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O SR. PRESIDENTE (Jorge Goetten. PL - SC) - Havendo número regimental, declaro aberta a 5ª Reunião Extraordinária do grupo de trabalho destinado a analisar e debater mecanismos e políticas de combate à violência nas escolas brasileiras.
Encontra-se à disposição, na página da Comissão na Internet, a ata da 4ª Reunião, realizada no dia 29 de agosto de 2023.
Informo que a sinopse do expediente recebido encontra-se à disposição na página da Comissão na Internet.
A Ordem do Dia de hoje está dividida em duas partes: audiência pública e deliberação de requerimentos. Durante a parte deliberativa da reunião, não será permitida a participação de Parlamentares por áudio e vídeo no Zoom, nos termos do parágrafo único do art. 2º do Ato da Mesa nº 123, de 2020.
Esclareço que esta audiência pública cumpre decisão do colegiado, em atendimento ao Requerimento nº 3, de 2023, de autoria da Deputada Luisa Canziani, e tem o seguinte tema: A responsabilidade das plataformas digitais na prevenção de ataques e a responsabilidade da mídia na divulgação dos casos.
Recebemos cinco convidados para debate neste painel e contamos com a presença do Deputado Alfredo Gaspar e da Deputada Socorro. Agradecemos a sua presença, bem como a dos assessores e consultores da Casa.
São convidados: Sandro Caron de Moraes, Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública — CONSESP; Alesandro Barreto, Coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública; Marta Avancini, editora pública da Associação de Jornalistas de Educação — JEDUCA; Gustavo Barreto, representante da SaferNet Brasil; e Michele Prado, representante do Monitor do Debate Político no Meio Digital da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo — USP.
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O SR. COORDENADOR (Alfredo Gaspar. Bloco/UNIÃO - AL) - Agradeço a deferência do Presidente, Deputado Jorge Goetten, de Santa Catarina.
O SR. SANDRO CARON DE MORAES - Boa tarde a todos os Deputados, a todas as Deputadas, a todos os presentes.
É um prazer estar aqui com vocês falando um pouco dessa temática da violência nas escolas, questão que, desde o mês de abril, movimentou muito das estruturas de segurança pública dos Estados e Municípios e também do Governo Federal. Acho muito importante que o ocorrido este ano nos traga ensinamentos e que procuremos buscar novas diretrizes para aperfeiçoar o nosso trabalho nessa área.
Como todos acompanharam, nós tivemos uma série de situações de ameaças de violência em escolas, o que foi muito comentado em redes sociais e também em grupos de aplicativos.
Eu queria começar trazendo um pouco dos números do que foi o trabalho aqui no Estado do Rio Grande do Sul. Nós tivemos 763 fatos reportados, apenas no mês de abril, em 176 cidades do Estado. Tivemos um total de 520 ocorrências policiais registradas no mesmo período. E essas ocorrências geraram a instauração de 69 inquéritos policiais, que deram andamento às investigações.
Avançamos sempre procurando agir de forma preventiva, não deixando que nenhuma ameaça viesse a se consumar. Tivemos, no Estado, o cumprimento de 27 mandados de busca e apreensão, com apreensão de 98 celulares e 25 computadores de pessoas suspeitas, de pessoas investigadas. Tivemos a apreensão também de 140 armas brancas no interior de escolas e de 10 armas de fogo. E isso tudo resultou na apreensão de 22 adolescentes e na prisão de 8 maiores de idade.
Então, o Rio Grande do Sul, durante o mês de abril, trabalhou totalmente integrado com outras áreas do Estado, também de Municípios e do Governo Federal. Houve um número muito grande de denúncias. Muitos aplicativos de troca de mensagens foram utilizados para difundir denúncias, e muitas mensagens foram replicadas por todo o Brasil, também pela rede social, o que gerou realmente um clima de muito receio, de muito medo nas escolas aqui no Estado, assim como em todo o Brasil, como vocês acompanharam.
Nós utilizamos como estratégia básica a integração.
Então, nós agimos aqui, no âmbito da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul, com a Polícia Civil e a Brigada Militar. Nós trabalhamos com muita integração com o Ministério da Justiça. O Ministério da Justiça tem o CIBERLAB dentro da sua estrutura, que monitora esse tipo de situação bem como outras questões referentes ao uso de rede social. Nós sabemos que há, aqui na reunião, representante do Ministério da Justiça.
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Só menciono isso para falar que foi muito importante a integração que as Secretarias dos Estados tiveram com o Ministério da Justiça, em especial, com o CIBERLAB. Então, muitas situações suspeitas eram encaminhadas às Polícias de todo o Brasil, que, prontamente, agiam, nunca subestimando nenhum tipo de dado. Todo tipo de informação que chegasse dando conta de possível ameaça às escolas era prontamente investigado.
Houve também uma integração toda especial durante o mês de abril com o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Sei que a mesma situação ocorreu em vários outros Estados da Federação. É claro, naturalmente, já deve haver essa aproximação das Polícias com o Ministério Público dos Estados. Contudo, na temática referente à violência das escolas, essa necessidade foi ainda muito acima do normal porque, via de regra, envolvia menores de idade. É uma área em que essa atuação do Ministério Público é muito importante.
Houve também a integração com os Municípios, em especial, com as Guardas Municipais, que referiam para a Segurança Pública do Estado qualquer tipo de ameaça que estivesse circulando em escolas municipais. Houve uma integração muito grande com a Secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Sul, uma vez que nós víamos duas portas de entrada para esse tipo de informação referente a ataques à escola. Uma era de mensagens que circulavam entre alunos. Então, a Secretaria de Educação tinha esse papel de, prontamente, repassar esse dado às Polícias para que pudessem investigar e checar a veracidade dos dados. Como eu disse aqui, não íamos subestimar nenhum tipo de dado que chegasse. Outra principal fonte de informação era esse trabalho feito pelo CIBERLAB do Ministério da Justiça, que também foi responsável por nos encaminhar muitos dados.
Trabalhamos muito integrados também com a Polícia Federal, cumpre destacar. Houve uma integração dos Municípios, do Estado e dos órgãos do Governo Federal e uma integração de segurança pública com o ambiente escolar. É claro que eu estou falando aqui do que foi feito durante a crise ocorrida no mês de abril, em que houve uma ampliação do número de denúncias, o que causou um ambiente de instabilidade do Estado. Contudo, nós partimos do princípio de que todo informe, de que toda informação que chegasse deveria ser averiguada. Confirmando-se a sua veracidade, partiríamos para o cumprimento de um mandado de busca e apreensão e, até mesmo, para a situação concreta de apreensão de adolescentes ou prisão de pessoas adultas.
Houve um clima de tensão nas escolas. Houve também a praxe, e isso é muito importante, de garantir a normalidade das aulas. Então, a Brigada Militar —, que, no caso do Rio Grande do Sul, é a nossa Polícia Militar —, frequentemente passava e dialogava com a direção de escolas públicas e particulares, referindo a importância de prosseguimento normal das aulas. Nós reforçamos o policiamento, é claro, fora das escolas, mas nas suas imediações, aqui no Rio Grande do Sul.
Foi disponibilizado inclusive um recurso para horas extras pelo Governo do Estado. Também conseguimos, durante um número muito grande de dias do mês de abril, colocar mais 2 mil integrantes da Polícia Militar nas ruas, com ênfase no patrulhamento de áreas escolares. Isso tudo ocorreu para garantir aos professores e aos alunos a continuidade das atividades, enquanto a polícia fazia o seu trabalho, que era exatamente o de investigar dados que chegassem para confirmar a veracidade, o que procedia.
Infelizmente, muitas pessoas se aproveitaram daquele momento de receio e de medo para difundir mensagens de pânico, exatamente com a intenção de prejudicar o funcionamento das aulas, a aplicação de provas. Então, tivemos um trabalho extra muito grande.
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Mas acho que o grande legado que ficou para as polícias nesse período foi essa necessidade de integração. Menciono que, com a integração que eu comentei aqui, no Rio Grande do Sul, criou-se praticamente uma permanência de troca de mensagens entre os órgãos daqui e troca de dados e informações entre os órgãos que citei. É claro que hoje há um número muito menor de dados que chegam referentes a ataques e ameaças a escolas. Contudo, essa estrutura de integração se manteve, assim como com o Ministério da Justiça.
Também vejo como muito importante que ficou, em todos os Estados, o avanço em atividades de acompanhamento de ações em rede social. Como eu disse, essa é uma das principais portas de entrada de informações a respeito de ameaças a escolas. Em linhas gerais, foi um trabalho realizado aqui, no âmbito do Rio Grande do Sul, totalmente integrado a outros órgãos.
Durante o mês de abril, também houve algumas reuniões do Ministério da Justiça com plataformas de Internet, o que melhorou o fluxo de informações e de dados, agilizando e acelerando a venda de informações para as investigações. Contudo, sempre tivemos muito claro que trabalhamos aqui, no Rio Grande do Sul, com a situação de que essas ameaças a escolas exigiam não só uma ação da segurança pública, mas também uma ação das escolas e das famílias no sentido de que cada um dos pais possa fazer o acompanhamento do tipo de conteúdo que seus filhos acessam e difundem via rede social. Isso reforçou a ideia de que, para essa situação, tem que haver, sim, uma ação da segurança pública e uma ação também das escolas e das famílias, todos com uma responsabilidade compartilhada.
Em linhas gerais, eram essas as contribuições que eu teria a destacar, reforçando que, no caso do Rio Grande do Sul, nós não subestimamos nenhum tipo de dado que chegou.
Para finalizar, tivemos aqui também um apoio muito grande da imprensa gaúcha, uma vez que, nos primeiros dias do mês de abril, as pessoas recebiam mensagens dando conta de ataques a escolas e as difundiam. Através da imprensa gaúcha, demos várias entrevistas informando aos pais que não era interessante compartilhar esse tipo de mensagem. Se recebessem um dado desses, eles deveriam encaminhá-lo aos órgãos de segurança pública. Então, a imprensa nos ajudou a fazer esse trabalho de orientação.
Em razão disso, conseguimos focar a nossa energia e a nossa capacidade de investigação para investigar os fatos e conseguimos reduzir a disseminação de fake news durante o mês de abril.
Então, eram essas as contribuições que eu teria para fazer.
Sigo aqui à disposição. É um prazer poder participar deste evento.
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O SR. PRESIDENTE (Alfredo Gaspar. Bloco/UNIÃO - AL) - Agradeço a importante participação do senhor.
Convido o Alesandro Barreto, Coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas da Diretoria de Operações Integradas e Inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para fazer a sua exposição por 10 minutos, agradecendo-lhe desde já pela presença.
O SR. ALESANDRO BARRETO - Boa tarde, Sras. e Srs. Deputados e todos os presentes. Vou tentar ser bem objetivo.
Eu coordeno o Laboratório de Operações Cibernéticas. A nossa função aqui no laboratório é dar apoio às polícias estaduais, principalmente na investigação de crimes praticados na Internet.
O que vimos acompanhando? Desde 2018, trabalhamos proativamente e reativamente com informações sobre possíveis ataques a escolas. E, de lá para cá, eu asseguro aos senhores e às senhoras que vidas foram salvas com as informações que são repassadas. E, como bem falou o Secretário Sandro, cada informação que chega tem que ser checada. Desde então, vimos fazendo esse trabalho.
O que nos chamou a atenção? Com a proximidade de abril de 2023, houve um aumento de perfis e de possíveis ataques, foi um crescimento exponencial. Tivemos um abril terrível; mas o Secretário Sandro falou bem sobre o que foi crucial, há uma palavra para isto: integração. As polícias trabalharam em rede e conseguiram minimizar vários ataques.
Então, o que houve em abril? O efeito contágio. Isso está até lincado com a audiência. Várias pessoas começaram a criar perfis. Houve um aumento de perfis com fotos de atacantes e de criminosos que praticaram massacres anteriores em escolas, um aumento considerável. Criaram perfis com assassinos, 500 perfis, 600 perfis. Eu tenho o caso de uma pessoa que criou mais de 200 perfis numa rede social com um mesmo computador.
O que houve? No meio do caminho, houve muitas fake news, como bem falou o Dr. Sandro. Houve o caso em que uma pessoa pegou um vídeo de uma explosão num supermercado e o colocou como sendo de um ataque a uma escola, pedindo para ninguém ir para escola. Então, aproveitou esse momento de maneira irresponsável.
O que nos preocupa, Sras. e Srs. Deputados, é a quantidade de perfis que planejavam algo. Se não fosse essa atuação incisiva das polícias e da sociedade civil organizada, realmente o problema teria sido maior.
Mas como houve essa reação? O que foi interessante? O trabalho em rede.
Então, o CIBERLAB coordenou a Operação Escola Segura, junto com as polícias estaduais e as secretarias, e começou a trabalhar em rede para evitar que o Rio Grande do Sul fizesse um pedido que o Ceará já tinha feito. Portanto, evitamos muito esse retrabalho.
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Por outro lado, o Ministério atuou chamando as plataformas à responsabilidade delas. Algumas plataformas já ajudavam bastante e passaram a ajudar mais; outras não queriam cooperar de forma alguma e começaram a cooperar.
Eu asseguro aos senhores que foram muitos os avanços na parte repressiva, mas na parte preventiva pode ser feito mais. E o primeiro ponto que falo para os senhores é o seguinte: as plataformas têm tecnologia, por exemplo, para identificar quando um usuário cria diversas contas no mesmo telefone ou no mesmo computador. E elas, ao invés de derrubarem só uma conta, podem derrubar várias, pode ser por machine cookies, pode ser aperfeiçoando o algoritmo. É inconcebível, Deputados e Deputadas, que se utilize uma foto de um criminoso para criar um perfil! Algumas alegam que isso vai ferir a política de privacidade ou os termos de serviço delas e colocam o termo de serviço como algo absoluto. Acho que é um bom caminho colocar o algoritmo, a inteligência artificial e aperfeiçoar a questão de machine cookies para evitar que outras contas sejam criadas por usuários, literalmente banindo-os. Isso é outro ponto relevante. Então, esse trabalho preventivo das big techs é muito importante.
Ocorreu um fato que eu trago para as senhoras e para os senhores bem relevante. Alguns grupos de empresas de jornalismo começaram a dizer: "Não vamos dar notoriedade ao criminoso". Quando começou essa notícia a circular, alguns policiais disseram: "Ufa! Que notícia boa!" O que nós temos visto, senhoras e senhores? Vários criminosos são contagiados por malucos que fazem massacres. Então, pegam aquela ideia, circulam em fóruns e redes, assimilam aquilo e querem notoriedade. O criminoso não pode ter notoriedade. Há que se dar notoriedade àquele herói que entrou na escola e impediu um massacre. Há que se dar notoriedade às vítimas, às famílias, aos sobreviventes.
Pode ser que algumas empresas falem que há o interesse jornalístico acima de tudo. Na minha visão, não sei se estou correto ou não, o interesse jornalístico é até o de identificar o agressor, mas nada de publicar foto dele. Vemos muitos exemplos, como ocorreu na Nova Zelândia, em que a Primeira-Ministra deu uma entrevista, foi clara e disse: "Não vamos divulgar. Não vamos dar publicidade a ele". Isso é crucial, mas não só isso.
Temos que ir um pouquinho além dos órgãos de divulgação, temos que trabalhar bem a questão do próprio usuário, de não permitir que ele divulgue esse tipo de conteúdo. Então, o usuário vai replicar isso na rede social dele ou em aplicativo de mensageria.
Isso é terrível para nós. Eu não sei se algum outro país do mundo já legislou sobre isso, mas para nós, policiais, é muito importante que o criminoso não tenha esse espaço, não tenha a sua foto divulgada e não seja idolatrado por terceiros. Eu acho que é muito importante que não haja isso.
Por fim, eu posso trazer algumas sugestões. A legislação americana tem um dispositivo chamado solicitação emergencial. Toda vez que alguém está em perigo na Internet, as informações para identificar o agressor têm que ser fornecidas independentemente de ordem judicial e num prazo rápido. Eu asseguro às senhoras e aos senhores que pedimos algumas informações a empresas estrangeiras que tinham perfis que estavam planejando ataques e tivemos um delay, às vezes, de 8 minutos para a resposta, e essa resposta foi importante para salvar vidas.
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As senhoras e os senhores precisam ter ideia de como o ser humano é mau. Nós auxiliamos o Ministério Público de Santa Catarina numa operação chamada Pessinus. Eu já tenho 22 anos como delegado de polícia e asseguro a vocês que, nesses 22 anos, o ser humano mais perverso que eu já tive condições de ver foi o alvo dessa investigação. A maldade que esse adolescente de 13 anos planejava e arquitetava em redes sociais era algo terrível.
Fechando minha fala, quero dizer que, muito embora trabalhemos com o lado repressivo, a prevenção é mais importante.
Secretário Sandro, nós tivemos diversos casos em que o papai e a mamãe só sabiam o que seu filho estava fazendo na Internet quando a polícia fazia a apreensão do adolescente ou a busca e apreensão na residência. O papai e a mamãe deixam o filho dentro de casa trancado várias horas por dia e acham que ele está seguro. Na verdade, talvez ele esteja muito mais inseguro do que se estivesse na rua. Então, eu acho que precisamos trabalhar muito bem o lado preventivo. Isso é mais importante.
O SR. PRESIDENTE (Alfredo Gaspar. Bloco/UNIÃO - AL) - Agradeço ao Sr. Alesandro Barreto a importante contribuição.
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Eu ia utilizar uma apresentação de eslaides, mas o meu computador apresentou um probleminha. Então eu vou apenas ler o material, não vou colocá-lo na tela. Depois eu compartilho com vocês a apresentação que eu utilizaria.
Eu começo trazendo para vocês informações do que é a JEDUCA. A Associação de Jornalistas de Educação foi criada em 2016 por um grupo de jornalistas que já está há muito tempo na cobertura de educação, com o objetivo de contribuir para qualificar esse tipo de cobertura. Por que isso? Porque a educação é uma pauta estratégica para o País. Então, desde 2016, nós vimos desempenhando esse trabalho, com uma série de atividades, inclusive a realização de congressos.
Nós realizamos um congresso anual. Inclusive, acabou de acontecer o 7º Congresso da JEDUCA, na semana passada, um congresso que teve como um dos temas de destaque justamente os ataques contra as escolas. Houve três Mesas de debates sobre esse assunto. Nós fazemos também cursos, editais de premiação, uma série de atividades.
Por que nós entramos neste debate neste ano? Eu acho que as duas apresentações que me precederam dão muito o cenário do que nós vivemos a partir do final de março deste ano no Brasil. Houve um primeiro ataque numa escola de São Paulo. Cerca de 10 dias depois, houve um segundo ataque a uma creche. Nesse movimento foi que a JEDUCA começou a se mobilizar.
Na verdade, este é um tema que já fazia parte da nossa pauta, pelo menos desde 2019, quando aconteceu o ataque em Suzano. Nós publicamos uma série de orientações baseadas em evidências científicas, em pesquisas que são realizadas, sobretudo nos Estados Unidos, onde esse tipo de episódio é bem frequente.
Baseados nesses estudos e em consonância, digamos, com a nossa missão de contribuir para a qualificação da cobertura jornalística, nós soltamos algumas orientações — elas estão disponíveis no nosso site; depois eu posso compartilhá-las com vocês, se houver interesse —, chamando a atenção justamente para a delicadeza — e eu acho que essa não é uma palavra inadequada nesse contexto — da cobertura de um episódio como esse, de tamanha violência, que agride uma comunidade escolar, o que envolve estudantes jovens, adolescentes e crianças, famílias, professores e a comunidade do entorno. E temos essa preocupação por se tratar de educação e por haver tantas evidências científicas do efeito de contágio, mostrando que existe uma associação — e essa palavra é muito importante, porque nós não estamos falando aqui de uma relação de causa e efeito, nós estamos falando de associação — entre a maneira como a mídia cobre, a maneira como a mídia noticia esses fenômenos, esses acontecimentos, e a ocorrência de casos de novos episódios de ataques nos dias ou nas semanas após a notícia. São inúmeros os estudos que mostram isso. Inclusive, aqui no Brasil, sem querer tirar o mérito de outras pesquisas, de outros estudos que existam, eu destacaria que existem trabalhos sobre isso que são feitos.
E nós usamos muito esses trabalhos como referência nos nossos materiais de divulgação, que são baseados em pesquisas. Nós usamos muito, por exemplo, o trabalho da equipe da Profa. Telma Vinha, da UNICAMP, que há muitos anos trabalha com este tema.
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Eu vou trazer alguns números bem gerais aqui que ajudam a dimensionar o problema e eu acho que complementam muito esse cenário que trouxeram o Secretário do Rio Grande do Sul e o senhor que falou antes de mim, o coordenador do laboratório de monitoramento da Internet.
Nos últimos 21 anos, houve 22 ataques em escolas no Brasil, cometidos por estudantes e ex-estudantes. Esses dados são até abril. Acho que eles não estão 100% atualizados, mas eles nos ajudam a dimensionar e a entender o fenômeno.
As vítimas fatais foram 23 estudantes, 5 professoras, 2 profissionais de educação e 5 atiradores, que se mataram. Um dado que chama muito a atenção nesse levantamento que a Profa. Telma fez — e outros estudos também mostram isso — é a concentração desses ataques a escolas nos anos de 2022 e 2023. Basicamente metade desses ataques aconteceram nesse período. Ou seja, vínhamos num ritmo e, de repente, há realmente uma explosão, que é evidenciada, que é contabilizada por estudos, por pesquisa científica. Tudo isso, como eu já disse, está à disposição e eu vou compartilhar depois com vocês.
Há também outro estudo muito importante que nos ajudou a orientar o nosso material. É um relatório que foi produzido também por pesquisadores, coordenado pelo Prof. Daniel Cara, da USP. Esse relatório mostra a relação entre o extremismo de direita entre adolescentes e jovens e os ataques contra as escolas. Esse estudo foi amplamente divulgado e está disponível. Ele mostra que esses ataques estão associados.
O que motiva esses estudantes e ex-estudantes a fazerem esses ataques a outros estudantes? Isso está associado a bullying, a situações de exposição. Existe um perfil já delineado que mostra que são jovens brancos, adolescentes. Esses jovens acabam sendo alvo de cooptação de discursos de extrema-direita na Internet. Há grupos dentro da Internet que funcionam dentro dessa dinâmica da violência, de uma perspectiva de mundo de extrema-direita, de misoginia e que propaga essa violência.
É muito importante considerarmos, e isso os estudos têm mostrado recentemente, que esses fenômenos mais recentes de ataques contra escolas estão diretamente relacionados com essa articulação com comunidades mórbidas.
E essas comunidades mórbidas, segundo os pesquisadores, não estão mais na deep web, ocultas na Internet. Muito pelo contrário, são grupos que funcionam na superfície da Internet, em plataformas que todos nós utilizamos todos os dias, como WhatsApp, Instagram, TicToc, Telegram, etc.
Uma coisa para a qual eu acho sempre muito importante chamar a atenção, quando falamos deste assunto, é que temos que separar um pouco as coisas. Temos a violência contra a escola, que são esses ataques violentos; temos a violência na escola, que são atos, agressões, enfim, coisas que acontecem dentro do ambiente escolar; e temos a violência praticada pela escola, muitas vezes, que é a violência institucional. Então, eu reforço aqui: quando falamos de ataque violento contra escolas, não estamos falando de violência escolar, não se trata da violência na escola, e isso as pesquisas enfatizam muito. Nós estamos tratando de violência contra a escola.
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Por que eu estou dizendo tudo isso? Porque são esses os parâmetros de pesquisa, de investigação científica que orientam o posicionamento público da JEDUCA, um posicionamento de recomendação. Nós não estamos determinando ou obrigando os veículos a trabalharem numa linha ou em outra.
Eu achei muito significativo, muito interessante o que o senhor que falou antes de mim trouxe do laboratório do Ministério da Justiça, ao dizer que, quando a imprensa começou a se posicionar, isso trouxe certo alívio para a polícia, porque, realmente, pelo que eu estou percebendo e pelo que os senhores estão trazendo, quem está na linha de frente, no dia a dia da atuação policial, consegue perceber essa relação que caracteriza o efeito contágio, ou seja, o efeito da divulgação, da exposição do agressor, da divulgação dos detalhes dos ataques, porque muitas vezes muitos dos conteúdos produzidos pela mídia, pelos jornais, pela TV, acabam na Internet. Hoje não se pode falar de comunicação sem se falar de Internet.
Muitas vezes, a lógica da Internet, como, por exemplo, aquele processo de divulgação de vídeos curtos, de repetir, de enfatizar, de chamar a atenção para cenas fortes, marcantes, que mexam com a emoção, acaba contaminando muitos veículos, que trabalham dentro dessa mesma dinâmica, que não é originalmente típica dos veículos de comunicação, mas é uma dinâmica da Internet.
Então, nós, primeiro, defendemos que a imprensa tem que fazer o seu papel. O nosso papel é construir e divulgar informação bem apurada, bem construída, porque nós temos um lugar no debate público da sociedade, porque nós temos uma responsabilidade social com o que divulgamos. E essa responsabilidade, a nosso ver, acentua-se quando nós estamos falando de educação, quando nós estamos falando de escola, quando nós estamos falando de professor, quando nós estamos falando de aluno, quando nós estamos falando de criança.
Nunca podemos nos esquecer de que nós estamos falando de direitos, de que nós estamos falando de um espaço onde se materializa a socialização.
A escola é o primeiro espaço de socialização da criança, depois da família. Então, isso tudo é muito importante.
Eu estou trazendo essas coisas que não são reflexões típicas do jornalismo, mas que ajudaram a nos orientar nesse processo.
Eu não sei exatamente de quanto tempo eu disponho, porque eu não estou enxergando direito o cronômetro.
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A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PSD - PR) - O seu tempo já terminou, Marta.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PSD - PR) - Obrigada a você pelas contribuições e pelas reflexões trazidas. Muito obrigada, em nome do Deputado Jerônimo e também do nosso Grupo de Trabalho.
(Segue-se exibição de imagens.)
Para quem não conhece a SaferNet Brasil, nós somos uma organização não governamental, que atua há mais de 17 anos na defesa de direitos humanos na Internet. Desde 2005, somos responsáveis por uma central nacional de denúncias de violações contra direitos humanos, em cooperação com o Ministério Público Federal e a Polícia Federal. Através desse canal, é possível realizar denúncias anônimas de crimes como racismo, violência sexual contra criança e adolescente, misoginia, neonazismo, entre outros.
Somos membros de três redes internacionais, porque para enfrentar esse tipo de violação é necessária uma atuação transnacional. Somos membros da rede Hotlines de linhas de denúncias, a INHOPE — International Association of Internet Hotlines, que atua em mais de 40 países. Somos também parte da rede europeia Insafe, que realiza o Dia Mundial da Internet Segura, e desenvolvemos essa programação aqui no Brasil. E somos membros de uma rede internacional de canais de ajuda para violências vividas por crianças e adolescentes na Internet.
Esses são alguns indicadores que podem ser consultados através do link que aparece na imagem. Nesses 17 anos, foram realizadas quase 5 milhões de denúncias, e mais de 36.600 pessoas foram orientadas por nosso canal de ajuda.
Esse mapa também está disponível na nossa página. Nele você consegue olhar o tipo de conteúdo que foi denunciado e o ano.
Esses dados são do último ano, 2022. Eles mostram crescimento de todos os conteúdos relacionados com discursos de ódio, exceto o neonazismo, porque, nos últimos 2 anos, tivemos uma explosão de denúncias relacionadas à propagação de conteúdos neonazistas. Esse discurso de ódio cresceu no último ano por ter sido um ano de eleição. E sabemos que o discurso de ódio é um gatilho para a população em meio ao processo eleitoral.
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Ao abordar o tema da prevenção da violência nas escolas e contra as escolas, nós entendemos que há um continuum entre a violência no ambiente off-line e as violências no ambiente on-line. Então, uma coisa retroalimenta a outra, uma é um continuum da outra.
Observamos inclusive, nos últimos eventos relacionados a ameaças de ataques às escolas, que muitos desses conteúdos iam parar na Internet e acabavam produzindo o que chamamos de efeito contágio, influenciando outras pessoas a ameaçarem ou mesmo a cometerem atos semelhantes.
Além disso, a Internet é um espaço onde há, sim, a coordenação de atos e de ataques para desestabilizar, para gerar caos e para, de alguma forma, minar o diálogo e a capacidade das pessoas de agirem de acordo com valores dos direitos humanos.
Por isso é importante que seja colocada em prática a legislação, como o Marco Civil da Internet, que estabelece a responsabilidade das escolas e do poder público para uma educação que promova o uso seguro e responsável da Internet, a Lei de Prevenção ao Bullying, a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio e, mais recentemente, a lei que instituiu a Política Nacional de Educação Digital. Todas essas leis são instrumentos importantes para a prevenção das violências contra as escolas. Portanto, é importante entender como podemos aplicá-las, os desafios relacionados à sua implementação e as avaliações possíveis.
Também é importante compreender que a prevenção da violência envolve o letramento digital. Como a escola pode realizar um programa mais transversal de uso consciente e ético da Internet? A escola precisa se apropriar disso e colocar em prática um programa de prevenção que envolva as ocorrências de violência on-line relacionadas com toda a comunidade escolar e ter protocolos para agir diante desses casos, envolvendo a criação de redes de apoio na própria escola e a conscientização de toda a comunidade escolar, o que envolve familiares e a comunidade onde se encontra aquela escola.
Segundo a pesquisa TIC Educação 2022, lançada nesta semana, os professores tiveram menos treinamento para uso das tecnologias digitais. De 2021 para 2022, a porcentagem de professores que reportaram ter passado por alguma formação continuada sobre o uso de tecnologias digitais se reduziu de 65% para 56% dos profissionais. Esse dado nos aponta a necessidade da ampla formação continuada dos profissionais de educação para o enfrentamento dos desafios de uma sociedade conectada. E é preciso que essa formação seja progressiva.
Dos dados da TIC Educação 2022, também é revelada a importância das escolas e dos educadores no apoio a estudantes no enfrentamento de situações sensíveis ocorridas na Internet. De acordo com a pesquisa, 61% dos professores afirmaram ter apoiado alunos nesses casos. Entre os motivos pelos quais os professores foram procurados estão o uso excessivo de jogos e tecnologias digitais; o cyberbullying; a discriminação; a disseminação e o vazamento de imagens sem consentimento; e o assédio.
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17:00
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Alguns desses números cresceram absurdamente entre 2021 e 2022, em alguns casos, dobrando, como ocorre com o vazamento de imagens sem consentimento. Assim, podemos considerar que as escolas e os professores têm lidado mais com esses temas no dia a dia, mas não têm o preparo e o respaldo suficiente para compreender essas situações sensíveis ocorridas na Internet que envolvem os estudantes e a própria escola.
Queria apresentar também alguns dos projetos da SaferNet para a promoção da cidadania digital e da educação digital. Nós temos a disciplina chamada cidadania digital, uma disciplina eletiva com carga de 40 horas, desenvolvida para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio, na qual pode ser discutida a questão da cidadania digital com estudantes e professores. A SaferNet realiza a formação desses professores e disponibiliza essa cartilha. Esse programa foi feito em parceria com a Embaixada britânica no Brasil.
Também temos o guia para criadores de conteúdo. Esse guia tem orientações sobre como um digital influencer, como uma pessoa que promove conteúdos na Internet, nas redes sociais, pode lidar com esses momentos de ataque contra as escolas, sem espalhar o pânico nesse espaço.
Outro exemplo de projeto desenvolvido pela SaferNet, agora em parceria com o Ministério da Justiça, foi o Escola Segura, por meio do qual desenvolvemos um canal de denúncias para se encaminharem informações sobre possíveis ameaças e ataques contra as escolas na Internet.
Também foi desenvolvida, em parceria com o MEC, a cartilha Escolas Protegidas. Nós possuímos ainda o programa Cidadão Digital, em parceria com a Meta, por meio do qual procuramos promover uma educação para a cidadania digital com estudantes jovens e adolescentes. Esse programa já impactou mais de 177 mil estudantes em todo o País desde 2020.
Esse é o nosso canal de ajuda, onde adolescentes e jovens podem buscar orientação em caso de situações de violência on-line. E esse é o nosso canal de denúncias, onde se pode denunciar esses crimes que atentam contra os direitos humanos na Internet.
Para concluir, eu gostaria de dizer que acredito que seja necessário pensarmos os adolescentes e os jovens como sujeitos de direito dentro e fora da Internet, priorizando uma educação para a cidadania digital, para que eles se compreendam enquanto agentes capazes de colocar em prática a cidadania em espaço virtual, pensando num uso seguro, responsável e ético de suas ações e pensando também em toda a comunidade que está no seu entorno.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PSD - PR) - Eu é que lhe agradeço a gentileza, Gustavo, e as informações trazidas. Muito obrigada pela participação.
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A SRA. MICHELE PRADO - Prezados, boa tarde. Obrigada pelo convite. É uma honra estar aqui e poder colaborar com um assunto tão urgente e tão importante que precisamos enfrentar.
É com grande preocupação que nós trazemos à mesa de discussões a temática da radicalização on-line, do extremismo e do terrorismo on-line, bem como a necessidade urgente de regulamentação das plataformas digitais, especialmente quando estamos falando do campo do extremismo violento e do terrorismo on-line.
Ao longo dos últimos anos, nós temos testemunhado a triste realidade da crescente influência das mídias sociais e da Internet na propagação de ideologias extremistas e no fomento a atos de violência direcionada em massa. Os avanços tecnológicos e o cada vez mais facilitado acesso à Internet conferem às redes sociais um poder de alcance e persuasão que modifica inclusive governos, estruturas sociais e até mesmo a própria ordem social dos países. E isso tem sido explorado por agentes maliciosos, criminosos e adeptos de ideologias radicais.
Por meio de algoritmos, conteúdos extremistas e propagandas ideológicas nocivas são disseminados indiscriminadamente. A pessoa não precisa mais procurar esse conteúdo. Ele chega à pessoa, alcançando uma audiência global. Também não há mais limites físicos ou um perímetro físico para interromper as atividades de agentes extremistas e agentes terroristas. Nós não temos mais um perímetro físico que deixe esses indivíduos restritos a determinado ambiente. Hoje, na Internet, o que se posta aqui é lido na Finlândia, por exemplo, no mesmo minuto.
Esse ambiente todo, essa indiscriminação nas plataformas, a falta de moderação, a falta de um controle maior dos conteúdos amplificam esses agentes para uma audiência global e criam um ambiente propício para a radicalização de indivíduos que apresentam maior vulnerabilidade — no nosso caso, crianças, pré-adolescentes e adolescentes.
Nesse contexto, temos presenciado um aumento alarmante nos atentados de violência direcionada e extremismo violento em ambiente escolar aqui no Brasil, perpetrados por jovens influenciados e radicalizados — a misantropia extrema é a principal característica entre esses agressores — por ideologias extremistas. Essas tragédias têm ceifado muitas vidas, claro, o que gerou pânico generalizado entre pais, estudantes, educadores e as próprias instituições democráticas, e não sem razão.
Muitas dessas crianças e jovens dentro do ambiente on-line têm encontrado uma falsa sensação de pertencimento, especialmente no que se refere às subculturas on-line nocivas. As ideias a que são expostos não recebem nenhum tipo de contraponto crítico nem mesmo a moderação das próprias plataformas. Por isso, nós consideramos imprescindível que o debate sobre a regulamentação das plataformas on-line esteja em pauta neste momento.
As empresas de tecnologia devem ser responsabilizadas por garantir que seus produtos e serviços não sejam utilizados como ferramentas para propagar o ódio, o extremismo e o terrorismo. Devem ser implementados mecanismos de controle mais efetivos — sabemos que não é fácil esse campo —, como a identificação e a remoção de conteúdos que incitam a violência ou propagam terrorismo on-line.
Já há alguns anos temos alertado a respeito da tendência de crescimento em âmbito global da autorradicalização on-line e da conexão direta entre os atentados violentos em ambiente escolar e as subculturas on-line nocivas que estão disseminadas em provedores de serviços on-line, como as plataformas big e alt-techs.
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Ano passado, iniciamos a colaboração com agências de segurança, como a Secretaria de Segurança Pública daqui do Estado da Bahia, para um trabalho preventivo de capacitação diante dos desafios complexos do cenário do extremismo e do terrorismo on-line.
Também mantemos até hoje comunicação, por exemplo, com a mãe de um agressor que nos procurou no ano passado, para tentar entender o que havia feito o filho dela realizar aquele ato horrendo. Essa pessoa específica, essa mãe, tem 2 filhos gêmeos. Eles são gêmeos. O agressor, que está preso, tem um irmão gêmeo. Eles receberam os mesmos cuidados, a mesma educação, frequentaram a mesma escola, receberam o mesmo carinho, no entanto, só um desses indivíduos, só um dos filhos, radicalizou-se e cometeu o atentado frustrado, felizmente.
A maioria dos pais da sociedade civil não tem ainda acesso a ferramentas que possibilitem a eles reconhecer os sinais de radicalização on-line para que possam intervir antes do desfecho pior. Este é um dos campos em que nós vamos ter que atuar, na prevenção e no combate ao extremismo violento e ao terrorismo doméstico.
E as pessoas que são mais próximas desses adolescentes e dessas crianças são as que, na verdade, são as mais capacitadas a reconhecer esses sinais, sejam professores, sejam a mãe, o pai, um amiguinho, um colega, uma comunidade esportiva, o time ou a igreja. As pessoas mais próximas são as mais aptas a reconhecer esses sinais.
Voltando para a radicalização on-line, que acho que é o tema principal aqui do nosso debate, uma pesquisa efetuada pelo Ministério da Justiça do Reino Unido, realizada entre indivíduos presos por crimes de extremismo violento ideologicamente motivados e terrorismo, indicou que 92% desses indivíduos se autorradicalizaram em ambiente on-line. E foi uma modificação expressiva do cenário, porque, até então, os índices indicavam uma paridade entre a radicalização off-line, ou seja, no mundo real, ou híbrida, onde se juntavam a radicalização on-line e a off-line. No entanto, esse número mudou. Hoje, 92% desses indivíduos presos no Reino Unido se autorradicalizaram de forma on-line.
Há outra pesquisa mais recente, efetuada pelo START, um consórcio contra o extremismo e o terrorismo, baseado nos Estados Unidos. Eles fizeram uma pesquisa baseada num banco de dados público — inclusive, nós precisamos ter um assim aqui no Brasil — de perfis de radicalização individual. Foram analisados 5 mil indivíduos, das mais variadas ideologias extremistas e crenças, e o resultado foi que 96% dos indivíduos se radicalizaram de forma on-line.
Em relatório publicado pela organização público-privada Tecnologia contra o Terrorismo, foram indicados 198 sites operados por terroristas extremistas violentos. Esses sites promovem — e são sites, não são plataformas — ideologias como o neonazismo, o aceleracionismo insurrecional violento de extrema-direita, o jihadismo salafista e a ideologia INCEL. E dessa análise dos sites qual foi o resultado? Dos 101 sites que foram analisados pela Tecnologia contra o Terrorismo, 101 são operados por grupos extremistas violentos ou terroristas de extrema-direita; 79 são operados por grupos extremistas islâmicos sunitas ou terroristas; e 18 são operados por extremistas ou terroristas islâmicos xiitas violentos.
O novo cenário do extremismo violento e não violento do terrorismo on-line enfrenta imensos desafios, diante da estrutura pós-organizacional. O que seria essa estrutura pós-organizacional?
Não existe, na maioria dos casos, hoje, uma hierarquia verticalizada, como acontecia antes com os grupos terroristas. Se na primeira década deste milênio, entre 2001 e 2010, esses grupos terroristas extremistas agiam com uma hierarquia vertical centralizada — um líder, um soldado e os outros, dentro de uma escala de hierarquia —, hoje isso não ocorre mais. A estrutura é totalmente horizontal. Não há hierarquia verticalizada. Essa é a proposta organizacional do extremismo contemporâneo.
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E isso tudo é facilitado pela oferta de plataformas de comunicação digital, que, eventualmente, são criptografadas, criando espaços mais seguros para esses agentes, com pouco ou nenhuma moderação. E há políticas e protocolos de segurança frágeis, em muitas dessas plataformas. Além disso, muitas vezes, as plataformas não apresentam colaboração com as agências de segurança e com os governos dos países. Então, torna-se um ambiente totalmente propício para a amplificação e a disseminação de teologias nocivas extremistas, chamadas para a violência, para a ação violenta, e até criação de novas plataformas que são feitas especificamente para o extremismo violento e para o terrorismo on-line.
Então, o que nós enfrentamos hoje? O extremismo violento, o terrorismo on-line pós-organizacional, nesse ambiente, agora, pós-digital, é um desafio em escala global devido à sua descentralização, sem definição clara de hierarquias verticalizadas, com redes extremistas horizontais, conectadas inclusive transnacionalmente. Muitas vezes, nem apresentam a filiação explícita a organizações, movimentos ou grupos terroristas proscritos, que já são de conhecimento das agências supranacionais e das próprias agências de segurança pública dos países. Eles se valem de todo esse cenário.
Para a influência e o direcionamento à ação violenta, nesse ambiente digital, eles usam muitas vezes de ambiguidade, fluidez, recursos estéticos e textuais, audiovisuais e, muitas vezes, com conteúdo extremista não violento, o que chamamos de conteúdo borderline ou limítrofe, que é muito mais difícil de ser monitorado, moderado, e é difícil até mesmo conseguirmos indicar que aquele conteúdo vai, potencialmente, causar uma ação de violência extrema direcionada no ambiente físico.
Então, hoje, a grande constelação de alvos potenciais desses indivíduos que se radicalizam no extremismo, independentemente da corrente ideológica, é muito maior do que era antes, 10 anos atrás. Hoje, a constelação envolve desde grupos minoritários — mulheres, judeus, população não branca —, até elementos de infraestrutura, como a rede elétrica e torres de 5G. Então, há um amplo campo de alvos desses grupos, e existe um risco potencial de violência direcionada.
Quando falamos especificamente sobre os atentados que têm ocorrido em ambientes escolares no Brasil, uma das principais coisas para a qual nós estamos há muito tempo alertando e direcionando agências de segurança pública e a própria sociedade civil, é o tangenciamento que acontece entre diversas subculturas on-line propagadoras de conteúdos extremistas, que ampliam o potencial para a autorradicalização on-line, o que incide principalmente sobre grupos mais vulneráveis, como crianças, pré-adolescentes, jovens e adultos acima de 60 anos também, que substituem seus contatos sociais por contatos somente parassociais.
Nesse caso, podemos falar do extremismo antigovernamental, por exemplo, que atinge principalmente pessoas mais velhas.
As câmaras de eco que se formam nesses espaços impedem a exposição das opiniões divergentes e potencializam a entronização de conceitos nocivos, mitos da conspiração e uma galáxia de queixas, que podem ser legítimas ou somente autopercebidas e compartilhadas, aumentando o potencial para a violência direcionada contra alvos como crianças, adolescentes em ambiente escolar, meninas e mulheres, comunidade LGBTQIA+, comunidade judaica, população afrodescendente, políticos e personalidades públicas, jornalistas e minorias religiosas, além de órgãos e espaços de infraestrutura elétrica, hidráulica e órgãos de poder.
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A filiação a esses grupos, por exemplo, desses adolescentes que estão envolvidos nesses episódios de atentados, nem sempre é explícita, com uma ideologia extremista clara e sólida. Essa filiação às vezes é mais vaga e fluida. A cola que os liga é muito mais relacionada ao compartilhamento de tropos culturais, de marcadores estéticos e aspectos específicos das ideologias extremistas, e eles as adaptam a suas próprias queixas autopercebidas. Então, isso facilita a transnacionalidade e a interconexão desses indivíduos, organizações e grupos entre os mais variados países.
Por exemplo, máscaras como a skull mask e a máscara siege, esta utilizada em grande parte dos atentados aqui no Brasil, são máscaras que, na verdade, surgem de um coletivo transnacional neonazista e aceleracionista e foram disseminadas para outros países como marcadores estéticos culturais.
Entendemos que a radicalização ocorre, na maior parte, de forma horizontal. Esses adolescentes se radicalizam mutuamente quando estão dentro desses ambientes, desses espaços on-line. Porém também há evidências de adultos aliciadores e recrutadores que atuam no ambiente on-line, incluindo as comunidades relacionadas à indústria gamer, que ainda não está sendo observada no PL que está em tramitação.
É importante considerar que os ambientes dos atentados de extremismo violento ideologicamente motivado podem se ampliar para outros espaços além de escolas. Pode haver ampliação para outros alvos públicos, como praças (ininteligível), além das próprias escolas, como tem ocorrido.
Uma semana antes do atentado à creche em Blumenau, por exemplo, nós do grupo Monitor sinalizamos para os setores de segurança pública o alto potencial de risco para ampliação de alvos e alertamos que creches e escolas de ensino fundamental 1 e 2 seriam os alvos preferenciais, pela sua vulnerabilidade. A sinalização ocorreu após a captura de evidências empíricas, como comentários com conteúdos instrucionais em um servidor, o Discord, nos quais os indivíduos instruíam procurar alvos mais vulneráveis — crianças, principalmente —, o uso de arma branca e explosivos caseiros.
O cenário ainda é mais complexo devido à ausência de definições claras aqui no Brasil, principalmente — mas esse também é um problema global —, do que é o terrorismo, do que é o extremismo e até mesmo do que é o discurso de ódio.
Um dos desafios prementes que temos enfrentado e que apresenta indícios de ser um desafio de longo prazo é a tendência de crescimento do extremismo violento composto ou misto, ambíguo e vago. É o extremismo violento que não traz evidências claras e sólidas de filiação e aderência a um único conjunto de crenças extremistas, mas a um amplo leque de crenças extremistas, algumas vezes referentes até a ideologias que são antagônicas. Junta-se tudo isso.
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Nos Estados Unidos, o DHS chama esse extremismo de "buffet de saladas", ou seja, é o extremismo no qual o adolescente, o usuário, o indivíduo recolhe conceitos de diversas ideologias extremistas distintas e forma o próprio prato, o próprio combo.
Aqui no Brasil, pelo menos em dois casos relativos a atentados em ambiente escolar, as evidências empíricas indicam que os agressores se autorradicalizaram no extremismo violento composto de mais de uma ideologia extremista. Caso mais recente foi o atentado em Cambé, no Paraná. As pegadas digitais do indivíduo que praticou o ataque sugeriram que o agressor se radicalizou na ideologia INCEL — Celibatários Involuntários e também havia elementos relativos ao extremismo violento islâmico.
Hoje eu recebi de um pesquisador estrangeiro que cobre a região do Oriente Médio e do norte da Ásia — e radicalização on-line, extremismo e terrorismo são a especialidade dele —, a informação de que um site operado pelo Estado Islâmico recebeu, nesse último mês, 5 mil visitas provenientes de um fórum INCEL. Nós conseguimos observar claramente que há uma interseção e uma polinização cruzada entre diversas ideologias extremistas ocorrendo no ambiente on-line.
Neste ano — eu já estou quase concluindo —, nós do grupo Monitor estamos colaborando ativamente com diversas esferas e instituições públicas, como o Ministério da Justiça, por exemplo. Em abril, nós produzimos um relatório de aproximadamente cem páginas, no qual sinalizamos a conexão dos atentados com as diversas subculturas on-line nocivas existentes. Sinalizamos os marcadores de bandeira vermelha, sinais de ideação e planejamento de atentados, marcadores estéticos e culturais e marcadores que sugerem iminência de atentado, assim como a relação de perfis que atuam tanto como propagandistas quanto como produtores de conteúdos ideológicos e inspiracionais.
Também ao Ministério da Justiça sinalizamos um site de repositórios de arquivos, que foi ocupado, na noite do atentado em Cambé, no Paraná, possivelmente, pelo agressor parceiro do atirador. O link continha 35 arquivos do atirador, 2 manifestos e 6 vídeos com conteúdos inspiracionais para produzir imitadores. O Ministério da Justiça, por meio da Polícia Federal, conseguiu desativar o link.
Também publicamos em março uma nota técnica, sugerindo um protocolo para a imprensa em relação à cobertura desses episódios de violência direcionada ao extremismo violento em ambiente escolar, de forma a mitigarmos os possíveis danos não intencionais que uma cobertura pouco cuidadosa pode produzir, como o efeito contágio já relatado aqui anteriormente e o aumento no potencial de imitadores. Felizmente, os principais grandes veículos de imprensa aceitaram a sugestão e modificaram as suas coberturas. Também estamos colaborando com a Defensoria Pública da União em relação ao extremismo antigovernamental e conspiracionista. E termos realizado testes com a OpenAI, para avaliar o potencial de risco do uso da inteligência artificial por agente maliciosos, extremistas e terroristas.
Além disso, colaboramos ativamente com a Agência Brasileira de Inteligência, no tocante a mitos de conspiração, rejeição à democracia liberal, comunidades e subculturas on-line que se interconectam e produzem desde material com conteúdos para provocar uma reação em indivíduos já radicalizados e mobilizá-los para uma ação violenta direcionada até conteúdos com extremismo não violento, o que dificulta a implementação de políticas de segurança e moderação da plataforma, como memes que desumanizam grupos; edições de vídeo com imagens de desenhos — por exemplo, animes —; conteúdos textuais conspiracionistas ou de desumanização de comunidades específicas, como judeus, comunidade LGBT, tudo isso atingindo principalmente o público jovem.
É importante frisarmos sempre que a regulamentação não deve ser encarada como se fosse uma censura, porque esse é o discurso que tem sido muito disseminado. Ela deve ser um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a segurança. Ainda assim, é fundamental que se criem mecanismos de fiscalização mais rigorosos
e se tente uma colaboração maior com as plataformas digitais, governos e organismos internacionais.
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No período de pouco mais de 1 ano, isto já foi relatado aqui, nós tivemos uma escalada dos atentados em ambiente escolar. As evidências empíricas, que já haviam sido enviadas para as autoridades, demostram a conexão direta desses atentados com subculturas on-line em diversas plataformas que operam nas contas na Internet.
Dentre esses principais conteúdos, podemos citar aqui para vocês incentivos à mutilação, misantropia extrema, niilismo profundo, incentivo ao suicídio, apelos para a violência em massa. Esses são os conteúdos mais comuns dentro de subculturas on-line como a Tcctwt, a True Crime Community, crime verdadeiro, e essa é a principal; Gore, que é de conteúdos de violência extrema; Shtwt, comunidade de apologia à automutilação; Cannibaltwt, o próprio nome é autoexplicativo; Lulz, comunidade em que fazem diversas atividades para provocar uma rejeição, uma reação ruim nas pessoas, isso inclui violência contra animais; e Obeslovetwt, outra subcultura, em que eles glorificam comportamentos e transtornos de personalidades, comportamentos obsessivos. Cortes autoinfligidos são frequentes, são romantizados; assassinatos em massa e terrorismo doméstico também são romantizados dentro dessas subculturas.
Vamos falar agora sobre a regulamentação. Algumas plataformas apresentam, no seu próprio design, possibilidades maiores para a formação de espaço seguros, em que esses usuários vão poder agir, disseminar extremismo on-line ou terrorismo on-line com total segurança, sem serem incomodados, como o Telegram e o Discord, que são as duas principais plataformas que apresentam o maior índice de espaços seguros. É o nosso maior problema hoje. Por isso, é imperativa a colaboração das plataformas para que consigamos conter esse cenário.
Embora à primeira vista possa parecer fácil propor soluções para a prevenção e combate ao extremismo violento e terrorismo on-line, na prática, os desafios são muitos. Agentes maliciosos e terroristas exploram brechas nos termos de serviço e protocolos no setor de confiança e segurança das plataformas. Nem todas as plataformas são colaborativas, embora as principais delas hoje sejam membros ou fundadores do GIFCT, um fórum global, a maior iniciativa global de combate ao extremismo e terrorismo on-line. O Brasil ainda não participa do GIFCT. Menciono aqui que foi uma das sugestões que nós indicamos ao Ministério da Justiça.
Nem todas as plataformas e provedores de serviços on-line também dispõem de recursos e pessoal capacitado para o volume de conteúdo extremista e terrorista on-line. Especificamente no Brasil, a falta de listas de proscrição ou designação de grupos terroristas ligados à supremacia branca e ao aceleracionismo terrorista de extrema-direita dificulta as medidas de moderação das plataformas em solo nacional porque a plataforma própria não designa uma organização como terrorista ou um grupo como extremista. Ela utiliza listas preexistentes, principalmente de agências supranacionais ou dos próprios países. E, como nós não temos essa lista, quando nós encontramos, por exemplo, conteúdo diretamente explícito ligado a um coletivo terrorista transnacional, como o Terrorgram, não há muito que ser feito. Conseguimos sinalizar, mas, às vezes, nem conseguimos derrubar esse conteúdo aqui no Brasil.
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Soma-se a essas dificuldades o fato de que as plataformas alternativas, menores têm recebido migração dos agentes maliciosos e terroristas extremistas, que são deplataformados das big techs e migram para esses outros espaços. O Rocket.Chat, que é uma plataforma brasileira, tem vivido essa situação, inclusive com extremistas islâmicos, extremistas...
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PSD - PR) - Michele, peço que encerre, por gentileza.
A SRA. PRESIDENTE (Luisa Canziani. Bloco/PSD - PR) - Muito obrigada pelas contribuições, Michele. Já estendemos um pouco o seu tempo. Por isso, fiz a deselegância de cortá-la. Mas agradeço as contribuições e a reflexão que trouxe ao nosso GT. E agradeço também as contribuições trazidas por todos os nossos convidados. Serão de grande valia para que produzamos um relatório consistente, técnico e equilibrado para toda a Câmara dos Deputados e para todo o Congresso Nacional, no sentido da direção que devemos apontar, em termos legislativos, no combate à violência escolar no Brasil, fazendo, é claro, esse paralelo com a responsabilidade das plataformas digitais na prevenção de ataques e a responsabilidade também da mídia na divulgação dos casos.
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