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A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Bom dia!
Declaro aberta a reunião de audiência pública da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, destinada a debater o tema Auxílio Emergencial para situações decorrentes de secas e enchentes, a ser instituído pelo Projeto de Lei nº 83, de 2022.
Ressalto que a presente audiência decorre da aprovação, nesta Comissão, do Requerimento nº 36, de 2023, de autoria da Deputada Célia Xakriabá, do PSOL de Minas Gerais, subscrito pelo Deputado Airton Faleiro, do PT do Pará; da aprovação, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, do Requerimento nº 57, de 2023, de autoria do Deputado Ivan Valente, do PSOL de São Paulo; e da aprovação, na Comissão de Legislação Participativa, do Requerimento nº 33, de 2023, de minha autoria.
Gostaria de agradecer a presença aos membros deste colegiado, aos palestrantes e a todas e todos os que nos assistem.
Informo que este evento está sendo transmitido via Internet, e o vídeo pode ser acessado pela página da CPOVOS, no site da Câmara dos Deputados e das Deputadas, e pelo canal da Câmara dos Deputados e das Deputadas no Youtube.
Vivemos um momento muito dramático de extremos climáticos Brasil afora, mundo afora. O colapso climático em curso tem consequências muito duras no território. Vimos no Brasil, nos últimos anos, enchentes na Bahia, em Minas Gerais, no meu Rio de Janeiro, e sabemos que, quando há um aquecimento global que, infelizmente, afeta a dinâmica do universo, nós vemos lá na ponta, nas favelas, nas periferias, no campo, as consequências desses eventos extremos.
Sabemos que, lamentavelmente, quando chove muito num curto espaço de tempo e há deslizamentos nas favelas, por exemplo, do Rio de Janeiro, são as casas das mulheres negras que são mães que deslizam, atingindo aquele corpo, aquela família. E quando há também alteração na produção de alimentos no campo, é também essa mesma família que tem a sua fome agudizada.
Vivemos um período em que saímos de um Governo de desmonte das políticas ambientais, de recorde de desmatamento, com mais de 33 milhões de famintos, com metade da população convivendo com algum grau de insegurança alimentar, e, sem dúvida, esse cenário está atrelado à urgência de frearmos esse ataque que leva ao aquecimento global, que chega muito duro aos territórios da favela e da periferia e às mulheres do campo, dos mares, das águas, das florestas.
Bem, gente, sabemos que o PL que estamos apreciando aqui, o PL que trata de auxílio emergencial transitório para vítimas de enchentes no Brasil, surgiu a partir de um momento extremo que aconteceu na Bahia, no início de 2022, e foi construído pela Liderança do meu partido como uma resposta a esse evento àquela altura.
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Agradeço a presença a todo mundo aqui está aqui. Agradeço, em especial, ao João e à Ana, que estão segurando firme nosso GT Clima, que eu coordeno, no âmbito da frente ambientalista, que foi resistência nos últimos anos aqui na Câmara dos Deputados e das Deputadas e que vai seguir entregando um rumo do que é a reconstrução do Brasil, tão necessária e que não pode prescindir de outro modelo de desenvolvimento, porque o atual não dá conta. Daqui a pouco, não teremos planeta para viver. Portanto, que esta audiência seja muito frutífera, que possamos ter encaminhamentos para ajudar na reconstrução do nosso País.
Convido para compor a Mesa a Sra. Gisele Aparecida Sá, representante da entidade Instituto de Referência Negra Peregum; o Sr. Gabriel Mantelli, representante do Conectas Direitos Humanos; o Sr. Igor Travassos, porta-voz do Greenpeace Brasil, representando o Observatório do Clima; a Sra. Lídia Lins Assumpção, representante da entidade Coalizão Negra por Direitos; a Sra. Maria de Jesus, representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Ceará, participando da reunião on-line.
A SRA. MARIA DE JESUS - Bom dia a todos os companheiros e companheiras que participam desta audiência. Falo aqui do Nordeste, do Ceará, do Sertão do Ceará, onde nós vivenciamos a seca.
Nós temos hoje duas realidades no nosso País. Temos uma realidade histórica, que é a situação do Semiárido brasileiro, com 980.133 hectares e 1.113 Municípios, envolvendo uma parte do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. Aqui, periodicamente, enfrentamos a seca. E temos tido, nos últimos anos, aqui no Nordeste, a partir dessa realidade, uma luta muito grande em relação às políticas públicas, às tecnologias sociais, no sentido de que enfrentemos essa situação com uma política de convivência com o Semiárido, olhando principalmente para três aspectos.
Primeiro, temos que olhar para as florestas, inclusive a floresta do Bioma Caatinga, que é a predominante, e também para a questão da Mata Atlântica. Então, para nós é muito importante o reflorestamento, pensar políticas de reflorestamento. Outra ação que nós temos reivindicado é uma política de armazenamento de água. Temos esse grande desafio com a água, já que os períodos da seca são um problema da natureza e periodicamente teremos esse fenômeno.
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A ocupação desordenada das cidades, principalmente das áreas ligadas às montanhas, aos morros e aos baixios nas cidades que estão próximas às matas e às áreas dos rios, é onde a nossa população tem sofrido mais. E quem é o causador desse desmatamento, dessa realidade, vamos dizer, de falta de respeito à natureza, aos rios e aos riachos, que são os grandes causadores das enchentes? É o agronegócio! É o agronegócio!
E, em consequência disso, imaginem que biomas do Brasil que nunca tiveram seca hoje são biomas que estão tendo também, periodicamente, secas. Não é comum que os Biomas Pantanal e Pampa enfrentem secas. Tudo isso é consequência de um modelo empresarial que, este ano, recebeu 360 bilhões de reais de financiamento no Plano Safra. E nós observamos que a grande preocupação dele é o lucro, e não o respeito com a natureza e com o bem comum. Então, pensar uma política emergencial para essa situação é muito importante. É preciso pensar um PL que garanta uma política emergencial, uma bolsa, um subsídio para essas famílias.
Agora, penso que precisamos ir além. Temos que enfrentar o problema estrutural que tem causado e aumentado essa situação, principalmente das enchentes no nosso País. Então, temos que pensar na preservação das matas ciliares, na recuperação dos nossos risos, os grandes rios brasileiros. E fico pensando que uma bolsa dessas tinha que ser ligada a alguma ação, como uma ação de educação. Não deveria ser só a bolsa pela bolsa. Poderíamos pensar em ações de contrapartida. Quem vai receber a bolsa ou o subsídio deve fazer alguma ação nesse período.
O que é possível fazer? O plantio de árvores é uma das maiores ações a serem feitas. Já há estudo da ONU comprovando que, se o mundo plantasse hoje 17 trilhões de árvores, nós teríamos um equilíbrio no planeta em face das mudanças climáticas e de tanta devastação produzida pelo ser humano, principalmente o ser humano vinculado ao poder do agronegócio, do hidronegócio, do minerionegócio, atividades que estão no mundo inteiro, não é são uma coisa só do nosso País. Essas atividades estão por aí, no mundo inteiro, vinculadas principalmente ao capital financeiro, apropriando-se da natureza para o lucro.
Nós não podemos aceitar isso. De fato, a natureza é um bem comum. A natureza, a terra, as águas, as florestas são bens comuns da sociedade. Então, nós temos que pensar como é que uma bolsa dessas,
além de levar socorro para as famílias, numa situação de emergência, poderia promover a melhoria da vida delas.
Eu vejo que as pessoas perdem as casas. O que acontece depois? Elas vão passar mais 15, 30 anos fazendo suas casas? Que política poderia ter o Minha Casa, Minha Vida, pensando, por exemplo, em atender essas famílias que são atingidas pelas enchentes? Elas poderiam ter outro local que não colocasse em risco a vida delas.
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Outra ação importante é em relação ao Semiárido. Nos Governos Temer e Bolsonaro, acabaram com as políticas para o Semiárido. Agora estão fazendo uma grande mobilização de todas as organizações. Aqui nós temos o Instituto Nacional do Semiárido, mas isso requer também políticas estruturais para o Semiárido, principalmente na questão hídrica e florestal, na preservação do único bioma brasileiro, o Bioma Caatinga.
É preciso olhar para esse debate da emergência, mas também é necessário avançar nessa compreensão. Por exemplo, nós temos construído no MST uma discussão de defesa de uma reforma agrária e agroecológica florestal. Precisamos ter nos nossos sistemas de produção essa base tecnológica.
É um grande desafio, mas aqui fica a sugestão de qualificação para que não seja só uma ação emergencial. É preciso também articular essa ação da bolsa a ações estruturais, principalmente nestas questões: florestal, hídrica e alimentar.
A agricultura urbana existe em muitos países. China e Cuba são exemplos de agricultura urbana. E o Brasil tem muitas experiências nessa área, mas ainda muito pontuais. Nós podemos ter isso nas nossas cidades. Quem disse que as nossas cidades não podem ser arborizadas com fruteiras? Quem disse que as nossas cidades não podem ter hortas, como ocorre em Maricá, no Rio de Janeiro? Em Maricá, há hortas na cidade para a população ter acesso a elas.
Esse tipo de política não pode ser pontual. Deveria haver políticas nacionais para o nosso País poder superar a fome estrutural, não só com o Bolsa Família, que é muito importante, mas que, por si só, não é suficiente. Espero que avancemos nessa construção.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Muito obrigada, Maria de Jesus.
Sem a menor dúvida, nós estamos diante de um problema estrutural. Infelizmente, os eventos climáticos hidrológicos extremos, como secas e enchentes, deixaram há muito tempo de ser surpresa e, cada vez mais, cotidianamente, o poder público e, especialmente, as pessoas no território, na ponta, têm que lidar com as consequências desses eventos.
Mudarmos um modelo de desenvolvimento predatório, baseado numa lógica produtivista, desenvolvimentista, é ponto de partida, sem a menor dúvida.
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Com a monocultura de exportação, vemos a devastação dos nossos biomas. Ao mesmo tempo, é preciso pensar em mitigar os danos e em políticas públicas, em programas que atendam emergencialmente quem, neste momento, está vivenciando mais diretamente as consequências desse problema estrutural. Sem dúvida, é fundamental que mudemos o modelo, que é insustentável. Queremos a ideia de expandir, de modo infinito, os lucros de uns poucos num mundo que é finito. Essa situação é insustentável, sem a menor dúvida.
(Segue-se exibição de imagens.)
Preparei essa gravação em atendimento à solicitação de participação na audiência pública do dia 29 de agosto de 2023, organizada pela Câmara dos Deputados, por meio da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, tendo como tema Auxílio emergencial para situações decorrentes de secas e enchentes.
O CEMADEN, que é o órgão no qual eu trabalho, tem a missão de prover serviços climáticos relevantes para a redução de risco de desastres, principalmente por meio das atividades de monitoramento de condições meteorológicas, geológicas e hidrológicas que possam contribuir com a produção social de desastres.
O CEMADEN é uma unidade de pesquisa do MCTI que está sediada em São José dos Campos, tendo começado as suas atividades operacionais em dezembro de 2011, realizando atividades de monitoramento, pesquisa, desenvolvimento, comunicação científica, dentre outras atividades. Nossa principal missão está voltada ao monitoramento e emissão de alertas de risco de deslizamentos, inundações e enxurradas para 1.038 Municípios considerados prioritários no Brasil, em virtude de terem um histórico de desastre, mapeamento de risco, dentre outras solicitações.
O CEMADEN estuda esses diferentes tipos de ameaças, mas também tem realizado estudos sobre o impacto de secas e projeções hidrológicas. Nos últimos anos, tem realizado parcerias com o IBGE para a identificação, exposição e análise de vulnerabilidade de pessoas que residem em áreas suscetíveis a inundações e deslizamentos. Portanto, ele tem uma série de ações.
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Particularmente, no monitoramento de impactos de secas, há um departamento de pesquisa do CEMADEN que vem atendendo a diversas solicitações do Governo Federal, nos últimos anos, e produzido conhecimento, análises, dados e informações que possam subsidiar, por exemplo, a identificação do risco de seca na agricultura familiar, o monitoramento de secas e impactos no Brasil, dentre outras inúmeras ações, sobre as quais se pode obter mais informação, através do site do CEMADEN.
As atividades de pesquisa realizadas no CEMADEN se baseiam, principalmente, na obtenção de dados e informações de diferentes instituições no Brasil e, a partir disso, são produzidos os alertas, os relatórios, as previsões que vão subsidiar a atuação de diferentes órgãos no Brasil para a redução de risco de desastres e preparação para situações de emergências.
A situação de emergência é de competência da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, que está no atual Ministério de Integração e Desenvolvimento Regional. Cabe a essa instituição reconhecer e analisar os pedidos de situação de emergência ou estado de calamidade pública. Existem alguns instrumentos, como a Portaria nº 260, de 2 de fevereiro de 2022, que vão estabelecer procedimentos e critérios para a declaração de situação de emergência, estado de calamidade pública.
Um dos documentos fundamentais para a solicitação desse reconhecimento de situação de emergência é o Formulário de Informações do Desastre — FIDE, que deve ser preenchido pelo ente federal e submetido, por meio do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres. Ocorre que em relação ao FIDE, os dados e informações que são solicitados não nos permitem caracterizar, por exemplo, quanto aos danos humanos, as dimensões etárias de gênero, relações étnico-raciais, pessoas com deficiência que são afetadas em desastres. Esses números não estão claros. Então, como se desenha uma política pública que possa considerar essas dimensões, se não há dados suficientes? Na verdade, não há dados para planejar essas ações. Acredito que essa é uma dimensão importante para se considerar nessa proposição do auxílio emergencial.
Quando nós analisamos, através das pesquisas, das notícias, dos dados, das informações, identificamos diferentes grupos sociais atingidos em situação de emergência, como diferentes povos indígenas, diferentes etnias. Essas situações de emergência têm sido vivenciadas em relação a secas, inundações, incêndios florestais, ciclones, tornados, entre outros inúmeros perigos. Portanto, é importante desenvolvermos mais pesquisas contemplando as especificidades desses diferentes grupos sociais.
Entre esses diferentes grupos sociais, há o caso de trabalhadores da economia informal, que não têm qualquer tipo de amparo para se recuperar economicamente, no decorrer, na continuidade desses desastres. Um dos casos mais recentes, talvez, seja o desastre no litoral norte, em que grande parte dos Municípios que ali estão dependem de atividades turísticas.
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Então, é toda uma economia que se cria, que se orienta em torno dessas atividades. Aí nós temos uma série de desafios voltados, por exemplo, aos vendedores ambulantes — se eles se recuperam, como se recuperam e como poderiam se recuperar.
Quando nós vamos propriamente aos dados, vemos que, no País, temos mais de 300 bilhões de reais em danos materiais e prejuízos em desastres. Esses são dados obtidos através do Atlas de Desastres, que é uma parceria entre a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, universidades e outros atores. Nós temos uma série de dados que podem ser detalhados de acordo com os Estados e com os Municípios.
De antemão, nós temos esse grande impacto tanto no número de pessoas desabrigadas, aquelas que são afetadas em suas moradias e precisam ir para um abrigo público temporário, como no número de desalojadas, aquelas que têm a casa danificada ou destruída, mas conseguem se abrigar temporariamente em casa de amigos ou parentes. Há uma transição entre esses grupos de desalojados e desabrigados no decorrer do desastre. Então, é importante também se questionar sobre a duração desses auxílios em relação ao desastre.
Um aspecto importante a se considerar se refere também à capacidade que os entes municipais, estaduais e federais têm para responder a um desastre, para se preparar para uma emergência, para reduzir o risco de um desastre, para implementar esses diversos programas. É importante nós sabermos que as defesas civis municipais no Brasil enfrentam uma grande carência.
O Projeto Elos, que conduziu uma pesquisa municipal em proteção e defesa civil, a partir de uma parceria entre a Secretaria Nacional de Defesa Civil, o PNUD e o CEMADEN, identificou que, de 1.993 defesas civis entrevistadas, 30% não têm sequer um computador para trabalhar e 67% não possuem uma viatura para fazer as ações de verificação de riscos. Então, todo esse mecanismo de proteção social das populações é muito prejudicado, o que acarreta impactos no número de pessoas que precisarão dos auxílios, que terão prejuízos, que terão danos.
Há outro aspecto. A falta de participação social nas políticas públicas de defesa civil. Menos de 10% dos Municípios brasileiros têm núcleos comunitários de defesa civil. Se não há participação popular nas atividades de prevenção, isso também vai implicar maior número de danos e, consequentemente, mais pessoas precisando de um auxílio emergencial. Então, o auxílio necessário para a fase emergencial precisa vir anteriormente de outras políticas que também ajudem a amparar, a reduzir as situações de vulnerabilidade das comunidades.
Há algumas questões também para debate. Eu já estou concluindo a apresentação. Qual é a duração de uma situação de emergência? Quando nós identificamos o histórico de desastres no Brasil, percebemos que a temporalidade não se limita ao momento em que está chovendo, ao momento em que está havendo uma inundação.
Os efeitos do desastre perduram ao longo do tempo, não só no momento da emergência, quando há uma inundação, uma seca, mas depois, nos abrigos temporários, muitos em condições insalubres.
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Nós também temos uma dificuldade em organizar políticas públicas participativas, permanentes, bem estruturadas para melhorar os processos de reconstrução em desastres, não só do ponto de vista de recuperação de infraestrutura, mas também do ponto de vista de recuperação psicossocial de pessoas.
Há muitos casos em que nós não temos o número de mortes durante a emergência da inundação, mas, ao longo do processo de reconstrução e recuperação, muitas pessoas morrem de depressão. E há outros impactos psicossociais. Então, é importante pensar nesse auxílio duradouro.
Trago alguns problemas, um sumário do que nós temos identificado através de pesquisas de longos anos dos chamados grupos que são abandonados nos desastres.
Esses grupos enfrentam problemas de saúde e falta de assistência médica no local. Há uma forma também de desassistência social paulatina. Então, se, num primeiro momento da emergência, há uma grande solidariedade, com ações de assistência, com o decorrer do tempo, isso sai de cena e se torna invisibilizado. Há também uma insegurança física, uma insalubridade nos locais de abrigo, inclusive com denúncias de assédio e com tentativas de suicídio. Há também uma identificação de falta de informação em relação aos programas de reconstrução e recuperação em desastres.
Há ainda um desgaste emocional diante da negação de vários proprietários em concordar que os seus imóveis sejam locados para as famílias afetadas em desastres. É uma forma de discriminação habitacional, ou seja, pode haver o aluguel social, mas o proprietário do imóvel não quer alugar para famílias afetadas em desastres ou, ainda, há uma subida de preços no mercado imobiliário, por não haver tanta oferta de moradia, em virtude de algumas terem sido destruídas em desastres. Há uma outra lógica no mercado imobiliário.
Muitas vezes, esses aluguéis sociais são insuficientes para cobrir os custos da família — energia, alimentação, transporte, dentre outros. Há também que se ter em mente que os grupos de desalojados e desabrigados transitam nessas categorias conforme a sua rede de amparo supra ou não algum apoio ou ajuda em se ter um teto para habitar temporariamente.
Outro aspecto é a pressão social pela desativação de abrigos, que, muitas vezes, são colocados em escolas, e há o retorno das aulas. Há também muitos grupos que são jogados de um abrigo temporário para outro. Há ainda outro aspecto a se considerar, que é a falta de oportunidade de emprego no Município atingido pelo desastre. Então, há uma desconexão, uma falta de planejamento no sentido de pensar em como a economia daquele Município da região pode ser recuperada. Há também, através das pesquisas, a identificação de que
esses grupos atingidos em desastres muitas vezes vão enfrentar outras barreiras, como de acesso a crédito ou juros baixos, para retomarem suas atividades, o seu trabalho. Então, é importante considerar esses aspectos.
No futuro, ao discutirmos mais a parte de como pensar em reduzir os riscos de desastre, é importante pensar não só nas diferentes ameaças, como inundações, deslizamentos, secas, tornados, vulnerabilidade social, mas também em meios de aumentarmos nossa capacidade de proteção através de políticas públicas de mitigação de riscos em larga escala que nos auxiliem a ter soluções habitacionais, melhoria da drenagem urbana, ações educativas na escola para ajudar as pessoas a saberem o que fazer no momento em que receberem um alerta, enfrentarem uma situação de evento extremo, dentre outras atividades.
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A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigada.
Fico feliz de ter ouvido o CEMADEN, porque acho que isso também está um pouco alinhado com as nossas observações.
Primeiro, quero dizer que pensar em um auxílio emergencial em caso de perdas e danos é uma questão realmente fundamental no momento em que nós vivemos, em que a crise climática se intensifica e as pessoas que já viviam em situações de risco constante pelo déficit de infraestrutura tendem a sofrer mais. E nós sabemos quem são essas pessoas. As pessoas que sofrem isso são populações racializadas, populações negras, populações indígenas, populações ribeirinhas, que são vitimadas em várias frentes, são vitimadas porque é legado a elas um território sem investimento, sem infraestrutura ou porque o território delas tem sido constantemente transformado de modo que são prejudicadas as condições.
Então, é muito importante pensar políticas que, eu diria, não são de reparação, mas de atendimento e de mitigação. E também é importante que se pense isso, como já foi dito, dentro de um sistema e que seja feito de maneira eficiente, para que não criemos algo que na verdade desmobilize coisas que já estão acontecendo.
O que me chama a atenção é que existe uma lei de 2004, que era uma medida provisória, que tem uma função parecida com essa que está sendo proposta. É a Lei nº 10.954, que institui, no âmbito do programa de resposta aos desastres, o auxílio emergencial financeiro.
Eu acho que o PL que estamos discutindo aqui hoje tem algo interessante, que é pensar nas perdas econômicas, nas pessoas afetadas por danos e prejuízos em suas
atividades econômicas, rurais ou urbanas, porque essa é uma dimensão que pode facilmente ser ignorada. Se a pessoa eventualmente não teve a perda da sua casa ali, essa dimensão é ignorada. Essa é uma dimensão importante, mas eu acho que é preciso olhar um pouco para o que já existe e pensar de certa forma no que não está acontecendo nessas leis, nessas políticas públicas que já existem, para que não se repitam esses erros.
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Sobre o PL, preocupa-me um pouco, por exemplo, que nas estratégias nacionais de defesa civil, no programa nacional de defesa civil, no Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais isso não seja mencionado. Esse PL propõe uma ação que é desassociada de políticas públicas já estabelecidas, de um sistema já estabelecido, que nós sabemos que é um sistema falho, que não atende, que não chega a tempo, mas que, de certa forma, é um sistema que tem um impacto nacional, enfim, tem implicações sistêmicas. Talvez por isso ele também não se relacione com o Município. Como esse PL vai se relacionar com os Municípios, que, no fim das contas, são os que gerenciam essa situação de risco?
Foi bem interessante ver o documento, os dados do FIDE. Nós já desconfiávamos, já sabíamos que dados importantes do perfil social, do perfil racial, de gênero dessas pessoas ali não constavam. Mas, num documento dessa forma, desse jeito, como vai ser feita a leitura, por exemplo, da questão do trabalho, dessas perdas? Isso vai ser feito em que nível? O Município tem que estar preparado para fazer isso de maneira adequada, rápida, para que essa resposta não demore mais tempo para chegar. Acho que isso é bem importante.
Obviamente, em situação de emergência, é fundamental esse auxílio. As pessoas precisam de dinheiro para conseguir a segunda via de um documento, precisam de dinheiro para comprar tudo que perderam, precisam de dinheiro para se restabelecerem minimamente. Mas, de fato, esse problema não se resolve com dinheiro.
O PL tem um valor que é melhor do que o das leis existentes, que gira em torno de 300 reais ou 400 reais; tem um valor maior, mas ainda insuficiente, e não há valor suficiente para atender as emergências dessas pessoas. Há um impacto inflacionário alto, como já foi dito, no valor dos aluguéis. O valor de aluguel mínimo passa a ser o do auxílio. Então, é preciso pensar esse auxílio para um atendimento mais completo.
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Nós temos uma deficiência na produção de infraestrutura no Brasil, uma deficiência na produção de políticas habitacionais. É, mais uma vez, inevitável se falar na importância de pensarmos a moradia como um direito, e não como uma mercadoria, para que Estados, Prefeituras e Governo Federal produzam habitação de interesse social e de interesse público. As pessoas seriam melhor atendidas se tivessem um lugar com qualidade habitacional em vez de receberem um valor não suficiente para esse atendimento.
Mas, de novo, quero dizer que o auxílio é fundamental. Devemos pensar em como dobrar esse valor, e ainda assim esse valor será insuficiente e terá sempre caráter emergencial.
Ainda falando de valores, novamente, o PL nada fala sobre financiamento dessas ações. Esse outro PL que mencionei, de 2004 — a Lei nº 10.954 —, fala de recursos provenientes de um fundo destinado à Defesa Civil. Pesquisamos algumas informações, mas não conseguimos achar quais são os recursos para esse fundo. Falta transparência sobre os recursos e a gestão. Está previsto um comitê interministerial que deveria gerir esse fundo e essas ações. Parece que isso não acontece. E também a descrição desse comitê não traz a participação social das comunidades, dos envolvidos nesses desastres. Isso seria importante. Então, é importante que o PL pense na gestão, no papel dos órgãos federativos, da Defesa Civil municipal, e também no papel das comunidades envolvidas.
E quando falamos em financiamento, temos de pensar realisticamente. Não falta dinheiro no Brasil. Sabemos que há uma questão de priorização desses recursos. Mas os dados do CEMADEN olham e monitoram com prioridade — refiro-me ao último dado que encontramos no site — 959 Municípios. Esses Municípios, talvez, sejam aqueles para os quais conseguimos pensar na antecipação da destinação desses fundos, para que esse dinheiro, enfim, seja distribuído de maneira federativa e em tempo da emergência, para que chegue no tempo da emergência. Digo isso porque sabemos de casos em que as pessoas esperam 6 meses para receber o primeiro recurso, por questões burocráticas.
Por fim, o Instituto Peregum tem uma relação histórica com uma comunidade em São Paulo chamada Montanhão ou Cafezais, que fica em São Bernardo e que recentemente sofreu e ainda está sob ameaça de remoção, porque é caracterizada como área de risco. Há mais de 40 anos aquela comunidade está lá, e ela tem resistido a essa remoção. A Prefeitura fez um mapa apontando 14 lugares como R4 e, depois, apontou mais de 30 famílias que moravam lá há muito tempo. Toda a gestão dessa questão é inadequada.
As famílias são notificadas — não são notificadas, elas recebem um carimbo na porta indicando que terão que sair dali —, e começam a sofrer uma série de constrangimentos para saírem daquele lugar. Elas ficam, literalmente, entre a cruz e a caldeirinha, porque se sentem sem amparo para saírem daquele lugar, mas também se sentem ameaçadas porque conseguem reconhecer várias situações de risco. E elas também passam a duvidar daqueles indicadores de risco.
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Aquela comunidade travou uma luta e permaneceu naquele lugar. Acredito que essa luta específica já dura mais de 1 ano, uns 18 meses, mais ou menos. E a Prefeitura não muda o discurso, continua insistentemente colocando como opção a remoção dessas pessoas, sem nenhum tipo de atendimento. Mas certamente essa Prefeitura também não se preparou para o desastre. Quando a chuva cai, ela espera o desastre quase que para dizer: "Eu avisei". E também a Prefeitura não faz qualquer tipo de atendimento mais qualificado a essas famílias.
Essa é apenas uma comunidade, mas é a realidade urbana da Região Metropolitana de São Paulo. Outras comunidades em outros lugares do País têm outra realidade sobre outras coisas, mas o problema se repete e é muito parecido, constantemente.
Para encerrar, acho que, de novo, devemos exaltar a importância de se pensar no atendimento às famílias vulnerabilizadas, mas também na importância disso, porque essa é uma situação que já existe. O próprio CEMADEN diz que, só em 2022, foram mais de 842 mil desalojados, e mais de 41 milhões de pessoas, em 10 anos, foram atingidas por inundações — só inundações, sem falar em seca e outros desastres.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Gisele, quero agradecer muito pelas suas contribuições. Ouvir sua intervenção me fez pensar em meu Município, Niterói, que, em 2010, viveu a tragédia do Bumba, que ficou conhecida com esse nome, mas que foi um processo de deslizamento em mais de 23 pontos da cidade. Estamos falando de 2010, mas, 10 ou 13 anos depois, ainda temos as mesmas vítimas daquela tragédia desabrigadas, vivendo em áreas de risco e, muitas vezes, responsabilizadas por viverem em áreas de risco.
Falamos muito aqui sobre o espelhamento e a relação com o colapso climático em curso, mas essas consequências se dão associadas a uma ausência histórica de políticas públicas, em especial, nos Municípios. Os riscos vão se multiplicando e as tragédias se repetindo.
Se pensarmos até em termos de política urbana, a saída muitas vezes apresentada é a remoção, mas a maior parte dos riscos pode ser mitigada ou mesmo findada com intervenção
daquele Município. Quando pegamos os mapas de risco de Niterói, vemos que há intervenções muito possíveis para acabar com os riscos, e não tirar aquela pessoa da sua comunidade. Ela tem um vínculo com aquele território, uma história com aquele território. Então, primeiro, quero fazer essa pontuação. Precisamos mesmo pensar o que são as políticas públicas não efetivadas ao longo dos anos.
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Agradeço as contribuições do próprio PL, que foi apresentado emergencialmente, num momento emergencial, e que precisa ser aperfeiçoado. Não é só para que ele esteja conectado com a legislação já vigente. Acho que dá para aperfeiçoar esse PL numa relatoria que dê conta disso. Fiquei pensando até em, de repente, pedirmos um estudo da própria assessoria da Casa, que é uma assessoria muito boa, para vermos o mapa do que já há de legislação vigente. Podemos pensar num próprio texto de lei que esteja conectado com as políticas públicas vigentes e que dê conta desse diagnóstico mesmo que você trouxe. Até o fim da audiência, vamos ouvir várias contribuições. Podemos sair daqui com um grupo de trabalho vinculado ao GT para que possamos aperfeiçoar esse texto de lei com as contribuições que você trouxe. Então, agradeço demais.
Eu sou Igor Travassos. Sou um homem negro, alto, de 1,90 metro de altura. Tenho dreads na altura dos ombros, que hoje estão presos em formato de rabo de cavalo. Visto uma camisa branca com letras laranja em que está escrito: "Basta de tragédias quando as chuvas chegam!". Sou da Frente de Justiça Climática, do Greenpeace Brasil. Também represento aqui o Observatório do Clima.
Eu gostaria de cumprimentar a Deputada Talíria Petrone pela proposição do Projeto de Lei nº 83, de 2022. Destaco o esforço coletivo do secretariado e do GT para a realização desta audiência, depois de tantas remarcações. Quero agradecer também pela proposição desse projeto. Qualquer projeto de lei ou qualquer política pública que vise à redução das desigualdades precisa ser potencializada, precisa ser encarada como urgente.
Também gostaria de cumprimentar os companheiros e as companheiras aqui presentes, que têm se debruçado e têm trabalhado arduamente para a construção de políticas públicas efetivas, construídas com a participação das pessoas mais impactadas pela crise climática. O caminho para a efetiva participação social precisa ser de esforço e de agenda coletiva. Não é somente com um debate amplo e quantitativo, mas com um debate de participação daqueles e daquelas que são, histórica e sistematicamente, vulnerabilizados pelas ausências.
Eu gostaria, justamente, de tratar aqui sobre essas ausências. Quando falamos sobre a possibilidade de haver um auxílio emergencial para pessoas vítimas de secas e chuvas, e aqui estamos ampliando, como prevê o projeto, para outros eventos climáticos extremos, é importante voltarmos algumas casas e refletirmos, como muito bem trouxe a Gisele, sobre quem são essas pessoas mais impactadas.
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Lidando com ausências, nós sentimos justamente a ausência do diagnóstico através das políticas públicas do Censo e dos levantamentos que coloquem e que determinem quem são essas pessoas diretamente falando. Nós conseguimos inferir essas pessoas a partir de outros dados. Por exemplo, quando vamos lidar com os territórios mais impactados pela crise climática, pelos eventos extremos, sobretudo aqui no Brasil, pegando a perspectiva dos centros urbanos, há territórios periféricos como sendo os mais impactados.
Vamos voltar um pouco na história para ver quem ocupa historicamente esses territórios. São pessoas negras, e isso é importante colocar. Quando o Império decreta a abolição, não se pensou sobre o dia 14, o dia seguinte. Naquele momento, o Estado brasileiro, institucionalmente, criou novas categorias sociais: desempregados, sem-teto e sem-terra. Tudo aquilo dali pertencia a quem já tinha o domínio, inclusive, sobre a vida das pessoas, daquelas pessoas que ficaram ali sem nenhum amparo; pelo contrário, o Império decidiu indenizar, na verdade, aqueles escravocratas.
Coloco isso porque, quando o Brasil completou 500 anos, o IBGE fez uma série de diagnósticos sobre a construção da população brasileira. Há dados interessantes, que dizem, por exemplo, que em 1872 foi realizado o primeiro Censo oficial. Segundo esse Censo, havia 9 milhões de pessoas. Que pessoas eram essas nós descobrimos depois. Por exemplo, 10 anos depois da abolição, em 1890, 12 anos depois do primeiro Censo, essa população sai de 9 milhões para 14 milhões de pessoas. Um pouco mais à frente, em 1900, essa população duplica. Isso naturalmente é impossível. O que acontece ali é que grupos sociais que não eram aferidos começam a ser incluídos. Conseguimos, então, dimensionar a quantidade de pessoas negras, ex-escravizadas, que ficam desabrigadas e desalojadas, naturalmente, pelo processo histórico. Então as pessoas vão a lugares, e começa a ocupação desordenada em lugares de risco.
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Debruçando-se um pouco mais sobre o PL especificamente, eu concordo muito com o que a Gisele disse: precisamos, sim, de políticas públicas. Precisamos ter um olhar atento para que as políticas públicas e os mecanismos legais existentes possam, de alguma forma, conversar, para que não fiquemos apenas criando mais mecanismos que não sejam efetivos.
E mais: quero destacar um ponto de atenção especial nesse PL. Eu até salientei que, basicamente, ele está atrelando o direito ao auxílio às pessoas que tiveram sua renda impactada. Precisamos nos debruçar com mais complexidade sobre essa questão, porque nem todas as pessoas... Falando de política pública, renda, na leitura... Não temos como acompanhar 100%, com total precisão, a implementação da política pública desse auxílio, caso ele venha a ser aprovado e instituído.
Quando falamos sobre renda, na política pública, e para vários desses agentes responsáveis, nós nos referimos ao provento do trabalho, que não necessariamente é impactado durante um evento extremo.
Eu trago um exemplo: muitas dessas pessoas que vivem em territórios periféricos não necessariamente trabalham nesses territórios. Elas não vão ter seus trabalhos afetados por aquilo. Falo aqui de empregadas domésticas, por exemplo, que trabalham em bairros nobres das cidades. A casa dos seus patrões, das suas patroas não vai sofrer impacto. Ela continua com vínculo laboral. Falo aqui inclusive de comerciantes informais, que na dinâmica das cidades deixam seus produtos num lugar mais próximo, no centro, e moram nas periferias. Não necessariamente eles têm sua renda impactada diretamente, como esses agentes responsáveis pela aplicação da política pública vão ler. No entanto, têm um comprometimento da renda, sim, porque precisam reconstruir suas vidas a partir do momento em que perdem tudo.
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Uma coisa que é importante destacarmos é que, nesses territórios, quando essas pessoas perdem tudo, estamos falando sobre um auxílio com um valor, como a Gisele disse, como está previsto no PL, na proposta, muito acima do que é praticado hoje, porque está fixando ali como um salário mínimo. Hoje, vemos a realidade de alguns Municípios que chegam a 270 reais, 300 reais, quando se chega a isso!
Eu queria ainda destacar justamente esse critério que está previsto, mesmo de seis cotas de um salário mínimo, e pontuar que o PL não fala necessariamente de quanto é o tempo de vigência desse auxílio. O que está colocado aqui é referente a impacto. Há pessoas que estão impactadas há 20 anos, há 30 anos. Como conseguimos colocar um valor que tem uma lógica — eu sei que é complexo, porque isso também dá margem para outras discussões — da indenização daquilo que se perdeu?
A família que está vivendo em área de risco não está ali por uma escolha, mas por uma consequência de omissões do Estado. Se chegou ao momento, ao ponto crítico de perder sua residência por um desmoronamento, por uma enchente, é por causa de uma prática sistêmica do Estado de não olhar para esses territórios. Quando nós olhamos para a mesma cidade, observamos que há territórios diferencialmente impactados e com um direcionamento de obras estruturais totalmente discrepantes. É muito fácil fazer essa leitura quando vemos isso em bairros nobres. Por exemplo, eu venho da Região Metropolitana do Recife, e no ano passado tivemos o maior evento extremo dos últimos 50 anos dentro do perímetro urbano. Não estamos falando simplesmente de um evento atípico, nós vivemos e convivemos com eventos dessa magnitude nessa cidade. Por exemplo, só a minha avó perdeu três casas.
Por que áreas da cidade que estão na mesma geografia não sofrem o mesmo impacto que áreas periféricas? Porque há direcionamento de política pública voltada para esses territórios, que beneficiam um tipo de população que nós sabemos bem de quem se trata: das elites das cidades.
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A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Muito obrigada, Igor.
Nós estávamos conversando que, após esta audiência, temos que pensar qual é o caminho que esta pauta vai tomar dentro do GT. Eu acho que a audiência pública é, de fato, um momento de escuta, de recebimento das ponderações, das críticas, das sugestões, e de pensar se o caminho é seguirmos investindo nesse PL e pensando numa relatoria que dê conta do todo trazido aqui, ou se é pensarmos em fazer uma curva e buscar outra elaboração, que vá para um caminho que reconheça as políticas já existentes.
Eu dei uma olhada no PL de 2004 — acho que podemos falar isso de público, porque esta é uma audiência pública —, de que eu não tinha conhecimento, mencionado pela Gisele, no que aconteceu de lá até aqui. É um PL que tem diferenças, mas deveria na ponta garantir o auxílio emergencial a essas pessoas, e, de lá para cá, isso não é instituído.
Estou compartilhando alto aqui uma reflexão para que consigamos, ao final desta audiência, ter encaminhamentos concretos que incidam nessas realidades: pode ser via alteração, por meio de relatoria desta matéria que estamos apreciando, ou pode ser a partir de outro caminho.
Sou cria da favela do Ibura, que fica localizada na periferia da Zona Sul de Recife — na verdade, na extrema Zona Sul de Recife, porque quem conhece Recife pensa em Zona Sul sempre em Boa Viagem e tal. Eu moro num dos maiores bairros de Recife, que fica, de fato, no extremo da Zona Sul, fazendo divisa com o Município de Jaboatão dos Guararapes. Inclusive, esse é um grande problema para as pessoas que moram nessa área limítrofe pensando nesse atendimento, nessas políticas públicas, em como chegam, porque há sempre uma falta de comprometimento dos poderes públicos locais com essas áreas que são de divisa. Isso também é um grande problema.
Eu sou cofundadora e coordenadora do Coletivo Ibura Mais Cultura, faço parte da Articulação Negra de Pernambuco e também da Coalizão Negra por Direitos, que estou representando aqui hoje.
Ano passado, nos eventos extremos em Pernambuco, o meu bairro, o Ibura, foi o mais atingido. Nós tivemos 130 e poucas mortes, e só no meu bairro foram 58 mortes. Nas comunidades, a maioria das mortes foram por deslizamento de barreiras. Algumas famílias perderam 11 membros, e na minha comunidade uma família perdeu quatro pessoas com o deslizamento.
Acho importantíssima esta iniciativa de termos uma audiência para discutir o auxílio emergencial, como já foi falado pelos colegas que estão compondo a Mesa, entendendo a importância de realmente termos um recurso que chegue rápido a essas pessoas que são atingidas por esses eventos extremos, na ponta.
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Durante as chuvas do ano passado, no contexto desse evento extremo em Recife, Pernambuco, em meu bairro mais propriamente dito, nós ficamos cerca de uma semana sem receber nenhum órgão do Estado em nossa comunidade. Eu estou falando de um apoio emergencial no sentido de procurar os corpos das vítimas, de prestar apoio de saúde a essas pessoas que ficaram feridas, de um apoio psicológico, de pensar num abrigo. Para os senhores terem noção, não tínhamos o direcionamento do abrigo a que as pessoas deveriam ir naquele momento. Foi a própria comunidade, organizada numa grande rede de solidariedade, e os coletivos do território que realizaram as ações de apoio a essas famílias. Ficou muito escancarada a ineficiência do poder público local, mas também das esferas estadual e nacional, em conseguir fazer uma intervenção rápida e dar um atendimento a essas pessoas.
Então, imaginem: as pessoas que também estavam em situação de vulnerabilidade naquele momento eram de uma comunidade inteira, que ficou traumatizada — não havia ninguém que não tivesse ficado mentalmente afetado em sua saúde —, mas elas tiveram que se mobilizar durante aquele processo e passar por cima da dor para poderem fazer o atendimento, senão, a situação que estávamos vivendo poderia ter sido mais grave ainda.
Reside aí a importância de pensarmos num auxílio emergencial nessas situações, porque, de fato, é importante chegar junto e pensar em como materialmente podemos atender a essas famílias. Mas, como a Gisele bem pontuou em sua fala, só isso não resolve. Então acho que, neste espaço institucional, é fundamental estarmos repetindo e ressaltando isso. Estamos aqui numa audiência pública para discutir um projeto de lei que versa sobre um auxílio, mas temos sempre que estar pontuando a importância de se pensar, de fato, em políticas públicas integradas, de se pensar em como evitar esses problemas e esses danos.
Eu fui criada na comunidade UR-10 do Ibura. Para quem não sabe, o Ibura é um dos maiores bairros, como eu disse, e tem muitas comunidades, e a minha comunidade está deixando de existir. Ano após ano, famílias estão sendo removidas desse local porque não se pensa em como atendê-las, em como evitar esses riscos, em como garantir que essas famílias lá permaneçam. Para vocês terem noção, a casa em que eu cresci, que é uma casa que hoje também está condenada, tinha um quintal enorme, e esse quintal foi deslizando ano após ano. E nós não precisávamos ter perdido a casa se tivesse havido uma ação de contingência e de prevenção inicialmente. Vemos que são problemas que vão só se agravando ao longo do tempo, e isso é fruto desse projeto de extermínio, como os companheiros bem pontuaram. Inclusive, eu fico muito feliz por estar nesta Mesa, em uma audiência pública, composta majoritariamente por pessoas negras, pessoas que estão, de fato, se debruçando sobre a temática, pessoas que estão racializando o debate, porque é importante dizer que esse processo que vivemos no Brasil está totalmente ligado ao racismo. Não há como falar desses processos, desses eventos extremos, dessas famílias que são atingidas, sem falar do racismo, sem observar essa questão racial e colocá-la como centralidade do debate, não como um ponto fora de contexto.
Esses problemas estão intimamente ligados.
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11:40
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Eu não vou ser repetitiva aqui. Igor trouxe um panorama histórico muito importante para nossa reflexão. Isso não acontece por acaso. Essas famílias não estão nesses lugares por acaso. Tudo é parte de um projeto político inclusive de higienização dos centros. O meu bairro fica bem distante do centro de Recife, e ele inclusive começou a ser povoado de forma mais intensa a partir das cheias das décadas de 60 e de 70 e da retirada dessas famílias, porque era muito conveniente tirar as famílias que estavam mais próximas do centro e levá-las para esses lugares mais afastados, na periferia, para um território que, não sem conhecimento do poder público local, é um território onde há várias áreas consideradas de risco hidrológico e geológico, um bairro que tem grandes morros, mas também muitas áreas baixas e que sempre sofre com enchentes. Companheiras nossas sempre sofrem muito com enchentes no bairro. Eu moro numa área alta, mas que também sofre com enchente em alguns pontos. Enfim, esse é um problema recorrente, é importante pontuar.
Em relação ao PL, eu compartilho muito das avaliações que os colegas trouxeram. Acho importantíssimo nós podermos trazer essas contribuições, garantirmos a participação da sociedade civil em todos os processos. Ela é de extrema importância, inclusive a participação das pessoas que são diretamente atingidas. Eu sempre faço esse apelo e sempre tenciono no sentido de que as pessoas que são diretamente atingidas façam parte das discussões sobre o que está sendo decidido, sobre as políticas públicas que estão sendo desenhadas, porque muitas vezes elas ficam excluídas desses processos, desses debates, e suas vozes não são escutadas. A pessoa que está lá na ponta, a pessoa que está sofrendo, a pessoa para quem essa política pública vai ser direcionada lá na ponta, ela não é ouvida. No Brasil isso é recorrente, por isso muitas vezes a política pública não dá certo, não é eficiente, porque as pessoas diretamente impactadas não são ouvidas.
Enfim, eu também trouxe algumas contribuições que acredito que são importantes para pensarmos na melhoria da proposta, para pensarmos em como construir uma proposta que contemple os anseios da sociedade civil.
Um primeiro ponto que eu anotei aqui foi essa definição, que está muito vaga no PL, do tempo do desastre. De fato, é muito difícil definir isso, porque as repercussões de um desastre dessa magnitude vão reverberando ao longo do tempo. Por exemplo, ainda hoje muitas famílias sofrem com traumas psicológicos gigantes decorrentes do que aconteceu. Eu fiz um post que sempre compartilho pela rede social, toda vez que chove. Ele diz que não é normal as pessoas terem medo da chuva. Mas, quando chove, a comunidade todinha fica tensa, nós ficamos nos ligando e perguntando como as pessoas estão, por causa das repercussões psicológicas. Sei que é difícil dimensionar um tempo, mas também acho que esse é um critério muito vago. É critério de quem? Nem sempre, quando o Município decreta que saiu do estado de calamidade, a população está em condições de tocar sua vida. Na verdade, depois do evento, nunca mais terão, se pensarmos que elas não estão minimamente estruturadas para seguir.
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11:44
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Um ponto que a Gisele trouxe e que eu quero reforçar é que, de fato, esse auxílio de um salário mínimo que está sendo pensado é muito maior do que o praticado pelos Municípios. Hoje, em Recife o valor é de 300 reais. Ele só foi aumentado, na verdade. Em junho do ano passado, eram 250 reais, agora aumentou para 300 reais. É claro que não era um auxílio emergencial, era o auxílio-moradia, que tem caráter permanente. Na minha comunidade, pessoas que acompanhamos pelo coletivo estão há mais de 20 anos recebendo auxílio-moradia, ainda não receberam as moradias novas. Eu sei que o valor que está sendo pensado é muito mais alto, mas essa questão do impacto inflacionário no preço dos insumos... Para se ter uma noção, ficamos quase uma semana sem energia elétrica e sem abastecimento regular de água depois do desastre, e o preço das velas subiu absurdamente, o preço da água subiu. Eu sei que depois a situação foi regularizada, mas o aluguel, de fato, aquele que era o valor mínimo, ele aumenta muito, e continua alto. De fato, 300 reais não pagam aluguel nenhum, nem em outra área de risco se paga um aluguel com esse valor. Então, é importante lembrar que as demandas da família atingida passam a ser outras, e elas são inúmeras. Imagine você ter sua casa, sua mobília, que é muito difícil conseguir comprar, e de repente você perder tudo. Para reparar tudo aquilo, de modo que se consiga viver com o mínimo de dignidade de novo, com aquele conforto — como sempre dizemos, é pobre, mas com certo conforto —, para viver assim de novo na sua casa vai levar anos.
Eu acho que é importante pensarmos em estabelecer fóruns e instâncias de participação e controle social a partir dos diretamente atingidos, para as discussões referentes a esses auxílios emergenciais.
Gisele também trouxe outra coisa importante, que é como fazer esse diálogo com os Municípios, que estão na ponta, que vão executar esse recurso, e como será o diálogo com as pessoas atingidas nos Municípios, se as distâncias para a participação social são burocráticas e nem sempre contemplam, nem sempre abarcam essas pessoas.
Também é importante pensar na interligação com outras políticas públicas, com a rede de assistência social, com a rede de geração de emprego e rendas, com as políticas públicas de saúde, de alimentação, de educação. Acho que é extrema importância ter esse ponto interligado, esse diálogo entre os entes federados.
São muito caras para mim as estratégias de não burocratizar e de atender a lógica de fato emergencial. Quando aconteceu o desastre no ano passado, o poder público local chegou, a Defesa Civil, tanto a de Recife quanto a de Jaboatão, porque estávamos em uma área limítrofe. Vivemos várias situações de demora das Secretarias de Defesa Civil, de ambos os Municípios, e, quando chegaram, a única orientação era "saiam da casa". Não havia uma orientação sobre como as pessoas acessariam os recursos. Isso foi feito depois, pelas secretarias ligadas a assistência social. A Defesa Civil acaba tendo mais esse papel de ir ali dizer uma coisa que todo mundo já sabe, que é que tem que sair da casa, porque a casa está em risco, enfim. Faltam outras orientações. Uma coisa necessária para o recebimento do auxílio era que as pessoas tivessem cadastro no CadÚnico, mas nem todas as pessoas estavam cadastradas, e elas precisavam receber o auxílio naquele momento. Só para conseguir uma ficha para ser atendido no CadÚnico o tempo de espera foi enorme, muito grande.
Vejam a burocracia para se ter acesso ao recurso! Eu sei que estamos falando aqui em nível federal, mas, no nível municipal, havia também a questão de que a pessoa não podia alugar casa em outro Município. Estávamos na divisa, entre dois Municípios. A rua da minha casa é metade em Jaboatão, metade em Recife. Talvez a pessoa consiga um aluguel melhor do outro lado da rua. Mas não pode. Essas burocracias, em vez de ajudar a atender as pessoas nessa situação que é emergencial, elas acabam afastando as pessoas do recurso. Estamos falando de junho do ano passado — em 28 de maio aconteceu o grande número de mortos. Houve gente que só veio a receber o recurso este ano, 1 ano depois. É importante pensar em desburocratizar isso.
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11:48
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A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigada, Lídia. De fato, quem quer ocupar área de risco? Quem quer viver em área de risco? Nós não temos que pensar nas diferentes dimensões dos riscos que esses mesmos corpos vivem há tanto tempo sem pensar na formação histórica do nosso País. Não dá para pensar em política pública nenhuma sem considerar a dimensão da raça. A raça estrutura todas as relações sociais num País que teve quase 4 séculos de escravidão e uma abolição inconclusa e a construção de um Estado que, infelizmente, não reconhece o impacto do racismo na nossa existência.
A SRA. PRESIDENTE (Célia Xakriabá. Bloco/PSOL - MG) - Bom dia, gente. Já estou na minha quarta agenda do dia, de um dia tão agitado. Estamos fazendo também um enfrentamento contra o marco temporal, que tem tudo a ver com esse processo de atingidos. Nós sabemos que 68% das pessoas mais atingidas pela mineração e por fortes enchentes são pessoas negras, são as comunidades quilombolas...
Falar de questões climáticas é falar do racismo ambiental. Ainda no início do ano, eu estive, junto com a parente Ministra Sonia Guajajara, lá em São Sebastião, onde foi atingido o povo guarani. Nós estivemos lá in loco. Estivemos em outros Estados também, onde houve uma mesma situação. O Estado de Minas Gerais não sabe se é vulnerável pelas enchentes ou pelo rompimento de barragem, tudo em estado de vulnerabilidade.
Então, esse tema é superimportante.
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Parabenizo a minha companheira Deputada Talíria Petrone, por promover o debate deste projeto de lei tão importante. Mas é preciso ser feita a escuta a partir de quem é atingido. Sou Sub-Relatora da matéria que trata da repactuação em Brumadinho e Mariana. Muitas vezes, na repactuação, tem se discutido quem é atingido ou afetado. Há diferença entre atingido e afetado? Por exemplo, na Comunidade de Macacos, uma cidade linda, em Minas Gerais, as pessoas não sorriem mais. Se as pessoas não sorriem mais, como não dizer que elas são atingidas? As pessoas não sorriem mais porque, todas as noites, ou toda madrugada, a sirene é ligada para dizer se aquela barragem vai romper ou não.
Muitas vezes, a narrativa que eu escuto, inclusive lá em São Sebastião, é a seguinte: "Mas eles constroem em lugares que são proibidos. Eles constroem em lugares em que não se pode construir". Eu digo que nós temos que discutir urbanização também. E dentro desse assunto, muitos lugares periféricos, que são os únicos lugares que restam para nós, na verdade, são lugares em que há alta vulnerabilidade. Então, não basta dizer que não poderiam construir ali.
Nós queríamos morar, por exemplo, no centro de Belo Horizonte. Nós queríamos morar no centro de Brasília. Em todas as discussões que são feitas com o Max Maciel aqui em Brasília, dizem que o Plano Piloto, na verdade, não é uma cidade-dormitório, porque as pessoas trabalham aqui durante o dia e vão à noite para Ceilândia.
Então, é muito importante dizer que, quando se trata de fortes enchentes, ultrapassa-se o padrão social, porque na hora em que as pessoas morrem por essa vulnerabilidade causada também pelas mudanças climáticas, o dinheiro não vai compensar. Então, nós precisamos do dinheiro agora, enquanto as pessoas estão vivas. E precisamos pensar políticas públicas de acesso a moradia com qualidade, sobretudo neste momento em que nós estamos debatendo a crise climática.
Nós, povos indígenas, somos hoje 0,84% da população brasileira, 5% da população do mundo e protegemos 80% da biodiversidade do planeta. Nós passamos por um processo de pandemia, mas, na verdade, nós vamos passar por um processo pior, o da crise de oxigênio, e não vai ter como vender oxigênio. Então, falar de calamidades, das grandes enchentes é falar, na verdade, que as pessoas não estão escutando sinais. Ora chove demais, ora chove de menos. Quem imaginava que, no Rio de Janeiro, nesse fim de semana, haveria uma tempestade e também muito frio? Quem imaginaria que, em Belo Horizonte, estaria chovendo nesse fim de semana? São Paulo parece que tem outra realidade. Nós estamos em Brasília, onde as pessoas nem sabem se estão numa Região Semiárida ou no Bioma Cerrado, enquanto em São Paulo parece que se está até em outro país. Trata-se exatamente da desregulagem do clima.
Eu digo que o problema do Brasil e da humanidade é a destemperança. A cada dia, o planeta está mais aquecido, mas, a cada dia, a humanidade está com o coração mais gelado. Nós temos um desafio importante de desaquecer o planeta para aquecer os corações.
Obrigada por trazer esta discussão para cá, porque ela é de extrema importância. O Congresso precisa atentar a isso. Não basta só agir na emergência e dar um colchão. Como fica a casa que foi perdida? Não basta também dar uma cesta básica. O que fazer com aquela pessoa que vive em alta vulnerabilidade e foi impactada também no próprio trabalho? Nós temos que discutir também como vai ficar a pessoa que trabalha no serviço doméstico e que, naquele período, foi afetada. Então, trata-se mesmo de uma questão de política pública, porque é claro que deve haver uma rede de solidariedade.
Este ano, no Acampamento Terra Livre, quando menos se esperava, as barracas foram todas arrastadas, e tivemos ali a atenção da Defesa Civil também. Mas muitas pessoas, muitos parentes que estavam ali disseram: "Eu não quero este colchão. Na verdade, eu quero discutir, a partir dessa tempestade, a realidade das mudanças climáticas que atingem diretamente os nossos territórios".
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11:56
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Então, esta discussão aqui transcende esta Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, para pensarmos no racismo ambiental, porque nessas moradias, nessas ribanceiras, nesses lugares, há pessoas morando. E, na maioria das vezes, essas pessoas têm cor, têm identidade e têm gênero. E somos nós que estamos nesses lugares.
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Antes de passar a palavra para o próximo orador, quero registrar a presença do Deputado Defensor Stélio Dener, que está aqui desde o início também. Daqui a pouco, passo a palavra para ele. Obrigada, Deputado.
O SR. GABRIEL MANTELLI - Bom dia a todos, todas e todes. É uma felicidade estar aqui. Por meio das Deputadas Talíria Petrone e Célia Xakriabá, eu queria cumprimentar todos aqui e também o Deputado presente.
Primeiro, gostaria de agradecer pelo convite. Falo em nome da Conectas Direitos Humanos, essa organização que é uma ONG brasileira de direitos humanos e que tenta colocar a agenda a partir do Sul global, desse lugar que temos discutido aqui.
Quero registrar a minha felicidade imensa de ouvir a contribuição dos meus colegas. Acho que vou retomar algumas contribuições e tentar trazer alguns elementos novos para a discussão deste PL que é tão importante para nós.
Antes de mais nada, eu também queria fazer um convite para todo mundo que está aqui celebrando este momento de discutir este PL que é tão importante e dizer que grande parte das organizações aqui presentes constituíram uma nova rede, a Rede por Adaptação Antirracista, que tenta trazer para o debate brasileiro a importância de pensar as políticas de adaptação a partir desse marco do antirracismo, a partir do marco do racismo ambiental e dizer que estamos muito engajados em pensar não só...
Acho que o Brasil tem uma história de pensar os movimentos ecológicos, indígenas, negro, ações de mitigação, mas acho que estamos num momento, como a Deputada acabou de dizer, ao se referir a essa questão da crise climática, de pensar também em adaptação, de pensar em quem já está sofrendo e em quem são as pessoas que estão sofrendo esses impactos.
Então, a Conectas e outras organizações que estão aqui, como o Peregum, o Greenpeace, a Coalizão Negra, já faz parte dessa rede. Nossa intenção é atuar não só neste PL — inclusive, temos várias contribuições aqui —, mas também atuar na execução das políticas de adaptação, pensando a partir do marco do Plano Nacional de Adaptação.
Estamos acompanhando com muita atenção esses processos e também estamos à disposição para discutir este e outros projetos, para de fato colocar o marco do racismo ambiental como uma das centralidades para pensarmos a questão da crise climática a partir do contexto brasileiro.
Eu trouxe algumas contribuições, Deputadas, no sentido de aprimorar o projeto. Acho que já estamos num nível bastante avançado do nosso debate, no sentido de, inclusive, pensar um GT — e coloco a Conectas à disposição para a construção desse GT também. Acho que a rede por adaptação já está mais do que engajada nisso. Estamos à disposição para pensar as melhorias ou, eventualmente, pensar um novo PL.
Acho que a Gisele, a Lídia e o Igor já trouxeram informações sobre isso. Trago só alguns pontinhos a mais, porque para nós da Conectas Direitos Humanos, de fato, quando pensamos na crise climática, não há como não pensarmos nos direitos humanos. Sabemos que existem disputas ideológicas teóricas em relação à questão da crise climática, mas para nós, além da disputa econômica que acontece, a centralidade está nas vítimas, em quem já está sofrendo os impactos da crise do clima. E, para nós, colocar essa centralidade nas vítimas é muito importante. Então é importante que este PL e outros coloquem isso em palavras.
Nós acompanhamos as negociações climáticas e sabemos que neste ano temos um desafio, que é uma conferência do clima que acontece num país petroleiro. E não só na COP de agora, mas na nossa COP, daqui a 2 anos, será um desafio sediar esse evento mundial num país que, de um lado, tem políticas de mitigação em relação a desmatamento, fauna e flora, mas, de outro, infelizmente, ainda tem políticas que dão primazia à questão do petróleo, da indústria petrolífera, da mineração.
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12:00
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Então como conseguimos, de fato, pensar uma transição energética justa que leve em consideração o que as populações estão querendo, estão pedindo e estão necessitando? Mais do que falar de uma transição energética, precisamos falar de uma transição ecológica e justa que coloque de fato as populações em primeiro lugar.
(Segue-se exibição de imagens.)
Como eu disse, tratarei de seis pontos que já foram mais ou menos abordados aqui pelos meus colegas e pelas minhas colegas, mas eu não poderia deixar de falar deles.
Em primeiro lugar, quero falar do respeito à convencionalidade. A partir de uma leitura de direitos humanos, precisamos entender que, quando estamos pensando em política de adaptação, como a Gisele enfatizou, não se trata só de política de reparação. Existem muitas outras políticas acontecendo, Deputadas — e V.Exa. também pontuou isso, Deputada Talíria. Então, é preciso reconhecer não só a legislação que temos aqui no Brasil sobre isso, mas também que existe uma discussão global sobre isso — a minha fala vai um pouco também no sentido de fazer uma conexão com o debate mundial — acontecendo nesses foros da UNFCCC, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, nas negociações do clima, e o Brasil acaba tendo um protagonismo muito interessante em relação ao que o Sul global vai trazer para a mesa de negociações de diferente, de inovador. Acho que nós temos essa potência e precisamos também levar em consideração isso. O mundo está esperando também do Brasil respostas interessantes. E, com certeza, as nossas tecnologias, as ancestrais, as que estão nos territórios já são contribuições muito relevantes para esse debate.
Então, devemos pensar este PL à luz dessa convencionalidade, desses tratados que já foram celebrados em termos de direitos humanos e outros que podemos colocar nas mesas de negociação no âmbito da UNFCCC, que é esse órgão da ONU que cuida das negociações climáticas.
O meu segundo ponto também está um pouco alinhado com essa linguagem de direitos humanos que defendemos tanto. O PL, em nenhum momento, até agora, menciona a expressão "perdas e danos". Então, precisamos também enfatizar o fato de que, mundialmente, temos falado dessas políticas de reparação, de responsabilização, a partir dessa linguagem, da linguagem das perdas e danos.
No ano passado, finalmente, conseguimos aprovar um fundo mundial para perdas e danos na COP do Egito. E agora estamos na fase de pensar em como isso vai ser implementado e em como esses financiamentos, esses fundos vão chegar aos territórios. Quanto mais alinhados estivermos com essa linguagem e também com esse debate que acontece em relação às perdas e danos, talvez estejamos mais próximos para reivindicar fundos e que esses fundos cheguem para os brasileiros que estão passando por situações de enchentes e desastres.
Sobre a centralidade antirracista acho que já falamos bastante aqui. Para nós, é superimportante que essa linguagem também apareça, não só no sentido da linguagem, mas também no sentido da implementação, na definição de quem são essas pessoas que vão poder receber esse auxílio emergencial.
Vimos na apresentação do nosso colega do CEMADEN a ausência de dados que chamamos de dados racializados. Talvez devamos mencionar isso na análise do PL, quando estivermos na fase da relatoria, para termos esses dados e podermos olhar e trabalhar para essas populações e pensar as respostas a partir desse marco do auxílio emergencial.
Aqui estão os últimos três pontos. Eu acho que o PL fala sobre secas e enchentes, mas talvez seja interessante também ampliarmos um pouquinho esse conceito de desastre. Temos visto que outras formas de desastre estão acontecendo à luz da emergência climática, da emergência do clima. Um deles é, evidentemente, a elevação do nível do mar e a erosão do mar. Então, para além do que acontece nos Municípios que já estão sofrendo com esses eventos extremos em relação às secas, às enchentes, temos visto também a elevação do nível do mar, a erosão do mar, e as cidades costeiras também já estão vivenciando esses impactos. Então, quando pensamos neste PL, talvez seja interessante incluirmos essas populações costeiras que estão sofrendo com a elevação do nível do mar.
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12:04
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A colega Lídia já falou sobre a participação social qualificada. Em relação às questões ambientais, de uma maneira mais geral, nós temos o princípio da participação e da informação ambiental. Nos últimos anos, infelizmente, durante a gestão do ex-Presidente Jair Bolsonaro, nós vimos a informação e a participação ambiental sendo totalmente desmanteladas.
E para nós é sempre importante enfatizar que, quando nós pensamos uma nova proposta, um novo mecanismo de política pública, é fundamental que também existam mecanismos de participação popular e de informação ambiental, para que possamos acompanhar e monitorar essa política pública de uma maneira que seja transparente e que inclua as pessoas que são vitimadas e impactadas pela crise do clima. Então, eu acho que seria interessante aliar à criação do auxílio emergencial um comitê, uma sala de situação que pudesse acompanhar isso de maneira recorrente e permanente. Nós temos toda uma agenda de trabalho da ação climática que necessariamente depende do quesito tempo infelizmente, porque estamos num contexto de emergência.
Por fim, deixando aqui novamente a Conectas à disposição, eu acho que é interessante pensar o PL como um dos instrumentos — nós falamos bastante sobre isso hoje —, porque a política da adaptação climática precisa necessariamente ser intersetorial. Então, quando nós pensamos o auxílio, temos que conectá-lo com outras políticas públicas.
Eu vou só enfatizar aqui um ponto que acho que ninguém trouxe até o momento, a questão da saúde mental. Nós temos feito vários encontros para pensar a questão da adaptação, o problema da adaptação, a ausência da adaptação, a má adaptação que existe nos territórios, e grande parte das discussões, como o Igor também já trouxe aqui, acabam sendo muito focadas na questão monetária, econômica, de renda. Eu acho que, além disso, o Estado brasileiro tem que estar muito preparado para pensar os prejuízos à saúde mental das populações que estão vivenciando esse dia a dia.
O colega do CEMADEN também trouxe alguns pontos sobre isso, dizendo que os dados não conseguem ainda visualizar diretamente qual é o impacto na saúde mental. E nós podemos até ir além e pensar na falta de dados em relação à saúde espiritual das populações que estão nos territórios indígenas, povos e comunidades tradicionais, porque sabemos que existe uma relação intrínseca dessas populações com os seus territórios. E, quando a crise climática chega, muito dessa estabilidade acaba se perdendo.
A SRA. PRESIDENTE (Célia Xakriabá. Bloco/PSOL - MG) - Muito obrigada, Gabriel, pela contribuição.
Quando falamos de direitos humanos, nós estamos discutindo direitos humanos e não humanos, da água, dos rios, respeitando as diversas maneiras de humanidades e não humanidades, mas não sendo desumano.
O povo krenak, quando mataram o Rio Doce, trouxe questões sobre o impacto da mineração para o âmbito do Judiciário, que concluiu que não houve somente danos ambientais, mas também danos espirituais. Então, foi um ganho para o povo krenak, que conseguiu comprovar os danos culturais e espirituais.
Eu gostaria de passar a palavra para o companheiro Deputado Defensor Stélio Dener, que sempre está aqui marcando presença na nossa comissão. A partir de muitos dissensos, nós construímos consensos também.
É um Deputado de Roraima que tem feito, junto conosco, essa discussão na região, trazendo uma importante reflexão para esse contraste também no debate das questões climáticas.
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O SR. DEFENSOR STÉLIO DENER (Bloco/REPUBLICANOS - RR) - Obrigado, Presidente.
Eu gostaria de cumprimentar V.Exa., Presidente, e também a Deputada Talíria, além de parabenizá-las por esta audiência.
Eu vou me apresentar rapidamente, porque talvez vocês não conheçam o meu histórico. Eu sou defensor público de carreira, no Estado de Roraima, o único Parlamentar federal defensor público desta legislatura. Sou o primeiro Parlamentar na história, também com muito orgulho, a carregar no nome de Deputado a insígnia "Defensor". Então, eu sou o primeiro Parlamentar a usar, no Congresso Nacional, o termo "Defensor" no nome parlamentar.
Com essa introdução, vocês já podem deduzir o meu posicionamento com relação às questões dos direitos humanos, em relação aos direitos das pessoas mais simples, das pessoas hipossuficientes, das pessoas marginalizadas, das pessoas que precisam realmente de uma política pública mais efetiva dos Governos que passam pelos Estados e pela União.
Eu li atentamente quase todos os projetos com relação à pauta da nossa audiência pública, e uma coisa me chamou atenção, colegas: o auxílio emergencial trata especificamente de pessoas físicas. O projeto não trata do auxílio quando, eventualmente, ocorrem fenômenos da natureza que ferem toda a comunidade.
Algumas pessoas deram exemplos de quando essas ações ferem toda a comunidade, não apenas a pessoa física, a pessoa que pratica o próprio comércio, a pessoa que produz, mas, sim, toda a comunidade, quando ela se autossustenta. Nós temos inúmeros exemplos disso, no Brasil, exemplos de comunidades que produzem o próprio alimento para consumo e, às vezes, também o vendem.
Quando algum evento natural provoca perda de todo o plantio de uma comunidade, o que podemos fazer? Como podemos tratar disso neste projeto? Eu queria chamar a atenção em relação a isso e trazer especificamente os exemplos de Roraima, exemplos eventuais de setores ou bairros urbanos, em que há alguma comunidade específica que produz para a própria comunidade, e também exemplos da área rural. No caso, trago o exemplo de Roraima porque há comunidades que não estão dentro das sedes dos Municípios, principalmente as de populações indígenas.
Vejamos dados em relação a isso, especialmente em relação a Roraima. Eu vou falar especificamente das comunidades indígenas. Em Roraima tem a maior população indígena, percentualmente falando, do Brasil: 11% da população do Estado é indígena. Isso é mais do que o dobro do segundo maior Estado do Brasil em termos de população indígena, o Amazonas. Em Roraima, nós temos 719 comunidades indígenas. Muitas dessas comunidades plantam para comer, seja o milho, seja o feijão, seja a mandioca. Elas plantam para comer.
Fenômenos da natureza acontecem, a exemplo do que aconteceu agora em Roraima no inverno, que é o período de chuva no Estado. Há comunidades, por exemplo, em Ingarikó, que perderam todo o plantio em virtude da cheia do rio. A água levou tudo. E quando o rio enche também não se pesca. Não tem como pescar também.
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Então, o que nós podemos fazer em relação ao auxílio emergencial para as comunidades? E faço uma reflexão, Deputada Talíria e Deputada Célia, no sentido de colocarmos alguns dispositivos, se V.Exas. entenderem necessário, no auxílio emergencial para comunidades. Nós podemos fixar a quantidade de famílias que pode haver na comunidade e o auxílio emergencial não ir para a pessoa física, mas, sim, para a comunidade, porque a comunidade, às vezes, faz uma associação. Essa comunidade indígena de Roraima faz muito isso, eles fazem o plantio para toda a comunidade comer ou para toda a comunidade vender. Também, da venda dos produtos, eles compram outros produtos, outros mantimentos no comércio das sedes das comunidades, no caso os Municípios.
Eu fiz alguns apontamentos. Por exemplo, a própria ementa diz: "Institui o auxílio emergencial para situações de emergência decorrentes de secas e enchentes, a ser destinado à pessoa física(...)". Mas, no meu entendimento, deveria ser: "(...) e comunidades afetadas por danos e prejuízos".
Nos dispositivos onde tratam de pessoa física, acrescentaríamos o termo "comunidades". Isso é só a título de reflexão. E eu posso fazer perfeitamente esses apontamentos depois como forma de sugestão a V.Exas. Por exemplo, diz o art. 2º da lei:
Art. 2º. São beneficiados do AESE pessoas físicas — e comunidades — que exercem atividade laboral comercial em Municípios (...), e que se enquadrem em um dos requisitos abaixo:
São apontamentos. Poderíamos colocar um inciso III, que não trata de pessoa física, mas de comunidades. Ficaria assim: "III - Comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, costeira — sugerida pelo Gabriel —, afro, que tenham sido impactados (...)".
Aí viria discriminando também, dentro do próprio PL, a possibilidade de o auxílio ser encaminhado à comunidade.
Lá embaixo, nos requisitos quanto ao valor a ser fixado, nós decidiríamos: "(...) de acordo com o tamanho da comunidade". Por exemplo: até 50 pessoas, um auxílio fixado pelo próprio PL, ou até 100 pessoas, um auxílio fixado pelo PL. Aí determinaríamos a quantidade de pessoas que o PL fixasse para eventualmente a comunidade estar recebendo esse benefício, para que a comunidade possa vir de novo plantar, para que a comunidade possa vir comer, e tudo o mais.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Muito obrigada, Deputado. Teríamos que subverter um pouquinho o Regimento.
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Nós do GT Clima, ao lado das Comissões que propuseram esta audiência — eu até brinquei aqui que é o GT dentro do GT, para discutir o PL —, nos comprometemos, enquanto GT Clima vinculado à Frente Ambientalista, a nos debruçar sobre as contribuições, que são muitas, desde a necessidade de explicitar a centralidade antirracista; de haver um fórum ou um comitê para controle social da execução do auxílio, pensando na centralidade das vítimas, das pessoas atingidas e afetadas; de fazer um debate sobre a indenização, sobre o caráter desse recurso, que chega às pessoas atingidas e afetadas, se será indenização ou auxílio, sobre quem teria direito ao auxílio, sobre as pessoas que não têm diretamente o seu negócio afetado, a sua renda afetada, mas o seu modo de vida, a sua saúde mental. Enfim, fazer um debate sobre as comunidades atingidas como um todo.
Então, é preciso deixar mais explícito quem teria direito ao auxílio; pensar um pouco a relação com os Municípios, com as políticas públicas existentes, com os tratados internacionais dos quais o Brasil já é signatário; pensar o auxílio vinculado ao debate das políticas intersetoriais. E ver onde entra também a questão da saúde mental e espiritual seria no ponto de quem teria direito ao auxílio. Mas é preciso entendermos o auxílio como urgente. Por isso, acho importante o debate que o PL produz. O recurso é emergencial, mas como nós vamos pensar a execução dele, a burocratização, o acesso ao recurso, que, muitas vezes, desvincula o próprio caráter emergencial e transitório.
Junto a isso, há a questão do tempo. O que é o tempo do desastre? Nós pensamos em dimensionar em lei. Quando nós dimensionamos em lei e não num plano, uma política, é difícil não colocarmos um tempo. Mas quem diz qual é o tempo do desastre? Então, acho isso importante para nós pensarmos, seja o encaminhamento de uma nova legislação, seja a alteração na forma da lei.
Há também a ampliação do próprio conceito de desastre, que foi trazida aqui. Essas foram as contribuições ao PL que mais me chamaram a atenção.
Como encaminhamento, eu acho que nós vamos precisar fazer uma articulação com o Poder Executivo. Há algumas propostas com o Ministério da Integração Nacional. Eu acho que é um debate interministerial. Mas, antes da relação com o Executivo, vamos precisar nos debruçar, enquanto o Legislativo e sociedade civil, nesse texto e nesse tema levantados pelo PL.
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E o que eu posso pensar de encaminhamento é o compromisso do GT Clima de discutir a proposta desse PL em dois braços, seja assistência emergencial, seja adaptação e mitigação. Não dá para pensar o GT dentro do GT, mas dá para pensar um grupinho que possa se debruçar sobre o texto dessa lei para dar conta dessas vastas contribuições e pensar nos caminhos.
A princípio, parece-me que é possível fazer alterações no texto da lei, mas isso é muito insuficiente diante das demandas aqui trazidas. Também teremos que pensar na execução e aplicação de legislações já existentes, ver quais são as lacunas e até pensar em outras iniciativas legislativas que possam dar conta do tamanho da nossa tarefa.
Faltou até falar aqui dos termos que já estão nas discussões de direitos humanos da comunidade internacional, como perdas e danos climáticos, que não aparecem no PL.
A SRA. GISELE BRITO - Quero agradecer a oportunidade. É sempre importante a possibilidade de construir juntos políticas públicas e leis. Então, é uma felicidade — o Gabriel já trouxe isso — estarmos aqui. Temos algumas diferenças, mas compomos uma rede de adaptação antirracista. É uma felicidade estar aqui também com os companheiros que compõem a Coalizão Negra por Direitos. É importante pensar como tem sido importante e qualificada a participação do movimento negro ocupando esses espaços, inclusive com a presença aqui da Deputada, o que também foi bastante produtivo.
Queria só dizer que, independentemente da reformulação ou não do texto desse PL, é muito importante fazermos uma avaliação do que já está em vigor. Devemos olhar o que esse PL de 2014 propunha, o que aconteceu, o que não aconteceu, quais foram os recursos. Isso é fundamental, porque, de 2014 para cá, quantas pessoas morreram, quantas pessoas perderam suas casas, quantas pessoas tiveram perdas incalculáveis, mesmo com a existência de uma legislação no País que parece que não teve efeito? Então, é fundamental que isso aconteça.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigada.
Como eu disse inicialmente, qualquer proposição ou espaço que vise a diminuir e combater as desigualdades precisamos potencializar e fazer com que seja efetivo.
Falando um pouco do panorama que é essa rede, mas também falando pela organização que eu componho, que o Greenpeace Brasil, temos olhado muito para as pessoas mais atingidas. E aqui também faço uma reflexão de como podemos ampliar essa participação, porque as realidades que são vividas, por exemplo, na Região Metropolitana do Recife podem conversar e dialogar com as realidades da Região Metropolitana de São Paulo, mas são situações com vivências totalmente diferentes.
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A partir do momento que encontramos também outras visões, outros pensamentos, também aprimoramos o que estamos fazendo aqui, que é política pública. Por exemplo, o Deputado trouxe aqui uma sugestão que tinha passado batida por todos nós e que é de suma importância: pensar na coletividade. Então, como ampliamos esse debate para além deste GT? Não sei se utilizando o espaço da Comissão, a institucionalidade da Câmara, do Legislativo. Como ampliamos esse debate para que tenhamos, de fato, efetiva participação das pessoas que são as mais impactadas, que é de quem estamos aqui falando?
Por mais que eu vivencie a crise climática, eu a vivencio de forma diferente do que a Lídia, do que a Deputada, do que o Gabriel vivenciam. Então, devemos ter multiplicidade para que seja uma política pública efetiva, participativa e que realmente cumpra com a sua proposta, que é reduzir as desigualdades.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigada, Igor.
A SRA. LÍDIA LINS ASSUMPÇÃO - Gostaria de agradecer também o espaço, em nome do Coletivo Ibura Mais Cultura, da Articulação Negra de Pernambuco, da Coalizão Negra por Direitos, da Rede por Adaptação Antirracista, dos companheiros que estão aqui também hoje presentes. A rede é um espaço bem importante e potente, que vem fazendo uma discussão muito séria sobre a necessidade de olharmos e pautarmos políticas públicas por adaptação nessa perspectiva antirracista, trazendo à centralidade o debate racial e dando a importância que merece o tema.
Estar aqui hoje, como falei inicialmente, poder fazer parte desse debate, trazer um pouco dessa perspectiva de uma mulher negra, nordestina, que vem de uma favela da periferia da zona sul de Recife, é extremamente importante. Que possamos ampliar espaços e lugares de vozes para essas pessoas, para essas pessoas que são diretamente atingidas, para que se traga essa multiplicidade de olhares, como o Igor trouxe, porque isso é de extrema importância.
Quando queremos falar de política pública e queremos falar em esfera de Brasil, temos que entender que existem vários brasis, várias realidades diferentes, várias formas de lidar com os impactos dessas mudanças climáticas e também várias formas diferentes de sofrer com eles e com as perspectivas socioambientais.
Quero agradecer à Deputada a abertura, o espaço. Quero agradecer a toda a assessoria, ao Secretário do GT também. É muito importante esse debate que fizemos aqui hoje. Que esses encaminhamentos possam ser concretizados, que possamos olhar de forma mais ampla agora para a proposta desse PL. E quero dizer que me coloco à disposição para somar nesse debate. É isso.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigada, Lídia.
A SRA. GISELE BRITO - Rapidamente, eu queria também dizer que o Instituto de Referência Negra Peregum está à disposição. Nós temos trabalhado essa questão do direito à cidade antirracista e do racismo ambiental. Estamos à disposição.
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A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - O debate do financiamento não entrou aqui na minha listinha final, e isso é importante também.
O SR. GABRIEL MANTELLI - Também só agradecer aqui à Deputada Talíria, à Comissão por nos receber aqui, a todos os serventuários da Casa, por organizar a nossa audiência pública. Ao GT Clima da Frente Ambientalista também deixo o nosso agradecimento.
Novamente gostaria de dizer que a Conectas está à disposição. A nossa rede Adaptação Antirracista também convida mais uma vez todo mundo a nos conhecer. Temos uma carta, que já está disponível no nosso site adaptacaoantirracista.org.br. Essa carta foi feita e assinada por mais de 140 organizações brasileiras e redes, pensando nessas políticas de adaptação, a partir de uma matriz antirracista.
E convido todos, todas e todes para esse debate. Existe uma agenda — novamente faço este reforço — para que em 2 anos estejamos na COP-30 muito bem preparados para receber o mundo e para trazer inovação para esse campo das negociações climáticas. Infelizmente, estamos vendo que esse é um campo que está sendo muito alvo de lobby das indústrias petrolíferas, das indústrias de energia. Queremos pensar sim em outro tipo de mundo, que consiga enfrentar a crise climática e consiga deixar para as futuras gerações um planeta que seja saudável e garanta esse direito humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Também faço coro à Deputada Célia para pensarmos esses direitos para além do humano. O Deputado também trouxe um senso de coletivo, que para nós é superimportante. Esse PL e tantos outros debates abrem luz para pensarmos os direitos da natureza aqui no Brasil. É superinteressante também e oportuno pensar o que significa a proteção dos biomas.
A SRA. PRESIDENTE (Talíria Petrone. Bloco/PSOL - RJ) - Obrigada, Gabriel.
Chegou aqui, por meio da nossa assessoria, mais uma sugestão de encaminhamento, que seria uma audiência pública para discutir a Política Nacional de Adaptação à Mudança do Clima. Eu acho que vamos conseguir pensar mais globalmente todo esse diagnóstico, esse cenário. Acho que isso pode já ser um encaminhamento para esta Comissão, inclusive.
Convido todas as pessoas para a sessão solene do GT Clima, em conjunto com o GT de Racismo Ambiental, que vai ocorrer no dia 5 de setembro, no Salão Nobre. É muito importante que todas as pessoas estejam presentes.
Agradeço enormemente à nossa assessoria, não só a do nosso mandato, à sociedade civil que coordena o GT Clima, em conjunto com este Parlamento, à assessoria da Comissão.
Este Parlamento ainda é muito pouco representativo do que é a maioria do povo brasileiro. Então, gostaria de dizer da minha alegria de estar numa Mesa composta por maioria negra, uma Mesa que está vinculada a uma Comissão presidida por uma mulher indígena neste Brasil de proporções continentais, um Brasil diverso, com necessidades diversas, com desigualdades muito profundas, que, sem dúvida, perpassam pelo que é um modelo de desenvolvimento predatório, mas também pelo que na sua origem tem o racismo ambiental como um grande guarda-chuva, mas que também aterriza nos Municípios que têm políticas públicas inexistentes para essa mesma população atingida. Há tantas décadas populações vivem em favelas e periferias sem políticas públicas, jogadas há séculos — não é, Igor? — para viver em áreas de risco, viver em áreas onde não chega o direito, mas chega o desastre, chega o deslizamento, chega o caveirão, chega o braço armado do Estado, chega a fome.
Mas essas populações estão se reinventando ali com uma ciência e tecnologia ancestrais no tocante ao modo de viver, seja no campo, na cidade, nas águas e na floresta.
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Vamos em frente. Vida longa ao GT Clima. Que possamos dar os próximos passos de contribuição à sociedade no enfrentamento do colapso ambiental, do colapso climático em curso, em especial, a partir da escuta dos atingidos e afetados.
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