1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Extraordinária)
Em 31 de Maio de 2023 (Quarta-Feira)
às 14 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
14:59
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A SRA. PRESIDENTE (Jack Rocha. Bloco/PT - ES) - Boa tarde a todas, a todos e a todes.
Agradeço por estarem presentes na Câmara hoje. Sejam muito bem-vindas e bem-vindos a mais uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial.
Hoje, vamos tratar de um tema muito importante: o acolhimento às mães e aos familiares das vítimas e/ou sobreviventes de ações violentas do Estado e a discussão do Projeto de Lei nº 2.999, de 2022, conhecido como Lei Mães de Maio. Está presente nosso querido Deputado Orlando Silva e nossa Deputada Erika Hilton.
Antes de iniciar formalmente os trabalhos, eu quero dizer que esta Comissão de Direitos Humanos se solidariza com todas as mães negras brasileiras e, em especial, a uma mulher de uma comunidade periférica de São Paulo agredida covardemente pela Polícia Militar daquele Estado. Ver toda aquela cena nos causa muito repúdio, porque nós já vivemos um sistema de várias violências. O Estado não pode ser este violador. Fica, portanto, nossa solidariedade e nossa atenção, o apoio desta Comissão de Direitos Humanos a todas que lutam por justiça e, que quando buscam justiça, muitas vezes, têm seus direitos violados.
Declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial destinada a debater o tema Acolhimento às mães e familiares das vítimas e/ou sobreviventes de ações violentas do Estado e a discutir o PL 2.999/22, conhecido como Leis Mães de Maio.
Esta audiência decorre da aprovação do Requerimento nº 66, de autoria da Deputada Erika Hilton, subscrito por esta Presidente. Justifico a ausência da nossa Presidenta Luizianne Lins, que nos acompanhará pela Internet e pela TV Câmara.
A audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm, da TV Câmara. Se todas, todos e todes os presentes quiserem compartilhar para que esta audiência pública possa chegar a mais territórios, a mais lugares, será muito importante.
O registro de presença dos Parlamentares e das Parlamentares se dará de forma presencial, no posto de registro biométrico deste plenário. As Parlamentares e os Parlamentares que fizerem uso da palavra por teleconferência terão a presença registrada. Informo que o tempo concedido aos expositores e às expositoras será de 7 minutos. Após a fala dos expositores e das expositoras, abriremos a palavra também aos Deputados e às Deputadas, por ordem de inscrição, por 3 minutos.
Para a melhor dinâmica desta audiência, dividiremos o evento em duas mesas. Para dar início às atividades de hoje, convido para compor a primeira Mesa a Sra. Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio. (Palmas.)
A Sra. Edna Carla Souza Cavalcante, Movimento Mães da Periferia do Ceará. (Palmas.)
A Sra. Ana Paula de Oliveira, integrante do Movimento Mães de Manguinhos, do Rio de Janeiro. (Palmas.)
A Sra. Ruth Silva Santos, integrante do Movimento Mães de Maio do Nordeste. (Palmas.)
A Sra. Antônia Assunção da Silva, integrante do Movimento Mães do Amazonas. (Palmas.)
15:03
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A Sra. Zilda Maria de Paula, do Movimento Mães de Osasco, de São Paulo. (Palmas.)
Neste momento, eu quero informar que nossa querida companheira Tamires Sampaio, Coordenadora do PRONASCI, se encontra presente nesta audiência pública. Comunico a chegada da Deputada Erika Kokay, a quem saudamos. (Palmas.)
Antes dar início às falas dos participantes da Mesa, passo a palavra ao Deputado Orlando Silva, para sua apresentação nesta audiência.
O SR. ORLANDO SILVA (Bloco/PCdoB - SP) - Eu vou fazer apenas uma saudação, querida Presidente. Aliás, V.Exa. ficou muito bem na Presidência!
Eu queria cumprimentar nossa Presidente, a Deputada Jack Rocha; fazer uma saudação especial à Deputada Erika Hilton pela iniciativa de propor este encontro na tarde de hoje; cumprimento meus colegas Deputados Tarcísio Motta e Erika Kokay.
Eu queria cumprimentar a Débora e, em sua pessoa, saudar a todos os participantes e todas as participantes da luta pelos direitos humanos.
Presidente Jack, esta é a primeira reunião da Comissão de Direitos Humanos de que eu participo desde que deixei de ser Presidente desta Comissão. Senti saudade e vim para cá. Os ares são outros, os tempos são outros, sob o comando e liderança do Presidente Lula, mas os desafios, eu diria, são os mesmos.
Deputado Tarcísio, durante o ano em que estive aqui, não foram poucas as vezes em que eu ouvi relatos de mães sobre chacinas que se seguiam em diversos lugares do Brasil. Quando elas saíam da minha sala, eu não tinha como não chorar, porque cada história era simplesmente desesperadora.
Eu queria agradecer muito à sociedade civil. Permitam-me falar de uma entidade em particular, Conectas, através do Gabriel, que teve a iniciativa de me provocar para subscrever este texto que foi elaborado pela sociedade civil, inspirado na dor e na luta de mulheres, porque, majoritariamente, para não dizer exclusivamente, quem é resiliente na luta pela reparação são as mulheres, que enfrentam a violência do Estado e lutam para garantir reparação, direitos.
Este projeto introduz a lógica da justiça de transição, que o Estado brasileiro deve à nossa gente, sobretudo ao nosso povo pobre, preto, da periferia, que é e segue sendo o alvo principal da ação brutal do Estado através das forças policiais.
Portanto, eu agradeço, Presidente Jack, a oportunidade de fazer este registro nesta tarde difícil. Eu não sei se todo mundo tem acompanhado, mas a rotina desta Casa não tem sido simples.
Eu queria dar boas-vindas a todos os que chegam para participar. Vamos nos somar, para que possamos dar passos e nos livrar desta chaga racista, que é a violência do Estado contra o povo pobre, preto, jovem da periferia do Brasil.
15:07
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Parabéns, Deputadas Jack Rocha, Erika Hilton e Erika Kokay! Parabéns, Deputado Tarcísio e todos os companheiros e companheiras que constroem a Comissão de Direitos Humanos!
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Jack Rocha. Bloco/PT - ES) - Muito obrigada, Deputado Orlando Silva.
Como o próprio companheiro Orlando Silva lembrou, hoje nós temos uma tarde com diversas atividades nesta Casa. Eu tenho a oportunidade de abrir esta reunião, mas não poderei ficar com vocês.
Portanto, eu quero convidar uma pessoa muito especial, que dará prosseguimento a esta Presidência, proponente desta reunião. Nossa Presidenta deixou uma carta que será compartilhada com todos, todas e todes.
Eu convido a assumir a Presidência, neste momento, a Deputada Erika Hilton. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Boa tarde a todas, a todos e a todes os presentes.
Agradeço à Deputada Jack ter feito, como 1ª Vice-Presidente, a abertura dos trabalhos desta audiência pública, extremamente importante. Agradeço ao Deputado Orlando Silva a fala inicial, proponente do PL que nós vamos discutir durante os trabalhos da audiência. Agradeço às mães que vieram a esta Casa demarcar esta pauta extremamente necessária e importante.
Esta dívida que o Estado brasileiro tem com estas mulheres, como eu dizia numa entrevista que eu estava concedendo, não é apenas com as mães de maio, ou com as mulheres que foram vítimas da brutalidade do Estado, mas é com a democracia e com todo o povo brasileiro, com a população negra e com nossos direitos constantemente violados. A saúde mental destas mães que são violadas, a falta de assistência e de políticas que evitem que crimes e brutalidades como esta parem de ocorrer no nosso País, com vêm ocorrendo desenfreadamente. Na verdade, o que nós temos presenciado é um aumento desta brutalidade, e não sua diminuição.
A tarde de hoje será uma tarde dura e triste, porque reviver estes episódios significa reviver e revirar dores, ao tempo em que é também um passo importante, um compromisso desta Comissão, dos Parlamentares, do Deputado Orlando Silva, que propôs este projeto, para nós ouvirmos e acolhermos as demandas aqui trazidas pelas senhoras, para entendermos como avançar e caminhar, na tentativa de dar resposta à brutalidade que acomete nossa população negra, jovem, pobre e periférica do Brasil.
Dito isso, passo a palavra à Sra. Débora Maria da Silva, fundadora do Movimento Mães de Maio, que dispõe de 7 minutos.
Muito obrigada. (Palmas.)
15:11
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A SRA. DÉBORA MARIA DA SILVA - Boa a todos, a todas e a todes.
Eu cumprimento esta Mesa, na pessoa da Deputada Erika Hilton, e também em memória da nossa companheira Vera Lúcia Gonzaga dos Santos.
Eu, Débora, fundadora do Movimento Mães de Maio, estou aqui para dizer que nós não conseguimos, nós não tivemos a coragem de exumar o corpo desta nossa companheira. Faz 17 anos que mataram a filha dela, grávida de 9 meses, no massacre de maio de 2006: mataram-na, mataram o bebê e o marido. Meu filho também foi executado no massacre, mas o caso da Ana Paula mexeu com todas as mães, porque ela estava grávida, e o Estado matou seu filho dentro do ventre dela — não apenas o Estado, mas também seus paramilitares.
Nós estamos falando de 17 anos de luta em relação aos crimes de maio, ao massacre de maio. O Estado não reparou, o Estado fez com que essas mães enterrassem outras mães, e nós, como membros do Movimento Mães de Maio, não podemos aceitar isso.
Nós vemos que nosso País é produtor de mães de maio. Podem ver que aqui houve identificações, e nós temos que dizer que, quando nós batemos à porta do Deputado Orlando Silva, no ano passado, quando estávamos pleiteando por vidas negras, vidas que importam, quando protocolamos no Supremo Tribunal Federal que nós queríamos, sim, reparação, queríamos atendimento psicológico para estas mulheres conseguirem sobreviver, isso era o mínimo que o Estado brasileiro tinha que fazer por nós, mas não fez.
Nós temos parceiros, como a Conectas, que tem a coragem de trazer estas mães, em parceria, para podermos estar aqui e dizer que nós queremos parir um novo Brasil. Nós queremos parir uma nova sociedade! (Palmas.)
Nós não temos, jamais, de aceitar que nossos Deputados não olhem para nós com seres humanos, ocupando cadeiras, pagos com nossos impostos. Nós estamos aqui para desafiar e dizer que nós precisamos que este PL do acolhimento, do tratamento psíquico e da reparação econômica e social tem que existir. Isso é o mínimo que o Estado brasileiro tem que dar para nós!
Todos os crimes de maio foram arquivados. Por quê? Foram mais de 600 corpos, no espaço de uma semana, de 12 a 19 de maio! Nós estamos gritando! Fora do Brasil, todo mundo tem solidariedade. Aqui, os brasileiros continuam "dormindo em berço esplêndido". Nós não podemos aceitar mais isso.
Eu convido esta Casa, convido esta Comissão, convido os Deputados a nos darem coragem para exumarmos o corpo da nossa companheira, que morreu sem receber atendimento. Isso é o mínimo! Nós precisamos de atendimento, porque a polícia continua matando nossos filhos, e nós continuamos assistindo a isso pela televisão. O que ocorre é a banalidade das vidas negras, das vidas pobres, dos moradores de favela e de periferia, que não têm valor para essas espécies que dizem que são humanos e pessoas de bem.
Nós estamos falando de vidas! Nós parimos vidas! Nós, apenas por sermos pobres, não somos criminosos. Ser pobre não é um crime, jamais! Nós não podemos aceitar isso. A morte de vários Edsons poderia ser evitada. Nós vemos músicos da Baixada Santista, de Santos, dizer que os músicos também foram calados. Calaram a favela! Os músicos mexiam com o sistema, queriam derrubar o sistema para terem um sistema de igualdade. Não tiveram oportunidade de dizer isso. Eles cantavam o que o Estado negava para eles.
15:15
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Nós temos que dizer que, se hoje temos este montante de mães, isso é triste, porque é um movimento que mais cresce no Brasil. É vergonhoso isso! Este é o País que mais mata! Nós temos a polícia mais violenta do mundo. Nós estamos dizendo que precisamos lapidar a democracia, uma democracia de raça, de classe e de gênero, e não essa democracia branca que quer a paz do cemitério. Como mães, nós não podemos aceitar isso!
Nós viemos aqui para parir. Nós não temos tempo de deixar Brasília, porque nós queremos nossas pautas discutidas. Nós estamos aqui para dialogar. Se o Governo diz que quer o diálogo, nós também queremos o diálogo.
Quero agradecer ao Deputado Orlando Silva a coragem de ter nos acolhido. Nós, mães, jamais poderemos aceitar esta situação que vemos. A negação destas mortes por parte do Estado é o mesmo que dizer que nós temos uma parcela de culpa, que apontamos o dedo para nosso Ministério Público, que, de público, não tem nada — não é público! Ele tem que acordar. É ele que pede o arquivamento. A caneta assassina do Ministério Público mata nossos filhos mais do que quem aperta o dedo no fuzil.
Nós, como mães, somos as pesquisadoras dos crimes dos nossos filhos. É vergonhoso isso!
Nós apresentamos ontem um seminário internacional com o apoio da Universidade de Harvard. Nós vamos mostrar o adoecimento destas mulheres invisíveis, que não conseguem criar o resto dos seus filhos e, muitas vezes, são abandonadas pelo marido. Estas mulheres vivem a vida inteira chorando e se acabando, e ninguém quer saber delas, ninguém reconhece que estas mulheres estão doentes. Nós estávamos ali fora escutando uma pessoa culpar uma mãe. Todos os que estão aqui saíram do ventre de uma mãe.
A luta do Movimento Mães de Maio é diferenciada neste País, porque é uma luta que vem pelo útero — o útero é fértil! Nós estamos aqui para dizer que estes meninos não tiveram o direito à vida. São mais de 600 jovens! Isso é a vergonha do Brasil, a vergonha do Ministério Público, que pede o arquivamento. Pedir arquivamento é ser conivente com esta máquina de matar gente; é um projeto do Brasil. Nós precisamos desprojetar o Brasil desta política de morte. Nós queremos educação, saúde e moradia digna, para podermos dizer que nós temos uma verdadeira democracia.
Eu estou aqui representando estas mães. Eu não vim para cá fazer turismo, eu não vim para cá para fazer foto. Eu vim aqui para exigir políticas públicas. Nós queremos políticas públicas, porque nossa favela está sangrando. Está sangrando a favela do Rio de Janeiro, porque a política do Governo é a política da morte. Eles fazem política em cima dos corpos dos nossos filhos. Nós não podemos aceitar isso! Os governantes são donos das polícias. Nós temos que barrar essa máquina de moer gente.
Eu não consigo jamais, como mãe, controlar minha fala. Nós não estamos emocionadas para virem dizer que nós não temos legitimidade para falar o que nós estamos falando.
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Já se passaram 17 anos, os crimes estão prescrevendo, mas nós vamos lutar para que o Estado brasileiro se sente no banco dos réus, para parar de moer meninos pretos, moradoras de favelas e moradores das periferias. A periferia e a favela são a solução. Apenas nossos políticos que não sabem isso.
Axé! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Não será uma tarde fácil a de hoje!
Obrigada, D. Débora, por não se silenciar, por não se calar, por não sucumbir à dor, por não se curvar à maldade e à crueldade do Estado brasileiro, à negligência das instituições. Obrigada por seguir sendo uma voz que brada por justiça, não só pelo seu filho, mas, como a senhora mesma diz, por todas estas mães que, vergonhosamente, vêm sendo, no nosso País, vítimas da brutalidade deste Estado genocida, racista, cruel, e desta política nefasta e odiosa que segue perseguindo e aniquilando a vida dos mais vulneráveis. Sua coragem, sua garra, sua força nos inspiram, nos convocam a lutar e a não deixar que nenhuma destas memórias seja esquecida. Conte com nossos mandatos, conte com nossas atuações! Muito obrigada pelo depoimento. Força para a senhora e força para nós!
Eu queria registrar a presença do Deputado Tarcísio Motta, da Deputada Erika Kokay e da Deputada Benedita da Silva.
Como o Deputado Tarcísio vai se encontrar com a Ministra Sônia Guajajara em outra Comissão, eu gostaria de, quebrando o protocolo, passar-lhe a palavra neste momento, para que ele possa se manifestar e, em seguida, sair para seu compromisso.
O SR. TARCÍSIO MOTTA (Bloco/PSOL - RJ) - Pode marcar 1 minuto, Presidente. Eu não vou levar muito tempo.
Eu queria dizer que nós estamos aqui, D. Débora, juntos. A distância entre este plenário e aquele plenário do Congresso é uma distância de séculos, infelizmente, porque eles não olham para vocês. Mas, como disse Silvio Almeida no seu discurso de posse, nós vemos vocês. Nós estamos aqui para ouvir e para sentir a dor do outro. Saiba que nós vamos estar aqui para sempre defender o reconhecimento e o acolhimento a vocês.
Hoje, na Comissão de Educação, mais cedo, eu citei os nomes da Bruna e do Marcus Vinícius, porque lembro e acompanho a luta de vocês. Lá, um desses Deputados resolveu dizer que toda escola no Rio de Janeiro é celeiro de traficantes. Ele falou isso hoje, aqui, na Comissão de Educação. Nós, porém, estávamos lá para impedir que eles continuassem falando impunemente e que continuassem falando sem nós a dizermos para eles: "Vocês estão errados. Há muito mais vida onde, na verdade, o Estado produz morte".
Quando nós enfrentamos o Governador do "tiro na cabecinha", que sofreu impeachment, um criminoso — podemos dizer isso —, nós dizíamos que tínhamos que expressar a dor, a vontade, o desejo e os sonhos de vocês por um mundo melhor, porque da dor vocês fizeram luta, da dor fizeram sonhos, como o sonho de que este País nunca mais tenha nenhuma chacina.
Viva a luta de todas vocês!
Toda a nossa solidariedade a vocês!
Nós vemos vocês! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Depois que outra mãe se manifestar, eu concederei a palavra à Deputada Benedita da Silva, que também precisará se ausentar.
15:23
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Dando continuidade à nossa reunião, convido a fazer uso da palavra a Sra. Edna Carla Souza Cavalcante, do Movimento Mães da Periferia do Ceará.
A SRA. EDNA CARLA SOUZA CAVALCANTE - Boa tarde a todas, a todos e a todes.
Eu não imaginava que faria parte desta Mesa. Foi uma surpresa!
Quero agradecer à Débora, pois foi ela que fez o convite para que as mães da periferia estivessem aqui. Agradeço a todos os que contribuíram para nossas passagens.
Minha luta não começou com as mães da periferia. Minha luta começou no Curió, com 11 pessoas mortas — o Estado matou 11 pessoas. Deixou mais de 11 famílias sequeladas. Eu não saí do movimento, mas me afastei um pouco para levantar outra bandeira em memória e em justiça a outras mães que estavam sequeladas e desesperadas, porque o Estado matou seus filhos.
Este PL que o Movimento Mães de Maio traz é muito importante. Quantas mães já não faleceram? A Vera e algumas mães do Rio de Janeiro já faleceram, porque não conseguiram justiça para seus filhos. São mortes que poderiam ter sido evitadas. Nós pagamos a uma polícia que entra na nossa periferia — ela é paga com o nosso dinheiro — e executa o próprio povo que paga a ela.
Dentro da periferia, os jovens não são contemplados como jovens que têm um futuro promissor. Dentro da periferia, não é contemplado o jovem preto, o negro da favela, nem o branco da favela. Eles não são contemplados como jovens que querem estudar, que querem ser advogados, que querem ser doutores. A única coisa que a polícia da periferia vê neles são jovens que ela têm o direito de matar. Se estas mães não lutarem, o caixão sai em seguida. Sabem por quê? Porque não existe nenhuma mãe que se alegre nem que fique bem ao não abrir mais a porta para seu filho. Não existe nenhuma mãe que, em datas comemorativas, terá seu filho ou sua filha dentro de casa.
Nós apelamos para que este projeto de lei realmente exista, para cuidar da saúde mental destas mães. Nós esperamos que a Justiça e os Ministros elaborem leis para que a polícia pare de matar dentro das periferias! Não é possível! Esperamos que os Deputados criem leis, para não vermos mais as mães terem que enterrar seus filhos. Isso é muito sério!
Nós temos aqui mais de 20 mães da periferia, mas não estão todas aqui. Sabem por quê? Porque as mães tiveram medo de sair para a luta. As mães disseram: "Se eu perdi um filho, eu vou perder meus outros filhos". Este é o contexto em que vive a periferia. Nem toda mãe abraça esta causa. Isso não acontece porque ela é frouxa, mas porque ela não consegue, ela não tem força nem resistência para ir. Nós temos que ficar juntos.
Eu agradeço muito à Débora a oportunidade deste espaço.
Muito obrigada. (Palmas.)
15:27
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Muito obrigada, Sra. Edna.
A SRA. EDNA CARLA SOUZA CAVALCANTE - Eu posso falar só mais um pouquinho, Presidente?
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Sim, é claro! Fique à vontade.
A SRA. EDNA CARLA SOUZA CAVALCANTE - Desculpem-me, mas eu não posso me esquecer de dizer que, no dia 20 de junho, ocorrerá o julgamento do Curió — é o primeiro julgamento. Eu peço, encarecidamente, às autoridades aqui de Brasília que olhem para o julgamento do Curió. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Sra. Edna.
Passo a palavra à Deputada Benedita da Silva.
A SRA. BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT - RJ) - Boa tarde a todas e a todos aqui presentes.
Quero cumprimentar a Deputada Erika pela iniciativa e o Deputado Orlando Silva.
Quero dizer a cada uma de vocês — Ana Paula, Antônia Assunção, Débora, Zilda, Ruth e Edna — que nós não podemos trazer seus filhos de volta, mas podemos continuar na luta com vocês. No ano passado, eu perdi meu filho para um câncer. Eu fico imaginando uma mãe cujo filho saiu de casa e não voltou. Algumas delas nem sequer puderam pegar o corpo do seu filho. Nós vemos esta cena não só nas favelas do Rio de Janeiro, mas também em outras favelas.
Ultimamente, tem sido demais para nós assistirmos a mães que tombam junto com seus filhos. Isso é algo tremendo! Nós não estamos preparadas para ver nossos filhos morrerem. Nós estamos preparadas para que nossos filhos nos enterrem. Este é o nosso propósito, este é o nosso desejo.
No entanto, muitas lágrimas têm sido derramadas, lágrimas têm se misturado com o sangue dos filhos e com as lágrimas das mães. É por isso que nós colocamos, mais uma vez, nosso mandato à disposição de vocês. Nós existimos, ainda que sejamos humilhadas nesta Casa, porque muitos acham que nós defendemos marginais e, por isso, não nos apoiam em determinadas iniciativas que tomamos para a proteção das nossas vidas.
Como disse a Débora, vidas negras importam. Para nós, a vida dos nossos filhos importa mais ainda. Portanto, nós precisamos estar de mãos dadas. É preciso que cada uma faça aquilo que pode. Nós chegamos a um momento em que já não temos mais forças. No entanto, uma puxa a outra, e nós vamos consolidando nossa corrente do bem.
Eu não sei dizer mais nada a vocês. Eu realmente não sei dizer outra coisa senão que tenham fé e esperança, porque a justiça virá. Podem contar conosco nesta caminhada!
15:31
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Nós não queremos mais assistir aos corpos dos nossos filhos estirados no chão.
É isso que tenho a dizer e reafirmo que nós estamos juntas.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Deputada Benedita, por sua presença e por sua fala reconfortante. V.Exa. é uma mulher inspiradora, forte, aguerrida! Tenho certeza de que sua participação nesta reunião é essencial para as mães e para mim. Vá para os outros compromissos que V.Exa. tem, porque, como o Deputado Orlando disse, a Casa está de ponta-cabeça, e nós vamos tocando a reunião aqui. Obrigada por suas palavras, Deputada. Que sigamos juntos com V.Exa.! (Palmas.)
Dando continuidade à reunião, convido a fazer uso da palavra a Sra. Ana Paula de Oliveira, do Movimento Mães de Manguinhos, do Rio de Janeiro.
A SRA. ANA PAULA DE OLIVEIRA - Boa tarde a todas, a todos e a todes.
Quero agradecer a oportunidade de participar deste momento e de fazer uso da palavra.
Eu estou nesta luta há 9 anos. É uma luta, como sempre digo às nossas companheiras, muito árdua! A luta é árdua, mas precisamos estar à frente dela.
De antemão, agradeço à Débora porque, quando meu filho foi assassinado, ela e as mães do Movimento Mães de Maio foram as mulheres que me inspiraram e que me deram força. Na primeira vez que eu ouvi a Débora falar com tanta força, eu tive vontade de falar como ela. Pensei: "Eu também quero ter essa força. Eu também quero falar o que fizeram com meu filho. Eu também quero denunciar. Eu não vou deixar que meu filho seja apenas mais um número nas estatísticas da violência policial". (A oradora se emociona.)
Hoje eu estou aqui. Esta luta tem me sustentado, tem me dado forças, por conta de todas estas outras mães que estão aqui e de muitas outras que não têm a oportunidade de se manifestar. Eu estou aqui hoje porque vim trazer uma pauta muito séria, uma pauta que fala de vidas. Eu sempre digo que nossa luta é muito legítima, porque nós, mães que perdemos nossos filhos, lutamos por memória, lutamos por verdade, lutamos por justiça. Nossa luta é, acima de tudo, por vidas: vidas negras, vidas pobres, vidas faveladas, vidas periféricas.
Ao longo de 9 anos de luta, eu tenho me sentido mais forte, porque posso continuar sendo a mãe do Jonathan, um jovem de 19 anos de idade que foi assassinado 3 dias após o Dia das Mães, no dia 14 de maio. Neste ano completa 9 anos o assassinato do meu filho.
Esta luta traz para mim a oportunidade de continuar sendo a mãe dele, de continuar cuidando dele. É assim que eu me sinto.
É muito revoltante saber que os policiais que assassinaram nossos filhos seguem soltos. É revoltante saber que nós, mães, seguimos condenadas, para sempre, a viver sem nossos filhos. É revoltante saber que os policiais estão soltos, certos da impunidade.
15:35
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O que nos adoece é saber que eles continuam matando e que outras mães passam pela mesma dor. O policial que assassinou meu filho já respondia por triplo homicídio e por duas tentativas de homicídio — ele já tinha sido preso 1 ano antes. E qual é a resposta da Justiça? É um deboche a nós, um deboche à nossa dor!
Nesses 9 anos, nós vimos muitas companheiras e muitas mães adoecerem e morrerem, como a Vera e a Janaína, do Movimento Mães de Manguinhos, entre tantas outras mães. É por isso que nós estamos aqui hoje. Estamos aqui para pedir que este PL seja aprovado o mais rápido possível.
Nós não temos tempo. Mães não têm tempo! Assassinam nossos filhos, adoecem as mães, deixam todas nós num estado de total vulnerabilidade! Nós, mães que estamos aqui hoje, não temos um trabalho formal. Que patrão vai liberar a mãe de um filho assassinado pela polícia para viajar, para ir a outro Estado, para estar na militância? Portanto, este PL é muito importante.
Nós também precisamos nos sustentar. Muitas mães, depois de terem seus filhos assassinados, ficam na rua, ficam sem moradia porque perdem o emprego com o qual conseguiam se sustentar. Elas não conseguem mais manter suas atividades. As mães perdem seus empregos, adoecem, perdem a moradia, precisam viver de favor na casa de parentes ou de amigos.
Esta reparação precisa ser imediata. Esta reparação não pode esperar. Nós não temos tempo para esperar. Nós vemos a reparação como uma forma de não repetição. Nós não queremos mais mortes. Nós não queremos ver mais mães chorar, adoecer e morrer.
O sistema de Justiça precisa ser responsabilizado pelo que acontece com nossos filhos. É muito adoecedor para nós fazer todo um papel que deveria ser do Estado: o papel de investigação, de perícia do local, de ir atrás de testemunhas e conseguir que haja uma investigação, até porque nós sabemos que apenas 2% dos casos de homicídios cometidos pela polícia são investigados. Estes são exatamente os casos em que as mães não têm direito ao luto e precisam estar na luta. Estes casos não são investigados!
Quando as ações chegam ao Tribunal de Justiça, nós vemos mais criminalização dos nossos filhos, porque, para o Estado, não basta apenas matar o corpo dos nossos filhos. É preciso criminalizar, é preciso desumanizar estas vítimas, para tentar dar legitimidade aos assassinatos.
Nós não aceitamos isso! Nós não vamos dar nenhum passo para trás. Nós vamos seguir lutando. Pode ser que nós não estejamos mais aqui para ver o resultado desta luta, mas hoje, mesmo despedaçada, saber que, de alguma forma, nós, mães, contribuímos para que vidas negras, vidas pobres e vidas faveladas sejam preservadas é o que nos mantém em pé. Nossos filhos têm mães! E eles seguem tendo voz. (Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Nós ficamos aqui, na figura de Parlamentares, ouvindo estes relatos, tentando nos manter fortes, porque a luta continua.
Vocês, as vítimas diretas desta luta, estão aqui, de pé. Estão falando e transformando o luto em verbo, mas é muito difícil ouvir estes relatos. É muito difícil compreender a dimensão do que esta violência proporciona. Não é apenas a retirada de um filho, não é apenas o tombamento de um corpo: são todos os relatos que você nos trouxe, relatos do ônus que é causado e da perpetuação do Estado em continuar praticando o que vem praticando. Agentes públicos já foram identificados, condenados, mas seguem impunes, seguem matando vidas.
Recebam nosso carinho, nossa solidariedade, nosso abraço, nosso compromisso de continuar ao lado de vocês. Continuaremos lutando para que esses criminosos sejam responsabilizados. Continuaremos lutando para que haja algum tipo de reparação.
Como disse, muito bem, a Deputada Benedita da Silva, não podemos trazer de volta os filhos que se foram, mas é possível pensar em como tentar diminuir o sangue que ainda escorre e toda essa brutalidade que é lançada na vida das mulheres que perdem seus filhos, seus empregos, seus lares, seus companheiros, enfim, que perdem suas vidas de alguma maneira.
Sigamos lutando, sigamos acreditando na Justiça e acreditando que é possível mudar estas realidades.
Quero registrar a presença da Deputada Fernanda Melchionna e da Deputada Reginete Bispo.
Tenho a lista de alguns presentes: Lia Maria, da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos — SNDH; Pâmela Neiva, da ASPAR; Juliana Farias, da Fundação Perseu Abramo; Rosa Simiano; Maria Antônia Pereira; Caroline Bispo, do Elas Existem; Maria Cristina, do Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis; Maria Railda da Silva, da Associação de Amigos e Familiares de Presos — AMPARAR; e Miriam Duarte Pereira, também da AMPARAR.
Passo a palavra à Deputada Erika Kokay, que a havia solicitado porque precisa se ausentar.
A SRA. ERIKA KOKAY (Bloco/PT - DF) - Primeiro, expresso minha solidariedade e minha gratidão a estas mães pela sua coragem. Penso que mãe tem coragem de nascença.
Aqui eu ouvi uma fala: "Ele tem mãe e, porque tem mãe, continua tendo voz". Mas continua tendo pernas para caminhar. Continua também tendo o pulsar do próprio coração, que é a luta de cada uma de vocês, a luta das mães para que se faça justiça, a fim que o País nunca se acostume com o fato de que há meninos portadores de corpos que sempre acolhem balas, que, digo, nunca são perdidas. As balas não são perdidas: elas sempre atingem os mesmos corpos.
Nós precisamos dar um basta a esse nível de violência, violência que atinge nossos jovens, nossos jovens negros, nossos jovens de periferia, de regra. Nós precisamos dar um basta, porque senão tudo isso vai se naturalizando. Nós não podemos naturalizar esta barbárie.
15:43
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A Deputada Benedita falava o que todas nós sentimos. Uma mãe consegue intuir a dor de outra mãe que nunca mais vai ter seu filho ou que nunca mais terá o seu filho da forma como o teve antes. Ele nunca sai de dentro de nós, nunca, nunca. Como diz um poeta, não é verdade que a saudade é uma ausência, a saudade é uma presença. É em função dos filhos e filhas que nós nos colocamos em movimento.
As mães não desistem nunca. A sociedade muitas vezes desiste, o Estado desiste, as mães não desistem. Por isso, elas vão transformando a realidade. São tantos meninos e meninas que poderiam estar conosco! O Estado os tirou e não foi responsabilizado. Não foi responsabilizado. Há que se responsabilizar o Estado para que não haja essa impunidade, uma impunidade que naturaliza a violência e, ao mesmo tempo, faz com que ninguém acredite no Estado Democrático de Direito e tenha coragem de seguir a luta que vocês têm.
Como você dizia, há muitas mães que ficam com receio de seguir adiante para proteger seus outros filhos e suas outras filhas. Vocês estão aqui para mostrar que nós vamos construir uma sociedade em que nenhuma mãe tenha que viver a dor e as lágrimas de perder seus filhos, como disse aqui a Deputada Benedita, que nenhuma mãe tenha que vivenciar isso, e que o Estado não viole a própria vida e seja o agente de tanta dor, o agente de tantas violências e de tanta morte. O Estado deve servir para proteger, ele não pode servir para provocar dor.
São, via de regra, os úteros negros, Deputada Erika, que choram — os úteros negros —, mas não choram sozinhos, não choram. Vocês aqui estão construindo um processo em que cada uma segura a mão da outra para mostrar que há muita coragem, há muita determinação e há muita busca por justiça na luta de vocês.
Por isso aqui eu me solidarizo e, ao mesmo tempo, expresso a minha gratidão pela luta de vocês, para que nunca mais tenhamos que chorar e possamos, em verdade, abrir um mundo novo. A luta de vocês vai abrir um mundo novo, vai abrir um mundo novo. Como disse a Deputada Benedita, os meninos podem não voltar, os nossos filhos e filhas podem não voltar, mas voltam. Quando se faz justiça, vocês vão nos dizer que foi em nome deles que vocês seguiram adiante e mudaram a realidade tão doída das mães.
Parabéns, Deputada Erika Hilton!
Obrigada pela luta de vocês.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Deputada Erika Kokay.
Sim, de fato têm a nossa gratidão e a nossa admiração essas mulheres que, mesmo diante do descaso e até mesmo, às vezes, não acreditando que a justiça vai ser feita, não desistem, seguem na luta, seguem gritando e acreditando, sim, que é possível alcançar essa justiça que parece muitas vezes inalcançável diante de tanta negligência.
15:47
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Acho que a sua fala com relação ao Ministério Público, Débora, também é importante, faz-se necessária e denuncia a perpetuação dessas mortes por parte do Estado, que, além de atirar, ao apertar o fuzil, segue também matando com a força da caneta.
Passo, então, agora a palavra à Sra. Ruth Silva Santos, do Movimento Mães de Maio do Nordeste.
A SRA. RUTH SILVA SANTOS - Boa tarde a todos, a todas e a todes.
Agradeço a oportunidade de estar aqui. Agradeço ao Movimento Mães de Maio.
Sou integrante e coordenadora do Movimento Mães de Maio, do Nordeste, que fica situado em Salvador.
Também agradeço a generosidade desse projeto de autoria do Deputado Orlando Silva. Acredito que o povo paulista deve estar regozijado por ter um mandato que é tão necessário para os familiares de vítimas, como é o mandato do Deputado Orlando Silva.
Também agradeço ao Conecta, às pessoas que viabilizaram que nós pudéssemos estar aqui, porque para tudo há custo, há gastos.
Também agradeço à Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas.
Agradeço igualmente às Deputadas Erika Hilton, Erika Kokay e Benedita da Silva.
A fala da Deputada Benedita da Silva me sensibilizou muito. Eu não sabia que ela havia perdido um filho. Só uma mãe entende quando outra mãe perde um filho.
Há um livro da Lucinha Araújo, mãe do Cazuza, intitulado Cazuza - Só as mães são felizes. Eu me pergunto até que ponto as mães são felizes. Para mães de periferia, para mulheres pobres — eu vou falar no lugar de mulher nordestina, baiana que sou —, que felicidade é essa que o Estado não permite que possamos sorrir com os nossos?
A Deputada Benedita falou que há mães que nem mesmo enterram seus filhos, não dão um funeral digno. Eu sou uma dessas mães. Há 9 anos, no ano de 2014, fará 9 anos em outubro, no Bairro de São Cristóvão, em Salvador, em uma operação policial militar da companhia que fica no Bairro de São Cristóvão, simplesmente eles levaram o meu filho. Ele saiu de casa para comprar pão e nunca mais voltou. Mas Davi não voltou porque ele não quis voltar. Ele não voltou porque ele foi impedido de voltar. E é uma luta constante. É muito difícil você não saber o paradeiro daquele ser que você tanto ama, uma pessoa menor de idade, que não sabia nem mesmo ler ou se comunicar bem para poder retornar.
Depois de muita investigação, depois de tanto tempo, já com as esperanças perdidas — porque Davi não vai mais voltar —, ele volta para mim quando eu vejo outras crianças nascerem, quando eu abraço a minha neta que nasceu. Eu ganhei um novo amor, porque agora eu sou avó, estou preparada para ser avó. Eu o sinto voltando para mim através dos netos que estão chegando.
Ainda que o braço armado do Estado tente nos destruir o tempo todo... Nós sabemos quem são as pessoas que o Estado quer destruir: são gente como eu, como ela, como ela, como ela, como essa Deputada, nós sabemos quem são as pessoas. Desse plano mortífero que há contra nossos corpos nós sabemos. Mas ainda assim vocês nunca vão poder tirar o amor e o afeto que nós temos pela nossa família. Ainda que mortos, vamos continuar a amá-los, porque o meu filho não está morto, ele está vivo. E haverá justiça. Se não for terrena, nesse dia de quarta-feira haverá a justiça de Xangô, porque eu, como filha de Xangô, sei que essa justiça não vai falhar. (Palmas.) Kawó kabiesilé! Kawó kabiesilé! Kawó kabiesilé! Haverá justiça, sim! Não sei por que meios, não sei de que forma. Uma das formas de ter justiça é aprovar esse PL 2.999/22, que é tão necessário para mães, para familiares, porque não só nós mães adoecemos, mas também os nossos filhos, a nossa família. Eu tenho uma filha que era uma aluna excepcional na Universidade Federal da Bahia. Mas, quando aconteceu o assassinato, o desaparecimento forçado de Davi Fiúza, meu filho, minha filha não conseguia fazer as provas. E para uma menina que conseguiu fazer uma graduação no nível normal, que era de 4 anos... Passou 8 anos para se formar em jornalismo. Isso também afetou minhas outras filhas. Eu sou mãe de quatro meninas, e Davi era o meu único filho homem, e foi um filho planejado. Ele nasceu muito gordo, com 4,2 quilogramas, e teve um problema muito grave de saúde. Eu lembro que eu fui atrás da família e das pessoas para que pudessem doar sangue para salvar a vida dele. Quando a Polícia Militar, quando essa ditadura implantada no nosso País — e já cantava Cazuza que nós somos uma ditadura disfarçada de democracia... Porque a democracia nunca bateu a minha porta, a democracia nunca me deu bom dia. Mas eu espero que haja a aprovação desse PL. Ainda que nós mães não estejamos aqui em carne, o nosso espírito vai estar. E Xangô vai estar para cobrar. E assim será! (Palmas.)
15:51
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Então, eu agradeço. Eu espero que, de verdade, esse genocídio seja freado, porque nós não aguentamos mais perder familiares, não aguentamos mais perder filhos, nós não suportamos mais perder mães. As mães estão doentes, as mães estão morrendo com câncer nas trompas, nos ovários, câncer de mama, porque os cânceres que acometem as mulheres são cânceres nos aparelhos reprodutores.
E sabe o que é mais dolorido? É saber que a maioria de nós tem uma certa intuição, que é feminina, que nada vai acontecer. Por que será? Por que será que nós temos essa intuição? Há 17 anos aconteceu o Crime de Maio, uma das maiores chacinas contemporâneas da história do País, e não aconteceu nada, está arquivado.
E quem arquiva? O MP. Enquanto esse Ministério Público não for público, porque ele não é público, ele não atende aos nossos interesses... Nós sabemos a cor e o poder aquisitivo da parcela para quem o Ministério Público trabalha. E não somos nós. É por isso que o Ministério Público, com a sua caneta poderosa, continua dizendo aos assassinos, aos algozes, à Polícia Militar: "Continuem matando!", porque não acontece nada. Nada!
Aliás, ontem, lendo o Twitter, vi que um dos assassinos da Juíza Patrícia Acioli está lá no Rio de Janeiro, no quartel, ganhando 10 mil reais por mês. Gente, isso é um absurdo! Eu penso: se com uma Juíza acontece isso, com meu filho o que vai acontecer? O meu filho era zé ninguém, igual a maioria das mães que estão aqui. Para o Estado, nós somos ninguém. Mas para o Estado, porque nós sabemos de quem nós somos filhas e de quem nós somos filhos.
Eu não sou só filha de Edna Silva Santos e de Carlos Bonfim de Abreu. Eu sou filha de Xangô e de Iansã!
Eparrei! Kawó kabiesilé!
Obrigada. (Palmas.)
15:55
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Axé! Kawó kabiesilé! Eparrei! Oyá!
Que a justiça venha de onde tiver que vir, mas que daqui também venha. E que sejamos porta-vozes e agentes dessa justiça e da construção dessa justiça, da reparação desses danos, que não são reparados totalmente.
Doeu muito ouvir a senhora dizendo que esse era o seu filho planejado e que a senhora correu atrás de sangue, de vida, para o seu filho. E logo ali na frente veio esse Estado genocida, racista, cruel, violento, opressor e tirou esse filho da senhora.
Receba o nosso abraço, a nossa solidariedade e a nossa admiração pela força, pela coragem, pela garra com que a senhora segue falando, com que a senhora segue lutando, com que a senhora segue acreditando que as coisas podem, sim, ser diferentes, mesmo diante dessa realidade devastadora que nós estamos enfrentando no Brasil, em especial neste Congresso que segue sendo ainda branco, que segue sendo ainda cruel e sendo ainda um grande responsável pela perpetuação dessas tragédias e dessas desgraças que acometem a vida da nossa população negra no Brasil.
Muito obrigada, Sra. Ruth. Sigamos juntas!
Que o nosso empenho, a nossa luta, a nossa dedicação aqui possam surtir efeito na luta, na dedicação e na coragem com que as senhoras ocupam esta Comissão de Direitos Humanos hoje. As senhoras mostram que, sim, mesmo diante da dor e do luto que muitas de vocês foram proibidas de vivenciar, ainda há muita garra e disposição de seguir brigando não só pela vida dos seus filhos que já foram tombados, mas pelas vidas de muitos outros, para que assim não ocorra neste País, que segue ainda matando e perseguindo a nossa população.
Dando continuidade, quero registrar outras presenças: Keit Lima, da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas; Jolúzia Batista, do Centro de Estudos e Assessoria Feminista; Isabela Oliveira, da Conectas Direitos Humanos; Bela, da Iniciativa Negra; Juliana Borges, da Iniciativa Negra; Thayná, da Conectas; Luana de Oliveira, da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio; Maria Firmina, da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio; Renata Bahrampour, da Comunidade Bahá'í do Brasil; Luísa Guimarães, da Comunidade Bahá'í do Brasil também; Guilherme Pimentel, Ouvidor-Geral Defensoria do Rio de Janeiro.
Vou passar a palavra agora à Deputada Reginete Bispo. Na próxima rodada, passarei à Deputada Fernanda Melchionna.
A SRA. REGINETE BISPO (Bloco/PT - RS) - Boa tarde a todas e a todos. Boa tarde em especial para as Mães de Maio.
Saúdo a nossa Presidenta, que preside a sessão de hoje, a Deputada Erika Hilton.
Quero dizer que estou aqui emocionada, porque ouvi o depoimento das mães. Saber que o nosso País foi calcado, foi construído com o massacre permanente dos nossos corpos, sobretudo dos corpos negros, que hoje está tão naturalizado o assassinato de meninos e meninas negras neste País e que isso faz parte de uma política de Estado uma política de higienização, porque somos indesejados, porque ainda temos no nosso Brasil uma elite econômica que tem uma mentalidade escravocrata, que ainda acredita que nós estamos na senzala... E o nosso povo lutou por justiça e por liberdade. Nós somos pessoas livres. Não estamos mais na senzala. Muita gente morreu, muita gente lutou para nos tirar da senzala, e nós somos homens e mulheres livres.
15:59
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Eu tenho uma convicção aqui. Ao ouvir vocês, só reafirmo a minha convicção: a justiça é uma mulher preta. E a justiça neste País vai ser feita por mães como vocês, como nós, que tivemos que enfrentar todos os horrores da colonização, da dominação, da violência do Estado e do poder econômico, e que nos mantemos assim, lindas e íntegras. Vocês conseguem transformar a dor em luta, conseguem transformar a dor em esperança. Então, vocês são a esperança, a esperança que este País tem. A esperança de justiça vem das mulheres negras, que perderam os seus filhos, que perderam os seus sonhos, mas que se reconstroem na solidariedade, na luta.
Nós estamos aqui para isso. A Deputada Erika e tantas outras sabem que aqui nós somos exceção. Mas este espaço que nós ocupamos, que é um espaço de exceção, é um espaço de luta e de acolhimento. Então, vocês se sintam acolhidas como uma de nós. Aqui é um espaço de vocês, e nós vamos lutar para que este Congresso e todos os espaços institucionais tenham a coragem de fazer as mudanças que são necessárias.
Nós não podemos mais conviver com uma polícia que mata. Mata! O braço armado do Estado é a única força que tem poder de vida e morte sobre as pessoas e sai impune. Nós temos uma polícia que foi cotidianamente preparada para nos matar! E nos mata física e psicologicamente, porque o medo também mata. Quem é mãe de um filho preto aqui que dorme tranquila todo dia? Não há. Quem é mãe de filho preto que, quando seu filho sai para ir ao mercado, fica tranquila? Porque ela sabe que, se ele não vai ser abordado na rua, vai ser abordado dentro do supermercado.
Então, essa luta é fundamental! Essa é a luta justa, é a luta central, é a luta que vai mudar e transformar este País, em que mais de 60% da população é negra e está excluída de todos os espaços. E o Estado tem uma política de morte para essa população. A transformação e a revolução vão vir de nós, vão vir de vocês.
Por isso, eu saúdo, com muita emoção, com muito carinho, com muita esperança, esse movimento das Mães de Maio. Que ele se multiplique, e se multiplique por todo o País, que chegue ao coração de todas as mães, mas também de todos aqueles que têm poder de transformação para entender a democracia. Porque nós só vamos ter um Estado minimamente justo quando for corrigida essa distorção do Estado, que é racista, que é machista, que mata o outro, mata o diferente.
Nós somos a esperança. Vocês são a esperança. Então, são bem-vindas! Parabéns! Não sei se é o caso de parabenizar, mas parabéns porque trazem calor e esperança para nós, mesmo em meio a tanta dor.
O Deputado Orlando Silva estava aqui há pouco. Eu acho que esse PL é uma luta de todos nós. Vamos lutar para que ele seja aprovado. Aqui na Comissão de Direitos Humanos também chegou agora, recentemente, e eu já pedi a relatoria, o projeto que trata dos autos de resistência. Acaba que a polícia, em nome dos autos de resistência, justifica os assassinatos bárbaros que faz. Mas precisamos também, Deputada Erika, fazer um debate sério aqui sobre segurança pública. Eu sei que na Comissão de Segurança Pública não dá porque, infelizmente, um projeto de morte tomou conta daquela Comissão. Mas, por aqui, nós vamos fazer um debate sério sobre que segurança pública nós queremos. Nós queremos uma segurança pública que garanta que os nossos filhos saiam e voltem para casa seguros, uma segurança pública que esteja aí para nos proteger, como qualquer outro cidadão, uma segurança pública cidadã, comprometida com os direitos humanos e comprometida com a vida.
16:03
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Então, parabéns! Contem conosco. Nosso mandato está a serviço das mulheres, das mulheres negras, da luta antirracista de todos aqueles que foram invisibilizados e minorizados no Estado brasileiro. Então, parabéns, Deputada, pela proposição também. O nosso mandato está à disposição. A Comissão de Direitos Humanos, na qual eu tenho titularidade, componho, vai estar também muito atenta, batalhando para que nós possamos avançar num projeto mais justo, mais igualitário e mais solidário.
Muitíssimo obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Deputada Reginete, por sua contribuição, pelo compromisso. Juntas vamos nesta Comissão e também no Parlamento mostrar a esse Estado, que, como a senhora muito bem colocou, ainda enxerga o nosso corpo como se fosse um corpo que vive na senzala ou que deve viver às margens da sociedade, que a minha presença, que a presença da senhora, da Deputada Jack, da Deputada Benedita da Silva, destas mulheres aqui hoje significa a transformação e a reconstrução deste País! Nós já não estamos mais naquele lugar e hoje ocupamos assentos como Deputadas Federais nesta Casa para fazer justiça pelo nosso povo, para reconstruir essa história, para buscar essa reparação e essa dívida que a sociedade brasileira tem conosco.
Sigamos juntas, Deputada, e ao lado dessas mulheres. A senhora me parabeniza, mas os parabéns vão a elas, que nos procuraram, provocaram e chamaram para dizer: “É preciso discutir este projeto, porque a vida destas jovens continua sendo roubada em todos os cantos deste País, e não há justiça!” Mal ouvimos falar, passa-se o noticiário, mostra-se a desgraça e depois não se volta para dizer o que aconteceu, não se volta para mostrar quais foram os desdobramentos. Até porque todo dia há uma desgraça nova, e só se representa e se repete a desgraça. Nós estamos cansadas de ver apenas essas desgraças! Nós queremos assistir aos desfechos. Nós queremos assistir às respostas que o Estado dará a elas. Este é o compromisso que nós estamos firmando aqui, ao lado dessas mulheres, que levaremos ao lado do Deputado Orlando Silva, para que nenhuma mãe mais siga sem resposta e sem justiça da morte brutal e violenta dos seus filhos!
Lembro que essas mulheres são, em sua grande maioria, negras, pobres, de favelas, exatamente por conta da herança racista e escravocrata que ainda hoje impera no nosso País e é base estrutural e estruturante das políticas que nascem no Brasil.
Dando segmento, então, convido agora para fazer uso da palavra a Sra. Zilda Maria de Paula. (Pausa.)
Eu que chamei a Sra. Antônia? (Pausa.)
Então, desculpe. Convido agora para fazer uso da palavra a Sra. Antônia Assunção da Silva, do Movimento Mães do Amazonas.
16:07
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A SRA. ANTÔNIA ASSUNÇÃO DA SILVA - Boa tarde, senhores e senhoras, todos que se encontram aqui.
Muito obrigada, Deputada Erika Hilton. Obrigada à Débora, do Movimento das Mães de Maio, pelo convite.
Estou aqui para dizer que eu sou a Antônia Assunção da Silva, sou a mãe da saudosa Deusiane da Silva Pinheiro, assassinada no Amazonas, torturada e assassinada porque não concordava com a corrupção e o tráfico de drogas e madeira, porque ela era ambientalista. Minha filha era formada, como aí há uma foto. Ela era graduada e pós-graduada. Não concordava com a corrupção, pediu para sair do quartel e foi assassinada. Para você ver que as pessoas estão infiltradas em vários lugares. Como ela me falou, 30% da corrupção estava dentro da polícia ambiental e fazia parte do tráfico de drogas e madeira.
Eu quero dizer aqui que nossos filhos têm memória, nossos filhos têm voz. Enquanto houver um tio, uma tia falando, um irmão, uma mãe, nós estaremos lutando por justiça. E que essa justiça venha a chegar, porque só existe injustiça. Esses crimes bárbaros só acontecem porque não há justiça. Só existe injustiça, justiça não. A justiça nunca chegou à maioria das pessoas. Eu nunca precisei da Justiça e quando eu precisei, a Justiça falhou comigo. Então eu estou aqui para pedir que seja aprovada essa lei das Mães de Maio. Eu não vou falar PL. Vou falar uma lei que as mães de maio se juntaram para que saísse do papel e fosse colocada em prática não só em um Estado, mas em todos os Estados.
Eu vou falar uma coisa aqui para vocês que não tem nada a ver com isso aqui. Eu sou indígena. Nasci e me criei em uma etnia mura. Aos 8 anos de idade, quando eu não podia voltar para casa, quando caía um temporal dentro da mata, porque eu colhia castanha com a minha avó, nós tirávamos a roupa, colocávamos dentro de um saco preto, que era um saco de encerado, guardava a roupa para vestir no outro dia para conseguir trabalhar, mas isso aí não era uma dor, isso era um alívio, porque eu sabia que no dia seguinte eu ia estar renovada. Dor eu sinto hoje. Dor eu sinto hoje de saber que eu não posso tomar um remédio que vá passar a minha dor. Para uma dor física, você toma um remédio e uma hora essa dor vai passar. Uma dor espiritual não passa nunca. Você dorme e acorda com ela e não tem o que passe. Para amenizar nosso sofrimento, nós pedimos justiça pela memória dos nossos filhos. Que todas as mães venham alcançar essa justiça que eu almejo para minha filha.
Minha filha era uma mulher muito esforçada, uma mulher muito instruída, mas não concordava em participar de corrupção, porque ela era ambientalista e ela teve uma boa criação, porque ela foi educada e criada por mim, porque a educação não tem nenhum grau de instrução. A educação começa dentro da nossa casa. Por mais simples que seja, é dentro da nossa casa que começa a educação. Eu entendo que todas as mães que estão aqui educaram os seus filhos, mas, por não existir justiça nos nossos Estados, nossos filhos foram executados. Não é justo nós pagarmos as balas que matam nossos filhos, porque somos nós que pagamos os salários dos policiais. Quem matou a minha filha foram cinco policiais. Depois que a minha filha foi assassinada, eles foram promovidos, cada um, três vezes. Então, isso não é justo comigo e com nenhuma mãe que se encontra aqui. Nós pedimos justiça. Só existe injustiça, porque não há punição para esses crimes, e eles continuam aí como se nada tivesse acontecido.
16:11
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Obrigada a todos e a todas.
Muito obrigada, D. Erika. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - D. Antônia, primeiro, eu peço desculpas à senhora por ter saído durante a fala da senhora. Eu precisava muito ir ao banheiro.
Também peço desculpas à senhora em nome do Estado, que, como a senhora disse, conseguiu ainda promover três criminosos que levaram a vida... cinco criminosos... Cinco foram promovidos?
A SRA. ANTÔNIA ASSUNÇÃO DA SILVA - Eles torturaram ela e mataram. Quando eu recebi o corpo da minha filha, como está a foto aí, o dedo do pé dela estava quebrado, o corpo dela estava todo roxo, os pés dela ficaram roxos até no meio da canela. Eles torturaram a minha filha porque ela não quis participar da corrupção e mataram.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Receba os nossos pedidos de desculpas, em nome do Estado.
A SRA. ANTÔNIA ASSUNÇÃO DA SILVA - O Ministério Público do Amazonas é seletivo. Eles não fizeram nada até hoje.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - É duro, é duro. Faltam palavras para dizer qualquer coisa que possa consolar uma mãe que recebeu o corpo da sua filha da forma como a senhora descreve aqui, neste lugar.
Que possamos, a partir desses relatos que ficaram gravados, taquigrafados, conscientizar os Deputados desta Casa, para que se tomem medidas; que possamos conscientizar o Ministério Público do nosso País; que possamos conscientizar as corregedorias, para que responsabilizem esses criminosos, que não podem ser chamados de outra coisa. Não se pode eufemizar, não se pode relativizar a brutalidade desses agentes, que deveriam estar ali a serviço da população, que deveriam proteger a população, e não tratar a população, a filha da senhora, os filhos das senhoras, como trataram.
Que possamos, a partir deste encontro, que é, sim, marcado por muita dor, por muita lágrima, por dores que são irreparáveis — não há como reparar, não existe projeto de lei algum que possa corrigir essa brutalidade, que possa reparar essa dor —, que a partir dessa transformação de dor em força, em coragem e luta, o que nós pudermos fazer aqui faremos, para que outras mães não sintam mais essas dores e que para, no mínimo, as senhoras possam sentir justiça, possam sentir que de alguma forma, por menor que seja — porque será menor diante da dor —, algum tipo de reparação foi prevista, foi proposta, diante dessa brutalidade.
Receba o nosso abraço, receba a nossa solidariedade. Sigamos juntas. Que as senhoras não se sintam sozinhas, porque nós lutaremos do lado de cada uma das senhoras.
Muito obrigada pelo seu depoimento. (Palmas.)
Quero registrar a presença da Deputada Talíria Petrone, do Deputado Pastor Henrique Vieira e da Vereadora Monica Cunha, do Rio de Janeiro, do Movimento Moleque.
Eu assisti, no jornal de hoje de manhã, à entrevista que ela deu sobre um caso de influenciadoras que entregaram, no Rio de Janeiro, macacos de pelúcia e bananas para crianças negras na rua. Filmaram e disponibilizaram essas imagens na Internet. É algo de revirar o estômago, de uma nojeira que é indescritível e que acaba também alimentando e sustentando o que ouvimos aqui hoje. É realmente a relação do racismo, é a forma como enxergam e lidam com o nosso corpo que legitima a brutalidade. Pode parecer algo menor, mas não é. Se nós não repararmos o racismo nas suas estruturas mais profundas, nós não iremos conseguir coibir a violência do genocídio. O genocídio é a última escala. A execução e o tombamento do corpo são o ápice, mas a violência começa com práticas criminosas, repugnantes e asquerosas como essas que foram reproduzidas hoje na televisão brasileira, de mulheres fazendo chacota, ridicularizando e expondo crianças negras.
16:15
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Então, aproveito esta audiência para também registrar o repúdio desta Comissão a esse ato criminoso que envolveu crianças negras lá no Estado do Rio de Janeiro. (Palmas.)
Passo a palavra agora à Deputada Fernanda Melchionna.
A SRA. FERNANDA MELCHIONNA (Bloco/PSOL - RS) - Querida Deputada Erika, eu quero cumprimentar a todas e dizer que cada uma das tuas palavras, na condução da Mesa, requerente que foi da nossa audiência, representam-me, na sua bravura, na sua indignação e, ao mesmo tempo, na contundência com que tu tens acompanhado, e ajudado, e apoiado essa luta histórica, necessária e dolorosa da Ana Paula, da Antônia, da Débora, da Ruth, da Edna, da Zilda, das mães que nos acompanham aqui no plenário, num dia que fortalece o nosso compromisso, evidentemente, com essa batalha contra os assassinatos, por justiça, por reparação.
Mas, é óbvio, dói na alma ouvir cada um dos relatos de vocês. É uma dor incomparável a de quem perdeu sua filha, seu filho, vítima de uma guerra declarada do Estado contra o seu próprio povo, o que é mais perverso, doloroso e indignante, diante dessas raízes estruturais racistas e violentas contra o povo brasileiro, negros e negras, indígenas, trabalhadores e trabalhadoras, mulheres e homens pretos, favelados, que permeiam a maior parte dos relatos aqui.
Eu queria abraçar, primeiro, cada uma das mães e dizer que este projeto é muito importante. É um projeto muito simples, sem desmerecer o trabalho de ONGs, entidades, do Deputado Orlando Silva, mas que é o mínimo, é o mínimo, diante de o Estado tirar um filho de ti. É o mínimo o acompanhamento, a reparação econômica, social, jurídica para essas mães — digo "mães" porque a maioria dos que encabeçam essa luta são mulheres —, para esses familiares que tiveram essa dor. É algo que, é óbvio, já deveria estar na legislação, além da luta justa por justiça.
Porque tu falastes muito bem, Deputada Erika Hilton, desses desdobramentos que nunca aparecem. Aparece o caso da brutalidade de Paraisópolis, aparece o caso de tantos massacres que vocês relataram e que ocorreram lá no Rio Grande do Sul, no ano passado. O jovem Gabriel, de 18 anos de idade, foi sequestrado pela Brigada Militar, espancado e encontrado num açude. É a dor da mãe e do pai que lutam por justiça e por câmeras, para que se possa ter um pouco mais de controle, para que haja a redução dos casos de violência e, é claro, o básico, para que haja responsabilização, para que o Ministério Público cumpra o seu papel.
16:19
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Eu acho que o mais grave é que 90% dos casos de violência, de assassinatos pela mão do Estado são arquivados, não chegam ao afastamento, nem ao cumprimento de medidas de privação de liberdade para o crime mais bárbaro, que é o da retirada de uma vida.
Então, eu quero, na verdade, abraçá-las e reafirmar o nosso compromisso, como mandato e como partido — e há vários Deputados e Deputadas aqui, do PSOL, que vão ter oportunidade de falar.
Nós vamos ter que montar uma estratégia, porque nós estamos num espaço, como muito bem trazido pelas Deputadas... Vocês viram a barbárie que ocorreu ontem durante a aprovação do marco temporal, que é um novo genocídio dos nossos povos originários e que é parte de uma estrutura de poder que não só não reconhece as violências do Estado contra o seu próprio povo, como também, na legislação, muitas vezes perpetua essa violência do Estado, como, no caso de ontem, contra os indígenas, com o marco temporal.
É preciso montar uma estratégia de sensibilização, de exigência, de cobrança, para que consigamos instalar a Comissão Especial e garantir que esse projeto tão importante seja aprovado no plenário.
Eu quero dizer que estou de corpo e alma com vocês, para o que der e vier, para essa batalha, para essa luta por justiça, na luta do abraço, do afeto, do carinho e também na luta de transformar o luto em luta aqui na Câmara dos Deputados. Contem com o nosso mandato, contem com o nosso partido nessa luta. Parabéns pela mobilização! Eu sei que é muito difícil. Eu imagino, porque saber nós não sabemos. É muito difícil transformar essa dor em luta. Vocês são um exemplo para outras mães, para que outras mães não vivam essa dor que cada uma de vocês viveu. Vocês têm lutado insistentemente pela memória, pela história dos filhos e para que isso não aconteça com os filhos de outras mulheres, de outras pessoas, para que mais cidadãos e cidadãs brasileiras não tenham a vida roubada pelo Estado brasileiro. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Deputada Fernanda Melchionna, por sua intervenção, por seu depoimento. Seguiremos juntas, seguiremos pensando essas estratégias de enfrentamento, para levar adiante esse projeto e as demais demandas que forem incorporadas e trazidas por essas mulheres, dentro deste lugar, que ainda é responsável por essa violência, que ainda pactua com essa violência, que ainda muitas vezes debocha, criminaliza, ridiculariza as vítimas dessas violências, que não são filhos, não são netos, não são irmãos, mas são bandidos, são criminosos, porque, por óbvio, é claro, o Estado não mata inocente, só mata quem é bandido. Na verdade, nós sabemos que ocorre o contrário disso. Os verdadeiros bandidos, muitas vezes, além de não estarem mortos, estão sentados nas cadeiras das Casas Legislativas do Brasil, no Poder Judiciário, em muitos outros espaços. É preciso que essa estratégia nasça, para que nós possamos levar isso adiante.
Dando continuidade, agora sim, passo a palavra à Sra. Zilda Maria de Paula, do movimento Mães de Osasco, de São Paulo. (Palmas.)
A SRA. ZILDA MARIA DE PAULA - Boa tarde.
São 8 anos nessa luta. De lá para cá... Não é história, é real. Eu sou a verdadeira realidade da cultura brasileira. Eu fui filha adotada. A minha mãe trabalhava como empregada doméstica, e eu fui criada em casa de família. E a história continuou.
16:23
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Eu sou mãe solo. Com 3 anos, eu me separei, e o meu filho foi criado numa casa de família. Ele teve mais sorte do que eu: eu não podia passar da cozinha, e o meu filho ia para a sala. Eu fiquei 43 anos nessa casa e foi difícil eu tomar pelo menos um copo d'água à mesa, com a minha patroa. Até hoje eu não... O meu filho comia na sala, à mesa, com eles. Eu falava assim: "O Fernando não vai passar vergonha. Ele sabe comer de faca e garfo", enquanto eu... É engraçado como é o destino: a filha da minha patroa passou a ir à cozinha para se sentar comigo à mesa. Porque eu criei os dois.
Como eu falei, a história se repete. Como a Ruth falou, o filho dela foi planejado. Eu planejei quatro filhos, para chegar a esse menino. Eu tinha abortos espontâneos. Foi quando eu descobri que tinha pressão alta. Aí, nessa última gravidez, desse moleque, eu fui internada no Hospital das Clínicas, até ter... Até outro dia eu falei: "Se eu soubesse, eu não teria feito... para a polícia matar ele depois". Eu costumo falar que o Estado me ajudou a pôr o meu filho no mundo, e ele veio e tirou o meu filho.
O meu filho foi executado. Meu filho tinha 1 metro e 90 centímetros. Mataram. Um PM e um GCM, em Osasco e em Barueri. Foi investigado — e era o tempo do Sr. Alexandre, que era o Secretário, e do Sr. Alckmin, que era o Governador —, e avisaram os batalhões que já tinham pegado os assassinos dos policiais, que já estavam presos. Até hoje estão presos. Eu não sei... Para mostrar o poder da farda, o poder da bala? Fizeram essa chacina. Pelo que nós sabemos, foram 20, pelo que sabemos, porque começou no dia 8. O negócio é tão cruel... Isso foi o próprio promotor e a investigação que falaram, que essa chacina foi planejada no cemitério, onde foram enterrados os PMs. Sei lá como que eu posso falar... Eu tenho sete enterrados no mesmo cemitério. Só na gaveta do meu filho estão sete moleques, fora os outros que foram para o interior. Eram meninos que vinham de Sorocaba, com a roupa do trabalho, com aquele uniforme. O meu filho tinha acabado de sair de casa para passar lá.
16:27
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O menino, dono do bar, tinha 19 anos. Ele tinha um corpinho assim... e foi peneirado. Quando eu fui ao pronto-socorro, estava o meu filho e esse moleque, e eu nem conheci o moleque. Era um moleque de 16 anos, gente, e estava sentado. Isso já no outro pedacinho do outro lado. Passaram e viram o menino de 16 anos. Ele olhou e estava em frente à sorveteria. Aí a mãe dele apareceu. Ela disse que já estava um pouco escuro, mas viu uma bolinha pulando. Quando todo mundo fala: "Chacina em Osasco!" Tá, é um tiro, mas ninguém sabe como aconteceu. Não é trauma o que eu estou fazendo. Aí a mãe dele falou: "Mas o que é aquilo que está pulando?" Aí alguém, não sei se foi um policial, sei lá, disse: "Não, senhora, a senhora não vai mexer nisso aí, não. São os olhos do seu filho".
Ela disse que jura — ela está viva e sã lá — que nunca imaginou, nem eu também, que os nossos olhos têm perninhas, que eu acho que eram os nervos. Dizimaram o corpo do moleque agora. Ela falou para mim: "Zilda, o corpo do meu filho estava lá. Tinha a tatuagem e tudo. Mas você sabe o que estava lá ainda? O buraco na testa, o buraco no crânio do meu filho".
O primeiro que morreu nesse bar, gente — são coisas que eu nunca contei —, foi um pai de santo, o Eduardo. Engraçado, eu não conhecia quase ninguém. O Eduardo vinha para Itaquera, ele, o companheiro dele e o César, que é um pai de santo que eu conhecia de vista. Então, o Eduardo foi tomar uma cerveja na porta do bar. E o César — às vezes, a gente fala que quem tem que morrer morre mesmo, não é? — teve uma diarreia e foi para a casa dele. Aí o companheiro do Eduardo atravessou a rua para perguntar para o fiscal a que horas o ônibus saía. Nesse intervalo, veio o famoso carro prata, que é famoso em todo lugar. E o meu filho tinha entrado no bar — ele gostava de maquininha, esse era o crime dele — quando chegou esse Marcão. As pessoas falam: "Ah, é porque é preto". Não, gente, não é porque é preto nem branco, não. Na hora em que os caras estão loucos, vai quem vem.
Isso apareceu até na Internet, mas, graças a Deus, eu não vi. Aí o Eduardo estava no bar e, quando ele foi pegar o primeiro copo para beber a cerveja, mataram o cara sentado. Entraram no bar. Esse menino do balcão levou 19 tiros, um molequinho assim, que você não dava nada por ele. O meu filho estava encostado, e o pessoal foi socorrer. Os meninos não viram sangue e falaram (ininteligível). Aí viram que tinha sangue.
16:31
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Agora, gente, tem o julgamento junto a nós, mães. A nossa arma é o quê? Uma bandeira de pano. Alphaville tem segurança. Eu não sei se alguém já foi no quarteirão do fórum, mas tinha moto, ônibus da Prefeitura, viatura da Prefeitura. Eu falei: "Nossa, Alphaville está sem segurança". E eles ficam de olho na gente...
(Gesto da oradora.)
Além de matarem o seu filho, eles ficam filmando você. Fora o que eu aguentei, porque fui testemunha do julgamento, em que o advogado falou... Fora o que eu aguentei...
Então, eu encerro dizendo que o que está mais me matando, gente, é que está chegando a hora da exumação. E eu não estou preparada para a exumação. Não estou, porque não foi aquilo que eu pus.
Então, é isso.
A gente está de pires na mão. Eu sou sobrevivente, já perdi mãe, estou perdendo pai, estou perdendo gente. A gente está de pires na mão. Estou com fralda lá para dar para uma mãe que saiu do hospital agora. Estou com criança de 10 anos que perdeu o pai e está fazendo tratamento no HC. Tem criança indo para psiquiatra e psicólogo.
Vocês não têm ideia do que nós aguentamos, do que nós temos que ver, e o Governo não vê.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Dona Zilda, é forte o seu depoimento.
A SRA. ZILDA MARIA DE PAULA - Não dá para você ter raiva, nem ódio, nem nada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Ver os relatos de uma mãe como os que a senhora descreveu é desolador. Não há palavras para descrever o que sentimos ouvindo e tentando imaginar o tamanho da dor desta mulher e da dor de vocês. De fato, só resta aqui mesmo o nosso compromisso e a nossa luta para tentar mudar e transformar essas realidades.
Nós vamos desfazer esta primeira Mesa agora e convidar a segunda Mesa.
A pedido do Movimento de Mães, eu comunico que algumas mães precisarão se ausentar para cumprirem agenda no Ministério da Igualdade Racial e também no Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Então, a esta primeira Mesa eu agradeço a coragem, o empenho, o compromisso, a valentia, a esperança, o trazer e o lembrar para este Estado e para esta Casa que os filhos das senhoras tinham mãe, tinham famílias. As famílias das senhoras seguem marcadas por essa violência, não apenas pelas vidas que foram tiradas, mas pelas que ficaram e pelas vidas das senhoras mesmas.
Fica aqui o nosso compromisso, o nosso cumprimento.
Sigamos! Sigamos juntas! Sigamos coletivamente! Sigamos empenhando os nossos esforços e a nossa força para que esse projeto saia do papel, torne-se uma realidade nesta Casa, para que a memória dos filhos e das filhas das senhoras jamais seja esquecida ou silenciada e para que os culpados possam responder pelos seus crimes.
Muito, muito, muito obrigada.
16:35
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Recebam o nosso abraço, a nossa solidariedade e o nosso compromisso de caminhar ao lado das senhoras nesta luta, que é não só das mães, mas também do Brasil, da democracia, do direito de que haja democracia, porque, quando um jovem ou uma jovem sai da sua casa e não volta, porque o Estado o matou, nós não temos, de fato, uma democracia plena no nosso País. Enquanto não houver democracia, nós não daremos um segundo de paz a esse Estado genocida e violento.
Muito obrigada. (Palmas.) (Manifestação no plenário: Sem anistia! Sem anistia! Sem anistia!)
(Não identificado) - Os nossos filhos têm voz!
(Pausa prolongada.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Vamos nos recompondo, retornando aos nossos assentos, para que possamos compor a segunda Mesa. (Pausa.)
Dando seguimento, então, ao nosso evento — a primeira Mesa já foi desfeita —, convido para compor a segunda Mesa os expositores: Lia Maria Manso Siqueira, Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. (Palmas.)
Ela está aqui? Onde está a Sra. Lia? (Pausa.)
16:39
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Chamo, então, o Sr. Marivaldo de Castro Pereira, Secretário Nacional de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (palmas); a Sra. Tamires Sampaio, Coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania — PRONASCI II (palmas); a Sra. Fernanda Balera, Defensora Pública do Estado de São Paulo; o Sr. Gabriel Sampaio, do Conectas Direitos Humanos. (Palmas.) (Palmas.)
Eu vou passar a palavra agora ao Deputado Pastor Henrique Vieira.
O SR. PASTOR HENRIQUE VIEIRA (Bloco/PSOL - RJ) - Sra. Presidente, primeiro, diante dos relatos, das memórias, das histórias, das lágrimas, eu quero registrar uma palavra de solidariedade às vítimas e às mães.
Eu lembro, Deputada Erika, acho que foi em 2016, que eu trabalhava na Comissão de Direitos Humanos da ALERJ com o então Deputado Marcelo Freixo. E esse genocídio, essa violência produzida cotidianamente, aparecia lá, não na forma de matéria de jornal, mas através das mães — sempre as mães —, mulheres, com esse relato, com essa dor. Lá, no início da minha militância, eu lidei diretamente, insisto, não com a métrica estatística ou a matéria, mas com essas pessoas contando essas histórias.
Eu lembro que no início, tentando entender e, como militante de direitos humanos, acompanhar, logo num dos primeiros atendimentos, eu tentando produzir uma palavra de consolo, falei para uma mãe assim, eu reconheço que disse isso com boa intenção: "Olha, estamos juntos. Vamos acompanhar o caso, em algum momento essa dor vai diminuir". Quando eu falei isso, a Mônica Cunha, que está até nos acompanhando, estava comigo. A Mônica perdeu o Rafael, vítima da violência do Estado, sumariamente executado, ela perdeu um filho. Ela colocou carinhosa e elegantemente a mão assim no meu ombro, interrompeu a minha abordagem e disse: "Não, não se trata de a dor diminuir, não se trata de a dor passar; trata-se da força, da coragem, da rede de consolo e afeto que nós vamos construir com essas mães para fazer dessa dor uma luta por memória e por justiça, para que não aconteça mais".
Depois de alguns anos, eu me tornei pai. Eu não sei o que é essa dor, mas, ouvindo vocês e lembrando da Mônica, eu sei que essa dor não diminui ou passa. Essa dor se ressignifica e se transforma em luta. Por isso, minha primeira palavra é de muito respeito e de muita solidariedade. Coloco o nosso mandato à disposição de vocês para essa agenda.
16:43
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Eu estou, Deputada Erika, como V.Exa. tem acompanhado, na Comissão de Segurança Pública. Toda a pauta de segurança pública gira em torno de letalidade, de ampliação do encarceramento e de maior estado penal e punitivo, especialmente contra pobres, negros, moradores de favela, de periferia e de rua. É uma lógica manicomial, penitenciária, punitiva, de naturalização dessa barbárie.
Eu costumo dizer que mais absurdo do que o absurdo é quando o absurdo deixa de ser absurdo, ou seja, quando ocorre a naturalização dessa barbárie. Era para este País parar só com a notícia de que a cada 28 minutos um jovem negro é executado. Ocorre que o racismo não somente mata, o racismo cria a cultura que naturaliza e deseja essa morte. Por isso, a tarefa é árdua e é grande.
Eu queria colocar o nosso mandato à disposição, inclusive na Comissão de Segurança Pública, para pensar uma segurança pública baseada nos direitos humanos, para pensar no contexto da estrutura da desmilitarização das polícias no Brasil, para pensar em formação em direitos humanos e letramento racial para todos os agentes de segurança pública do Brasil, para pensar em controle social sobre a segurança pública e para pensar o Ministério Público, porque muitas vezes a polícia mata, o MP enterra o assunto e parte da sociedade se silencia ou aplaude. O sistema de justiça é racista. O genocídio da juventude negra não é o sistema dando errado, é o sistema dando certo — ele é feito para prender, matar, silenciar, naturalizar e desejar essa morte.
Nós estamos aqui com mais um mandato, nessa perspectiva de direitos humanos, para ampliar, na institucionalidade, a voz dessas mulheres, não apenas para reverberar, mas para pautar legislação em política pública e assim termos controle social sobre as forças de segurança, com um plano de redução da letalidade. Não queremos que o destino das nossas crianças e adolescentes, especialmente da periferia, da favela, seja a prisão, o caixão ou o manicômio.
Portanto, manifesto uma palavra quase silenciosa de solidariedade. Uma rede de Parlamentares aqui quer defender essa pauta para que essa dor não se atualize mais. Eu me permito sonhar com o fim dessa dor. Isso dá sentido à minha vida.
Um fraterno abraço, um solidário e generoso abraço, um amoroso abraço. Contem conosco.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Deputado Henrique, pela sua fala, pelo seu trabalho e empenho na Comissão de Segurança Pública, que, como nós sabemos, tem sido tomada por uma corja bastante complexa e perigosa no que diz respeito a esta agenda, a este debate. Não tem sido fácil. V.Exa. lá é um ponto de luz, de esperança e de coragem para que possamos, enfim, dar encaminhamentos devidos a essa problemática.
Nós estamos com um problema de tempo. Eu vou pedir que vocês, se puderem, se atenham ao relógio. Isso seria bastante generoso. Depois vou tentar resolver esse problema.
Passo agora a palavra à Lia Maria Manso Siqueira, Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
16:47
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A SRA. LIA MARIA MANSO SIQUEIRA - Antes de tudo, quero agradecer a iniciativa desta audiência pública à Deputada Erika Hilton e também ao Deputado Orlando Silva em razão do PL apresentado, mas sem deixar de reiterar aquilo que foi colocado extensamente pelas mães que me antecederam na Mesa.
Essa é uma construção popular, é uma construção democrática. O Projeto de Lei nº 2.999 vem como uma eclosão, como significação dessa luta popular de mães. Isso vem de um lugar de educação em direitos humanos, de construção em direitos humanos, que não se dá a partir de uma perspectiva democrática, mas, sim, em razão de um histórico, de uma realidade e da presença de um Estado que ainda opera pela força violenta, pelo seu braço violento.
Parabenizo a luta de vocês. Parabenizo a luta de todas as mães — as Mães de Maio, as Mães de Osasco, as mães do Movimento Moleque, as Mães de Acari, as Mães de Manguinhos. Todos esses movimentos constroem politicamente a redemocratização do Brasil, que é um fazer e uma obrigação nossa como Estado, colocada como principiológica dentro da reconstrução do Estado brasileiro, a partir do início deste ano.
Parabenizo essa iniciativa, antes de tudo esse PL construído belamente pelas mãos de tantos saberes que vêm desse lugar de exercitar aquilo que o Estado brasileiro deveria estar exercitando quanto às suas forças dentro do sistema de justiça, no que diz respeito à perícia, ao acompanhamento e ao acolhimento de outras mães, de outros familiares dentro de uma dinâmica de violência. Então, o parabéns vem desse lugar de luta e de resistência.
Nós não podemos nos limitar a esse parabéns como composição do Estado, até mesmo porque cabe a nós a responsabilidade de cobrar e de sermos operadores da reconstrução da justiça de transição, daquilo que nós estabelecemos como vogal para a justiça de transição, que é o mínimo, é o necessário e é o justo quanto à construção democrática e ao enfrentamento ao racismo estrutural.
Como representante do Ministério dos Direitos Humanos, recuperando a fala do Ministro Silvio, quero reiterar o valor das mães, o valor do movimento popular na luta, no enfrentamento da violência de Estado, que é essencial para nós. Por isso mesmo, nós vimos pensando, o Ministério dos Direitos Humanos especificamente, na Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, à qual estou ligada na instância da Diretoria de Defesa. Nessa diretoria existe a Coordenação de Segurança Pública e Direitos Humanos, que tem como atribuição institucional a construção de diretrizes de formulação de políticas públicas relacionadas à segurança e direitos humanos, a coordenação da aplicação dessas políticas públicas e da garantia de direitos humanos. Ali se define como prioridade também a reformulação daquilo que o Estado estabelece, defende e apresenta à sua população como bens e serviços no que diz respeito ao acesso a direitos humanos.
Nós estamos aqui porque cabe a nós também, na Secretaria Nacional, nessa tarefa de reconstrução do Brasil, estabelecer o mínimo e o necessário de maneira célere, ainda durante este ano, a escuta, o primeiro patamar da construção de uma política pública de reparação interna — as diretrizes — no que diz respeito ao enfrentamento das violências institucionais, que é atribuição da nossa Secretaria.
16:51
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Portanto, quero afirmar este compromisso com o movimento de mães: amanhã, o Ministro Silvio Almeida participará de uma reunião com as mães. Será uma reunião extensa para escuta e também para a construção desses primeiros patamares das diretrizes das políticas de reparação.
Quanto ao PL 2.999/22, é importante reiterar e ressaltar como ele é essencial para também fazermos esse diálogo entre o Executivo e Legislativo no que diz respeito à construção de uma política pública transversal para atender casos de violência. O PL 2.999/22 não fala somente de reparação a partir do critério econômico, simbólico, pecuniário e de acesso à Justiça, acesso a serviços, quanto ao SUAS, quanto ao SUS, mas também apresenta um compromisso quanto à prevenção e à proteção. Esse compromisso também precisa estar estabelecido na nossa construção democrática dessa política pública transversal.
Por isso mesmo também temos estabelecido, nos programas prioritários do Ministério dos Direitos Humanos, um diálogo com as forças de polícia para pensarmos em protocolos para a redução da letalidade, principalmente o fortalecimento das ouvidorias externas. Essa é outra conquista também dos movimentos de mãe, dos movimentos de luta popular. As ouvidorias externas se fortalecem no Brasil a partir dessa luta.
Esta audiência pública não pode deixar de reiterar a presença das mães em tantas outras construções no que diz respeito ao processo penal, ao Direito Penal, que estão apresentadas. Nós operadores do direito e da força do Estado também temos compromisso político e democrático com a sua manutenção.
As audiências de custódia são um instrumento importante, apresentado e defendido pela luta anticárcere e pela luta de mães. Nós temos esse compromisso de manutenção e de aperfeiçoamento como Estado.
Outras demandas que estão por fazer, que estão por vir, como, por exemplo, o controle social das políticas públicas penais, também é necessário e é uma pauta do movimento de mães e dos movimentos populares. Nós, como Estado que visa reconstruir e enfrentar o racismo, também precisamos estabelecer como patamar mínimo na forma de prevenção como de não repetição.
Além disso, também como objeto de destaque do nosso Ministério, assumo o compromisso quanto à composição da assessoria para casos contemporâneos de pessoas desaparecidas, que está ligada diretamente à Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos. Nós estamos constituindo uma assessora especial para construção da política pública interna de reparação, que seja voltada também para o contexto das pessoas desaparecidas. Ademais, ressalto que a assessoria especial quanto à memória, à verdade e à justiça, que também tem feito um belo trabalho pensando o critério da memória e da verdade como um critério de não repetição e de reparação.
Eram essas as minhas considerações iniciais.
Obrigada, mais uma vez, Deputada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Somos nós quem agradecemos, Lia, a disponibilidade do seu tempo representando o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Que bom termos esses Ministérios compostos por pessoas que compreendem essa gravidade e essa problemática. Já não bastassem todos os ônus da história, nós ainda passamos por períodos bastante sombrios, que acabaram aprofundando ainda mais essas desigualdades, essas brutalidades e os conceitos raciais no nosso País.
16:55
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É muito bom ver os Ministérios sendo oxigenizados e um governo que está comprometido, preocupado em dar respostas e apresentar soluções a esse grave problema. Nós sabemos que não existe uma receita de bolo, senão já estaria resolvido, mas, com empenho, com diagnóstico e dedicação, conseguiremos minimizar e responder a essas lacunas construídas pelos processos escravocratas e colonizadores da nossa sociedade.
Quero registrar a presença de Akimisson Assunção Silva, do Movimento Mães de Maio; Maria de Andrade, Secretária de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança; Tamires Sampaio, que está sentada aqui à mesa; Marivaldo de Castro Pereira; Lara dos Santos, do meu gabinete; Tatiana Diniz; Miralva Alves, do gabinete do Deputado Estadual Hilton Coelho, do PSOL da Bahia; Sandra de Jesus, do Mães de Maio; Maria do Carmo Silveira, do Mães de Maio de Minas Gerais.
E quero passar a palavra agora...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - O Tal de Louko, da Associação de Loucos, também está presente.
Passo a palavra agora à Sra. Sandra de Jesus, do Movimento Mães de Maio, que pediu para fazer uso da palavra e, obviamente, o fará. Só peço que se atente ao tempo, por favor, por conta do horário. Fique à vontade.
A SRA. SANDRA DE JESUS - Eu sou Sandra. Eu sei o que eu sou. Eu não quero que vocês tenham pena de mim pelas minhas lágrimas. (A oradora se emociona.)
Minhas lágrimas são porque daqui a 10 dias fará 4 meses que meu filho foi ceifado de mim.
O que eu peço é que vocês olhem esse PL, porque é isto, é uma saúde emocional abalada, é uma saúde física em que o corpo entra em colapso a qualquer momento.
Eu descobri no dia 10 de fevereiro de 2023, através de uma rede social, o vídeo do meu filho, Luiz Fernando, sendo fuzilado pelas costas em uma avenida de grande nome na cidade de São Paulo. O meu filho não teve como reagir. Ele ouviu tiros e correu. O meu filho caiu no chão e levou um tiro, que eu chamo de tiro de misericórdia. Mas os agentes do Estado, não satisfeitos com aquele corpo após o tiro de misericórdia, negaram socorro. Eles mesmos viram que ele ainda tinha pulsação e eles mesmos impediram a médica do SAMU de tocar o corpo do meu filho, fora outras coisas que estão na investigação.
A Deputada Fernanda Melchionna falou das câmeras. O crime do meu filho foi filmado tanto por pedestres e moradores de prédios quanto pelas câmeras dos policiais. Mesmo assim, eles desligaram as câmeras. Isso está no inquérito, está provado que eles se reuniram para darem o mesmo depoimento na delegacia. Durante 3 ou 4 vezes eles fizeram isso.
Que lei é essa? De que adianta eles terem uma câmera no uniforme, terem as imagens, e um secretário de segurança falar que não iria afastá-los. A palavra dos policiais, dos agentes de segurança, hoje no Brasil, no Estado de São Paulo, vale mais do que as imagens, vale mais do que as provas, vale mais do que tudo.
16:59
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Eu sou uma mãe de maio porque, na segunda-feira, eu fui tirar a minha vida, e a D. Débora foi a primeira a me ligar dizendo que eu não estava só. E é triste saber que eu não estou só. É triste saber que essas mulheres estão lutando há 18 anos. Eu vejo cada uma mais sofrida do que a outra. Eu vejo cada uma mais judiada pela vida, pela saudade. Eu não como direito, eu não durmo direito. Eu perdi a minha vida junto com a do meu filho, e o mínimo que o Estado tem que dar para nós mães é a resposta, é a verdade, são as investigações, são médicos.
Eu não tive nada disso. O Estado até hoje não me procurou. É através das Mães de Maio que eu tenho uma psicóloga. Que Estado é esse? Por que o agente de segurança tem o poder de fazer o que quiser, atirar como quiser, tirar vidas, ceifar vidas e não ter punição? Por que eles são acima? Por que eles são melhores que nós? Por que eles são melhores que nossos filhos? Eles são civis como nós. Somos nós que pagamos o salário deles, e eles estão intocáveis. Isso não pode mais acontecer.
Eu peço para vocês que olhem por nós, porque nós precisamos que isso acabe.
Não adianta a câmera, se eles desligam e olham as imagens. Que controle é esse? Para que adianta, se eles tampam? No momento do último tiro que tirou a vida do meu filho, ele tampou a câmera, colocou a mão na frente, apoiando o braço na frente.
Olhem por nós e aprovem esse projeto, porque o mínimo que o Estado nos deve é um pedido de desculpas e um basta. Chega de tirar vidas de jovens adolescentes periféricos! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, D. Sandra, pelo seu depoimento cheio de emoção e, ao mesmo tempo também, cheio de coragem e de disposição para seguir lutando. Receba o nosso abraço, o nosso lamento pela ausência de tranquilidade e de paz que isso trouxe para a vida da senhora. Saibam que seguiremos, sim, aqui, tentando, gritando para que esses olhos possam ser voltados a vocês.
Que bom que a senhora trouxe esse seu depoimento sobre as câmeras que acompanham os uniformes dos agentes públicos para que se demonstre também que não basta apenas que haja câmeras. É preciso que se tenha algo a mais, que falta para que de fato essa responsabilização possa ocorrer.
A Mesa tem representantes do Governo, do Poder Executivo, e está aqui tomada. No que depender de nós, seguiremos atuando e lutando firmemente para que este projeto do Deputado Orlando Silva saia do papel, tome corpo, tenha força para ser votado e aprovado, porque essas reparações mínimas, como muito bem a senhora coloca — são mínimas —, são urgentes e necessárias.
Muito obrigada, Sra. Sandra.
17:03
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A SRA. MARIA CRISTINA QUIRINO - Tem que haver um controle rigoroso das câmeras, rigoroso. E mais que isso: tem que haver punição para os que tampam as câmeras, porque eles, mesmo com câmera, matam nossos filhos. Isso não pode ser permitido.
Eu estou falando isso porque também sou mãe de uma das vítimas do massacre de Paraisópolis. Desculpa interromper, mas eu não me conformo. Faz 3 anos e 6 meses que meu filho foi assassinado, junto com mais oito jovens, e ainda não houve uma audiência. A primeira audiência vai acontecer dia 25 de julho. Hoje eu trabalho no caso do meu filho, eu não tenho mais psicológico para ver tantas coisas, tantas, tanto descaso com a morte dos nossos filhos.
E isso que as Mães de Maio estão pedindo não é reparação, nunca será; é uma retratação mínima da sociedade civil, para que possa pelo menos parar de matar.
Olhem aqui a mãe que eu conheci, recentemente, num evento de saúde mental, gente, a Sandra.
A SRA. SANDRA DE JESUS - Vocês sabem onde nós passamos o Dia das Mães? Num cemitério. Num Cemitério. Nada que o Estado for dar para nenhuma de nós é o mínimo pela vida dos nossos filhos.
Vocês sabem quanto vocês têm em suas contas no banco? Quanto vocês dariam pela vida do filho de vocês? Digo: se vocês pensaram num valor, vocês não serão mãe. Eu, a Cris, e todas as Mães de Maio daríamos a nossa vida, estaríamos no lugar dos nossos filhos.
Não é justo conosco sermos tratadas como lixo, como bicho. É isso que a sociedade acha de nós.
O vídeo da morte do meu filho tem mais de 100 milhões de visualizações. O que disseram é que quem atirou no meu filho merece medalha. Os que mataram o filho da Cris ganharam medalha. Esse não é o Brasil que eu quero. Esse não é o País que eu quero. Isso precisa mudar. Isso precisa parar. Chega!
Não somos coitadinhas, não. Estamos sofridas. Todos os dias, não tem um dia, uma hora... Se está chovendo, eu me pergunto: como estaria meu filho? Esperamos. Quando ouvimos "mãe", olhamos mesmo sabendo que não é nosso filho, e sentimos um vazio. Quando estamos com fome, não conseguimos comer, porque sabemos que nosso filho não vai poder comer. Eu não consigo comer um macarrão, porque era o prato preferido do meu filho.
E o Estado é negligente, está nos adoecendo. Eu conheci mães que estão adoecendo, que estão morrendo. E estão chegando mais mães. Eu sou a mais nova, a última mãe de maio. Eu estou com vontade de gritar, de dizer: chega! E as que se calam? Mesmo assim, eu estou adoecendo, mesmo colocando para fora. Temos que dizer: gente, chega! Bandido bom não é bandido morto. Jovem da periferia não tem oportunidade. Tem que olhar para eles com mais carinho. Eles não têm cultura, eles não têm lazer, cinema, praia, viagem para fora quando querem. Eles têm muito pouco. Eles têm um baile, alguma coisa mínima para se divertir, e são taxados de marginais, vagabundos.
Chega! Nós somos trabalhadoras. Não trabalhamos mais não é porque não queremos. Como já foi falado aqui: que patrão quer uma funcionária nessa condição física, mental, que está bem e começa a chorar, que tem crises de nervoso e ansiedade?
Eu sei que a bancada que está falando agora é de formandos, mas nada que vocês falem vai trazer nossos filhos.
A SRA. BRUNA DA SILVA - Eles estão dando resposta.
A SRA. SANDRA DE JESUS - Nada que vocês façam vai melhorar a nossa vida. Mas queremos que vocês lutem conosco...
A SRA. MARIA CRISTINA QUIRINO - Que reavaliem...
A SRA. SANDRA DE JESUS - ...para que nós sejamos respeitadas. E chega de matar os nossos jovens!
17:07
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A SRA. MARIA CRISTINA QUIRINO - Eu quero só falar uma coisa aqui. Eram 38 policiais envolvidos na ação que matou meu filho e mais oito jovens — oito meninos e uma menina. Desses 38 policiais envolvidos, 13 foram denunciados, 12 por homicídio doloso, pelo Ministério Público, e um por uso de bomba, morteiro. Os outros seguiram impunes. Saiu daqui de Brasília, em 2019, um projeto de lei, que eu não sei explicar, sobre excludente de ilicitude. Por isso, não se pôde puni-los, mesmo com tantas imagens, com tantas gravações que a população fez naquele local dos abusos de autoridade que aqueles indivíduos estavam cometendo.
Então, eu peço também para que revejam com muita atenção esse pacote anticrime de 2019, porque está perpetuando a deliberação para matar. Pedimos que eles parem de nos matar, porque precisamos viver. É como disse a mãe daquele movimento das Mães do Ceará, que estava sentada aqui atrás, a periferia precisa viver. Eu sou de periferia, e precisamos viver. Eu tenho meus filhos para criar, nós temos nossos filhos para criar. Precisamos muito dessa paz pelo menos para tentar viver. Com a polícia dentro da favela matando, não conseguimos ter paz.
A SRA. BRUNA DA SILVA - Estivemos em Brasília para barrar esse PL. Nós conseguimos peneirar esse PL criminoso, que era do Sergio Moro. Peneiramos muita coisa. Se teve uma coisa que essas mães conseguiram, com a ajuda dos amigos daqui de dentro, foi barrar o excludente de ilicitude. Até que veio um Bolsonaro, com a pauta de novo em mãos, articulando-se, mas não passa, não passa, porque, enquanto houver mães na luta e mães aqui dentro ou lá fora, vamos continuar lutando.
Eu estava explicando para a Talíria que, há 5 anos, a Civil entrou no conjunto de Favelas da Maré, atirou no meu filho pelas costas, com roupa e material de escola. Meu filho me fez uma pergunta: "Mãe, o que eu fiz? A polícia não me viu com roupa e material de escola?" Até hoje, o processo não virou processo, está como inquérito. Há 5 anos, está como inquérito. Eles agora têm uma justificativa, que é caça às drogas. Não é guerra às drogas, porque o Estado entra nas comunidades, não apreende drogas, só apreende corpo e sangue, está entendendo? Quando falamos que não somos a favor de operação é por causa disso. Não apoiamos operação policial, porque toda vez que há uma operação é mais mãe chorando, é mais filho, e não aguentamos mais.
O Estado não apreende nada. O Estado só mata e deixa as mães doentes, mais mães na luta. Isso quando as mães chegam a vir para a luta, porque acho que não conseguem. Vamos para a rua para dar corpo e nome a elas. É uma forma de não adoecermos.
Então, estamos aqui pedindo isso para vocês, essa Mesa.
Muito obrigada por nos apoiarem, por nos ouvirem e por nos darem essa oportunidade. Queremos que esse projeto das Mães de Maio passe. Precisamos que esse PL seja aceito, porque somos mães na luta. Nós é que somos combatentes diariamente, botamos a cara, apontamos. Não estamos aqui para rir; estamos para falar. E não vamos dar nenhum passo para trás, porque cada vida ceifada dentro da favela e fora dela nos importa. Até o filho que não tem mãe para essas mães aqui importa.
Então, estamos aqui também para agradecer a vocês. Se vocês puderem ajudar a federalizar o caso do Marcos ou de tantos outros que precisam ser federalizados, que vocês nos ajudem, porque nossos filhos não voltam, mas ainda temos mais filhos e não queremos que o Estado faça de novo o que foi feito com o meu filho. Queremos que nossas crianças vivam.
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Eu costumo dizer que o nosso País vai ser um país de idoso, porque os nossos jovens estão morrendo prematuramente, rapidamente, ceifadamente, pela mão de quem deveria proteger e abrigar.
Era isso, meu amor.
Muito obrigada a vocês pela atenção.
Desculpa o desabafo. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - É difícil, é duro, e, de fato, vocês estão cobertas de razão quando dizem que nada repara, nada traz, nada paga, nada corrige, nada devolve, nada, nada...
O que está sendo discutido, tentado aqui é o mínimo para que vocês possam continuar vivendo a vida de vocês, acreditando. Quem sabe também, com isso, comecemos a pensar em mecanismos de frear essa violência, para que não continuem a crescer as Mães de Maio, para que parem de chegar as novatas, as novas mães. Não queremos mais que haja mulheres com essas bandeiras, mulheres com essas causas.
Seguiremos e caminharemos ao lado das senhoras na busca por justiça e na busca por reparação, aquela que for possível, o mínimo que for para essa dor que, de fato, como o Pastor Henrique Vieira colocou, e a Mônica Cunha muito bem o avisou, não passará. Não há projeto que tire a dor. Não há nada que arranque essa dor, mas estamos aqui para denunciar essa dor, para ouvir, acolher essa dor e para tentar, de alguma forma, encaminhar e dar resposta a ela.
Então, passo agora a palavra ao Marivaldo de Castro Pereira, Secretário de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - Obrigado, Deputada.
Muito boa tarde.
Quero transmitir o meu abraço e a minha solidariedade às mães que estão aqui, mais uma vez. É sempre importante estar com vocês, ouvir vocês.
Quero cumprimentar os companheiros e companheiras aqui da Mesa e dizer que é impossível vir da periferia, estar num espaço como gestor público e não ter como meta a luta pela interrupção do extermínio da nossa juventude, pela interrupção dos extermínios dos nossos irmãos e das nossas irmãs, que, pelo simples fato de serem negros, de serem pobres, são alvos de violência daquele que deveria proteger, daquele que deveria levar o serviço de segurança pública, o que é um direito constitucional.
Eu tive a honra, em 2012, de lutar nessa pauta ao lado do Gabriel Sampaio, que está aqui hoje, pela Conectas. Naquela época, tínhamos como bandeira, a partir de um diálogo com a D. Débora, lá em São Paulo, a bandeira do projeto de lei que colocava fim aos autos de resistência e obrigava que, toda vez que houvesse uma operação policial que resultasse em morte ou lesão corporal grave, fosse instaurado um inquérito, que fosse isolado o local e que fosse feita perícia. Parece o básico, mas até hoje isso não é realizado na maior parte do País, infelizmente. Não há investigação, não há apuração. O que há é um pré-julgamento e a mais absoluta impunidade.
Como uma das mães colocou aqui na Mesa anterior, é essa impunidade que leva a uma proliferação das mortes, é essa impunidade que faz com que cada vez cheguem mais mães, porque muitas vezes o policial que mata é o que mata muitas vezes. Não é toda a polícia... Você tem os policiais que matam, não são punidos e seguem matando. Temos esse problema. Há um problema grave de investigação. Há um problema grave de falta de transparência, de falta de controle.
17:15
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Como vocês mesmos colocaram, de lá para cá, de 2012 para cá, a situação aqui no Congresso piorou muito. Saímos de quase conseguir... Lembro-me de que estávamos eu e o Gabriel aqui brigando, junto com a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, o Ministério dos Direitos Humanos, todo o Governo, tentando pautar o projeto dos autos de resistência aqui. O Orlando, nosso guerreiro, já estava aqui lutando ao nosso lado. Quase conseguimos aprovar, não conseguimos.
Depois veio a ascensão da extrema direita, e tivemos que lidar aqui com a luta contra o projeto de licença para matar, apresentado pelo então Ministro da Justiça, Sergio Moro. Isto não pode ser esquecido: foi um ex-juiz que apresentou um projeto de lei que concedia licença para matar, mesmo diante do cenário de extermínio da juventude que estávamos vivenciando aqui.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - Exatamente, exatamente.
Felizmente, conseguimos segurar a licença para matar. Estavam aqui a Deputada Talíria, o Deputado Orlando e o Deputado Freixo. A bancada do PSOL lutou muito aqui para impedir que esse projeto fosse adiante. Felizmente, essa parte do projeto não foi aprovada.
Felizmente, conseguimos também derrotar a extrema direita nas urnas. Por muito pouco, derrotamos. Não conseguimos maioria aqui nesta Casa, mas conseguimos, pelo menos, tirá-los do Poder Executivo e interromper parte das barbaridades, parte dos crimes que eles vinham cometendo, no âmbito do Executivo. Crimes esses que tinham como vítimas, principalmente, o nosso povo.
Agora, neste novo momento, tenho a honra de estar lutando, mais uma vez, ao lado de vocês — desta vez, com a companheira Tamires, que está aqui do meu lado, Coordenadora do PRONASCI —, pensando, formulando políticas públicas que possam levar ao acolhimento dessas mães, mas principalmente políticas públicas, como a Sandra colocou, que possam interromper que cheguem mais mães. Não dá mais para a cada encontro termos uma mãe nova aqui. Isso tem que parar. Temos que interromper isso. O caminho para isso é termos um plano de redução da letalidade.
O Supremo Tribunal Federal já tomou uma decisão em relação ao caso do Rio de Janeiro. Já há uma decisão, no caso do Rio de Janeiro, que inclui a instalação de câmeras, mas é muito mais do que isso, vai muito além disso. Precisamos discutir como é que o controle externo da atividade policial vai começar a funcionar no Brasil. Vejam: ninguém está querendo punir o bom policial; queremos prestigiar o bom policial. Quando não há apuração, quando não há fiscalização, quem paga é o bom policial, porque ele acaba levando a culpa que o mau policial traz para a farda.
Eu queria concluir a minha fala fazendo uma homenagem aqui ao trabalho da Defensoria Pública, porque, se há uma instituição pública que está ao lado de todas as mães que eu encontro aqui, que está fazendo hoje esse trabalho de acolhimento, é a Defensoria Pública. Eu queria cumprimentar aqui a Dra. Fernanda e os defensores do Brasil inteiro, que fazem esse trabalho de acolhimento.
Uma das tarefas que o Ministro Flávio Dino nos determinou é que busquemos, junto com a Defensoria Pública, ampliar essa política de acolhimento, apoiar a Defensoria Pública, para que consiga atender essas mães; que interrompamos a chegada de mais mães. No entanto, se elas chegarem, que tenhamos uma política pública de Estado que dê acolhimento e que consigamos avançar em mecanismos de fiscalização, controle e punição para interromper esse cenário.
Amanhã, nós estaremos juntos no Ministério da Justiça. O Ministro Flávio Dino fez questão de colocar na agenda a recepção de vocês. Vamos aprofundar esse diálogo e ver que políticas públicas podemos fazer para apoiá-las nessa luta, que é muito mais por outras mães, porque a dor que vocês têm nada pode apagar, nada pode interromper. E vocês são heroínas por estarem aqui pensando nas mães que esperamos não formem outras entidades, não sofram a mesma dor de vocês. Vocês estão aqui pensando nas outras, e isso é muito digno, é muito bonito.
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Eu quero parabenizá-las e dizer que vocês são motivo de inspiração para todos nós.
A SRA. BRUNA DA SILVA - Eu acho que seria importante se esse tipo de trabalho empregasse uma mãe dessas, porque cada mãe dessas iria fazer esse trabalho bem feito. (Palmas.)
O SR. MARIVALDO DE CASTRO PEREIRA - Excelente!
A SRA. BRUNA DA SILVA - Não falo de vocês, podem falar em nosso nome, mas a legitimidade de fazer esse trabalho de monitorar o Estado dentro de favela e de periferia é nossa, é dessas mães que estão na linha de frente, porque monitoramos. E vamos monitorar, e não fazer como o MP, que bota pitbull solto sem coleira na comunidade, e ninguém olha.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Tem a palavra a Deputada Talíria Petrone.
A SRA. TALÍRIA PETRONE (Bloco/PSOL - RJ) - Gente, eu tenho que ir à CPI do MST. Ali está terrível também. Mas eu queria deixar aqui o meu abraço.
Eu falava com o Deputado Orlando que esse é meu sexto ano aqui. Fui reeleita. Este é o primeiro ano do meu segundo mandato. Acho que participei de mais ou menos quatro encontros com mães que são vítimas do Estado, porque as mães são vítimas do Estado. É desesperador, porque, a cada encontro, há mais uma mãe, há mais duas mães. E as mães repetem as suas histórias, mais adoecidas, mais sem perspectiva. Então, é muito desesperador.
Acho que vivemos um período muito duro no nosso País nos últimos 4 anos, mas precisamos reconhecer que a violência do Estado por meio da força policial, do seu braço armado não começou nos últimos 4 anos. Nunca houve a interrupção dessa violência, mas nós temos uma oportunidade agora. Eu falo para esta Mesa, que hoje representa o Poder Executivo, que precisamos sair do lugar em que estamos. Tivemos um ataque muito duro às liberdades democráticas, mas não é possível haver democracia... Eu estava com um número aqui, que não lembro direito, mas, só no nosso Estado, no ano de 2022, mais de 1.230 pessoas foram assinadas pela polícia. Isso significa mais ou menos 30% das mortes violentas do Brasil. São filhos, pais, esposas, esposos, pretos, pobres, de favelas e periferias. É um ciclo desesperador.
Temos matérias que tramitam aqui, seja o PL que está sendo discutido agora, seja o PL Marcos Vinícius, que trata da redução da letalidade policial que chega a jovens e crianças, seja o PL para enfrentar, por exemplo, o reconhecimento fotográfico, para alterar o Código de Processo Penal. Há uma série de iniciativas que, em conjunto com o Poder Executivo, precisam...
Termino com isto, Deputada Erika: nada vai tirar a dor dessas mães! Nada! Eu sou mãe, tenho dois filhos. Meu menino está ali. Eu não posso imaginar, não sei o que é ter um filho arrancado. Foi assim com as mães no período em que o Brasil tinha a escravidão como lei. As mães pretas tinham seus filhos arrancados delas. Nós permanecemos fazendo isso há quase 5 séculos.
Então, não é reparação. Mas o mínimo é incidirmos com política pública para parar. Estou falando não só de Ministério Público, de controle externo, de perícia independente, de PLs que estão aqui e por aí vai, mas também de dar alguma assistência e dignidade às mães que já são vítimas.
17:23
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Recebam o meu abraço apertado como mãe. Vocês sabem que estamos juntas. Não existe democracia possível se isso não for tratado como centro da política pública para reconstruir este País.
Força para nós e, em especial, para vocês! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Deputada Talíria.
Eu quero registrar a presença do Vereador Guilherme Bianco, do PCdoB de Araraquara.
Integrantes da Mesa, vamos ter que lidar com uma limitação de tempo. Acabou de chegar para mim uma convocatória referente à CPMI dos atos golpistas de 8 de janeiro e de atos que antecedem o dia 8 de janeiro. Precisarei ir até lá. Não há ninguém aqui para me substituir na direção dos trabalhos, e eu não gostaria de sair antes de encerrar esta audiência. Como o intuito da reunião era ouvir as mães, e nós o fizemos, eu pediria a vocês que diminuíssem o tempo de fala, mas fizessem, no menor tempo que for possível, um encaminhamento, trouxessem alguma resposta quanto ao que foi colocado. Peço desculpas pelo atropelamento, mas essa não é uma coisa que está no meu controle, é uma coisa que está na ordem da dinâmica da Casa. Os Deputados estão indo, correndo, vindo e indo. Este é o meu pedido: vamos ouvir os oradores restantes, e, em seguida, concluir os trabalhos desta audiência pública.
Passo a palavra a Tamires Sampaio, Coordenadora do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania — PRONASCI.
A SRA. TAMIRES SAMPAIO - Boa tarde.
Vou ser breve, até porque vamos nos encontrar amanhã de manhã no Ministério. Quero parabenizá-los pela realização desta audiência.
Eu vim para cá pensando nas iniciativas que o Ministério da Justiça está organizando em relação aos projetos, e, ouvindo vocês, percebi que não há o que se diga aqui que vá de fato aplacar essa dor pela qual vocês passam. Mas eu queria só reafirmar o seguinte. A fala do Sr. Ministro Silvio Almeida foi lembrada, e o Ministro não disse "eu vejo vocês". Ele disse: "Vocês existem e são importantes para nós". Quando ele diz "vocês existem", na realidade ele está dizendo que nós existimos, porque o Silvio é um homem negro que virou Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania; assim como o Marivaldo é um homem negro e, hoje, é o Secretário de Acesso à Justiça; assim como eu sou uma mulher negra, jovem, e sou Assessora Especial do Ministro e coordeno um programa de segurança com cidadania.
Nós estamos vivendo um momento que é histórico no nosso País. O Brasil é um país em que 2/3 da nossa história foi marcada pela escravidão. Genocídio faz parte da fundação deste País: o genocídio dos povos indígenas, o genocídio do povo negro. O nosso povo foi objetificado e animalizado, e a nossa morte faz parte da agenda diária há mais de 500 anos.
Quando nós falamos do racismo estrutural, quando nós falamos do genocídio, às vezes nos perdemos com os números. "A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado." Isso é número, mas, na realidade, esse número se refere a pessoas, a filhos, a mães que morrem junto com esses filhos, a famílias que são destruídas. Não existe uma ação, uma política pública que tenha condições de reparar isso ou, de alguma forma, realizar um afago.
Mas a nossa presença no Governo Federal, após a vitória do Presidente Lula na eleição, a gestão do Ministro Flávio Dino na Pasta da Justiça e Segurança Pública tem como prioridade — era isto que eu queria dizer e nós vamos reafirmar isto amanhã — a luta pelo enfrentamento do genocídio, a luta pela construção de uma política de segurança antirracista.
17:27
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Eu sou coordenadora do PRONASCI — Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que tem cinco eixos prioritários de atuação. Vou falar só de dois deles: o eixo do enfrentamento do racismo estrutural e dos crimes dele derivados e o eixo do apoio às vítimas da criminalidade, com um foco especial em vítimas da violência doméstica e vítimas da violência estatal.
A partir desses eixos, temos construído ações no âmbito do Ministério da Justiça, com a Secretaria de Acesso à Justiça, com a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, com a de Segurança Pública e a de Políticas Penais para se realizar um processo de acompanhamento e para se evitar que mais mães e mais filhos sejam assassinados.
Amanhã vamos apresentar mais esse conjunto de ações, mas a ideia é retomar o Mulheres da Paz. Com o processo de retomada do Mulheres da Paz, com defensoras públicas agindo em defesa de direitos — sabemos que existem mulheres periféricas, como você comentou, que estão na luta diária —, nós estamos pensando em maneiras de fortalecer essas lutas a partir dessa retomada do Mulheres da Paz, como defensoras da política.
Temos programas de formação para os agentes de segurança pública, formação voltada para os direitos humanos, para a política antirracista, para uma segurança preventiva. Nós estamos construindo mecanismos para que o Ministério da Justiça e Segurança Pública garanta que os policiais, no âmbito federal, usem farda — inclusive, é uma atuação da Secretaria de Acesso à Justiça —, os policiais rodoviários federais, os policiais federais, os policiais penais federais, a fim de que, a partir disso, o Governo Federal dê exemplo quanto à atuação dos policiais e, assim, consigamos contribuir com os Estados e incentivar os Estados a também fazer uso de câmeras.
Não consegui falar sobre todos os tópicos, mas, amanhã, vamos estar lá junto com o Ministro e vamos poder conversar mais.
Eu quero só reforçar, mais uma vez, o compromisso do Governo Federal com o enfrentamento do genocídio e do racismo estrutural, com o acolhimento das vítimas e com a construção de políticas para evitar que mais violência e mortes aconteçam. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Tamires.
Não se preocupe, sabemos que é difícil dar uma resposta num período curto de tempo. Mas eu insisto para tentarmos fazer isso, senão vou ter que encerrar esta reunião sem ouvir todos da Mesa.
Passo a palavra para a querida Fernanda Balera.
A SRA. FERNANDA BALERA - Boa tarde a todas e a todos. É um prazer estar aqui.
Eu queria deixar um cumprimento especial para todas as mães, principalmente a Sandra, para a Cris, para a D. Débora, para a Cacá e para todas essas mulheres tão fortes que protagonizam essa luta por justiça no nosso País.
Correndo muito, eu quero dizer que sou Defensora Pública do Estado de São Paulo e, atualmente, coordeno o Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria. Em sua atuação, a Defensoria Pública acaba atendendo casos de muitas mães, individuais e coletivos, que envolvam letalidade policial. A nossa atuação busca sempre a responsabilidade estatal e a garantia de medidas de reparação para essas mães e as vítimas diretas dessa violência.
Nesse contexto, nós tomamos conhecimento do projeto de lei do Deputado Orlando Silva, a quem também cumprimento. É uma iniciativa inédita, porque foi construída junto com as mães e com a sociedade civil. A proposição, porque incorpora as demandas que as próprias mães trazem, é mais importante do que projeto que resulta em uma lei feita em gabinetes.
17:31
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Isso é muito relevante, porque, com base nos atendimentos que realizamos na Defensoria Pública, conseguimos perceber que a violência é muito mais profunda do que o momento da morte em si. Tudo o que as famílias passam no enterro, no IML, na exumação, como agora estamos vendo no caso de Paraisópolis, deixa marcas que só acentuam essa desigualdade e a dificuldade de acesso à Justiça e aos equipamentos públicos de saúde e assistência social.
Atendendo a esses casos também, vamos aprendendo que reparação civil não é suficiente, como o caso de Paraisópolis infelizmente me ensinou. Vamos aprendendo que câmeras corporais também não garantem que a polícia vai deixar de matar, como o caso da Sandra também me ensinou. Vamos percebendo a complexidade de lidar com esse processo e como precisamos de políticas públicas amplas, pensadas e construídas a muitas mãos.
Hoje, a realidade é que não temos um fluxo estabelecido entre os órgãos públicos e tampouco uma rede de atendimento especializada e estruturada para atender às vítimas de violência estatal. Para dar conta dessa complexidade, é especialmente necessário que as políticas públicas estejam voltadas para atender às vítimas de violência de Estado. Ela não está relacionada a qualquer vítima de violência. Quem é vítima de violência de Estado sofre uma violência ainda maior, porque o Estado é quem deveria nos proteger e garantir a nossa segurança. Então, quando o Estado mata, esse trauma é muito mais profundo. E percebemos, acompanhando as famílias, que os efeitos desse trauma também são amplificados, porque, para além desse ato de violência, falta atuação dos órgãos investigatórios, ocorre criminalização das vítimas, existe impunidade que costuma acompanhar essa experiência, fazendo com que o trauma só se prolongue no tempo. Some-se isso que não existe medida alguma de reparação.
Portanto, é de suma relevância a aprovação de um projeto de lei como este, para que seja construído um programa de enfrentamento que contemple uma atenção, de fato, multidisciplinar e que enfrente o racismo estrutural, a letalidade policial, a fim de que possamos viver numa democracia real neste País e não ocorram situações como as vividas pela Cacá, por Bruna, Sandra, D. Débora e Cris, que nos contaram sua realidade. Se é insuportável para nós, nem posso imaginar o que é para elas.
A Defensoria Pública vai continuar sempre à disposição para se somar a vocês nessa luta, para que não precisemos mais ter momentos como este.
Muito obrigada, Erika. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Falou na mesma velocidade em que eu falo naturalmente e ainda conseguiu cumprir o tempo.
Vejo que a Deputada Talíria retorna a esta audiência. Ela poderia assumir a direção dos trabalhos, e por isso eu lhe agradeço, mas não será necessário porque esta reunião logo será concluída. Após a manifestação de Gabriel Sampaio, vou devolver a palavra a uma mãe e, em seguida, encerrarei a reunião.
Passo a palavra a Gabriel Sampaio.
O SR. GABRIEL SAMPAIO - Boa tarde.
Gostaria de cumprimentar a Deputada Erika Hilton e parabenizá-la pela iniciativa de promover esta audiência pública.
Cumprimento todas as demais Parlamentares e também ressalto a presença do Deputado Orlando Silva e a recepção que deu a este projeto de lei. Lembro que o Deputado sempre foi muito responsivo às pautas e às demandas que nós da organização temos feito a ele, mas tenho que fazer um registro pessoal em relação a esse momento, em que ele foi mais responsivo. O Deputado, assim que recebeu o projeto, rapidamente o protocolou. Então, registro aqui o engajamento do Deputado.
Cumprimento as demais autoridades da Mesa ao cumprimentar meu amigo Marivaldo.
Mães, primeiro quero dizer que a luta que as mães promovem é a luta mais decisiva para o enfrentamento de problemas que também são estruturais da nossa Nação. A generosidade com que elas se colocam em luta faz com que nós, na posição de que somos sim protegidos pela sua atuação, tenhamos que reforçar a nossa atuação. Eu até me sinto um pouco constrangido de estar usando o microfone numa circunstância em que as senhoras são protagonistas. Mas usar aqui o microfone é simplesmente uma representação de um espaço em que dizemos quanto devemos às senhoras. E a nossa dívida tem que ser convertida em ação, só pode ser convertida em ação.
17:35
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Imaginem se nós integrantes de organização de direitos humanos teríamos alguma legitimidade para falar em direitos humanos no Brasil ou nos apropriar de qualquer pauta de direitos humanos neste País se não lidássemos com esse tema essencial. Como podemos falar em Estado de Direito, falar em direitos, falar em sociedade, falar em humanidade, falar em processo civilizatório se o Estado, quando mata, sequer presta atendimento, assistência ou apresenta um pedido de desculpas?
Nós somos parte desse Estado Democrático de Direito. Nós também devemos às senhoras um pedido de desculpas. Usar o microfone neste momento, que ficará registrado nos Anais desta Casa, é uma oportunidade de pedir desculpas, mas precisamos ser ativos em relação a essas desculpas, precisamos usar de todas as nossas forças militantes na sociedade para lutar ao lado das senhoras.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Obrigada, Gabriel.
Passo a palavra à Sra. Maria do Carmo Silveira.
A SRA. MARIA DO CARMO SILVEIRA - Meu nome é Maria do Carmo Silveira, mas sou conhecida como a Cacá do Mães de Maio, em Minas Gerais.
Eu venho falar em nome de mães que estão hoje no Estado de Minas Gerais. Meu filho foi suicidado dentro do CERESP Gameleira, no dia 14 de janeiro de 2014, quando ele estava completando 31 anos. Outro dia me vi com meu filho que não está mais comigo, e ele tinha 40 anos. Eu disse: "Meu Deus, meu filho faria 40 anos agora!" Há 9 anos não está mais entre nós, e o Estado não me deu resposta até hoje. Suicidou mesmo. Existem suspeitos, não há culpados, não há uma investigação.
Após 15 dias do meu Thiago, foi o Jefferson, da Cláudia. Aqui está a Maria Antônia, que tem um filho desaparecido. O delegado disse a ela que, quando achar os restos mortais, quando o cachorro achar, ele entrega para ela.
Já foi Deputado aqui Laudivio Carvalho, que, num programa de rádio em Belo Horizonte, diz: "O ar que ele respira me faz falta". É o do bandido. Meu filho era bandido. Todas as mães aqui foram à rua, foram à polícia. O meu estava dentro de um presídio, porque, infelizmente, ele quis trilhar um caminho que eu não preparei para ele. Ele quis trilhar esse caminho. No fim, trouxeram meu filho com o pescoço quase decepado. Estava pendurado numa corda na cela. Eu tenho tudo isso, mas esqueci no hotel. E o Estado nada faz.
Hoje faço tratamento também. Já estou num momento de desmame de medicação. Eu preferi me tratar do que adoecer e não poder falar. Se eu não tivesse feito isso, eu não estaria aqui hoje.
Muito obrigada, Erika. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Hilton. Bloco/PSOL - SP) - Somos nós quem agradecemos a coragem, a valentia, a força, a garra e a resistência de cada uma das mães que aqui sentaram, falaram, usaram o microfone e também daquelas que não estão aqui. Nós sabemos que não são poucas.
Quero agradecer também ao Deputado Orlando Silva, que acompanhou os trabalhos desta audiência pública e é o proponente do PL que discutimos aqui. (Palmas.)
Obrigada pelo seu compromisso, Deputado. E sigamos juntos, Deputado Orlando, sigamos juntos nessa luta, que começa com V.Exa. junto às mães, com o seu mandato. Nós chegamos aqui para somar e continuar essa construção ao seu lado, coletivamente.
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Quero agradecer aos representantes do Poder Executivo e também da sociedade civil que aqui estiveram para mostrar a essas mães que, neste novo Governo Federal, haverá sim, nesses Ministérios, nessas Pastas, espaços para que essas discussões sejam feitas, para que esses encaminhamentos possam ser tomados também pelos Ministérios de competência.
Nós sabemos que a luta é longa, é árdua, diz muito mais sobre as vidas de jovens que foram tiradas no Brasil.
Agradeço a Fernanda Balera, defensora pública tão atuante — não sei como essa mulher consegue ter tempo e disposição para estar em tantas frentes —, o trabalho da Defensoria Pública de acolher e tentar dar a essas mulheres um mínimo de dignidade, respeito e acesso à Justiça.
Daqui nós seguiremos batalhando, comprometidas com este projeto. Seguiremos na luta. Espero que possamos nos encontrar novamente para continuar a solucionar esses problemas e aumentar a participação dessas mulheres nesse coletivo.
Muito obrigada.
Boa tarde a todas nós.
Antes de encerrar os trabalhos de hoje, convoco reunião de audiência pública sobre o tema Proteção das defensoras e defensores das políticas de respeito aos direitos humanos no Brasil, a ser realizada na próxima quinta-feira, 1º de junho, às 10 horas, neste plenário.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião. (Palmas.)
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