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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Declaro aberta a presente reunião.
Informo aos Srs. Parlamentares e às demais senhoras e senhores presentes que esta reunião se realizará de forma presencial e também via web, por meio do aplicativo Zoom, ao vivo, pela Internet, no site da Câmara e na página da Comissão, no endereço cd.leg.br/ctasp.
Quero, antes de mais nada, justificar a ausência do Deputado Airton Faleiro. Por questões de saúde, ele acabou não podendo participar desta audiência pública, porém ele passa bem.
Esclareço que, salvo manifestação explícita em contrário, a participação dos palestrantes e Parlamentares na Mesa de apresentação e debates deixa subentendida a autorização para publicação — por qualquer meio e em qualquer formato, inclusive mediante transmissão ao vivo ou gravada, pela Internet, em meios de comunicação desta Casa, por tempo indeterminado — dos pronunciamentos e imagens pertinentes à participação na audiência pública realizada nesta data, segundo o art. 5º da Constituição Federal de 1988 e a Lei nº 9.610, de 1998.
Informo ainda que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis para serem baixados na página desta Comissão logo após o encerramento dos trabalhos e que as fotos do evento, se houver, serão disponibilizadas no banco de imagens da Agência Câmara, na página da Câmara dos Deputados.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos do Requerimento nº 25, de 2023, do Deputado Airton Faleiro, aprovado por esta Comissão, para debater as relações trabalhistas relacionadas à sociobioeconomia.
Esta reunião será composta pelos seguintes palestrantes, os quais eu já convido de imediato para que façam parte da composição da Mesa: o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Alberto Bastos Balazeiro — por gentileza, Ministro, seja bem-vindo — (palmas); Dione Torquato, Secretário-Geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, CNS (palmas); Cirlene Luiza Zimmermann, Coordenadora Adjunta da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, CODEMAT, do Ministério Público do Trabalho — Cirlene está presente pelo Zoom —; Manoel Vital de Carvalho Filho, Diretor do Departamento de Parcerias da Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego, MTE — seja bem-vindo, Manoel — (palmas); Carlos Eduardo Chaves Silva, Assessor Jurídico da Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais, CONTAR — está presente via Zoom —; Ticiane Alves, representante da CUT (palmas); Paulo Rocha, Superintendente da SUDAM.
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Comunico aos senhores membros desta Comissão que o tempo destinado a cada convidado para fazer sua exposição será de até 15 minutos, prorrogáveis a juízo desta Presidência, não podendo o convidado ser aparteado. As inscrições para o uso da palavra serão feitas por meio do menu Reações, a "mãozinha", do aplicativo Zoom, no caso daqueles que estiverem participando por meio remoto. Os Deputados inscritos para interpelar os convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer dos presentes.
Inicialmente, quero cumprimentar o Deputado Alexandre Lindenmeyer, que preside os trabalhos, e agradecer-lhe, assim como ao Deputado Airton Faleiro, a gentileza do convite para que nós pudéssemos comparecer aqui, hoje, representando o Tribunal Superior do Trabalho neste debate tão importante sobre relações de trabalho, sociobioeconomia, trabalhos verdes, um caminho para o futuro, a transição justa de que tanto fala a Organização Internacional do Trabalho.
(Segue-se exibição de imagens.)
Quando se fala em relações de trabalho, em sociobioeconomia, o primeiro conceito que se deve buscar é a origem desse debate em relação ao trabalho decente, o trabalho digno. A OIT, Organização Internacional do Trabalho, traz este conceito da importância do trabalho digno. A primeira menção que eu faço é à própria Constituição da OIT, que alude a que só pode haver efetivamente uma paz em todas as searas, inclusive na seara da justiça social, quando se falar em justiça social efetiva, ou seja, não haverá paz enquanto não houver equilíbrio das relações e inclusão das pessoas.
O conceito de sociobioeconomia é um conceito que se relaciona com aspectos sociais, econômicos e também biológicos.
Ele traz em seu âmago a ideia de que trabalhos verdes não apenas produzem sustentabilidade no sentido da natureza, do meio ambiente, mas também traduzem uma sustentabilidade social. E a mensagem, Presidente, que mais gostaria de passar aqui é que o aspecto social da sustentabilidade jamais pode ser esquecido por ser o aspecto, a meu sentir, mais importante. Eu brinco sempre — e falava isso na sexta-feira, em Minas Gerais, no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região — que é muito comum ouvir falar em trabalhos verdes, por exemplo, em áreas de reflorestamento, mas nessa cadeia produtiva há trabalho escravo e trabalho infantil. Então, o trabalho não é verde. Ele é tudo menos verde, porque há uma cadeia maculada pela indignidade.
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A OIT fala em transição justa, que seria exatamente a migração dos empregos e da colocação em todas as áreas, inclusive no campo, para condições melhores. Isso não quer dizer — a Constituição falava em proteção contra a automação, proteção contra a mecanização — que, com o simples fato de se acabar com a mecanização e a automação, haja a garantia de uma transição justa para o trabalho digno. O trabalho digno é um conceito muito mais amplo, que envolve inclusive a preservação da natureza.
Então, o objetivo aqui é trazer esse debate. Ao conceito de trabalho verde, como eu havia dito, hoje tem que se incorporar o aspecto social. Você só pode falar em trabalho verde quando preserva condições dignas de trabalho. Essa é a visão da OIT sobre o tema. Exemplos de trabalho verde nós conhecemos muitos: energia renovável, reciclagem, agricultura sustentável. Eu estive aqui em Brasília visitando uma cooperativa de catadores. É impressionante o trabalho que é feito em toda a ponta! Ele é feito no aspecto tanto da preservação da natureza, da economia em relação ao que é produzido, o lixo reciclado, quanto das garantias de saúde e segurança dos próprios cooperativados. Esta era uma coisa que nos interessava: trazer esse casamento entre trabalho verde, economia, meio ambiente e sociedade.
O próprio conceito de meio ambiente de trabalho é um conceito ainda muito discutido. É um conceito que trata exatamente da ideia de que dentro do meio ambiente se inserem os aspectos ecológicos, mas principalmente os aspectos sociais. Há uma ideia — e essa é uma ideia que mais persegue inclusive a própria Justiça do Trabalho — de dicotomia, de divisão, como se houvesse o meio ambiente com o qual todos nós convivêssemos, e houvesse, separado, o meio ambiente de trabalho. Na verdade, o meio ambiente de trabalho é parte de um todo. Jamais nós poderemos compreender essa divisão. Nós vemos muito esta discussão: "Não, há o meio ambiente do terceirizado, o meio ambiente do empregado próprio, o meio ambiente do autônomo". Na verdade, todos são um meio ambiente único. Então, a noção de que não existe divisão no meio ambiente também é essencial.
Há uma série de conceitos sobre o meio ambiente que são muito confundidos e que nós também não podemos deixar de rememorar num debate sobre sociobioeconomia: a questão de higiene do trabalho, de medicina do trabalho, de segurança do trabalho. Eu brinco muito com o fato de que se diz que ergonomia, Presidente, é sentar-se numa cadeira com o teclado na mão, quando ergonomia é a forma como se organiza a produção. Então, eu não posso admitir que uma fábrica ou indústria, inclusive extrativista, tenha um ritmo de trabalho que adoeça o trabalhador, e se fale que existe ergonomia porque a posição da cadeira está correta.
O que é, por exemplo, poluição no meio ambiente de trabalho?
Identifica-se poluição quando a fumaça sai de uma fábrica, mas, quando ocorre assédio moral ou sexual, não há poluição, não? Os fatores de poluição são outros. Interferem no meio ambiente de trabalho e têm igual gravidade. Chegam a afastar as pessoas e a causar a perda de gerações. O Brasil não faz essa análise, mas um acidente de trabalho ou uma doença ocupacional é a perda de uma geração inteira que iria apresentar resultados para o País. Claro, a tragédia humana é muito maior, mas também existe uma tragédia econômica e geracional.
Os fatores relacionados aos trabalhos verdes, em uma compreensão dos trabalhos verdes como o elemento que gera uma transição justa, também devem passar por um debate legislativo. Muitos debates relacionados aos trabalhos verdes ainda não contemplam o que a proposta desta Comissão hoje apresenta, que é o desenho regulatório de formas de preservação de trabalho e trabalho digno.
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O Tribunal Superior do Trabalho recebe demandas — eu recebi no meu gabinete uma específica — que tratam da privatização sem a garantia de empregos ou postos de trabalho por parte daqueles que adquirem a empresa.
O olhar no campo de trabalho jamais pode ser segmentado. Não se pode imaginar que uma cadeia em que há trabalho escravo, trabalho infantil, indignidade, ilicitude trabalhista seja classificada como verde. As próprias certificações, os chamados ISO, que as empresas buscam muito, em seus questionários, trazem cem perguntas sobre o tratamento da água, mais cem perguntas sobre a produção de energia, e duas ou três perguntas sobre as condições de trabalho naquele local. É preciso mudar a lógica, é preciso equilibrar. Isso passa pela produção de um marco regulatório no Parlamento.
As tecnologias limpas, evidentemente, são sempre estimuladas, porque trazem essa noção de redução de emissão de gases e de preservação e restauração do meio ambiente, inclusive em relação a fatores de exportação, que também têm base no direito de trabalho. Nós vimos os problemas relacionados ao vinho gaúcho. Agora, a cadeia toda se interessou por ter uma regulação, para que o produto gaúcho, que é maravilhoso, não seja ele próprio contaminado em termos de exportação. Hoje o mundo se interessa em saber como é a produção do material que é comercializado.
A OCDE tem um método para avaliação da organização de trabalhos verdes para a cooperação e o desenvolvimento econômico. A OCDE avalia como é feita a produção e analisa o aspecto do meio ambiente, a interação com o homem, as ações que minimizam o impacto também no viés trabalhista e de garantias de promoção de igualdade de gênero e raça. Trabalho verde não pode ser feito sem interseccionalidade. Nós temos que compreender a vulnerabilidade como um fator.
Neste ano, eu representei o Tribunal Superior do Trabalho, juntamente com outros dois Ministros, na conferência anual da Organização Internacional do Trabalho, e um dos debates mais interessantes a que eu assisti não foi um debate costumeiro em relação ao tema, ou seja, matéria trabalhista, mas um debate curioso sobre a aplicação de recursos na Organização Internacional do Trabalho, ou seja, onde a OIT aplica o seu orçamento.
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Diversos países bloquearam o orçamento da OIT, que demorou a ser aprovado — a OIT tem seu primeiro diretor africano este ano —, porque não aceitam gênero e raça como fatores de vulnerabilidade. A identificação de um fator de vulnerabilidade, evidentemente, importa a aplicação de mais recursos pela organização em determinada área.
Então, quando nós falamos em trabalho verde, temos que considerar o aspecto da interseccionalidade. Qualquer política pública brasileira em 2023 não pode ignorar esse fator.
O Governo foi muito feliz na restituição do Programa Pró-Catador, que já existia no Rio Grande do Sul e no Paraná. É um programa interessantíssimo — eu fiz uma visita, como já havia aludido. É uma possibilidade de geração de renda, proteção ao meio ambiente e inclusão, que é o que mais se deseja.
Eu brinco que algumas palavras em inglês me dão um calafrio, Deputado, mas atualmente eu estou até aceitando falar em compliance quando me refiro à área de meio ambiente. Trabalho verde tem que ter compliance, porque não adianta ter um discurso para fora e, para dentro, ter outra circunstância. Então, as instituições se preparam para a lógica reversa, para compliance, para a noção de que trabalho verde passa por fiscalização.
Os impactos, inclusive os sociais, dos trabalhos verdes são inegáveis. É a ideia de um trabalho que apresente efeitos sociais favoráveis. Eu sempre digo que não adianta falar em ESG e compliance se isso não for adaptado para a noção de direito social. São palavras vazias, que não traduzem nada em relação ao que a sociedade almeja, principalmente o desenvolvimento.
Eu encerro daqui a pouco a apresentação. Vou fazer uma provocação. Fala-se muito em meio ambiente como um pacto intergeracional, mas se esquece de que existe o aspecto social e o meio ambiente de trabalho. É nesse contexto que o debate tem que ser também intergeracional.
Em relação a desafios e oportunidades, eu já aludi aqui à transição justa. A capacitação é essencial. É preciso investir no marco regulatório, é preciso investir na área de capacitação e de desenvolvimento de pessoas para os trabalhos verdes. Os trabalhos verdes não podem ser porta de entrada para a vulnerabilidade — esse é um ponto fundamental. Não podemos permitir, no trabalho verde, na sociobioeconomia, na economia da agricultura familiar, trabalhos em condições indignas, porque aí nós estaríamos dando munição a quem é contra esse tipo de construção, que é tão importante para o País.
Este eslaide fala sobre economia solidária, sobre todos os itens que têm que incorporar o aspecto social.
Outro ponto importante: para tudo que se fale no Brasil, é preciso respeitar o traço democrático, as normas e a coalização global. O novo Diretor-Geral da OIT, que esteve nos visitando no Tribunal Superior do Trabalho, apresentou ao Ministro Lelio a noção de um pacto para a justiça social, e a ideia dele é passar por democracia. Nós tivemos uma série de debates relacionados à mudança das normas regulamentadoras, que às vezes são muito combatidas, mas são a base de um sistema democrático. Preservam a fala do empregador, a fala dos empregados e também o Estado, que, na verdade, só deve arbitrar em último caso. A ideia é que se chegue sempre ao consenso. Então, é preciso aliar democracia ao debate sobre trabalho verde. Não adianta construir normas sem o aspecto democrático, porque se perde o essencial, que é a legitimidade.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Tema 1.046, admitiu a força das convenções coletivas e dos acordos coletivos para regular direitos em sobreposição à própria legislação — havia um debate importante sobre isso —, o que reforça a responsabilidade das organizações sociais e dos sindicatos ao pactuarem a questão dos trabalhos verdes. Não adianta fazer pactuações que depois causem prejuízo e sejam submetidas à proteção do Tema 1.046.
É uma responsabilidade que nós temos.
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Falar em dimensão social, como eu havia me referido à democracia, é falar também em participação ativa e informada das comunidades atingidas. As comunidades atingidas, às vezes, têm uma reação muito lenta a invasões e a toda sorte de violência porque não têm a devida informação sobre o tema. Nós vemos casos, como o de Alcântara, que demoram 20 anos, 30 anos para chegar ao Estado brasileiro. Nem vou falar da questão quilombola, que também não tem acesso à informação. Também é papel do Estado, nesse marco regulatório de trabalho verde, compreender que as pessoas têm que ser capacitadas para trabalhar e têm que ser capacitadas quanto aos próprios direitos.
O diálogo social é a base da noção. O TST também tem um programa para tratar de segurança de saúde e de trabalhos verdes, que é o Programa Trabalho Seguro. Hoje, eu estou na coordenação por indicação do Presidente, mas há uma série de ações que são realizadas. Inclusive, este ano, nós sediamos dois grandes eventos abertos à população e trouxemos o Ministro da Previdência e o Ministério do Trabalho, que estiveram lá tratando de uma série de temas, inclusive sobre plataformas, que é um debate que também perpassa os trabalhos verdes.
Eu tenho muito receio, Presidente, de ver temas velhos com roupagem nova: home office, etc. Ainda ontem, eu recebi uma revista do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região de 1970, em que o primeiro artigo era A Novidade do Trabalho em Casa. Devemos lembrar que alguém paga pela energia, que alguém paga pela água, que alguém paga pelo trabalho em casa, pois muita gente imagina ter algum grau de vantagem, esquecendo que não tem limitação de jornada, que é o tema lá da Revolução Industrial, não tem preservação da intimidade — por exemplo, eu estou falando de minha casa e passa a minha filha por trás, e as pessoas ficam sabendo como é a minha casa. Então, tem que se tomar cuidado também quando se fala em novidades em trabalho e em trabalhos verdes, para que não sejam velhos temas apresentados.
Outro dia, um colega nosso lá do Ministério Público do Trabalho fez uma capacitação no Tribunal e lembrou que, no começo, lá atrás, na Revolução Industrial, trabalhava-se em casa, depois, passou-se para as corporações de ofícios e depois para as fábricas. Qual foi a pedra de toque? A necessidade de produzir com mais velocidade e em maior quantidade. Só que hoje nós estamos voltando para casa. Então, voltar para casa necessariamente não é uma vantagem. Nós temos que compreender sempre essas medidas que são postas, que são debatidas, para que não vejamos a mesma coisa só que com outra roupagem.
À guisa de conclusão, Presidente, eu queria só apresentar a noção de que existe um compromisso intergeracional — expressão muito utilizada em Direito Ambiental; Édis Milaré e uma série de professores da área usam essa expressão —, que significa que o meio ambiente não é feito para mim, é feito para as gerações futuras. A mesma coisa está relacionada ao trabalho: eu preciso planejar o trabalho direito para que ele seja a expressão das gerações que se seguem, como também em relação à migração dos empregos.
Meus amigos, fala-se no fim dos empregos desde que o mundo é mundo. Emprego não termina; emprego muda de lugar: é conversão logística, requalificação, etc. E cada vez mais se exige exatamente a adequação aos trabalhos verdes e a adequação à sustentabilidade social, que é a mensagem que eu queria passar.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Obrigado, Ministro Balazeiro, pela sua explanação.
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A SRA. CIRLENE LUIZA ZIMMERMANN - Obrigada, Deputado Alexandre Lindenmeyer, em nome de quem cumprimento os demais integrantes dessa Mesa.
Dirijo um cumprimento especial ao Ministro Alberto Balazeiro, outrora nosso colega de Ministério Público do Trabalho.
O MPT enaltece, de forma muito efusiva, esta iniciativa da Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados de promover um debate sobre as relações trabalhistas relacionadas à sociobioeconomia, esse propósito de empregos verdes, que, como bem apontou o Ministro Balazeiro, enfrenta um desafio duplo. Isso é muito bem pontuado pela Organização Internacional do Trabalho, e não podemos esquecer essa perspectiva. Temos que tratar, sim, de evitar as mudanças climáticas, de frear as mudanças climáticas, que são perigosas, que são inadmissíveis, que são potencialmente até inadministráveis; temos que proteger o ambiente natural que sustenta a vida do nosso planeta, não tenho dúvida disso, mas, por outro lado, precisamos fazer tudo isso garantindo o trabalho decente num cenário em que há mais de 1 bilhão de pessoas excluídas do desenvolvimento econômico-social.
Esse é o olhar que realmente precisamos ter, porque esse trabalho decente, na perspectiva da OIT e em nossa perspectiva, é o que assegura certo grau de estabilidade social. Precisamos avançar nesse futuro do trabalho com empregos verdes invocando esse conceito de trabalho decente, que contempla a questão da remuneração justa, a questão do direito de trabalho em ambientes seguros e saudáveis, a condição de liberdade desse trabalho, inclusive a liberdade sindical, o estar livre de uma situação de discriminação e de assédio no ambiente de trabalho, o afastar toda forma de exploração do trabalho infantil. Esse é o cenário de trabalho digno que precisamos quando pensamos na situação de empregos verdes. Então, não é possível imaginar apenas uma preservação de meio ambiente se não conseguirmos fazer essa defesa de um ambiente de trabalho seguro e saudável. Precisamos mitigar esses danos ao meio ambiente, mas contribuir também para que o trabalho seja digno.
Sempre que pudermos, devemos ter essa abordagem integrada. A partir disso, eu reforço aqui um conceito que o Ministro Balazeiro já antecipou também sobre transição justa. Quando falamos em sociobioeconomia e buscamos essa evolução, esse avanço, estamos pensando em não deixar ninguém para trás. E hoje estamos deixando muita gente para trás. Então, precisamos realmente pensar num avanço; e a pandemia nos mostrou que podemos ter, num cenário de caos, uma redução da poluição ambiental. Nós dizemos: "Precisamos de alguma forma avançar, mas avançar incluindo mais pessoas, incluindo as pessoas em situação de maior vulnerabilidade, mas também tendo um cenário de desenvolvimento econômico". Esse é o importante propósito que temos que ter aqui.
O Ministro Balazeiro citou alguns setores em que pode haver empregos verdes. E eu vejo isso muito na perspectiva de termos alguns setores em que esses empregos verdes são muito apontados, em que essa economia verde seria mais possível de ser visualizada, mas o fato é que não precisamos ter uma limitação humana ou uma noção absoluta de economia verde. Parece-me que qualquer setor — e esse é o cenário ideal — pode ser esverdeado.
Então, vamos pensar numa energia renovável, que por si só seria um setor de economia verde, mas que, no momento em que abastece diversos outros setores — hoje mais marrons, mais poluentes —, possa esverdeá-los a partir da disseminação de tecnologias mais sustentáveis. Acho que esse é o grande propósito aqui. Precisamos visualizar a possibilidade dessa expansão, com envolvimento de todos os setores da economia.
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Outro aspecto importante que nós precisamos trazer aqui quando o debate é pensando no estabelecimento de um marco regulatório da sociobioeconomia é que nós ainda enfrentamos hoje muitas limitações, muitas restrições a uma economia realmente verde. Podemos perceber que o avanço da promoção de empregos verdes ainda é muito lento e que muito disso ainda envolve a dificuldade ou a impossibilidade de as empresas que realmente se dedicam a uma economia mais verde, a atividades mais sustentáveis, terem o seu espaço efetivamente garantido no ambiente concorrencial. Muitas vezes, o que o mercado financeiro faz é exigir retornos imediatos, retornos rápidos, e às vezes a economia sustentável não consegue garantir essa velocidade. O que acontece é que, se essa tentativa de esverdear a economia não é sustentada pelo poder público de alguma forma, nós temos essas práticas comerciais ainda insustentáveis se mantendo, porque elas continuam conseguindo oferecer produtos a preços mais baixos, mas à custa da sociedade, à custa da externalização, de fazer com que toda a sociedade arque com os efeitos sociais e ambientais negativos. Então, nós precisamos de alguma forma criar mecanismos para proteger aqueles que estão realmente se dispondo, que estão adotando tecnologias e práticas comerciais mais verdes.
Eu queria agora trazer um exemplo de projeto de lei que já está tramitando nesta Casa Legislativa e que merece realmente um olhar diferenciado, o Projeto de Lei nº 2.838, de 2022, do Deputado Zé Silva. Esse projeto se propõe a estabelecer uma classificação, normas e diretrizes, para a aplicação de uma taxonomia ambiental e social. O PL 2.838 determinou uma classificação de atividades econômicas, projetos de infraestrutura e tecnologias, de acordo com os seus impactos ambientais e sociais, incluindo, evidentemente, os impactos climáticos. De acordo com esses impactos, se positivos ou negativos, a classificação vai apontar para onde devem ser direcionados os incentivos econômicos, os incentivos fiscais e os incentivos creditícios. Esse projeto de lei é um exemplo do que de fato precisa ser estimulado e precisa ser debatido nesta Casa Legislativa, de modo que aqueles que estão se predispondo a ter um olhar mais verde, a transformar, a esverdear a nossa economia consigam se manter no mercado de forma mais adequada. Faço este registro.
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Um assunto que eu acho importante levantar em todas as nossas discussões é a Agenda 2030 da ONU. A expansão da sociobioeconomia está contemplada na Agenda 2030, em especial no Objetivo 8 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que aborda a questão do trabalho decente e do crescimento econômico e prevê que até 2030 consigamos promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos e todas. Na realidade, o que esse objetivo está dispondo, de forma muito clara, é um enaltecimento à sociobioeconomia. Isso precisa ser reforçado neste espaço.
Outra questão importante — o Ministro Balazeiro já apontou neste sentido, e eu gostaria de reforçar — é que, quando tratamos de meio ambiente do trabalho, estamos tratando de uma das perspectivas do meio ambiente. Estudos apontam que grande parte da poluição que impacta o meio ambiente natural advém de atividades produtivas. Não adianta falarmos apenas em preservação de floresta, em preservação dos rios e dos animais, se não olharmos para a fonte dos perigos que afetam o ambiente natural, e, muitas vezes, quem está mais perto dessa fonte, num ambiente de trabalho insalubre, inseguro, é o trabalhador. Então, a inclusão do direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável como princípio fundamental da Organização Internacional do Trabalho, em 2022, não se deu por acaso. Imaginava-se, até pela antiguidade das convenções da OIT que tratam do ambiente seguro e saudável, que isso já fosse algo natural. O fato é que não era. Foi preciso que, em 2022, se expressasse de forma muito clara que todos os trabalhadores têm direito a um ambiente seguro e saudável.
A realidade vai no sentido contrário. Exemplos muito recentes evidenciam isso. Os mortos e os feridos na explosão ocorrida na metalúrgica de Cabreúva na última sexta-feira, infelizmente, são mais um exemplo do que estou dizendo aqui, não me deixam mentir. Ainda temos ambientes de trabalho muito poluídos, muito insalubres, muito inseguros, e não há como falar em economia verde em setores que produzem à custa da vida e da integridade física e psíquica das pessoas. Essas tragédias humanas que nós deveríamos até chamar de crimes realmente não podem ser consideradas atividades verdes, de setores verdes, ainda que aparentemente se valham de soluções sustentáveis.
Deputado, eu queria reforçar um dos aspectos e um dos setores que muitas vezes abordamos quando tratamos de economias verdes, que é o setor da reciclagem. Esse setor recupera matéria-prima, então de fato ajuda a aliviar a pressão sobre os recursos naturais, mas geralmente ele também se vale de um trabalho extremamente precarizado, num ambiente extremamente insalubre, perigoso, com sérios danos, sim, à saúde humana. Esse é um olhar que precisamos ter, de modo que a sustentabilidade desse emprego seja questionada quando não se inclui de forma adequada e segura esses trabalhadores.
Sempre que estivermos diante de trabalhos com pouca qualidade, com baixa qualidade, precarizados, informais, como é o caso da construção civil, em que a informalidade é extremamente presente, é preciso notar que, mesmo que estejamos incentivando a construção de casas sustentáveis, se isso é feito por trabalhadores em situação de precariedade, com baixa qualidade de emprego, não podemos qualificar a atividade, ou emprego, ou o setor como verde. Podemos usar também o exemplo da produção de biocombustíveis. Quando se tem nessa produção uso de agrotóxicos, ou adoecimento de trabalhadores, se estamos diante de uma situação de violação de direitos trabalhistas, é preciso questionar o quão verde seria esse setor, se não há esse respeito de forma ampla.
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Quanto ao uso de agrotóxicos, Deputado, podemos destacar que nós tivemos nos últimos anos índices muito elevados de aprovação de novos agrotóxicos, alguns deles já proibidos em seus países de origem por serem comprovadamente cancerígenos, mas hoje ainda em utilização no nosso País. O que acaba acontecendo é que esse uso indiscriminado de agrotóxicos de certa forma desincentiva a agroecologia, porque a função ecológica é prejudicada pela presença do agrotóxico no solo e no ar. Recentemente, foi julgada pelo STF uma lei estadual do Ceará e foi declarada a constitucionalidade da proibição de pulverização aérea. Nesse processo, foram aportados alguns estudos que indicaram que o veneno, que o agrotóxico espalhado pela pulverização aérea, atingia até 32 quilômetros de distância. Então, veja, Deputado, não há agroecologia que se sustente, que consiga resistir a um cenário como esse. Nós precisamos enfrentar essas contradições se nós realmente queremos esverdear a nossa economia e usufruir dos benefícios que a sociobioeconomia, realmente sustentável e inclusiva, pode agregar às exportações brasileiras. Sabemos que o mercado externo tem realmente buscado produtos sustentáveis, produtos inclusivos, mas o cenário como um todo precisa estar disposto a isso.
Já me encaminhando para a minha fala final, reforço que uma transição justa para a economia verde depende necessariamente da educação e capacitação de empresas e trabalhadores para a economia verde. Recentemente foi publicada a Norma Regulamentadora nº 38, do Ministério do Trabalho, que trata das condições de saúde e segurança dos trabalhadores na coleta de resíduos sólidos. Essa NR, que poderia ter impulsionado a efetivação da política nacional de resíduos sólidos, acabou não tendo, por demanda empresarial e até dos próprios trabalhadores, parece-me que desorientados quanto a essa possibilidade de transição (falha na transmissão) condições de trabalho como as que se veem, a exemplo do transporte desses trabalhadores nos estribos de caminhões, para a coleta.
Vejam que a educação e a capacitação para a economia verde é algo necessário. Trago também o exemplo do Projeto de Lei nº 3.904, de 2021, da Deputada Tabata Amaral, que tramita nesta Casa Legislativa. Ele prevê a possibilidade de se manter e de se incentivar o emprego de economias verdes por meio da capacitação, por meio da destinação de recursos do FAT e do PRONATEC a cursos voltados para a economia verde.
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Dra. Cirlene Luiza Zimmermann. Eu quero saudar a excelência da qualidade da sua fala. A Dra. Cirlene é Coordenadora da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora — CODEMAT, do Ministério Público do Trabalho.
Registro a presença do Deputado Prof. Paulo Fernando e a satisfação de tê-lo aqui e saúdo todas as lideranças que estão presentes neste espaço, nesta audiência pública, um conjunto de lideranças extrativistas.
Eu gostaria inicialmente de saudar, com os cumprimentos extrativistas, a todos que nos acompanham nesta sessão, de forma presencial e de forma virtual, uma sessão que tem a presença de uma recomendação notória sobre os direitos trabalhistas dos povos e comunidades tradicionais associados à economia da sociobiodiversidade.
Sou Dione Torquato, extrativista, natural da Floresta Nacional de Tefé, neste ato representando o Conselho Nacional das Populações Extrativistas e também um conjunto de lideranças e de organizações parceiras presentes neste ato e que acompanham a Semana da Sociobiodiversidade.
Cumprimento de forma especial o Deputado Airton Faleiro e toda a sua comitiva. O Deputado Airton Faleiro foi o requerente deste espaço à Comissão de Trabalho. Ele tem atuação notória em defesa da Amazônia e dos direitos das populações tradicionais.
Cumprimento, também de forma especial, as populações tradicionais presentes nesta reunião, as mais de 150 lideranças extrativistas, indígenas, quilombolas, da agricultura familiar, os representantes de povos e comunidades tradicionais que participam desta semana, conforme citado. Cumprimento particularmente os nossos irmãos, parentes, companheiros e companheiras convidados especiais da Colômbia, do Peru e da Bolívia. Enfim, cumprimento o conjunto de organizações parceiras que atuam nas comunidades tradicionais, nos territórios e em diversos biomas do Brasil.
Numa breve contextualização, eu gostaria de ressaltar que nós, povos e comunidades tradicionais, agricultores familiares, indígenas, quilombolas, sustentamos as bases da economia solidária e sustentável deste País. Nossos territórios, além de serem extremamente importantes para a produção de alimentos saudáveis, têm também papel fundamental na conservação do meio ambiente, na redução das mudanças climáticas e na manutenção dos serviços ambientais.
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Mesmo com o reconhecimento da importância desses povos, a vulnerabilidade socioambiental causada pelo garimpo ilegal, por desmatamento, queimadas, pecuária desordenada e grandes projetos de empreendimento e de infraestrutura gera para nós, povos e comunidades tradicionais, grandes impactos. Consideramos inclusive que somos os primeiros a sofrer os impactos de projetos desordenados.
No momento em que o mundo vem discutindo alternativas para uma economia global voltada à bioeconomia, pouco se tem falado sobre a importância e a valorização dos guardiões da floresta e sobre a garantia dos seus direitos como trabalhadores extrativistas. Para nós, povos e comunidades tradicionais, só há um sentido: ou nós valorizamos e reconhecemos os direitos e as relações de trabalho dos nossos povos e comunidades tradicionais, ou continuaremos na invisibilidade, sendo oprimidos muitas vezes pelo próprio Estado brasileiro, que não reconhece a diversidade das relações de trabalho das suas classes trabalhadoras, principalmente daquelas que estão debaixo das camadas de floresta, muitas delas representadas nesta sessão.
Para nós termos esse reconhecimento digno na relação de trabalho, um dos pontos fundamentais é a garantia do nosso território, pois, sem a relação com a terra, o território e a fixação dessa relação socioprodutiva ligada à economia financeira e à manutenção dos nossos territórios, não há como pensar no futuro das populações tradicionais que vivem debaixo dessas camadas de floresta. Um trabalhador agroextrativista, portanto, não pode ter apenas uma fé cristã, uma fé religiosa como orientação de vida. Como fica o direito à proteção desses trabalhadores? Como garantir o auxílio previdenciário, por exemplo, para trabalhadores, povos e comunidades tradicionais que sofrem um acidente de trabalho e ficam muitas vezes em situação de invalidez? Como assegurar o direito dos trabalhadores extrativistas, indígenas, quilombolas, agricultores familiares que sofrem a interrupção ou o impedimento das suas atividades socioprodutivas, impactadas pelas ações climáticas e por atividades ilegais? Essas são algumas reflexões que nós gostaríamos de levantar neste debate.
Nós gostaríamos de fazer as seguintes proposições para o trabalho digno dos extrativistas, povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais.
Primeiro, nós precisamos regulamentar o trabalho e as relações de trabalho das populações extrativistas e tradicionais.
Precisamos também discutir na Câmara e promover um debate amplo com a sociedade sobre o que é trabalho digno para as populações tradicionais e extrativistas, considerando-se essa diversidade sociocultural e as múltiplas relações de trabalho. Para nós, por exemplo, o trabalho extrativista e o trabalho tradicional têm relação intrínseca. Não desenvolvemos somente uma atividade. O castanheiro é também um açaizeiro, é também um pescador artesanal, é também um seringueiro. Há diversas cadeias. Nós precisamos trabalhar essa relação e essas especificidades.
Precisamos reconhecer as condições intensas de trabalho e o valor do serviço de transmissão de saberes da natureza e sua conservação, numa perspectiva futura.
Como será o futuro desses territórios, se não há um recorte que considere os atores tidos como essenciais? A juventude e as nossas mulheres, por exemplo, também desenvolvem um importante trabalho socioprodutivo debaixo dessas camadas de floresta.
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Precisamos reconhecer legalmente o trabalho extrativista como serviço de conservação e de promoção do ecossistema. Os trabalhadores que regulam o clima são os primeiros a sentir esses impactos, como eu ressaltei anteriormente. Nós temos que garantir a seguridade dessas populações que estão debaixo da floresta.
Por esses e outros motivos, por um conjunto de demandas, nós gostaríamos de ressaltar que só há dignidade, seguridade e inclusão se reconhecermos a múltipla diversidade que os povos da floresta têm na sua intrínseca relação com a natureza. As formas de trabalho, como já mencionei anteriormente, precisam considerar essas múltiplas relações de cuidado e bem-estar social das populações que estão debaixo das camadas de floresta.
Por último, eu gostaria de abrir aspas para dizer uma frase: "Na floresta tem gente. Na floresta tem uma economia sustentável e solidária. Na floresta tem uma diversidade sociocultural que preserva os modos de vida, as culturas e tradições dos povos e comunidades tradicionais. Cabe a nós, o Estado brasileiro, reconhecer essa diversidade como sujeitos comuns, mas também como sujeitos de direito".
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Agradeço ao Dione Torquato, Secretário-Geral do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, e parabenizo-o pela sua explanação.
Saúdo o nosso querido Deputado Alexandre; o Dione Torquato, nosso Secretário do Conselho Nacional das Populações Extrativistas; a Dra. Cirlene, do Ministério Público; e o Ministro Alberto Bastos.
Primeiro, quero dizer quem está falando aqui para vocês, porque, quando trazemos uma mensagem, é preciso considerar um lado institucional e um lado pessoal, que não podemos desprezar e que vem com nossas crenças e experiências de vida. Eu estou atualmente como Diretor numa Secretaria Nacional de Economia Popular e Solidária. A minha formação foi na área de agronomia e cooperativismo.
Logo que eu entrei na faculdade de agronomia, comecei a ver que o modelo que nós aprendíamos na faculdade dava bem para uma situação que existia na minha família. Eu estudava agronomia, e duas irmãs minhas estudavam medicina.
Quando eu comecei a olhar boa parte dos casos que minhas irmãs tinham que tratar, vi que eles tinham origem nos produtos cujo uso eu estava sendo ensinado a recomendar, que são os pesticidas, palavra que muita gente procura amenizar trocando por "defensivos". Não! É veneno, é algo que mata e mata de diversas formas. Alguns matam de imediato; outros, não. O pesticida vai-se acumulando, fica preso na nossa gordura, e nós só vamos saber o efeito quando aparecerem os primeiros sintomas, que vêm alguns anos depois. Eu disse que este tipo de ensinamento é algo que eu não vou reproduzir.
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Na época, eu comecei bem novo, nós chamávamos de agricultura alternativa, um modelo que se contrapunha a este modelo tradicional, que as universidades usavam. Esta é a minha origem, que diz um pouco da minha crença, que casa com o lado institucional e é o que eu vou colocar para vocês aqui. Depois, eu me formei também em cooperativismo, porque acreditava e continuo acreditando que, para organizarmos a classe trabalhadora, individualmente nós não tivemos e tendemos a não ter muito futuro. Então, eu acredito no trabalho associado. Esta é outra crença que eu trago e que se cruza com meu papel institucional, que é uma Secretaria Nacional de Economia Solidária, uma economia coletiva, uma economia associativa.
Nosso tema, contudo, são as relações trabalhistas. Eu quero trazer uma reflexão que nós vínhamos fazendo com a CUT durante a pandemia. Quando nós falamos em relações de trabalho, logo vem à cabeça aquele modelo antigo de Getúlio Vargas, que é o trabalho assalariado, um trabalho em que há um patrão e um empregado. Portanto, é um trabalho subordinado. O modelo que eu trabalho dentro do Governo não é este. É um trabalho autogestionário a partir de processos associativos.
Na reflexão que nós fazíamos com a CUT, nós dizíamos: "CUT, ainda hoje o foco de vocês é o movimento sindical, em que há a organização dos trabalhadores subordinados". E no caso do trabalhador que não é subordinado? E para o trabalhador que se organiza via cooperativas, via associações, via grupos coletivos, via outras formas que não são o trabalho subordinado? Como nós ficamos? Como a CUT vai tratar este mundo do trabalho? Tanto estudos do IPEA como do DIEESE mostram que, estruturalmente, o Brasil tem limite de crescimento para este tipo de trabalho e tem um mundo inteiro de possibilidade de ampliação para o trabalho autogestionário.
Vários colegas aqui citaram, como meu colega do conselho, que devemos olhar para as mulheres e para os jovens. Quando nós vemos a juventude de hoje, percebemos que ela não quer mais esse trabalho subordinado. É isso que nós vemos nos estudos no Ministério do Trabalho, quando estamos pensando em qualificação profissional. Eles trazem uma nova forma de se organizar. Para isso, eles pedem que sejam capacitados para outro tipo de trabalho. O fato é que nós temos que parar e olhar para estas relações trabalhistas hoje como elas vêm se apresentando.
Quando o tema é sociobiodiversidade e sociobioeconomia, eu me lembro do tempo em que eu morei na Amazônia quando eu comecei a trabalhar com açaí e com outras coisas. Praticamente, eu não conheci lá trabalho subordinado. A maior parte dos trabalhos que eu conheci, ao conviver com a floresta e com o manejo sustentável das florestas, era o trabalho associado, trabalho em que não tínhamos patrão. Pelo menos, na quase totalidade do que eu conheci no Pará, no Amapá e no Acre, era trabalho autogestionário.
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Diante disso, eu pergunto: como se dão estas relações trabalhistas, quando o grande mundo da sociobioeconomia está trabalhando não por meio deste modelo tradicional, convencional? Ele está neste novo modelo, que é novo em termos, porque, se nós pegarmos nossos povos originários, o trabalho coletivo ou trabalho associado é o trabalho originário, esta é a grande origem. O trabalho subordinado foi algo que nós importamos da Europa, quando os portugueses e outros povos vieram para cá. A pergunta é esta: como vamos atuar quando falamos deste tipo de trabalho?
A sociobioeconomia parte do conceito de sustentabilidade. Uma das coisas com que eu trabalhei no passado foram aqueles processos de certificação de produtos, quando dizem que são "orgânicos", "biodinâmicos", isso e aquilo. Eu participei também da criação de sistemas participativos de garantia. Trabalhei com o Sistema Nacional do Comércio Justo e Solidário, uma das frentes que nós criamos no Ministério do Trabalho, na versão anterior, antes de nosso Ministério ter sido destruído. Quando eu trabalhei na prática as relações de trabalho, quando nós víamos, para ter selo, este conceito era um dos pontos que mais focávamos.
Nós tínhamos que trabalhar quatro dimensões, que, acho, caminham com este debate que nós estamos fazendo. Uma delas diz respeito à questão econômica. Nós temos que trabalhar o econômico, que é, dos vários elementos e eixos, talvez o mais antigo. Há o eixo social, que já veio casado desde a década de 70. Eu acho que, desde Getúlio Vargas, o elemento social começou a ganhar uma expressão pública um pouco maior. Há o terceiro, o elemento ambiental, que veio, fundamentalmente, depois da Rio-92. Com ele, nós tornamos público o debate da questão ambiental. Mais recentemente, vem o quarto elemento, que temos trabalhado.
Eu passei também pelo MDA, onde ajudei a construir a Secretaria de Desenvolvimento Territorial. Quando nós pensávamos o território, nós utilizamos um elemento no primeiro Governo do Lula para definirmos o que é um território. Trata-se do elemento cultural. Quando nós vamos planejar o desenvolvimento, é um grupo que o planeja. Qual é a cola que junta este povo para pensar o desenvolvimento? Nós estudamos mil coisas e nos agarramos à ideia de que é o elemento determinante que dá coesão social. Este elemento se chama cultura. É a cultura, nossa identidade um com o outro e com a outra, que nos faz sentir parte daquele espaço. É a cultura que nos faz sentir parte daquela comunidade.
Quando falamos de relações de trabalho, eu estou falando deste tipo de sociedade e deste tipo de organização que, acho, não se adéquam muito aos conceitos tradicionais do trabalho via carteira de trabalho, via emprego, via trabalho subordinado. Eu vou falar muito na ótica da sustentabilidade. Acho que esta é a ótica que acaba sendo a determinante na organização das comunidades tradicionais, dos povos originários, das comunidades ribeirinhas e de outros.
Eu quero contar uma história para vocês. Todo mundo gosta de historinhas — eu me lembro disso quando era pequeno. Uma vez, fui com o pessoal do Instituto Biodinâmico, da ONG Imaflora e de outras organizações a um trabalho no Marajó, para ver como nós faríamos a certificação participativa para o comércio justo e o comércio de orgânicos, produtos para o exterior, com aquele tipo de comunidade, com aquele tipo de sistema de produção, aquele tipo de vida. Nós fomos pensando nisso e foi muito bacana. Em dado momento, nós saímos andando perto daquela área de açaizal que fica nos igapós.
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A época era o período cheia, com toda aquela água. Nós começamos a andar, e nos perguntaram: "Querem ir de búfalo ou a pé?" Eu disse: "Não. Eu prefiro ir a pé, porque quero ir vendo". Foi um erro eu ter feito isso, porque a água começou a subir à medida que nos aproximávamos do lugar que tínhamos escolhido no mapa para chegarmos. A água foi subindo e começou a chegar até a nossa cintura. Embaixo havia muitos pedaços de pau, mil coisas que não se viam porque a água era escura. Havia um bamburral, uma plantinha que, se não me engano, fazia uma cobertura, e nós tínhamos que ficar levantando as pernas. Foi um sufoco!
Em dado trecho da viagem, eu perguntei aos senhores que estavam me acompanhando: "Quais são os principais acidentes de trabalho que vocês encontram aqui, ao manejar o açaizal?" Eu logo imaginei que isso acontece quando se vai cortar com foice o pé do açaí ou qualquer coisa desse tipo. Era o que eu estava imaginando. O que eles me disseram? "Bem, o primeiro acidente de trabalho muito comum aqui é a onça". Eu disse: "Como?" Eles disseram: "Quando nós damos de cara com uma no meio do caminho..." Aí, eles me disseram o que fazem para evitarem acidente de trabalho que envolve onça.
Eu disse: "E o outro?" Eles responderam: "Há um, também muito frequente, que é com a arraia. Nós estamos andando aqui" — você está vendo — "e não podemos andar com os pés arrastando, temos que levantar os pés e, ao fazê-lo, se pisarmos em cima de uma arraia, ela nos pica". Eu nunca tinha visto, no meu trabalho como inspetor, que isso era um acidente de trabalho.
Eu perguntei se havia outro. Disseram: "Há a sucuriju". Se não me engano, o nome foi este. Eu disse: "Isso tem nome de cobra, não é?" Eles disseram que, às vezes, ela era bem grande. Eu perguntei qual tinha sido a última vez que tinha havido algum acidente com a sucuriju. Eles disseram que fazia uns 15 dias. "Um caboclo estava com o filho aqui, e a bicha pegou o filho dele. Quando ele viu o filho cair, ele puxou o terçado" — acho que era este o nome que ele usava — "e saiu dando umas pancadas na cobra, que largou o filho. Assim, ele conseguiu evitar o acidente."
Eu ia perguntar aqui para nossa promotora e para nosso Ministro onde nós lemos este tipo de acidente de trabalho como algo frequente na vida do trabalhador e da trabalhadora. Por que eu coloquei este exemplo que eu vivi? Porque este é o mundo da sociobioeconomia, o mundo das comunidades tradicionais ribeirinhas, a depender de onde elas vivam.
Eu acho que, para nós discutirmos este tema e o tema relações trabalhistas, a primeira coisa que temos que tentar entender é de que universo se trata, como é o relevo, a vegetação e a vida onde aquele trabalhador e aquela trabalhadora estão envolvidos. Se não fizermos isso, iremos partir daquilo que vemos na televisão, quando nós estamos de férias, viajando, ou quando vamos para a casa de parentes, o que acaba não tendo relação nenhuma com o Pantanal, com a Amazônia.
Esta, acho, é a primeira coisa importante que nós devemos enfatizar. No livro A arte da guerra, de Sun Tzu, a primeira coisa que ele disse é que temos que conhecer o terreno onde vamos agir. Se você não souber qual é o terreno, onde está o povo ao qual a legislação se dirige, nós poderemos cometer equívocos. Como hoje nós temos a mania de entrar na Internet e trabalhar com o "recorta e cola", não existe muita coisa escrita sobre este mundo para recortarmos.
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Semântica é aquela coisa: nós usamos determinada palavra, e ela acaba sendo interpretada com dois objetivos que nem sempre são os mesmos. Quando nós falamos em economia verde, em sociobiodiversidade, nestas coisas todas que estão aparecendo com muita frequência, eu acho muito importante trabalharmos o que estamos dizendo, quando chamamos pelo nome "economia verde". Nós precisamos ver até onde a economia verde é a mesma coisa, ou seja, se é sinônimo de agrobiodiversidade, de bioeconomia, nome bem mais forte que está surgindo agora no Governo. A bioeconomia tem o mesmo conceito quando trabalhamos com sociobiodiversidade? É importante pontuarmos isso, para darmos uma olhadinha e não acharmos que é tudo a mesma coisa.
Quando eu vejo um grande empresário enaltecer a economia verde, eu digo: "Esse cabra sempre esteve de um lado diferente do meu, e agora ele está com o mesmo discurso que o meu. Será que estamos falando a mesma coisa?" Eu acho importante, quando trabalharmos temas como sociobioeconomia e sociobiodiversidade, darmos um recorte para ver se estamos falando a mesma coisa e se todo mundo está entendendo.
Estas são algumas questões que nós trazemos para discutir com vocês aqui. A Secretaria em que nós estamos trabalha um tema que tem tudo a ver com a experiência e com o conhecimento que nós tivemos ao trabalharmos com os povos da floresta, com os povos ribeirinhos e outras denominações dos nossos povos originários. Acredito que a economia solidária é a economia baseada no associativismo, no cooperativismo.
Primeiro, o art. 5º da Constituição — se não me engano, é este; não sou advogado —, que trata de direito, diz que todo mundo tem direito ao trabalho. Diante disso, eu pergunto: nós temos os meios de produção para fazermos nosso trabalho?
Sobre os meios de produção, é raro ver, na Amazônia, associação e cooperativa com acesso aos meios de produção. Muitas vezes, elas acabam tendo que se subordinar a uma empresa que está lá, porque não conseguiram ter acesso aos meios de produção. Para acessar os meios de produção, comprar uma máquina, é preciso ter acesso a recursos financeiros. Nós estamos tendo? Como está nossa política de acesso aos recursos financeiros? Como permitir que se tenha acesso aos meios de produção?
Como podemos ter assessoramento técnico e formação para fazer bem e qualificar cada vez mais nosso trabalho e dizer que estamos trabalhando da forma correta? Este é um segundo direito que eu acho que é preciso. Ao receber dinheiro sem assessoramento e sem informação, a probabilidade de inadimplência ou de um elefantinho branco é muito grande. Isso já existe muito no Brasil, portanto nós temos que ter cuidado.
Se eu tive acesso à produção, à informação e ao assessoramento, então eu vou ter produto. Neste caso, como fica a comercialização, principalmente quando imaginamos as estruturas dos lugares onde a sociobioeconomia acontece, lugares onde não existe barco, mas é preciso se deslocar por rio? Eu andei por algumas estradas. Deus me livre! Ainda bem que eu estava de moto porque, se fosse de carro, seria um risco! Aí colocavam isso como risco de trabalho. São uma desgraça aquelas estradas que nós encontramos quando saímos do circuito onde principalmente o agronegócio atua.
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O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Manoel Vital de Carvalho Filho, Diretor do Departamento de Parcerias da Secretaria Nacional de Economia Popular Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego.
Quero informar que a Ticiane Alves, representante da CUT, teve um problema com o avião que iria pegar e não pôde comparecer. Está justificada sua ausência.
O SR. CARLOS EDUARDO CHAVES SILVA - Muito obrigado, Deputado Alexandre. Meus cumprimentos a V.Exa. e aos demais membros da Mesa.
De imediato, Deputado, eu lhe agradeço o convite. É muito raro empregados e empregadas rurais participarem destas discussões, justamente porque nós temos um desafio muito grande, o de inserir este aspecto trabalhista ou fortalecê-lo nas discussões que envolvem a sustentabilidade, os empregos verdes, a sociobioeconomia, como o colega que me antecedeu disse. Nós estamos, talvez, conectados com a cadeia que mais utiliza estes conceitos, por diversos fatores: por produzir de forma mais sustentável; por entender que é preciso produzir de maneira mais correta; por muitos que utilizam estes termos para acessar o mercado, sem assegurar de fato boas condições de trabalho no campo.
Eu queria trazer alguns números, para situar tanto os colegas que me antecederam, como as lideranças que estão com os senhores e as senhoras no Plenário desta Comissão. Os dados dizem respeito ao perfil socioeconômico e ao mercado de trabalho rural.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais — CONTAR representa 4 milhões de trabalhadores. O primeiro dado impactante diz respeito à formalização das relações de trabalho. Nós temos uma média de 60% em informalidade — 2,5 milhões de trabalhadores brasileiros, empregados e empregadas rurais não têm a carteira de trabalho assinada. Este número é ainda mais assustador quando consideramos o Norte e o Nordeste do Brasil, onde o índice de informalidade ultrapassa a casa dos 80%, chegando a 90%.
Por que este dado é relevante? Porque nós temos um cenário de informalidade tão comum e tão disseminado, que ele está agregado e integrado a cadeias produtivas ricas, cadeias produtivas que geram muito lucro. Neste caso, eu queria dialogar com meu antecessor. Isso pode ser compreendido por diversos fatores, entre os quais a ausência do Estado na fiscalização e questões culturais.
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Há um problema cultural muito grande, o problema quando se compreende que a atividade rural tem que ser penosa, tem que ser informal, tem que haver sazonalidade nos contratos de trabalho. De outro lado, há o estímulo, dado pela própria legislação, para que estas relações acontecessem em curtos períodos de tempo. Neste caso, eu preciso destacar o estímulo dado à utilização do contrato de safra, em que, historicamente, nós já identificamos, por incrível que pareça, contratos de safra com a duração de 2 anos, o que demonstra que esta era apenas uma forma de economizar um pouco no pagamento de verbas rescisórias.
Nós temos o contrato de curta duração, utilizado por produtores pessoas físicas e por agricultores familiares, o que precisa ser reconsiderado, porque o índice de informalidade na base de contratação da agricultura familiar é elevadíssimo. Este é um tema pouco enfrentado, tanto pelo Estado, como pelas organizações que representam os bons exemplos de modelos alternativos de produção.
Neste aspecto, eu queria chamar a atenção para outro fator. Nós somos a maioria dos trabalhadores resgatados em condições de escravidão. O número precisa ser dito porque, dos quase 65 mil trabalhadores que foram resgatados em condições de escravidão, cerca de 50 mil são assalariados e assalariadas rurais. Portanto, estes dados são relevantes, porque nós vivemos um momento muito desafiador, em vista do processo de violação de leis ambientais, processo que nós vivemos nos últimos anos, quando da destruição da Amazônia e de outros biomas relevantes.
Este tema ganhou uma força muito grande, a ponto de termos que reiterar a necessidade, quando colocamos no mesmo cenário a necessidade de proteção da natureza, de recuperarmos a Amazônia, o trabalho e o direito social, já que o direito social sempre fica em segundo plano.
A confederação tem tido a preocupação de mostrar a conexão que existe entre esses crimes ambientais e as violações de direitos humanos básicos. Se olharmos para as atividades de desmatamento ilegal, veremos que há ali trabalho escravo associado. É preciso considerar que estes trabalhadores e estas trabalhadoras também são sujeitos de direitos e fazem parte deste modelo produtivo. Se considerarmos a necessidade de dar relevância a estes pontos e de escutar estes trabalhadores, lembramos que a confederação não nega que existe a necessidade, já real, de discutir este novo modelo de organização de trabalho que está sendo imposto aos trabalhadores. Existe esta necessidade.
De outro lado, nós precisamos agir com muito cuidado, porque sempre há, nestas relações, alguém que ganha dinheiro com este tipo de contratação. Não dá para discutirmos apenas sociobioeconomia, sem discutirmos o direito dos trabalhadores e, muito mais, criar ou propor a criação de trabalhadores de segunda categoria, trabalhadores que teriam seus direitos relativizados, porque, em tese, eles estariam agregados a um modelo de produção mais sustentável e mais racional. Do contrário, nós estaríamos apenas reproduzindo, de forma diferente — acho que foi isso que o Dr. Alberto disse —, coisas que são iguais, como justificar a exploração do trabalho, justificar a negativa de direitos aos trabalhadores e às trabalhadoras, a pretexto de uma prestação de serviço que estaria associada a um modelo mais sustentável.
Neste aspeto, eu destaco também, diante do desequilíbrio que há, o que dialoga com a fala do Dr. Alberto, a forte presença de ferramentas e de sistemas de governança privados que, na área ambiental, são muito fortes — trata-se de água, de solo, de descarte de resíduos —, mas, na parte trabalhista, são extremamente frágeis. Se formos olhar a parte social da norma do comércio justo, que foi trazida pelo colega que me antecedeu, vamos perceber que ela é frágil.
Digo isso porque eu conheço diversas experiências, diversos grupos de produtores, diversas atividades econômicas que têm o selo Fairtrade, mas, se analisarmos criteriosamente apenas este item que eu citei, ou seja, a formalização dos contratos de trabalho, nós veremos que a norma não consegue alcançar isso, ou os auditores não entendem que este é um ponto da norma, um ponto relevante, que precisa ser observado.
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Portanto, Presidente e demais colegas, nós temos um desafio muito grande, sim, o desafio de compreendermos este novo mundo que está sendo imposto aos trabalhadores. É importante destacar isso. Toda a parte de legislação e de regulamentos, nos últimos anos ou nas últimas décadas, foi decidida e constituída por representantes de diversos segmentos da sociedade, mas com muito menos participação efetiva dos trabalhadores. Diante disso, impõem-se estes modelos.
Eu digo sempre, Deputado, que nós nunca conseguiríamos derrotar a reforma trabalhista porque, para a maioria dos trabalhadores, as entidades sindicais diziam que eles perderiam um direito "x". Eu dizia: "Com o índice de informalidade que nós temos no campo, esse trabalhador não vai perder este direito, porque ele nunca teve este direito". Nunca houve uma ação do Estado para efetivar estes direitos, ainda que eles sejam garantidos pela Constituição.
Se nós olharmos, principalmente, para a agricultura, vamos perceber que, desde a década de 1970 ou de 1980, os índices de informalidade são os mesmos. Cada vez mais, são impostos e implementados modelos de relação de trabalho que são péssimos para os trabalhadores. Agora mesmo, o próprio Ministério do Trabalho identificou, na cadeia da laranja, a contratação de colhedor de laranja através de MEI, quando se exige a emissão de nota fiscal, para descaracterizar a relação de trabalho.
Nós não somos contra os modelos de autogestão de mão de obra. Nós temos uma ressalva à questão do cooperativismo, porque nós convivemos historicamente com as famosas "coopergatos", que eram cooperativas de trabalhadores criadas somente para afastar a relação de subordinação que o colega que me antecedeu mencionou. A maioria destas ferramentas são criadas justamente para mascarar uma relação de trabalho que existe, uma relação na qual existem subordinação e pessoalidade. Então, nós precisamos ter cuidado, senão nós vamos estimular...
O ponto de preocupação é muito grande. Modelos estão sendo constituídos e estimulados justamente para permitir a melhor distribuição da riqueza. Em relação ao estímulo que está sendo dado à agricultura familiar, aos pequenos produtores, nós temos que tomar muito cuidado para não falar pelos trabalhadores e criar trabalhadores e trabalhadoras de segunda categoria, como se o tamanho da propriedade ou o tamanho do empreendimento autorizasse a violação de direitos humanos.
Eu chamo a atenção para outro dado relevante. Quando nós viajamos para outros países — vamos falar um pouco sobre quem é o agricultor familiar no Brasil —, é muito difícil explicar a organizações de outros países como uma pessoa que tem 50 hectares ou 100 hectares é considerada agricultora familiar.
Em outros países, são 3 ou 4 hectares, apenas.
Nós precisamos analisar este cenário, justamente para podermos contemplar esta abordagem, esta perspectiva dos trabalhadores numa discussão relevante, que hoje tem uma força muito grande no mundo.
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No ano passado, nós sentamos com grandes redes de supermercado da Europa, com empresas e com companhias e apresentamos dados de trabalho escravo e dados de desmatamento da Amazônia. Os dados que mais impactavam eram os referentes ao desmatamento, pois há uma preocupação mundial com a questão ambiental, com a necessidade de implementar outros modelos produtivos. No entanto, o trabalho sempre fica em segundo plano, porque hoje o trabalho é visto não como um direito, mas, sim, como uma ferramenta de sobrevivência.
É por este caminho que eu queria trazer minha fala e dizer que a CONTAR fica muito feliz por participar desta discussão.
Nós nos colocamos à disposição para conversar com outros parceiros e lembramos que a perspectiva dos trabalhadores precisa ser observada. É preciso perguntar a eles, é preciso aceitar os modelos produtivos existentes na base, mas precisamos lembrar que eles são a parte mais frágil das relações de trabalho e das cadeias produtivas, até nos modelos que nós temos, porque há algumas atividades extrativistas em relação às quais sempre temos a impressão de que um grupo de trabalhadores se organizou para executar determinada atividade, mas, muitas vezes, há por trás um chefe de turma ou atravessador que dá as ordens, que exige alta produtividade e ganha muito dinheiro com isso.
Mais uma vez, eu queria destacar estes aspectos, bem como reiterar a necessidade de fortalecer a participação dos trabalhadores. Em tempo, a CONTAR contratou uma consultoria para tentar ver qual é o impacto deste modelo de trabalho por aplicativo, de que forma isso é possível ou não, se vai chegar ao campo, porque nós já temos contrato intermitente, temos alguns casos bem peculiares que já estão acontecendo no campo.
Nós estamos olhando para este futuro, mas queremos ressalvar sempre que não podemos permitir que trabalhadores e trabalhadoras que vivam na mesma situação ou que tenham as mesmas relações de subordinação e pessoalidade tenham um direito maior ou menor, seja pelo tamanho da propriedade, seja pela relevância da atividade econômica. Senão, nós vamos criar um modelo — desculpem a expressão — capenga, ou vamos estimular um modelo que vai resolver parte do problema, mas que vai deixar a parte mais vulnerável destas cadeias numa situação de mais vulnerabilidade ainda.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Dr. Carlos Eduardo Chaves Silva, Assessor Jurídico da CONTAR.
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O SR. PROF. PAULO FERNANDO (Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Sr. Presidente, queria cumprimentar o Deputado Airton Faleiro, nosso Presidente da Comissão, pela iniciativa, principalmente por ser esta uma audiência em uma segunda-feira pela manhã, dia em que normalmente não temos atividades na Casa.
Estou acompanhando atentamente os depoimentos, até mesmo para nos inteirarmos mais sobre o assunto. Achei interessante a posição do representante do Ministério do Trabalho, que traz novas situações concretas em legislações que ainda não abrangem a questão acidentes de trabalho. Preocupam-me também as questões ligadas à soberania nacional e relacionadas a ONGs internacionais que, muitas vezes, instrumentalizam alguns trabalhadores para que, em nome disso, possam exercer atividades. Aliás, este assunto está sendo debatido na CPI das ONGs, de tal maneira que nosso mandato estará atento a esta demanda quanto a esta questão.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Deputado Prof. Paulo Fernando.
Eu gostaria de aproveitar este momento para agradecer, em nome de todas as populações tradicionais, extrativistas, indígenas, quilombolas, agricultores familiares aqui presentes. Nós temos praticamente a representação de todos os Estados da Amazônia e de representantes dos trabalhadores agroextrativistas do Centro-Oeste, do Sudeste e de companheiros que vêm de outros países para intensificar o debate que estamos realizando, ao longo desta semana, na CONTAG Brasil.
É sempre necessário ressaltar a importância de esta Casa ouvir as populações tradicionais sobre o direcionamento da garantia dos seus direitos, como nós evidenciamos nossas lutas, as organizações e as populações que estão debaixo das camadas de florestas. Nós temos acompanhado atentamente as movimentações desta Casa. Algumas situações nos preocupam bastante e dificultam nossa participação, porque sair lá debaixo das camadas de floresta, de Eirunepé, pegar 16 dias de barco até Manaus, para pegar um voo até aqui, não é muito fácil. Portanto, nós confiamos muito nos Parlamentares que vêm contribuindo e atuando em defesa destas populações.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Obrigado, Dione Torquato, pelas considerações.
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11:50
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A SRA. CIRLENE LUIZA ZIMMERMANN - Deputado, agradeço a possibilidade para estas considerações finais, bem como para hoje fazermos este debate inicial. Coloco, além de mim, o Ministério Público do Trabalho à disposição das demais instituições que aí estiveram presentes.
Parece-me que, entre as questões que foram levantadas, várias delas precisam ser aprofundadas e, certamente, assim o será por essa Casa Legislativa. Assim, quero agradecer esta possibilidade e este espaço.
Reforço, mais uma vez, a importância de que este tema esteja presente no âmbito das nossas escolas, falando da área da educação.
Eu finalizei minha fala anterior falando acerca da importância de qualificarmos nossos trabalhadores, nossos empresários, para o propósito da economia verde, e, diante da importância deste tema para o futuro do nosso trabalho, a mim me parece que ele precisa estar presente também nos nossos currículos, nos nossos projetos pedagógicos, para que as escolas possam debater e, assim, preparar nossos estudantes para um futuro de trabalho mais inclusivo e mais sustentável.
Trata-se de uma questão que eu sempre coloco no projeto Segurança e Saúde nas Escolas, que o MPT desenvolve: nossa Constituição propõe como educação aquela que qualifique para o trabalho, mas nós não queremos qualquer trabalho: nós queremos qualificar para o trabalho decente, digno, sustentável, seguro e saudável. É este o propósito que buscamos.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Agradecemos as palavras da Dra. Cirlene Luiza Zimmermann.
O SR. MANOEL VITAL DE CARVALHO FILHO - Bem, a Secretaria da qual faço parte é comandada por uma pessoa bem conhecida, o Sr. Gilberto Carvalho, que trabalhou nos Governos Lula 1 e Lula 2. Ele é um sujeito que tem toda uma história como educador, alguém muito sensível ao tema que estamos discutindo.
Em nome tanto do Gilberto, como no de toda a nossa equipe, já tomo a liberdade de dizer que nós nos encontramos num processo de reorganização de mais uma das muitas estruturas que foram destruídas ao longo desses últimos anos, quando o Ministério do Trabalho deixou de existir e várias Secretarias foram desmontadas. Neste ano, nós nos encontramos na fase de reconstrução de toda esta estrutura, para formar equipes e trazer de volta o orçamento.
Acho que o tema da economia popular e solidária é extremamente aderente ao tema e à realidade que as organizações de assessoria e os movimentos de modo geral estão vivendo. Esta estrutura que nós estamos reorganizando agora vai dialogar muito com vocês. Portanto, convido a quem ainda não conhece esta Secretaria a buscar algumas informações sobre ela, sobre nossos trabalhos, para criarmos alguma aproximação.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Obrigado pelas palavras, Sr. Manoel Vital.
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11:54
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O SR. CARLOS EDUARDO CHAVES SILVA - Mais uma vez, eu queria agradecer, em nome da confederação, ao Deputado Airton Faleiro e à Comissão. A audiência pública foi extremamente relevante para nós trabalhadores.
Nós temos feito um processo de discussão sobre este tema em várias frentes, dialogando e conhecendo experiências de outros países. Para nós, é uma satisfação enorme estar junto com todas essas organizações, com a própria Secretaria de Economia Solidária. Nós tivemos uma reunião com o Ministro Gilberto Carvalho, que participou do nosso último congresso, quando falou um pouco sobre os desafios que nós temos.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Lindenmeyer. Bloco/PT - RS) - Agradeço ao Dr. Carlos Eduardo suas considerações.
Aproveito esta oportunidade para transmitir a todos e a todas um abraço do Deputado Airton Faleiro, que não pôde estar presente, ao tempo em que ratifico, como já foi dito nesta Mesa, todo o seu compromisso com a pauta que é tratada nesta audiência pública.
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