Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Any Ortiz. Bloco/CIDADANIA - RS) - Declaro aberta a 8ª Reunião Extraordinária da Comissão Especial para estudo das razões do aumento de denúncias de violência obstétrica e a alta taxa de morte materna no Brasil.
Encontra-se à disposição, na página da Comissão, na Internet, a Ata da 7ª Reunião, realizada no dia 23 de maio de 2023.
Informo que a sinopse do expediente recebido encontra-se à disposição na página da Comissão, na Internet.
Esclareço que esta audiência cumpre decisão do colegiado em atendimento aos Requerimentos nºs 2, 6 e 11, de 2023. A reunião está sendo transmitida pelo Youtube, no canal da Câmara dos Deputados, por meio do qual a sociedade poderá participar enviando perguntas. Peço que aqueles que o fizerem, por favor, identifiquem-se.
As nossas convidadas de hoje são: a Sra. Simone Diniz, do Departamento de Saúde, Ciclos de Vida e Sociedade da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo — USP, que está conosco pelo Zoom, em atendimento aos Requerimentos nºs 2 e 6, de 2023; a Sra. Maria Auxiliadora Mendes Gomes, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira — IFF/FIOCRUZ, que também está conosco pelo Zoom, em atendimento ao Requerimento nº 11, de 2023; e a Sra. Thayná Lourenço Mendes Bueno, da Rede Parto do Princípio, que está conosco presencialmente, em atendimento ao Requerimento nº 2, de 2023.
Esclareço agora as regras da nossa audiência pública para o melhor andamento dos trabalhos. Adotaremos os seguintes procedimentos: o tempo concedido às convidadas é de até 20 minutos; a Relatora será a primeira a usar da palavra para interpelações; cada Deputado inscrito pelo aplicativo terá 3 minutos para interpelações.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Pensando inicialmente em qual é o papel do pré-natal, a primeira coisa para a qual nós queremos chamar a atenção é que as mulheres têm limitada governabilidade sobre suas opções com relação aos partos. No Brasil, nós temos essa cultura de que as mulheres devem seguir as prescrições médicas, mas, recentemente, nós temos mudado essa cultura em direção às decisões compartilhadas. Isso impacta muito.
Eu acho que minha colega da Rede Parto do Princípio e a colega do Instituto Fernandes Figueira vão falar sobre o papel dos planos de parto, de educação para os direitos das mulheres a respeito de parto, que é uma relativa inovação e pode ter uma importância extraordinária na prevenção tanto da mortalidade materna como da violência obstétrica.
Com isso, eu quero enfatizar muito a necessidade do retorno das ações educativas que desapareceram quase que completamente da assistência pré-natal. Hoje de manhã, nós estivemos em um seminário sobre mortalidade materna, junto com os comitês de mortalidade materna aqui do Município de São Paulo. Nós enfatizamos a necessidade de se investir muito nas ações educativas, inclusive na questão da identificação dos sinais de alerta na gravidez, que são importantíssimos. Outros países têm investido muito nisso; no Brasil, nós ainda estamos um pouco atrasados.
Para esse papel do pré-natal, também pensando numa assistência segura e numa experiência positiva, como é que nós podemos aliar a ideia de uma assistência que seja segura, efetiva, e uma experiência que seja positiva para as mulheres? Até recentemente, nós não nos importávamos com a experiência das mulheres. As mulheres podiam sair se sentindo altamente violadas do ponto de vista físico e emocional da experiência do parto. Isso nós não considerávamos importante para sua saúde, para a saúde do seu bebê e da sua família.
Hoje em dia, nós sabemos que ter uma experiência positiva faz uma diferença extraordinária em termos de prevenção, até mesmo em casos de mortes associadas à depressão e ao suicídio, que vem em uma importante linha crescente. Em alguns países, chega a ser uma das primeiras causas de morte. Até recentemente, nem sequer considerávamos isso como causa de morte materna. Hoje em dia, essas afirmações têm sido relativizadas.
Uma assistência segura e uma experiência positiva partem da ideia de uma assistência baseada tanto em evidências científicas do que é seguro e efetivo, como também nos direitos. Isso quer dizer uma assistência com o mínimo de intervenções que sejam compatíveis com a segurança. Quero enfatizar muito a necessidade de termos equipes interdisciplinares preparadas para emergências.
Hoje em dia, temos falado cada vez mais da inclusão da família. Inclusive, quero enfatizar muito as novas recomendações da Organização Mundial da Saúde sobre a assistência pós-parto imediata, incluindo os bebês que são mais frágeis, os prematuros, os bebês de baixo peso, por conta da necessidade de incluir a família numa assistência que atualmente nós entendemos que deve ser completamente diferente da que nós temos oferecido.
Devemos ter uma assistência aos bebês doentes centrada na família, o que é uma novidade, mas que pode ter um impacto não só na experiência do parto, na redução da violência obstétrica, da mortalidade materna, mas também da mortalidade neonatal.
Então, nós dizemos que no Brasil nós vivemos o pior dos dois mundos, porque temos as mortes que são relacionados à falta do atendimento adequado no pré-natal, no parto e no pós-parto. Como nós sabemos, três quartos das mortes acontecem no pós-parto. Então, essa é uma fase para a qual temos que dar uma especial atenção.
Além dessas mortes por falta de atendimento adequado, também há as mortes fortemente associadas às condições sociodemográficas, que ocorrem mais frequentemente com as mulheres pobres, pretas, pardas, indígenas, enfim, com as mais excluídas, inclusive as em situação de rua.
Essas mulheres são especialmente vulneráveis não só pelas condições de vida, mas também pela falta de atendimento adequado. Também vemos que, no Brasil, existem mortes por atendimento inadequado no pré-natal, no parto e no pós-parto. Cientificamente, nós sabemos que existem riscos diferenciais entre nascidos de parto vaginal e de parto cesárea.
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No Brasil, muito frequentemente, o que nós chamamos de parto normal está longe de ser um parto normal, porque ele ainda é conduzido com muitas intervenções desnecessárias e potencialmente danosas. Então, no Brasil, nós sofremos o pior dos dois mundos.
A pandemia de COVID multiplicou esses problemas. Nós tivemos um grande aumento da mortalidade materna nos 3 últimos anos. Uma parte desse aumento é atribuível à pandemia em si, as mulheres tiveram um risco aumentado, mas também às disrupções da assistência que foram causadas pela pandemia.
Quando falamos de mortalidade materna, falamos de um tema que parece recente, mas é um tema antigo. Nós sempre contamos que esses modelos de assistência muito agressivos foram desenvolvidos em vários momentos históricos. Na segunda metade do século passado, tivemos até mesmo a criação de associações contra a crueldade contra as grávidas. O nível de abuso era muito violento. As parturientes eram amarradas, sedadas. Elas saíam do parto com hematomas. A proibição de acompanhantes era total.
Eu me formei na década de 80. Quando eu me formei, o meu livro de obstetrícia, de Rezende, que era um dos tratados mais importantes, dizia assim: "Os familiares, nervosos, que acorrem em grandes quantidades às maternidades, devem ser mantidos afastados". Ter um acompanhante no parto era completamente fora de cogitação. Então, hoje, temos um acompanhante no parto à custa de muita luta. Mesmo assim, sabemos que esse direito não raramente é desrespeitado.
Aqui no Brasil, nas décadas de 70 e 80, tivemos um conjunto de pesquisas que mostrava um nível de violência na assistência. Cito alguns deles: Dossiê Caxias; um livro chamado Espelho de Vênus, que documenta fartamente essa forma de violência.
Então, o tema não é recente. Esses movimentos acontecem também simultaneamente em outros países. E há uma convergência — isso é muito importante, é uma ideia fundamental — entre a crítica à medicalização do parto e a luta dos direitos das mulheres, ao mesmo tempo, é uma crítica à técnica que veio a desenvolver a metodologia do que chamamos hoje revisões temáticas. A Colaboração Cochrane, que é essa colaboração internacional que avalia a qualidade da assistência, foi muito fortemente motivada por demandas dos movimentos sociais de parto e pelo movimento de mulheres. Então, há uma convergência entre a busca pela boa técnica na assistência e a luta pelos direitos humanos das mulheres, vinda do feminismo e muito influenciada pelo debate sobre a violência de gênero. Muitas vezes, são o mesmo movimento.
Vou usar aqui uma definição de violência obstétrica como sendo "a imposição de rotinas desnecessárias, dolorosas, potencialmente danosas, sem base em evidências", entendendo que a violência obstétrica é uma mudança na compreensão da assistência, em que deixamos de entender que o sofrimento do parto é uma violência do corpo da mulher contra ela mesma e passa a entendê-la como uma forma de violência de gênero das instituições contra as mulheres.
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Quando falamos de gênero, estamos considerando agora estes sentidos. Há o sentido de que o corpo feminino necessita de correção, ao que chamamos de abordagem correcional. Entende o parto como um evento só genital, de origem sexual. Então, a sexualidade no parto é evidente, e tentamos, vamos dizer assim, tirar essas dimensões sexuais da cena do parto. É entendido como algo sujo. Portanto, haveria necessidade de punição. Por isso, em relação a violência obstétrica, aparecem tanto as humilhações de caráter sexual. "Na hora em que você fez, você gostou, e agora está aí reclamando." A questão da sexualidade é evidente na assistência ao parto. Existem estas bipolaridades: limpo x sujo, superior x inferior, primitivo x civilizado, decente x indecente, seguro x inseguro. Isto é muito presente: a tecnologia representa esse polo positivo, e o corpo feminino, esse polo negativo. Isso conta com todo um arcabouço ideológico do ponto de vista institucional e perpetua esse tipo de crença.
Usamos esses modelos para entender, por exemplo, por que, depois de 40 anos de evidências de que não se deve fazer episiotomia, que é o corte da vagina, esse procedimento continua sendo adotado. Esse tipo de entendimento das questões de gênero é que explica a permanência desta irracionalidade: a violência obstétrica.
Chamamos de essencialismo a ideia de que o corpo da mulher é defeituoso. Isso leva a uma superestimação dos riscos e desconfortos do parto em si, do parto fisiológico. O parto é descrito como uma coisa insuportável, algo que a mulher não vai suportar. Nós superestimamos o benefício da tecnologia. Subestimamos o dano associado às intervenções e subestimamos os benefícios do parto vaginal, do parto fisiológico. Essa subestimação tem sido questionada totalmente.
Eu poderia falar muito sobre as questões do microbioma, as questões epigenéticas. Hoje, sabemos que o modelo de assistência para o parto é o que propicia o parto mais fisiológico possível. Por isso, é importante rompermos com os pontos cegos na assistência e passarmos a ter indicadores para promover e monitorar a mudança.
Existe atualmente uma profunda contradição. As vivências científicas vão para um lado, e a prática vai para outro. No Brasil, isso está muito presente. Sabemos inclusive que há um retorno ao aumento das taxas de cesárea, que tinham estacionado desde 2014 com a ação civil pública que as colegas da Rede Parto do Princípio corajosamente colocaram para frente.
Nós tivemos grandes mudanças na concepção do parto, trazidas pela medicina baseada em evidência. Eu cito aqui um documento que é da década de 90 do século passado. Ele se tornou a bíblia da saúde perinatal e mostrou essa desconexão entre evidência e prática. A ideia de direitos humanos compôs o ideário da humanização do parto. Esses documentos que estou mostrando têm trazido, há mais de 20 anos, essas questões que estamos debatendo nesta audiência pública.
Como sabemos, o parto vaginal tem um conjunto de vantagens para a mãe e para o bebê. Os bebês são mais maduros. O trabalho de parto auxilia a transição do estado fetal para o neonatal, transmite microbioma, previne infecções de doenças crônicas não transmissíveis, tem um efeito benéfico que vale para o resto da vida.
Esse parto é muito mais seguro para as mães, principalmente por ser um parto em que há baixa intervenção, e permite a hora adorável do estabelecimento da amamentação e do vínculo entre mãe e bebê.
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Quanto a essas grandes mudanças da concepção de parto, eu quero citar muito fortemente o documento Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal. Descendem do referido texto da década de 90, que já é uma síntese da melhor evidência científica. Foi construído num diálogo entre as sociedades médicas, os movimentos sociais, o Ministério da Saúde. O documento é de 2017. Eu diria que é a melhor versão. Além disso, em 2018, foi divulgada esta nova versão das recomendações da OMS sobre a experiência do parto e a importância de uma experiência positiva de parto.
Vou citar exemplos bem-sucedidos de melhoria da assistência ao parto, para encerrar minha fala. O primeiro exemplo é o Prêmio Galba de Araújo, que precisamos retomar. Eu quero fazer lobby em favor da retomada do Prêmio Galba de Araújo, para induzir a mudança em direção a menos violência obstétrica e menos mortalidade materna. Ressalto a possibilidade de premiarmos os serviços que têm melhores resultados, que fazem melhor acolhimento das mulheres, que consideram formas de humanização e protocolo de segurança institucional, que se preocupam com a satisfação da usuária, que incentivam a amamentação, e assim por diante.
Outro exemplo é a classificação das cesáreas pelos grupos de Robson. Eu vou repetir isto que os movimentos sociais dizem: chega de parto violento para vender cesárea. O parto violento serve como forma de coerção para a cesárea. É muito importante que possamos entender como essas taxas de cesáreas evoluem por tipo de necessidades que os Grupos de Robson nos ajudam a compreender. Nós sabemos que a cesárea também aumenta a prematuridade, a morbidade e a mortalidade materna e neonatal.
Outro recurso que temos é o uso da idade gestacional em dia e não apenas o uso do termo binário, termo e pré termo. Vários estudos mostram que o aumento da mortalidade depende de cada dia de gravidez. A idade gestacional é muito importante. A cesárea é fortemente associada a isso.
Um exemplo ótimo é a mudança nos modelos de assistência a partir da visibilização das intervenções. Nos últimos 10 anos, temos o monitoramento de intervenções no parto, sobre uso de ocitocina; uso de amniotomia, que é a ruptura da bolsa; obrigação de as mulheres ficarem na posição de frango assado e episiotomia, que significa corte na vagina; a manobra de Kristeller, por meio da qual se aperta o útero da mulher, e assim por diante.
Menciono também boas práticas, como a presença de acompanhante, a liberdade de posição, a oferta de alimentos, massagem, o direito à analgesia de parto e assim por diante. Há outros exemplos excelentes.
Nós não vamos mudar essa realidade sem mudar a formação dos recursos humanos. Eu quero ressaltar a importância do Apice On, esse programa do Ministério para aprimoramento e inovação do cuidado e do ensino em obstetrícia e neonatologia, que é essencial para que possamos reciclar nossos recursos humanos quanto a esses modelos.
Além disso, há um conjunto de formas de violência que aumentam os riscos maternos e neonatais, que são invisíveis. Uma delas é a manobra de Kristeller. Não temos registro desse tipo de manobra. Precisamos ter informação sobre isso.
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Hoje em dia, um parto seguro com experiência positiva deveria ser um parto a termo, um parto de início espontâneo, parto que se desenrole preferencialmente sem uso de drogas, exceto se forem necessárias. Nesse tipo de parto, a mãe não sofre feridas cirúrgicas, não é submetida a cesárea, nem a laceração, nem a episiotomia. A prioridade é o conforto físico e emocional da mãe e da família. O uso de tecnologia é mínimo, compatível com a segurança e com o conforto. Pode ser feito por parteiras, por médicos, por equipe interdisciplinar, com tecnologia complexa disponível para os casos necessários.
Como o pré-natal é um momento essencial para a prevenção da violência obstétrica, é muito importante trabalharmos também o letramento em saúde. Como eu disse, as mulheres têm limitada governabilidade, mas existe um recurso muito importante: a Caderneta da Gestante. Nela constam todas essas informações que citei e mais algumas que podem ser usadas como recurso para as equipes trabalharem durante o pré-natal. Para isso, precisamos de dinheiro, recursos, equipes interdisciplinares e formação dos profissionais, para trabalharmos o letramento em dados, o letramento em saúde, a compreensão do que é feito durante o pré-natal, para todas as gestantes.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Agradeço, Simone. Parabéns por escolher um cenário perfeito, do qual você faz parte diariamente, e por nos trazer de forma tão didática tanta informação preciosa.
Muita gente está nos acompanhando pelo Youtube, pela TV Câmara também. Agradeço a participação de todos vocês. Podem inclusive apresentar críticas, sugestões, perguntas.
Peço perdão, minha voz já foi embora. Acredito que a maioria está com essa tosse terrível, não é, doutor? Peço que nos perdoem.
Expresso meu reconhecimento a todo o Parlamento brasileiro, aqui representado por vocês, no qual se aborda um tema central para a vida das mulheres e das famílias, para a vida de toda e qualquer cidadã e cidadão brasileiro.
Inicialmente, quero falar um pouco do meu lugar de fala. Eu sou médica e pesquisadora em saúde da mulher e da criança. Eu trabalho no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, como já foi anunciado, uma das unidades da FIOCRUZ. Além de atuar na produção de conhecimento nos nossos programas de mestrado e doutorado nessa área de políticas públicas para mulheres e crianças, eu atuo em outras áreas, no Executivo, no Ministério da Saúde do Brasil, relacionadas à saúde da mulher, à saúde da criança, em diferentes espaços de cooperação.
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O tema da audiência pública de hoje é voltado à importância do pré-natal, para enfrentarmos, minimizarmos e erradicarmos — utilizo esse termo da epidemiologia, dos programas de imunização — as más práticas, as práticas não baseadas nas melhores evidências referentes ao cuidado clínico, erradicarmos a violência obstétrica, tão bem definida pela Profa. Simone. Acho que minha contribuição aqui é apontar um caminho essencial para o cuidado do pré-natal, previsto pelo sistema de saúde brasileiro, previsto pelo nosso Sistema Único de Saúde. Esse cuidado tem não só o papel de redução do número de óbitos maternos, esse evento que viola o direito à vida, mas também o de prevenção das situações em que gestantes se afastam desse último cenário abordado pela Profa. Simone Diniz.
A maciça maioria das mulheres, com o cuidado do pré-natal adequado, com os seus direitos de informação, com práticas educativas adequadas, usando até este termo que temos ouvido mais frequentemente, com o seu letramento, com medidas de detecção, no pré-natal, se algo não vai bem. Essa detecção é feita desde a conversa, a chamada anamnese, no momento da consulta, até a realização de alguns exames que são muito acessíveis. O pré-natal é antídoto, tem capacidade de prevenir a violência obstétrica à medida que as mulheres vão ficando cada vez mais informadas. Isso ocorre com outras mulheres em outros países, que admiramos pelos melhores resultados maternos e neonatais. Temos que partilhar um bom resultado materno numa história de gestação, que vai desde a decisão de engravidar, passando pela satisfação no período da gestação, até a chegada da experiência do parto.
Muitas vezes, ficamos falando de resultados biológicos, considerando se o parto foi prematuro ou não, se a mulher teve complicação ou não, se a mulher passou por situação de hemorragia, se a mulher morreu, mas temos que pensar também em bons resultados em relação aos partos, a essa história que a Profa. Diniz mencionou. Isso passa pelo conhecimento dos próprios corpos, passa pela percepção de que alguns sintomas comuns do pré-natal podem estar sinalizando um problema.
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Então, é indiscutível que são relevantes as práticas educativas no pré-natal, os espaços no pré-natal que retirem dúvidas, que promovam o conhecimento do corpo, que façam a ligação da gestante no pré-natal com a sua maternidade de referência, que vinculem as mulheres às suas maternidades de referência. Nós temos trabalhado dizendo que não é só a vinculação da mulher e que não é uma vinculação abstrata. Quando a mulher está grávida, recebe, numa UBS, numa Equipe de Saúde da Família, atenção a respeito de sua gestação, mas o cuidado com ela e com seu bebê não se encerra aí. Ele vai acontecer em geral, num local diferente do pré-natal. Precisamos garantir essa continuidade. Equipes do pré-natal precisam promover essa vinculação. Nenhuma mulher no Brasil pode deixar de saber onde ela vai dar à luz. Isso previne violência, isso previne adoecimento das mulheres, isso previne óbito das mulheres.
Essa vinculação implica que as mulheres vão a esses locais onde vai ocorrer o parto e o nascimento. Elas vão conhecer esses lugares, não vão conhecer a equipe toda de todos os plantões, mas vão conhecer os ambientes, compreender por onde entram, vão ter acesso a um bate-papo, a práticas educativas. Isso não é uma abstração, é uma ação concreta que garante algo que é muito forte nos países que têm sistemas universais de saúde, como o Brasil, e melhores resultados maternos e neonatais.
Nós estamos falando da continuidade do cuidado. O pré-natal no Brasil, ligado à atenção primária, uma tarefa precípua da atenção primária à saúde, da APS, é reconhecido, pela lógica da nossa atenção primária, como coordenador do cuidado. O pré-natal tem a tarefa e a responsabilidade de pensar essa continuidade, de fomentar em cada território, em cada região de saúde, em cada Estado, a ligação das mulheres à sua maternidade de referência, a ligação entre as equipes. Não pode o pessoal do pré-natal ficar só reclamando de alguma coisa que não ocorreu bem numa maternidade; não pode a maternidade ficar reclamando de que o pessoal do pré-natal não fez promoção da saúde, não realizou prática educativa. As mulheres não podem chegar à maternidade sem esse letramento, sem essas informações.
Estou dando uma pincelada em várias questões, fazendo um endereçamento, a respeito de quase tudo que a Profa. Simone disse. Não há mais o que se discutir em relação aos conceitos da violência obstétrica, não há mais o que se discutir em relação à evitabilidade dos óbitos maternos neste País. Os diagnósticos estão muito claros. Os conceitos não devem ser questionados, por medo ou melindre de uma corporação profissional ou de uma unidade hospitalar. Aqui não se trata de pessoas, de indivíduos que estudaram Enfermagem ou Medicina ou o que quer que seja e estão sendo tachados de violentos. Isso não cabe mais. Essa é uma discussão que precisa ser superada no País. O conceito de violência obstétrica está bem estabelecido e foi densamente tratado aqui pela Profa. Simone.
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A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Ficou travada a imagem. Vamos tentar restabelecer o contato.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - São relatos verdadeiros? São relatos de mulheres reais neste País?
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Parabéns! Pode deixar o cartaz aqui na frente, por gentileza. É importante que seja mostrado.
O que vou dizer agora se refere a uma das perguntas que eu quero fazer à professora da USP. Esta importante Comissão, em nenhum instante, quer um enfrentamento ou uma guerra corporativa em relação à rede privada e à rede pública de saúde. Não queremos isso. Queremos restabelecer a paz entre quem tem condição de pagar à rede privada e quem não consegue pagar e precisa ser encaminhado para o poder público, para conseguir ter um pré-natal decente, ter um parto decente, para que a mulher não tenha uma complicação médica e, sobretudo, para que o bebê não perca a vida.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - É a tecnologia. É sempre assim. (Riso.) Seja bem-vinda novamente.
A SRA. MARIA AUXILIADORA MENDES GOMES - Estou em Manaus, numa semana dedicada a um curso de Epidemiologia Aplicada à Saúde da Mulher e da Criança. Essa é uma iniciativa da escola de saúde pública da FIOCRUZ, a ENSP, e do IFF. É sobre isso que estamos trabalhando.
Quero dizer que não nos cabe mais discutir o conceito. Não nos cabe mais questionar dados de uma das maiores tragédias, que foi a pandemia de COVID-19, dados de óbitos maternos. Cabe-nos, então, trabalhar. O pré-natal, como eu estava dizendo — já quero caminhar para o encerramento, porque a Thayná ainda falará —, tem um papel indiscutível.
Estudos brasileiros conduzidos pela Profa. Maria do Carmo Leal, nos grandes inquéritos nacionais sobre parto e nascimento no Brasil, mostram-nos que os riscos de condições muito graves para a gestante que levam a óbito materno são quatro vezes maiores nas mulheres que não fizeram pré-natal. O risco de doença grave, de quadros maternos graves e de óbitos maternos é quatro vezes maior nas mulheres que não tinham sua referência amarradinha para o parto, que procuraram uma primeira maternidade e não conseguiram ser atendidas. O risco para essas mulheres aumenta quatro vezes.
Para concluir, quero destacar que nós, quando falamos de pré-natal, falamos do pré-natal de que 100% das mulheres precisam, que é o pré-natal em nossa atenção primária, em nossa APS. Contudo, lembro que há uma fração de mulheres que têm condições de risco detectadas em seu pré-natal, e elas precisam de algo a mais, o que convencionamos chamar de Serviço Especializado de Pré-Natal de Alto Risco.
Esse pré-natal tem igualmente a tarefa de controlar situações de pressão arterial, de controlar situações ligadas a quadros infecciosos, de controlar situações ligadas a quadros clínicos que podem levar a mulher também a hemorragias.
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Mais uma vez, é inegociável, é indiscutível que o pré-natal, pelo apoio, pelo cuidado, pelo acolhimento, pelas suas práticas educativas, pelo seu papel de informar e de escutar as mulheres, propicia e contribui para que essas mulheres sejam mais autônomas, protagonistas de suas escolhas, fiquem prontas para o parto, com alegria, recebendo cuidado adequado e humanizado. É esse mesmo pré-natal que, pela sua capacidade também de escuta das mulheres e de realização de exames, pode detectar situações de risco que são muito deletérias para a saúde da mãe e também para a do bebê.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Muito obrigada, doutora.
Destaco quanto o tema é importante. Estamos tratando do meio para o fim dessa resolução. Eu acho que o Brasil precisa, de maneira muito eficaz, começar a discutir o início de tudo, o que talvez seja gravidez na adolescência ou a forma como o Governo, em todas as instâncias — municipal, estadual e federal —, possa reunir informações suficientes e levá-las às comunidades carentes, para que essas meninas tenham um aparato.
Uma adolescente de classe média em uma sociedade com um pouco mais de infraestrutura financeira vai ter informação da mãe e do pai. Caso ela não esconda a gravidez ou até mesmo não tenha ficado grávida, a mãe e o pai, em sua idade inicial de relação sexual, vão fornecer informações a ela: "Olhe, tem que ter a camisinha, tem que ter o contraceptivo". Infelizmente, em comunidade carente, essa não é uma coisa fácil de se fazer. Geralmente, o pai e a mãe estão fora de casa. Isso vai acarretar muito mais coisas. Essa menina sabe que, se engravidar, vai causar um prejuízo absurdo para essa família.
Em minha opinião, os Governos, de forma geral, precisam começar a pensar em um jeito mais sensível e em uma forma como isso tem que ser feito.
É um prazer partilhar de uma Mesa com a Profa. Simone e com a Dra. Maria Auxiliadora. É sempre muito bom ouvi-las. Temos o prazer de saber que há bastante material dessas mulheres na pesquisa, com dados e evidências. Isso é muito importante.
Começo a minha fala agradecendo principalmente à Rede Parto do Princípio pela confiança e pelo privilégio de estar aqui representando a voz das mulheres.
Eu gostaria de dizer, como fez a Dra. Maria Auxiliadora, qual é o meu lugar de fala. Estou aqui como integrante da Parto do Princípio. Sou mulher preta e usuária do SUS.
Resido na periferia do Município de Trindade, em Goiás. Sou mãe de duas meninas. Sou doula; portanto, trabalhadora informal, por não haver uma regulamentação ainda. Sou filha da Marisa, uma mulher incrível, preta também, e eu trago isso com muita emoção nos meus olhos, porque a história do meu nascimento me trouxe para esse debate, pois o meu nascimento foi permeado de muita alegria, mas de muita violência.
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Então, esse é o lugar de fala da rede PP — Parto do Princípio, que é uma rede de mulheres com representantes em várias regiões do País e que se formou em 2006, a partir das conexões dessas pessoas pela mesma insatisfação, que é a assistência à saúde reprodutiva.
Em 2007, esse grupo organizado da Parto do Princípio — e eu me incluo nessa ação, embora não estivesse lá nesse período — fez uma denúncia no Ministério Público Federal exigindo que a Agência Nacional de Saúde Suplementar — ANS exercesse a sua atribuição legal, que é regular o setor de saúde suplementar, a rede privada de assistência à saúde, onde estão as maiores e mais absurdas taxas de cesarianas. Como foi colocado, o objetivo não é uma caça às bruxas, mas nós precisamos de fato que esses órgãos regulem o que eles precisam fazer.
Depois dessa organização, dessa denúncia pela Parto do Princípio, a ANS cobrou que todos os planos de saúde disponibilizassem as taxas de cesarianas dos médicos e dos serviços para as usuárias, exatamente para enfrentarmos aquilo que foi colocado pela Simone, os altos índices de cesariana vinculados à violência obstétrica, para obtenção de lucro.
Outro marco histórico da Parto do Princípio foi a elaboração de um dossiê sobre a violência obstétrica, que foi entregue ao Senado, em 2012, na CPMI da Violência contra a Mulher. Esse documento, Deputada, veio a se chamar Parirás com Dor. Ele está disponível no site da Parto do Princípio para quem quiser acessá-lo. Acho que essa sugestão já foi colocada e precisa ser considerada pela relatoria desta Comissão.
Por que estou trazendo esse histórico? Porque nós estamos falando dessa temática há mais ou menos 12 anos, só a nossa organização, a Parto do Princípio. E a Simone trouxe vários outros movimentos que vêm falando e trazendo dossiês há muito mais tempo. E nós trazemos com esse exato nome. Há muito tempo, já falamos das nossas angústias, medos, opressões que atravessam o cuidado da nossa saúde reprodutiva.
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Como várias outras pessoas que nos antecederam, nós denunciamos como somos violadas, não só na assistência ao parto. Nós também sofremos violência no pré-natal, no aborto e no puerpério. E esse tema não é uma invenção, eu gostaria muito de reforçar isso. Ao reforçar isso, acho que precisamos agradecer o convite feito à rede Parto do Princípio para compor esta audiência pública, porque precisamos estar envolvidas nesse debate, como usuárias.
Não há como falar dessas questões que atravessam os nossos corpos, que são questões muito caras, e não se emocionar. A cada foto que a Simone passava ali, eu me emocionava e engolia, porque nós vivenciamos diariamente, nos grupos de mulheres, nos grupos de rodas de conversa, mulheres que são violentadas todos os dias.
E aí nós compreendemos que o combate à violência obstétrica e à mortalidade materna passa fundamentalmente pelo respeito à autonomia das mulheres. Nós estávamos acompanhando essas audiências com um pouco de preocupação, porque precisamos que as usuárias estejam sendo ouvidas nesse processo. Como falar de autonomia, de parto respeitoso, se não considerarmos a participação dessas usuárias na construção?
Eu quero reforçar a importância da participação dos coletivos e movimentos que contemplem diversidade e particularidades das pessoas que gestam e parem. Eu posso citar alguns exemplos aqui: a Coletiva Mãe na Roda, que está lá no extremo sul da cidade de São Paulo; outros grupos em outros locais, como a Maré, Itaoca, Morro do Juramento, no Rio de Janeiro, cidades que também têm grupos promovidos por doulas voluntárias, que vão às periferias para levar informação para as mulheres.
Sobre o título da audiência, eu gostaria de fazer algumas perguntas para as quais eu não tenho as respostas. Eu acho que nós precisamos procurar responder essas perguntas, como sociedade, como projeto político do País. O que entendemos como prevenção à violência obstétrica? Na nossa perspectiva, a violência obstétrica é toda e qualquer violência, abuso ou desrespeito à autonomia da mulher e da pessoa com útero que ocorra durante a assistência obstétrica, incluindo a falta de assistência, a falta de qualidade na assistência ou assistência ruim, configurando um problema de saúde pública que ocorre em todo o mundo. Então, a falta da qualidade da assistência, por si só, já é uma violação dos direitos das mulheres.
E, para além de questionar os procedimentos, as técnicas, quando falamos de violência obstétrica, estamos falando da vida das mulheres vítimas de negligência, de imperícia e imprudência. E essas mulheres estão sofrendo violência também no pré-natal.
Eu gostaria de fazer um distanciamento dos dados e pensar o que podemos considerar qualitativamente sobre o pré-natal. O que é um bom pré-natal? Qual é o parâmetro?
Nós temos usado o parâmetro quantitativo para falar sobre pré-natal de boa qualidade. Então, para a mulher que tem, no mínimo, sete consultas de pré-natal, nós consideramos um pré-natal limpo. Mas qual é a capacidade de um bom pré-natal interferir sobre a assistência dada ao parto? Essa é uma pergunta que nós, da Parto do Princípio, nos fazemos e trazemos como provocação, para que pensemos numa estratégia.
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A violência obstétrica só acontece no parto? Será que estamos falando que a qualidade do pré-natal pode prevenir a violência obstétrica? Será que, hoje, nesse contexto, podemos fazer alguma coisa? Existe algo que nós possamos ofertar à mulher no pré-natal, para prevenir a violência?
Se formos pensar no nível informacional, precisamos, sim, fazer o letramento das mulheres. Mas eu gostaria de fazer um paralelo com a violência doméstica. Se a mulher sabe o que é violência doméstica, sabe onde pode fazer denúncia, isso previne que ela sofra violência, isso impede o agressor de praticar violência? Sabemos que a resposta para essa pergunta é "não", porque até a mulher mais informada pode sofrer violência. E esse é um grande debate.
Então, nós precisamos também pensar as violências e ações de enfrentamento à violência obstétrica que acontecem no pré-natal. Não é raro ouvirmos relatos de mulheres que não conseguem fazer consultas de pré-natal. E aí eu estou falando do meu lugar de fala, como usuária do SUS. Não é raro nós vermos mulheres usuárias do SUS não conseguirem fazer os seus exames por conta de diversos fatores.
E eu acho que o mais problemático disso é pensar por que essas mulheres são responsabilizadas, visto que o discurso é esse. Quando acontece uma fatalidade que não é fatalidade, quando há um óbito materno ou um óbito neonatal, a primeira coisa que se avalia é o cartão de pré-natal dessa mulher. E aí ouvimos o seguinte: "Nossa, mas foi uma fatalidade porque o pré-natal estava tão bonitinho! Ela tinha mais consultas do que o recomendado, e esse bebê veio a óbito! Essa mulher teve alguma complicação no pós-parto. Estava tudo tão limpinho!" Eles usam os termos: "Estava tudo tão limpinho, um pré-natal bonitinho!" Existe algum problema quando acontece isso, pois não é comum. E essas mulheres são responsabilizadas. Então, se a mulher chega a sofrer uma perda, mas teve um pré-natal bonitinho, foi uma fatalidade, mas, se a mulher não tinha uma quantidade mínima de consultas, ela é responsável, ela é culpada.
Então, a provocação é: por que as mulheres não estão conseguindo fazer o pré-natal? Quando vamos avaliar os dados, vemos mulheres que sofrem agressões, sofrem violência ou têm perdas e cujo pré-natal não estava legal.
De quem é a culpa, de quem é a responsabilidade, se podemos falar em culpa?
Quando essas mulheres chegam à atenção básica, ao postinho de saúde, como chamamos lá no meu território, como elas são recebidas? Como as famílias delas são recebidas? Como as crenças delas são acolhidas? Essas mulheres chegam e ainda são tratadas não como usuária, mas como paciente. Elas têm que se sentar e esperar para ser atendida pelo médico, pelo enfermeiro. Ela passa uma manhã inteira dentro da unidade de saúde, e ninguém conhece a vida dessa mulher. Aí ela começa a faltar no pré-natal, começa a não conseguir ir às consultas porque tem que priorizar. Com a realidade das mulheres trabalhadoras, em que nem todas têm direitos trabalhistas assistidos, ela vai passar um dia para conseguir fazer exames e atendimento de pré-natal ou vai ter que fazer uma diária para garantir o sustento dos filhos.
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Aí existe um recorte que foi trazido aqui, da gravidez na adolescência, que é muito problemático, porque nós ainda não fazemos esse debate com a importância que ele tem. A gravidez na adolescência não é só um problema de formação cultural e familiar, pois nós estamos atravessados por ciclos de violência que culminam em gestação. Eu não vou falar de todo o Estado de Goiás, mas, em Goiânia, que é a Capital do meu Estado, houve, em 2020, 66 casos de meninas entre 10 anos a 14 anos que tiveram bebês nascidos vivos. Quando vemos esse dado, o que avaliamos? São crianças de 10 anos a 14 anos que tiveram filhos vivos, pois nasceram esses bebês. Elas são crianças. Isso não é gravidez na infância ou na adolescência, isso é estupro. Então, nós precisamos fazer esse recorte também. Por isso, achei importante trazer essa fala.
Mas, quando esses casos chegam e vamos ver quantas consultas de pré-natal essa criança fez, ela fez duas consultas, se fez. E, quando ela chega ao serviço, como é recebida? Ela é julgada, ela é discriminada, ela é levada a pensar que nunca vai ser uma boa mãe. E aí há novamente um afastamento do pré-natal de qualidade, que nós, como SUS, temos toda a capacidade de ofertar.
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Mulheres acima de 35 anos são tachadas de irresponsáveis por estarem grávidas numa idade avançada. Há chacotas e piadas com a quantidade de filhos. Quantas vezes já falamos da violência obstétrica que ocorre quando a mulher sai da maternidade e ouve: "No ano que vem, nós nos vemos de novo!" Isso acontece no pré-natal também: "A senhora aqui de novo, gestando mais uma vez?" Eu poderia dar diversos exemplos de como isso acontece.
A grande problemática é que essa mulher está afastada, não está recebendo um atendimento de qualidade, e ninguém está preocupado com isso: "Eu faço o pré-natal dela aqui e depois a mando para uma maternidade de referência". E ela chega sem dados, sem conexão, com o cartão de gestante muitas vezes mal preenchido. Como não há dados sobre essa mulher, há aumento da mortalidade materna e neonatal.
Outra problemática é a comunicação. Recentemente, eu estive com um grupo de mulheres, numa roda de gestantes, em uma UBS, para prestar informações. Havia muitas mulheres, porque elas foram convidadas com a promessa de que ganhariam um kit enxoval ao final do encontro. As mulheres estavam caladas, pouco participativas. Toda informação que chegava para elas não dialogava com a realidade daquelas mulheres. Elas não sabiam o que era episiotomia. O letramento até estava sendo feito, estávamos tentando levar informação de qualidade, mas o discurso não dialogava com elas. Elas não entendiam o que é uma manobra de Kristeller.
Então, nós precisamos que o pré-natal também faça uma comunicação dialógica de acordo com a realidade dessas mulheres.
Precisamos falar também do racismo institucional — não só sobre como enfrentá-lo, mas também sobre como erradicá-lo. Até hoje nós falamos de racismo, e ele existe no pré-natal.
Hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia, eclâmpsia e síndrome de Hellp são síndromes hipertensivas e são as principais causas de morbimortalidade da mãe e do bebê. Essas causas são consideradas evitáveis.
Dia 28 de maio foi o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna. Segundo os dados que nós temos, 90% das mortes maternas são evitáveis. Esse é um dado muito significativo.
Essas síndromes hipertensivas atingem muito mais as mulheres pretas. Então, há muito mais mortes evitáveis de mulheres pretas e de seus bebês, consequentemente.
O que está acontecendo? Por que essa mulher preta não está recebendo o pré-natal adequado?
Nós estamos cansados de ouvir relatos de mulheres que chegam a consultas de pré-natal dizendo que estão com dor de cabeça, com náusea, relatando que estão com os pés inchados. Há uma naturalização disso: "Gestar dói mesmo. É assim. Gravidez não é doença. As dores são frescura". Quando chegam esses relatos, a primeira coisa que nós perguntamos é: "Qual é a cor da pele dessa mulher?" Geralmente, é uma mulher preta que traz esse relato. Isto é racismo institucional: dizer que a mulher preta é forte e aguenta. Nós temos uma dívida, o nosso País tem uma dívida com as mulheres pretas, que nutriram em seus seios esta Nação. O corpo delas existe e merece todos os cuidados.
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Eu tive a experiência de acompanhar mulheres em pré-natal, Deputada, e ver que elas não são examinadas, que não é feita medição de AFU nem pesagem. Muitas vezes, essa mulher não era olhada no rosto porque era usuária de álcool e drogas. Ela estava ali no serviço de saúde para ser cuidada. É necessário fazer uma reflexão. Nós devemos uma reparação histórica a essas mulheres.
Mulheres ciganas, mulheres indígenas, mulheres de comunidades tradicionais sofrem desdém, humilhações e chacotas por suas crenças. Eu pergunto: a unidade de saúde é um lugar onde essas mulheres estão se sentindo acolhidas? Elas estão se sentindo seguras? É o primeiro lugar para o qual a mulher pensa em ir quando se sente mal? Quando sente um desconforto, essa mulher pensa em ir a uma unidade básica de saúde, ao postinho? Ela é recebida em caso de emergência?
Quando planejam se deslocar quilômetros para fazerem o pré-natal, as mulheres consideram a discriminação e a violência que vão sofrer lá. Por isso, às vezes, a adesão é baixa.
Nós não vemos compreensão das dificuldades que permeiam a realidade dessas mulheres. Muitas são trabalhadoras invisibilizadas, mal remuneradas, sustentam sozinhas a família, não possuem a garantia de que poderão passar a manhã inteira, como eu falei, em uma clínica aguardando para realizar um ultrassom e ainda garantir o alimento para os seus filhos. Não se vê compreensão e respeito à autonomia da mulher quando os profissionais usam muitos jargões técnicos e não oferecem as informações em linguagem compreensível. Não se vê compreensão da mulher como um todo quando os serviços não possuem acessibilidade, quando não há balança para pesar mulheres em cadeiras de roda, quando não há intérprete de LIBRAS para as mulheres surdas, quando não há possibilidade de imprimir uma prescrição em braile ou gravar orientações em áudio para as mulheres cegas.
Nós temos o direito de entender o estado da nossa gravidez. A acessibilidade é um direito. Nós temos o direito de participar da decisão sobre quais procedimentos vão ser realizados no nosso corpo. Nós temos o direito de receber um atendimento digno, respeitoso e livre de violência.
Após citar todos esses exemplos, eu quero trazer um questionamento: como podemos melhorar?
Se eu ainda tiver tempo de fala, quero sugerir, como coletivo Parto do Princípio, ações para o aprimoramento do pré-natal, com foco na erradicação da violência obstétrica e na promoção dos direitos de mulheres e pessoas com útero em três dimensões principais: ações para gestão do SUS; ações para as unidades que prestam cuidado; e ações para os aparelhos formadores e suas interfaces com a gestão e a assistência. Eu posso disponibilizar essas sugestões para a Comissão. Se houver tempo, posso citá-las.
Para as ações de gestão do SUS, nós precisamos fortalecer o SUS e a atenção básica como porta de entrada para as pessoas mais vulnerabilizadas, como foi colocado por você, implementando ações de planejamento reprodutivo que funcionem independentemente de organizações religiosas e de interferências políticas municipais e estaduais. Nós precisamos implementar e qualificar a vinculação das pessoas gestantes às unidades que atendem o parto, bem como estabelecer e fortalecer o diálogo entre os diversos estabelecimentos envolvidos na assistência desde o pré-natal, incluindo o parto e o puerpério. A mulher sai do pré-natal, vai para a maternidade e depois volta para essa unidade. E isso precisa ser continuado.
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Precisamos estabelecer espaços de diálogo entre os serviços de saúde e a sociedade, estabelecer e qualificar mecanismos para receber e apurar denúncias sobre violência obstétrica no atendimento à saúde. Precisamos que o Ligue 180 também acolha as denúncias, que seja uma ouvidoria ativa da Rede Cegonha, entre outros.
Nós precisamos implementar indicadores de qualidade do pré-natal, ampliar horários e dias de atendimento para consultas e exames de pré-natal, para que as mulheres trabalhadoras sejam incluídas. Nas unidades que prestam o cuidado pré-natal, nós precisamos qualificar o acolhimento com escuta ativa. Isso é importante. Nós precisamos qualificar o atendimento, não só quantificá-lo. Nós não somos números. Precisamos qualificar o atendimento com escuta ativa das necessidades das usuárias.
Precisamos de monitoramento e regulação das práticas profissionais, com implementação de sistema de auditoria. Precisamos de retorno dos profissionais de saúde com atenção especial a raça, identidade de gênero e orientação sexual.
Nós precisamos implementar e fortalecer ações de educação permanente em saúde de acordo com a diretriz da OMS sobre a experiência positiva no pré-natal. Precisamos promover acessibilidade ao pré-natal e implementar estratégias para a elaboração do plano de parto pelas pessoas gestantes, em vez de simplesmente disponibilizar um plano de parto pronto dentro da unidade, para a mulher preencher um "x". Nós temos falado muito disso. O plano de parto é importante, mas ele tem que ser construído junto com a mulher. A mulher é que escreve o plano de parto.
Também pensamos em ações para os aparelhos formadores, como abolir exames e quaisquer procedimentos para fins didáticos. Eles ainda acontecem. Por exemplo, são feitos exames de toque em consultas de pré-natal sem necessidade clínica. Ainda fazem toque em mulheres para treinamento profissional. É o que nós chamamos de vagina-escola.
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Precisamos incluir temas como saúde da população negra, racismo institucional, racismo obstétrico, racismo recreativo e gênero nos currículos obrigatórios das formações em saúde, em estágios, especializações e residências. Isso é muito importante.
Precisamos estabelecer o currículo com foco nas tecnologias leves de cuidado, de acordo com as diretrizes da OMS sobre a experiência positiva no pré-natal, e abolir metas de realização de procedimentos invasivos por profissionais em formação. Enquanto tivermos isso, vamos ter a vagina-escola.
Para além de todas essas questões de raça, etnia, classe social e geração apontadas, nós precisamos entender que há muitas discrepâncias no Brasil. Uma pessoa que mora numa capital vai ser atendida de maneira muito diferente de uma pessoa que mora no interior. Da mesma forma, o Sul e o Sudeste do País têm características assistenciais muito distintas. Então, a política pública precisa abordar essa heterogeneidade para que haja promoção de equidade.
Como sugestão final, nós gostaríamos de reivindicar, mais uma vez, a inserção das doulas no SUS, a regulamentação da profissão, a formação pelo SUS e para o SUS e a abertura de concurso público, para que mais doulas possam apoiar mais mulheres e pessoas com útero em toda a diversidade comportada por este País.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Nós também.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Mulher, você é muito sensível. Quando eu vi esse coração gigante aqui, já falei: "É lá de Goiás". E ainda é da minha cidade, de Trindade. Aí eu não aguento. Aí meu coração racha ao meio.
Thayná, com todo o respeito a todos os nossos convidados em audiências públicas, eu quero ressaltar o seu depoimento — não vou chamar de fala oficial —, porque você vem da ponta, não só porque você vem da periferia ou porque você é uma mulher preta. Há uma estatística que você não trouxe, mas você conhece: do total de mulheres que sofreram violência obstétrica em 2022, 65% são mulheres pretas. É uma estatística grosseira e terrível para uma sociedade em geral.
O olhar tão sensível que você trouxe sobre todos os pontos — você se prendia à leitura do texto e, ao mesmo tempo, falava com o coração — é porque você sabe, lá na ponta, quem é a mulher que está precisando de nós.
Eu peço perdão a você, à instituição que você representa e a todas as pessoas que estão assistindo à audiência neste momento, porque esta Comissão é falha. Aliás, eu vou usar o verbo no passado: ela foi falha. Ela não vai mais ser falha.
Eu quero contar com a sua ajuda — está aqui também a nossa assistente —, porque você trouxe um estudo que talvez não tenha o gabarito de uma grande universidade, mas tem o gabarito de quem realmente deve ter, que é a mulher que vai parir, a mulher que precisa, a adolescente que engravidou.
Como você disse, ela não engravidou na adolescência, ela foi estuprada na adolescência. Inclusive, até os 14 anos de idade, é estupro de vulnerável.
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16:33
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Nós precisamos de você para construir uma Comissão melhor. Eu sou a 1ª Vice-Presidente e a Deputada Soraya Santos é a Presidente desta Comissão. Nós vamos nos sentar e conversar. É necessário que, nas audiências públicas, vítimas estejam sentadas aqui. Não adianta trazermos uma grande especialista se não trouxermos a mulher que sofreu violência obstétrica, a mulher que perdeu o filho.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Agora eu vou agradecer ao pessoal que está nos acompanhando pelo Youtube: Minas de Doulas, Apice On, ADOSP, ADOULA, Coletivo Mãe na Roda, Associação de Doulas do Estado do Rio de Janeiro, Alumiar Materno, Pacto pela Humanização da Assistência ao Parto, de Ribeirão Preto, São Paulo.
Nesse seu estudo, Thayná, você falou sobre denúncia de violência doméstica. Nós temos um número que chamamos imediatamente nesses casos. Que ideia bacana para este País seguir! Se estou grávida e quero fazer uma denúncia por sentir que estou sendo violentada nos meus direitos constitucionais, eu preciso ter apoio. Se eu não tenho dinheiro, devo ter apoio do Governo.
Eu vou chamar as nossas convidadas novamente. Prometo que depois vamos encerrar. Sei que todo o mundo tem muita coisa para fazer ainda hoje.
Eu vou pedir à Simone Diniz, do Departamento de Saúde da USP, que converse um pouco conosco sobre uma questão que ela abordou. Ela deu uma aula, como mestre que é.
Simone, minha flor, eu já vou liberá-la. Imagino o quanto uma professora da USP deve ralar. Mesmo assim, você está aqui dedicando o seu tempo. Nós sabemos o quanto é importante a sua participação.
Eu queria tentar entender o seguinte: há países extremamente desenvolvidos, onde, creio eu, o parto, a humanização do parto, a cesárea, enfim, tudo isso segue um protocolo oficial para que se respeite uma mulher grávida. Eu queria saber o que falta ao nosso País para que cheguemos a uma situação decente em relação às mulheres?
A SRA. SIMONE DINIZ - Não é uma pergunta simples, mas vou tomar como referência um país desenvolvido e rico: a Finlândia.
Quando visitei a Finlândia, onde tenho colegas, eles estavam superpreocupados porque a taxa de cesárea tinha subido de 15% para 17%. O que eles fazem? Aqueles países têm uma assistência baseada em equipes. Lá, como em outros países, existe a ideia de que toda mulher gestante precisa ter uma parteira formada, que tenha nível superior, e algumas das mulheres precisam também de um médico. Isso garante a chamada continuidade do cuidado. A mesma pessoa acompanha a mulher na atenção primária, no hospital durante o parto. Se precisar, a pessoa também terá um médico, mas a parteira é quem vai acompanhá-la no pré-natal, no pós-parto, na amamentação e no cuidado com o recém-nascido.
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Eu não gosto do nome Rede Cegonha, porque trata as mulheres com uma visão aquém do humano. Há sempre a figura de um animal: Rede Cegonha, Mãe Coruja, etc. Por que não usar um nome mais bacana, como Mãe Cidadã, Mãe Brasileira, algo desse tipo?
Essas iniciativas tinham essa questão da continuidade do cuidado, da informação em saúde, que é fundamental. Eu queria fazer coro ao que a Maria e Thayná falaram. Isso é essencial para decisões informadas.
Como foi falado, para prevenir tanto a violência obstétrica quanto a mortalidade materna, devemos ter uma ouvidoria, para a qual as mulheres possam dizer: "Eu me senti agredida. Alguém me ofendeu. Eu sofri uma humilhação de caráter sexual. A pessoa cortou a minha vagina, apesar de eu dizer que não queria que fizesse isso. Empurraram a minha barriga". Se tivermos uma ouvidoria, teremos muito mais capacidade de mapear onde esse tipo de abuso acontece. As ouvidorias são fundamentais.
A Rede Cegonha teve uma ouvidoria muito bacana. O Apice On, que é uma iniciativa de mudar a formação dos recursos humanos, é outra medida muito importante. Nós podemos trabalhar com foco não no negativo, não no que não está funcionando, mas no positivo, como o Prêmio Galba de Araújo, que premiava os hospitais que tratavam bem as mulheres, que as deixavam satisfeitas, que tinham acomodações confortáveis. Estou falando do SUS, de serviços que não eram luxuosos, mas faziam com que as mulheres se sentissem respeitadas. Esse respeito ao útero que a Thayná mencionou era traduzido na maneira como os serviços se organizam — tanto no pré-natal quanto no pós-parto.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Maravilhosa! Gostei do seu sorriso. Você é muito simpática. Por isso, está onde está. Deve ser adorada pelos alunos da USP.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Obrigada, minha flor.
Eu vou conversar com a Maria Auxiliadora Mendes, da FIOCRUZ. Quero fazer uma pergunta muito específica. Talvez seja dificílimo respondê-la.
Doutora, eu sempre gostei de praticar esporte. Eu engravidei com 29 anos. Quer queira, quer não, nós ficamos com aquela preocupação: como é que vai ficar o nosso corpo? Eu vou engordar muito? Eu sou de uma família de obesos.
Eu fui atendida numa clínica particular na Europa e vim ganhar neném no Brasil. Eu lembro que o médico me falou o seguinte: "Não mexa com esse negócio de parto normal, não, minha filha!" Eu queria o parto normal, porque realmente não queria uma cicatriz. Eu me lembro de que falei assim: "Eu quero parto normal". E ele respondeu: "Não mexa com isso, não, porque você vai estragar a..." — não preciso nem falar a que o médico se referiu, pois vocês entenderam. Eu fiquei com esse trem na cabeça e pensei: "Rapaz do céu, se vai estragar, eu não vou mexer com esse negócio!" Eu sou mãe de um menino que hoje tem 13 anos, que foi fruto de uma cesárea.
Doutora, estas são as minhas perguntas: como nós conseguiremos humanizar a consciência da rede privada em relação aos partos normais? De que forma conseguiremos conscientizá-los, por meio de estudos que possam ser revelados, não por meio de uma punição, para que sigam uma regra e para que essas mulheres sejam informadas?
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16:41
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Eu quero seguir na mesma direção da Profa. Simone. O Brasil tem experiências ainda limitadas, mas muito potentes. É preciso mostrar esse cenário que a senhora trouxe de uma forma muito contundente. Sim, no setor privado, os índices de cesárea são de 85% a 90%. Não há explicação biológica, fisiológica ou de qualquer natureza clínica que possa justificar a metade de uma taxa de cesárea como essa.
O Brasil, inclusive envolvendo a Agência Nacional de Saúde Suplementar, teve algumas experiências que talvez tenham sido interrompidas e devam ser retomadas, entre elas a de nome Parto Adequado. É indiscutível que a inserção da enfermeira obstetra ou da obstetriz nas equipes da rede privada faz diferença.
Isto que a Simone trouxe é importante: o cuidado ao parto estar pautado em uma equipe de turnos, com trocas de plantão que garantam a cobertura 24 horas por dia, 7 dias por semana. Esse é o primeiro passo para se romper com a lógica da rede privada no Brasil, que — não há como não deixar isso claro — tem um modelo de negócio pautado em agendamentos de cirurgias, que substituem a fisiologia do parto normal. Essa mudança de modelo na recomposição e na reconfiguração das equipes é um passo muito estratégico e precisa ser retomada como política pública. Vamos lembrar que o Brasil tem o Sistema Único de Saúde, ao qual o setor privado é suplementar.
No Parlamento, no Poder Executivo, no âmbito federal e nos diferentes âmbitos, precisamos retomar essa conversa com o setor privado. É nesse modelo de funcionamento, é nessa lógica que nós precisamos intervir. É isso que nós precisamos reconfigurar. Assim, essas desculpas malucas, esses discursos anacrônicos, não baseados em ciência, que dizem que vai fazer mal para o corpo da mulher, isso ou aquilo, ou que vai criar risco para o bebê, todas essas desculpas vão perdendo espaço.
As cesáreas salvam vidas de mulheres e de crianças e, portanto, de suas famílias, porque, quando uma mulher morre, morre muito mais do que uma mulher; quando uma mulher perde um filho, morre muito mais do que uma criança. As cirurgias, as intervenções, quando bem aplicadas, são importantes — o conhecimento científico hoje deixa muito claro quando é que eu tenho que intervir, quando é que eu tenho que fazer determinado procedimento —, mas a banalização desses procedimentos faz mal para a saúde das mulheres, faz mal para o corpo das mulheres, faz mal para os bebês que estão nascendo.
Eu entendo que há atores estratégicos aqui, além do Ministério da Saúde, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar, a Federação Brasileira de Hospitais, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia — FEBRASGO,
que vem avançando na defesa da boa prática, que é guardiã das boas práticas obstétricas, e a Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras.
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16:45
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A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Doutora, muito obrigada pelas suas palavras.
Eu estava nesse momento perguntando para a Thayná se ela sabia a diferença de custo, na rede privada, de um parto normal para uma cesariana. É gritante a diferença. Há uma barreira de concreto gigante à nossa frente, que nos impede de mostrar um pouco para a rede privada a sensibilidade de se fazer o parto normal, e não somente pensar nesse lucro.
A SRA. THAYNÁ LOURENÇO MENDES BUENO - Nós informamos, acima de tudo. Nós tentamos informar, mas também nos articulamos enquanto movimento de mulheres, porque nem sempre, como eu trouxe, a informação previne. Nós estamos nos organizando.
A Parto do Princípio fez denúncias. Nós precisamos de canais de denúncias. Nós precisamos procurar a Defensoria Pública dos nossos Estados. As articulações e os movimentos de mulheres têm se organizado no sentido de denunciar. Em Goiás, a Defensoria Pública do Estado tem coletado relatos de mulheres que sofreram violência obstétrica, para que ações práticas sejam tomadas.
Então, nós precisamos continuar nos organizando. As denúncias são sempre válidas. A participação das mulheres em eventos como este é fundamental para mudarmos esse cenário.
Você falou da sua experiência a partir de um desconhecimento. Nós informamos isso a essa mulher, para que ela saiba que é uma mentira o que esse médico lhe disse. Você pode, sim, ter uma experiência satisfatória no parto. O parto não é essa atrocidade que dizem, em que necessariamente tem que se fazer um corte na vagina, em que necessariamente uma pessoa tem que subir em cima da mulher para o bebê nascer. Nós informamos tudo isso.
Mas nós também precisamos de ações. É preciso organizar as mulheres, para que elas denunciem. Precisamos ser ouvidas. É preciso que parem de questionar o termo, porque somos nós que estamos falando esse termo, somos nós mulheres que estamos dizendo que o nome disso é violência obstétrica. Não é sobre um grupo específico, é sobre o sistema que assiste as mulheres.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Obrigada, Thayná.
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16:49
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O SR. DR. LUIZ OVANDO (Bloco/PP - MS) - Eu não tenho praticamente nada a acrescentar. Eu acabei chegando agora porque estava em outras atividades.
A grande preocupação que nós vemos é exatamente a desinformação. Há distorções, como essa experiência que V.Exa. conta, como aquilo que foi dito pela expositora que estava na tela — eu não guardei o nome dela —, como o que foi dito pela Thayná.
A cesárea é antifisiológica. Não há dúvida quanto a isso. Todo procedimento cirúrgico tem seus riscos. Nós sabemos que o parto normal, também chamado de parto natural, é um parto que evolui de forma bastante sincrônica com a adaptação da criança, desde que, naturalmente, essa mulher tenha a sua bacia adequada para aquele determinado feto, naquele determinado tamanho e proporção. Dando à luz, dentro de 12 horas, no máximo, ela já poderá ir para casa sem grandes complicações e, dentro de algum tempo, já poderá se mexer, o que reduz significativamente uma complicação, que é a quarta causa de morte materna, principalmente no pós-parto, que é a embolia de pulmão. A embolização acontece muito. Todas as vezes em que se incide o bisturi na pele, há uma agressão, um estresse, uma atividade intensa de todo o mecanismo de defesa, e a coagulação é um dos elementos, o que não acontece por ocasião do parto natural.
Então, essas situações não são consideradas, e prega-se essa discussão, no sentido de que vai estragar, de que vai fazer... Não! O sistema reprodutor feminino é um sistema extremamente adaptado, pelas características do tecido conjuntivo, que se recupera com grande facilidade e nenhum problema, praticamente. É claro que, quando há um aumento do número de partos, acontece isso.
Tudo isso é para dizer que é preciso esclarecer. Inclusive, a mortalidade materna aumentada no nosso País passa pela ausência de orientação adequada, de acompanhamento do pré-natal e também pelas complicações do recém-nato.
Sem dúvida nenhuma, nós enveredamos pelo caminho da instrução, através de uma informação precisa, recheada e fundamentada em conhecimento e experiência. Quando eu falo em conhecimento, refiro-me à informação incorporada, àquilo que o médico cede ao seu paciente, à sua paciente, mostrando realmente como fazer.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Obrigada, Deputado Dr. Luiz, pela fala.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Não teria como virar um pouquinho a câmera, para vermos a turma?
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Oi, pessoal. Sejam bem-vindas!
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16:53
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O que nós queremos é estimular mais essa parceria, esse diálogo. Temos certeza de que essa interlocução, na criação de novas leis e na defesa das leis que nós temos, pode contribuir muito para reduzir o problema da mortalidade materna e da violência obstétrica.
Eu queria fazer um pequeno comentário sobre o que a senhora ouviu durante o seu pré-natal, a respeito das vantagens da cesárea. Antigamente, na faculdade de medicina, nós tínhamos essa ideia. Quando eu me formei, na década de 80, os livros de obstetrícia diziam que a passagem do feto pelo anel vulvoperineal acondicionava frouxidão irreversível dos tecidos maternos. Hoje em dia, nós sabemos que isso é uma fantasia sexual masculina, comparando o tamanho do bebê com o seu próprio pênis.
Existe uma extraordinária capacidade adaptativa do canal vaginal e da vulva. A maioria dos partos pode ocorrer sem nenhum tipo de lesão. Essa musculatura volta, porque ali há tecido erétil e tecido muscular. Uma vez danificado esse tecido, através de um corte, que é a episiotomia, ele não vai ter o mesmo desempenho que teria se fosse um tecido íntegro. Por isso, defendemos o direito da mulher à integridade genital no parto, tanto no sentido de não cortar o útero por uma cesárea como também de não cortar a vulva e a vagina através de uma episiotomia, mas proteger esse períneo através de um desprendimento suave do bebê, sem ninguém ficar dizendo "faz força, faz força", nem empurrando, induzindo a mulher à saída do bebê, que deve ser bastante suave para preservar essas estruturas.
Muitos defendem inclusive, Deputada — isso é importante que se diga —, que os tecidos musculares e eréteis que são tensionados durante a saída do bebê reconstituem-se de maneira tal que a potência orgástica da mulher, na sua estrutura vulvar, estará aumentada depois do trabalho de parto. As mulheres devem ser informadas disso, porque foi dito a elas que o parto seria um prejuízo à sua desejabilidade sexual, quando, de fato, um parto vaginal bem-sucedido, humanizado, tratado com respeito, inclusive em relação à integridade genital, pode levar a um aumento da potência orgástica das mulheres. Isso pode ser, inclusive, um motivo para que mais mulheres queiram ter um parto fisiológico.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Meu Deus do Céu! Essas meninas aí, eu não sei, mas eu já estou pensando aqui, porque eu tenho o sonho de ter uma menininha. Eu tenho um menino. Estou com 42 anos, mas dá tempo. A Cláudia Raia teve. Ela está com 50 anos, com 55 anos?
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Então, você me espere, porque meu útero já está coçando, minha irmã!
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Quero reiterar, Deputada, também minhas colegas, todas e todos que estão conosco, que todas essas ações ou essas iniciativas não ocorrerão no abstrato. Uma atenção primária forte, resolutiva, que pense no protagonismo dos sujeitos de cuidado das mulheres, dos homens deste País, de todas as pessoas, é uma atenção primária que será respeitosa e acolhedora e que vai, ao lado de todas as outras instituições estratégicas, atores e atrizes que eu mencionei, mudar o cenário.
Quero dizer que tenho muita confiança e esperança. Quem viveu, como eu, um cenário de parto e nascimento neste País há 20 anos, 30 anos vê muitas mudanças, vê uma nova geração de profissionais de saúde com muito mais compromisso com as melhores evidências, vê gerações de jovens colegas da obstetrícia na área médica, que é a minha área também, se formando ao lado de colegas da enfermagem obstétrica e obstetrizes e atuando na cena do parto.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Muito obrigada, minha flor.
A SRA. MEIRE SERAFIM (Bloco/UNIÃO - AC) - Quero só fazer um relato aqui, Presidente.
Meu neto nasceu no dia 27 de dezembro. O nascimento estava previsto para janeiro. Digo isso para ressaltar a importância do pré-natal. O doutor fez o pré-natal e viu que o cordão umbilical estava dando quatro voltas no pescoço do meu neto. Então, teve que fazer a cesariana. Isso mostra a importância do pré-natal. Se não tivesse sido feito o pré-natal, hoje o meu neto poderia nem estar aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Eu já gostava de você, Deputada. Agora, sabendo que você consegue estar em Brasília e largar um netinho neném, tenho que dizer que você é forte!
(Risos.)
A SRA. MEIRE SERAFIM (Bloco/UNIÃO - AC) - Ele fez 5 meses no dia 27. É uma bênção!
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Meu Deus do céu! Quando chega quinta-feira, já está querendo ir embora para cuidar do neném. Parabéns, Deputada!
A SRA. MEIRE SERAFIM (Bloco/UNIÃO - AC) - Sim, sim.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Thayná, faça suas considerações. Você já fez vários apelos, porque foi feito em forma de apelo o seu discurso. Por favor.
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Nós também defendemos que as enfermeiras, as obstetrizes e as doulas tenham mais protagonismo dentro desse cenário. Essa é a nossa defesa, para que a assistência perinatal seja multiprofissional e respeite a autonomia da mulher, para que se faça o processo com a defesa do SUS, que prevê a horizontalidade da assistência.
Eu quero até aproveitar para agradecer o pedido de desculpas. Nós achamos que é fundamental que as mulheres sejam escutadas, ouvidas. Nós precisamos dar voz às mulheres. Basta de mulheres silenciadas! Nós ficamos muito tempo sendo silenciadas. Os últimos anos foram muito difíceis para as mulheres. A retomada é fundamental e só vai acontecer a partir da escuta.
Quando estávamos nos organizando para saber quem viria para cá e se nós participaríamos on-line ou presencialmente, nós falamos: "Cadê o dinheiro? Cadê o dinheiro para a usuária poder ir e pertencer a este espaço? Como é que nós vamos trazer usuárias para este debate?" Houve o questionamento, e nós dissemos: "Vamos fazer a participação on-line. É caro ir para Brasília. Vamos pegar a Thayná, que está mais perto. O deslocamento é mais fácil. Nós vamos de carona". Foi quando minha filha, com 9 anos, disse assim: "Mamãe, você tem que ir, porque você está fazendo revolução". Para mim, isso foi muito forte. É por conta dessas pessoas, dessas mulheres e dessas crianças que nós fazemos um esforço e passamos o chapéu para vir participar destas audiências.
Eu gostaria de deixar como sugestão para a Comissão uma diligência. Talvez nós não consigamos trazer todas as mulheres para este espaço, mas, se conseguirmos trazer uma representante da Parto do Princípio e dos demais movimentos, será importante. Tragam as mulheres! Priorizem que essas mulheres estejam aqui contando os seus relatos, as suas experiências.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Eu acho que o Brasil sabe que um Deputado ganha muito bem. Então, quando precisarem trazer essas mulheres, independentemente de a Câmara não poder fornecer passagem ou passar o chapéu, nós passamos o chapéu entre nós, Thayná.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Pode ter certeza de que essas mulheres virão participar desse projeto.
A SRA. PRESIDENTE (Silvye Alves. Bloco/UNIÃO - GO) - Nada mais havendo a tratar, convoco reunião extraordinária para o dia 6 de junho de 2023, terça-feira, às 15 horas, para audiência pública e deliberação de requerimentos.
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