Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Airton Faleiro. Bloco/PT - PA) - Vamos dar início aos nossos trabalhos.
Deputado Carlos Veras, eu fiz questão de ficar na condição de Presidente da Comissão durante a abertura para valorizar a sua iniciativa e valorizar a aprovação do conjunto da Comissão do seu requerimento de realização desta audiência pública. Esta temática diz muito sobre a essência da Comissão do Trabalho.
Eu sempre digo que quem está aqui no Parlamento, além dos discursos, além das visitas às bases, precisa fazer entregas à sociedade.
O aperfeiçoamento de um projeto de lei — como este que está em pauta — ocorre não necessariamente a partir da interpretação das nossas assessorias e do nosso entendimento, porque, como eu sempre digo, o Parlamentar é como um clínico geral: tem que entender de tudo um pouco, mas há áreas em que nós não somos especialistas. E, mesmo havendo áreas em que nós temos uma maior especialidade, Deputado Carlos Veras, às vezes, vem da sociedade a melhor proposta, o melhor ajuste da lei, da proposição. E a audiência pública, além de ser um espaço de escuta e de participação da sociedade, também é um espaço de aprimoramento das nossas proposições.
Um dia desses, eu me encontrei com o Deputado Carlos Veras na porta do Ministério do Trabalho, saindo de uma audiência com o Ministro Marinho, e ele me disse: “Presidente, o senhor está me devendo. A audiência pública está atrasada, e o pessoal está cobrando”. E eu disse: “Deputado Carlos Vera, vamos agendar. Saindo daqui, vamos nos reunir na Comissão lá na Câmara, e nós agendamos essa audiência”.
Deputado Carlos Vera, estamos aqui a seu pedido. Não só estamos realizando a audiência, mas também demos ao assunto a celeridade que ele requer.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Bom dia a todas as companheiras e a todos os companheiros.
Quero agradecer ao nosso querido Presidente Airton Faleiro a gentileza e a priorização da marcação e da convocação desta audiência pública.
Quero agradecer aos Deputados que estiveram aqui conosco, o Leonardo Monteiro e o Rogério Correia — que em Minas Gerais, junto com a companheira Beatriz Cerqueira, Deputada Estadual e ex-Presidente da CUT, faz um trabalho muito presente em defesa dos direitos da classe trabalhadora, em especial nesse tema da saúde mental.
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Informo aos Srs. Parlamentares e a todos os presentes que esta reunião será realizada de forma presencial e via web, por meio do aplicativo Zoom.
A reunião também será transmitida ao vivo, pela Internet, no site da Câmara e na página da Comissão, no endereço www.cd.leg.br/cetasp.
Declaro que, salvo manifestação explícita em contrário, a participação dos palestrantes nesta Mesa de apresentação e debates deixa subentendida a sua autorização para publicação por qualquer meio, em qualquer formato, inclusive mediante transmissão ao vivo ou gravada pela Internet e pelos meios de comunicação desta Casa, por tempo indeterminado, dos pronunciamentos e imagens pertencentes à participação na audiência pública realizada nesta data, segundo o art. 5º da Constituição Federal e a Lei de nº 9.610, de 1998.
Informo, ainda, que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis para ser baixados na página desta Comissão logo após o encerramento dos trabalhos e que as fotos do evento, se houver, serão disponibilizadas no banco de imagens da Agência Câmara, na página da Câmara dos Deputados.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos do Requerimento nº 66, de 2023, de autoria do Deputado Carlos Veras, aprovado por esta Comissão, para debater o Projeto de Lei de nº 3.588, de 2020, que acrescenta dispositivo ao Decreto de Lei de nº 5.452, de 1º de maio de 1943, que dispõe sobre os riscos psicossociais no ambiente do trabalho. Lembro que esse projeto de lei é de autoria do hoje Ministro de Estado Padilha.
Esta reunião será composta por palestrantes que dela participarão nos modos virtual e presencial — os quais convido para virem à Mesa: Anne Caroline Luz Grudtner da Silva, da Coordenação Geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador, do Departamento de Vigilância em Saúde, representando o Ministério da Saúde, que participará virtualmente; a Sra. Viviane Forte, Coordenadora Geral de Segurança e Saúde do Trabalho, representando o Ministério do Trabalho e Emprego; representante da Central Única dos Trabalhadores — há alguém representando o Presidente Sérgio Nobre?
(Pausa.)
Convido o Sr. Mauro Salles, representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro — CONTRAF; a Sra. Fernanda Sousa Duarte, professora da UNB, que estará conosco virtualmente; o Sr. Pedro Tourinho, Presidente da FUNDACENTRO, que estará conosco de forma virtual; a Sra. Cirlene Luiza Zimmermann, Procuradora do Ministério Público do Trabalho; a Sra. Ana Luiza Horcades, Auditora Fiscal, representando o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho — SINAIT.
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Vamos conceder a palavra a cada um dos nossos palestrantes pelo tempo de 10 minutos, com uma tolerância de mais 5 minutos, para que não fique prejudicada a apresentação dos companheiros e companheiras, inclusive por conta da quantidade de palestrantes. Afinal, nós temos que aproveitar este momento para debater este tema e acumular força sobre ele, para aprovarmos esse projeto tão importante, primeiro, aqui na Comissão de Trabalho, depois na CCJ e, assim, seguir até o final da sua tramitação.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Enquanto o vídeo não inicia, comunico que as inscrições para o uso da palavra serão feitas no aplicativo Zoom. Vocês podem solicitar a palavra a qualquer momento, levantando a mãozinha que existe no aplicativo, pois nós acompanharemos daqui.
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A questão dos riscos psicossociais é algo que tem nos preocupado diuturnamente, por ser um tema que gera bastante dificuldade no sentido da identificação, da definição e da medição de riscos que são invisíveis.
É muito oportuno que esta audiência esteja acontecendo neste mês, o Setembro Amarelo, que é justamente o mês de combate ao suicídio e o mês em que nós também temos que refletir sobre a questão da saúde mental. E também estamos muito próximos do dia 10 de outubro, que é o Dia Mundial da Saúde Mental.
O que é importante tratar a respeito da prevenção, da intervenção e da gestão de riscos psicossociais é que nós não podemos de forma alguma permitir uma distorção do que está sendo proposto aqui, principalmente no sentido de que se criem regulamentações ou legislações que são, sim, necessárias, mas que venham eventualmente a desvirtuar o propósito que temos de prevenção.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. CIRLENE LUIZA ZIMMERMANN - Esse é o grande propósito. O vídeo é muito pertinente, porque vai mostrando justamente essa situação.
Os fatores de riscos psicossociais impactam a longo prazo, diferentemente de um acidente que pode acontecer, mas o risco está visível, e a medida de prevenção é facilmente implementada. O vídeo mostra justamente a situação em que o copo vai enchendo e, em determinado momento, a pessoa realmente não suporta e sucumbe.
Voltando à minha exposição, o que eu dizia é que esse projeto de lei propõe trazer o tema para a CLT justamente porque ele prevê, entre as atribuições do Ministério do Trabalho, haver uma regulamentação complementar que aborde a prevenção dos riscos psicossociais.
No entanto, para que haja um tratamento adequado desse tema, é importante que se tenha o completo senso de noção quanto ao que é esse risco psicossocial, que está diretamente relacionado ao processo e à organização do trabalho. Portanto, o risco psicossocial pode estar presente em qualquer tipo de empresa, em qualquer atividade laboral.
Por que eu trago essa preocupação neste primeiro momento? Porque hoje nós temos, em normas regulamentadoras, previsões que excluem trabalhadores de pequenas empresas da proteção referente aos riscos psicossociais. Especificamente na Norma Regulamentadora nº 17, nós temos uma disposição expressa que aponta que os superiores hierárquicos precisam ser orientados a tratar os seus trabalhadores com respeito — porque respeito é algo mínimo em qualquer ambiente —, algo que quase não precisaria nem estar escrito. Mas o pior é o que vem depois: diz que empresas com até 10 empregados ficam dispensadas dessa orientação.
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Vejam que distorção direta de riscos psicossociais! Risco psicossocial pode estar presente em qualquer ambiente.
Nós temos outra disposição na NR1, que prevê que empresas de grau de risco 1 e 2 não precisam elaborar determinados programas de saúde e de segurança, no entanto são empresas de grau de risco 1, 2, 3 e 4, hoje definidas na NR 4. Quando da elaboração destes graus de risco, na década de 70, não se levaram em consideração os adoecimentos, muito menos aqueles relacionados a riscos psicossociais. Assim, se seguirmos nesta linha, estaremos, mais uma vez, afastando a questão dos cuidados com os riscos psicossociais.
Aqui nós temos representantes dos trabalhadores bancários, justamente de uma atividade econômica enquadrada com grau de risco 2, que, num cenário como este, estaria, em determinadas situações, dispensada da elaboração de determinado programa de gestão de riscos.
Eu trago as ponderações de início justamente para apontar que qualquer legislação ou qualquer regulamentação que se proponha a algo referente a esta temática não pode ser feita, de forma alguma, com o intuito de sufragar, aceitar, chancelar a exclusão de determinados trabalhadores desta proteção. Ela é uma proteção necessária para todos os trabalhadores, até porque é isso que está disposto na nossa Constituição.
Nossa Constituição é muito clara também no aspecto da necessidade de inclusão e de prevenção quando se trata de todos os riscos inerentes ao trabalho. Se estes riscos se originam do processo de organização do trabalho, é necessário que eles sejam considerados e sejam prevenidos. Isso concorda com a linha do que, em 2022, a Organização Internacional do Trabalho dispôs, ou seja, que um ambiente seguro e saudável é princípio e direito fundamental.
Quando lemos as disposições da Convenção 155, que, a partir desta definição como princípio e direito fundamental, se torna uma convenção fundamental, de relevância superior, vemos que ela aponta que todos os riscos advindos do processo e da organização do trabalho, dos quais surgem os riscos psicossociais, precisam ser considerados na elaboração e na definição dos programas de prevenção de todas as empresas. Portanto, esta é uma questão bastante importante.
Falemos das estatísticas. Antes, eu tinha mencionado a NR 4 — as colegas auditoras certamente vão aprofundar mais estas questões e trazer propostas muito positivas —, que tem a previsão de ser revista justamente para reconsiderar estes graus de risco, sobre os quais eu teci uma crítica antes, porque neles não se consideram adoecimentos, muito menos os relacionados ao trabalho.
Para fazermos esta revisão, nós precisamos de dados. Aliás, os dados relacionados ao adoecimento mental ainda são muito subnotificados. Se buscarmos dados de Comunicações de Acidente do Trabalho — CATs, em que a empresa reconhece algum adoecimento relacionado ao trabalho decorrente de riscos psicossociais, veremos que são praticamente inexistentes. O que nós temos são CATs muitas vezes emitidas por sindicatos, especialmente pelo Sindicato dos Bancários, com números bastante elevados. E o emissor? Quem é? É o sindicato ou, às vezes, o próprio segurado e, em alguns casos pontuais, o assistente-médico. As empresas, no entanto, não o reconhecem. Assim, há uma grande dificuldade de a perícia do INSS fazer este reconhecimento a partir de uma CAT que não seja emitida pela própria empresa.
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Por outro lado, desde 2007 temos uma política pública de extrema importância, o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário, em que há uma presunção de que esse adoecimento tem relação com o trabalho em determinados setores. Trago aqui apenas um exemplo: no setor de frigoríficos, nos últimos 10 anos, nós tivemos uma CAT emitida relacionada a adoecimento mental. Pelo INSS, nós tivemos mais de 3.500 benefícios concedidos reconhecidamente por adoecimento mental relacionado ao trabalho, CID "F", com concessão de benefício na espécie acidentária.
Então, é um número realmente muito relevante, mas, se nós considerarmos a quantidade de benefícios concedidos em que essa relação não foi feita, ele é ainda maior. Isso inclusive nos traz um questionamento quanto à efetividade da aplicação do Nexo Técnico Epidemiológico, que é um instrumento de política pública, pela perícia do INSS. Se é no mesmo setor e se há uma presunção de relação com o trabalho, por que houve essa relação entre adoecimento e trabalho em 3.500 casos, e, nos outros 20.000 casos, essa relação não foi feita, mesmo que o trabalho seja exercido nas mesmas condições e com a mesma organização?
Uma questão importante — já me encaminhando para a finalização — é com relação a como definiríamos os fatores de risco psicossociais ou riscos psicossociais? A questão do assédio nós já enfrentamos há muito mais tempo. No próprio MPT — Ministério Público do Trabalho, nós temos uma coordenadoria específica que atua na questão do assédio, a COORDIGUALDADE, que trata da questão do combate à discriminação nos ambientes de trabalho, da luta pela igualdade nos ambientes de trabalho, mas não tínhamos um olhar com relação ao assédio como um fator de risco psicossocial, e, na prática, ele é. Nós temos que cuidar da saúde mental a partir desses diversos fatores.
Então, não é só combater o assédio. Se se permitiu que um assédio ocorresse dentro de um ambiente, a organização do trabalho, de alguma forma, permite. Muitas vezes, não basta simplesmente demitir o assediador. É preciso um cuidado com toda a coletividade. Não basta reposicionar o assediado, porque, muitas vezes, todos os colegas do mesmo setor estão contaminados por aquela mesma situação. O fato de ter permitido que uma pessoa fosse assediada faz com que todos as outras também, de alguma forma, tenham sua saúde mental afetada. Elas pensam: "Será que eu vou agir dessa forma? Será que amanhã eu você ser a vítima?" Muitas vezes, elas não se expressam, vão engolindo aquilo, e o copo vai enchendo, como mostra o nosso vídeo. É preciso que se tenha essa atenção para além do assédio.
Quanto à questão da jornada, vejam: em 2022, a OIT e a OMS divulgaram um estudo apontando que 81% das mortes relacionadas ao trabalho decorrem de doenças relacionadas ao trabalho, e não de acidentes, que nós chamamos de "típicos". Se pegarmos as CATs aqui no Brasil, 2% das mortes notificadas por CAT são de doenças relacionadas ao trabalho. Vejam que abismo de subnotificação!
Outro dado importante dessa pesquisa é que o principal fator de risco para esses adoecimentos relacionados ao trabalho são as extensas jornadas de trabalho. E aí eu desafio todos os presentes e todos os que nos ouvem pelo Youtube a me apresentarem uma CAT emitida pela empresa que apontou como agente causador do adoecimento extensas jornadas de trabalho. Isso nem sequer é apurado.
Eu trago aqui um programa de saúde e segurança que aponta a questão da jornada como um fator de risco. É preciso haver medidas de prevenção para esse fator de risco,
porque ele pode gerar algum tipo de adoecimento, não só o adoecimento mental, mas doenças neurológicas de toda espécie, doenças cardiológicas, entre outras. Então, esse cuidado realmente é necessário.
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Por fim, eu trago a situação concreta de um acidente que aconteceu muito recentemente no Paraná, com vários óbitos decorrentes desse acidente do trabalho. O Ministério Público do Trabalho teve que ajuizar uma liminar para que a empresa autorizasse a ida dos colegas de trabalho ao velório dos falecidos nesse acidente de trabalho. Colegas que presenciaram o acidente em um dia estavam sendo impedidos de, no dia seguinte, comparecer ao velório dos seus colegas. Vejam o quanto isso pode afetar a saúde mental de trabalhadores e trabalhadoras!
Então, temos que ter todos esses cuidados. Não podemos permitir, de forma alguma, distorção do que está sendo proposto aqui, que tem tamanha relevância e importância.
Para realmente finalizar, Deputado Carlos, cito o exemplo de um PL que está tramitando nesta Casa, o PL 2.364/23, de autoria do Deputado Amom Mandel, que propõe incentivo fiscal no Imposto de Renda Pessoa Jurídica para empresas que implementarem programas de saúde mental e promoverem grupos de ajuda e acolhimento no ambiente laboral. Vejam: na interpretação do Ministério Público do Trabalho, uma proposta de lei como essa desvirtua o propósito em termos de saúde mental. Está apenas se propondo assistência, e nós precisamos de prevenção. É justamente isto que está sendo proposto no PL que nós vimos debatendo: a questão da prevenção e da gestão, para que esse adoecimento não aconteça.
Nós não queremos simplesmente fazer grupo de ajuda para todos que já estão adoecidos na empresa e conceder um incentivo fiscal para a empresa que faz esse grupo de ajuda. Não, nós precisamos trabalhar na prevenção e conceder incentivo fiscal, se for o caso, para quem efetivamente atua nesse cenário.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Muito obrigado, Cirlene.
O Ministério Público do Trabalho é sempre um parceiro desta Comissão e das lutas em defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
Eu vou intercalar as falas dos palestrantes que estão virtualmente com as dos que estão presencialmente, para que haja uma melhor interação.
Convido agora a Anne Caroline, que está representando o Ministério da Saúde. Fomos informados de que há dois representantes do Ministério da Saúde participando virtualmente.
Agradecemos o convite e a oportunidade de participar desta audiência, para tratar desse assunto que nos é tão caro.
Como falado, eu estou representando a Coordenação-Geral de Vigilância em Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde. Nós somos responsáveis por realizar a promoção da saúde e reduzir a morbimortalidade da população trabalhadora. Para isso, nós agimos nos agravos de doenças relacionadas ao trabalho e nos seus determinantes, que estão relacionados ao modo como desenvolvemos o trabalho nos diferentes processos produtivos que temos.
Nós entendemos a importância dos determinantes sociais para que se promova a saúde mental. Entre os diferentes determinantes sociais, temos o trabalho interagindo para que nós possamos ter ou não saúde mental.
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Nós temos acompanhado mudanças muito grandes no mundo do trabalho que acabam influenciando num aumento do sofrimento mental, do adoecimento mental, principalmente relacionado à precarização das relações de trabalho, às vezes a diminuição dos direitos sociais, o que acaba dificultando que esse trabalhador se desenvolva plenamente com segurança dentro do seu ambiente de trabalho.
Aí nós entramos na questão dos fatores psicossociais no trabalho. Embora o trabalho seja um local de proteção da nossa saúde mental, ele muitas vezes acaba sendo um fator de risco. Quando podemos desenvolver o nosso trabalho, independentemente do tipo de trabalho, independentemente do local de trabalho, com condições que previnam acidentes, que ofereçam qualidade de vida, que respeitem o nosso ritmo de trabalho, que façam uma adaptação das cargas de trabalho, dos horários de trabalho, nós temos o trabalho como um fator positivo, melhorando a nossa saúde mental. Mas, muitas vezes, o que nós temos são efeitos adversos, são fatores de risco. Nós não temos autonomia. Existem diferentes formas de assédio e violência no ambiente de trabalho, alta competitividade, vínculo precário, elevada exigência de produtividade. Assim, então, nós temos diversos fatores psicossociais que vão acabar diminuindo a nossa saúde mental.
E ao que nós precisamos estar atentos? Nós precisamos transformar esses ambientes para que eles sejam promotores de saúde. Para isso, nós precisamos acompanhar os diferentes processos produtivos, precisamos conhecer os fatores de risco de cada processo de trabalho, porque todos eles vão ter algum nível de risco, que nós precisamos conhecer para podermos atuar, principalmente na sua prevenção. É importante trabalharmos para que esse trabalhador não chegue a adoecer. Por isso, é importante nos preocuparmos com esses riscos psicossociais.
Nesse reconhecimento é importante também envolvermos os trabalhadores. Então, as nossas pesquisas, as nossas ações devem considerar não só as notificações. O Ministério da Saúde faz o acompanhamento dos transtornos mentais, dos sofrimentos mentais, relacionados ao trabalho através de notificação. Então, nós temos um sistema de informação em saúde. Quando o profissional de saúde identifica que um sofrimento mental, um transtorno mental, tem relação com o trabalho, é feita uma notificação. Nós sabemos que essas notificações ainda são pequenas, frente à realidade, frente ao número de casos. É importante, então, que conheçamos esses riscos psicossociais, que envolvamos os trabalhadores nesse reconhecimento, para que possamos agir principalmente na prevenção e não termos uma classe trabalhadora adoecendo por causa do trabalho. Nós sempre destacamos isto: trabalhar, sim; adoecer, não.
Que todas as nossas ações, todas as nossas legislações sejam para proteger esses trabalhadores, independentemente dos riscos, inclusive dos riscos psicossociais, uma vez que nós temos enfrentado essas mudanças tão bruscas nas formas de trabalho.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Muito obrigado, Anne.
Saúdo especialmente o Deputado Carlos Veras pela iniciativa de propor esta audiência pública e também o Deputado Airton Faleiro, o Presidente desta Comissão, pela acolhida.
Faço uma saudação especial — eu não sei se ele está participando virtualmente — ao meu Deputado do Rio Grande do Sul, o Elvino Bohn Gass, um parceiro a toda hora de nossas lutas.
Saúdo os meus colegas bancários presentes, as Sras. Deputadas, os Srs. Deputados e o público presente.
Eu acho que o tema aqui colocado é de importância muito grande para a sociedade, para os trabalhadores. Não é de graça que ele está sendo muito falado. Acho que está havendo uma repercussão pelo menos na questão da saúde mental.
Os acidentes e doenças, especialmente as doenças psíquicas, relacionados ao trabalho não têm a visibilidade necessária na sociedade. Nós vemos que há muita atenção às doenças infecciosas. Temos campanhas de vacinação contra a poliomielite, de prevenção da AIDS, de prevenção do sarampo, enfim, campanhas que tentam dialogar com a população — nada mais justo. Todavia, não vemos essa mesma atenção com acidentes e doenças do trabalho. Por que será? Será porque não é um vírus, mas, sim, relações de trabalho e gestões de empresas que vitimam trabalhadores?
Então, eu acho que esta Comissão de Trabalho tem que se debruçar sobre isso. Esta audiência contribui no sentido de dar a visibilidade necessária a isso. Os acidentes de trabalho vitimam, segundo os dados, que são meio subnotificados, mais do que acidentes de trânsito, mais do que violência urbana, mais do que guerras — agora, com a guerra no Iraque, não sei como estão as estatísticas. Então, acidente de trabalha mata mais, vitima e invalida mais do que muitas outras questões que preocupam com razão a sociedade. Por que o acidente do trabalho fica secundarizado?
Eu não tenho dúvida de que estamos lidando com quem manda no País, a gestão das empresas... Há uma questão até ideológica. Infelizmente, os avanços sociais — os dados mostram isso — conquistados pela sociedade têm dificuldade de atravessar a porta das empresas e têm dificuldade de penetrar nos algoritmos, inclusive. Hoje, temos que falar dos algoritmos. Nós não temos controle sobre eles. Nós não temos controle sobre a gestão das empresas. Um sindicato, para entrar num local de trabalho, às vezes tem dificuldade. O próprio Estado tem que exercer o poder de polícia muitas vezes, para fiscalizar uma empresa. Então, precisamos dialogar sobre esse tema, senão nós não fazemos a efetiva prevenção.
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Eu gostaria de trazer dois elementos a este debate que nós estamos fazendo. Acho que ele dialoga com o recente encontro do Presidente Lula com o Presidente Biden, dos Estados Unidos, em que lançaram o manifesto pelo trabalho decente. Eu vou citar duas partes desse manifesto:
(...) (1) proteger os direitos dos trabalhadores, tal como descritos nas convenções fundamentais da OIT, capacitando os trabalhadores, acabando com exploração de trabalhadores, incluindo trabalho forçado e trabalho infantil; (2) promoção do trabalho seguro, saudável e decente, e responsabilização no investimento público e privado.
Eu acho que esse debate que nós estamos fazendo aqui dialoga com isso. Foi falado sobre o Papa Francisco; o debate também dialoga com a preocupação do Papa. Eu gostaria de pegar algumas de suas falas recentes, em que ele atribui a culpa dos acidentes de trabalho à busca excessiva por lucros e à idolatria ao mercado: "As tragédias no local de trabalho começam quando o foco não está mais no homem, mas na produtividade, e o homem se transforma em uma máquina de produção. — Papa Francisco falando. A responsabilidade para com os trabalhadores é uma prioridade. A vida não pode ser negociada por qualquer motivo, especialmente se for a vida dos pobres, precários e frágeis. Somos seres humanos, e não máquinas, pessoas únicas, e não peças sobressalentes".
Isso dialoga muito com o que nós estamos tratando aqui. Então, o tema é importante, e avanços são necessários. Mas, para isso, os empregadores não podem continuar agindo somente em busca de resultados, lucros, em detrimento da vida.
E também não pode a normatização da legislação, como disse a procuradora do Ministério Público do Trabalho, deixar que a responsabilidade para gerenciar os riscos fique na mão das empresas.
Como foi dito, recentemente houve retrocessos na revisão das normas regulamentadoras. O pouco que já existia de participação dos trabalhadores foi tirado. Aí é difícil, porque essa lógica faz com que a raposa fique cuidando do galinheiro, e não há como avançar.
Tenho um monte de dados que apontam a gravidade do problema. Acho que a Dra. Cirlene falou um pouco disso. Quase 2 milhões de pessoas morrem a cada ano por causas relacionadas ao trabalho.
Nossa categoria é muito afetada pela gestão das empresas, que têm adoecido os colegas. Entre nós bancários, o afastamento por problemas letais e comportamentais subiu de 30%, em 2012, para 57%, em 2022. Então, houve uma escalada, e há verdadeira epidemia de saúde mental no Brasil entre os trabalhadores.
Além de prejuízos à família e aos trabalhadores, há os custos econômicos, que acabam sobrando para o SUS e para a Previdência Social pagar.
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Não temos como falar de adoecimento psíquico sem falar em assédio moral. Não temos como falar em depressão e suicídio no trabalho sem falar na gestão pelo medo, nas empresas que ameaçam descomissionar ou demitir, quando não se atingem os resultados.
Não temos como falar de prevenção sem que as instituições públicas responsáveis pela promoção e fiscalização cumpram o seu papel. Vimos um grande desmonte da fiscalização do Ministério do Trabalho nos últimos tempos, no último Governo. Vemos que a vigilância em saúde do trabalhador do SUS não está efetiva.
Há conflito de competência. Precisamos avançar quanto à disputa de competência entre o Ministério do Trabalho e o Ministério da Saúde. Nós temos que unir esforços para enfrentar essa verdadeira tragédia humana que ocorre e que precisa ter visibilidade.
As empresas não têm respeitado o Estado. O Estado é sequestrado pelas empresas, pelo poder econômico. Essa é uma tarefa nossa. Acho que esse projeto de lei tenta dialogar com isso. Eu comungo com a Dra. Cirlene que o projeto de lei é um passo, mas no sentido de botar no arcabouço que o risco social existe e tem que ser normatizado.
Agora, não pode ser normatizado com um PL como aquele que a doutora mencionou. Aquilo ali é para facilitar a vida das empresas. Saúde do trabalhador é saúde do trabalhador, não é saúde da empresa. É diferente fazer um debate na Comissão de Assuntos Econômicos. Agora nós estamos discutindo a saúde dos trabalhadores. Então é um escárnio que, além de as normas não serem tão efetivas, as poucas que existem sejam descumpridas de forma contumaz pelas empresas.
E o poder público não está conseguindo dar conta. Existem inúmeros exemplos, como a própria questão do trabalho escravo lá no Rio Grande do Sul. Embora tenha tido uma baita visibilidade, a questão não é de hoje, pessoal. E só teve visibilidade porque os caras conseguiram fugir, foram a um posto, chamaram a Polícia Rodoviária Federal. O Estado não chegou perto; chegou depois do fato; como dizem, no pós-fato. Nós precisamos antever os fatos, e é disso que se trata quando se fala em prevenção.
Vou dar só um exemplo aqui de uma sentença do Ministério Público contra um banco no tribunal do Rio de Janeiro. Um dos itens da condenação, entre outras questões, diz que o banco não pode manter os bancários em cárcere privado.
Sabem o que era esse cárcere privado, pessoal? Eles não deixavam os colegas sair enquanto a meta não fosse cumprida, enquanto não batessem a meta. Parece surreal, mas, se o banco foi condenado, há prova. É disso que nós estamos tratando aqui: dessa vida real que tem adoecido, enlouquecido os colegas.
Nós temos também que desmistificar o debate. Se viesse a patronal, se houvesse um representante dos patrões, tenho certeza de que eles iriam buscar uma culpa multifatorial, uma culpa que penaliza o trabalhador por estar com depressão.
O mal-estar da sociedade nunca é a gestão. Eles tentam evitar tirar o problema da gestão como fator desencadeador do adoecimento, mesmo de suicídios.
Na nossa categoria, temos um problema de dados. Nós conseguimos um estudo de um pesquisador da UnB, e, segundo o último estudo dele, na nossa categoria, de 1996 a 2005, houve 1 suicídio a cada 20 dias. E muitos diziam: “Ah, pode ser o problema da família, da vida pessoal". Como causa, pode ter também isso. Agora o trabalho pode ser um fator, e geralmente é, como um gatilho que induz. Falo em suicídio consumado fora a tentativa de suicídio e a ideação suicida. O grande mérito desse projeto é incluir esse debate, incluir o risco psicossocial na legislação, obrigar o Estado a agir.
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Agora, há o segundo passo que também eu gosto de dizer — e nunca é demais reforçar: essa regulamentação também pode ser para o bem ou para o mal, pode ser para melhorar ou pode também para facilitar ainda mais a vida das empresas. Então, isso não se preocupa bastante.
Eu queria salientar também que está tramitando nesta Casa a ratificação da Convenção nº 190 da OIT, que trata sobre isso também. Seria de muita importância a regulamentação que o Governo já mandou para o Congresso, está tramitando na Câmara e tem que ir para o Senado ainda. Nesse sentido, queria fazer um apelo para que seja dada celeridade a esse processo de tramitação, se for possível.
Por fim, eu gostaria de, primeiro, reforçar que sem a participação dos trabalhadores, não se faz política efetiva de prevenção em saúde do trabalhador. Não adianta que não serão os técnicos, muito menos as empresas que vão fazer uma efetiva prevenção.
Como sugestão a esse PL, seria preciso, para o gerenciamento de risco pela empresa, incluir todos os trabalhadores e com a participação dos trabalhadores, esses dois elementos. A participação dos trabalhadores é importante, porque, se for cair nas Normas Regulamentadoras, as NRs, do jeito que está, não há participação. Então, se pudermos já obrigar, via do projeto de lei, que haja participação, seria um baita avanço.
E também agora, pela fala da Dra. Cirlene, de que trabalhadores de micro e pequenas empresas, que menos de 10 trabalhadores não são... Então, que sejam de todas as empresas, independentemente do número, e que todos os trabalhadores sejam representados nesse debate.
Então, eu vou terminar pessoal lendo aqui um post que uma trabalhadora publicou no WhatsApp, depois da morte de um colega que se suicidou. Ele se atirou do último andar do prédio onde fica o banco em que ele trabalhava, para ilustrar como é o drama. Essa colega trabalha no Edifício Capiba, no seu Estado, em Pernambuco. Ela descreveu assim: “Foi verdade. Achei que o barulho seco daquela pancada fosse o som dessa maldita reforma de engenharia, fruto dessas malfeitas reestruturações que estão fazendo no 9° andar, aquele onde era o GEPS, nossos Recursos Humanos, sobre o teto do nosso escritório. Mas não era. Infelizmente, o som veio lá de baixo. Era o nosso amigo Gustavo, que, infelizmente, pulou e tirou sua própria vida.
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A pressão exercida para garantir cada vez mais e maiores resultados, utilizando métodos perversos, está deixando todos em um nível de sofrimento extremo. Sofremos nós que sobrevivemos em cada um dos andares desse edifício. Hoje, o Edifício Capiba, foi palco e, infelizmente, trampolim para a perda de uma vida. Que Deus possa confortar a família de nosso colega e amigo! Que triste!"
Portanto, não podemos banalizar essa situação. Precisamos da visibilidade, por exemplo, fazer o enfrentamento, cobrar das instituições públicas e do Estado brasileiro, que têm obrigação de fazer esse enfrentamento. O Parlamento tem que ajudar também, criando leis e também fazendo a necessária pressão às instituições para enquadrar os empregadores nessa sanha do lucro acima da vida. A ganância não pode vitimar tantas pessoas. São mortes evitáveis. Jovens estão morrendo, isso não pode acontecer.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Obrigado, Mauro.
Por isso nós temos o Setembro Amarelo, para podermos, não só no mês de setembro, mas durante todo o período, não somente denunciar, mas trabalhar todas e todos incansavelmente para que possamos ter os dispositivos legais, as leis aqui constituídas, para ter a garantia em lei, e, acima de tudo, precisamos que o Estado efetivamente faça com que elas sejam cumpridas e este possa acompanhá-las de perto, monitorá-las e se antecipar a tudo isso. O Estado precisa cuidar do seu maior patrimônio, que é a sua população, que é o seu povo, que é a classe trabalhadora.
O SR. PEDRO TOURINHO DE SIQUEIRA - Bom dia a todas e todos que participam desta audiência. Bom dia, em particular, ao Deputado Carlos Veras, a quem quero saudar pela Presidência desta audiência pública e por se preocupar em tratar de um tema tão pertinente como a saúde mental e o trabalho.
Penso que as falas que me antecederam já apontaram a dimensão desse problema no panorama da saúde do trabalhador em todo o nosso País. Dá para dizer, com muita tranquilidade, que existe uma verdadeira epidemia de adoecimento psíquico relacionado ao trabalho no Brasil, como foi dito pela representante do Ministério Público do Trabalho, com taxas astronômicas de subnotificação. Trata-se de um tema muito indigesto para muitos segmentos, por se tratar de um assunto que exige necessariamente olhar muito aprofundado sobre os processos internos de trabalho, as relações dentro das organizações.
(Segue-se exibição de imagens.)
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A FUNDACENTRO é um órgão vinculado ao Ministério do Trabalho, entidade científico-tecnológica, que faz pesquisa, formação, difusão e inovação na temática saúde e segurança do trabalho. É uma entidade que está em diálogo constante com as entidades sindicais, com as empresas e também com os órgãos de Governo, com fim à formação de conhecimento útil para que sejam enfrentadas situações de adoecimento no trabalho. Desde 1966, ela vem cumprindo isso e, desde a década de 70, é vinculada ao Ministério do Trabalho. Ela é também uma parceira histórica não só do Ministério do Trabalho, mas também da Organização Mundial da Saúde e da Organização Internacional do Trabalho.
Hoje, o tema saúde mental e trabalho é uma questão mundial. Inclusive, a Organização Mundial da Saúde publicou muito recentemente um documento que trata da temática da saúde mental e trabalho. É um tema que tem sido objeto de muitos estudos. De acordo com o Observatório de Segurança e Saúde do Trabalho, que utiliza a base de dados públicos, temos a saúde mental como a terceira causa mais importante de afastamento, de concessão de benefícios, considerando-se uma profunda subnotificação, como disse. Anualmente, a estimativa é de cerca de 12 bilhões de dias de trabalho perdidos por causa de depressão, de ansiedade, com custo, como já foi dito aqui também, de pelo menos de 1 trilhão de dólares — esse é um material produzido pela Organização Mundial da Saúde. O INSS, no ano de 2022, apontou 209.124 pessoas afastadas por transtornos mentais, dentre eles: depressão, distúrbios emocionais, Alzheimer, enquanto que, em 2021, foram 200 mil pessoas afastadas. É evidente que nem todos esses afastamentos estão diretamente relacionados ao trabalho, porém, dá para subdimensionarmos a importância do componente trabalho na gênese dessa situação de adoecimento psíquico.
Nós temos a Política Nacional de Saúde Mental, desde 2001, com foco no processo de desinstitucionalização do modelo de atenção que reconhece não só a importância do cuidado em saúde mental se constituindo no contexto comunitário, compreendendo uma gênese multifatorial dos processos de adoecimento psíquico, como também temos o surgimento de novos fenômenos ligados à pauta da saúde mental, como a medicalização, a medicamentalização, o aumento exponencial do uso de psicotrópicos, o aumento da taxa de suicídio ou mudança no padrão do uso das drogas. E tudo isso foi bastante agravado durante a pandemia e também para certas categorias em particular que estão mais vulnerabilizadas. Como consequência disso, já vai-se somando um corpo importante de informações e resultados de estudos que vão caracterizando o agravamento do contexto de sofrimento mental relacionado ao trabalho, com estudos revelando o aumento em escore de ansiedade e depressão entre professores de todos os níveis da educação, com o aumento de escore de ansiedade e depressão entre profissionais de saúde da atenção primária, da rede de urgência e emergência para falar de algumas categorias. A maioria absoluta desses estudos falam da pandemia como um momento que não só agravou essa situação por conta das suas diversas consequências, mas como também trouxe luz à dimensão desse problema.
A temática do trabalho remoto, todas as implicações que trouxe a pandemia acabaram colocando mais luz num problema que era sistemático e propositalmente, muitas vezes, invisibilizado na sua dimensão.
E também associada a essa situação, podemos falar de um importante aumento de taxas de suicídio em certas categorias, para dar um exemplo muito objetivo, como os trabalhadores de plataforma, que são profissionais que atuam no contexto de isolamento.
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Como resposta a essa situação — nós assumimos a gestão da FUNDACENTRO em março deste ano —, entendemos que é necessário fortalecer a ação da FUNDACENTRO, entidade que tem por objetivo formular e desenvolver conhecimento relativo ao tema saúde e segurança no trabalho, no âmbito da relação saúde mental e trabalho. Para isso, nós estamos constituindo um grupo de trabalho interno de saúde mental e trabalho que vem já realizando reuniões e está desenhando uma série de estudos específicos para as categorias. Inclusive, a colega do Ministério da Saúde falou da importância de conhecer a singularidade de cada categoria profissional, a realidade do seu cotidiano de trabalho como um importante elemento para poder caracterizar a constituição dos riscos.
Desenvolvemos programas com o envolvimento de categorias que criam vulnerabilidades no trabalho, a ampliação de novos projetos que estão em desenvolvimento também compreendendo ser necessário o envolvimento de estratégias que contribuam para a reinserção social no trabalho para pessoas com contextos diversos de adoecimento psíquico.
Para além disso, a FUNDACENTRO se integra também ao esforço do próprio Sistema Único de Saúde e das entidades do controle social para fortalecer os espaços mais amplos de debate e participação. Então, já quero inclusive deixar aqui um convite para todos os presentes — na verdade, eu apoio a divulgação e dá tempo ainda de se inscrever — participar da etapa da Conferência Nacional de Saúde Mental, que está sendo conduzida pelo Conselho Nacional de Saúde, que vai acontecer amanhã, na FUNDACENTRO: a Conferência Livre Nacional de Saúde Mental e Trabalho. Ela vai acontecer de forma híbrida, remota e presencial. É um momento em que a FUNDACENTRO, junto com os parceiros que constroem essa conferência, vão se debruçar sobre o tema e tentar, como eu disse, trazer luz à relação entre saúde mental e trabalho e, dessa forma, garantir que essa temática tenha a incidência e o papel necessário junto à Conferência Nacional de Saúde Mental. Esse é mais um esforço para consolidamos um corpo de conhecimento e uma agenda para a intervenção e formulação de política pública na área de saúde mental e trabalho.
Isso posto, eu acho que é importante que esta Casa, a Câmara dos Deputados, faça esse debate. O projeto tem aí o mérito de trazer esse debate para dentro deste espaço, de somar esforços para que possamos debater melhor a relação saúde mental e trabalho. É muito importante que possamos fazer isso para que, dessa maneira, possamos garantir que as diversas instituições que permeiam o campo do trabalho qualifiquem e fortaleçam a agenda tanto da fiscalização quanto do apoio a mudanças de processos internos de trabalho.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Muito obrigado, Pedro, pela belíssima apresentação e pelo cumprimento do tempo.
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Quero agradecer a oportunidade de o Ministério do Trabalho e Emprego contribuir com esse assunto dos riscos psicossociais, que é extremamente importante.
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A Norma Regulamentadora nº 1, que traz as Disposições Gerais, define que as empresas têm que ter o seu programa de gerenciamento, isto é, têm que ter o seu gerenciamento de risco. E o que é importante? O importante, que está citado na Norma Regulamentadora nº 1, é que as empresas devem considerar todos os riscos ocupacionais, e não apenas o risco físico, químico e biológico. A hora em que se definir que têm que ser considerados todos os riscos ocupacionais, inclui-se inclusive o psicossocial. Então, é isso o que nós gostaríamos de destacar.
A Norma Regulamentadora nº 17 trata da ergonomia. A principal contribuição da NR 17 é a organização do trabalho. Então a norma, no seu escopo, ela apresenta os requisitos para adaptar as condições do trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar conforto, segurança, saúde e desempenho eficientes.
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Como nós sabemos, o adoecimento mental, os riscos psicossociais, estão não apenas, mas muito relacionados à organização do trabalho, que é o cerne da variação da NR 17.
E aqui eu aproveito a oportunidade para fazer um esclarecimento. A Dra. Cirlene, quando fez referência à NR 17, comentou que a norma faz um corte por porte, que a norma tem um artigo que fala que a empresa deve respeitar os trabalhadores e nessa exceção que a norma faz para as pequenas empresas essa obrigação não estaria contemplada. Cabe aqui um esclarecimento, porque a interpretação é um pouquinho diversa do que foi trazido pela representante do MPT.
A NR 17 traz, sim, esse corte com relação a empresas de pequeno porte que são as obrigações de fazer. Então, as empresas têm que fazer a análise ergonômica sobre algumas circunstâncias e algumas condições, e as pequenininhas têm maneiras um pouco mais simplificadas de fazer essa análise ergonômica. Então, cumpre fazer apenas essa explicação, porque uma norma regulamentadora que permitisse que uma empresa, em quaisquer circunstâncias, não precisasse respeitar o seu trabalhador, obviamente, que seria ilegal e ela não se sustentaria.
Na sequência, essas duas primeiras normas auxiliam o enfrentamento do risco psicossocial de maneira indireta. E aí, eu vou apresentar rapidamente para os senhores aqui algumas normas que, de forma direta, e ainda que seja pontual, já tratam isso.
A Norma Regulamentadora nº 20, por exemplo, que trata das condições de segurança com inflamáveis, vai dizer ali nesse item que está no eslaide que os integrantes da equipe de resgate de resposta à emergência devem ser submetidos a exames médicos específicos para avaliar o desempenho das suas atividades nessas equipes de resposta à emergência, incluindo fatores de riscos psicossociais. Então, espera lá, você trabalha numa empresa ali que lida com inflamável, você é da brigada de incêndio, na hora em que se faz o procedimento médico naqueles trabalhadores deve-se saber avaliar inclusive as condições psicossociais daquele trabalhador.
A Norma Regulamentadora nº 33 trata de espaço confinado. O que é espaço confinado? É um ambiente que tem restrição de entrada e de saída. Aqui não é um espaço confinado, tem porta ali, porta aqui. Fazer uma atividade de manutenção num tanque de combustível é um espaço confinado. E não precisa ser especialista para saber que, no mínimo, é desagradável você ficar num lugar fechado. Então, a NR 33 também cita que os trabalhadores designados devem ser avaliados com relação aos riscos psicossociais aos quais eles estão submetidos.
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A Norma Regulamentadora nº 36, que trata dos frigoríficos, da indústria de processamento e abate de carnes e derivados, tem uma seção específica sobre a organização da atividade e, mais especificamente falando, dos aspectos psicossociais. Então, é esse o conteúdo que os senhores e as senhoras estão vendo.
Superiores hierárquicos diretos dos trabalhadores da área industrial devem ser treinados para buscar, no exercício das suas atividades;
Estimular tratamento justo e respeitoso entre as pessoas no ambiente de trabalho. Então, isso já está especificamente tratado na Norma 36.
A última norma que eu quero trazer para vocês trata do trabalho de plataforma de petróleo. Portanto, trata do trabalho embarcado, ou seja, dos trabalhadores saem ali do continente e ficam um período na plataforma. Ela se preocupa, nesses itens todos que aparecem aí na tela, com questões relacionadas ao risco psicossocial, conforme art. 37.6.3, em que está destacado que o trabalhador para acessar a plataforma faz uso da cesta. As condições de saúde daquele trabalhador que possam originar mal súbito e risco psicossocial devem ser consideradas. Não é muito difícil imaginarmos que deve dar medo você estar lá no cesto e chegar até a plataforma.
E há ainda diversas outras situações no corpo da Norma 37: programas de promoção à saúde, treinamento, situações também de emergência, e o aspecto psicossocial que é cobrado já das empresas.
Vale explicar para todos que essas normas regulamentadoras são construídas, elaboradas e revisadas de forma tripartite, ou seja, têm a participação não apenas dos técnicos do Governo, auditores fiscais que elaboramos o texto; não. Os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, por assim dizer, sentam-se junto com o Governo para elaborar o conteúdo das normas regulamentadoras. E, atualmente, existe um grupo de trabalho — é isso que está em vermelho —, enfim, um grupo de estudo tripartite que faz o relatório sobre os riscos psicossociais. Esse grupo vai apresentar as suas considerações em dezembro, na reunião desta Comissão Tripartite Paritária Permanente — CTPP, que é onde são elaboradas e aprovadas as normas e também sugeridos os encaminhamentos. É necessário fazer uma norma específica sobre risco psicossocial, com a inclusão de um anexo em alguma norma, ou a alteração de conteúdo? Esse tema também vai ser deliberado no final do ano e o encaminhamento vai ser dado.
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Por fim, complementando as informações, nós destacamos aqui o que já existe de normativo. É evidente que a Auditoria Fiscal do Trabalho já fiscaliza demandas relacionadas a esse problema inclusive em bancos, em teleatendimentos. Enfim, nas mais variadas atividades econômicas. No setor bancário realmente há uma prevalência desse risco e já recebe a nossa atenção no sentido de as empresas serem fiscalizadas.
O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Muito obrigado, Dra. Viviane.
Eu gostaria de saudar os demais convidados e todos os que estão presentes e agradecer a indicação da Profa. Ana Magnólia Mendes, que era para estar aqui, minha colega da Universidade de Brasília. Eu estou aqui para representar o Laboratório de Trabalho e Linguagem da UNB, o antigo Laboratório de Psicodinâmica e Clínica de Trabalho.
A minha indicação, acredito que ela foi motivada não só pelo trabalho acadêmico que compartilhamos na universidade, eu a Profa. Magnólia, mas sobretudo pela nossa inserção, no caso, a minha, como psicóloga e pesquisadora no Sindicato dos Bancários de Brasília, e pela nossa parceria de pesquisa e ação de fluxo contínuo há 10 anos. Nesse campo de pesquisa específico, o que eu pude experienciar como pesquisadora? Conseguimos experienciar nesse campo coisas que conhecemos só pela via dos estudos teóricos em psicopatologia do trabalho. Essa experiência me remeteu a três características importantes no campo dos estudos de saúde mental do trabalhador que são relevantes ressaltarmos para podermos discutir a questão dos riscos psicossociais e da criação desse dispositivo.
A primeira, a centralidade dos trabalhadores representados pelos sindicatos para a compreensão das relações entre trabalho e sofrimento mental. Segunda, a participação das universidades e de outros órgãos técnicos também, através dessa assistência técnica de pesquisadores no desenvolvimento dos estudos empíricos sobre psicopatologias do trabalho. E, por último, a concepção sobre saúde e doença porque a entendemos como um processo. Isso também alarga o nosso entendimento e permite algumas ações que não seriam possíveis a partir de uma compreensão exclusivamente biomédica de saúde e doença. Essa concepção de saúde e doença como processo é tipicamente latino-americana.
Bom, se consideramos essa história e as bases epistemológicas do campo da saúde do trabalhador no Brasil, esse debate nosso hoje é mais um degrau, na verdade, uma escada que vem sendo construída em diversos outros âmbitos no País. Como os demais convidados trouxeram normas existentes que não tocam especificamente nos problemas psicossociais, mas são relacionadas direta ou indiretamente a outras ações que também vêm acontecendo, é importante ressaltarmos que, bom, não estamos partindo do zero.
Embora a pandemia de COVID–19 tenha trazido devastação no nosso País, evidenciada e agravada pelas questões de saúde mental relacionadas ao trabalho, é importante recordarmos que a saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras no Brasil tem estado em foco, ainda que um foco tímido, e sido negligenciada desde os anos 80. Então, esse resgate histórico é importante, e eu gosto de fazê-lo para valorizar as construções que podemos utilizar como bases sólidas para construir e consolidar esse dispositivo que é proposto no projeto apresentado. É um lembrete mesmo de que não estamos partindo do zero.
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Dito isso, eu não venho introduzir mais números, estatísticas, menções a outros dados, o que os colegas já fizeram. Minha fala já tem como pressuposto o caráter insidioso do adoecimento mental entre trabalhadores brasileiros, a severidade desta situação e uma urgência, já antiga, de debater a saúde mental relacionada ao trabalho.
Qualquer um que acessar os dados da Previdência Social sobre afastamentos do trabalho terá uma noção clara da saúde mental no Brasil. Se nós olharmos as ações de trabalho, veremos que há a questão da subnotificação. Ano a ano, nos últimos 10 anos, pelo menos desde o momento em que eu tenho estado mais próxima destes dados, os transtornos mentais foram escalando o pódio de causas mais comuns para a concessão de licenças-saúde.
Neste sentido, quando nós falamos de riscos psicossociais no trabalho, estamos discutindo uma questão de saúde pública. Ela não onera apenas as empresas do Estado. Para além de ser uma questão de saúde pública, ela é uma questão de saúde mental, porque ela devasta a vida das pessoas que adoecem. Não só estas pessoas, mas também os familiares, os entes queridos delas sofrem com isso.
Este debate tem uma intersecção entre o campo da saúde mental, a saúde do trabalhador e a saúde pública. Este debate sobre riscos psicossociais se faz na encruzilhada destes campos. A princípio, o trabalho é fundamental para nossa subsistência, mas não fundamental apenas para nossa subsistência material. Ele tem, igualmente, um grande valor simbólico e, por essa medida, tem as próprias ordens morais. Estas são evidenciadas ainda mais, quando o adoecimento e a incapacidade de trabalho se fazem presentes.
Neste caso, nós entramos em contato com as crenças persistentes na nossa sociedade de que os adoecimentos mentais são coisa da nossa cabeça, preguiça, falta de força de vontade, falta de Deus, falta de fé. Estas crenças se intensificam ainda mais quando nós introduzimos a relação deste adoecimento com o trabalho — a ideia de que a pessoa está com um adoecimento invisível e complexo. Isso intensifica a desconfiança e o descrédito em relação às pessoas que se afastam do trabalho em função de transtornos mentais, e a legitimidade desta relação entre o adoecimento mental e o trabalho.
Quando nós olhamos os números de adoecimento mental no Brasil, embora eles já sejam muito alarmantes, se consideramos o contexto de estigmatização, ainda temos que considerar a possibilidade, muito provável, de subnotificação bastante grande. Nós temos a questão do presenteísmo: as pessoas vão trabalhar com atestados médicos guardados na gaveta, por medo do desemprego.
O buraco talvez seja muito mais embaixo; ou, como algumas pessoas têm apontado, talvez a pandemia tenha empurrado este buraco muito mais para baixo, porque intensificou o potencial danoso de fatores de riscos psicossociais no trabalho. A insegurança no trabalho, a perda de autonomia no trabalho, a queda na qualidade das relações no trabalho, mais demandas de trabalho, demandas emocionais no trabalho, que se intensificaram, os conflitos de valores, todos estes são fatores de risco que se intensificaram no cenário pandêmico. De certa forma, podem explicar a intensificação deste quadro epidemiológico na população trabalhadora brasileira, no qual os adoecimentos mentais se encontram cada vez mais presentes.
Como podemos prevenir ou intervir nestes adoecimentos psicossociais? Nós estamos fazendo aqui um debate mais amplo, que, às vezes, se torna muito abstrato. Diante disso, como é que nós podemos evitar que os trabalhadores e as trabalhadoras sofram esses danos? Nós temos que identificar os fatores de risco. Fazer a distinção entre estes dois conceitos — os riscos psicossociais e os fatores dos riscos psicossociais — é fundamental, não só por preciosismo acadêmico, mas, especialmente, pela implementação dos dispositivos normativos e legais.
Uma coisa é o risco, que é a consequência, o dano em si; a outra é o fator de risco, o antecedente.
Eu insisto nesta distinção, que é acadêmica, para assegurar a dupla legitimidade do dispositivo proposto, uma legitimidade que provenha não apenas da lei, mas também da ciência, ou seja, de evidências.
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A partir da literatura acadêmica, tanto nacional como internacional, prevenir e intervir nos riscos psicossociais não apenas requer a compreensão dos danos, o que, de certa forma, já existe registado no País — nós temos o registro da quantidade de afastamentos, da natureza das doenças —, mas também precisamos entender os fatores envolvidos na produção destes danos à integridade física e mental dos trabalhadores e trabalhadoras. Estes fatores de risco, que antecedem os riscos psicossociais, geralmente estão associados à organização do trabalho, como já se disse aqui, à gestão do trabalho, e podem se relacionar também às condições de trabalho.
Alguns exemplos destes fatores são as demandas de trabalho, como já mencionei aqui, a disponibilidade de suporte organizacional e o reconhecimento das relações do trabalho. O que é interessante quando citamos alguns fatores? Eles, em si, não são negativos nem positivos. Todo trabalho tem uma organização e uma gestão e acontece em condições específicas.
No entanto, quando nós falamos de riscos psicossociais, do dano produzido, nós estamos nos referindo ao potencial danoso destes fatores. No aspecto de saúde individual, eles elevam a manifestação, por exemplo, de transtornos depressivos, transtornos ansiosos, burnout, para mencionar apenas alguns. Nós estamos nos referindo também ao potencial de danos destes fatores no nível organizacional. Eles vão se manifestar na queda da produtividade, em acidentes de trabalho, na ocorrência de erros humanos, no absenteísmo, relacionado ou não à licença de trabalho.
Portanto, nós precisamos destacar que a prevenção, a intervenção e a gestão dos riscos psicossociais por parte do empregador, como está sugerido no dispositivo, dependem do engajamento dos empregadores, mas não apenas. Eu acho que vários convidados já citaram, anteriormente, o perigo de se deixar isso à mercê apenas dos empregadores.
Como podemos ver na literatura internacional, existem muitas referências ao modelo escandinavo, que é composto da forma tripartite, e como é importante esta participação em três pilares! Mas o que a literatura indica é que a participação dos trabalhadores no diagnóstico dos fatores de risco precisa acontecer preferencialmente de forma anônima, para já reduzir o risco de retaliações, que sabemos que acontece, e aí vai incidir outro risco.
Mas a participação dos trabalhadores no diagnóstico dos fatores de risco precisa acontecer, porque os trabalhadores são as pessoas que experienciam os riscos, que têm contato com estes fatores. A participação deles no diagnóstico é fundamental, assim como a atuação dos sindicatos como instituições que se mantenham atentas às mudanças epidemiológicas de suas categorias, tanto quanto a participação do Governo.
Como já foi apontado hoje diversas vezes — para não ficar repetitiva minha fala, devo respeitar o tempo —, o sucesso da gestão dos riscos psicossociais do trabalho não pode ser deixado à mercê das forças do mercado, como acontece nos Estados Unidos ou mesmo na Suíça. Ele depende da compreensão do caráter sistêmico dos fatores de risco psicossociais. Vai depender também, consequentemente, de vigilância constante por parte das diferentes instituições e dos atores sociais envolvidos na gestão. Enfim, com o dispositivo implementado, tal gestão poderá ser cumprida, com a especificação de que os fatores têm que ser diagnosticados. Eles diferem de acordo com o trabalho. Não podemos incorrer no erro de que, por modelo probabilístico, algumas profissões levem a doenças relacionadas ao trabalho, e outras, não.
Embora haja uma incidência, podemos não considerar os casos individuais, porque não estão fora do sistema. Então, há essa importância de compreender o caráter sistêmico dos fatores de riscos psicossociais e a vigilância constante centrada nos trabalhadores e na gestão desses riscos.
Eu agradeço bastante o convite, pois acho esse debate muito importante. Saúdo também o Deputado pela proposta, pela condução dos trabalhos e Presidência desta audiência.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Muito obrigado, Fernanda.
A SRA. ANA LUIZA HORCADES - Boa tarde a todos. Eu trouxe uma apresentação e queria pedir para que fosse colocada na tela.
Enquanto isso, cumprimento, em primeiro lugar, o Deputado Carlos Veras, a quem agradeço por promover essa discussão justamente num ano em que a Campanha Nacional de Prevenção ao Acidente no Trabalho tem como tema transversal os fatores de risco psicossociais e a segurança e a saúde no trabalho como direito fundamental.
Cumprimento a minha chefe Viviane Forte, na pessoa de quem amplio esses cumprimentos para todos os meus colegas auditores fiscais do trabalho. Estamos todos os dias na rua, na luta pela promoção de um meio ambiente de trabalho seguro e saudável para todos os trabalhadores e não apenas para todos os empregados. E cumprimento a todos os que estão presentes e os que estão acompanhando de forma remota.
Em respeito e também de forma a promover a inclusão, eu queria fazer uma audiodescrição. Eu sou uma mulher branca, tenho 44 anos, cabelos pretos, lisos, abaixo do ombro, e estou vestindo uma blusa preta e uso óculos. Estou em uma bancada, e ao meu lado direito está o Johnny, Assessor da Câmara; ao lado esquerdo, o Deputado Carlos Veras; ao lado do Deputado está a Viviane; e, ao lado da Viviane, o Mauro Salles, da CONTRAF. Atrás de mim há uma Bandeira do Brasil.
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Bom, estamos aqui para falar de segurança e saúde no trabalho. Para contextualizar, quando falo de segurança e saúde no trabalho, eu queria deixar muito claro que não estou falando simplesmente do direito de não morrer, do direito de não perder um pedaço, do direito de chegar a casa, de não perder a audição. Eu estou falando de segurança — não sou eu que inventei isso, isso é um conceito da Convenção 155, ratificada pelo Brasil — de uma forma muito mais ampla, porque a segurança e a saúde com relação ao trabalho abrangem não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos — e aí, vejam, isso não foi escrito ontem nem anteontem — físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a saúde no trabalho.
Na verdade, quando nós da Auditoria Fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho pensamos em políticas públicas de segurança e de saúde no trabalho, é isso que perseguimos, esse completo estado de bem-estar físico e mental e social e não a simples ausência de doença, como também diz a Organização Mundial de Saúde. Então, para começar, é isso que buscamos e é esse tipo de saúde que a normatização vigente busca promover.
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É claro que hoje, em 2023, sabemos que trabalho e saúde e trabalho e doença são dois conceitos que não se separam. A saúde não existe de uma forma isolada, a saúde depende e sofre influências de tudo aquilo que afeta o indivíduo — o lazer, a alimentação, o meio ambiente, a educação, a renda, o trabalho. Na medida em que a saúde é direito de todos e dever do Estado e na medida em que o Estado promove a saúde, o Estado tem que considerar que para a promoção da saúde não adianta falar de saúde, se não falar de todos esses demais aspectos. Esse conceito de saúde é de 300 anos atrás. O primeiro médico do trabalho, o Ramazzini, já o sabia, então, eu não posso agora, em 2023, voltar 300 anos e me esquecer de um conceito tão básico.
Saúde e segurança são direitos fundamentais. Além de em 2022 isso ter ficado mais claro e já ter sido positivado, estar escrito, estar declarado pela Organização Mundial de Saúde, na medida em que os direitos humanos, como o direito ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável, estão positivados na nossa legislação brasileira, nós os chamamos de direitos fundamentais. É isto que os direitos trabalhistas são: direitos fundamentais.
Se o indivíduo tem o direito à segurança e à saúde na sua vida em geral, não é porque ele é trabalhador que ele deixa de ter esses direitos. Ele tem que poder gozar de todos os mesmos direitos do indivíduo na sua vida e no seu trabalho. Ele não pode ser limitado do gozo da sua saúde enquanto desenvolve uma atividade laboral. E, digo mais uma vez para reforçar, ao discutir aqui o desenvolvimento do trabalho, os direitos fundamentais, os direitos humanos, temos que lembrar que estamos falando do princípio básico que é o pai e a mãe, na verdade, de todos os outros direitos: a dignidade da pessoa humana, a centralidade do indivíduo, a capacidade de o indivíduo se desenvolver na sua plenitude. É pensando nisso que temos que desenvolver as políticas públicas, todas elas, quaisquer que sejam. E é pensando nisso, na centralidade do indivíduo, que temos que escrever cada letra das nossas normas vigentes.
Todo mundo fala que gostaria de viver na Suíça, que gostaria de viver na Europa, porque na Europa a coisa é diferente. Por quê? Porque já existe um raciocínio no Antigo Continente, de uma forma geral, de que as políticas públicas têm que ser pensadas com base na centralidade da pessoa humana e da valorização do indivíduo; que um acidente de trabalho não é uma fatalidade, não pode fazer parte da conta da economia daquele país para a coisa andar para frente.
Então, estamos aqui para falar de aspectos psicossociais. De forma grosseira, o que são esses aspectos psicossociais? É essa relação entre o indivíduo, com todas as suas variações, e a variação entre os indivíduos, porque aquilo que me atinge é diferente daquilo que atinge a Vivi ou o Carlos. Inclusive, aquilo que me atinge hoje pode não ser a mesma coisa que me atingia há 1 mês, porque ocorrem variações dentro de nós mesmos que também têm que ser consideradas enquanto se pensa numa atividade laboral, enquanto se pensa na saúde dentro desse sentido amplo. Então, são as variações inter indivíduos, as variações entre os indivíduos, e também a relação desse indivíduo com o trabalho.
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Lembro que, quando nós falamos de fatores psicossociais — vejam que aqui eu escrevi "aspectos psicossociais" —, eu não estou dizendo apenas que os aspectos psicossociais vão fazer o indivíduo adoecer. Na verdade, se eles forem bem pensados, pensados de forma positiva, eles favorecem o desenvolvimento deste indivíduo em sua plenitude. Acontece que, na medida em que estes aspectos psicossociais atuam no prejuízo da saúde do indivíduo, nós passamos a chamá-los de fatores de risco psicossociais. Quero lembrar que, muitas vezes, nós associamos estes fatores de risco psicossociais a falhas na organização do trabalho e a problemas em determinada atividade laboral. No entanto, nem sempre são problemas. Muitas vezes, são características daquela atividade laboral, que nem podem ser excluídas daquela atividade, são características que não podem ser eliminadas.
Quando nós estamos discutindo fatores de risco psicossociais, parece que estamos falando de uma grande novidade. Mas, na verdade, é aquele museu de grandes novidades, porque este tema já é mundialmente discutido e reconhecido há muitas décadas. O primeiro documento oficial que tratava deste assunto foi publicado pela OIT em 1984, quando eu mal sabia escrever. Hoje, independentemente desta legislação, pois nós já temos bastante previsão normativa para o tema, nós estamos tentando discutir como ainda somos reis e campeões de doenças mentais.
Em 1984, a OIT já publicava documentos sobre este assunto. No entanto, agora em 2023, nós temos esta publicação da OIT, que é assustadora, que mostra que pelo menos 300 milhões de pessoas viviam com ansiedade em 2019. Este é um número absurdo! Além disso, 703 mil pessoas morreram por suicídio e 15% das pessoas em idade adulta tiveram algum tipo de desordem mental em 2019.
Em matéria de impactos financeiros, é de 1 trilhão de dólares a cifra relacionada ao adoecimento mental. Por isso, a primeira coisa que nós temos que discutir, para podermos encorajar estas mudanças que favoreçam a saúde mental no trabalho, é que esta discussão impacta a economia do País, impacta o preço do leite, o preço do arroz e do feijão dos trabalhadores. Isso não é novidade, não é algo inventado. Tudo isso que nós estamos discutindo tem uma base técnica e científica que fundamenta esta discussão.
Mais uma vez, a OIT está dizendo que os transtornos mentais são a principal causa de incapacidade. Nós temos um exército de pessoas incapazes, pessoas que, por causa de transtornos mentais, não produzem o que poderiam produzir para seus países. Nós precisamos encarar este problema e construir normativos eficientes, porque o normativo não se implementa sozinho. Ele precisa do Estado para fortalecer e promover sua implementação. Por isso, entre outros mecanismos, nós temos a inspeção do trabalho como agente que promove a implementação de toda esta legislação que estamos discutindo.
É claro que os fatores de risco psicossociais não nasceram ontem — já existem desde que existe o trabalho. No entanto, logicamente, em face da evolução das relações do trabalho, hoje nós temos uma maior evidência do impacto destes fatores de risco psicossociais sobre a população.
Além de toda esta evolução, que é natural, e nós temos que absorver e regular para que traga menos impactos sobre a população, existem outros aspectos que vão acontecendo, deixando sequelas e gerando impactos na população.
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Esta é uma imagem que, desde o dia em que eu vi, eu não consegui “desver”, pois me marcou muito. Nós atravessamos a pandemia e temos que saber que as sequelas no mundo do trabalho ainda estão aqui. Nós precisamos administrar estas sequelas para reduzir, para melhorar e para trazer de novo todos os trabalhadores que foram impactados pelos fatores de risco psicossociais no trabalho para a produtividade.
Como é que isso está hoje nas organizações? Até o dia 2 de janeiro de 2022, eu havia visto, na inspeção do trabalho, um total de zero documento que, de fato, abordava os fatores de risco psicossociais no trabalho. Com a publicação da nova NR 1, isso começou a ser tratado, no entanto ainda acontece de forma muito incipiente e, muitas vezes, muito pobre e equivocada. Estas discussões que nós estamos promovendo aqui melhoram o nível do conhecimento, porque as pessoas precisam de conhecimento para discutir e fazer evoluir o combate aos fatores de risco psicossociais.
O Programa de Gerenciamento de Riscos — PGR é o documento que hoje as empresas têm a obrigação de ter, todos os bancos, porque não são só as microempresas e empresas de pequeno porte que têm a obrigação de desenvolver seu programa de gerenciamento de riscos e de ali tratar da abordagem dos fatores de risco psicossociais.
O Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional — PCMSO é outro que não pode se furtar de tratar da questão mental dos trabalhadores, mas o PCMSO é um documento desenvolvido por médicos do trabalho. Vocês sabem como está o conhecimento dos médicos do trabalho sobre os fatores de risco psicossociais? A Associação Paulista de Medicina do Trabalho — APMT publicou, em 2018, uma enquete para saber o que os médicos do trabalho entendem sobre saúde mental. Os resultados são aterradores: mostram que apenas 29% dos médicos consideravam os fatores psicossociais no PCMSO. Isso é uma barbaridade, um absurdo! Destes, somente em metade dos casos foram feitos levantamentos específicos para isso.
Eu sugiro aos senhores que depois leiam esta enquete, para verem o tamanho do desconhecimento sobre saúde mental. Por isso, nós temos que promover conhecimento para os profissionais da área de segurança do trabalho, para que possa haver realmente um enfrentamento da questão da saúde mental.
Por fim, a legislação só será efetiva quando observarmos que esta legislação, de fato, permite ao Estado efetivar direitos para um público que não é homogêneo. O público de trabalhadores brasileiros é um público absolutamente heterogêneo, e nós precisamos de normativos que permitam que um Estado forte, de fato, promova o gozo a este direito tão básico que nós estamos discutindo, o direito à saúde e à segurança no trabalho.
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O SR. PRESIDENTE (Carlos Veras. Bloco/PT - PE) - Muito obrigado, Ana Luiza.
Eu quero pedir desculpa aos companheiros e às companheiras, ao Alberto e a tantos outros que se inscreveram para falar, mas já passamos 12 minutos do prazo final para encerrarmos a reunião, pois nós teremos uma deliberativa e eles estão aqui no meu juízo pedindo o encerramento desta. Então peço desculpa a vocês por não poder abrir a palavra para o Plenário.
Agradeço às senhoras e aos senhores convidados, aos nossos palestrantes pela presença e pela grande contribuição.
Quero pedir ao pessoal para tirarmos uma foto de todos que participaram desta audiência aqui na frente.
Agradeço a todos vocês, porque o nosso objetivo era colher essas informações para enriquecer o nosso relatório do projeto para que pudéssemos avançar nesse tema.
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