Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Pontualmente às 14 horas e 30 minutos, declaro aberta a presente reunião.
Informo aos Srs. Parlamentares e a todos os presentes que esta reunião se realizará de forma presencial e via web, por meio do aplicativo Zoom e, ao vivo, pela Internet no site da Câmara, na página da Comissão no endereço: cd.leg.br/ctasp.
Esclareço que, salvo manifestação explícita em contrário, a participação dos senhores palestrantes na mesa de apresentação e debates deixa subtendida a autorização de publicação, por qualquer meio, em qualquer formato, inclusive mediante transmissão ao vivo ou gravada pela Internet e meios de comunicação desta Casa, e por tempo indeterminado, dos pronunciamentos e imagens pertinentes à participação na audiência pública realizada nesta data, segundo o art. 5º da Constituição Federal e a Lei nº 9.610, de 1998. Informo ainda que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis para serem baixados na página desta Comissão logo após o encerramento dos trabalhos e que as fotos do evento serão disponibilizadas no banco de imagens da Agência Câmara na nossa página da Câmara dos Deputados.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos temos do Requerimento nº 50, de 2023, deste que vos fala, aprovado por esta Comissão para debater o Projeto de Lei nº 494, de 2019, que altera o Código Penal para tipificar o crime de demissão por motivo ideológico e atribuir à Justiça trabalhista competência para processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho.
Esta audiência será composta por honrosos palestrantes. Convido para compor a Mesa o Dr. Cláudio Mascarenhas Brandão, Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (palmas); o Sr. Fábio Ramiro, representante da AJUFE (palmas); e o Sr. Murilo Gouvêa dos Reis, representante da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços — UNECS, que participará de maneira virtual. Esses três oradores comporão a primeira Mesa. Em seguida, nós faremos a composição da segunda Mesa.
O SR. MINISTRO CLÁUDIO MASCARENHAS BRANDÃO - Boa tarde, eminente Deputado. É um prazer estar aqui nesta Comissão. Agradeço-lhe pelo convite formulado.
Venho aqui, Deputado, trazer uma contribuição a partir da perspectiva da análise que fiz do texto apresentado em relação ao projeto de lei ora em exame, que pretende incluir mais um tipo penal relacionado à possibilidade que houvesse tipificação penal da conduta do empregador que dispensa o empregado por motivos ideológicos e também, em consequência ou em outro aspecto, atribuir à Justiça do Trabalho a competência para examinar matéria relativa à organização do trabalho.
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A primeira observação que faço corresponde à tentativa de responder a uma pergunta que poderia ser formulada para todos nós, que é relacionada à necessidade ou não de haver um projeto de lei que introduzisse mais uma figura penal, ou seja, é necessário ou não haver um projeto de lei nesse sentido.
A minha compreensão a esse respeito, em que pese reconhecer a complexidade da matéria, inclusive em alguns aspectos naquilo que diz respeito ao próprio debate constitucional, parte do pressuposto de que existe hoje, a partir de 1988, em especial na nossa Constituição Cidadã, a compreensão de que o trabalho humano ou o trabalho realizado pela pessoa humana merece uma tutela especial, até porque o trabalho está muito além daquilo que representa a produção de riqueza. Antes disso, o trabalho representa a projeção da própria vida, da própria pessoa que gera o resultado que é por ele produzido.
Tanto é verdade que nós podemos identificar, na própria Constituição, em vários de seus dispositivos, uma tutela valorativa específica em relação ao trabalho humano, desde o art. 1º, inciso IV, que inclui os fundamentos da República brasileira, o valor social do trabalho e até mesmo da livre iniciativa e, mais adiante, no art. 170, em que, ao fundar a ordem econômica e os princípios que a orientam, mais uma vez faz referência ao valor social do trabalho. Mais à frente, a Constituição faz menção também à ordem social da propriedade, que podemos também interpretar no sentido de alcançar o valor social da empresa.
Então, o primeiro aspecto que diz respeito a esse projeto ou o que nele se pretende qualificar, o valor que nele está implícito, é a prevalência do valor humano que o trabalho representa para a sociedade contemporânea. Para além disso, também podemos destacar o valor social que nele está expresso — e aí me refiro aos dispositivos constitucionais aos quais acabei de fazer referência —, já que o próprio art. 6º da Constituição da República, caput, inclui, entre os direitos fundamentais, o trabalho humano.
Portanto, o primeiro aspecto que quero destacar, como fundamento valorativo que está subjacente a esse projeto de lei, será a tutela do trabalho humano. Mas eu quero insistir — e faço isso, eminente Deputado, com a compreensão do que tenho — que nós todos pensamos no trabalho como elemento abstrato, algo que se afere quase que metafisicamente ou no valor econômico daquilo que a pessoa produz.
Para mim, o trabalho é algo que deve ser visto como produto de uma ação humana, ou seja, antes de se verificar, de se analisar, de se considerar o trabalho como resultado da ação humana, deve ser vista a pessoa que produz o trabalho, o resultado desse trabalho. Não há como se imaginar o resultado do trabalho humano sem que antes se veja nele a figura da pessoa que produz aquele resultado.
Isso fica muito claro para mim, quando nós todos nos lembramos do recente período que vivenciamos no Brasil com o COVID–19, em que muitos de nós, senão a totalidade dos que estão nesta sala, puderam ficar nas suas residências. E as pessoas que estavam trabalhando, produzindo o serviço para que nós pudéssemos ficar em nossas casas, tiveram um período de submissão a um risco muito maior de contágio pelo coronavírus, porque estavam muito mais expostas à possibilidade de serem atingidas por aquele vírus.
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Então, nesse aspecto, identifico, na própria Constituição, uma preponderância marcante do trabalho enquanto valor social e também do trabalho enquanto valor humano por ela protegido. Refiro-me, repetindo, ao art. 1º, inciso IV, ao art.170, no caput e no inciso VIII, ao art. 186 e ao art. 198, isto é, em vários dispositivos, a Constituição Federal de 1988 procurou estabelecer uma preponderância valorativa do trabalho humano, da figura humana de quem trabalha, para estar acima do resultado gerado por esta pessoa, seja homem, seja mulher, que produza resultado do trabalho.
Por outro lado, um ponto que merece também ser destacado e que poderia até ensejar aquilo que diz respeito à própria competência trabalhista, e chego a esse aspeto um pouco mais adiante, é a necessidade do aumento da proteção dos direitos fundamentais assegurados na Constituição de 1988. No mundo contemporâneo, discute-se, muito, por exemplo, as novas formas de intermediação do trabalho humano. E aí me refiro a um dos temas mais debatidos no mundo inteiro que é a possibilidade de tutela do trabalho realizado por meio das chamadas plataformas digitais. Esse é um dos temas mais candentes não apenas no Brasil, mas em todos os países democráticos do mundo, em que se debate se ali estaria presente a figura de um trabalhador vinculado a uma relação de emprego tradicional, com as peculiaridades relativas à intermediação por meio de plataformas digitais ou se seria uma nova forma de exploração do trabalho humano, desconectada dos princípios que deram até origem ao próprio direito do trabalho.
Nesse aspecto, entendo que, a partir do instante em que, na legislação brasileira e já nesse aspecto, a Lei nº 9.029, de 1995, que assegura uma ampla proteção a qualquer forma de discriminação na esfera reparatória, seja por permitir a possibilidade de que haja reintegração com o pagamento de indenizações quando ficar demonstrado que houve uma despedida por motivo discriminatório e, nesse particular, houve um grande avanço na jurisprudência trabalhista que anteriormente se fixava uma tese que estaria resumida aos casos nela tipificados. Hoje, superada essa tese, porque se reconhece que, por quaisquer circunstâncias, se ficar demonstrada a dispensa discriminatória, essa possibilidade deve ser assegurada.
Peço permissão, Deputado, esqueci de cumprimentar e me dirigir de modo especial ao Dr. Fábio Ramiro, Presidente da AJUFE. Peço desculpas pela minha deselegância. Eu me preocupei em cumprimentar V.Exa. e não o fiz de maneira reverenciada, como deveria fazer, ao ilustre companheiro de Mesa. Por isso peço escusas pela minha indelicadeza aqui reconhecida de público.
Voltando ao aspecto que mencionei, no momento em que se procura incluir uma figura penal típica, o que está em torno desse dispositivo legal que se procura assegurar? A tutela da liberdade de pensamento, a tutela da liberdade da escolha por opção política. Esse é um tema, para mim, marcante, na medida em que a relação de trabalho não transfere para o empregador — e está escrito em textos de doutrina do Brasil e do exterior — o controle da pessoa do empregado. Quando o empregado se despe da condição de trabalhador, ou melhor, da condição humana, e ingressa na empresa, quando ele se despe da sua roupa comum e ostenta o uniforme da empresa, ele não se desfaz da condição humana. Por isso mesmo, todo o arcabouço normativo, seja constitucional, seja infraconstitucional, de proteção à pessoa permanece com ele durante todo o período em que ele está trabalhando.
O fato de o empregado estar vinculado ao contrato de trabalho não assegura ao empregador se não o controle da força de trabalho do empregado. E nesse particular, a meu sentir, o ambiente de trabalho não pode privar qualquer pessoa da possibilidade de expressar ou de manter consigo a opção ideológica que seja inerente à sua própria história de vida. Não acho possível que o empregador possa dispensar o empregado por um motivo que não está se não envolvido no exercício de um direito fundamental da livre escolha por opção ideológica. Estaríamos a tutelar uma discriminação e, mais do que isso, uma violação ao art. 5º, que assegura como liberdade um direito fundamental, portanto, a liberdade de manifestação ou de expressão do seu pensamento político. Evidentemente que não estamos aqui a admitir a possibilidade de que, dentro da organização empresarial, o empregador não possa estabelecer os controles naturais do seu direito de dispor livremente do poder de que é titular de como o trabalho se organiza. Evidentemente que não se está a admitir que o empregado possa convocar um comício dentro da empresa, até porque isso não é o tema em discussão. O tema em discussão é alguém que é comprovadamente dispensado por motivo ideológico estaria em causa a violação de uma liberdade fundamental que lhe é assegurada no art. 5º da Constituição brasileira e, em consequência, estaria a ser tutelada a violação a um direito fundamental, a uma das liberdades asseguradas na Constituição brasileira.
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Evidentemente, para não fugir ao tempo que me é assegurado, não fugir ao limite, um outro aspecto desse projeto de lei é quando fica assegurada a competência trabalhista para o julgamento dos crimes contra a organização do trabalho. O primeiro ponto que eu quero destacar é que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o tema, não examinou a controvérsia à luz do inciso IX do art. 114. Todo o debate havido naquela oportunidade centrou-se na derivação direta, na decorrência direta de uma competência outorgada pelo inciso I do art. 114, mesmo porque é de sabença comum que o inciso IX do art. 114 remete à lei ordinária a possibilidade de consagração de outras formas de competência. Houve, é certo, um debate, durante aquele julgamento, em voto do Ministro Marco Aurélio, especialmente, em que ele menciona até se o Supremo não estaria previamente, ou antes mesmo que a lei existisse, a examinar uma suposta inconstitucionalidade. E foi dito, é claro que não se poderia discutir o tema em tese, até porque lei não existia e se lei houvesse, essa possibilidade seria assegurada quando viesse a ser o tema debatido em sede de impugnação constitucional.
Reconheço, porém, que há uma complexidade nesse particular em face da redação do art. 109 da Constituição brasileira, que, em um dos seus incisos, assegura essa competência aos juízes federais. E, para mim, nesse particular, o remédio pode estar na antiga Súmula nº 115 do Tribunal Federal de Recursos, em que a competência seria outorgada à Justiça Federal e nela se mantém, para o que dissesse respeito à organização geral do trabalho, como está na antiga Súmula nº 115, quando houvesse violação de direitos dos trabalhadores considerados coletivamente, e a projeção individual — e para isso há o art. 203 do Código Penal, fraude à aplicação dos direitos trabalhistas em caso de sonegação —, seria uma hipótese individualizada, ainda que em ação plúrima, para que houvesse essa competência assegurada.
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Antes que possa ser observado como um mesmo fato jurídico, possa ser alvo de duas competências distintas, eu cito decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso da previdência privada complementar, que estabeleceu a chamada competência bipartida. Ou seja, permanece com a Justiça do Trabalho a competência para definir se é parcela salarial ou não e determinar o recolhimento ao fundo de previdência privada e a Justiça Federal, competência derivada dessa primeira, para determinar repercussão das parcelas do benefício complementar privado ao empregado.
Há ainda um outro elemento subjacente para esse aspecto, eminente Deputado, que é o que nós chamamos de unidade de convicção, que foi um fundamento que o Supremo utilizou quando julgou o Conflito nº 7.204, em 1.989, para demonstrar que, se há um artigo especializado em matéria de trabalho humano, não é razoável que a nossa Constituição tenha criado organismo próprio, o Poder Judiciário, sem que a ele fosse assegurada a competência plena em matéria trabalhista. Aliás, nesse particular, eu, de modo especial, e falo por mim, entendo que a competência deva ser a mais abrangente possível, até por conta da especialidade de conhecimento e da atividade jurisdicional, que é um dos fundamentos principais que autoriza ou não, que incentiva ou não, a criação de Justiças Especializadas. Isso tem sido feito no Brasil ao longo de toda a sua história, desde o Império, começou a especialização da atividade judiciária e se veem hoje discussões como, por exemplo, de justiça agrária, de consumerista. Ao meu sentir, isso é fundamental.
O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Agradeço a valorosa colaboração do Sr. Ministro e também pelo cumprimento do tempo, já que na tradição desta Casa geralmente não se cumpre o tempo. Mas quando presido as reuniões, eu sempre procuro cumprir o tempo.
É uma satisfação enorme, Deputado Prof. Paulo Fernando, a AJUFE estar aqui nesta audiência pública para debater o PL nº 494, de 2019, de tamanha importância. Cumprimento V.Exa. por ter aberto esta possibilidade de trazermos a visão dos membros da Associação dos Juízes Federais do Brasil, aqui eu represento o nosso Presidente, o Juiz Federal Nelson Mesquita, que, por outro compromisso, não pôde comparecer.
Eu faço um registo especial aqui ao meu colega de Mesa, o Ministro Cláudio Brandão, que é uma referência no Estado natal de ambos, eu sou também baiano. Ele foi um desembargador do TRT da 5ª Região, hoje ocupa os quadros do TST. É uma honra, uma satisfação ouvi-lo e podermos discutir um tema que interessa bastante dois ramos da Justiça que são coirmãos e que, portanto, trabalham sempre em proveito e em benefício de uma melhor prestação jurisdicional para o povo brasileiro.
Cumprimento meus colegas juízes federais aqui presentes. É uma satisfação tê-los aqui. Cumprimento os colegas da Diretoria — Dra. Ana Lia Ferraz, Dr. Jamil Cipriano, Dra. Marcelle Ragazoni, colega de São Paulo — e os colegas Ney, Lucas e Daniel, que se fazem presentes aqui nesta audiência.
É muito honroso.
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Eu prometo também, já olhei ali para o tempo, ficar dentro desse limite para não haver a prorrogação, nem ser chamado a atenção. Nós vamos tentar.
Esse tema, vez ou outra, é trazido. Não é a primeira vez que se apresentam projetos de lei em que se busca a alteração de competência da Justiça Federal. Inicialmente, tomamos isso com certa discussão e fazemos uma autoanálise, porque a alteração daquela competência que fora atribuída pelo Constituinte originário de 1987, que gerou a Constituição Cidadã, de 1988, faz-nos pensar se teria ele errado ou teríamos nós membros da Justiça Federal não atendido satisfatoriamente os reclames da sociedade no julgamento, em especial, dos crimes contra a organização do trabalho.
Aqui, obviamente, eu devo trazer uma discussão importante. O Ministro antecipa pontos importantes que devo também trabalhar e mencionar, que se trata de uma questão de inconstitucionalidade material. Competência é sempre tratado no âmbito da Constituição — a competência material —, e não podemos jamais fugir disso. Em razão de o art. 109 ter uma clareza solar no inciso IV ao atribuir aos juízes federais o julgamento e o processo dos crimes contra a organização do trabalho, penso — e pensamos dentro da Justiça Federal — que a alteração dessa competência somente se faria possível através de uma proposta de emenda à Constituição. Obviamente tenho que discutir o argumento, um argumento sólido, do Ministro Cláudio Brandão, que me antecedeu, da possibilidade de antevermos, na competência da justiça laboral, a possibilidade também de atribuição de competência criminal, colocada no art. 114, inciso IX, em que se fala da possibilidade de competência para outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho.
O que me parece é que, quando o Constituinte derivado fala de outras controvérsias, ele não quis definitivamente incluir crimes, não quis incluir causas criminais, ações criminais, porque em todas as situações em que o Constituinte fala de competência criminal, ele deixa claro "ações penais", "ações criminais", "crimes", para que não fique dúvida. Digo isso porque se trata de uma competência que, em se verificando um equívoco, gera nulidade completa. Então, há que se ter muito cuidado.
E aqui falo na qualidade de um juiz criminal de uma vara especializada em crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e organizações criminosas, que se debruça o tempo todo com questões decorrentes da competência. Como, então, decidir situações em que a competência pode não ser minha e gerar um processo que lá na frente pode ser anulado? Essa é uma preocupação constante dos juízes criminais brasileiros, sejam eles da Justiça Federal, da Justiça Eleitoral, da Justiça Militar e, principalmente, da Justiça Estadual, que é quem tem a maior competência, porque é residual — e é um resíduo maior do que daquilo de onde ele se origina.
Então, eu tenho que essa previsão de julgar outras controvérsias, obviamente, não inclui crimes, não inclui ações penais, até porque o processo penal exige ação penal, exige uma sentença, ainda que os fatos sejam incontroversos, diferentemente da questão civil.
Ainda que o réu admita a sua responsabilidade penal e ele confesse, o processo penal precisa existir para que tenhamos uma sentença, e essa sentença possa condená-lo a uma pena privativa de liberdade. Desse modo, controvérsia não seria um critério suficiente encontrado no art. 114, inciso IX, com todas as vênias. Obviamente é uma possibilidade que se abre para que outras questões que o Constituinte derivado não pensou pudessem ser atribuídas à competência dos juízes trabalhistas.
Ministro Cláudio Brandão, eu tenho um enorme respeito pela Justiça do Trabalho, porque é uma das justiças de que nos orgulhamos enquanto cidadãos brasileiros. Tenho muitos amigos na Justiça do Trabalho, e isso é um orgulho. Eu admiro muito o trabalho que é feito por eles.
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Mas esta aqui é uma questão apenas de analisarmos o que diz o texto constitucional e o que já disse, várias vezes, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive num julgamento que não tem muito tempo, cujo Relator foi o Ministro Dias Toffoli. Tratava-se de uma situação de redução à condição análoga à de escravo do art. 149 do Código Penal, em que se discutia se era crime contra a organização do trabalho, se era uma questão coletiva ou apenas individual. E o Supremo decidiu, até numa mudança de rumo, no sentido de que crime contra a organização do trabalho será da competência da Justiça Federal. Nesse caso, o Supremo falou que a organização do trabalho visa exatamente consubstanciar o sistema social trazido pela Constituição nos seus arts. 7º e 8º, em conjunto com os postulados do art. 5º da mesma Carta Federal, cujo escopo evidentemente é proteger o trabalhador em todos os sentidos, evitando a usurpação de sua força de trabalho de forma vil. E aí ele fala: "É dever do Estado proteger atividade laboral do trabalhador por meio de sua organização social e trabalhista". E conjugando harmoniosamente essas circunstâncias é da Justiça Federal a competência para o julgamento, a Justiça Federal pensada e criada por Rui Barbosa como a Justiça que teria a competência para julgar questões que interessam a toda a Federação, e não apenas a um indivíduo ou algum particular.
Nesse particular, o julgamento do RE 459510, do Mato Grosso, deixa claro que o Supremo tem esse entendimento. Ainda sobre a questão da inconstitucionalidade material — e aqui o Supremo efetivamente debruçou-se sobre as causas ligadas às relações de trabalho —, o Supremo decidiu, no julgamento da ADI 3684, com eficácia ex tunc, pela competência da Justiça Federal, dizendo que não se atribui à Justiça do Trabalho competência para julgar ações penais.
E aí o Ministro está certo, porque o objeto dessa ADI foi exatamente o art. 114, inciso IV. Mas aqui na ementa ele fala também do inciso IX. Debruçou-se mais sobre o inciso I, mas cita especificamente no voto o inciso IX, para afastar a competência da Justiça do Trabalho no arcabouço constitucional que nós temos hoje, com as modificações havidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, a chamada reforma do Judiciário.
Então, essa questão da inconstitucionalidade passa pelo entendimento que o Supremo já manifestou e pela inconstitucionalidade formal, porque o PL fala "atribuir à Justiça do Trabalho a competência para julgar os crimes contra a organização do trabalho". Isso estaria indo de encontro ao que diz o art. 109, inciso IV, na sua primeira figura, os crimes contra a organização do trabalho. Desse modo, nesse caso, haveria essa inconstitucionalidade do ponto de vista formal e haveria esse impedimento para a alteração competencial.
Então, não havendo uma proposta de emenda constitucional, não teria como haver a alteração da competência.
Aqui eu devo falar, nos minutos que me restam, da atuação da Justiça Federal, voltando àquilo que falei no início. Há uma crítica quando se busca a mudança de competência, não só por dizer que a Justiça do Trabalho é especializada em questões trabalhistas — ela é e ela é brilhante. A capacidade que tem um juiz do trabalho de analisar uma questão trabalhista, que é complexa — os seus mais diversos aspectos têm que ser analisados —, é digna de louvor e de aplausos, e o faço aqui na qualidade de cidadão e de membro do Poder Judiciário da União. Mas quando se trata de uma atuação da Justiça Federal, eu venho aqui fazer a defesa da Justiça Federal, que vem atuando muito bem no julgamento. Nós temos que ter a sensibilidade, porque um juiz federal, justamente como um juiz de direito e um juiz estadual, nós temos um contato com o sistema criminal e com o Direito Penal muito íntimo durante muito tempo, porque, quando se atribui uma competência, nós temos que imaginar que o juiz estaria mais talhado, já que ele estaria acostumado a julgar causas criminais com muita frequência. E é isso que acontece.
Ora, mas o juiz do trabalho é um juiz capacitado — e eu já disse isso aqui várias vezes, não se trata disso —, por que mudar? Porque o que vai se discutir, quando se julga um crime contra a organização do trabalho, obviamente que há o aspecto material, o objeto material é a proteção social do trabalho, o que se discute muito mais são aspectos concernentes ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, especialmente tipicidade, culpabilidade, dosimetria da pena.
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O juiz federal está habituado a fazer isso, porque este é o seu dia a dia, isso é o que ele mais faz, é apenas mais um tipo. Pensar de forma diferente seria dizer que nós, juízes estaduais — e aqui eu me coloco como juiz criminal estadual —, não deveríamos julgar crimes de bigamia, porque quem entende de família é o juiz de família. E nós teríamos uma situação meio complexa, porque o juiz empresarial é quem deveria julgar, portanto, os crimes falimentares.
Então, eu entendo que há uma especialidade grande, mas esta é uma crítica até que faço aqui, por exemplo, e faço isso de forma muito tranquila, quando se trata da competência criminal da Justiça Eleitoral. Os juízes eleitorais são normalmente juízes de direito, juízes estaduais, têm convivência com o Direito Penal alguns deles. Mas, numa cidade como a nossa, como Salvador, às vezes, ocupa uma zona eleitoral e julga crimes eleitorais um juiz que ocupa uma Vara de Família há 20 anos, e ele se depara com uma situação de um crime contra o sistema financeiro, um crime de evasão de divisas, um crime de lavagem de dinheiro.
Há uma perda aí no sentido de compreender o fenômeno do Direito Penal como um todo. Esta crítica eu faço em sala de aula, eu faço essa crítica aos colegas juízes, e eles concordam comigo. Não é uma questão de discutir a questão da competência tão somente, é uma questão de termos mais habitualidade. Eu jamais me arriscaria a julgar, por exemplo, incidenter tantum, incidentalmente, uma questão trabalhista, porque isso é dos meus colegas trabalhistas. Eles entendem do assunto, e eu, não.
Então, é neste ponto que precisamos trabalhar, e a Justiça Federal vem atuando bem. Nós conseguimos, desde 2003, com a ajuda desta Casa, ampliar a nossa base. Hoje, a Justiça Federal conta com 6 TRFs — somos 1.921 juízes, 38.282 servidores —, temos uma carga de trabalho altíssima de 9.200 processos; são 2.224 casos novos em 2022 por juiz — da Justiça e nos números do CNJ —, mas damos mais baixas do que recebemos de casos novos.
Portanto, somos uma Justiça superavitária no tocante a dar resposta, e isso se faz. Como eu sou juiz criminal, nós julgamos mais do que a carga processual que recebemos anualmente. Com 394 unidades com competência criminal geral e 33 com competência criminal exclusiva, afirmo, sem medo de errar, que a Justiça Federal brasileira é a Justiça que deve continuar julgando todos os crimes que o Constituinte originário lhe atribuiu através do art. 109 da Constituição, porque ela vem fazendo isso de forma adequada, correta, e buscando sempre a aplicação do melhor direito para todos os cidadãos brasileiros.
Eu, mais uma vez, agradeço a oportunidade de falar em nome da Associação dos Juízes Federais, da qual eu sou um dos diretores. Agradeço a esta Casa, agradeço ao Deputado Prof. Paulo Fernando e a todos os presentes por me ouvir, gastando o tempo, para que nós possamos sempre discutir em alto nível, como foi aqui com o Ministro Cláudio Brandão, questões que dizem respeito a toda a sociedade brasileira.
Muito obrigado a todos.
(Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Agradeço a sua valorosa participação. Tenho um primo que é juiz federal. Depois eu falo quem é. Muito bem! Obrigado por ater-se ao tempo também.
O SR. MURILO GOUVÊA DOS REIS - Prof. Paulo Fernando, muito obrigado pelo convite à UNECS para participar. Se me permite, eu não vou usar 15 minutos. Eu vou usar 5 minutos, no máximo, tentando contextualizar e explicar as preocupações que nos ocorrem agora.
A União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços representa 73% do PIB brasileiro, Sr. Deputado, representa 27 milhões de empregos diretos no Brasil, e 80% das empresas ativas do Brasil estão na UNECS. Digo isso só para justificar de onde é que vem a nossa preocupação agora.
Primeiro, quero parabenizar, Deputado, senhores ouvintes, o Deputado Helder Salomão, autor desse projeto de lei. Muito sensível, Helder é professor, foi Prefeito, Deputado estadual, Secretário de Estado, de Município, teve 120 mil 333 votos. Então, há que se respeitar um Deputado que consegue essa votação muito especial que ele conseguiu no Espírito Santo. Novamente, parabenizo o Deputado Prof. Paulo Fernando, por ter proposto esta audiência pública para discutir um assunto que nos parece delicado.
O senhor não se lembra de mim, mas estivemos já no TST algumas vezes. Sou de família do Direito do Trabalho, meu pai e meu avô foram advogados da área trabalhista. Eu me situo hoje em Santa Catarina, Florianópolis, e atuo no Brasil todo. Então, vivo a área trabalhista desde que nasci e represento hoje, neste momento, uma entidade do tamanho que eu acabei de falar. Então, causa-se muita preocupação tudo isso.
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Parece-me realmente que haverá um problema de competência, se esse projeto for para a frente. Mas isso não foi tomado pelo juiz federal, o Ministro Cláudio Brandão também já fez uma abordagem estrutural de tudo isso, e eu só queria levantar a questão e pedir atenção — nós estamos aqui muito mais preocupados em participar do que realmente em trazer dados para os senhores — para a conotação do motivo ideológico.
Como o Ministro Cláudio já explicou, existe Ministério Público do Trabalho hoje. Não sei se todo o Brasil conhece a brilhante atuação do Ministério Público do Trabalho, ramificado em todo o País, muito bem estruturado, que consegue atender, atuou brilhantemente nas últimas eleições. Então, eu acho que não falta instrumento trabalhista ao mundo do trabalho, sem falar aí no tão importante também Ministério do Trabalho, que tem Superintendências em todos os Estados, que atuaram brilhantemente também em cima de toda essa questão que pontualmente aconteceu no Brasil. Não se trata de generalizar talvez um problema que é uma coisa pontual. E como já bem foi falado aqui neste momento, já existe instrumento para isso: o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho. Temos a competência definida por juiz federal para julgar se houver o crime, já está capitulado isso. Essas coisas já acontecem na legislação. Talvez o Deputado Helder Salomão esteja cheio de boa intenção, mas o que nos preocupa é se politizar o ambiente de trabalho. Isso me preocupa intrinsecamente, porque é isso que o projeto está falando aqui.
Acho que esse projeto deveria ser reformulado, por questão de competência, não é dessa forma que poderia ir. Preocupa-nos também a liberdade, a liberdade das pessoas. Isso é fundamental. As empresas não funcionam sem os empregados atuantes, 100% da sua opinião, hoje mais do que nunca, com a tecnologia em cima. Se eu não tenho pessoas preparadas hoje, eu não consigo que elas evoluam, e a empresa não evolui efetivamente também. Então, nos preocupa muito que haja alguma coisa que possa deixar mais claro isso, mas não falta instrumento. E nos preocupa, Excelência. Deixar esse motivo ideológico na área trabalhista talvez não seja muito bem tratar esse assunto, e ele transborde o tema. Então, se não houver, no mínimo, delimitação disso, tudo pode ser encaixado. E aí fala quem está advogando há 33 anos na área trabalhista. Isso pode ser mal conduzido no Brasil todo, esse tema. E o que se cria? Cria-se um desemprego, uma preocupação em empregar mais. A pessoa acaba com muito receio, filtra muito, e nós precisamos hoje de emprego no Brasil. Nós precisamos realmente de pessoas encaixadas no mercado de trabalho.
Recentemente, estamos passando pela questão das plataformas digitais de automóveis, de Uber, Cabify, e esse é um tema importantíssimo. Eu preciso de postos de trabalho. Se vão ser contratos de emprego, contratos de trabalho, prestações de serviço, esses são detalhes que a lei já prevê efetivamente. Mas nós precisamos encaixar esse povo que está à margem da sociedade dentro da sociedade. É isso nós precisamos fazer efetivamente. Isso é o mais importante para nós, empresários, encaixar as pessoas, dar à pessoa formas de ganhar dinheiro, ter a sua dignidade, porque a pessoa sem trabalho, sem emprego, não tem dignidade. Eu acho que nenhum de nós, graças a Deus, viu um filho passando fome. Todos os que estão aqui assistindo, e nesta Mesa, nesta privilegiada Mesa, nunca vimos um filho passando fome. E é isso que alguns empregados podem chegar a ver. Pessoas que não estão empregadas podem chegar a ver. Temos que evitar isso, colocando-as para dentro do mercado de trabalho, de várias formas possíveis. Temos que criar, temos que ser inovadores. Nas plataformas digitais, falta legislação, porque ali eles não são nem empregados, por exemplo, nem prestadores de serviço; estão no meio do caminho, não são empresários, estão no meio desse caminho.
E raramente a pessoa vive daquilo. Ela passa por um período naquilo. Eu não vou aqui entrar em detalhes, porque não é o tema da discussão, mas é uma discussão que realmente me chama a atenção, que é a novidade, que é a inclusão. É importante percebermos isso.
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Então, criar motivo ideológico, tipificar penalmente eu acho que é desnecessário neste momento. Tem legislação própria, tem instrumento próprio, tem uma excelente estrutura da Justiça Federal. A Justiça Federal no Brasil é muito rápida, é muito eficiente, é muito eficaz, ela está de parabéns no Brasil. Então, acho que não precisamos trazer para a Justiça do Trabalho, que não tem essa expertise do Direito Penal, e talvez seja levada a engano por alguns discursos, algum story telling que não é verdade, e criar uma politização da área trabalhista, do mercado de trabalho, das empresas. Isso eu acho que não acrescenta para ninguém, Srs. Deputados, nem para nós aqui, nem para o brasileiro de modo geral.
A UNECS se preocupa muito com isso. Estamos à disposição para fornecer, Srs. Deputados, informações à Câmara Federal, ao Deputado Helder Salomão, ao Deputado Prof. Paulo Fernando, dados sobre isso, mas realmente peço sensibilidade e preocupação com relação à competência, com relação às estruturas montadas, para não politizar o meio do trabalho. São coisas diferentes. Todo mundo pode ter opção política, mas não levar isso, porque isso acaba criando anteparos, pode criar algum tipo de problema, que nós não temos hoje, efetivamente.
O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Agradeço a participação do Sr. Murilo Gouvêa dos Reis.
O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Obrigado.
Dando continuidade, tenho a honra de convidar o Sr. Valter Souza Pugliesi, Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho — ANAMATRA, e também a Sra. Caroline Sena, representante da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas.
Primeiramente, cumprimento efusivamente o Presidente desta Mesa, o Deputado Prof. Paulo Fernando, pela iniciativa de trazer ao Parlamento, à Câmara dos Deputados, esse debate, matéria extremamente relevante, importante.
Cumprimento a minha colega de bancada, os demais participantes que estão por meio virtual e aqueles que nos acompanham de forma presencial na Comissão de Trabalho.
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Justamente para manter a minha fala dentro do prazo que me foi concedido, passo diretamente às minhas colocações. Eu estruturei a minha fala em alguns pontos, e o primeiro deles diz respeito à necessidade de adequação e à necessidade de criminalizar o ato do empregador de demitir o seu empregado por motivo ideológico. Este é um ponto pelo qual pretendo passar de forma um pouco mais rápida, até porque foi muito bem explorado pelo Ministro Cláudio Brandão, que me antecedeu.
O segundo ponto diz respeito a se, dentro do ordenamento constitucional que nós temos atualmente, é possível extrair a competência delito-sancionatória da Justiça do Trabalho, ou, de outra forma, se a Constituição Federal atualmente proíbe eventualmente e expressamente essa competência e o exercício dessa competência delito-sancionatória, penal ou criminal, como queiram, da Justiça do Trabalho.
Num terceiro momento, de forma muito rápida e em caso positivo, se há essa competência da Justiça do Trabalho — entrando especificamente no texto —, se a inserção desta pretensa tipificação penal no capítulo que trata dos crimes contra a organização do trabalho é a mais adequada do ponto de vista do sistema de tutela criminal.
E, para arrematar, eu farei uma análise em razão de certo preconceito que há em torno da competência penal, do exercício dessa competência penal pela Justiça do Trabalho.
No primeiro item, que trata sobre a adequação ou a necessidade de criminalizar a demissão por motivo ideológico, o Ministro Cláudio Brandão assentou argumentos extremamente importantes, porque se nós temos, num primeiro momento de forma mediata, a tutela da chamada liberdade de expressão, liberdade de pensamento e liberdade de exercício de crença política filosófica, subjacente a isso, nós temos a importância do valor constitucional do trabalho. E, como bem apontou o Ministro Cláudio, o valor social do trabalho é previsto na Constituição logo no art. 1º, que o insere na condição de fundamento da República.
Então, ao se tutelar e ao se proteger essa liberdade de pensamento e essa liberdade de expressão do trabalhador, de forma subjacente, nós estamos a proteger a dignidade desse trabalhador e o valor social do trabalho — esse valor fundante da República, que é o trabalho — na perspectiva da centralidade do ser humano, pois, como bem dito aqui, por trás do trabalhador, há o cidadão, há o ser humano que o exerce.
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Dando prosseguimento, tentando ser o mais célere possível, enfrento a indagação se hoje no ordenamento jurídico, na Constituição, é possível extrair do texto constitucional vigente a competência penal da Justiça do Trabalho. Aqui o colega que me antecedeu, o representante da AJUFE, suscitou até ADI 3.684, que é, inclusive, apontada no voto em separado apresentado pelo Deputado Prof. Paulo Fernando, quanto à decisão do Supremo em ADI entendendo que não é possível se extrair dos comandos dos incisos I, IV e IX do art. 114 da Constituição essa competência penal.
Nos estudos que empreendi para organizar as ideias nessa manifestação, li o acórdão que foi proferido, os debates que foram proferidos e extraio das deliberações, dos votos, dos posicionamentos — registrando que não foi uma votação unânime, houve dois votos divergentes, do Ministro Fachin e do Ministro Marco Aurélio —, a compreensão de que, efetivamente, não é possível se extrair do texto constitucional desses dispositivos uma competência genérica penal. Não é porque no inciso I se fala que a competência da Justiça do Trabalho alcança todas as ações oriundas da relação do trabalho — o mesmo fato se prevê no inciso IV, a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento do habeas corpus nas matérias cuja competência lhe é atribuída — que se pode extrair desses dispositivos uma competência penal originária. Mas de reverso é possível se compreender que não há uma objeção. Se não é possível, como bem decidiu o Supremo Tribunal Federal, e aí não há o que se questionar, extrair-se de forma genérica desses dispositivos constitucionais que foi inserida no espectro competencial da Justiça do Trabalho a matéria penal, não há, de outro lado, nenhuma objeção, nenhum dispositivo que proíba que a legislação infraconstitucional assim entenda, assim determine e assim regulamente esse aspecto penal.
Aí eu trago o dispositivo do inciso IX do art. 114 da CLT quando fala que competem à Justiça do Trabalho outras controvérsias decorrentes — aí, no caso, na forma da lei, exigindo uma regulamentação. E faço um pequeno paralelo, um rápido paralelo da necessária distinção do termo "oriunda", constante no inciso I, e do termo "decorrente", constante do inciso IX, para compreender, extrair desses dois dispositivos e dessas duas palavras, "oriundas" como sendo aquelas ações em que se contrapõem os atores, digamos assim, principais de uma relação jurídica. No caso, uma relação jurídica de trabalho, o prestador de serviço ou trabalhador, e no outro polo, o tomador dos serviços. E qual seria a distinção dessas controvérsias, ou ações decorrentes, que necessitam, que demandam uma regulamentação?
São justamente aquelas ações, aquelas controvérsias em que se contrapõem um dos atores dessa relação jurídica principal, prestador ou tomador, e um terceiro, estranho a essa relação principal, muito embora o substrato fático dessa demanda, dessa lide, desse litígio, seja a relação de trabalho. Daí ser possível compreender a competência penal, porque, numa ação decorrente, em que se teriam as questões penais, você teria num dos polos o polo ativo de uma ação penal, o Ministério Público, e de outro lado, um dos atores dessa relação jurídica. A princípio, observando-se a tipificação desse projeto, seria o empregador que eventualmente viria a dispensar o seu empregado por motivo ideológico.
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Levanta-se, a partir disso, a questão específica do projeto, em que se inserem dois novos artigos no capítulo que diz respeito aos delitos de crimes contra a organização do trabalho, considerando-se que, efetivamente, no art. 109, inciso IV, como aqui bem referiu o representante da AJUFE, o colega representante da AJUFE, há uma previsão expressa de que os crimes contra a organização do trabalho têm a sua competência afetada à Justiça Federal.
Talvez fosse interessante, em termos de contribuição a esta Casa Legislativa, se for o caso de se caminhar no sentido de aprovação do projeto, uma adequação da proposta no sentido de não inserir a tipificação — se esse for o entendimento desta Casa — no capítulo referente aos crimes de organização do trabalho, até porque, como bem lembrou o Ministro Cláudio Brandão, a jurisprudência em torno da definição de competência do crime contra a organização do trabalho tem uma dimensão coletiva e, portanto, mais abstrata, uma dimensão coletiva até mesmo difusa, e assim mais abstrata. E me parece que, quando você lê o projeto em que se prevê a tipificação da dispensa de trabalhador ou trabalhadores por motivação Ideológica, você está dentro de um aspecto que pode ser observado numa perspectiva individualizada de cada trabalhador. Então, seria possível — e fica a sugestão, a intenção de se colaborar com o processo legislativo — e talvez fosse interessante, tipificando-se o crime de dispensa por motivo ideológico, buscar uma inserção em outro capítulo, que não o dos crimes contra a organização do trabalho, como há em outras situações.
Para finalizar a minha participação, tentando me manter no tempo que me foi oportunizado, quero enfrentar essa questão de certo preconceito, como disse no início da minha fala, em relação à competência penal trabalhista.
Hoje em dia, com o arcabouço normativo que nós temos, desde 1999 e depois com a Emenda 45... E por que eu me refiro a 1999? Porque a Justiça do Trabalho iniciou, como todos sabem, com uma estrutura administrativa vinculada ao Poder Executivo, e somente na Constituição de 1946 é que a Justiça do Trabalho foi inserida no Poder Judiciário, mas manteve a sua estrutura administrativa do período anterior.
Ou seja, a Justiça do Trabalho era estruturada como uma junta, as chamadas Juntas de Conciliação e Julgamento, formadas por dois representantes classistas, empregado e empregador, e um juiz togado. E, na leitura fria da CLT, Deputado — talvez as pessoas não saibam, mas é interessante saber —, quem decidia os litígios eram os representantes classistas. O juiz togado, vejam só, tinha a função de desempatar, caso houvesse algum empate. São dois representantes classistas. E, ao fim e ao cabo, após a decisão que fosse tomada, o juiz togado, como é um técnico, redigiria a sentença, observando os requisitos legais.
Com a extinção da representação classista, pela Emenda Constitucional nº 24, de 1999, isso foi superado. Nós não temos mais Juntas de Conciliação e Julgamento. Nós temos Varas do Trabalho, cuja Presidência é de juízes togados, juízes concursados, técnicos em todos os ramos do Direito, porque, apesar de a nossa competência a princípio ser uma competência especializada em matéria trabalhista, nós nos deparamos diariamente, além da preparação que é feita para a aprovação no concurso, com todos os tipos de matéria, inclusive penal, quando, por força do ordenamento atual, remetemos as questões, quando verificamos eventual crime em tese, para as autoridades competentes.
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Não há hoje razão, a nosso juízo, para não se inserir na competência da Justiça do Trabalho matéria penal, e o fato de ser uma justiça especializada por si só não seria motivo. Nós temos outras justiças especializadas, que têm nas suas atribuições e competências, previstas em lei, matéria penal relacionada à sua área de atribuição. A Justiça Militar é uma delas. É uma justiça especializada, mas tem competência penal na área de suas atribuições. E, como relatou aqui acho que o Ministro Cláudio Brandão, a Justiça Eleitoral tem competência penal.
Nós temos hoje questões penais vinculadas ao ambiente de trabalho, decorrentes da relação de trabalho — e são muitas. Um exemplo, também citado aqui, é o assédio eleitoral, que se concentrou muito no ambiente de trabalho. E houve uma atuação fortíssima, tanto de juízes do trabalho como do Ministério Público do Trabalho, na busca de tentar solucionar a questão de assédio eleitoral, que ocorreu fortemente no ambiente do trabalho. E não há nenhuma dúvida de que o assédio eleitoral configura crime.
Então, pela própria unidade de convicção, pela própria especialidade da Magistratura do Trabalho, no que diz respeito a todas as controvérsias, todas as matérias, todas as consequências advindas de uma relação de trabalho, nada há, a nosso juízo, que impeça que seja levada à Justiça do Trabalho a competência penal.
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O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Obrigado pela colaboração.
O SR. LUCAS REIS DA SILVA - Meu nome é Lucas, eu sou auditor fiscal do trabalho, sou Diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, neste momento estou representando aqui o SINAIT. Gostaria de cumprimentar todos os meus colegas de Mesa e todos e todas que nos ouvem neste momento de forma remota. Gostaria de agradecer também à Comissão pela oportunidade de apresentar aqui a nossa contribuição com esse projeto de lei, que pretende tipificar a dispensa e outras formas de perseguição aos trabalhadores e às trabalhadoras por motivo ideológico. Gostaria de agradecer também a oportunidade de trazer aqui para esta audiência pública um pouco sobre o que nós, auditores fiscais do trabalho, temos adorado a respeito desse tema. Gostaria de deixar registrado também que nós, os auditores fiscais do trabalho, somos o braço do Estado que entra em contato direto tanto com o empregado quanto com o empregador durante as nossas fiscalizações.
Então, essas questões que afetam diretamente a relação de emprego, afetam diretamente a relação empregado/empregador são questões muito caras para nós. Especialmente nesse caso, as questões relacionadas à dispensa ou às outras formas de perseguição ideológica são para nós, auditores fiscais do trabalho, questões com as quais nós nos deparamos diariamente nas nossas fiscalizações.
Antes de mais nada, vou começar falando sobre a importância desse debate. Para dialogar melhor com quem nos ouve, com as pessoas que nos assistem pela TV Câmara e com os que nos ouvem agora de forma remota, eu não vou concentrar minha fala na competência, mas eu vou falar especialmente sobre a importância desse debate, sobre a importância de se combater a perseguição, de se combater o assédio ideológico de trabalhadores no ambiente de trabalho. É sobre isso que se vai concentrar a minha fala aqui neste momento. Também vou tentar seguir estritamente o tempo que me foi concedido.
A própria Constituição prevê, no art. 3º, IV, que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é promover o bem de todos, sem preconceito de origem, de raça, de sexo, de cor, de idade ou quaisquer outras formas de discriminação. Aqui, na própria letra da Constituição, fica evidente para nós a vedação de qualquer conduta discriminatória, inclusive a vedação de qualquer conduta discriminatória por motivação ideológica. Na Constituição da República, a livre manifestação de pensamento é prevista no art. 5º, IV, e no mesmo art. 5º, VIII, a Constituição prevê que nenhuma pessoa pode ser privada de direitos por motivo de crença religiosa, de convicção filosófica ou de convicção política.
Estes direitos estão previstos na própria Constituição: livre manifestação de pensamento, direito de crença, garantia do direito de convicção filosófica ou de convicção política, vedação de qualquer conduta discriminatória, inclusive por motivação ideológica. Todas essas questões possuem status constitucional. Todos esses direitos têm lastro na própria Constituição. E os direitos fundamentais se aplicam também ao contexto trabalhista. Existe motivo que justifique a não aplicabilidade (falha na transmissão) desses direitos constitucionalmente previstos à esfera do Direito do Trabalho. E sendo a promoção do bem de todos, sem qualquer tipo de preconceito, inclusive preconceito de natureza político-ideológica, um dos objetivos da República Federativa do Brasil, de acordo com o próprio texto constitucional, não há por que considerar inaplicáveis esses direitos ao contexto trabalhista. Com base no próprio texto constitucional, não há como conceber o fato de que empregado ou empregada possa sofrer quaisquer penalidades por motivo de convicção política, religiosa ou filosófica. Pelo contrário, o Estado Brasileiro tem o dever de agir no sentido de combater essas formas de perseguição e de assédio.
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Sabemos que já existe a possibilidade de buscar reparação para essas formas de assédio na esfera civil. Já existem medidas importantes de reparação. Mas, do ponto de vista trabalhista, elas não são suficientes para responder a todas as especificidades de uma relação de emprego. As especificidades da relação de emprego demandam respostas específicas por parte do Estado e demandam instrumentos específicos de enfrentamento. E, apesar de importantes, essas medidas de reparação na esfera civil não são capazes de coibir de forma adequada as práticas discriminatórias no ambiente de trabalho. As práticas discriminatórias no ambiente de trabalho precisam ser coibidas pelo Estado Brasileiro, e este projeto de lei que criminaliza a dispensa e outras formas de perseguição e de assédio aos trabalhadores por motivação ideológica pode ser importante instrumento para coibir essa prática que atenta contra os direitos fundamentais, contra a democracia e contra a Constituição da República.
É claro que entendemos que a criminalização não é panaceia para todos os males. A criminalização não tem o poder de resolver todos os problemas de uma hora para outra, mas, nesse caso específico, ela pode contribuir como mais um instrumento de combate a práticas antilaborais no ambiente de trabalho.
Quando falamos sobre esse tema, é importante deixar claro que a própria Organização das Nações Unidas possui metas que caminham nesse sentido. A ODS 8, por exemplo, prevê como meta a promoção do crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos. Um ambiente de trabalho caracterizado por perseguições e por assédio ideológico não pode ser considerado um ambiente de trabalho sustentado, inclusivo e sustentável, tampouco pode ser caracterizado como um ambiente de trabalho decente.
Além disso, a ODS 3, da Organização das Nações Unidas, prevê o direito a uma vida saudável e a promoção do bem-estar de todos. Um trabalho marcado por perseguição e assédio ideológico não pode se adequar ao conceito de vida saudável, e esse trabalho também não se insere no conceito de bem-estar de todos.
A criminalização por parte do Estado Brasileiro coincide com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, estabelecidos pela Assembleia-Geral da ONU.
Eu vou trazer um dado importante a respeito desse tema, para ilustrar a sua importância, um dado de assédio moral verificado em 2022.
O projeto de lei que discutimos agora não trata só de assédio eleitoral, é claro, ele é mais amplo, quando tipifica formas mais variadas de perseguição por motivo ideológico, que vão desde advertência, suspensão e dispensa até outras penalidades de caráter trabalhista. Esse dado de 2022 que eu vou apresentar aqui é interessante para a análise deste projeto de lei.
Em 2022, o número de denúncias de assédio eleitoral na eleição para Presidente aumentou mais de cinco vezes em comparação com o ano de 2018. Em 2018 foram registradas 212 denúncias, e em 2022 foram registradas 1.176 denúncias da assédio eleitoral, ou seja, aumento de mais de 450% no número de denúncias. O volume de empresas denunciadas também aumentou muito. Em 2018, as queixas envolviam 98 empregadores, e em 2022, na eleição para Presidente, as denúncias envolveram 952 empregadores, ou seja, houve quase 1.000% de aumento de denúncias de assédio eleitoral entre 2018 e 2022.
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A partir desses dados, conseguimos perceber a importância e a atualidade do tema, por isso o Estado brasileiro tem que combater qualquer forma de assédio no ambiente de trabalho. Com relação a este projeto mais especificamente, esses dados conseguem demonstrar a importância de se combater qualquer forma de assédio e a importância de se combater qualquer forma de perseguição aos trabalhadores e às trabalhadoras por motivo ideológico.
O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Agradeço a sua valorosa contribuição.
A SRA. CAROLINE SENA - Boa tarde a todos. Boa tarde a todas. Eu cumprimento a todos na pessoa do Deputado Prof. Paulo Fernando, autor do requerimento.
Deputado Prof. Paulo Fernando, eu acho que o título de professor é o maior que alguém pode ter, então, se o senhor me permitir, vou tratá-lo como Prof. Paulo Fernando.
A grande verdade é que é muito importante que esta Casa de Leis se debruce sobre um meio ambiente saudável no trabalho.
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Tenho sempre refletido — falo sem nenhuma pretensão de delatar as minhas décadas de vida —, desde as minhas aulas de OSPB, sobre um dos trechos do Hino Nacional: "Verás que um filho teu não foge à luta". Esse trecho do Hino Nacional nos conclama a nunca perder de vista que nós ainda temos que lutar, em pleno século XXI, pelos direitos já conquistados nos séculos XIX e XX.
Por outro lado, eu também sempre me coloco a pensar na necessidade constante de formularmos leis quando temos, sem sombra de dúvida, uma Constituição extremamente robusta e completa do ponto de vista da tutela individual e da tutela coletiva.
Muito já se falou aqui sobre a tutela do Direito do Trabalho e do trabalho em si. Eu não ousaria ser repetitiva, porque o sempre professor Ministro Cláudio Brandão, o meu colega de bancada Dr. Valter e o representante da AJUFE já falaram sobre a tutela do Direito do Trabalho, mas quero citar uma frase de que eu gosto muito, uma frase de Gonzaguinha: "E sem o seu trabalho, o homem não tem honra, e sem a sua honra, se morre, se mata. Não dá para ser feliz". Essa é a tônica do que nós viemos fazer aqui, independentemente de chegarmos a um consenso sobre de quem realmente é a competência. Nós vamos, inevitavelmente, esbarrar num debate. Como representante da advocacia, nós que somos os primeiros intérpretes do Direito, nós que vamos até o Judiciário temos a árdua missão de já iniciar a trajetória do nosso cliente com uma dúvida bastante razoável: é competência da Justiça Federal ou é competência da Justiça Especializada? Também como representante da advocacia trabalhista brasileira, eu não poderia deixar de seguir o Relator, o Dr. Valter Souza Pugliesi, e dizer que nada nos impede de fazer um debate que saia da esfera do crime contra a organização do trabalho e passe a tipificar de fato as condutas.
Se eu pudesse falar para a geração metaverso, eu diria que praticamente tudo está no art. 5º da Constituição Federal brasileira. Talvez tenhamos que repensar se temos que criar mais crimes ou se temos que levar muito mais cedo a Constituição Federal brasileira às escolas do País. Já se falou aqui do inciso IV do art. 5º. Já se falou muito no inciso VIII. Mas eu gosto muito do inciso X, que diz que são invioláveis a vida, a intimidade, a privacidade e a dignidade da pessoa humana. Tudo isso, se violado, é passível de reparação por dano moral.
Então, se nós estamos aqui diante de uma tentativa de tipificar melhor o crime pela demissão por motivo ideológico, eu quero crer que o Constituinte originário, já em 1988, tinha definido tudo isso para nós. E, além de tudo isso, o Brasil é signatário da Convenção 190 da OIT, aprovada em 2019, que reconhece a violência e o assédio no ambiente de trabalho como violações fundamentais aos direitos humanos. Ora, a nossa Constituição não peca quando o assunto é o adágio da liberdade, sob diversos prismas, seja a liberdade religiosa, seja a liberdade de crença, seja a liberdade política.
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Eu tenho a ligeira impressão de que, por ser recente, este projeto esbarra num momento muito particular que temos vivido nesta recente quadra do tempo, numa polarização que de fato atingiu todas as esferas da sociedade, não só as relações de trabalho, mas sobretudo elas. Realmente, é de causar espanto que, de 2018 a 2022, tenha aumentado 12 vezes o número de denúncias de assédio eleitoral. A demissão por motivação ideológica já tem sido tratada inclusive na esfera do Direito do Trabalho, na medida em que o assédio moral estrutural é tratado diuturnamente por essa Justiça Especializada. Causa realmente muita preocupação que, em pleno século XXI, ainda precisemos nos agarrar a direitos, instrumentos e mecanismos que nós já havíamos conquistado em séculos passados, e eu ouso dizer que inclusive no século XIX. Não faz nenhum sentido, não há nenhuma possibilidade de tolerarmos que o trabalhador seja agredido fisicamente, psicologicamente... Eu digo fisicamente porque existem repercussões no próprio corpo desse trabalhador. Então, não há que se cogitar que, em pleno século XXI, tenhamos que conduzir por aquele cabresto de uma República Velha de que não temos tanta saudade e que nós lutamos, por meio de um sistema eleitoral extremamente democrático, que já completa 27 anos neste 35º aniversário da Constituição Federal... Nós temos 27 anos de Justiça Eleitoral por meio do voto eletrônico, então, não se justifica que nós queiramos estabelecer mecanismos de cabresto nesta quadra do tempo.
A Convenção 111 da OIT também já define o que é discriminação, que ela trata como toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política que destrua ou altere a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.
Senhoras e senhores, precisamos ver que o Brasil possui, sim, instrumentos eficazes, em parte, mas talvez não suficientes.
Por isso, Prof. Paulo Fernando, é muito importante que aqui nos debrucemos mais sobre a competência, sobre a possibilidade de retirar e tipificar melhor o que seria a motivação ideológica, se seriam só essas da Convenção nº 111, da qual o Brasil é signatário.
Precisamos trazer a sociedade, precisamos trazer o trabalhador para esse debate, porque ele é a parte hipossuficiente. E nós estamos aqui para garantir que o trabalho seja fator de dignidade da pessoa humana. Esse é um princípio fundamental do nosso Estado Democrático de Direito.
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Por essa razão, a ABRAT fica, de pronto e de púlpito, muito agradecida pelo convite para fazer parte deste momento que realmente é especial. De fato, tenho dúvidas se nós temos que trazer mais um crime à tona e se isso vai ter realmente a eficácia que se espera, no sentido de coibir a prática.
Eu ainda sou adepta de uma educação que ressignifique o olhar que anda realmente muito polarizado. Precisamos proteger o trabalhador brasileiro e a trabalhadora brasileira, porque são eles que movimentam a nossa economia. Não há empresários sem o trabalhador. Então, nós sabemos que, se tratamos bem o trabalhador e a trabalhadora, o reflexo é positivo sobre todos os aspectos: físico, mental, social, previdenciário. Tudo isso precisamos trazer ao debate.
Não justifica que o País que tem uma das melhores Constituições do mundo seja também recordista em número de assédios morais, em número de assédios sexuais, em número de trabalhos análogos à escravidão. Não justifica que nós tenhamos que, o tempo todo, nos debruçar sobre esse tema, sem trazer a necessária reeducação, desde as séries mais primárias, para conseguirmos fomentar, na próxima geração, o amor ao trabalho, ao emprego, mas, sobretudo, ao respeito à divergência. É salutar o respeito à divergência para que o Estado Democrático de Direito se fortaleça.
Por isso, a ABRAT se coloca à disposição. Temos 29 associações filiadas. Esse é um assunto, Deputado, que já está na pauta, para que possamos conversar com cada uma dessas associações. Volto a dizer: nós advogados somos os primeiros porta-vozes dessas pessoas que chegam com inúmeras marcas, em decorrência de uma demissão arbitrária, de uma dispensa discriminatória.
O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Agradeço à ilustre colega, representante dos advogadas trabalhistas.
Aproveito para mandar uma saudação ao meu diletíssimo amigo, o Dr. Renato Borges Rezende, ilustre advogado trabalhista, são-paulino roxo, que está feliz com o campeonato. Ele agora prometeu que vai torcer pelo meu Botafogo no Campeonato Brasileiro, pois nós torcemos para ele na Copa do Brasil. Obrigado pela participação.
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Cumprimento o Exmo. Deputado Prof. Paulo Fernando, em nome de quem eu saúdo as demais autoridades e todos os presentes nesta audiência, seja a telepresencial ou presencialmente na Câmara dos Deputados.
A matéria colocada em discussão é de suma importância, pois tem como pano de fundo a proibição de toda forma de preconceito e de discriminação. Como já disse o auditor fiscal, o Sr. Lucas Reis, é objetivo fundamental da República do Brasil, conforme a previsão do art. 3º, inciso IV, da Constituição Federal.
Nesse aspecto, é importante ressaltar que o art. 3º está inserido dentro do Título I da Constituição, que consagra os princípios fundamentais da República e que são normas que imantam todo o arcabouço jurídico do País, ou seja, de onde todas as demais normas constitucionais e infraconstitucionais devem retirar seu conteúdo de validade.
Nesse mesmo título da Constituição, o art. 4º diz que o Brasil, nas suas relações internacionais, baseia-se no princípio da prevalência dos direitos humanos. Portanto, é signatário de vários importantes tratados internacionais de direitos humanos, dentre os quais, para nossa discussão, eu cito a Convenção nº 111, da OIT, que já foi até lembrada na discussão de hoje, que trata da discriminação, no trabalho, já ratificada pelo Brasil, e, recentemente, a Convenção nº 190 e a Recomendação nº 206, da OIT, que cuidam da violência e do assédio no mundo do trabalho, em processo de ratificação nesta Casa de Leis.
Então, conforme preceitua a referida Convenção nº 111, a discriminação em matéria de trabalho é toda distinção, exclusão ou preferência, fundada em raça, cor, sexo. Aí entram na discussão: religião, opinião política, ascendência nacional, origem social, que tenham, por efeito, destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão. De forma que o nosso ordenamento jurídico não agasalha qualquer forma de discriminação, inclusive por razões ideológicas pautadas em religião, opinião política, filosófica, dentre outras.
No ano passado, assistimos à intensa atuação do Ministério Público do Trabalho no combate ao assédio eleitoral, em razão justamente da perseguição a trabalhadoras e trabalhadores por expressarem opinião política contrária a de seus empregadores no contexto da relação de trabalho, o que demandou uma atuação ministerial e uma resposta do Judiciário trabalhista célere e contundente.
Em relação a essa temática, não apenas em épocas eleitorais, mas no cotidiano das relações de trabalho, nós nos deparamos com condutas discriminatórias que prejudicam trabalhador, seja através de práticas de assédio moral, dispensas discriminatórias, abuso do poder hierárquico em relação ao poder disciplinar, com obstrução e exclusão do trabalhador do ambiente laboral.
Para ilustrar o levantamento das denúncias recebidas pelo Ministério Público do Trabalho, nos últimos 5 anos, somente relativas à discriminação por motivo de orientação política, religiosa ou filosófica: em 2019, ocorreram 136 notícias de fatos, denúncias; em 2020, 83; em 2021, 130; e, em 2022, 3.145.
Por quê? Reflexo da situação de assédio eleitoral que ocorreu no País e que foi fruto de inúmeras denúncias ao Ministério Público do Trabalho. Houve um aumento de quase 2.500% no número de denúncias. E, em 2023, ainda por reflexo dessa situação ligada ao assédio eleitoral, até o mês de setembro, 370 denúncias tratam especificamente dessa questão, o que demonstra ser de extrema importância a preocupação trazida pelo projeto de lei.
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Mas, ressalte-se que o direito fundamental à liberdade de pensamento, de crença, à convicção filosófica e política — que estão lá no art. 5º, incisos IV e VIII, já citados aqui, como garantia e direito fundamental —, não legitima nenhuma forma de discurso discriminatório, nenhuma forma de discursos excludentes que contrariem outros direitos fundamentais ou condutas que contrariem parâmetros normativos de conselhos profissionais.
Eu destaco isso porque a nossa atribuição como órgão ministerial trabalhista nos dá a expertise de entender o comportamento do assédio e das formas pelas quais ele se fundamenta e se manifesta, na maioria das vezes por viés discriminatório, que pode ocorrer tanto verticalmente — e aí falamos das formas assimétricas de poder, ou seja, empregador e empregado, chefe e subordinado — como horizontalmente, de forma que ocorre entre os próprios trabalhadores, cabendo ao empregador, como responsável pelo meio ambiente laboral hígido, sadio e livre de qualquer forma de violência e assédio, fiscalizar, prevenir e sanar isso.
Então, nós temos vários exemplos de situações de discursos homofóbicos dentro de um ambiente laboral para excluir, humilhar algum colega; discursos de orientação política e filosófica que neguem a diversidade ou a inclusão no ambiente de trabalho; negativa de realizar alguma tarefa profissional em razão de uma convicção filosófica ou religiosa. E neste ponto se coloca a preocupação do Ministério Público do Trabalho, no sentido da necessidade de se coadunar a previsão do tipo legal previsto no PL com a Convenção nº 190 e a Recomendação nº 206, da OIT, que está em processo de ratificação, mas é aplicável ao nosso ordenamento jurídico por força do art. 8º da CLT.
Esse artigo prevê medidas como rescisão indireta do contrato de trabalho com direito a indenização do empregado; direito à reintegração; ordens que exijam medidas de aplicação imediata para pôr fim a comportamentos discriminatórios, políticas ou práticas que sejam alteradas no âmbito das corporações com o fim de promover a diversidade, de forma a cessar qualquer tipo de prática discriminatória, bem como estabelecer critérios para o estabelecimento de possíveis punições dentro dos limites do poder diretivo do empregador, quando comportamentos e discursos de prepostos contrariarem a lei e os direitos fundamentais, promovendo os discursos de ódio, discriminação, violência e assédio e contrariando os parâmetros normativos profissionais a todos impostos.
Na esfera trabalhista, há a Lei nº 9.029, de 1995, que já foi até citada também aqui, que dispõe sobre a proibição da discriminação na relação de trabalho — e prevê como crime, inclusive — e impõe penalidades ao empregador que discrimina, como pagamento de multa e proibição de realização de empréstimos com bancos oficiais, além da reparação pelo dano moral e patrimonial da trabalhadora ou do trabalhador, além da reintegração no trabalho daquele trabalhador ou trabalhadora demitidos por ato discriminatório.
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Então, no sentido de contribuir para a discussão, de contribuir para a aprovação desse PL, sugerimos, com todo o respeito, dada a importância desta matéria, conforme até destacado no parecer que acompanha o projeto de lei e conforme os números que eu trouxe nesta tarde, a inserção do crime previsto no PL na Lei nº 9.029, de 1995, porque essa lei já trata da discriminação, já trata de condutas discriminatórias, com as ressalvas e as observações aqui expostas em parágrafos, para ser um importante instrumento de combate à discriminação e gerar a segurança jurídica que nós esperamos de uma lei que tipifica um crime que é uma lesão grave para toda a sociedade.
O SR. PRESIDENTE (Prof. Paulo Fernando. Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Agradeço à nobre representante do Ministério Público e a todos os participantes, porque todos cumpriram o horário.
Na condição de autor do requerimento e também de autor do voto em separado, peço licença para tecer algumas considerações a respeito desse projeto de lei.
Inicialmente, eu queria apontar que não se trata de uma questão ideológica, de uma questão partidária, de o autor ser do PT e a nobre Relatora também e eu ser de oposição. Esse é o primeiro aspecto.
Trabalho na Casa há 34 anos e se, na condição de assessor, fosse elaborar o parecer, provavelmente teria a mesma opinião, ou seja, sob um aspecto jurídico, um aspecto técnico, razão pela qual eu ouso discordar da ilustre Relatora e também, obviamente, do autor. Eu o faço porque a natureza do direito do trabalho, obviamente, ainda é de muitas disputas. E sempre há aquela discussão entre o mundo do direito público e o do direito privado, nas questões de direito civil, principalmente.
Essas relações de emprego decorrentes do contrato de trabalho têm por base o acordo tácito ou expresso, mediante o qual as partes se ajustam na prestação de serviço e no recebimento de um salário justo. Essa modalidade contratual é um aspecto da civilização moderna, porque, no passado, nós tínhamos questões de servidão e de escravidão. Então, esse aspecto do contrato de trabalho, mesmo sabendo que a limitação contratual é limitada, é, sem dúvida nenhuma, um passo de civilização. Sempre penso assim. Portanto, o contrato de trabalho é um acordo privado consensual, intuitu personae, ou seja, quanto ao empregado, de trato sucessivo de atividade oneroso.
Então, o caráter imperativo das nossas normas trabalhistas, por sua vez, não retira do direito do trabalho o seu vínculo essencial com o direito privado. O direito civil, a lei privada, busca solucionar conflitos por meio da restauração, da pacificação e até mesmo de indenizações. Do outro modo, a lei penal, ou seja, de natureza pública, se presta às punições, muitas vezes, com restrição da liberdade, confisco de bens e patrimônio, e à intervenção estatal na vida dos cidadãos.
De tal maneira, no projeto em epígrafe, que estudei detalhadamente, a iniciativa de criminalizar a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador por uma incompatibilidade de visão de mundo do empregado incorre, na minha opinião, num verdadeiro retrocesso. Você imagine uma situação atípica, em que o dono de um comércio, de um açougue, por exemplo, tenha um empregado seu que seja adepto do veganismo, que nós respeitamos.
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Evidentemente, muitas vezes vai haver conflitos. Daqui a pouco, para contratarmos o empregado, teremos que consultar o Filiaweb para verificar se ele tem uma filiação partidária ou não, o que não é o caso.
Então, não é razoável obrigar e manter uma relação de trabalho em que se exige cooperação, afinidade de objetivos, convergência de interesses, ideias, valores e princípios. Se o empregado e o empregador, ao longo do relacionamento, verificam que não partilham desses mesmos elementos, a rescisão do contrato é o caminho natural. Obviamente, nós temos as questões do pagamento de natureza trabalhista. Isso é perfeitamente normal.
De tal maneira, quando você analisa o texto apresentado pela ilustre Relatora, no substitutivo, ela faz uma proposta alterando o art. 207, que diz o seguinte, in verbis: "Por motivo ideológico, despedir o trabalhador ou lhe aplicar advertência, suspensão, demissão ou qualquer outra penalidade de caráter trabalhista".
Ora, se é criminosa a conduta do empregador que rescinde o contrato de trabalho por motivos ideológicos, igualmente criminosa deveria ser a conduta do empregado que também se demitir por motivos ideológicos, porque é uma mão dupla. No texto apresentado, só temos uma mão única. Desse modo, no meu entendimento, a descrição correta do tipo para se adequar ao bem jurídico tutelado, ou seja, a discriminação ideológica, teria que ter como sujeito ativo tanto o empregado como o empregador, afinal a ruptura do trabalho pode ser promovida por ambas as partes.
Assim, empregado e empregador ficam obrigados a manter o vínculo contratual, conviver forçadamente no ambiente, entre aspas, "envenenado" pelas profundas diferenças em suas respectivas visões do mundo, sob pena de uma parte ou outra cometer crime, razão pela qual eu não vejo algo como razoável, como proporcional.
Agora, analiso do ponto de vista material. A nossa Comissão aqui não tem esse escopo, mas, se estivéssemos na outra Comissão, na Comissão de Constituição e Justiça, fatalmente nós teríamos um parecer pela inconstitucionalidade e injuridicidade do projeto. Por quê? Porque, salvo melhor juízo, tais alterações, se quisessem ser feitas, deveriam sê-lo por proposta de emenda à Constituição, e não por projeto de lei ordinária.
Isso está bastante claro quando vemos o art. 109, inciso VI, da Constituição Federal, que traz a competência da Justiça Federal de maneira clara:
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E isso não pode ser modificado por lei ordinária. Como já foi objeto aqui de discussão, essa foi a decisão dada pelo Supremo Tribunal Federal, que reafirmou o conteúdo em uma decisão liminar em 2007, na ação direta de inconstitucionalidade proposta em 2006 pelo Ministério Público, ou seja, pela Procuradoria-Geral da República, que questionou a incondicionalidade dos incisos I, IV e IX do art. 114 da Constituição Federal, introduzidos por emenda constitucional.
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E aí nós temos a decisão, razão pela qual eu apresentei voto em separado, para que os meus doutos colegas da Comissão possam analisá-lo, para que possamos apreciá-lo e rejeitar sumariamente esse projeto. Se não o fizerem aqui, infelizmente porque muitas vezes têm questões políticas, ideológicas e partidárias, fatalmente será feito na Comissão de Constituição e Justiça.
Sabe quantas pessoas estão nos acompanhando? Mais de 100 pessoas ainda nos acompanham. Agradeço a quem está nos acompanhando.
Quero agradecer a nossa equipe da Comissão de Trabalho — a parte operacional —, a todas as pessoas que nos acompanham e aos senhores e senhoras convidadas pelas ilustres presenças.
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