.Exa". E o Deputado disse: "Não é o do casamento religioso?"
É bom que fique claro para todo mundo que nos assiste que o projeto que está sendo apreciado e o parecer do Relator não tratam do casamento religioso, mas do casamento civil, dos direitos civis que nós já consolidamos, estamos reivindicando e dos quais não vamos abrir mão.
O que nós estamos fazendo aqui? Existe uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, uma decisão em matéria constitucional. E os Parlamentares muito bem sabem que essa decisão não pode ser mudada, deturpada, por uma lei ordinária. Não pode!
É correto, Presidente, que V.Exa. arquive este projeto de lei ordinária e que os Deputados e Senadores extremistas que querem fazer tramitar proposta como esta apresentem outro instrumento legislativo, o que, do meu ponto de vista, também não caberia, porque seria inconstitucional. Mas tratar disso por lei ordinária nós sabemos que é um equívoco.
Nós sabemos que há aqui uma tentativa de construção de um palco. Mas, infelizmente, este não é um palco qualquer, porque fala sobre as nossas vidas. Nós, LGBTs brasileiros — e esse é um compromisso que nós temos —, nunca vamos fazer o que estão fazendo conosco. Nós nunca vamos fazer palco para atacar os evangélicos e os cristãos, porque nós respeitamos a diversidade e a pluralidade neste País.
(Palmas.)
Os LGBTs que estão aqui e não gostam da igreja, não vão à igreja. Nós respeitamos o direito à liberdade religiosa de todos os religiosos deste País, assim como nós queremos respeito aos nossos direitos civis e, no caso tratado aqui, ao nosso direito civil ao casamento.
Portanto, Presidente, o que está colocado neste contexto que nós estamos vivendo aqui é um ataque à nossa existência, é um ataque ao nosso afeto, que não tem consequência na vida de nenhuma religião ou igreja. Por isso não há mobilização do povo evangélico aqui, porque não há consequência concreta. A única consequência disso que vocês vão aprovar aqui é sobre os nossos direitos civis.
Por exemplo, se o meu companheiro adoecer, talvez eu não possa acompanhá-lo no hospital. Haverá consequências no direito previdenciário. Se eu e o meu companheiro tivermos uma trajetória juntos, comprarmos uma casa, eu talvez não possa usufruir dessa casa, depois do falecimento do meu companheiro. É disto que nós estamos tratando aqui: direitos civis!
(Palmas.)
Existe outra consequência muito grave. Eu digo isso porque há muita gente aqui que se autoproclama pastor, pastora, representante de Deus, pessoas que dizem que propagam nas suas igrejas o amor.
Eu sei disso porque já li a Bíblia inteira, estudei muito a Bíblia, porque a igreja Batista é uma igreja muito dedicada. Quem conhece a igreja Batista sabe que nós vamos para a escola dominical todo domingo, antes do culto matutino, e discutimos a Bíblia. E eu tenho certeza, Deputado Pastor Henrique, que, na história de Cristo, no legado de Cristo, ele não atacou o direito civil nem pregou que se atacasse o direito civil de alguém. Essa não é a história do cristianismo!
(Palmas.)
Essa não é a história do cristianismo! Nós não podemos naturalizar isso no Parlamento. O efeito daquilo que nós estamos propagando, que nós estamos dizendo hoje aqui não está só nos direitos civis.
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Presidente, uma coisa muito grave pode acontecer a partir daqui: o acionamento dos gatilhos de violência, porque isso tem a ver com a forma como nós estamos fazendo o debate.
Hoje, nós estamos lutando pelo direito à vida da população LGBT. Infelizmente, eu, quando entro num Uber ou num ônibus ou quando estou andando nas ruas, às vezes tenho medo de dar a mão para o meu companheiro, de abraçá-lo, de chegar perto dele, porque tenho medo da violência. Temo pelo meu direito à vida.
Nós, infelizmente, estamos num dos países que mais matam LGBTs no mundo, no país que mais mata travestis e transexuais no mundo. Nós estamos tratando aqui é do direito à vida. Fazer este tipo de debate de maneira deformada, desqualificando a discussão sobre os direitos civis da população LGBT, é alimentar uma tese de violência, é alimentar uma tese de extremistas.
Nós estamos falando de LGBTs que estão assistindo a esta audiência hoje e que já têm dificuldade de se aceitar, de aceitar a sua orientação sexual. Nós estamos falando da população LGBT, que tem altas taxas de suicídio. Como um debate como este impacta os segmentos mais jovens da população LGBT? Nós precisamos pensar e falar sobre isso. Esta é a discussão importante que nós precisamos fazer: como proteger a vida de toda a população e como proteger a vida e garantir o direito à vida da população LGBT brasileira sem retirar dela outros direitos? Esse é o debate que nós temos que fazer.
(Palmas.)
É difícil nós acharmos um LGBT que já não tenha atentado contra a própria vida, um LGBT que já não tenha tido ideação suicida — é muito difícil! —, porque nós vivemos numa sociedade que, infelizmente, nos tem de forma sujeitada, como cidadãos de segunda linha. Tanto é que, quando falamos em orgulho, muita gente acha, pastores que estão à mesa, que nós dizemos isso de forma arrogante. Não! Orgulho para nós é um resgate. O orgulho LGBT para nós é o resgate de uma palavra que não aprendemos a dizer, porque a palavra que nos ensinaram quando saímos do armário foi "vergonha". Então, quando falamos em orgulho daquilo que somos, nós estamos tentando resgatar a nossa dignidade, o nosso direito à existência, o nosso beijo, o nosso afeto, o nosso amor! É isso o que queremos, quando falamos em orgulho. Não queremos ser, de forma alguma, arrogantes. Queremos garantir o nosso direito à vida e à dignidade.
O nosso apelo hoje, Presidente e demais Deputados e Deputadas que estão aqui, é para que esta pauta não seja transformada em palanque eleitoral, que esta pauta não seja parte de uma trama do palanque político de um segmento religioso, que esta pauta não seja utilizada para atacar a dignidade e a vida das pessoas. O nosso apelo é para que possamos esclarecer para o conjunto da população que o que está colocado aqui são direitos civis e que hoje nós temos um compromisso na população LGBT brasileira de respeito à diversidade e à pluralidade e que nós LGBTs não vamos aceitar voltar para o armário de forma alguma.
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15:09
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Nós sabemos que, do ponto de vista da legalidade, o que se está construindo nesta Comissão é uma fantasia jurídica, mais como gesto do que como realidade. Todo mundo sabe disso. É um gesto que querem passar. E eu quero pedir a V.Exa., Presidente, que esse gesto não seja feito, porque esse gesto toca vidas reais, esse gesto toca vidas concretas, esse gesto ataca direitos civis e não acumula direitos para ninguém, esse gesto ataca a nossa existência, esse gesto cria gatilhos de violência, esse gesto nos ataca, nos humilha, nos constrange, nos envergonha.
Isso não quer dizer que o senhor está atacando só as lideranças LGBTs, os ativistas e militantes. Não se trata de torcida, como eu disse aqui. Os senhores, com a aprovação desta matéria, ou com a possível aprovação desta matéria amanhã, estarão atacando dezenas de milhões de brasileiros no seu direito. Não façam isso! Nós não voltaremos para o armário e não vamos nos esquecer daqueles que estão sujando o seu nome na história política brasileira, aprovando este tipo de matéria.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Deputado Fábio Félix, por sua explanação nesta audiência pública.
O SR. GLAUCO BARREIRA - Boa tarde a todos. Muito obrigado pelo convite que me foi feito e pela oportunidade. Eu gostaria de agradecer à Mesa inteira pelo debate proposto, que é de muita importância.
Como o Prof. Antonio Jorge havia dito, a grande questão aqui não é subtrair direito ou fazer pessoas voltarem para o armário, mas colocar cada coisa dentro de uma classificação jurídica bem definida, evitando-se, portanto, confusões conceituais e jurídicas.
A família de que tratam a nossa Constituição e o nosso Código Civil, a família que alguns chamam de tradicional e aparece em alguns documentos jurídicos como família natural, é a família que tem como núcleo a relação entre um homem e uma mulher, caracteriza-se por gerar filhos e formar uma comunidade de vida e é a única instituição que tem um substrato biológico.
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15:13
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No mundo animal, vemos que há também a ideia de família: os animais relacionam-se, geram filhotes, e há a adaptação do corpo da fêmea para atender as necessidades alimentares dos filhotes, provendo o leite. Há também toda a defesa dos filhotes pelos pais, enquanto eles estão pequenos. E a nossa linguagem, em relação ao mundo animal, continua sendo a linguagem, digamos assim, tradicional. Se nós comprarmos um casal de peixes e não nos derem um macho e uma fêmea, nós vamos dizer: "Não, isso aqui não é um casal". E nós chamamos de acasalamento a união com fins de reprodução, no âmbito animal.
Essa família que é composta pela união do homem e da mulher e que gera filhos, no mundo humano, ganha certos laços de constância, com a ideia moral de fidelidade, porque há a consciência humana de que ter aquele filho vai dar continuidade à herança e tudo o mais. Se nós tivéssemos um amplo estado de promiscuidade em que todos se relacionassem indiscriminadamente, teríamos grandes dificuldades para identificar quem seria o pai de determinada pessoa. Então, o casamento veio para definir a paternidade e a continuidade.
O cristianismo trouxe apenas a ideia da monogamia, com uma ideia de igualdade. Enquanto na poligamia o homem tinha várias mulheres, agora o homem só pode ter uma esposa, e, da mesma forma, a mulher só pode ter um esposo. Essa é a ideia de igualdade.
Mas o que se está a falar aqui é do conceito de família que permeou todas as culturas, e não de uma coisa estritamente cristã ou de determinada religião, tanto que a Constituição e o Código Civil falam do divórcio, e os religiosos, muito embora possam ter restrições ao divórcio, sabem que ele é juridicamente estabelecido, porque está na Constituição e está no Código Civil. E, de igual modo, eles estão preocupados com a falta de fidelidade ao que se diz juridicamente na definição do casamento que está na Constituição e no Código Civil, uma definição que ainda se mantém literalmente como sendo entre homem e mulher.
Esse casamento da forma como nós estamos aqui descrevendo, o casamento que gera o núcleo familiar, é responsável pela perpetuação da sociedade. Da família vem um clã, do clã vem uma tribo, da tribo vem uma cidade. Por isso, a nossa Constituição diz que a família é a base da sociedade, porque é responsável pela perpetuação da vida, da espécie e, consequentemente, da sociedade.
As características desse casamento de que trata a Constituição são basicamente três: primeiro, a diversidade homem e mulher, o que gera a segunda característica: a complementaridade. Inclusive se diz na linguagem religiosa, mas que tem um sentido também jurídico, que serão dois em uma só carne porque nós temos vários aparelhos do nosso corpo que são autônomos, como o aparelho digestivo, mas o aparelho reprodutor não, ninguém reproduz sozinho. Quando homem e mulher se unem, aí sim eles têm um aparelho reprodutor, aí é que passa a ter funcionalidade esse aparelho, porque houve a complementação. Daí vem a ideia de que serão dois em uma só carne.
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Quando vemos isso, concluímos que são coisas muito diferentes e que deveriam ser tratadas com um status jurídico diferente. Senão, se formos muito abrangentes quanto ao que seja a família, como é que eu vou definir a família? Eu posso definir a família meramente pela afetividade? Não, porque, se um homem e uma mulher, mesmo não tendo afeto, diante de um representante da lei, manifestarem seus votos, eles estarão casados, independentemente de afetividade. Por outro lado, pessoas podem ter afetividade e não levarem isso à formalização do casamento. E o Estado não tem como entrar na nossa vida íntima das pessoas para aferir se a afetividade está lá para poder, com base nisso, dizer que aquelas pessoas estão genuinamente casadas.
O casamento é uma instituição objetiva. E a família é uma instituição objetiva. Quando não temos mais um conceito de casamento, na verdade, destruímos o casamento e a família.
Por exemplo, imaginemos que eu pensasse numa associação de torcedores do Corinthians e dissesse que, por razões de igualdade, um torcedor, por exemplo, do São Paulo, poderia participar dessa associação. Eu não estaria garantindo igualdade, porque a finalidade dessa instituição inadmitiria, por sua própria lógica, um torcedor de outro time. Eu estaria na verdade destruindo aquela associação. Os torcedores dos outros time diriam assim: "Vamos todos entrar nessa associação para diluí-la e enfraquecê-la". Na verdade, isso resultaria numa destruição da associação. Então, a questão é pensar em garantir os direitos, mas com as classificações jurídicas apropriadas.
Foi dito aí, por exemplo, que colocar o casamento entre pessoas do mesmo sexo no mesmo nível do casamento entre homem e mulher não afeta direitos de terceiros, seria só uma questão relacionada àquelas pessoas que vão viver essa vida dentro da formalidade do casamento. Mas, se prestarmos atenção aos fatos, afeta direitos de terceiros sim.
Por exemplo, há empresas que fazem festas de casamento que foram montadas para fazer casamentos entre pessoas de sexos distintos. Às vezes, as pessoas que montaram essas empresas são até religiosas, e elas terminam sendo acionadas na Justiça, porque se recusaram a fazer o aparato da festa para um casamento de pessoas do mesmo sexo.
Há pessoas pleiteando, para evitar pretensa discriminação, a retirada da certidão de nascimento do nome de pai, do nome da mãe, a alusão a pai e mãe, acabando com o direito de pai e mãe. Então, vemos que há, sim, repercussão em direito de terceiros.
A preocupação aqui é manter essa situação dentro de uma nominação jurídica própria. Nossa Constituição abraçou esse conceito que eu mencionei de casamento. E ela o fez, inclusive, por causa da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, que diz, no Artigo 16:
1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. (...)
Essa é a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, e fala de homem e mulher. No Artigo 16 ainda, um pouquinho mais adiante, diz assim a declaração:
3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado.
Vejam, a família é o elemento natural. Então, ela está falando de uma família natural, a partir da ideia de perpetuação da espécie. Isso é fundamental, porque, sem essa união entre homem e mulher, não haveria a continuidade da sociedade. Mesmo quando há uma inseminação artificial, é preciso ter um espermatozoide, que vem do homem, e um óvulo, que vem da mulher. Então, há uma razão de ser para haver uma proteção especial a essa instituição.
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Isso se dá em razão da função social que ela cumpre, não pelo interesse daqueles que simplesmente quiseram casar e viver uma vida comum. Por causa da finalidade social que essa instituição cumpre, ela deve ter a proteção especial do Estado. É o que a nossa Constituição diz: a família é a base da sociedade e terá especial proteção do Estado.
Nós vemos que o Constituinte, quando fez a Constituição, teve preocupação com isso. Houve um debate na Constituinte — isso está nos registros —, levantado por Gastone Righi e que envolveu Roberto Freire e Gerson Peres, exatamente sobre se iriam colocar na Constituição, claramente, na parte da união estável, que seria só entre homem e mulher, porque havia pessoas achando que poderia ser extensivo. No debate, eles chegam à conclusão de que deve ser colocado que é entre homem e mulher, para evitar que se possa pensar que poderia ser entre pessoas do mesmo sexo. Então, Ulysses Guimarães passa a palavra ao Relator Bernardo Cabral, e ele diz: "Quem concorda com o que nós estamos propondo aqui fique como está". Todo mundo fica como está, e se seguem as palmas.
Então, o Constituinte era inconstitucional? Eu posso dizer que aquela Assembleia Nacional Constituinte estava com pretensões inconstitucionais? Eu não posso dizer isso.
A Constituição é o documento máximo da legislação. Ulysses Guimarães disse que traidor da Constituição é traidor da Pátria. E a nossa Constituição é muito clara quando trata da família, no art. 226, e diz que a família é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado. Mais adiante, diz, no § 5º do mesmo artigo, que a sociedade conjugal é exercida igualmente por homem e por mulher. Fala da união estável. Fala, por exemplo, de paternidade responsável, no § 7º. E só há sentido falar em paternidade responsável se se tratar de um casal heterossexual, porque um casal que não seja heterossexual não haveria necessariamente planejamento. A paternidade responsável é a preocupação de não deixar, por força da fecundidade, a geração de filhos descontrolada.
Nós temos também vários artigos na Constituição, como os arts. 227 e 230, que dizem que é dever da família, da sociedade e do Estado cuidar da criança, da infância, do idoso. Notemos que há aí três degraus: família, sociedade e Estado. A família é anterior à sociedade — ela é a base da sociedade — e é anterior ao Estado. A família deve frear o Estado, assim como a sociedade. E o Estado só deve se incumbir daquilo que não for resolvido pela família e pela sociedade.
Se eu puder dizer que o Estado pode definir a família a seu bel-prazer, então a família fica engolfada pelo Estado. Ela já não é mais um limite a ele. Assim como o Estado não pode definir a sociedade, que é anterior a ele — o Estado é a sociedade organizada, então ele não pode definir a sociedade —, ele também não pode definir a família.
Aliás, foi o nazismo que quis definir tanto a sociedade como a família. Os nazistas diziam que quem não era da raça ariana não era povo alemão. Muitas pessoas que tinham cidadania alemã não foram reconhecidas como tal, porque ele redefiniu a sociedade. Um casamento que não fosse entre arianos não era válido. O nazismo quis redefinir e controlar a sociedade e a família, que eram elementos anteriores ao Estado e que deveriam frear as ações do Estado. Então, vemos que, quando não nos preocupamos com a definição de família, amanhã poderemos não estar nos preocupando com a definição de sociedade e agigantando, portanto, o Estado.
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Aristóteles definiu a família como nós a estamos defendendo aqui, dizendo que ela era um laço natural anterior ao Estado e até mais importante, de certa maneira, do que o Estado. Ele diz isso lá em Ética a Nicômaco. Hegel também definiu a família dessa maneira como estamos defendendo, assim como Kant. Para mudar o conceito de família, teríamos que deixar de lado todos os filósofos que estudaram a sociedade: Kant, Rousseau, Hegel, Aristóteles.
E a família, uma vez definida na Constituição, assim como o casamento, passa a ter garantia institucional. O que é uma garantia institucional, segundo o Prof. Paulo Bonavides? É a garantia dada pela Constituição ao definir uma instituição, para impedir que o legislador ordinário modifique seu conceito. Essa é a ideia de garantia institucional. Esse conceito é clássico no Direito Constitucional. Quando a Constituição escolhe definir uma instituição, ela o faz para que aquela modificação só possa acontecer através de emenda à Constituição, ou seja, ela inclui essa instituição no seu núcleo duro.
Jorge Miranda, jurista português, e Rui Medeiros disseram a mesma coisa: a definição de família e de casamento em uma Constituição não pode ser alterada por lei ordinária porque são garantias institucionais. José de Oliveira Ascensão, um grande jurista português, e Paulo Ferreira da Cunha, Ministro do Supremo Tribunal de Justiça em Portugal, têm essa mesma visão.
Na verdade, quando o Supremo aceitou como um tipo de união estável a união entre pessoas do mesmo sexo, basta olhar o voto dos Ministros para perceber que eles não estavam dizendo que era a mesma coisa que está lá na definição constitucional. Disse, por exemplo, o Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto: "Assim, segundo penso, não há como enquadrar a união entre pessoas do mesmo sexo em nenhuma das espécies de família, quer naquela constituída pelo casamento, quer na da união estável, estabelecida a partir da relação entre um homem e uma mulher, quer, ainda, na monoparental. Esta, relembro, como decorre da expressa exposição constitucional, corresponde à que é formada por qualquer dos pais e seus descendentes".
Joaquim Barbosa disse o seguinte: "Assim, nessa ordem de ideias, eu concordo com o que foi sustentado da tribuna pelo ilustre Prof. Luís Roberto Barroso, isto é, creio que o fundamento constitucional para o reconhecimento da união homoafetiva não está no art. 222, § 3º, da Constituição — que é o que fala da união estável —, que claramente se destina a regulamentar as uniões entre homem e mulher não submetidas aos rigores formais do casamento civil".
Então, esses Ministros queriam algum tipo de proteção para a união entre pessoas do mesmo sexo, mas eles diziam que não era aquela da Constituição. O CNJ é que foi além e estabeleceu a obrigatoriedade de os cartórios celebrarem o casamento civil. Os Ministros cindiram o problema jurídico da questão.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Prof. Glauco, peço a V.Exa. que conclua, pois seu tempo já se encerrou.
O SR. GLAUCO BARREIRA - Então, vemos que a ideia é encontrar uma forma de proteção para a união entre pessoas do mesmo sexo. E, como eu disse antes, corroboro com a ideia do Prof. Antonio Jorge de dar um sentido lato a isso, ou seja, que se garanta essa proteção não só a pessoas que por razões sexuais estão unidas como homossexuais, mas também, dada a grande diversidade de uniões entre quaisquer pessoas, a outros tipos de uniões, como aquelas que acontecem entre dois irmãos ou dois amigos que queiram ter uma vida em comum e reservar um patrimônio conjunto. Mas se deve deixar o conceito de família e o conceito de casamento como está na Constituição Federal e no Código Civil, por todas essas razões que apresentamos.
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Prof. Glauco Barreira, da Universidade Federal do Ceará.
Eu estou nervosa, mas daqui a pouco isso passa. Como disse o Deputado Fábio Félix, esse tema diz respeito à nossa vida, em primeiro lugar. Então, vou fazer uma exposição da minha vida, porque eu acho que é um belo exemplo de como pode ser prejudicial e violento o projeto que está tramitando nesta Casa e em tantas outras casas legislativas, infelizmente, em nosso País.
Eu sou pastora evangélica batista, não uma pastora que não estudou, e alguém colocou a mão e disse: "Você é pastora a partir de agora". Eu passei por um seminário teológico por 5 anos e por um concílio. Quem é batista sabe o que é isso. Passei por uma banca examinadora composta por vários pastores para ser consagrada pastora batista da Primeira Igreja Batista de Bultrins, em Olinda, Pernambuco.
Sou formada em pedagogia e teologia, sou estudante de psicologia e pesquiso a área de discurso religioso e o mal psicológico que o discurso religioso de ódio traz a pessoas LGBT.
Meu nome é Adriana Carla. Eu sou nordestina, da cidade de Recife, pastora evangélica ordenada pela Primeira Igreja Batista de Bultrins, em Olinda. Entretanto, minha trajetória ministerial não começa com minha ordenação em fevereiro deste ano. Simbolicamente, eu completo, no ano de 2023, 25 anos de ministério.
Eu saí da minha casa, da minha região e do meio da minha família com 18 anos de idade para ser missionária e trabalhei na Região Norte do País, em uma das regiões mais carentes e isoladas da cidade de Oiapoque, junto aos povos indígenas, ribeirinhos e pessoas da cidade.
Trabalhei na fundação de um centro de treinamento missionário, onde recebíamos indígenas e pessoas de diversas igrejas do Estado do Amapá e do Pará para estudar teologia básica, e fundei uma igreja com a equipe missionária na cidade de Oiapoque, chamada Casa da Esperança.
Meu trabalho sempre foi cuidar de pessoas. Sempre estive perto de gente que trazia demandas de sofrimento, abandono e problemas socioafetivos e sociais. Trabalhei com crianças e adolescentes que, em sua maioria, experimentaram em suas famílias todo tipo de abuso e violência.
Quem é psicólogo sabe que a família é uma bênção e, ao mesmo tempo, uma maldição, porque é de lá que vêm todos os nossos traumas, medos e violências, e nós passamos o resto da vida fazendo terapia para tentar curá-los.
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15:33
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Eu falo hoje do lugar de alguém que deixou tudo para servir a Deus, num dos trabalhos mais honrosos para o meu evangélico, o de missionária. Eu vivi 14 anos no Amapá sem salário. Nós chamamos isso de viver pela fé. Nos 14 anos em que trabalhei no Oiapoque, Deus me sustentou e não me faltou nada. Mas eu vivi tudo isso com um sentimento diário de culpa e tendo que esconder e lutar contra quem eu era, minha existência e minha sexualidade. Perdi a conta das inúmeras vezes em que chorei compulsivamente, em que dirigi meu carro e pensei em atirá-lo de algum precipício para silenciar a dor de me imaginar amaldiçoada por Deus. No afã de me enquadrar, muitas vezes, por meios violentos, eu me submeti a todo tipo de ajuda, ao que vocês conhecem como "cura gay". Fui a psicólogo, fui a ONG, fui a igreja, fui a oração, fui a tudo isso, para deixar de sentir o que eu sentia e deixar de ser quem eu era, além de tudo, em silêncio, sem poder falar.
O que querem de nós é que nós nos calemos, que nós finjamos não existir. Eu estou aqui hoje, mais uma vez, para quebrar esse silêncio e dizer que não vamos nos calar, que existimos, que temos fé, que não vamos ser mortos sem lutar. Quero dizer que a comunidade LGBTQIAPN+ tem direito ao casamento, à fé, à dignidade de vida.
(Palmas.)
Eu nunca vou me esquecer das palavras do meu irmão mais velho. O medo que eu tinha era o de perder o meu ministério, e o meu irmão mais velho disse o seguinte para mim naquele dia: "Você passou 20 anos longe da sua família, cuidando de gente que você nunca viu, servindo a esse Deus em que você acredita, e você acha que esse Deus não quer que você seja feliz?"
(Palmas.)
Aquela frase foi a chave que virou algo na minha cabeça, e eu comecei a questionar que Deus era aquele em quem eu acreditava.
Aos fundamentalistas quero dizer que eu nasci numa escola fundamentalista, eu fui ensinada numa escola fundamentalista, mas o curioso é que eu comecei a perceber que Deus é um cara meio sádico, porque primeiro ele me chama para ser missionária e depois ele me diz que mulher não pode ensinar porque é mulher — imagina sendo uma pessoa LGBT!
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15:37
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No auge desses pensamentos suicidas e de incompreensão, eu encontrei uma mulher lésbica casada com um homem, e ela disse para mim: "Adriana, se alguém me perguntar sobre a minha orientação sexual, sou lésbica. Agora, eu decidi me casar. E eu sou missionária como você". E naquele dia ela disse: "Deus sabe quem você é. Todo mundo sabe. A sua igreja sabe". E essa minha irmã depois me disse: "Adriana, está tudo bem. Deus sabe quem você é. Deus tem te usado. Você não precisa mais viver nesse lugar de culpa". Mas a minha necessidade era a de que alguém me dissesse que ser LGBT não era pecado, que ser LGBT não era uma abominação. E essa minha amiga me deu um conselho naquele dia: "Faz o seguinte: esquece as pessoas, esquece a igreja, esquece a Bíblia. Vai ter uma conversa séria e honesta com Deus, porque a Bíblia, os livros que estão lá, a forma como foram colocados, a gente estuda na história, foi um círculo de homens cisheteronormativos patriarcais que escolheu que livros entrariam e que livros não entrariam. É só pesquisar no Google. Então, pare de pensar nisso e vai conversar com Deus".
Naquele dia, eu tive uma conversa muito honesta com Deus, aquele Deus em quem eu acredito. E, pela primeira vez, em 30 anos, eu dormi sem me sentir culpada por existir. Foi tremendamente libertador.
Comecei a procurar pessoas, a entender melhor a Bíblia e a buscar outras vozes dissidentes. Encontrei pessoas que, como eu, estavam na igreja, foram expulsas da igreja, mas amavam a Deus e queriam ter o direito de crer em Deus. Mas o que ouvíamos era: "Se você é LGBT, você não pode ser cristã; se você é cristã, você não pode ser LGBT". Eu estou aqui para provar que as duas coisas são possíveis.
(Palmas.)
O reino de Deus está onde uma pessoa serve a outra. Quando uma pessoa cuida de outra pessoa, quando algo é feito, quando a justiça é feita, quando o pobre tem o que comer, quando a família que está sofrendo violência tem ajuda, quando mulheres são resgatadas de ciclos de violência, quando crianças saem do tráfico, quando tudo isso acontece, o reino de Deus é manifesto. E isso não depende da igreja. Quando alguém diz: "Ninguém toca na minha LGBT", o reino de Deus está presente.
Em 2018, eu encontrei a página do Evangélicxs pela Diversidade na Internet, porque alguém me disse: "Eu conheço um grupo que é como você, gente que é crente e ama Jesus". E aquele encontro com o grupo Evangélicxs pela Diversidade mudou a minha vida. Eu parei de pensar em suicídio e descobri que Deus celebrava a minha existência e que meu ministério não tinha acabado.
Eu estou aqui para dizer, como religiosa — eu vim aqui como pastora evangélica para firmar uma posição que talvez o movimento LGBT nem sempre conheceu —, que existem igrejas, dezenas de igrejas neste País que não são fundamentalistas, que operam para servir a Jesus e às pessoas e que não vão deixar de celebrar a diversidade. Não se preocupem com o casamento religioso. Existem muitas igrejas que casam pessoas LGBT porque estão comprometidas com Deus, que é diverso, que fez todas, todos e todes nós.
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15:41
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Há 1 ano, a Primeira Igreja Batista de Bultrins me ligou e disse: "Adriana, você passou 40 anos na sua ex-igreja sem a possibilidade de nem sequer sonhar com o reconhecimento do seu ministério, e nós estamos ligando para você para dizer que nós vamos fazer o seu concílio e você vai ser consagrada pastora da nossa igreja, porque a sua vida mudou a vida desta igreja e, hoje, nós somos uma igreja afirmativa. Queremos todas as pessoas presentes porque Deus fez todas as pessoas".
Hoje, enquanto coordenadora nacional do Evangélicxs pela Diversidade, estou aqui, em nome do Evangélicxs, em nome da Primeira Igreja Batista de Bultrins, em nome da Aliança de Batistas do Brasil, composta por várias igrejas que estão neste País e que abraçam a diversidade, para dizer que luto, sim, pelo casamento igualitário, luto pela minha família, porque sou casada há 8 anos com uma mulher maravilhosa e de Deus, chamada Célia Pereira, que caminha ao meu lado.
(Palmas.)
Estou aqui para dizer que nós viemos aqui lutar contra essa pretensa moral religiosa, contra esse pretenso desejo de servir a Deus e aos bons costumes, contra essa pretensão de servir à "verdade" — entre muitas aspas —, excluindo pessoas, violentando pessoas, matando pessoas. A verdadeira manifestação do evangelho, do amor e da graça de Deus não se dá por esse caminho. O que Jesus veio anunciar, na sua vida, na sua trajetória, não passa por aí.
Então, nós estamos aqui para dizer que as mãos da Nação brasileira, que mata pessoas transexuais e travestis mais do que qualquer outro país no mundo, estão cheias de sangue. Perverter o direito às nossas famílias é manchar as suas mãos de sangue, mais uma vez, porque, como disse o Deputado Fábio Felix, a violência só tende a aumentar.
Estou aqui para dizer que nenhum argumento pode retirar direitos legítimos, desqualificar e deslegitimar a existência de milhares de pessoas e suas famílias e tratá-las como menos cidadãs ou como menos humanas, e é isso o que estão fazendo.
Estou aqui para dizer que este projeto é um retrocesso. Fere o Estado laico e cria uma supremacia cristã evangélica que nós cristãos evangélicos conscientes não queremos para o Brasil. Nós queremos um Estado laico.
Aqui têm sido expostas violências e situações que violentam a nossa vida ainda mais do que nós já somos violentados.
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15:45
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Pastora Adriana Carla, por sua explanação.
Inicialmente, eu gostaria de cumprimentar o Exmo. Sr. Deputado que preside a Mesa, todos os Parlamentares presentes, os palestrantes que falaram antes de mim, o público que está aí presente e quem está acompanhando remotamente esta audiência pública.
Eu gostaria de ressaltar que é importante que o Congresso Nacional defenda as suas prerrogativas legislativas. É nesse sentido que eu gostaria de dar a tônica desta fala neste momento.
Este é um tema que se presta, infelizmente, a muita demagogia, mas o fato é que, quando o Supremo Tribunal Federal julgou a ADI 4.277, há 12 anos, em 2011, ele declarou inconstitucional o próprio texto do artigo da Constituição que define a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, como já ressaltado antes de mim pelo Prof. Glauco e pelo Prof. Antonio. É nesse contexto que eu vejo a necessidade de o Congresso Nacional defender as suas prerrogativas.
Por mais nobre que possa ser uma causa ou por mais apelo popular e sentimental que ela tenha, ela não pode ser usada como motivo para um órgão ou um Poder Constituído extravasar os seus limites constitucionais, os limites da sua competência constitucional. E foi isso o que aconteceu no julgamento da ADI 4.277.
O art. 1.723 do Código Civil, que repete o texto da Constituição sobre a união estável, recebeu — entre aspas — "uma interpretação conforme a Constituição", como se ele já não repetisse o texto constitucional, para reconhecer-se a união estável como entidade familiar.
Como disse antes de mim o Prof. Glauco, a família não pode ser objeto de uma definição arbitrária. Estamos vendo, muitas vezes, manifestações de movimentos organizados que têm certo apelo midiático, que recebem atenção internacional, inclusive atenção financeira, e a grande maioria da população, a maioria silenciosa, acaba não sendo ouvida. E, assim, mudanças de costumes, mudanças na moralidade, mudanças nos valores são impostas à população.
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15:49
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O Congresso Nacional, por defeitos que tenha, inclusive institucionais, é a grande caixa de ressonância da sociedade brasileira. Cada Deputado e Senador que está aí passou por um processo seletivo muito duro e foi julgado pelo povo. Ao contrário do que ocorre no Poder Executivo, que também é eletivo, mas só representa a maioria, no Congresso estão representados todos os segmentos de opinião, todos os segmentos ideológicos da sociedade.
Quando essa questão foi subtraída do debate no Congresso, houve a subtração de um próprio poder popular delegado, que o Supremo Tribunal Federal não tem. Pela própria formação, constituição, composição, pelo modo de provimento dos cargos, ele não é o órgão habilitado para esse tipo de discussão, como, por exemplo, a que estamos tendo nesta audiência pública.
O Ministro do Supremo Tribunal Federal não depende do voto popular. Ele não se submete a um escrutínio. Isso é assim por uma razão muito importante: ele precisa dessa imparcialidade, dessa independência. O problema é quando ele começa a julgar contra o povo, inclusive chamando para si atribuições que não são próprias do Judiciário.
O Judiciário não deve decidir por considerações de oportunidade e conveniência. Ele deve decidir segundo o direito. O filósofo Aristóteles, já citado antes de mim pelo Prof. Glauco, distinguia o discurso forense, judiciário, do discurso político deliberativo, porque um se projeta no passado, o outro se projeta no futuro. Então, o discurso político deliberativo, próprio de uma Assembleia Parlamentar, visando ao futuro, discute razões de conveniência e oportunidade. Estender o conceito de família assim ou restringi-lo de uma outra forma corresponde a ser oportuno e a ser conveniente segundo o momento. Já o discurso forense, judiciário, projeta-se em relação ao passado, na medida em que ele tem que se ater ao que foi já deliberado,
A Assembleia Nacional Constituinte de 1987 fez uma deliberação a respeito dessa questão da união estável. Foi o que o Prof. Glauco repôs aqui, citando os diários, os Anais da própria Assembleia Constituinte. As palavras "homem" e "mulher" foram colocadas na Constituição justamente para que a entidade familiar união estável não abrangesse outros tipos de uniões. Isso pode ser alterado? Pode. Isso é uma questão de emenda constitucional. O Congresso Nacional é titular e exerce o poder constituinte derivado decorrente de reforma, o poder constituinte reformador, o poder de elaborar emendas constitucionais pelo seu quórum qualificado.
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15:53
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O que importa é que a Constituição desenhou a família de uma certa maneira. Esse desenho da família era o que já existia antes, na legislação infraconstitucional, e foi confirmado no Código Civil, de 2002. Depois, em 2011, o Supremo Tribunal Federal, com uma grande pressão midiática em cima, acabou reconhecendo algo que não correspondia à vontade do Constituinte.
Talvez precisasse ser feita alguma atualização, mas essa atualização teria que respeitar o rito previsto na própria Constituição, que é o da emenda constitucional. Se era para equiparar a união estável prevista na Constituição, se era para estender o seu significado, que isso fosse feito por emenda constitucional!
De maneira alguma pode-se acusar o Congresso de omissão. O Congresso continuou discutindo esse assunto. Havia esse projeto do Deputado Clodovil também, que foi apensado ao projeto do Deputado Pastor Eurico. Ele era de 2007, 4 anos antes do julgamento da ADI 4.277. Outros projetos foram apresentados. Hoje, com uma nova legislatura, com uma nova sessão legislativa, reabre-se a discussão desse projeto.
Não podemos esquecer também que a instituição da família não pode ficar apenas à mercê de decisões individuais, de demandas de grupos, de demandas particulares, de demandas sensíveis, de um discurso que privilegia a afetividade, um discurso, digamos, romântico, como se a instituição casamento fosse, de alguma forma, ligada à felicidade. O casamento é abrangido pelo direito, é regulado pelo direito, não por uma questão de felicidade individual, mas porque tem reflexos no bem comum, no interesse público, no interesse social.
Esse discurso do princípio da afetividade acaba obnubilando isso, acaba obscurecendo essa perspectiva de que o direito da família existe. A família importa para o Estado porque diz respeito ao interesse público, ao interesse social, não ao interesse dos indivíduos. Quanto à felicidade individual, cada indivíduo deve buscar a sua.
O prazer não é, per se, relevante juridicamente. Nós tivemos civilizações, como a grega antiga, com uma grande tolerância ao comportamento homossexual, inclusive nas artes, nas armas, no Batalhão de Tebas. Lembrem-se de Safo, a poetisa lá da Ilha de Lesbos. A palavra "lésbica" vem dessa poetisa. Havia, na literatura, na filosofia, em toda a cultura grega, nos costumes gregos, nas leis gregas, uma tolerância muito maior do que, em épocas posteriores, existiu com o comportamento homossexual.
No entanto, os gregos nunca tiveram a ideia de instituir um casamento gay ou uma entidade familiar homossexual, com pessoas do mesmo sexo. Para os gregos, isto era muito claro: uma coisa era a prática exercida por motivo privado, particular, de gosto pessoal; outra coisa eram as leis e as instituições.
O Brasil está inserido nos BRICs. A palavra do momento é "diversidade". Se olharmos os países dos BRICs, veremos que há muita diversidade no tratamento dessa questão, em uma perspectiva mais liberal do que a do Brasil, África do Sul, Índia, que tem posição intermediária, até chegar à China e, em um outro ponto, à Rússia, onde uma posição mais tradicional da família é reafirmada. Isso não é uma verdade universal. É uma coisa que cada país define de acordo com a sua própria cultura, os seus valores, as suas tradições e o seu estado de desenvolvimento histórico.
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15:57
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Procurador Rodrigo Pedroso, pela sua explanação aqui nesta audiência pública.
Cumprimento os Parlamentares que se encontram aqui nas primeiras fileiras e todos que estão acompanhando esta audiência pública presencialmente ou de casa
A minha fala hoje, neste plenário, nesta audiência pública, não vai se ater a aspectos jurídicos de inconstitucionalidade acerca do Projeto de Lei nº 5.167, de 2009, porque a Defensoria Pública da União já emitiu, ontem, uma nota técnica.
Vamos entregá-la para todos os Parlamentares que compõem esta Comissão. Nós a destrinchamos e a apresentaremos de uma forma bastante fácil de entender, porque juridicamente a questão está muito bem estabelecida, de forma bem direta, porque esse projeto de lei é inconstitucional.
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A inconstitucionalidade desse projeto de lei é tão evidente que nos traz um questionamento: qual é o motivo da tramitação desse projeto de lei aqui nesta Casa Legislativa? Caso não venha a ser arquivado — é o que desejamos e pretendemos —, o projeto de lei está fadado à declaração de inconstitucionalidade em algum momento de sua tramitação.
A resposta a este questionamento que eu mesma trouxe para vocês é bastante evidente. Os próprios defensores dessa proposição sabem da mácula jurídica que esse projeto de lei carrega, sabem da total inconstitucionalidade desse projeto de lei, que serve para afrontar uma decisão do Supremo Tribunal Federal que já foi sedimentada em 2011 e vem sendo reiterada por diversas composições daquela Corte. Então, ele tramita nesta Casa com outro objetivo. Como colegas que me antecederam disseram, ele tramita aqui para dar palco à perpetuação de uma narrativa falaciosa, odiosa, que tenta colocar a comunidade LGBTQIA+ como opositora da instituição família. Eles elegem as pessoas LGBTQIA+ como supostas inimigas dessa instituição tão cara para sociedade brasileira, perpetuando essa guerra, que, na verdade, é meio quixotesca, porque o inimigo aqui é imaginário. Nós não somos inimigos da instituição família.
Isso é feito com o objetivo de dar notoriedade a essas pessoas, pois essa discussão é sempre inflamada nesta Casa, mas acaba incutindo no inconsciente de grande parte da população um conjunto de inverdades que leva, em última instância, à perpetuação desses preconceitos, que já existem na sociedade, e das violências que os meus colegas que participaram desta audiência pública já mencionaram, inclusive com dados.
A minha participação hoje — estou até com esta bandeira aqui — é mais do que uma participação jurídica pela ABRAFH — Associação Brasileira das Famílias Homotransafetivas. Eu venho compartilhar com vocês um pouco da minha história de vida. Eu faço isso para demonstrar que, às vezes, a simples tramitação desses projetos de lei influencia negativamente na existência dessas nossas famílias. Ao apresentar a história da minha família, eu quero demonstrar que ela não difere muito de todas as outras famílias. Por isso mesmo, não se justifica qualquer diferenciação por parte do legislador.
Eu venho de uma família dita como tradicional mineira. Fui criada em Belo Horizonte. Sou de uma família de classe média e católica. O meu pai é militar das Forças Armadas. Eu mesma estudei no Colégio Militar de Belo Horizonte por muitos anos. A minha mãe é dona de casa. Ela nos ajudava sempre trabalhando para dar uma vida melhor para mim e para o meu irmão. Sempre vivemos com aquela renda apertada, mas sempre nos foi dada a possibilidade de ter uma educação de alto nível.
Meus pais são casados há 40 anos. Na verdade, muito mais do que isso — eu já estou com 40 anos.
Apesar de ter nascido e de ter sido criada nessa família tão heteronormativa, num ambiente tão heteronormativo, no fim da minha adolescência, eu já me percebi com uma orientação sexual diferente. Eu sabia que aquilo iria me afetar de alguma forma. Como todas as outras pessoas que me precederam aqui e, talvez, grande parte das pessoas que estão aqui neste auditório, eu quis em algum momento lutar contra isso, mas nós não lutamos contra o que somos. Nós podemos até lutar, mas não ganhamos essa guerra.
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16:05
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Quando eu já estava na faculdade, em 2005, conheci a Luísa, que se tornou uma amiga. Nós fizemos uma amizade muito forte e passamos a namorar durante um período longo. Namoramos durante muitos anos, tivemos um momento curto de separação e, em 2014, resolvemos morar juntas. Adotamos um cachorro, como todos os jovens casais fazem, e, em 2016, depois que nos estabilizamos mais profissionalmente, vimos que era a hora de nos casarmos, de darmos esse passo para a frente. Em uma cerimônia muito linda, uma cerimônia maravilhosa, nós nos casamos, na frente dos nossos pais, amigos, colegas de trabalho. Curiosamente, a maior parte deles era heterossexual, porque era o ambiente em que nós vivíamos.
Isso só foi possível porque já estava vigendo a Resolução do CNJ nº 175, de 2013, que determinava que os cartórios celebrassem os casamentos de casais homotransafetivos. Nós sempre gostamos de lembrar que isso foi feito com base no julgamento, em 2011, anos antes — então, não foi uma invenção do CNJ —, que sedimentou a possibilidade jurídica desses casamentos, o julgamento da ADPF 132 e da ADI 4.277.
Em 2017, nós sentimos que era a hora de a nossa família crescer e nos socorrermos da ajuda de uma clínica de reprodução assistida.
Aqui eu fiquei um pouco chocada com alguns colegas que me antecederam e, pelo vídeo, quiseram dar uma conotação de que a família só poderia ser formada por meio de uma reprodução que não tivesse qualquer tipo de ajuda. Houve uma comparação com peixes, o que eu, efetivamente, não consegui acompanhar.
(Risos.)
(Palmas.)
Eu acho que, por sermos casadas e por esse direito já ter sido conquistado, por ter sido proclamado no STF, enquanto eu ainda estava no hospital cuidando da minha filha, minha esposa, sozinha, pôde sair do hospital com a Declaração de Nascido Vivo, como ocorre com qualquer outro casal, ir ao cartório e, sem nenhuma burocracia, registrar a nossa filha. Eu não precisei meu preocupar com isso e fiquei amamentando a minha filha no hospital.
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Eu chamo a atenção para a importância de cada um desses direitos, de forma concreta, em nossas vidas.
Em outubro de 2021, depois desse tempo de pandemia, que foi difícil para todos, nasceu a nossa segunda filha. Agora, quem deu à luz foi minha esposa, Luísa. Estamos com mais uma bebê lá em casa, cheia de personalidade, compondo essa nossa família.
Mais uma vez, nós não tivemos problemas para registrar a nossa segunda filha, mas confesso que tivemos algum receio, porque já vivíamos momentos de retrocesso, pois as pessoas estavam tentando impor retrocessos históricos, como este que estamos discutindo nesta Casa hoje. O ambiente era esse em 2021, mas a nossa família resistiu, como sempre vai resistir.
Eu conto um pouco dessa história porque acredito que cada família tem uma trajetória. A minha família não é diferente, não é uma novela da Globo, não é um filme hollywoodiano. Ela é bem normal mesmo. A ideia é esta: desmistificar a realidade de uma família homoafetiva, para mostrar — para assombro de muitas pessoas aí fora — que ela não difere muito do arranjo familiar de qualquer um. Digo isso porque, às vezes, fantasiam, como se fosse algo completamente diferente e, por isso mesmo, merecedor de tratamento diferente, o que não é o caso.
Muito do preconceito que impulsiona projetos de lei como esses que estão sendo discutidos nesta Comissão vem justamente dessa ignorância — e falo de ignorância sem qualquer tom pejorativo, de ignorância no sentido de desconhecimento mesmo de uma realidade longe da sua. Essa ignorância, às vezes, é convertida em medo por algumas lideranças que têm interesse muito diverso do que verdadeiramente propõem, que seria uma proteção à família.
Assim, meu testemunho tem a intenção de jogar luz sobre uma realidade que já existe no mundo dos fatos, porque construída por um sentimento completamente humano que antecede, em muito, qualquer ordenamento jurídico, qualquer lei. Refiro-me a um sentimento genuinamente humano, que é o amor, o sentimento que une pessoas. Então, independentemente da conotação jurídica que derem a ele, é uma realidade no mundo dos fatos.
A aprovação desse PL, por exemplo, nunca terá força para destruir uma relação de amor, de lealdade, de companheirismo, como a que eu comecei a construir com a minha esposa há 17 anos. Minhas filhas vão continuar nos chamando de mamãe, tanto a mim como à minha esposa, mesmo se aprovado esse projeto de lei. Nós vamos continuar protegendo, educando e amando nossas filhas da forma mais profunda, que só a parentalidade consegue explicar.
No entanto, sempre devemos ressaltar que o retrocesso histórico que se busca com a aprovação desse tipo de projeto de lei pode, sim, repercutir justamente na vida dos mais vulnerabilizados, que muitas vezes são os que eles pretendem defender.
Como eu ressaltei aqui, o registro da minha filha só foi facilmente realizado porque eu era casada — e era casada formalmente em cartório. Isso gera muitas repercussões jurídicas. Ninguém questiona se temos a guarda das nossas filhas. Isso nos permite realizar atos simples da vida civil em favor delas. Eu posso ir a um hospital com elas. Ninguém vai me impedir de entrar num hospital.
Eu vou matriculá-las na escola, nós vamos viajar com elas, nós vamos provê-las de todos os direitos, de forma inquestionável.
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16:13
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As minhas filhas são minhas dependentes, por exemplo, economicamente. Isso tem repercussão também em planos de saúde, em clubes associativos e em qualquer coisa que demande associação familiar. O projeto de lei pode nos causar prejuízos. Se não pudermos mais ser vistos como unidade familiar, cada um terá que fazer a contratação desses planos individualmente, e muitas pessoas não podem arcar com isso.
E o mais importante a dizer é que, se eu vier a faltar um dia, haverá repercussão nos direitos sucessórios e nos direitos previdenciários. Hoje, se eu ficar doente ou alguma coisa assim, pelo menos tenho a certeza de que minhas filhas e minha esposa estarão muito bem assistidas. É por isto que eu trabalho: pela minha família.
Essa alteração normativa tenta lançar esse argumento absolutamente falacioso de que está tentando proteger a instituição familiar. Na verdade, trata-se de um retrocesso jurídico, um total e absoluto retrocesso jurídico contra a normatização de uma situação de fato que já existia e demandava regulamentação pela ordem jurídica.
Por isso, eu acho que devemos dizer "não", de forma efetiva e veemente, a qualquer tipo de projeto de lei odioso, como esse. Além disso, devemos sempre trazer argumentos extrajurídicos, porque temos que sensibilizar parte da sociedade que foi desinformada por várias pessoas, por motivos diversos — não cabe a mim levantá-los aqui. De forma bastante sensível, devemos sensibilizá-las e dizer que, ao contrário do que muitas pessoas querem levantar, nós não somos os inimigos. Nós somos defensores da família, porque acreditamos nessa instituição e queremos fazer parte dela.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - A senhora pode concluir. Fique à vontade.
(Segue-se exibição de imagens.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Simone Feres, pela sua explanação.
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16:17
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(Não identificado) - Mas não foi você que defendeu a "cura gay"?
Primeiramente, é preciso destacar que, ao discutir sobre casamento homossexual ou afetivo, não me refiro ao que já existe como jurisprudência no Brasil, que é o reconhecimento da união estável e civil da relação entre pessoas do mesmo sexo, conforme determinações do Supremo Tribunal Federal, em 2011, e do Conselho Nacional de Justiça, em 2013, respectivamente.
Precisamos deixar isso bem claro, porque tem sido divulgado, nas mídias e aqui mesmo, que esse projeto que debatemos nesta Comissão tem por objetivo revogar essas determinações, quando, na realidade, o que se pretende é estabelecer limites cristalinos no tocante às diferenças de reconhecimento constitucional e religioso do casamento entre homem e mulher, formando assim uma entidade familiar, e das uniões homossexuais na esfera cível.
Dito isso, esclareço também que o nosso foco não é retirar os direitos daqueles que, dentre a população LGBTQIA+, estabelecem relacionamentos estáveis e procuram perante a lei garantias públicas para sua proteção. O objetivo é, sim, fazer com que essas mesmas garantias não sejam usadas como ferramenta de imposição político-ideológica contra o segmento religioso, precisamente conservador, e assegurar a concepção de casamento originalmente estabelecida na Constituição Federal.
Afirmo isso com base em fatos já ocorridos que irei narrar, bem como, principalmente, nos direitos à liberdade de crença e de culto reconhecidos pela mesma legislação brasileira e pelos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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16:21
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VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política (...)
Por que é importante atentarmos para esse complemento? Temos observado, no atual contexto social, que líderes religiosos, em geral, estão sendo, no mínimo, intimados a dizer o que pensam não só como pastores, padres ou líderes em suas Igrejas, mas também como cidadãos, isto é, fora dos templos e de suas liturgias.
O respeito à convicção filosófica e política, no entanto, é equiparado à liberdade de crença, o que significa que precisamos fazer uso não apenas do direito à liberdade religiosa para nos expressar e tomar decisões, mas também do de consciência, já que as concepções filosóficas são entendidas, nos termos dessa lei, como tudo que compõe a visão de mundo do ser humano, podendo ser a pessoa religiosa ou não.
Ainda em conformidade com a Constituição Federal, também é importante frisar o sentido do conceito de Estado laico, estabelecido no inciso I do art. 19, que diz:
Sobre isso, devemos entender que, assim como a Igreja não se confunde com o Estado, o Estado não se confunde com a Igreja, sendo esse dispositivo constitucional uma garantia de proteção recíproca contra possíveis ingerências religiosas sobre a máquina pública, mas também da máquina pública sobre os entes religiosos. Na prática, significa que o Estado jamais deverá utilizar a força da lei, explícita ou implicitamente, por meio de interpretações alheias à legislação vigente, para querer impor às organizações religiosas o modo como devem interpretar, ensinar e realizar suas crenças e liturgias, a exemplo do casamento cristão pautado pela Bíblia Sagrada.
Artigo 18º Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; esse direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
Sobre essa garantia, ressalto que ela enfatiza não só a subjetividade do pensamento e da consciência, mas também o ensino, a prática do culto e dos ritos, dentre os quais se encontra a cerimônia de casamento. Em outros termos, trata-se de um direito que protege não apenas a esfera individual, mas também a transmissibilidade da crença, a pregação e suas práticas e cerimônias, tendo como inspiração as proposições universais.
A Convenção Interamericana de Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica define, em seu art. 1º:
1. Os Estados-Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza (...).
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16:25
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Esse artigo é reforçado pelo art. 12 da mesma convenção, subscrita pelo Brasil, no qual é dito que toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião, ressaltando-se a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.
Apesar das garantias que acabei de detalhar, o reconhecimento do casal homossexual por parte dos Estados tem sido utilizado — não por todos — como instrumento de afronta à liberdade religiosa, não por parte daqueles que integram a comunidade LGBTQIA+ meramente porque se identificam com ela, mas por aqueles que atuam como ativistas radicais, cuja postura não respeita o contraditório, nem mesmo no âmbito das doutrinas religiosas, como, por exemplo, a judaico-cristã.
Cito alguns exemplos. No Brasil, em junho de 2022, duas jovens chamadas Bianca e Isabella alegaram que teriam sido vítimas de homofobia por parte do Pastor Omar Zaracho, que é celebrante de casamento, após terem um pedido de cerimônia recusado pelo religioso. O caso repercutiu nas mídias sociais e foi notificado por diversos veículos de comunicação por causa dessas acusações. Segundo o jornal Gazeta do Povo, o caso mobilizou associações e grupos LGBTs contra o pastor.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Pessoal, eu peço silêncio, para que ela consiga concluir a fala.
Disse o pastor: "Começaram a entrar no perfil da minha empresa para me xingar, insultar, incriminar, chamando-me de homofóbico. No início, quando eram cinco ou seis mensagens, eu fui apagando, porque eu não perco tempo com haters, só que isso virou uma bola de neve. São 80, 100, 150 mensagens".
Como não há, de fato, leis específicas obrigando a realização de casamentos homoafetivos no religioso, mesmo contra a vontade e doutrina dos fiéis, o que temos observado, no momento, é o crescimento da intimidação por meio de acusações, como discurso de ódio, homofobia, feitas normalmente pelos simpatizantes do ativismo LGBTQIA+, de forma coordenada e orquestrada.
Nesse sentido, os ataques têm ocorrido mais na esfera da liberdade religiosa individual, como aconteceu com o confeiteiro americano Jack Phillips, que se recusou a fazer um bolo para um casamento homossexual e acabou sendo processado várias vezes.
De forma semelhante, o casal cristão Cynthia e Robert Gifford chegou a ser multado pela Justiça americana, em 2014, por não aceitar alugar uma fazenda para um casamento homossexual.
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16:29
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Eu vou pedir silêncio mais uma vez.
A SRA. MARISA LOBO FRANCO FERREIRA ALVES - Esse tipo de reação mostra que é uma utopia tudo que foi falado aqui em relação ao respeito à diversidade e às pessoas.
O que eu estou tentando colocar aqui é o equilíbrio. Eu não vim aqui para tirar direitos de ninguém. Se forem honestos intelectualmente, verão que é impossível tirar direitos alcançados, conquistados. Isso já foi! Está pronto! Não é essa a questão.
Não é verdade. É impossível tirar direitos conquistados. Esses direitos foram bons. Eu concordo com todos esses direitos.
O que nós estamos trazendo aqui é uma questão séria, porque o não entendimento dessa questão, se não lutarmos juntos para resolver esse problema, pode desencadear uma perseguição religiosa jamais vista às Igrejas. Por quê? É objeção de consciência! É lei! São direitos humanos! Dentro da Igreja, um pastor não pode ser obrigado a casar uma pessoa. Aí você diz assim...
(Manifestação na plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Pare o tempo dela de novo.
(Manifestação na plateia.)
(Não identificado) - Uma mulher que diz ser homofóbica e LGBTfóbica (ininteligível).
(Não identificado) - Chamá-la de homofóbica não é ofensa?
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Todas as vezes que a senhora foi interrompida, seu tempo foi parado.
A SRA. MARISA LOBO FRANCO FERREIRA ALVES - Temos aqui um risco muito grande, que reside justamente na equiparação do casamento civil homossexual, que já existe, que é um direito — e não estou questionando isso —, ao casamento estabelecido na Constituição, por um único detalhe, que não diz respeito ao direito civil. Nós precisamos de ajuda para resolver isso. Essa equiparação pode ser usada com o objetivo de perseguição a uma Igreja, a um pastor que casa somente homem e mulher porque a doutrina da Igreja dele — ele tem esse direito constitucional — diz que é assim.
Espiritualmente, esse pastor, que acredita naquilo, vive daquela forma. Para ele, vai ser uma violência tão grande quanto a violência que vocês acham que existe — e existe. Eu não estou dizendo que não existe. Eu só não quero que os direitos humanos sejam usados como bandeira ideológica.
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16:33
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Então, há que se estabelecer esses limites cristalinos. A união civil homossexual já existe, é um direito garantido. Esse projeto não visa, de forma alguma, retirar esse direito. Foi uma desonestidade intelectual tudo que eu ouvi aqui de pessoas inteligentes, que manipularam o discurso e o próprio projeto. Não existe...
(Manifestação na plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Peço que conclua, Doutora.
Com base em tudo isso que foi falado aqui e no que eu expus, a minha preocupação é só com essa perseguição utilizando-se dos direitos humanos.
Nós podemos criar uma camada a mais de proteção à liberdade religiosa, dentro e fora dos templos, garantindo aos seguidores de determinada crença — pode ser qualquer crença, não apenas a cristã, evangélica ou católica — o pleno direito de recusa à celebração, colaboração ou prestação de serviço ao casamento homossexual, se isso fere a sua religião, e é esse o ponto, sem que isso lhe acarrete quaisquer acusações ou objeção de consciência.
Temos que diferenciar o conceito constitucional de entidade familiar e de casamento do modelo de união homossexual reconhecido civilmente, sendo o primeiro restrito ao formato de família nuclear, como está na Constituição, e o segundo a relação estável entre duas pessoas do mesmo sexo. Não tem como voltar atrás. Se voltarem atrás, se vocês precisarem e quiserem conversar, eu estou disposta a lutar junto com vocês, porque é um direito já conquistado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Peço que conclua, Doutora.
A SRA. MARISA LOBO FRANCO FERREIRA ALVES - Muito obrigada por terem me ouvido, por terem me provocado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Dra. Marisa Lobo, pela sua explanação nesta audiência pública.
O SR. PASTOR HENRIQUE VIEIRA (Bloco/PSOL - RJ) - Boa tarde a todos, a todas e a todes.
(Tumulto na plateia.)
O SR. PASTOR HENRIQUE VIEIRA (Bloco/PSOL - RJ) - V.Exa. pode paralisar o meu tempo rapidamente?
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Pare o tempo do Deputado Pastor.
(Tumulto na plateia.)
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16:37
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Deputado Pastor Henrique, V.Exa. pode continuar.
(Tumulto na plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - As provocações são dos dois lados. Estou só olhando.
(Manifestação na plateia: Respeito! Respeito! Respeito!)
(Tumulto na plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Pronto? Acalmou? O.k.?
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16:41
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O SR. PASTOR HENRIQUE VIEIRA (Bloco/PSOL - RJ) - Boa tarde a todos, a todas e a todes.
Primeiro, até alterei um pouco meu roteiro para dizer o seguinte: considero desonestidade intelectual afirmar que há perseguição religiosa contra cristãos no Brasil.
(Palmas.)
Esse direito, o direito à união civil como casamento, está garantido desde 2011, por unanimidade do STF. De lá para cá eu desconheço qualquer igreja que tenha sido fechada, mas, a cada 34 horas, um LGBT é assassinado por motivo de honra.
(Palmas.)
Então, respeitosamente, eu quero já começar dizendo que essa é uma falácia, é uma dissimulação e uma desonestidade intelectual.
Quem quer voltar atrás não somos nós. O direito está garantido. É que há um projeto que visa retirar um direito garantido desde 2011. Nós queremos a manutenção do que já está garantido por um entendimento do STF a respeito do espírito constitucional. É importante dizer isso, é a verdade dos fatos. E há mais um detalhe que vou falar, ao final. Também ninguém pode falar em nome da totalidade do cristianismo. Existem milhares de cristãos e cristãs que não corroboram com essa leitura que nós consideramos fundamentalista da Bíblia. É importante dizer que não há uma procuração para falar em nome da totalidade do cristianismo. Então, começo por esses dois pontos.
Quero ainda fazer uma menção a uma nota técnica da Defensoria Pública da União, que também indica a inconstitucionalidade deste projeto.
E aqui, Deputada Erika Kokay, quero fazer um debate. Eu tenho falado isso em entrevistas. Eu não sou do campo conservador — essa não é minha formação, inclusive religiosa —, mas eu quero fazer um convite a todos os conservadores para que estejam aqui defendendo o estado laico, a cidadania, a diversidade e a derrota desse parecer.
Se me perguntam, Deputada Erika, se sou conservador, eu digo "não". Aqui não se trata de pessoas que estão organizando a sua vida a partir daquilo que acreditam. Trata-se de pessoas que querem interferir no Estado para impor à sociedade aquilo que acreditam. É um patamar além do conservadorismo. Eu quero caracterizar como extremismo religioso.
E acredito que parte significativa da sociedade brasileira que é conservadora não concorda com isso. Eu chamo essas pessoas para que possam nos ajudar a isolar essa voz aqui no Congresso e caracterizar essa voz como, de fato, ela é: uma voz extremista, fanática, fundamentalista, que pega uma moral religiosa e tenta impor à sociedade diante do Estado.
Além disso, quero falar rapidamente sobre união civil e casamento. Há utilização de técnicas na linguagem daqueles que defendem esse projeto que nós precisamos enfrentar.
Soa respeitoso, quando alguns dizem: "Nós valorizamos a união civil". Porém, isso é uma pegadinha, porque ao não reconhecer o casamento, além de, na minha opinião, não dar totalidade de segurança jurídica, é como se dissessem o seguinte: "Vocês podem fechar contratos como união civil, mas vocês não podem ser considerados como família tal qual o casamento prevê".
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16:45
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Dito isso, vou fazer um debate jurídico-constitucional e terminar fazendo um contraponto ao fundamentalismo.
Por que o STF está correto, na minha opinião? Porque ele interpreta o artigo da Constituição que fala sobre família e o Código Civil, a partir de princípios constitucionais. Quais são eles? O pluralismo, como valor sociopolítico-cultural; a vedação constitucional ao preconceito; a autonomia da vontade, que pressupõe direito à intimidade e direito à privacidade, e liberdade para dispor da sua própria sexualidade. A autonomia da vontade emana de um princípio que está como cláusula pétrea da Constituição, que é a dignidade humana. Assim interpretou o STF: princípios constitucionais fundamentais, como pluralidade, autonomia da vontade, direito à intimidade e privacidade, liberdade para dispor sobre a sua própria sexualidade e dignidade humana.
Além disso, cabe dizer que no art. 226 não há nenhuma ressalva à configuração de famílias. A Constituição brasileira não interdita a modelagem familiar plural. É uma falácia, praticamente fake news, quando se diz isso. Verifica-se família como instituição privada. E atenção: quando aparece a referência a homem e mulher, por entendimento de Ministros do STF, tem muito mais a ver com equiparação jurídica, para não reproduzir uma lógica hierárquica machista, do que qualquer outra coisa. Não se veda relação entre pessoas do mesmo sexo, isso não está escrito. E aí há um princípio jurídico fundamental: o que não está juridicamente proibido, o que não está juridicamente obrigado é estar juridicamente permitido. Então, até do ponto de vista constitucional, a interpretação jurídica que eles colocam me soa extremamente ingênua.
Ademais, eu quero continuar usando os princípios utilizados pelos Ministros. A homossexualidade, a bissexualidade, a transexualidade, enfim, primeiro, é um fato da vida. Eu acho impressionante como algumas falas desconsideram a realidade, a vida, o testemunho, a história das pessoas, concretamente. Segundo, não se trata de uma opção, trata-se de uma orientação sexual e também de identidade de gênero, um traço constitutivo da personalidade das pessoas. Terceiro, não é uma crença ou uma ideologia, é uma condição. E a pauta não é por privilégio, é por cidadania e pelo direito de existir sem medo. Não é privilégio.
(Palmas.)
Acredito que a lei brasileira, Deputada Erika, está avançando para isso, fruto de muita luta, muita luta. Diante disso, faço aqui a seguinte afirmação: eu fico imaginando o preceito moral que um tempo atrás justificou a escravidão sobre o povo negro, se não seria por uma lógica, um raciocínio e uma retórica muito parecidos com o que é utilizado aqui — vocês me entendem?
Eu espero que daqui a muito tempo, ou melhor, a pouco tempo, com muita luta, olhe-se para trás e veja o quão estarrecedor é este argumento de olhar para uma condição humana e tratá-la como sub-humana, antinatural e que não tem direito à plenitude de direitos. Foi isso que falaram sobre o povo negro para justificar a escravidão!
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16:49
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Então, na verdade, a não heterossexualidade está no campo da experiência legítima do direito à personalidade, da autonomia, da vontade, da identidade constitutiva. Não reconhecer isso é criar uma categoria sub-humana e subcidadã em um país que já é profundamente violento contra esses irmãos e essas irmãs, contra essas pessoas.
Ainda no debate jurídico, caminhando para o final — estou hoje optando por fazer um debate nesses termos —, há uma previsão constitucional não só no Brasil da função contramajoritária da Suprema Corte. O que significa isso? Muitas vezes, a Suprema Corte tem o dever de proteger minorias políticas de maiorias morais opressoras. Isso não é uma excrescência, isso está correto (palmas). Imaginem agora se há uma maioria moral querendo reproduzir o apartheid racial no Brasil? O STF teria que agir para dizer: "Tal maioria fere um princípio fundamental, um direito constitucional, a igualdade humana". O STF, na minha opinião, agiu corretamente. E as pesquisas inclusive apontam que nem sequer existe essa maioria. Agora, digamos que exista maioria moral para tirar direitos de minoria, bem, isso já colocou judeus em câmaras de gás e em paredes de fuzilamento.
Esse parecer, eu insisto, não está no campo do conservadorismo. O que foi escrito é estarrecedor para a democracia contemporânea, para o bom senso e a sensatez. Antinatural, sub-humano e maioria religiosa, gente, isso é reprodução de uma mentalidade fascista.
(Palmas.)
Está escrito e é o que vai ser votado amanhã. Por isso eu chamo os conservadores. Quero chamar os conservadores a votarem conosco amanhã, para defendermos princípios básicos de convivência humana e de democracia.
Por fim, quero dizer que família é configurada por relação de amor, afeto, suporte, assistência. Família é configurada por comunhão, um projeto comum e por identidade. As pessoas se identificam como uma família. As pessoas LGBTs amam, constituem relações duradouras e contínuas, podem desenvolver, como desenvolvem, comunhão e projeto comum e se identificam como família. Só nos cabe celebrar a diversidade, reconhecer esse fato e garantir esse direito.
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16:53
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E eu tenho visto, Deputada Erika, que as minhas falas aqui chegam a muitos lugares. Eu fico feliz com isso.
Por isso eu quero usar este espaço com respeito ao Estado laico, à cidadania, à Constituição para dizer o seguinte para muitos cristãos e cristãs que são LGBTs e, às vezes, têm uma dor profunda na alma: essa dor não é pelo que vocês são e pelo que vocês sentem, essa dor é pela mentira que contaram sobre quem vocês são e o que vocês sentem.
(Palmas.)
É impressionante uma moralidade religiosa que se escandaliza com um beijo consciente e voluntário, mas não se deixa tocar pelo fato de este País ser o que mais mata transexuais e travestis no mundo. Isso significa salvar texto isolado, enquanto as vidas são sacrificadas na nossa frente.
Às vezes, a alienação é tão grande que sequer se consegue perceber e reconhecer isso. Nesta Comissão já foi dito que a violência contra LGBTs, via de regra, é cometida por LGBTs, tamanha a antipatia e a insensibilidade que se tem.
Termino no meu último minuto, 40 segundos, mais a boa vontade do Presidente... É brincadeira, já vou me encaminhar para o final. Ainda, se vocês me permitem, para fazer um contraponto ao fundamentalismo religioso como o projeto de poder, eu queria lembrar para milhares de pessoas que estão e que nos verão, porque isso aqui vai entrar para a história: nós vamos ganhar, em termos de STF, mas eu não quero ganhar só em termos de STF. Eu quero ganhar como concepção de sociedade e derrotar os valores culturais da extrema direita e do fanatismo religioso. Por isso esse debate me parece tão importante e necessário.
E eu queria lembrar, Deputada Erika, que Jesus de Nazaré foi torturado, e não torturador. Foi vítima de ódio, não produtor de ódio. Aliás, foi entregue por pessoas que o consideravam desviante, desviado, herege e imoral pelas suas atitudes e pelas pessoas com quem ele andava. Não deram para Jesus de Nazaré uma coroa. Deram para Jesus de Nazaré uma cruz. Enquanto era torturado, pessoas comemoravam a sua morte, com um profundo senso de moral e bons costumes, porque "merecia" morrer, tamanha a sua imoralidade.
Nesse momento terrível de abandono, violência do Estado e hostilidade fundamentalista, lá em João 19, Deputada Erika, Jesus olha para sua mãe. Estão imaginando essa cena da mãe de Jesus vendo o seu filho morrer? E Jesus olha para um amigo dele, um discípulo amado, alguém mais próximo. Ele está vendo a sua mãe em sofrimento. Lá em João 19, diz assim: "Filho, eis aí a tua mãe". Ele está dizendo para o amigo dele: "Cuida da minha mãe como se fosse sua". E está dizendo para a mãe: "Mãe, cuida dele como se fosse seu filho". A partir dali, o discípulo tomou a mãe de Jesus como sua própria mãe.
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16:57
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Sou pastor, sou cristão, amo o Evangelho, celebro a diversidade. E, para terminar mesmo, eu não precisaria usar esse argumento. Eu poderia fazer um bom debate numa igreja. Seria só me chamar. Bastaria a Constituição, a arena pública e o respeito à diversidade, porque as pessoas só querem existir sem medo, dar as mãos e ter o seu casamento civil reconhecido pelo Estado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado ao Deputado Pastor Henrique Vieira, autor do requerimento.
O SR. CHICO ALENCAR (Bloco/PSOL - RJ) - Quase boa noite.
Esta é uma audiência muito rica. Nós estamos aqui falando sobre o amor que não cabe em regramento jurídico algum.
Entretanto, nós estamos no Parlamento que vive de organizar a moldura jurídica da sociedade. Isso exige de nós, numa discussão desse tipo, entender um pouco a história humana.
Desde que nós todos aqui, sem exceção, nos erguemos sobre duas patinhas, há 6 milhões ou 8 milhões de anos, nós fomos, através da cultura, moldando-nos, avançando, recuando.
A monogamia, por exemplo, só é identificada nas sociedades humanas há 3 milhões e 500 anos, e nem em todas as sociedades. Há sociedade matriarcal, muito menos que sociedade patriarcal. Há homem com um sem número de mulheres. Isso era considerado normal. E ainda é, até por alguns. Então, a questão é sintonizar com o tempo o que viabiliza mais o elemento constitutivo do ser humano, que é a comunhão, que é o amor. E falamos e repetimos que é a família.
Em 2007, o então Deputado Clodovil Hernandes — eu estava aqui como Deputado — apresentou um projeto meio óbvio que não foi votado até hoje. Quando o Deputado Pastor Eurico assumiu a relatoria, ele apensou mais oito projetos. E, desse conjunto, apenas um dizia esta excrescência, na minha visão e na de muitos, felizmente: "Nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se a casamento ou entidade familiar".
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17:01
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Olhem: o que constitui a família é o amor. Maiakovsky falou, lá atrás: "Ressuscita-me (...) para que a família se transforme e o pai seja pelo menos o universo e a mãe seja no mínimo a Terra". Família é congregação amorosa, de união, amplitude, divisão de futuro, respeito à ancestralidade e liberdade.
Não podemos colocar, dentro de uma amarra da lei, uma determinação do que é o afeto humano. Por isso, essa única proposta que o Relator salvou é retrógrada, obscurantista, atrasada, limitada, negadora da realidade do próprio Parlamento. De oito, ele escolheu a única que veda a união civil, que veda o casamento, que veda a entidade familiar.
E, olha, eu conheço muitos casais homoafetivos que têm uma relação muito mais fecunda, rica, bonita, terna, eterna do que casais heterossexuais. Então, vamos parar com a hipocrisia de olhar só um aspecto. É um absurdo se dizer que a união homoafetiva é contrária à verdade do ser humano. A magia da verdade inteira é o todo poderoso amor. É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar: uma metade cheia, uma metade vazia; uma metade tristeza, outra metade alegria.
(Palmas.)
Vamos ter largueza! Eu aprendi isso também, não só com o Deputado Pastor Henrique — cheguei à vida antes dele —, mas com o nosso irmão e mestre comum, chamado Jesus Cristo. Depois, um seguidor originário Dele, chamado Santo Agostinho, definiu e resumiu: "Ama e faz o que quiseres". É por isso que eu estou dizendo que essa discussão, rara no Parlamento, é sobre o amor e sobre as regras que a sociedade humana quer impor sobre ele, muitas vezes movida pelo individualismo, pelo egoísmo.
Os casamentos já foram um meio patrimonial. A proibição do casamento no celibato já foi um meio patrimonial de as igrejas ficarem só com as terras, não haver família, filho, descendência. Os casais homoafetivos podem, devem e têm filhos e filhas, como já foi testemunhado aqui. Não é o livro, não é a apostila, não é uma mensagem divina, é a vida, é o testemunho, é o depoimento concreto, bonito. Então, eu acho que temos que avançar.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Deputado, peço que conclua.
O SR. CHICO ALENCAR (Bloco/PSOL - RJ) - Efetivamente, nos registros, já que gostamos também dos documentos, são 75 mil casais homoafetivos registrados no Brasil. Isso tem que ser desconsiderado? O Brasil se vincula a mais 34 países no mundo que reconhecem a integralidade dessa relação.
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17:05
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Nós todos aqui — ou quase todos — queremos continuar juntos com Andorra, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dinamarca, Equador, Finlândia, França, Alemanha, Islândia, Irlanda, Luxemburgo, Malta, México, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Portugal, Eslovênia, África do Sul, Espanha, Suécia, Suíça, Taiwan, Reino Unido, Estados Unidos, Uruguai e mais 12 países que têm um reconhecimento parcial da união homoafetiva. Onde queremos ficar? Do lado dos 12 únicos países que vedam totalmente essa união, como o projeto de lei propõe? Do lado de Chipre, Croácia, República Checa, Estônia, Hungria, Israel, Itália, Liechtenstein, Montenegro, San Marino? Não! Temos que estar no lugar da vida, do avanço, do progresso. Não podemos ter medo de amar, porque o medo de amar é o medo de ser livre. E nós seremos livres. Não há lei que impeça isso.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Deputado Chico Alencar.
A SRA. SÂMIA BOMFIM (Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, gente.
Quero cumprimentar todas, todos e todes vocês que vieram aqui hoje defender um direito tão fundamental, que é o direito ao amor, e cumprimentar todas as famílias que estão aqui presentes.
Quero cumprimentar também o Deputado Pastor Henrique Vieira, que foi quem promoveu esta audiência e possibilitou a realização dela.
Eu vejo também muito cinismo em muitas das falas que foram apresentadas aqui porque querem dar um ar de debate jurídico, de tecnicidade para tentar disfarçar aquilo que, na verdade, é uma violência, é um crime que estão cometendo. Então, fazem supostas relações e leituras da Constituição e da legislação brasileira para não falarem a verdade. Sustentam que, no País em que mais se mata a população LGBTQIA+ no mundo, é possível dizer para essa mesma população que ela não tem sequer o direito a compartilhar bens, a visitar os enfermos quando eles estão nos hospitais, a fazer transferência de herança, a falar em nome da sua família. Não! Fingem que é um mero debate técnico.
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Supostamente se chocam com casais homoafetivos, mas não vejo se chocarem, por exemplo, quando supostas famílias tradicionais têm aquela figura tradicional do homem, heterossexual, pai de família, que, muitas das vezes, abandona sua esposa ou sua filha sem dar nenhum tipo de satisfação, ou se chocarem com essa figura tão aclamada da família tradicional brasileira que, muitas vezes, esconde uma série de violências domésticas ou violências sexuais, considerando que 70% dos casos de violência sexual acontecem com menor de idade, sendo muitas dessas violências dentro das residências. E não, colegas Deputados, não são em famílias homoafetivas que violências tão cruéis como essas acontecem.
(Palmas.)
Eu não vejo uma preocupação com a instituição desse tipo de família, que, infelizmente, existe muito na sociedade brasileira. Isso deveria ser objeto da nossa preocupação, e não o direito de amar e de ser feliz e de ter acesso a direitos civis, que significa o casamento homoafetivo instituído no nosso País.
Muitos já disseram, e eu gostaria de reafirmar aqui que, para mim, se trata de uma tentativa de palanque eleitoral, de aglutinar o que há de pior do chorume do bolsonarismo, dos mesmos que perderam as eleições, para tentar seguir aglutinando a sua base, entrar talvez numa queda de braço com o Supremo ou com os Parlamentares progressistas, os Parlamentares de esquerda, mas, ainda que saibamos quais são as suas reais intenções, é preciso ocupar esses espaços e denunciar o que essas pessoas estão fazendo, porque esse tipo de postura, quando parte de um Parlamentar, de uma autoridade, estimula e autoriza a violência que acontece nas ruas do País.
Então, depois, não nos finjamos de surpresos quando, por exemplo, o País atinge os piores índices de violência para a população LGBTQIA+ do mundo, ou quando essas mesmas pessoas são expulsas de casa, expulsas da escola, expulsas do mercado de trabalho, porque é esse tipo de argumento e de discurso que autoriza que a sociedade brasileira seja dessa forma.
É por isso que, apesar de saber quais são as reais intenções dos senhores, vimos para esse espaço, sim, fazer a denúncia necessária.
E, colegas Deputados, esse tipo de gatilho que pode afetar subjetivamente muitas pessoas também é responsabilidade de V.Exas. Como estão as condições de saúde mental da nossa população LGBTQIA+ no Brasil? Já foram atrás dos índices de suicídio, por exemplo, dessa população?
Não é possível que, diante desse diagnóstico de profunda violência, abandono, falta de oportunidades, a sugestão que se dê de uma hora para outra seja o fim do casamento de cerca de 100 mil famílias brasileiras.
É por isso que nós fazemos, primeiro, não um pedido, mas uma exigência de que esse projeto seja imediatamente retirado desta Comissão. E, segundo, há outra Comissão nesta Casa, a Comissão da Mulher, que precisa debater esse tema, principalmente porque a argumentação que o Relator utiliza, não oralmente, porque aqui se negou, pelo menos por enquanto, a debater de frente com as pessoas, mas, no relatório, é que diz respeito a uma questão da procriação da mulher, é o poder pátrio, é a lógica do patriarcado mais uma vez que ele está querendo instituir sobre todos os cidadãos e cidadãs brasileiras.
Inclusive nos chamaram aqui de peixes, de procriadoras, de animais, um tipo de comparação que eu nem sequer pude entender. Afinal de contas, há mulher que é mãe e há mulher que não é. Há mulher que é mãe inclusive sem gerar e sem parir. Há mãe que é mãe adotiva, há pai que é pai adotivo.
Enfim, essa é a sociedade brasileira, quer vocês queiram, quer não. Não vamos admitir de maneira nenhuma sermos chamadas de peixe, sermos chamadas de fêmeas. Nós queremos, sim, que esse tema seja debatido na Comissão da Mulher, porque isso diz respeito aos nossos direitos. E todas as modificações às configurações familiares que aconteceram ao longo do tempo foram objeto de debate daquela Comissão, e é lá que esse tema precisa ser debatido.
Por fim, por mais que o discurso de ódio prevaleça num espaço como esse, por mais que teimem em tentar avançar com um projeto como esse e por mais que prolifere a violência concreta na vida da população brasileira, as famílias resistem, o amor resiste e não vai ser Deputado fundamentalista nenhum que vai impedir o amor de existir e se proliferar.
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17:13
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Deputada Sâmia Bomfim.
A SRA. ERIKA KOKAY (Bloco/PT - DF) - Perfeito.
Nós estamos a tarde inteira desnudando o que não dá para ser escondido, isso porque este relatório é absolutamente homofóbico. É um relatório escrito com as canetas e com os fios do ódio, porque busca retirar direitos sem assegurar qualquer tipo de direito a quem quer que seja.
Olhando este relatório, nós vamos ver que o Relator fala em direito natural, como se não houvesse o direito de ser e o direito de amar, como se a homossexualidade ou a diversidade não fizessem parte da história da própria humanidade.
O que é direito natural? É desnaturalizar, é tirar a condição humana de segmentos fundamentais da nossa sociedade? É a mesma estratégia que nós analisamos e que vimos na história, que foi utilizada tantas vezes, como disse o Deputado Pastor Henrique Vieira, contra a população negra na escravização, mas foi utilizada também nos campos de concentração. Foram tecendo os campos de concentração num processo de desumanização, de retirada paulatina de direitos para justificar as atrocidades que foram cometidas na história da humanidade.
Não vão repetir essas atrocidades! Não vão fazer com que a população LGBT volte para o armário! O que eles não entendem é que o armário virou nuvem de purpurina de todas as cores. (Palmas.) Foram implodidos os armários pelos direitos, o direito de ser, o direito de amar, o direito à existência.
Nós estamos falando de mais de 80 mil casais que estão hoje regulamentados pela nossa legislação. E aqui vêm falar em um relatório de uma Nação cristã?! O Estado é laico! O Estado é laico! Se o Estado não for laico, ele não é democrático. O Estado é laico. Não há que se considerar uma discussão, fazendo com que a lógica estatal seja submetida a concepções religiosas. Portanto, a laicidade do Estado está sendo ferida.
E não é só isso. Quando aqui se fala numa maioria cristã, esquece-se de que uma democracia só existe com respeito a todas as pessoas, com todas as pessoas. Se a maioria brasileira é cristã, nós temos que dizer que isso não legitima que nós tenhamos a discriminação das religiões de matriz africana, ou de outras religiões, ou dos muçulmanos, ou de quem quer que seja, porque a Constituição é clara: há o direito de credo e o direito de não credo.
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17:17
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Para além disso, que utilização de Cristo é essa? Que utilização de Cristo é essa? Cristo é sinônimo de solidariedade, de generosidade, de amor. Aqui se busca dizer — está dito no relatório — que esta Nação cristã pode ferir o direito das pessoas de construir as suas famílias. Existem centenas de tipos ou expressões familiares, que precisam ser respeitados, mas aqui eles também querem reduzir a família talvez a um acordo, a uma sociedade financeira. Família é amor! Família é afeto! Não se pode trabalhar com uma concepção de família, como também já foi dito em outras ocasiões, que seja desprovida de afeto, de felicidade, porque família é construção de felicidade, é construção afetiva. Todas as pessoas têm que ter direito à família.
Aqui se tenta contrapor a população LGBT à família? Não. Aqui se tenta assegurar o direito de família a todas as pessoas, a todas as relações (palmas), porque senão nós vamos retroagir na própria Lei do Divórcio, que estabelece que a família, quando na relação conjugal não há mais afeto, não há mais felicidade, pode ser desfeita, para se construir outra relação.
Eles buscam retroceder em direitos, e assim se constrói a trágica estatística que pontua o Brasil como um país onde mais se mata a população LGBTQIA+ no mundo, ano após ano. São os discursos que afiam as facas. São os discursos que se transformam em bala, que se transformam em estatísticas macabras. São os discursos que fazem a ponte entre o pensamento e a ação. Por isso, é preciso refutar todo discurso de ódio.
E eles buscam encobrir o caráter absolutamente eivado de ódio desta proposição. Comparam-nos com peixes, comparam-nos com outros tipos de animais. Aqui dizem que isso vai, sim, retirar direitos de terceiros. Nós escutamos isso. Nós escutamos aqui que o casamento homoafetivo vai prejudicar as lojas de eventos festivos. Aqui nós escutamos isso! Realmente tem razão Nelson Rodrigues: o absurdo perde a modéstia nesta discussão.
(Palmas.)
O mais cruel é que esta é uma Comissão de assistência, de previdência. Esta Comissão deveria estar se dedicando a construir saídas para que o Brasil possa viver novamente sem fome. Isso é Cristo! Isso é Cristo! É preciso haver acolhimento. É preciso abraçar. É preciso haver afetividade, porque ela nos faz humanos. Se negam a afetividade, negam a própria humanidade. É como se eles dissessem: "Bom, há seres humanos que podem amar, e, para outros, são os armários que lhes cabem neste latifúndio". Não!
Todo ser humano tem direito de amar. E aqui nós vimos que os casais homoafetivos também procriam, também são pais e mães, na medida em que têm a possibilidade de educar.
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17:21
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Eu fico pensando se família só serve para que se faça a procriação. Eu fico pensando: e as pessoas que já não estão mais em idade de procriação? E as pessoas que não conseguem procriar? E as pessoas que não querem procriar? E os casais homoafetivos que procriam? Nós vimos aqui, belíssimos depoimentos, belíssimos depoimentos, para dizer: "A minha relação existe, a minha relação existe". Nós temos uma decisão do Supremo Tribunal Federal, a quem cabe interpretar a Constituição.
A Constituição não pode ser interpretada pelo fundamentalismo anacrônico, medieval, pelo fundamentalismo que quer propagar o ódio em detrimento do amor. A Constituição foi interpretada e foi por unanimidade que se disse que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal e constitucional. Foi unanimidade, unanimidade, porque a Constituição tem que ser interpretada pelos seus princípios. É o princípio da não discriminação, é o princípio da dignidade humana. É a preservação do direito à privacidade, do direito à intimidade. São direitos que ninguém pode arrancar — ninguém pode arrancar!
Por isso, tirem a sua LGBTfobia do caminho, que nós queremos passar com todas as cores, com todas as alegrias, que nós queremos ter o direito à cidade, o direito de expressar os nossos afetos. Nós queremos ter o direito — nós, todas as pessoas, em particular, a comunidade LGBT, que está sendo atacada neste momento — à felicidade e à existência humana.
Por isso, não esqueçam: direitos não retroagem. Nós estamos aqui para dizer: nenhum direito a menos! Assegurar os casamentos significa assegurar a Justiça, significa assegurar a independência dos Poderes, significa assegurar o afeto e o amor enquanto norma, significa assegurar a liberdade — a liberdade! Tirem a sua homofobia do caminho. Façamos com que esse parecer seja arquivado, vai para o lixo da história. Assim como vão para o lixo da história todas as manifestações de ódio que impedem a diversidade, a afetividade, a condição de sujeito, o direito de amar, o direito de ser e o direito à cidade.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Por favor, pessoal.
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17:25
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O SR. PR. MARCO FELICIANO (PL - SP) - Sr. Presidente, não vai ser necessário.
Sr. Presidente, a minha fala é muito curta e muito incisiva. Que pena que a Deputada que me antecedeu... Ah, está saindo, está ali. É a Deputada Erika Kokay, por quem eu tenho profundo respeito.
A comunidade LGBT que aqui está precisa saber de uma coisa, ou pelo menos colocar isto no coração. Quando tomamos atalhos na vida, nem sempre esses atalhos nos levam aonde nós queremos que eles nos levem. Este Parlamento nunca teve uma proposta de emenda à Constituição para que se mudasse o art. 226 da Constituição Federal no quesito de casamento. Aqueles que tanto defendem vocês aqui, que falam, que usam de bravatas, que citam poemas não se importam com vocês, porque, se se importassem, teriam apresentado uma proposta de emenda à Constituição e não pegado o atalho. Só estamos vivendo este momento de limbo jurídico por conta disso.
O que aconteceu? Judicializaram. O STF tomou uma decisão; o CNJ tomou outra. Esta é a Casa das Leis, é aqui que as leis são feitas. Projetos de lei como esse alguém tem que ter coragem de desengavetar e votar.
Eu estava ali falando com o Relator, e o Relator me disse que o relatório dele não tem a ver com religião, embora todos aqui ataquem a nossa religião. Já faz anos que eu não uso esse discurso aqui, porque, se alguém quiser falar com o pastor, vá à minha igreja. Lá vocês vão ouvir um sermão de um pastor. Aqui eu sou Parlamentar, e como Parlamentar eu apenas defendo a Constituição Federal, assim como o Deputado Pastor Eurico está fazendo.
Se querem fazer as coisas certas, por que não apresentam uma proposta de emenda à Constituição, por que não colhem a assinatura de um terço dos Parlamentares desta Casa, por que não vão até o Presidente da Câmara para que ele comece uma Comissão Especial? É nessa Comissão Especial que se deve trazer toda a sociedade civil, não meia dúzia de bravateiros ou algumas ONGs. É assim que se faz a verdade em um país democrático.
Isso, podem rir, podem rir. Hoje é conosco; amanhã pode ser com vocês, porque a roda gira. A política é como um pêndulo: hoje ela esbarra na extrema Esquerda; pode ser que, de repente, ela volte para a Direita, e aí mude tudo. Pode ser que daqui a alguns anos mude o STF, e venha tudo contra vocês. Isso não é sabedoria democrática. Democracia é a arte da negociação, é a arte da conversação.
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17:29
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O Presidente me mostrou agora uma foto de um banheiro aqui da Casa onde escreveram absurdos. A comunidade que aqui está sendo representada, que está aqui aplaudindo com cores coloridas, faz discursos de ódio contra todas as pessoas. Está ali o desenho que escreveram na porta de um banheiro. Não é assim que se debatem assuntos.
Vamos lá, gritem, podem gritar! Filmem tudo isso, porque eu vou editar e mostrar para o Brasil quem são vocês, o grupo mais cruel que existe na história. Não os gays, mas os ativistas gays, os que ganham dinheiro do Estado para isso, para perseguir famílias, para perseguir pessoas, os que vivem se locupletando do Erário público para isso. Essas pessoas vivem para fazer furdunço, são cruéis, são cruéis com seres humanos.
Minhas filhas pequenas têm tratamento psicológico até hoje. A minha casa foi depredada por movimentos que vocês representam. Há 257 ONGs de gays no Brasil abastecidas com 10 milhões de reais. Vocês sabem muito bem disso. Se não sabem, perguntem ao Toni, que ele vai falar para vocês. Ele é Líder, talvez um dos mais antigos aqui da Casa. Nos bastidores, ele brinca conosco, nos dá abraço, dá beijinho. Até me falou que eu estava bonito. Quando ele vem para o discurso, ele diz: "Essa bancada evangélica, homofóbica, isso e aquilo".
Isso aqui é política, é puro entretenimento, e, por causa de entretenimento, vocês estão sofrendo hoje aqui. Há um limbo político. Há um limbo jurídico. Se aqueles que defendem vocês tivessem feito a coisa certa — Jean Wyllys, Erika Kokay e tutti quanti, et caterva —, se todos eles tivessem feito o que tinha que ser feito, não estaríamos vivendo isso aqui agora. Isso é ditadura de uma minoria que só sabe gritar.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Tem a palavra o Deputado Pastor Sargento Isidório.
(Pausa.)
A SRA. DUDA SALABERT (Bloco/PDT - MG) - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Deputada, perdão. V.Exa. tem 10 minutos. Seu tempo seria dividido com o Deputado Pastor Sargento Isidório. Como ele não está presente, V.Exa. tem 10 minutos.
A SRA. DUDA SALABERT (Bloco/PDT - MG) - Obrigada.
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17:33
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Quem fala isso desconsidera toda a história do nazismo. Não tem que processar, não é preciso fazê-lo. Nós ganhamos o discurso no debate. Se vamos discutir o casamento homoafetivo, o que há por trás da tentativa de proibição do casamento homoafetivo é algo muito maior, é o que se considera humano no País, é o que se considera mais ou menos humano no País.
Vamos lembrar que, no Brasil, a categoria de humanidade sempre esteve em disputa. Repito: no Brasil, a categoria de humanidade nunca foi dada, sempre esteve em disputa.
Vamos lembrar que, até 200 anos atrás, negros e negras não eram reconhecidos como humanos pelo Estado brasileiro. Até 200 anos atrás, negros e negras não eram reconhecidos como humanos pelo Estado brasileiro. Foi preciso séculos de lutas para que conquistassem, mesmo que precariamente, a categoria de humanidade.
Hoje, nós pessoas travestis, transexuais ainda lutamos para conquistar a categoria de humanidade no Brasil. Basta perguntar qual é a maior reivindicação do movimento trans na América Latina. A nossa maior reivindicação ainda é respeito ao nome, à identidade. E nós ainda discutimos qual banheiro vamos usar. O STF está há 8 anos discutindo qual banheiro eu vou usar. Se eu vou ao banheiro masculino, vocês não sabem a violência com que sou recebida. Uma coisa são os homens perto de vocês; outra coisa são os homens sozinhos, conosco no banheiro.
Houve aquele episódio de um Deputado que foi cassado conhecido como "Mamãe Falei", que fez comentários esdrúxulos, ridículos e asquerosos sobre mulheres ucranianas no contexto de guerra. Todo mundo ficou assustado com aqueles comentários. Desculpem-me, mas comentários como aqueles são comuns em rodas de homens. Não estou dizendo que todos os homens falam isso, porque não falam, mas em rodas são comuns.
Quando nós pessoas travestis, transexuais, encontramos essas pessoas no banheiro, somos violentadas de diversas formas. Se eu for ao banheiro feminino, eu sou arrancada pelo cabelo, como nesse episódio que está no STF. Se eu ainda não tenho direito a banheiro, a nome, a identidade, é porque o mínimo para reconhecer nossos corpos como corpos humanos não foi conquistado.
Ampliando para a comunidade LGBT, nós ainda lutamos para efetivar e garantir o direito de ser humano. Lutamos, por exemplo, para ter direito à fé, já que somos demonizados em vários contextos religiosos. Nem direito à fé nos é dado, fé, que é algo humano. Ainda lutamos para conquistar o direito ao casamento, a ter uma família, que são elementos básicos para tratar aquele corpo como um corpo humano.
Para se reconhecer algo como humano, há que se ter direito. Humanos são aqueles que têm direitos, daí o termo "direitos humanos". Quando esta Casa e Parlamentares fundamentalistas querem retirar direitos nossos que conquistamos arduamente, querem na verdade retirar mais ainda a nossa categoria de humanidade e nos reduzir a coisa, a objeto, como fizeram séculos atrás.
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17:37
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Vamos lembrar que, neste País, até 50 anos atrás, com o Estado chancelando, ainda se fazia castração química para quem era LGBT. Neste País, até 50 anos atrás, dava-se eletrochoque em quem era LGBT. Contra esse movimento cruel, conseguiu-se, a partir de muitas lutas, como esta que nós estamos fazendo, evitar que nós tomássemos eletrochoque, evitar que sofrêssemos castração química por assumirmos quem somos. E agora nós estamos lutando por algo básico: ter um casamento civil. Nem estamos discutindo a esfera religiosa. É o mínimo!
Esse projeto fala inclusive que a minha família também não existe, que a minha família não existe e não pode existir. E eles, que levantam vários discursos de ordem biológica para responder os problemas da humanidade, desconsideram que nós somos seres biopsicossociais, que não somos só a esfera biológica. Se formos tratar somente na esfera biológica, já que vocês tanto a defendem, a mim é negado também isso. Na verdade, essa negação se amplifica através de falas irresponsáveis que fomentam o discurso de ódio que quer destruir a nossa família.
Darei um simples exemplo. Quando eu ousei disputar o cargo de Deputada Federal, segundo levantamentos e pesquisas, fui a candidata mais ameaçada de morte no Brasil. Eu tive que votar com colete à prova de bala, andar com escolta, e minha família também. Várias ameaças aconteceram.
E anteontem, pastor, pessoas acharam o e-mail da minha companheira e mandaram um e-mail para ela dizendo que iriam me matar, matá-la, pegar minha filha. Fizeram um site com fotos da minha filha, que tem 4 anos de idade, dizendo de que formas iriam estuprá-la na minha frente. Fizeram um site sobre isso, com fotos da minha filha, que tem 4 anos de idade. Mandaram o e-mail para minha companheira nos ameaçando. Essas ameaças contra a minha companheira são com o objetivo de acabar com a nossa família, para que ela pense duas vezes em se relacionar com pessoas como nós, travestis e transexuais.
E eu posso ser cruel nesse sentido. Eu concordo com o V.Exa., Deputado Feliciano. Sou muito cruel porque eu coloco em risco a minha companheira, coloco em risco a minha família, e, por onde eu passo, as pessoas estão em risco por eu ser quem eu sou. Por eu ser quem eu sou, coloco a vida de todo mundo em risco. Eu nunca pensei em me matar — nunca pensei nisso! —, mas confesso que, com essas últimas ameaças que nós recebemos, pela primeira vez, eu pensei nisso, porque estavam querendo me negar uma coisa que foi difícil conquistar, que é o direito a amar.
Vocês querem me negar o direito de amar, de ter uma filha, de poder ir à praça com a minha filha. Por favor!
Eu termino dizendo: no que esse projeto vai transformar, vai melhorar a sociedade no País? No que esse projeto vai tornar a vida das famílias melhor? É esse que é o desafio. Se me provarem que as famílias vão melhorar, que demos um passo atrás para que a sociedade dê três passos para a frente. Eu serei a primeira a fazê-lo.
Mas no que a nossa vida ou a nossa relação torna melhor ou pior a família de vocês?
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17:41
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Para resumir, não vou entrar aqui em debates jurídicos porque há quem o faça melhor, não entrarei em debates teológicos porque há quem o faça melhor. Mas, se há uma coisa básica na sociedade em que nós vivemos, é dilatar ao máximo a categoria de humanidade.
E aí eu peço, para terminar minha fala, que sejamos um pouco mais responsáveis, porque essa guerra que nós estamos querendo construir aqui em nada deixa a sociedade melhor. Queria eu, para terminar, que nós estivéssemos discutindo aqui, por exemplo, questões muito melhores. Queria eu que estivéssemos aqui discutindo, por exemplo, se é para debater banheiro, banheiros para pessoas em situação de rua, que não existem. Quantos banheiros públicos há em São Paulo, em Belo Horizonte, nas grandes capitais? Vamos discutir coisas que tornam, de fato, a sociedade melhor.
Agora, para terminar, vocês da Direita estão sendo usados como massa de manobra — termino minha fala aqui agora — para dar trampolim político para essa galera que em nada quer ver a melhoria da família de vocês, em nada. Então, o debate aqui não é ideológico, não é partidário, é um debate sobre o que é considerado humano neste País. E humano significa ter direito a casamento, a amor, a família, a banheiro, a nome e a identidade.
(Manifestação na plateia: Eu amo homem, amo mulher, tenho direito de amar quem eu quiser!)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Deputada Duda.
O SR. PR. MARCO FELICIANO (PL - SP) - Eu queria aqui, Sr. Presidente, me solidarizar com a Deputada Duda pelo gesto de pessoas que, para mim, não são humanas quando atacam S.Exa., quando atacam sua família e seu estilo de vida. Essas pessoas não merecem respeito de ninguém.
Eu sei o que é ter a família na mira de pessoas cruéis, que querem matar, que acusam, que fazem loucuras. Em todos os lados, existe o extremo. Todo extremo é perigoso, seja ele da Esquerda ou da Direita.
V.Exa. diz que começou a pensar em suicídio. Por favor, tire isso da sua cabeça. V.Exa. é muito importante para a sua família, para o segmento que V.Exa. representa, que, embora eu não concorde, eu lhe dou o direito... Aliás, V.Exa. tem o direito de representá-lo e fazer isso da melhor maneira possível.
(Palmas.)
Eu já pensei em suicídio e já tentei suicídio pelas mesmas causas, no sentido inverso, porque, quando você vê suas filhas, sua esposa ser exposta ao ridículo, sem poder caminhar na rua, vê sua casa ser apedrejada pelo que você está pensando, sendo que você nunca praticou nenhum tipo de violência, é ruim demais. Então, minha solidariedade.
Mas também, em questão humana, minha solidariedade a todas as crianças que daqui a alguns dias vão ser assassinadas no ventre da mãe. Até o terceiro mês de gravidez...
(Manifestação na plateia.)
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17:45
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O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Obrigado, Deputado Pr. Marco Feliciano.
Mulheres indígenas e mulheres trans. Quero dizer que, desde quando eu estou vendo este debate, desde a semana passada, principalmente com essa extrema violência, eu não entendi, como dizem na Internet: "Eles nem foram pedidos em casamento, por que eles estão se sentindo noivos?"
Então, é importante dizer que, neste momento, a nossa luta é pela liberdade de amar. Juntamente com a Deputada Duda e com a Deputada Erika Hilton, companheira de partido, eu tenho feito essa defesa, porque nós não precisamos exatamente ser indígenas para também estar com os povos indígenas. E têm sido duas Deputadas, companheiras também... Não preciso ser exatamente LGBTQIA+, mas faço essa defesa porque a questão LGBTQIA+ transcende a questão social, transcende a questão de identidade, sobretudo nesta Comissão que fala de família.
Nós povos indígenas somos 305 povos diferentes. Queremos falar de diversidade de família, não somente defender a família, mas defender a diversidade de família.
Esta Comissão deveria se desculpar oficialmente por criminalizar e comparar com exofilia, incesto, pedofilia. Precisaria se desculpar oficialmente. Nós, principalmente neste momento, quando falamos de humanidade... Eu falo que aquelas pessoas que se posicionam contra o direito dos povos indígenas e que se posicionam contra o direito das pessoas LGBTQIA+ serão reconhecidos não exatamente como nossos inimigos políticos, serão nossos inimigos humanitários. O que há de errado na diversidade de amar?
Queria dizer que, embora ainda não exista o "Ministério do Namoro", nós temos o gabinete do amor, da diversidade, assim como o da Deputada Duda, assim como o da Deputada Erika Hilton, assim como o nosso mandato, que traz para este Parlamento... Nós não chegamos aqui só para fazer nosso trabalho parlamentar, nós chegamos aqui inclusive para acordar a casa-grande, que não aceita a presença de nossos corpos.
Nós temos um projeto de lei importantíssimo, juntamente com a Deputada Erika Hilton, para tornar o verdadeiro herói da história o Timbira. A primeira pessoa morta por homofobia no Brasil foi um indígena, que foi morto a canhões.
Sabem o que tínhamos que discutir aqui? Por que o Parlamento demorou 200 anos para ter a primeira mulher indígena presidindo uma Comissão, por que o Parlamento demorou 200 anos para ter as primeiras mulheres trans. Se nós estamos aumentando a nossa população, nós queremos aumentar nossa presença no Parlamento também. É exatamente isso.
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17:49
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Para finalizar, quero dizer que falam da violência, falam em proteger os nossos corpos, as nossas crianças. Nós já fazemos isso. Nós deveríamos é discutir política pública para as pessoas em situação de rua. Como bem disse a Deputada Duda Salabert, nós precisamos discutir por que ainda existe estupro, principalmente vítimas do garimpo ilegal, vítimas da mineração. E, sobretudo, nós queremos pensar uma política não somente para a comunidade LGBTQIA+. Queremos pensar junto com a comunidade LGBTQIA+. Esta Comissão de Família precisa, sim, tratar da diversidade da família no Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Deputada Célia.
O SR. PASTOR HENRIQUE VIEIRA (Bloco/PSOL - RJ) - Tenho o tempo de Liderança, que o Governo a mim conferiu, e vou usá-lo brevemente.
Deputada Duda, eu a admiro como figura pública, e agora, conhecendo-a de perto, estou tendo a felicidade de cultivar nossa amizade. Toda a solidariedade a V.Exa. Acho que a melhor forma de respeitar a sua família, de verdade, é amanhã votar contra este projeto, senão, na minha opinião, essa solidariedade fica vazia. Tudo que V.Exa. falou ali tem a ver com a sua dignidade, com a sua liberdade de ser, de existir, de amar, de ter uma companheira e uma filha. E é muito importante dizer que ninguém é ameaçado de morte, expulso de casa, expulso da igreja, humilhado, torturado ou executado por ser hétero, ou por ser cisgênero. Então, há uma violência estrutural contra a diversidade sexual, e a melhor forma de respeitá-la de fato é posicionar-se nas matérias em favor dos direitos e da cidadania.
Por que eu pedi o tempo de Líder? Porque a Deputada Duda me encorajou. Eu queria que o Presidente considerasse isso. Eu queria que o Relator do projeto considerasse isso. Ontem, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói, houve um debate sobre este projeto de lei, mobilizado pela Vereadora Benny Briolly, mulher trans, negra, de Niterói. Fui convidado a participar da Mesa, assim como a Deputada Federal Talíria Petrone. No meio da tarde, a Universidade Federal Fluminense, por meio de sua Reitoria, enviou a todos os departamentos um e-mail, que foi entregue à Polícia Federal — o Ministro Flávio Dino chegou a me ligar.
Quando eu cheguei ao evento, havia policiamento ao redor. Vejam o que este projeto mobiliza nas pessoas. O e-mail era anônimo e falava em heroica faxina, em "limpar a universidade do lixo contagioso de gays, travecos e vadias estupráveis". "Essa universidade vai virar um mar de sangue. Aprendi que, quando você segura seu ódio, ele é autodestrutivo, mas, quando você o libera, você solta e destrói a escória que merece ser destruída".
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17:53
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Vamos lá. Num debate sincero entre nós, algum Deputado vai dizer que deseja isso? Não. E eu vou acreditar nisso, de verdade. Mas, quando você pega um direito já consolidado para uma população que, independentemente de opinião, sofre hostilidade, intolerância... Eu, como pastor, nunca fui procurado por uma pessoa que me dissesse que foi expulsa de casa porque era hétero. Não existe isso. Acredito que todos vão concordar comigo. Mesmo que os senhores não estejam consciente e deliberadamente desejando isso, mesmo que os senhores emitam uma nota de repúdio pelo que aconteceu ontem num debate sobre este projeto, imaginem o efeito da aprovação deste projeto para quem já carrega ódio, para quem já fala em "lixo contagioso", para quem já diz "a UFF vai virar um mar de sangue". Deputados decidem olhar para a comunidade LGBT e dizer: "Vocês não são uma família". Pergunto: este projeto estimula ou não estimula esse tipo de comportamento?
Eu não estou sendo sensacionalista, eu não estou fazendo espetacularização, eu sei o quanto isso é gatilho para muitas pessoas, mas, de verdade, retirar o projeto de tramitação para colocá-lo em pauta... Foi o que o Fábio Felix disse ali no início. Este projeto, no fundo, lado A, lado B... Eu nem trataria assim, porque é sobre vida, é sobre dignidade humana. "Ah, eu não concordo, pela minha moralidade religiosa." Não celebre, pronto! É casamento civil, diante do Estado!
Estou recebendo apoio de moderados, conservadores e religiosos que até mês passado nem gostavam muito de mim, mas começaram a me escutar melhor porque o extremismo esticou tanto a corda, que pessoas que em tese nem concordam comigo passaram a me respeitar. Estou me fazendo entender? Porque eu não acho que esta seja uma pauta de esquerda. Está chegando um momento estranho no País, em que dignidade humana, igualdade jurídica, cidadania, Estado laico viraram pauta de esquerda. Isso é pauta de esquerda? Por isso eu chamei os conservadores na minha primeira fala para um pacto de civilidade, um pacto de respeito. Querem pensar desse jeito? Eu posso até debater e, teológica, bíblica, religiosamente divergir, mas, quando se transforma isso em projeto de lei com termos como "antinatural" e "contrário à verdade do ser humano"... Não, eu não vou ser leviano e dizer que a intenção é matar LGBTs, não vou fazer isso, mas eu vou dizer que este projeto corrobora esse tipo de comportamento.
Por isso, não tenhamos vencedores A, vencedores B. Sem capital político em cima da vida, da dignidade das pessoas! Ainda faltam algumas horas para amanhã. Vamos segurar a onda, vamos baixar a bola, cada um para a sua quadra, cada um com o seu diálogo, cada um para a sua base, mas sem precisar elevar o tom, porque, historicamente, ninguém é expulso de casa por ser hétero, ninguém é expulso de igreja por ser hétero, ninguém é humilhado na rua por ser hétero, nenhum casal hétero sofre hostilidade se der um beijo, um selinho, um abraço, se andar de mãos dadas.
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17:57
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Por favor, reconheçam, só reconheçam. Façam um exercício de empatia com a existência do outro ser humano, valor fundamental na Constituição e valor fundamental até mesmo no Evangelho. Todas as pessoas são feitas à imagem e semelhança de Deus, ou, numa secularização disso, toda pessoa é dotada de direitos fundamentais, porque é gente! Nós ouvimos uma mulher dizer que foi votar de colete à prova de balas. Ela existe! A esposa dela existe! A filha dela existe! Se, no limite, não se concorda, deixe existir! Não crie um projeto que vai dizer que ela não pode ter uma família reconhecida pelo Estado, porque é óbvio que isso vai estimular e potencializar hostilidade. É prato cheio para quem odeia essas pessoas saber que Deputados decidiram retroagir num direito.
E não vamos fazer um debate técnico, gente. Eu até faço. Concordo com a unanimidade do STF, que diz que é constitucional o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Mas chega uma hora que nem dá mais vontade de fazer debate técnico, jurídico, constitucional. Várias pessoas aqui, com preconceito, estão querendo dizer que na verdade se trata de uma questão de prerrogativa e defesa do Parlamento. Não! É defesa da Duda, da Talita, do Eduardo, do Fábio, não é defesa de um prédio, de uma carta, de um texto, é defesa de pessoas!
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Deputado Pastor Henrique.
O SR. ELI BORGES (PL - TO) - Sr. Presidente, eu tenho ouvido com muita atenção as falas que aqui são feitas, e, fazendo uma busca no tempo, eu me lembro de quando no meu Tocantins eu tive o cuidado de dizer que crianças na fase cognitiva, que vai de 0 a 7 anos, podendo chegar a 12 anos, não poderiam ser alvo de doutrinações. Naquele momento nós tínhamos aquele kit, e pessoas defendiam que ele deveria ir para as escolas. Eu tive o cuidado de dizer que a criança, no que diz respeito à sexualidade, tem que aprender em casa, como diz a Constituição.
Bom, eu imaginei que estava exercendo o livre direito democrático de me posicionar quando apresentei 25 emendas àquele projeto, preservando as escolas, mas também ampliando a não discriminação.
Ora, fiquei eu imaginando que, ampliando a não discriminação, eu seria de alguma forma reconhecido por esse quesito. Aconteceu o contrário, Presidente. A primeira ação depois foi levarem 300 pessoas ao plenário daquele Parlamento para me vaiar. Eu tenho imagens disso. Invadiram o meu gabinete fazendo "beijaço". Provocaram um debate com uma certa jornalista. Disseram que eu iria falar sozinho, e quando lá cheguei havia seis pessoas. Como se não bastasse, usaram a OAB para fazer uma audiência pública, e, quando os debates se concluíram, viu-se que o objetivo era unicamente me vaiar.
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18:01
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Depois eu tive a percepção de que esses fatos se repetiram não só lá. E eu fiquei me perguntando, depois de ouvir tantas falas, seja na Comissão, seja no Plenário... Eu me lembro de uma sessão em que, não menos de 10 vezes, eu fui afrontado com xingamentos — "homofóbico", "transfóbico" —, sendo eu um Parlamentar com plenos direitos neste Parlamento.
Eu disse a uma Deputada, recentemente: "Vocês lutam para ganhar uma guerra, mas não seria esse o caminho".
Presidente, a priori, pedem para não falar de religião, mas eu não conheço um pastor, não conheço um padre, não conheço um espírita da chamada linha branca que faça outra coisa que não seja acolher quando procurado.
Nós não temos discurso de ódio. Mas eu vou mais longe, Presidente, nós não temos ação de ódio. Isso é uma mentira que eu quero confrontar aqui. Eu fui xingado não menos de 20 vezes neste Parlamento, numa tentativa de ganhar a guerra nesse confronto. Usaram imagens, religião, etc. O que eu ouço e vejo neste Parlamento é essa questão da bibliofobia, da cristofobia, da religiofobia.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Conclua, Deputado.
O SR. ELI BORGES (PL - TO) - Peço mais 30 segundos.
Presidente, eu me lembro de que, na última reunião, eu e o Deputado Pastor Eurico fomos xingados mais de 10 vezes, e em nenhum momento eu desrespeitei, eu xinguei qualquer um dos senhores. Os senhores querem triunfar no debate da não discriminação? Eu acho que a prática dos senhores está errada.
Querido Deputado Pastor Eurico e caro Presidente, eu vou fazer um pedido a esta Comissão, porque não há o dado no Brasil: vamos fazer uma pesquisa para ver quem está agredindo quem nesta Nação, para ver se as coisas não estão mais ligadas a aspectos passionais, como aquele caso do Pernambuco, onde havia 28 tidos como crimes homofóbicos — acho que era Pernambuco, mas posso estar equivocado com o Estado, mas prometo trazer a informação aqui. Já tinham descoberto 25, e não era homofobia, era crime passional. Faltam três. Isso foi há uns 5 anos.
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18:05
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O SR. ELI BORGES (PL - TO) - Presidente, eu preciso dizer mais algumas coisa? Uma cidadã que nem é Parlamentar...
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Eu peço...
O SR. ELI BORGES (PL - TO) - Sr. Presidente, assegure a minha fala, por favor.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Eu peço, por favor...
O SR. ELI BORGES (PL - TO) - Bom, Presidente, eu acho que isso fala por si só. Ela representou o grupo dela. Ela provou como eles agem. Quando eu, de maneira educada... Só porque eu troquei uma palavra, "o Deputado", "a Deputada", ela já partiu para uma agressão de alto nível.
(Manifestação na plateia.)
(Tumulto na plateia.)
O SR. ELI BORGES (PL - TO) - Por favor, Pastor!
(Tumulto na plateia.)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Por favor, Deputado.
(Tumulto na plateia.)
O SR. ELI BORGES (PL - TO) - Presidente, eu quero o resgate da minha fala. Eu quero agora pedir a V.Exa. mais 1 minuto, por favor.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Pode continuar, Deputado.
O SR. ELI BORGES (PL - TO) - Presidente, fiz todas as ponderações aqui. Em nenhum momento ameacei nenhum dos participantes desta audiência. Fiz registro de agressões que sofri no meu Estado. Em nenhum momento xinguei nenhuma pessoa. Mas, em menos de 2 minutos, eu fui xingado de criminoso, de homofóbico, de transfóbico. Isso é para V.Exa. entender por que essa guerra está equivocada. Chamam para um momento de diálogo, para um momento pacífico, para um momento de se descobrir, no contexto das leis, o caminho da emancipação dos senhores, e, em menos de 2 minutos, Presidente, eu recebo aqui várias agressões sérias — "criminoso", "homofóbico" —, discurso de ódio.
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18:09
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Pessoas que vêm a este Parlamento, quando entram aqui sob o Regimento, têm que, no mínimo, respeitar o Parlamentar. Seria esse o caminho dos senhores, porque, da parte que a mim compete, em nenhum momento houve agressão. Em nenhum momento eu fiz qualquer xingamento! Nunca fiz e não farei, porque eu sou um cidadão que respeita as pessoas nas suas individualidades, mesmo que eu discorde delas. Agora, para mim, a intimidade tem que ser vivida na intimidade, não pode ser doutrinação de escola. Não é preciso ordenamento jurídico para isso. Os senhores têm que viver o meu respeito, dentro da visão em que eu vivo a homoafetividade, na intimidade. Isso é princípio constitucional, é princípio do Código de Processo Civil, e eu respeito as leis brasileiras.
Eu termino, Presidente. Eu nem precisava dizer mais, mas quem efetivamente tem mais ódio aqui? Quem efetivamente tem mais discurso de ódio aqui? Quem efetivamente mais aponta o dedo e discrimina Deputado aqui? Quem trabalha mais com a tentativa de humilhação de um Deputado aqui? Eu acho que o Plenário, que esta audiência pública, por si só, já falou por que essa discussão dos senhores ter que ser refeita, senão os senhores possivelmente não irão muito longe. Eu lamento, mas respeito a todos, porque é meu dever cristão respeitá-los.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Obrigado, Deputado Eli Borges.
O SR. GLAUCO BARREIRA - Muito obrigado a todos. Obrigado pela oportunidade de falar aqui mais uma vez.
Eu estava observando o debate. Participei de toda a audiência, acompanhei tudo, e, ao contrário do que foi dito, eu acho que este é um debate racional. Não vou usar a palavra "técnico" porque pareceria que é uma coisa que foge à vida humana. Mas este é um debate racional. Quando nós entramos na área puramente sentimental, é isto que acontece, o que há pouco vimos: cada um fala seletivamente das situações em que pelo outro grupo foi agredido, e nós só intensificamos os conflitos e as paixões, porque atiçamos aquilo que pode levar à ira, ao ódio. Este debate deveria ser realmente um debate racional.
O Supremo Tribunal Federal age de forma contramajoritária para realizar direitos, mas ele não pode agir de forma contramajoritária contra a Constituição. A razão de ele agir dessa forma contramajoritária é realizar a Constituição, e não estar contra ela. Ele é o executor e o guardião da Constituição.
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18:13
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A Constituição, como eu havia dito, defende uma modalidade de família tendo em vista exatamente o cumprimento de uma finalidade social, para a qual se deve oferecer a proteção pública, porque ela tem um valor e uma finalidade pública. Relações privadas podem acontecer de várias maneiras, e pode-se, como proposto, criar um contrato próprio para isso. Mas a família tem uma função específica. Todas as pessoas, sejam elas heterossexuais ou homossexuais, vieram ao mundo através de um processo de fecundação, tiveram, biologicamente falando, uma paternidade e uma maternidade. Então, é a união entre homem e mulher que gera todos, inclusive aqueles que vão ser homossexuais.
É interessante observar como a Constituição foi restrita quanto ao conceito de família. Eu era aluno de faculdade na época da Constituinte e depois da Constituição. Minha professora de Direito de Família recordava que o Constituinte até distinguiu família de entidade familiar. Ele foi restritivo. Família para ele era aquela que vinha do casamento entre um homem e uma mulher. A união estável, mesmo entre homem e mulher, a Constituição chama de "entidade familiar", que é equiparável para a proteção, mas recebeu outro nome. Um ascendente com o seu descendente a Constituição chama de "entidade familiar". Então, ela deu realmente uma definição bem característica de família.
Eu ouvi aqui gente dizer que a família poderia ser uma coisa só relacionada à afetividade e tudo mais, um projeto de vida em comum. Bem, dentro de uma igreja existe um projeto de vida em comum, existe afetividade. Entre dois amigos existe afetividade, existe um projeto de vida em comum. Enfim, essa definição de família aberta, não institucional, cabe em tudo, em qualquer coisa. E, quando se quer relacionar os afetos com a instituição da família, na verdade se diminuem os afetos. Quer dizer que para poder amar é preciso ter essa formalidade? Quer dizer que é preciso reivindicar essa formalidade para legitimar os afetos?
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Peço que conclua, professor.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Peço-lhe que conclua. O tempo já acabou, professor.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Apenas conclua, professor. O tempo já se encerrou.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Muito obrigado, Prof. Glauco Barreira.
Presidente, é importante que esta Casa reconheça a gravidade do uso do pronome masculino para tratar uma Parlamentar, reconheça que isso configura transfobia neste País. Isso é muito grave, especialmente dentro de um espaço democrático e em se tratando de um Parlamentar que se refere a uma Parlamentar. Essa é uma questão grave, que de fato nos mobiliza, nos motiva, pela nossa existência, pela nossa vida.
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18:17
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Segundo, Presidente, eu queria dizer a V.Exa. que foram feitas muitas reflexões aqui e que V.Exa. tem um papel muito importante como Presidente de uma Comissão como esta. Há uma decisão unânime do Supremo Tribunal Federal. Todas as falas trazidas aqui, Presidente, não falaram diretamente contra os direitos civis dos casais homoafetivos, mas o projeto retira os direitos civis dos casais homoafetivos.
Nenhum Parlamentar da extrema direita, do fundamentalismo ou palestrante teve coragem de fazer ataques diretos aos nossos direitos civis. Tergiversaram, vacilaram, questionaram o Supremo Tribunal Federal, chamaram de atalho a forma como a decisão foi tomada.
Mas se não questionam o conteúdo, se V.Exa. não é contra os direitos civis do meu casamento, esse projeto precisa ir para o arquivo. Que façam outro projeto impedindo o casamento religioso. Vamos debater. Que façam outros projetos relacionados às pautas que eles tocaram aqui. Houve Parlamentar trazendo a questão da infância e adolescência. Houve Parlamentar trazendo a questão da banalização de símbolos religiosos na parada LGBT. Houve Parlamentar dizendo que foi ofendido por ativistas LGBTs em outros contextos. Que processem os ativistas LGBTs, mas o Parlamento aqui não pode ser usado como revanche. Os nossos direitos não podem ser atacados por revanchismo, porque não assumiram aqui a posição deles em relação ao tema, não tiveram a coragem de ser taxativos contra os direitos civis. Então, o Parlamento não pode ser usado dessa forma.
Esse é o resultado da audiência pública. E que os Parlamentares apresentem outras proposições relacionadas aos temas de que eles estão falando, Presidente. Eu acho que essa é a questão que está colocada hoje.
Presidente, por último — eu também sou do Parlamento, estou no meu segundo mandato, não sou Deputado Federal —, posso dizer a V.Exa. que nós temos muita convicção, conversando com os Líderes, de que podemos perder amanhã. Não queremos isso. Queremos que V.Exa. não fique com essa marca na sua história. Podemos perder amanhã, mas nós vamos ganhar na Comissão de Direitos Humanos, vamos ganhar na Comissão de Constituição e Justiça, e esse projeto vai ser derrotado, vai para o lixo da história.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Bom, como os convidados tiveram a oportunidade de fazer as últimas colocações, a convidada Marisa Lobo também pediu para falar. Ela falará aqui também, como os demais, pelo tempo de 3 minutos, para encerrar. Depois, ouviremos o Relator do projeto.
A SRA. MARISA LOBO FRANCO FERREIRA ALVES - Eu gostaria imensamente de agradecer a presença de vocês. Sem debate, não há democracia. Eu sei que vocês não gostaram de muita coisa que foi dita aqui — eu também não —, e nem por isso saio daqui criticando vocês, porque isso é democracia. A luta é essa mesmo. A luta é essa de todo mundo. E nós vamos lutando: uns contra, outros a favor, até que achemos o equilíbrio.
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18:21
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E eu já ouvi o Deputado que acabou de sair daqui dando a ideia de proibir o casamento no religioso. Aceitem essa ideia. Já é uma boa. A questão é: não todo casamento religioso, porque há igrejas que aceitam o casamento. Então, que se casem nas igrejas que aceitam, mas não obriguem as outras igrejas que não aceitam a fazê-lo. Isso é direitos humanos. É só essa a questão. Ninguém pode obrigar ninguém a fazer um casamento no religioso, mas ninguém pode ser privado de uma lei, como a lei conquistada, em 2011 e 2013, do casamento homossexual nos direitos civis. É inquestionável que isso não pode. Eu não vi isso no projeto. Eu não vi isso no projeto. Eu vi essa preocupação. E a preocupação que eu trouxe é somente esta: que cada um seja feliz, conforme se deseja, conforme se almeja, conforme se acredita, e que cada um possa, ao menos, ter o direito de falar. Eu posso não concordar com o que dizem, mas jamais vou negar-lhes o direito de dizer. E aqui hoje vocês praticamente quiseram negar o meu direito de dizer, sem saber nem o que eu ia dizer. Democracia é isso. Muito obrigada, de coração. Eu não levo mágoas, levo reflexão.
A hipocrisia está na mente dos hipócritas. Não vou chamar ninguém de hipócrita, porque eu acredito que cada um está lutando realmente por aquilo em que acredita. E o que eu disse aqui é aquilo em que eu acredito. Eu não acredito que esse projeto queira tirar direitos de ninguém. Se esse projeto quer tirar um direito já conquistado, eu sou contra esse direito que está sendo retirado...
(Manifestação na plateia.)
...porque eu tenho certeza de que não foi isso que me foi dito, não foi isso que eu li, não foi esse o projeto. Parece-me que vocês estão debatendo um projeto que não existe, que não é o que está aqui. Eu acho que tudo isso foi um tremendo de um palanque para gerar narrativas para a mídia, para causar, para lacrar na "lacrolândia".
(Manifestação na plateia: Arquiva! Arquiva! Arquiva!)
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Bom, nós vamos agora ouvir o Relator do projeto.
O Relator do projeto passa a ser a figura mais importante a partir do momento em que ele é designado. Ele tem a autonomia da decisão do seu voto, de como ele vota. Essa é uma prerrogativa que cabe a ele. Então, o propósito de uma audiência pública como esta é exatamente orientar a elaboração do voto do Relator.
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18:25
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O SR. PASTOR EURICO (PL - PE) - Sr. Presidente, não cansarei os presentes com esse tempo. Quero agradecer V.Exa. pela forma como conduziu esta audiência pública. Aproveito para saudar os demais componentes da Mesa, o Deputado Pastor Henrique Vieira. Saúdo também o Deputado Fábio Félix, que, confesso, me surpreendeu pelo fato de ter vindo a esta audiência como convidado, tal qual os demais. Saúdo também a Sra. Cíntia, a Pastora Adriana, a Sra. Simone Feres, os outros participantes, Glauco Barreira, Marisa Lobo, Rodrigo Pedroso, Antonio Jorge, todos os que foram convidados e participaram tanto presidencialmente como on-line.
Mas eu citei o Deputado Fábio Félix pelo fato de que, entre as muitas palavras que eu ouvi aqui, inclusive de Deputados que... Eu estava me prendendo mais às falas no contexto jurídico da questão, as questões pessoais eu ignoro, apesar de ser chamado de cínico, e de tantos termos aqui que eu até acho absurdos, por pessoas que não deveriam tê-los usado, porque quem vem falar defendendo um lado "a"ou "b" deve se reportar à essência do que está em discussão no projeto. Mas eu citei o Deputado Fábio e passo a admirá-lo. Nós podemos discordar em algumas situações, porém, ressalto o fato de ele estar aqui e ter ficado até o final, até porque algumas pessoas vêm participar... eu sei que têm seus compromissos, mas quando um caso é tão sério, eu acho que é importante ficar até o final. Se bem que ele falou sobre a questão de palanque. Eu queria dizer ao Deputado Fábio que eu não estou Relator porque eu pedi para ser Relator. Chegou às minhas mãos, e a pergunta era se eu aceitava. Eu aceitei, até porque, para mim, isso aqui não serve de trampolim político. Eu estou no quarto mandato parlamentar, e não é isso aqui que faz a diferença para mim, não é esse tema que vai fazer diferença para mim. Agora, eu tinha que me prender a dar um parecer — e em nenhum momento vocês vão encontrar o parecer meu ligado à religião. O parecer que demos foi baseado na letra da Constituição, apenas respondi o que está na Constituição. E eu desafio o que foi colocado aí de que estamos tirando direitos adquiridos, até porque a lei não pode retroagir para prejudicar. Então, isso aqui é uma falácia.
Agora, quando se fala em trampolim político, eu respeito todos os Parlamentares que estiveram aqui, mas eu queria que vocês, que aqui estão, quer sejam hétero, que sejam homo, não importa, observem se alguém não está tirando proveito de vocês também, até porque alguns chegam, falam e desaparecem. E nos momentos em que vocês precisam, eles não estão. Eu acho que vocês têm que entender que a Constituição existe. E aqui alguém deu uma deixa até para vocês, como o Fábio deu uma deu outra deixa aí. Gente, esta é uma Casa de construção. Isso é democracia. Então, vejam o que acontece. Ora, não é um projeto de lei que vai mudar a situação, mas se uma PEC...
Aí, eu pergunto: por que até agora os defensores que estão do lado de vocês, nobre amigo Toni Reis, não fizeram uma PEC dessa natureza? A PEC pode mudar a Constituição; é uma emenda à Constituição.
Eu citei o Toni Reis aqui, por quem temos muita estima. Nunca fomos inimigos. Já tivemos vários embates e debates aí, mas sempre nos respeitamos. Já o recebi no meu gabinete várias vezes. A sua pessoa é a prova de que eu não sou aquilo que o Parlamentar aqui falou, que eu não recebo ninguém, não atendo. Eu converso com todo mundo. Eu dei várias entrevistas.
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18:29
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Apresentei o meu relatório. Quero agradecer algumas sugestões que foram dadas aqui. Agradeço de todo o coração, com todo o respeito, àqueles que respeitaram, que honraram. Tudo bem, há aqueles que foram mais ousados em algumas colocações, eu também os entendo. Não vim aqui para brigar. Posso divergir do Pastor Henrique em algumas situações, como ele diverge de mim, mas nós nos respeitamos.
E fui muito claro quando o Presidente falou comigo sobre a audiência. Eu disse: "Olhe, eu não tenho nada contra a audiência. Então, vamos ter a audiência. Se houver alguns impasses..." Mas ela está acontecendo. Então, é a prova de que aqui é uma Casa onde a democracia funciona, e não vai ser agora que nós não vamos... "Ah, daqui para a frente, nós não vamos nos encontrar mais". Vamos nos encontrar!
Eu fui ironizado por uma Parlamentar aqui, há poucos dias, quando disse que ia falar, mas que respeitava os meus parentes homossexuais, e alguém achou que eu estava soltando piada indireta. Eu tenho vários parentes homossexuais e convivo com eles. Não existe essa guerra, essa homofobia.
Então, gente, eu acho que, na hora de todos brigarem pelo que querem — a palavra "brigar" vem da questão de lutar, de reivindicar —, que o façam, mas que haja a reciprocidade no respeito.
Eu respeito todos. Agradeço a atenção de vocês. Não vou aqui atacar ninguém. Estou pronto para sempre respeitar, continuar respeitando, defendendo causas. Sou contra a violência. Pessoas citaram aqui que foram violentadas, que foram ameaçadas.
Bom, gente, se vocês pegaram as minhas redes sociais... Eu sei que não foram vocês. Alguém saiu daqui, não vou dizer que foi aquele cidadão ou aquela cidadã, não vou dizer. Foram ao banheiro e escreveram barbáries aqui. Está lá, já está na Câmara a situação. Escreveram expressões, coisas absurdas, com termos pejorativos com a bancada evangélica. Eu me sinto até constrangido de citar o que colocaram lá no banheiro. Já está rolando por aí. Então, foi alguém que estava aqui que fez isso.
Agora, veja só, eu sou tão centrado... Eu não sei se o Pastor Henrique viu a expressão que colocaram lá. Eu não vou aqui cometer o absurdo de dizer assim: "Foi uma pessoa homossexual". Pode ter sido um próprio heterossexual que foi lá para criminalizar ou para tentar fazer pensarem que foram os homossexuais que o fizeram, a pessoa defendendo o homossexual que colocou a expressão lá. Não vou dizer quem pode ter sido. Então, é um absurdo. Às vezes, um usa para acusar o outro, e eu não estou aqui para isso.
Então, o nosso relatório é conhecido de todos. Em nenhum momento, no nosso relatório, estou propondo tirar direito de ninguém. Isso aí é uma falácia. Discuto isso juridicamente com qualquer um. Não vou aqui discutir as questões emocionais, porque o direito que você adquiriu está garantido. Isso não tem nada a ver. Nas questões de interpretação, respeito todos.
Agradeço, Presidente, a forma como V.Exa. conduziu os trabalhos, agradeço a toda a equipe aqui. Quero agradecer mais uma vez aos palestrantes, a todos os senhores e senhoras que aqui estão. Vocês vieram fazer um papel importante, que foi participar de um ato democrático. Então, recebam o nosso abraço. Não quero o mal de ninguém. Quero o bem de todos e que todos vivam bem! É para isso que vivemos como cristãos.
(Manifestação na plateia: Arquiva! Arquiva! Arquiva!)
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PASTOR EURICO (PL - PE) - Sr. Presidente, já que foi direcionado a mim, deixe-me ser muito claro com o amigo.
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18:33
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Meu amigo, o projeto não é meu. O projeto veio para a Casa, então a Comissão resolveu... Não é só esse projeto. Os projetos que estão na Comissão, o Presidente, com toda a diretoria, resolveu pautar todos eles, independentemente de qualquer de resultado, se sim ou se não, se ganha ou se perde, não importa. Por quê? Não há nada legislado nesse particular. Por isso é que veio agora. O projeto é de um homossexual, que foi o Clodovil. Ele fez isso, na época. Fui atrás da história e conheci.
Lamentavelmente, ele foi pressionado. E por que não foi votado na época? Porque, na época dele, era bem pior do que é hoje. Ser declarado homossexual, na época em que o Clodovil se declarou, na época em que ele foi ser Deputado, vocês sabem como era, como sofria a pessoa que se dizia homossexual. Hoje vocês têm muitas proteções, eles não tinham.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PASTOR EURICO (PL - PE) - O projeto tem que ser votado.
O SR. PRESIDENTE (Fernando Rodolfo. PL - PE) - Pessoal, eu quero agradecer a presença de todos e dizer que este projeto tem levantado muitos debates, ao longo das últimas semanas, aqui na Câmara. Da mesma forma, como disse o Relator, o projeto não é meu. Sou apenas o Presidente da Comissão, por enquanto. Quando eu me tornei Deputado, em 2019, este projeto já existia, e, assim como ele, nós tínhamos, na Comissão, quase 300 projetos que estavam engavetados.
Para vocês terem uma ideia, nós temos projeto do ano de 2003. Nenhum Deputado que apresenta um projeto nesta Casa quer que o projeto fique 20 anos parado em uma Comissão. Então, foi pensando assim que nós anunciamos, no início do ano, que iríamos colocar em votação todos aqueles projetos que estavam engavetados.
Há duas semanas, talvez o momento de votação deste projeto fosse outro. Hoje, depois de toda essa repercussão, nós não conseguimos prever o resultado dessa votação de amanhã. Portanto, eu já disse aqui ao Deputado Pastor Henrique Vieira que, caso o relatório não seja aprovado, ele será designado Relator e vai fazer como bem entende o seu relatório.
(Palmas.)
E eu imagino que seja o oposto do que está colocado aí, mas essa é uma decisão que vai ser do colegiado, e não do Presidente.
Amanhã, nós iremos para essa reunião, que está marcada para as 10 horas. Todos os Deputados poderão participar, no Plenário 7, amanhã, às 10 horas.
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