Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Soraya Santos. PL - RJ) - Boa tarde a todas e a todos.
Declaro aberta a 7ª Reunião Extraordinária da Comissão Especial para Estudo das Razões do Aumento de Denúncias de Violência Obstétrica e a Alta Taxa de Morte Materna no Brasil.
Eu queria combinar com o Plenário a seguinte modalidade. Nós vamos dar início à fala dos palestrantes até atingirmos o quórum. Quando atingirmos o quórum, nós vamos suspender momentaneamente as falas, votaremos os requerimentos em pauta e continuaremos com a audiência, para não termos conflito com o Plenário.
Eu também queria comunicar ao Plenário — Silvia, eu queria pedir que você fizesse isto por escrito no nosso grupo — que nós já vamos dar início às nossas viagens. Deputada Iza, nós estamos muito preocupados em conhecer os bons modelos, porque os ruins nós já conhecemos. Nós queremos ir a cada região. Nossa ideia é, sem ser nesta quinta-feira, talvez na próxima quinta-feira, se já houver um roteiro. Nós vamos avisá-los a respeito deste roteiro.
Nós queríamos, Silvia, que você mandasse um comunicado para que os membros da Comissão informassem onde eles conhecem boas práticas em cada lugar, em cada um dos seus Estados. Eu acho que isto aqui é bom, é possível ser realizado. Isso é possível ser realizado, já que você, Ana, tem o sonho da humanização do parto.
O que nós queremos é trazer modelos inspiradores, porque esta Comissão está recebendo, o tempo todo, denúncias; está recebendo depoimentos; está recebendo, Deputada Iza, muitos relatos de dores que há Brasil afora. O engraçado é que está também recebendo muita esperança. As pessoas estão acreditando que, pela primeira vez, existe um grupo de Parlamentares que o foco voltado para trazer soluções.
Eu penso que, se cada Deputado e cada Deputada desta Comissão puder apontar os bons modelos da sua região, a primeira região, Silvia, que estiver organizada, nós já vamos marcar a data para visitar as suas entidades.
Eu gostaria de começar pela Região Norte, mas, se for o caso, nós vamos para a Região Nordeste primeiro, porque nossa ideia é fazer dois ou três Estados no mesmo dia. Nós vamos para mostrar o Brasil no mesmo dia. Nós vamos precisar estruturar isso muito bem porque, se nós formos, Deputada Ana, a um Estado de cada vez...
Nós estamos pedindo o apoio da FAB para deslocar a equipe de imprensa, que vai acompanhar, nós vamos parar, visitar, depois, vamos para outro lugar. A ideia é esta. Eu acho que nós precisamos "contaminar" o Brasil porque, muitas vezes, você tem um lugar bem distante, e ele é muito mais humanizado do que algumas capitais que nós conhecemos. Eu acho que é isso que nos inspira.
Eu me lembro de que, quando eu fazia auditoria escolar, eu cheguei a um lugar que não tinha dinheiro para comprar cortina para a escola. As mães fizeram uma cortina de barbante. O painel da parede foi todo feito — uma coisa mais linda do mundo! — com giz de cera pelo artista da cidade. As crianças não mexiam, não tiravam, não botavam um dedo, para preservar aquele ambiente. Isso tem muito a ver com cuidado, que é o que nós esperamos da primeira infância e do nascimento e do trato com as mulheres.
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Nós queremos deixar claro diante de todos que esta Comissão está comprometida não só com a redução da morte materna, mas também com o acolhimento da criança que vem para nosso País, como cidadão ou como cidadã, e merece todo o acolhimento.
Nós realizaremos hoje uma audiência em que traremos todos os que falam da primeira infância. Entendemos que a neurociência estuda a formação do cérebro e o impacto que ele sofre. Desta forma, traremos aqui representantes do CNJ, representantes da área de saúde, neopediatras, para observarmos os impactos do nascimento da criança, com toda aquela carga de violência, não só no momento, mas também durante o período pré-natal.
Deputada Ana Paula Lobato, nós realizaremos também uma audiência em que traremos representantes do Ministério Publico, da Defensoria Pública, do Ministério da Saúde, para debatermos como os órgãos, que têm que funcionar em rede, estão se relacionando com este tema. Vamos escolher um dia para ouvirmos algumas vítimas, que nos darão seus depoimentos para entendermos em que poderíamos mudar e melhorar.
Nossa audiência de hoje tratará do tema Os impactos da violência obstétrica na primeira infância e no aumento da incidência da prematuridade.
Estão presentes as seguintes palestrantes: a Sra. Denise Suguitani, Diretora-Executiva da ONG Prematuridade; a Sra. Sônia Lansky, Coordenadora da Sentidos do Nascer, da Universidade Federal de Minas Gerais — UFMG; a Sra. Daphne Rattner, Presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento; a Sra. Tatiana Henriques Leite, Professora Adjunta do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ.
Encontra-se à disposição, na página desta Comissão na Internet, a Ata da 6ª reunião, realizada no dia 16 de maio. Fica dispensada a sua leitura, nos termos do parágrafo único do art. 5º do Ato da Mesa.
Informo que a sinopse do Expediente recebido se encontra também à disposição na página da Comissão na Internet.
A Ordem do Dia será dividida, como já expliquei, em duas partes. Começaremos pela audiência pública; assim que alcançarmos o quórum, nós suspenderemos e votaremos os requerimentos aqui prestados.
Esta é nossa 5ª audiência pública da Comissão. Esclareço que esta audiência cumpre a decisão do colegiado, em atendimento aos Requerimentos de nºs 1 e 6, de 2023.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Nesta audiência pública, talvez seja a primeira vez em que muitas pessoas estejam ouvindo o termo violência obstétrica. Trago o contexto da violência obstétrica e da prematuridade, para depois ligarmos estes dois fatores.
A violência obstétrica são atos de violência que podem ser cometidos contra as gestantes durante o pré-natal, no momento do parto e no pós-parto imediato. As violências são inúmeras: a violência verbal, em que ocorrem comentários ofensivos, humilhações, racismo de toda forma, preconceitos; a violência psicológica, por meio de uma ação verbal ou uma atitude que cause, na mulher, intimidação, medo, sentimento de abandono, sentimento de inferioridade; a violência caracterizada pela negligência, a não ação, quando se nega um atendimento ou se impõem barreiras a um atendimento. Por último, temos, é claro, a violência física, com práticas e intervenções desnecessárias, violentas e/ou não consentidas.
Vale lembrar que o termo violência obstétrica foi reconhecido pelo Ministério da Saúde em junho de 2019, por ofício ao Ministério Público.
Registro o tema prematuridade, com o qual lidamos no dia a dia da organização. Todo bebê prematuro nasce com menos de 37 semanas de gestação, considerando-se o ciclo completo de 40 semanas. São crianças que estão mais suscetíveis a doenças e a infecções; inspiram mais cuidados e, muitas vezes, durante toda a primeira infância, infelizmente, com sequelas para a vida toda. Nem todos os bebês prematuros, no entanto, se assemelham ao estereótipo que vimos na imagem anterior.
Infelizmente, o Brasil é o segundo País em número total de cesarianas eletivas. De acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde, divulgado há 2 semanas — eu vou falar sobre ele em seguida, porque há dados importantes sobre a prematuridade —, 55% dos partos no Brasil acontecem através desta intervenção cirúrgica de grande porte, que, sim, salva muitas vidas, mas que, quando feita de maneira indiscriminada, acaba aumentando as taxas de prematuridade.
Isso acontece porque sempre há uma margem de erro de contagem das semanas gestacionais. Não ocorre uma contagem exata. Muitas vezes, um bebê que nós achamos que está nascendo de 39 semanas, pode ter 36 ou 37 semanas. Nesse caso, trata-se de um prematuro, e pode ser que ele precise do suporte de uma UTI neonatal, algo que não precisaria acontecer.
Atualmente, a média mundial de nascimento de prematuros é em torno de 10%. A proporção é de 1 a cada 10. O Brasil tem uma taxa acima da do resto do mundo, ou seja, em torno de 11%.
Isso equivale a algo em torno de 340 mil famílias que passam pela experiência de ter um bebê prematuro. Na maioria das vezes, esse bebê não é levado para a casa, o que gera várias consequências.
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O relatório global da Organização Mundial da Saúde chamado Born too Soon — Nascido cedo demais —, em 2012 colocava o Brasil no 10º lugar no ranking de nascimentos prematuros, em termos de números absolutos. Há 2 semanas, foi lançada a versão da década deste documento, numa conferência global que aconteceu na África do Sul. Nossa associação teve a honra de participar deste evento, em que fomos coautores e colaboradores da produção deste documento, no qual relataram os primeiros cinco países, em termos de números absolutos. Mas, de acordo com os artigos que foram publicados com este documento, o Brasil segue entre os 10 países com maior número de nascimentos prematuros, apesar da queda sutil que tivemos. Em 2010, nossa taxa de prematuridade era 12% do total de nascimentos. Em 2020, antes da pandemia ou do início dela, esta taxa caiu para 11,1%. Nós comemoramos esta diminuição, ainda que discreta, mas com certa parcimônia, porque nós sabemos que temos muita coisa para fazer ainda, e a taxa de 11,1% ainda é alta.
De fato, a questão do nascimento de crianças vulneráveis, como os prematuros, é uma emergência silenciosa e grave no mundo todo — no Brasil, não seria diferente — e é cada vez mais objeto de estudos e pesquisas.
O The Lancet Series, um dos mais respeitados periódicos do mundo, na semana concomitante ao relatório da OMS, lançou uma série de artigos focados no nascimento de bebês de risco. O acesso é gratuito. O periódico traz este infográfico, que mostra que uma em cada quatro crianças nasce vulnerável: ou ela é prematura, ou é pequena para a idade gestacional. Isso pode refletir que situações graves aconteceram durante a gestação e que resultaram no nascimento do bebê com baixo peso. Isso é muito sério, porque as crianças mais frágeis e vulneráveis precisarão dos sistemas de saúde, não somente após o nascimento, mas também, provavelmente, muitas vezes ao serem reinternadas.
Quando nós falamos em trabalhar as questões relacionadas com nascimento, com mortalidade materna, com nascimentos prematuros, vale relembrar que os objetivos do desenvolvimento sustentável, da agenda 2030, das Nações Unidas, quando falamos de saúde e de bem-estar, os dois primeiros objetivos se referem à diminuição da mortalidade materna e à diminuição da mortalidade de crianças abaixo de 5 anos.
Hoje a prematuridade é a principal causa de mortalidade infantil em crianças abaixo de 5 anos no mundo todo, vinda antes da malária, da diarreia e de situações mais relacionadas a infecções, como tínhamos o costume de ouvir. A prematuridade, o parto prematuro e suas consequências são hoje a principal causa de mortes de crianças abaixo de 5 anos e uma das grandes causadoras de deficiências sem crianças.
Nós sempre dizemos que a prematuridade não é sentença. Cada bebê é único, a depender da idade gestacional em que ele nasce e das intercorrências que acontecem durante a internação. No entanto, a prematuridade é algo sério, algo que, infelizmente, pode deixar sequelas para toda a vida. Cada vez mais, existem estudos que ligam questões como o transtorno do espectro autista, transtorno de déficit de atenção e imperatividade ao nascimento prematuro.
Este é realmente um ponto de atenção.
Em relação às famílias que passam por esta experiência, estudos mostram que a experiência da prematuridade e a jornada dos pais de bebês prematuros são comparáveis ao que os soldados vivem em guerras. O estresse pós-traumático que isso deixa para as famílias é de longo prazo.
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O que dizer, então, do agravo que a pandemia trouxe para este cenário? A COVID impactou diretamente as taxas de parto prematuro, a adesão do pré-natal, que foi algo importante, além da vacinação de gestantes e de crianças, sem falar no direito dos pais de estarem junto aos seus bebês nas UTIs neonatais. Em todo o Brasil, isso ficou bastante comprometido durante os anos da pandemia. Felizmente, isso está sendo quase totalmente restabelecido agora.
Nós observamos que a questão da prematuridade, mesmo que não a tenhamos próxima entre os amigos e na família, é algo que nos atinge. Todos nós somos afetados. Esta é uma questão intersetorial e de longo prazo que precisamos olhar com mais carinho, para mudar este cenário. Se estamos falando de uma primeira infância mais saudável, de uma sociedade menos violenta no futuro, nós precisamos olhar com mais carinho para o recorte dos bebês prematuros, porque eles são uma parte bem significativa das nossas próximas gerações.
Aponto a relação entre a violência obstétrica e a prematuridade. Sim, é comprovadíssimo que o estresse durante a gestação, que qualquer situação traumática na gestação, pode desencadear um parto prematuro. Isso é fato consolidado. O fato de se sentir insegura, intimidada ou violentada, em um momento tão delicado, como a gestação, sem dúvida, é um fator que pode desencadear toda essa angústia e estresse, que podem levar a um parto prematuro, mesmo para uma gestação que está sendo acompanhada de maneira adequada, ou que não exista nenhum fator de risco anterior.
Eu reforço nosso papel de proteger, em especial, as adolescentes. Infelizmente, nós temos muitas adolescentes grávidas no Brasil. Este é um dos fatores sociais dos nossos altos índices de parto prematuro no País. Estas meninas, pela imaturidade psicológica e pela inexperiência, estão mais suscetíveis a ter seus direitos violados. Estão mais suscetíveis à violência obstétrica também.
Eu achei importante trazer alguns exemplos de estratégias que garantem os direitos e os desejos das gestantes, para que eles sejam respeitados e seja evitado que tipos de violências se instalem. Refiro-me ao plano de parto, algo tão importante; ao contato imediato pele a pele, logo após o nascimento; à amamentação na primeira hora, sempre que possível. Estas são algumas ações entre outras tantas possíveis, que podem ser feitas com baixo custo e alto impacto para a experiência e para a jornada desta mulher durante uma gestação e durante um parto e um pós-parto, para tornar esta experiência a mais saudável possível.
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Trago duas palavras que considero chave, que podem parecer clichês, mas não são. Falo da informação, do letramento em saúde dos usuários dos sistemas de saúde, para que tenham mais autonomia sobre o que acontece com eles. Ressalto também o letramento sobre os seus direitos: à individualidade no cuidado, à humanização no cuidado, à privacidade, à tomada de decisão compartilhada, a ser respeitado, resumidamente. E há a questão da capacitação dos profissionais, da importância da educação permanente, até porque a ideia aqui não é apontar culpados, não é ir para essa seara de que os profissionais são os vilões. Nós precisamos cuidar de quem cuida, motivá-los, e instrumentalizar essas equipes para fazerem isso da forma mais adequada.
É importante capacitarmos as equipes de saúde não só na parte técnica, mas também nas chamadas soft skills — está na moda falar sobre isso, e realmente faz diferença. Cito questões como empatia clínica, colaboração, ética, inteligência emocional. É possível capacitar as equipes para isso, o que faz toda a diferença.
É claro que isso depende da maneira como nós vamos nos comunicar. A comunicação é chave. A comunicação deve ser não violenta, efetiva e afetiva, falando a língua daquele público a que nós estamos endereçando.
Para finalizar, eu trouxe aqui cinco apontamentos que a Organização Mundial da Saúde fez em 2014, quando não usavam ainda o termo "violência obstétrica", mas se encaixam perfeitamente nisso que estamos falando, nessa busca da importância do apoio do Governo e de outras instituições ao pesquisar, levantar dados, mas também ao agir contra a violência.
Cito o apoio a programas para melhorar a qualidade dos cuidados, sempre com foco no cuidado respeitoso. Acho que esse é um termo que tem que ser mais falado, mais abordado, mais explicado, estratificado. No cuidado respeitoso, o respeito entra junto com a palavra que é importante, da qual todo o mundo precisa, que é o cuidado em saúde, um cuidado respeitoso.
É importante o reforço dos direitos das mulheres a uma assistência digna e respeitosa durante o parto. Que nós tenhamos campanhas, cartilhas, mais e mais coisas que falem sobre os direitos!
Cito a produção de dados relativos a práticas que são respeitosas e também às que não são, com sistemas de responsabilização — isso é importante — e apoio significativo aos profissionais de saúde.
Eu achei importante mencionar — não estava nesses pontos — que, para o Brasil, faz todo o sentido fortalecer a atenção primária em saúde, na qual o cuidado começa e para a qual ele volta, pensando no momento do parto. Que esses profissionais possam ser capacitados para esse cuidado respeitoso com a gestante também!
Também é necessário envolver todos os interessados nos esforços na construção de protocolos de não violência. Que as pessoas que experienciaram isso, as famílias, as mulheres passem a fazer parte dessa construção, a construir esses protocolos, esses documentos, junto com o Governo, com o Legislativo, enfim, com todos os players, as instituições que lidam com esse tema tão importante!
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A SRA. PRESIDENTE (Soraya Santos. PL - RJ) - Obrigada, Denise.
Primeiro, eu queria convidar a nossa palestrante Daphne para compor a Mesa conosco. Por favor, venha compor a Mesa conosco.
Antes de suspender a reunião, eu vou passar a Presidência para a Deputada Iza Arruda. Nós vamos votar todos os requerimentos, Deputada Meire, e depois voltaremos para as falas.
Denise, eu já vou deixar aqui algumas dúvidas em relação à sua fala. Quero deixar claro que, se todas as perguntas não puderem ser respondidas, nós solicitaremos a vocês que enviem as respostas posteriormente. Todo o material vai ficar disponível na página da Comissão.
Você falou da média de prematuridade no mundo, que é de 10%. Esse foi um dado que me chamou bastante a atenção. Então, fica aqui a minha dúvida: no Brasil, em relação a esses 10%, quanto seria? Uma pessoa que tem diabetes tem amadurecimento do útero. Então, ela tende a ter um filho prematuro, porque o útero amadurece antes. Vocês têm isso quantificado em relação ao fato de ser por ausência, de repente, de pré-natal, ou por um problema de saúde que a mulher apresenta durante todo o cuidado pré-natal?
Outro dado que me chamou muito a atenção foi uma alegação que você trouxe: crianças abaixo de 5 anos têm como principal causa de morte a prematuridade. Isso me chamou muito a atenção. Deputada Iza, por favor, reforce essa pergunta.
Também se falou do autismo associado à prematuridade. Isso ficou confuso, até porque nós não temos esses dados sobre o autismo. Onde eles obtiveram essa informação?
O letramento vai ser um dos temas aqui da Comissão. Vamos trazer o MEC para saber como isso está sendo tratado.
Você disse — isso já foi falado por alguns Deputados aqui da Comissão — que, muitas vezes, usam o recurso da cesariana, e a criança tem menos semanas do que se esperava. Isso já foi trazido por alguns médicos inclusive desta Comissão.
A SRA. PRESIDENTE (Iza Arruda. Bloco/MDB - PE) - Como a Ordem do Dia no Plenário pode iniciar em breve, consulto o colegiado se podemos passar aos requerimentos. Em seguida, voltaremos à audiência pública.
(Pausa.)
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Requerimento nº 17, de 2023, da Sra. Ana Paula Leão, que solicita informações ao Ministro de Estado da Educação, Sr. Camilo Santana, a fim de prestar esclarecimentos acerca do fato correspondente à morte de uma bebê que teve a cabeça arrancada durante um parto realizado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Requerimento nº 18, de 2023, da Sra. Ana Paula Lima, que requer aditamento ao Requerimento nº 13, de 2023, para inclusão de palestrante em audiência pública que irá discutir o conceito de violência obstétrica e morte materna e a busca de alternativas para assistência hospitalar de qualidade na hora do parto no Brasil.
Requerimento nº 19, de 2023, da Sra. Dani Cunha, que requer a realização de visitas técnicas a todas as maternidades, casas de parto e similares, dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro.
Requerimento nº 20, de 2023, da Sra. Ana Paula Lima, que requer a realização de seminário na cidade de Florianópolis, Santa Catarina, para debater o tema da violência obstétrica e morte materna.
Requerimento nº 22, de 2023, da Sra. Ana Paula Lima, que requer aditamento ao Requerimento nº 12, de 2023, para inclusão de palestrante em audiência pública que irá debater sobre violência obstétrica e as taxas de morte materna no Brasil e ouvir as experiências exitosas do Ministério Público do Estado de Goiás e Santa Catarina.
Requerimento nº 23, de 2023, de minha autoria, em que requeiro a realização de audiência pública para debater sobre os cuidados adequados para uma boa assistência e experiência positiva no trabalho de parto e nascimento e sua implicação na redução da violência obstétrica e morte materna.
Requerimento nº 24, de 2023, da Sra. Soraya Santos, que requer a realização de audiência pública para discutir os impactos na primeira infância do atendimento humanizado das mulheres no ciclo gravídico-puerperal, com enfoque nas disposições e estratégias previstas no Marco Legal da Primeira Infância.
Requerimento nº 25, de 2023, da Sra. Soraya Santos, que requer a realização de audiência pública para discutir as questões relacionadas ao aumento de denúncias de violência obstétrica e as altas taxas de mortalidade materna no Brasil com instituições do poder público que têm, direta ou indiretamente, atribuições relacionadas à prevenção e ao combate desses dois graves problemas que ocorrem nos serviços de saúde públicos e privados do País.
A SRA. ANA PAULA LEÃO (Bloco/PP - MG) - Boa tarde, Sra. Presidente Deputada Iza Arruda.
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A SRA. PRESIDENTE (Iza Arruda. Bloco/MDB - PE) - Deputada Dani Cunha, V.Exa. quer encaminhar?
A SRA. DANI CUNHA (Bloco/UNIÃO - RJ) - Inicialmente, boa tarde a todos. Boa tarde, Presidente. Boa tarde, nobre Mesa e nossas caras Deputadas.
O meu requerimento, de forma bem objetiva — imagino que já tenha havido alguns nesse sentido aqui —, é sobre o pedido de visita técnica dos membros desta Comissão a maternidades, casas de parto e similares dos Municípios do Estado do Rio de Janeiro.
Eu me coloco à disposição, se for o caso, para ampliar esse requerimento ou subscrever qualquer outro requerimento que tenha pedido visitas em outros Estados. Eu acho que o objetivo é o mesmo. Estamos buscando boas práticas para colocar como exemplo para o nosso País. E também não podemos deixar de fingir que a violência obstétrica está relacionada não apenas ao trabalho dos profissionais, mas também às falhas estruturais de clínicas, hospitais, sistema de saúde, etc.
A partir do momento em que começarmos a criar o hábito de a Comissão realizar visitas, nós teremos um papel de grande responsabilidade: mapear o que é bom e levar isso para os demais Estados e Municípios e também identificar o que é ruim, como o caso que aconteceu em um hospital do Rio de Janeiro, o Hospital Universitário Pedro Ernesto, se não me engano, cuja ala da maternidade era conhecida como a ala da morte.
Eu tenho quatro, cinco casos aqui — se quiserem, eu posso citá-los com prazer — de pessoas que passaram por problemas, tais como: o filho nascer com problema e não fazer a devida cirurgia; o filho nascer com os órgãos fraturados, ter alta e ir para casa. Há o caso da Ana Paula, que é a mãe da gestante Lidiele. Ela procurou o hospital com 6 meses de gestação, com dores e infecção urinária. Os médicos disseram que eram dores de dilatação. Passaram-se 8 dias, ela recebeu alta e foi liberada para trabalhar. As dores persistiram. Ela foi à clínica da família e lá falaram que ela não tinha condição de trabalhar, inclusive que correria risco de aborto se insistisse. De licença médica, a bolsa estourou em casa, a família voltou ao hospital, mas a cirurgia só foi realizada após determinação da Justiça. Ela ficou lá no hospital sentindo falta de ar, dor e ouvindo que tinha que segurar por mais 3 semanas, ou seja, é mais um presságio de uma fatalidade. Como eles dizem, o nono andar, que é o andar do parto, é o andar da morte nesse hospital específico.
Em relação a casos como esse, também cabem visitas. Além de visitas às boas práticas, cabem visitas também às práticas absurdas para que possamos, de alguma forma, usar a nossa voz, enquanto Parlamentares, enquanto Comissão, e dizermos ao Governo, ao Município: "Isso aqui é o exemplo que nós temos de mais práticas, e vamos levar esse exemplo ao País inteiro".
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A SRA. PRESIDENTE (Iza Arruda. Bloco/MDB - PE) - Aproveito para aditar ao Requerimento nº 23, de minha autoria, a Dra. Rayssa Queiroz, médica ginecologista e obstetra; o Dr. Thiago Saraiva, obstetra; o Dr. Glaucius Nascimento, obstetra; a Dra. Luciene Godoy, psicanalista e especialista em gestação no método Bebê Canguru, da Maternidade Dona Íris, de Goiânia; e um representante do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional.
Os Deputados e as Deputadas que aprovam os requerimentos permaneçam como se encontram. Os contrários queiram se manifestar. (Pausa.)
A SRA. TATIANA HENRIQUES LEITE - Queria começar a minha fala dando boa tarde a todo mundo, boa tarde a todos e a todas.
Gentilmente eu agradeço por terem trocado a ordem das apresentações, porque, como muitas mulheres, eu também sou mãe e tenho que buscar minha filha na escola. Essa não é uma questão técnica, mas, enfim, muito obrigada por isso.
Eu gostaria de iniciar a minha participação agradecendo o convite para estar aqui hoje. É um imenso prazer para mim poder colaborar com esta audiência pública sobre esse tema tão importante, que é a violência obstétrica. Além de ser um tema importante, este é um tema que eu tenho pesquisado há alguns anos.
Eu me chamo Tatiane Henriques. Sou epidemiologista e professora no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro — UERJ e faço parte de um grupo de pesquisa que fala muito sobre parto e nascimento, que é um grupo sediado na Fundação Oswaldo Cruz e coordenado pela Profa. Maria do Carmo Leal. Dentro desse grupo, eu coordeno uma pequena parte da pesquisa Nascer no Brasil 2, que está em curso neste momento e fala sobre a violência obstétrica. Dentro dessa pesquisa estamos tentando preencher algumas lacunas que ainda existem na literatura acadêmica sobre esse assunto no nosso País.
Eu sei que a Denise já fez uma conceituação sobre o que é violência obstétrica, mas, como sabemos que quem trabalha com esse assunto sabe que essas definições são bastante difíceis e que há muita controvérsia na literatura, não só em relação à definição, mas também à terminologia, eu acabei pensando numa definição bem abrangente para conseguirmos pontuar o que estamos falando.
A violência obstétrica pode ser caracterizada por atos de violência física, verbal ou psicológica, sexual, negligência, maus-tratos, humilhação, desrespeitos, condutas não baseadas em evidência científica e também pela inadequação dos serviços de saúde. Essa experiência negativa é vivenciada pela mulher no contexto do ciclo reprodutivo, envolvendo a gravidez, o parto, o puerpério e também as situações de abortamento, que são as situações de que sempre nos esquecemos de falar quando falamos em violência obstétrica.
Em geral, focamos no parto em si, mas esquecemos que essa violência também pode ser sofrida no momento do abortamento. Uma das hipóteses da nossa pesquisa é, inclusive, que essas mulheres sofram até mais violência obstétrica quando comparadas com as mulheres de parto. Então, vamos também falar sobre essas mulheres, que também sofrem violência obstétrica.
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No Brasil, estimamos, através de pesquisas anteriores, que 18% a 44% das mulheres sofrem alguma forma de violência obstétrica, a depender do contexto, se é uma mulher de parto ou se é uma mulher de aborto, e a depender de outras características específicas dessa mulher, se tem um parto vaginal ou se tem um parto cesárea. Sabemos que essa prevalência diverge entre as regiões do País. Por exemplo, sabemos que a violência obstétrica costuma ser mais grave no Norte e costuma ser um pouco mais branda na Região Sul.
Quando pensamos na violência obstétrica, vemos que ela possui pelo menos três características peculiares que a diferem de outras formas de violência contra a mulher. A primeira é que essa ocorrência é dentro do serviço de saúde. Lugares como ambulatórios, consultórios, maternidades, hospitais e postinhos de atenção básica são exemplos de locais onde pode acontecer essa violência obstétrica.
A segunda característica, que eu também vejo como importante na violência obstétrica, é que o perpetrador frequentemente é um profissional de saúde — também podem ser outros profissionais que trabalham nesses locais, mas frequentemente é um profissional de saúde.
Por fim, a última particularidade da violência obstétrica é a sua dupla tipologia, que combina atos de caráter interpessoal, que é a violência perpetrada entre pessoas — por exemplo, bater, ameaçar, xingar, deixar esperando por longos períodos —, com atos que consideramos de violência institucional, que são, por exemplo, maternidades sobrecarregadas, que não têm condições estruturais e de pessoal para realizar os atendimentos de forma adequada e com qualidade. Isso também vem sendo incorporado como uma das formas de violência obstétrica.
Dentro dessas particularidades, a violência obstétrica tem um potencial muito grande de ter impactos negativos na vida da mulher e do seu bebê. Ela acontece dentro de um ambiente que deveria ser seguro para essa mulher, por profissionais que deveriam estar promovendo o cuidado dessa mulher e num momento de extrema vulnerabilidade, porque o momento mais frequente de ocorrência da violência obstétrica é o do parto e também do abortamento, que eu sempre falo que não podemos deixar de lembrar.
Nos últimos tempos, a literatura acadêmica — para ser mais precisa, nos últimos 5 anos — tem se debruçado muito sobre isso para tentar ver as consequências da violência obstétrica na saúde da mulher e do seu recém-nascido. Embora a temática seja mais relacionada à criança, acho que também é importante falarmos sobre as consequências da violência obstétrica na saúde dessa mulher, porque, querendo ou não, é ela que sofre esses atos. Então, não podemos ignorar as consequências na saúde da mulher. E acho que temos que combiná-las, porque existem consequências que são negativas tanto para essa mulher, como também para o seu bebê.
Uma das primeiras consequências a serem investigadas é em relação à saúde mental dessas mulheres no pós-parto. A maior parte dos estudos focam em pelo menos duas situações: a depressão pós-parto e o estresse pós-traumático no pós-parto.
Falando agora um pouco mais da depressão, o Brasil é pioneiro nessa abordagem. Em 2018, houve um estudo, uma publicação da Daphne Rattner, que está aí presente.
E essa pesquisa pioneira mostrou que a violência estrutural dos serviços de saúde, que engloba a peregrinação, ter o parto no hospital que não era o planejado inicialmente e a violência física — que é machucar durante os exames vaginais, bater , empurrar, amarrar — associa-se com a depressão pós-parto. E essa depressão teve uma magnitude ainda mais forte, ou seja, foi mais grave, principalmente, nas mulheres negras e adolescentes.
Depois disso, outras duas pesquisas também brasileiras fizeram estudos parecidos e chegaram a essa mesma conclusão de que a violência obstétrica está fortemente associada à depressão pós-parto. Uma dessas pesquisas é da Coorte de Pelotas, que é uma das pesquisas científicas de maior credibilidade no nosso País. A outra pesquisa é a Nascer no Brasil, que é o maior inquérito sobre parto e nascimento que temos em nosso País até hoje. O nosso grupo está em curso, conduzido pela Profa. Maria do Carmo Leal, sobre o estudo Nascer no Brasil 2, mas o primeiro Nascer no Brasil é, até o momento, o principal inquérito sobre parto e nascimento. Ele entrevistou 24 mil mulheres e também conseguimos encontrar essa associação entre a violência obstétrica e a depressão pós-parto.
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Falei só de alguns estudos brasileiros, mas a literatura mundial também já tem muitas publicações apresentando essa associação, que mostra uma consistência desses achados e mostra que a violência obstétrica tem essa consequência danosa não só na saúde mental das mulheres do nosso País, mas também na saúde mental das mulheres ao redor do mundo.
Outra questão que também mexe com a saúde mental dessas mulheres é o TEPT — Transtorno do Estresse Pós-Traumático no momento pós-parto. Essa relação entre o TEPT e a violência obstétrica também tem se fortalecido na literatura.
Essa fundamentação teórica é um pouco mais antiga, principalmente quando falamos sobre a questão do parto traumático, mas não necessariamente da violência obstétrica. De maneira geral, a associação entre o TEPT e a violência obstétrica tem sido dada e relatada por muitas mulheres, porque muitas delas relatam a violência obstétrica como sendo uma situação traumática no momento dos seus partos. Isso acaba fazendo com que haja o desenvolvimento desse transtorno no momento do puerpério.
Por que isso é importante? Por que é importante falarmos da saúde mental dessas mulheres em relação ao bebê? Porque sabemos que a mulher costuma ser a principal cuidadora dos seus filhos ao longo dos primeiros anos de vida. Então, a saúde mental materna depreciada também pode trazer consequências negativas no cuidado que essa mulher pode oferecer a esse bebê e depois a essa criança. É importante, sim, termos uma cuidadora, uma mãe que esteja em plenas condições não só física, mas também com saúde mental.
Ainda que saibamos que a literatura esteja mostrando a maior parte das consequências relacionadas à violência obstétrica, sabemos que há outras consequências que não são relacionadas à saúde mental. Aqui começamos a entrar na questão do bebê, do recém-nascido. O estudo Nascer no Brasil mostrou que as mulheres que sofrem violência obstétrica procuram menos os serviços de saúde pós-natal, tanto para elas quanto para o seu bebê depois do parto.
A pesquisa mostrou que essa situação foi ainda mais grave quando as mulheres tinham tido o parto no Sistema Único de Saúde — SUS, quando comparamos com a rede privada. Isso acontece porque a mulher da rede privada tem a oportunidade de procurar outro médico, outra assistência, enquanto a mulher do SUS, muitas vezes, não tem. Então, acaba que essas mulheres não acreditam mais no sistema de saúde, deixando de frequentar esses serviços de saúde num momento de extrema vulnerabilidade, que é aquele primeiro ano da vida do bebê. E isso é importante, porque o fato de ela não estar presente nesses serviços de saúde pode prejudicar o planejamento familiar dessa família.
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Devo lembrar que nessas consultas de pós-natal oferecemos a essa mulher métodos contraceptivos, por exemplo. O fato de ela não procurar mais esses serviços pode prejudicar o aleitamento materno, porque muitas mulheres precisam de ajuda no pós-parto para conseguir estabelecer esse aleitamento; pode prejudicar a vacinação dessa criança, porque sabemos que, ao longo do primeiro ano de vida, há todo um esquema vacinal que precisa ser cumprido, e essa mulher recebe muitas informações nessas consultas tanto de puerpério para ela, de pós-natal para ela, mas também de puericultura do seu bebê; pode prejudicar o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento dessa criança no seu primeiro ano de vida. Então, percebemos aqui que a violência obstétrica prejudica tanto a mulher quanto o seu bebê.
Há outra consequência da violência obstétrica que também investigamos na pesquisa Nascer no Brasil. Falo de uma publicação que conseguimos esse ano e é muito importante porque foi publicado no The Lancet Regional Health Américas. Através dos dados da pesquisa Nascer no Brasil, conseguimos demonstrar que as mulheres que sofreram violência obstétrica têm mais dificuldade de sair da maternidade com o bebê mamando exclusivamente no peito e também de manter a amamentação por 2 meses de vida do bebê, ou seja, 2 meses após o parto.
Também observamos que essa probabilidade, que essa dificuldade de amamentação é muito maior nas mulheres de parto vaginal do que nas mulheres que fizeram cesariana.
Lembro a importância do aleitamento materno. Sabemos que o aleitamento materno traz benefícios não só para o bebê, mas também para a mulher. Na mulher, a amamentação pode prevenir câncer de mama e câncer de ovário, aumenta o espaçamento entre gestações e também pode contribuir para o retorno do peso no período pré-gestacional, ou seja, fazendo algum controle em relação à obesidade.
Em relação ao bebê, os benefícios são enormes. A amamentação pode prevenir a morte e a internação por todas as causas, fortalece a imunidade e também pode prevenir de doenças crônicas ao longo da vida.
Para finalizar, em relação às consequências que temos estabelecidas na literatura atualmente, sabemos que um dos componentes da violência obstétrica é a negligência. Justamente esse componente pode aumentar o near miss materno e neonatal. O near miss é aquela situação de quase morte da mulher e do bebê. Temos assim a mortalidade materna e neonatal por causa desse componente: a negligência.
Para fechar a minha fala aqui, que foi curta e que abordou bem fortemente as consequências da violência obstétrica na saúde da mulher e também na vida do bebê, é importante salientar que a violência obstétrica é uma grave violação dos direitos humanos e tem consequências negativas na saúde da mulher e de seus filhos. Por conta disso, a sua ocorrência é inadmissível. Espero muito que essa audiência pública seja um primeiro passo na construção de um País que seja mais justo em relação aos direitos das mulheres e, principalmente, que ajude na construção de uma legislação específica — porque acho que precisamos disso — e também de políticas públicas para mitigar a violência obstétrica no nosso País.
A SRA. PRESIDENTE (Iza Arruda. Bloco/MDB - PE) - Obrigada, Dra. Tatiana, pelas suas informações, pela evidência. Estávamos, inclusive, comentando aqui sobre essas sequelas, sobre os riscos para o neonato, sobre as sequelas que perpassam o ciclo gravídico. Falamos sobre o que temos de estatística e de dados.
Depois eu gostaria que a senhora ou a Dra. Daphne comentassem.
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Eu queria cumprimentar todos os presentes, em especial as mulheres presentes, mas também todas as pessoas que estão nos ouvindo e nos acompanhando nesta tarde. Quero agradecer o convite e parabenizar pela iniciativa.
Já me antecederam duas pessoas com falas muito completas. Eu vou compartilhar a apresentação que eu preparei e espero poder acrescentar algo a este debate tão importante.
Cumprimento todos em nome da Presidente desta Comissão, a Deputada Soraya Santos, bem como as Deputadas presentes e todas as companheiras atuantes nessa área.
Eu queria me apresentar rapidamente. Eu sou pediatra, sou trabalhadora do SUS há 35 anos. Fui gestora durante muito tempo no Município e em âmbito nacional também, contribuindo para as políticas públicas que já aconteceram nas últimas décadas no País. E nos orgulhamos muito por termos contribuído e ainda poder contribuir. Também sou pesquisadora especificamente na área de mortalidade perinatal e mortalidade materna. Por isso, minha apresentação é focada nesse tema para contribuir um pouco e não repetir o que já foi muito bem contemplado.
(Segue-se exibição de imagens.)
Nós partimos de marcos internacionais dos direitos das mulheres e das crianças, passando pelos direitos humanos, pelo direito das mulheres à assistência digna e respeitosa e também pelo Estatuto da Criança como referências ético-legais internacionais e também nacionais.
Os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio até 2015 — agora, os ODS —, compromissos dos quais o Brasil é signatário, de reduzir mortalidade materna e infantil já foram também bem tratados. Mas eu queria só dizer que nós temos histórico de alta taxa de mortalidade materna e alta taxa de mortalidade infantil, com o compromisso de reduzir para menos de 30 mortes maternas para cada 100 mil nascidos vivos. Nós estamos hoje com algo em torno de 60 mortes. Alcançamos, infelizmente, quase 120 mortes para cada 100 mil nascidos. Ou seja, esse número dobrou por conta da desorganização da assistência de saúde e da falta de vacinação para gestantes que aconteceu durante os anos de 2020 e 2021.
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Portanto, nós temos um grande desafio que é a justiça social, como foi dito, para que haja a redução da mortalidade materna e infantil por causas evitáveis, que representam um terço da mortalidade infantil e quase 98% da mortalidade materna. Esse é um compromisso de justiça social, com o sistema de saúde ofertando qualidade e segurança para as mulheres e para as crianças no momento da gestação, do parto, do puerpério e também do nascimento.
Essas mortes são precoces, mas são evitáveis. As causas são: hemorragia, hipertensão, infecções e o abortamento, que são um reflexo de desigualdade enorme no País, porque afeta mais as mulheres pobres e as mulheres negras.
Mas há, também, as complicações da cesariana, da COVID, como eu falei, e o Grupo 5, que eu nomeio como um grupo à parte, que é o caso brasileiro, porque nós temos uma taxa muito alta de cesariana, que compromete a saúde materna, a saúde da mulher no futuro reprodutivo e também a saúde da criança, que é o nosso foco hoje aqui, com a prematuridade como principal causa de mortalidade, como já foi dito também pela Denise.
Sobre a mortalidade infantil, então, nitidamente se vê um decréscimo e uma estagnação a partir do ano de 2015, com o aumento da mortalidade, chegando a 13 mortes ou 14 mortes por mil nascidos vivos, duas a três vezes maior do que países, como eu falei, da América Latina — Costa Rica, Chile, Cuba — e países como Japão, que tem 4 mortes ou 5 mortes por mil nascidos vivos. Essas são situações que nós consideramos inadmissíveis e que, realmente, demandam essa mobilização que está ocorrendo. Este nosso encontro hoje é um retrato disso.
Falarei agora sobre o principal componente da mortalidade infantil neonatal precoce, ou seja, 75% da mortalidade acontece na primeira semana de vida dessas crianças, e um quarto, 25%, no primeiro dia de vida, o que demonstra que há um espaço de melhoria dos serviços de saúde no momento do nascimento. Claro que o pré-natal é muito importante, mas no momento do nascimento também nós temos que entregar algo melhor do que estamos fazendo. Este é o convite: como melhorar o sistema de saúde?
Como já foi dito, dentre as causas de mortalidade infantil, a prematuridade é um grande destaque, é a primeira causa na infância até 5 anos. Há também outras causas evitáveis, como infecções e asfixia durante o trabalho de parto as quais deveríamos eliminar.
Há vários marcos no desenvolvimento nacional de portarias, diretrizes técnicas, como a diretriz de cesariana, que foi feita em 2016, e a diretriz de assistência ao parto normal, que também foi feita nesse ano, com muitas parcerias e muita inteligência nacional.
No entanto, como nascemos no Brasil? Nós temos um cenário de violência no parto vaginal ou cesariana desnecessária. Grosso modo, essa é a cultura brasileira que incide sobre a situação da mortalidade materna e infantil.
A nossa contribuição aqui como Sentidos do Nascer, com projeto da UFMG, com financiamento do Ministério da Saúde, do CNPq e da fundação Bill & Melinda Gates desde 2014 — nós mantivemos nossa atuação ainda em Belo Horizonte — é também buscar apoio para disseminar essa iniciativa de transformação cultural.
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A nossa ideia ou a nossa proposta é exatamente mudar o cenário, a cultura brasileira, que está impregnada com essa ideia no imaginário social de que parir é sofrer, nascer é sofrer. E, por conta desse cenário de violência que as mulheres sofrem, as famílias sofrem e a criança também sofre, porque a criança também é vítima da violência obstétrica, não é só a mulher, há uma busca ou uma acomodação — digamos — da cesariana como normal, tanto que, no Brasil, 58% dos nascimentos estão ocorrendo por cesariana.
Então, o cenário deixa de ser a fisiologia do nascimento, o parto normal, e passa a ser o nascimento cirúrgico.
Nós temos uma grande discrepância entre o que é evidência científica, o que está comprovadamente assegurado na ciência e na produção do conhecimento como o nascimento saudável, aquilo que produz saúde para a mulher e para a criança, e o que está ocorrendo na prática, porque há um abuso de intervenções desnecessárias sem comprovação científica que causa mal à saúde de mulheres e de crianças, que é a hipermedicalização do parto e do nascimento, transformando o nascer num ato médico-cirúrgico em hospitais, com muitas intervenções sem justificativa, ao mesmo tempo, mantendo altas taxas de mortalidade, o que chamamos de paradoxo perinatal. Se seguirmos assim, não vamos melhorar, não vamos conter e controlar a mortalidade materna e infantil e evitar essas situações.
Então, esse é o imaginário das mulheres e dos homens, porque todos nós nascemos. São as mulheres e pessoas que gestam que vão parir; mas todos nós nascemos. Então, essa é uma situação que afeta todos nós.
No nosso imaginário, as mulheres estão isoladas em salas cirúrgicas, imobilizadas, deitadas, com muita manipulação sobre o seu corpo. Essa é aquela manobra que empurra o bebê, que causa muito mal, causa sofrimento para a mulher e também pode afetar o bebê, em um cenário de isolamento, de solidão, de tristeza, de falta de privacidade. Isso tudo que eu estou discorrendo aqui se traduz no termo violência obstétrica ou violência no parto ou violência institucional ou violência no nascimento.
Um cenário que uma caricatura expressa muito bem é uma mulher sozinha com a intervenção, com soro para acelerar o parto, com intervenções sobre o seu corpo que violam a sua integridade corporal, com pessoas que ela não conhece, é um cenário desumano. Ela é mais uma numa fábrica de intervenções para corrigir o seu próprio corpo no momento de dar à luz.
Como eu falei, a taxa de cesariana está em 58% em 2022. Contaminou todo o País. Todos os Estados estão com taxas altas de cesariana. Era mais prevalente no Sul e Sudeste; mas todo o País está com essa cultura, essa referência. O setor privado chega a ter de 80% a 87% de cesariana.
Então, há uma distorção, um desvio da prática de saúde, da ética na saúde, quando nós temos taxas que não se justificam de maneira alguma. E alguns estudos, como já foi falado na Nascer no Brasil, da qual eu também faço parte com muito prazer, demonstram que as mulheres começam no início da gestação pensando em uma cesariana, porque têm a cultura contaminada; mas, no fim, no setor privado, 90% dessas mulheres fizeram cesariana, apenas 10% com a indicação.
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Então, existe também, além da cultura, uma manipulação pelos próprios profissionais de saúde e pelo sistema para resultar em taxas tão elevadas de cesariana. É uma grande cirurgia, isso já foi dito, é uma cirurgia de extração fetal, quando há necessidade comprovada do ponto de vista da mulher ou do bebê. Ela não pode ser banalizada.
Uma cesariana está recomendada em apenas 15%. Por quê? Existem riscos que envolvem uma cirurgia, grande cirurgia: complicações infecciosas, complicações da anestesia, outros tipos de complicações, como traumas na mulher e no bebê, e complicações psicológicas também, como uma percepção ou uma vivência negativa desse momento.
No mundo, essas taxas são muito diferentes das do Brasil. Eu selecionei alguns países aqui. Vejam que os países desenvolvidos não têm mais do que 15% ou 20% ou 30% de cesarianas. E quanto maior o Produto Nacional Bruto per capita menor a taxa de cesariana.
Então, isso é um desafio para a nossa sociedade brasileira. Como eu disse, a Organização Mundial da Saúde recomenda 15% nas últimas revisões. Isso persiste.
Efeitos de uma epidemia de cesariana — é aqui que eu queria chegar. Esses efeitos comprometem a saúde da mulher. Na linha final temos a morte precoce evitável, mas também há vários agravamentos da saúde da mulher, tais como: reinternação, perda do útero, histerectomia, rotura uterina, necessidade de transfusão, necessidade de internação, depressão, como foi colocado.
E, por isso, tratamos da cesariana desnecessária, sem justificativa técnica, também como uma situação de desvio da prática assistencial e violência também na assistência.
Um risco futuro — as mulheres não sabem, são efeitos adversos que não são tratados, são invisíveis — é o risco de a gravidez subsequente ter um óbito fetal, ter um descolamento prematuro de placenta ou uma hemorragia. Eles também estão colocados. E a mulher precisa saber sobre esses riscos quando ela está sendo induzida a aceitar ou acomodar uma cesariana programada, que é a maior parte das cesarianas praticadas neste País.
O risco de morte materna é três vezes maior — diversas revisões da literatura apontam esses dados. E o risco de mortalidade neonatal é quase duas vezes maior na cesariana, quando comparado com o parto normal.
Então, nós precisamos conter e controlar essa situação para proteger a saúde das mulheres e da criança.
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Como já foi dito também, interromper uma gravidez pode resultar em um nascimento prematuro. A programação de uma cesariana, sem uma comprovação da necessidade, sem o trabalho de parto, que é a única comprovação de que a criança está pronta para nascer, pode resultar em prematuridade, em iatrogenia, nesses eventos de desfechos negativos na saúde da criança e até a mortalidade, que é um risco duas vezes maior, além de complicações respiratórias.
Então, privar uma criança do trabalho de parto — esse é o ponto onde eu queria chegar — é correr o risco de desfechos negativos em saúde da criança, além dos da mulher, como nós já bem dissemos aqui, a própria violência obstétrica. Mas, no foco, na perspectiva da criança, privar uma criança de se beneficiar dos hormônios, das catecolaminas, da ocitocina e da prostaglandina fetal, que promovem a adaptação do bebê para a vida extrauterina, pode ser também considerada uma violência contra a criança, uma violência obstétrica e neonatal, porque envolve o momento do nascimento.
Ao contrário, o que nós precisamos fazer é incentivar que as mulheres tenham o trabalho de parto, vivam o trabalho de parto de maneira respeitosa e digna. E isso também se deve dizer em relação ao bebê, porque, na perspectiva do bebê é muito melhor. O desenvolvimento neuropsicoafetivo, a primeira hora de vida, a vinculação mãe e bebê, o aleitamento materno e a colonização intestinal, que também é muito pouco colocada, ativa a carga genética do bebê, fazendo com que ele, no futuro, tenha menor risco de hipertensão, diabetes, asma, doenças crônicas que afetam a saúde coletiva da sociedade brasileira e têm, muitas vezes, relação, do ponto de vista epidemiológico, com o momento do nascimento, como foi colocado e nós também precisamos ressaltar e informar à população.
Prematuridade. Os dados apontam quase 12%, também estagnados. Sempre foi em torno de 12%, 11%, 11,5%, 12%. Então, nós temos um excesso em relação aos demais países desenvolvidos, e a recomendação da OMS é de 4% a 6% de prematuridade. Então, nós temos uma dívida social com as nossas crianças impondo condições desfavoráveis com a prematuridade, seja no controle das morbidades e comorbidades na gestação, seja na programação indevida de um nascimento que pode ser prematuro ou imaturo.
E eu coloco mais uma pitadinha, já caminhando para o final. Eu não estou com o meu tempo aqui, mas sei que devo ter ultrapassado.
Existe uma epidemia velada de prematuridade e imaturidade no Brasil. E eu acho que esta é uma ocasião muito importante que nós estamos vivendo hoje para reforçar essa ideia. Porque se esse bebê, com hora certa para nascer, não é um prematuro, tem mais de 37 semanas, ele pode ser uma criança imatura. Um bebê pode não o que chamados de termo pleno, pois não tem 39 semanas, ele pode ter 37 semanas ou 38 semanas, porque há uma dificuldade de definição. É claro que quem dá o disparo para o nascimento de uma criança é a própria maturidade.
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Já foi bem contemplada aqui pela OMS/Brasil e muito bem colocado que se trata de uma violência contra a mulher e também contra a criança, pois viola a integridade e afeta as relações psicológicas dessa mulher no momento e no futuro. Essa percepção tem sido bem reportada pelas mulheres como a dor do parto. E não é a dor normal, mas a dor provocada, a dor da violência e não a dor da normalidade do processo fisiológico que a mulher pode viver com dignidade e respeito.
E há essa ideia de que a violência não é cometida por um ou outro profissional, em um ou outro local; ela é sistêmica, ela é estrutural, ela está incorporada no sistema de saúde. Nós precisamos quebrar essa organização de interferências desnecessárias ao processo fisiológico e promover a normalidade do processo. O sistema produz isso, do jeito como ele está montado hoje, seja na saúde suplementar, seja no SUS — refiro-me à maioria dos casos, porque temos também experiências incríveis no Brasil. Ele precisa ser reformulado, nós precisamos fazer a reforma obstétrica no Brasil. Como podemos nascer no Brasil? Como podemos nascer de outra maneira, com respeito, com as evidências científicas, com as boas práticas na assistência ao parto?
E aqui eu estou ressaltando as práticas no Hospital Sofia Feldman, a quem agradeço a indicação para estar aqui hoje. E já faço o convite para as visitas técnicas e para esta Comissão virem a Belo Horizonte conhecer esse hospital, que tem 40 anos, e a Casa de Parto, com 23 anos — ela é de 2000. Esse é o maior celeiro de formação profissional neste País de equipe multidisciplinar, onde se formam médicos, profissionais da enfermagem, doulas, ajudando a mudar a cultura do nascimento neste País.
Buscar as boas práticas na assistência ao parto, reformular o sistema e a formação profissional da equipe e o trabalho multiprofissional vai ser fundamental. E nós podemos acelerar esse processo no Brasil com as políticas públicas. Já houve várias iniciativas muito interessantes, mas elas foram interrompidas a partir de 2017. E este é um momento importante para vocalizar esse problema e acelerar a mudança no Brasil.
Há práticas envolvendo o bebê que também são consideradas violências contra o bebê, por exemplo: a separação, as intervenções desnecessárias, as rotinas em que o bebê é privado de estar com a sua mãe nas primeiras horas após o nascimento. Então, nós precisamos implementar novas práticas, desde a ambiência favorável ao bom parto, com quarto individual para o nascimento, o que já está regulamentado pela vigilância sanitária. Isso é lei, mas não é respeitada, não é implementada.
No eslaide, esse é um quarto lá no Hospital Sofia Feldman. É um quarto dentro do hospital, é um centro de parto normal intra-hospitalar. Aqui nós temos o centro de parto normal peri-hospitalar no Hospital Sofia Feldman, uma iniciativa importante que já tem 23 anos, se não me engano. Aqui uma iniciativa no hospital que eu conheci em Tubarão, Santa Catarina, que eu acho louvável, porque todas as maternidades podem fazer de um quarto individual ou de um apartamento um quarto para o parto, uma suíte de parto normal que realmente transforme a cultura das mulheres, para que elas se sintam valorizadas e a família respeitada, envolvida e comprometida nesse momento em receber uma criança, uma pessoa no mundo.
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Essa era uma maternidade aqui em Belo Horizonte. Ela foi destruída, infelizmente, mas eu não poderia deixar de apresentá-la, porque era uma iniciativa do poder público. Contudo, a mudança, a descontinuidade dessa desconsideração da importância da ambiência para favorecer o parto normal só virá quando mudarmos a cultura no Brasil. E isso vai ser a partir da experiência. A transformação cultural vai ter que se dar a partir da experiência das mulheres e das famílias quando tiverem uma vivência positiva, a começar por um quarto com acesso à água, um quarto individual com possibilidade de se locomover, com suporte contínuo e cuidado 1 para 1. Toda mulher em trabalho de parto deve ter uma doula, segundo as evidências científicas. Então, nós temos que regulamentar a profissão. Devemos fazer acelerar esse processo para assegurar esse direito das mulheres, de todas as mulheres. O que nós falamos como evidência científica é evidência científica para todas, independentemente do poder aquisitivo, raça, cor, etnia, religião, porque, senão, é também uma discriminação e pode se configurar como violação de direitos e violência obstétrica.
Eu queria ressaltar o papel da enfermagem obstétrica nesse cuidado, que é um cuidado do processo normal, fisiológico. Na equipe multiprofissional, os profissionais médicos vão dar suporte quando há desvio da normalidade, mas a condução de 85% do cuidado na gestação de baixo risco, que são 85% dos casos, deve contar com uma enfermeira ou enfermagem obstétrica ao lado de uma mulher no trabalho de parto.
Aqui ressaltamos também o apoio emocional das doulas, do acompanhante. Deve haver liberdade de posição e deve-se evitar que a mulher fique deitada, imobilizada, exposta, sem privacidade e mexida no seu corpo. Isso tudo é percebido pelas mulheres como violência. É simples, porque nós nos sentimos violentadas.
A episiotomia é uma prática não recomendada, mas ainda é praticada. Melhorou muito no Brasil essa questão e virou um emblema da integridade, do direito à integridade corporal das mulheres.
Nós temos que refletir criticamente sobre o que já fizemos para não fazer mais e corrigir, para frente, com as boas práticas.
Separação entre mãe e bebê. Nós colocávamos os bebês em berçários. Quem é da mesma geração que a minha, nós vivemos isso, nós vivemos a mudança, nós fizemos a mudança. Então, podemos seguir ampliando, aprofundando e acelerando essas mudanças para reduzir a mortalidade e melhorar a qualidade de vida. Então, havia separação de bebês, os bebês eram expostos como produtos de consumo.
A segurança do paciente é um tema fundamental. Assim como a vigilância sanitária, há a segurança do paciente e a autonomia da mulher — sim, se ela realmente tiver opção. No momento, ela não tem opção ao bom parto, porque nós, como sistema, não asseguramos às mulheres o acesso a essas práticas todas que eu demonstrei anteriormente.
Precisamos prevenir a morbidade e a mortalidade. A prevenção quaternária diz respeito à prevenção das iatrogenias. Não causar danos, não interferir em processos fisiológicos e não promover iatrogenias, que são os desfechos negativos que nós estamos vivendo hoje no Brasil, ainda sem uma perspectiva de melhoria.
Os comitês de óbitos devem ser reforçados porque o estudo dos óbitos nos aponta onde devemos corrigir para melhorar e prevenir novas ocorrências.
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Então, o parto deve ser uma celebração da vida. No nascimento de um bebê a dor existe. Trata-se do esforço e do trabalho de uma mulher e de uma criança que vem ao mundo, mas essa etapa não precisa se transformar em sofrimento, em violência; ela pode ser vivida de outra maneira. O bebê não sofre, mas ele trabalha também e se beneficia de todos esses aspectos, seja no momento do nascimento, seja no futuro, como eu disse, inclusive com o impacto na prevenção de doenças na vida adulta. E nós estamos indo à prematuridade, que é o nosso tema hoje. Portanto, agir diferente favorece as relações humanas de afeto, de respeito e de uma referência ética na nossa sociedade, com um cuidado centrado na mulher e nas necessidades do bebê.
Esta é a Sentidos do Nascer. E eu finalizo aqui, compartilhando com vocês alguns dos momentos quando nós fazemos mobilização social. Também já fica o convite para virem a Belo Horizonte. Quando visitarem o Sofia, faremos questão de recebê-las também aqui no Parque Municipal das Mangabeiras, que é uma iniciativa com apoio da Prefeitura de Belo Horizonte. Nós atendemos, formamos alunos e extensionistas. O local é aberto à comunidade também, para pensar, repensar e resignificar os sentidos do nascer. Esse é um convite à mudança cultural, para que mobilizemos a mudança estrutural no País e as práticas existenciais, promovendo a saúde, de fato, promovendo o afeto.
Por fim, eu quero agradecer à doula Mazzarello e a toda equipe, que representam aqui esses 40 anos de trabalho do Sofia Feldman. Essa instituição tem doulas há décadas e a doula Mazzarello é a nossa referência desse trabalho que beneficia tantas pessoas. São lá realizados mil partos/mês e 10 mil partos/ano, produzindo cuidado e apoio às mulheres, às famílias e aos bebês no momento do nascimento.
A SRA. PRESIDENTE (Meire Serafim. Bloco/UNIÃO - AC) - Obrigada, Dra. Sônia, pela explanação, pelas informações muito importantes que aqui foram discutidas, faladas e esclarecidas. Obrigada por este momento tão importante aqui na Comissão. Só temos a agradecer mesmo.
A SRA. PRESIDENTE (Meire Serafim. Bloco/UNIÃO - AC) - Agora vamos passar a palavra para a Dra. Daphne, Presidente da Rede pela Humanização do Parto e Nascimento, que se encontra nesta Mesa.
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Isso foi o que motivou a ReHuNa. A ReHuNa neste ano completa 30 anos. Ficamos muito contentes de ver que as Deputadas já se apropriaram dessa noção de que existe violência e que é preciso coibi-la.
Uma das dificuldades que nós temos é com os profissionais médicos. Muitos profissionais médicos não aceitam a expressão "violência obstétrica". Esse é um dos problemas que temos.
Eu me formei há muitos anos e aprendi a fazer assistência às mulheres parindo de determinado jeito. A ciência evoluiu e criou evidências. Em 1996, então, há 27 anos, a Organização Mundial da Saúde fez uma publicação intitulada Assistência ao Parto Normal: Um Guia Prático. Esse guia classificava as práticas em quatro categorias: práticas que são benéficas e devem ser incentivadas; práticas que são danosas e inefetivas e devem ser abandonadas; práticas para as quais nós precisamos de mais estudos para classificar no grupo um ou no grupo dois, e práticas que têm sido utilizadas de maneira inadequada, por exemplo, a cesariana usada fora do contexto.
E tudo o que eu tinha aprendido de como se assiste parto vaginal foi classificado no grupo dois: práticas danosas e inefetivas que devem ser abandonadas.
Um dos problemas que nós temos é que a maior parte dos profissionais não se atualizou e continua praticando. E muitas faculdades de medicina continuam ensinando um modelo inadequado. Resultado: as mulheres foram à Internet e se atualizaram. E, hoje em dia, elas dizem: "Fazer no meu corpo práticas que são danosas e inefetivas e que devem ser abandonados é violência obstétrica". E elas têm toda a razão.
Mas os profissionais alegam o seguinte: "Mas eu sempre fiz isso. Por que agora isso está sendo chamado assim?" Eles se recusam a aceitar que seja violência.
Então, nós temos um problema de comunicação. E eu fico muito contente que a Câmara dos Deputados esteja acolhendo essa noção. Quem sabe consigamos estabelecer uma comunicação em que se reconheça que efetivamente praticar no corpo das mulheres práticas que são danosas e inefetivas e devem ser abandonadas — e foram mencionadas por pessoas que estiveram antes de mim — é violência, sim, e que deveriam ser abandonadas.
Então, vamos começar a conversar como é que nós vamos praticar uma assistência que esteja baseada em evidências científicas, de acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde para parto vaginal e para cesariana. Para as diretrizes de parto vaginal, estou comentando aquelas publicadas em 2017; as de 2022 não se preocuparam muito com as evidências científicas.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Sobre impactos da violência obstétrica na primeira infância e no aumento da incidência de prematuridade, eu trago aqui a frase de um obstetra dos anos 30 e anos 40 que foi um dos primeiros que falou de parto sem medo. E ele dizia: "As práticas de atenção ao parto e nascimento de uma nação são reflexos das crenças daquela nação no que se refere à integridade e dignidade da vida e influenciam essa nação, para o bem ou para o mal, e em última instância o próprio mundo”. E isso é uma frase que vale a pena lembrar.
Nascer tem sido identificado na nossa cultura como sofrimento. Isso está em nosso imaginário. Então, se é sofrimento, nós temos que tirar logo o bebê, para que ele não sofra no canal de parto. Para isso, o parto tem que ser apressado. Então, para apressá-lo, vamos fazer uma série de coisas que já foi inclusive relatada aqui, tais como: romper a bolsa precocemente; dar ocitocina de rotina; fazer a manobra de Kristeller — a Sônia trouxe várias fotos da manobra de Kristeller. Eu costumo dizer que a manobra de Kristeller é acreditar que a mulher é um tubo de pasta de dente. Aperta-se aqui e o bebê espirra do lado de lá. A mulher não é um tubo, mas essa manobra considera a mulher como se fosse um. Outras práticas censuráveis são: usar fórceps; realizar cesária antes do trabalho de parto e outros.
Agora, se é sofrimento, por que Leboyer, nos anos 70, dizia assim: "O bebê pode nascer sorrindo". Será que é sofrimento mesmo ou será que ele estava equivocado?
Existe uma entidade na medicina que chamamos de sofrimento fetal. E é efetivamente possível que exista algum sofrimento dentro da barriga, mas isso não quer dizer que todos os partos e todos os nascimentos vão ter sofrimento. Podemos, sim, ter nascimento com sofrimento, porque as diferentes práticas de apressamento, como todas aquelas que eu listei, podem trazer sofrimento para o bebê.
Então, não é que o parto ou o nascimento seja um sofrimento para o bebê, às vezes, o sofrimento é o que chamamos de iatrogenia. Iatrogenia é um problema de saúde provocado pela assistência, pelo não cuidado.
Uma amiga minha foi assistida pela parteira Angela Gehrke, que foi a inspiração para a construção da Casa Angela na periferia de São Paulo. Estavam presentes nesse parto o pai e os dois irmãozinhos daquela criança que estava nascendo, o Chico e a Clarinha. Quem nasceu foi a Marina, e eu estava lá fotografando. E, na semana seguinte, eu visitei o casal e levei um monte de lápis de cor. O Chico desenhou isto. E eu perguntei para ele: O que é isso? Ele não explicou direito; mas entendemos que, à direita, são o papai e a mamãe e, aqui, são as três crianças que nasceram, as três alminhas. Quando eu perguntei o que era isso, ele falou: "É um túnel colorido". Eu acho que ele sintonizou com a situação.
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A criança, quando está nascendo, passa por um túnel colorido dentro da mãe. Será que isso é sofrimento? Angela Gehrke, essa parteira, costumava dizer que o nascimento é o abraço mais apertado que vamos receber da nossa mãe em toda a nossa vida. Então, eu queria aqui, antes de tudo, questionar esse imaginário de que uma criança, ao nascer, sofre.
Uma professora da Universidade Federal de São Paulo — UNIFESP, Ruth Guinsburg, fez uma artigo chamado A linguagem da dor do recém-nascido. Ela diz o seguinte: "Os lactentes pré-verbais" — aqueles que ainda não sabem falar —, "em especial os recém-nascidos, não verbalizam a dor que sentem. Será que isso significa que, de fato, não sentem dor, ou que a exprimem por meio de uma linguagem própria?" Ela fez um dicionário de caretas de bebê para explicar que tipo de dor cada careta poderia representar. Ela questiona a crença de que bebê não sente dor. Isso eu estou dizendo para marcar a posição de que o bebê é um ser sensível.
A Sônia já trouxe a questão da cesariana desnecessária como uma violência. É uma intervenção. Estes são dados que a Sônia já trouxe. A taxa recomendada pela Organização Mundial da Saúde é de 15%. No Brasil, pouco mais de 30% das mulheres preferem cesárea. Na rede pública, são 40% das mulheres. Na rede privada, acima de 80%. Vejam o absurdo. Esta linha vermelhinha aqui embaixo indica a taxa recomendada pela OMS.
A cesárea interfere no contato pele a pele — a Sônia já disse — e interfere na amamentação na primeira hora. Dá desconforto, por dor na cicatriz. A mulher tem dificuldade para sentar para amamentar. Já existem evidências de que mulheres que tiveram cesárea amamentam por períodos mais curtos. E sabemos da importância da amamentação.
Uma das informações que eu queria trazer é que foi sancionada a Lei nº 17.137, de 2019, do Estado de São Paulo. Ela garante à mulher a possibilidade de optar por cesariana a partir de 39 semanas de gestação. Então, se é assim, a mulher pode fazer a cesárea e não precisa ser maltratada no local do parto.
A Sônia apresentou várias consequências da cesariana desnecessária. Nem vou entrar nisso. Eu só queria dizer que existem leis em 21 Estados. Aqui na Câmara dos Deputados, no Senado, no Distrito Federal, existem projetos de lei sobre cesárea. A pessoa que fez aquele projeto de lei o repassou para todos os Estados, numa tentativa de que os profissionais médicos não precisem mudar sua prática e continuem fazendo cesárea indiscriminadamente. Em 15 de janeiro de 2020 foi aprovada lei sobre cesárea no Paraná, e em 30 de janeiro de 2020, no Pará. Esperamos que lei semelhante não seja encaminhada nem aprovada no restante do País. Nós precisamos reduzir o número de cesáreas. Não deve ser ampliado o acesso a ela. Isso eu considero uma violência das Casas Legislativas contra a saúde das mulheres.
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17:03
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Aqui está indicada outra violência, essa praticada pelo Conselho Federal de Medicina. A Resolução nº 2.232, de 17 de julho de 2019, divulgada em setembro do mesmo ano, "estabelece normas éticas para a recusa terapêutica por pacientes e objeção de consciência na relação médico-paciente". Ela diz que pacientes têm autonomia, têm direito a recusar uma intervenção em seu corpo, mas os profissionais de saúde têm direito a objeção de consciência para não realizar o procedimento. Porém, se o profissional de saúde julgar, por exemplo, que o feto está em risco, ele pode atropelar a autonomia da mulher e fazer uma cesárea no corpo dela.
O Ministério Público contestou essa resolução do Conselho Federal de Medicina, que foi suspensa em primeira instância, e hoje em dia está novamente em vigor. Então, atualmente, pode-se praticar essa violência, legitimada pelo Conselho Federal de Medicina, impondo-se cesariana à mulher que não a deseja, ela deseja um parto vaginal. Ela está bem, mas "vamos supor que", e aí se faz a cesariana.
Vou fazer agora alguns comentários sobre o inquérito Nascer no Brasil. Eu tenho pouco tempo, mas vou falar agora do bebê.
No Brasil, a maior parte dos partos é hospitalar. Há variação no cuidado. Os resultados evidenciam que o que deveria ser feito para se cuidar do recém-nascido saudável não é prática clínica. Há várias conclusões. Eu vou pular dados do inquérito Nascer no Brasil, mas o mais importante é que não se usam boas práticas no trabalho de parto nem no parto em si. Isso está indicado por dados.
Eu trago o conceito de mãe bebê, de Mary Kroeger. Ela diz que a mãe e o bebê, depois que o bebê nasce, ainda têm uma continuidade, ainda têm uma dependência muito grande. E o que ela percebe? Se a mulher tiver doula ou acompanhante que dê suporte emocional, muda a proporção de cesáreas. Com suporte, há menos parto por fórceps, menos internação prolongada do recém-nascido, menos sepse e menos febre materna, e a amamentação se inicia mais cedo e é mais bem-sucedida. A doula, portanto, é muito importante nessa situação.
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17:07
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Vou trazer agora um trabalho científico de uma professora da USP, a Profa. Simone Diniz, que tem um grupo de pesquisas do qual a Sônia Lansky faz parte, e eu faço parte dele também. Esse trabalho trouxe um novo indicador, que eu acho que tem tudo a ver com o que está sendo dito aqui: a prematuridade. Ela propôs um indicador chamado Dias Potenciais de Gestação Perdidos. Foram estudados recém-nascidos do Município de São Paulo, onde há boa qualidade de informação, mas só foram estudados aqueles em relação aos quais era possível identificar a quantidade de dias de gestação. Então, foi necessário determinar a data da última menstruação. Comparou-se o sistema de nascidos vivos com a mortalidade. Foram identificados 13.347 pares. Foi feita uma modelagem matemática, utilizando-se o modelo de Cox, que produz o que chamamos de Razão de Hazard — ainda não traduzido para o português. Desfecho: mortalidade neonatal, de 0 a 27 dias. Exposição, idade gestacional em dias. Covariáveis foram consideradas. Referência: revista PLOS One, que é muito bem considerada.
O que se percebeu? No caso de 259 a 265 dias, a mortalidade neonatal é de 3,5 para cada mil nascidos vivos, e vai aumentando. A menor mortalidade neonatal está entre 273 e 286 dias. Duzentos e oitenta dias equivalem a 40 semanas. Então, é 1 semana a mais ou 1 semana a menos, de 39 a 41 semanas. A mortalidade de bebês, portanto, varia de acordo com o tempo de gravidez, com o tempo em que o bebê fica na barriga da mãe. Se é retirado antes do tempo, propicia-se o aumento da mortalidade no primeiro mês de vida.
Vejam, este é o modelo de Hazard. O que nós temos? Temos a estimativa. Cada um destes espaços representa o intervalo de confiança. Então, em 259 dias, a mortalidade vai ser de 2 para parto vaginal. Aqui, 1 é a nulidade, não existe diferença. Entre 273 e 280 dias, ocorre menor mortalidade, abaixo de 1. Quando se vai para a cesariana, vê-se que o ponto chega quase a 5. Isso é mais que o dobro na mesma idade gestacional, 259 dias.
Então, percebam, a cesariana favorece a perda de bebês, porque, muitas vezes, são retirados antes do tempo. Vejam, a curva é bem diferente. Isto é importante saber em relação à perda de dias potenciais de gestação. Quando se retira o bebê antes do tempo, aumenta-se a possibilidade de morte precoce do bebê. Não é inócuo o que temos feito no Brasil. Quanto dessa mortalidade poderia ser evitada se deixássemos a gestação evoluir até o termo e permitíssemos que os bebês nascessem naturalmente?
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17:11
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Então, este é um novo campo do conhecimento. Este, agora, é um trabalho que nós não conseguimos publicar. A minha orientanda, Juliana Machado Schardosim, é professora da UnB no campus da Ceilândia e resolveu estudar como o ambiente e as práticas de assistência obstétrica influenciam no bem-estar do bebê na hora de nascer. Existe um índice que nós chamamos de Apgar, medido no primeiro minuto. Trata-se de um índice tradicional usado para a avaliação de todos os bebês. Existem pessoas que o chamam de Nota do Bebê na Hora de Nascer.
Então, eu vou resumir, porque o meu tempo acaba de estourar. O Apgar de primeiro minuto não é influenciado pelo ruído na sala; não é influenciado pela existência de muita luz ou pouca luz; e não é influenciado pela temperatura. O trabalho foi muito bem feito; as pessoas ficaram na maternidade observando; de meia em meia hora, mediam a luz, mediam o ruído, mediam a temperatura. Nós trabalhamos com a média e concluímos que o ambiente não altera o modo como o bebê reage no primeiro minuto.
Se a mulher fica em alimentação ou em jejum, isso não é significante, não houve associação. Se ela recebe ocitocina, também não. Se ela se movimenta ou não, também não. Se furam a bolsa antes do tempo, se ela tem acompanhante, também não. E a posição em que se deu o parto também não influencia. Mas uma coisa é muito curiosa: se a mulher não pôde escolher a posição do parto, o risco de haver um Apgar inadequado no primeiro minuto foi 2,2 vezes maior. Então, o bebê reage à impossibilidade de a mulher ter autonomia na escolha da posição.
Se ela recebe a manobra de Kristeller, é a mesma coisa. Kristeller é aquela manobra horrorosa em que o pessoal sobe na barriga, que eu chamei de considerar a mulher uma pasta de dente. Se há fórceps, 2,6 vezes maior a inadequação do índice. A episiotomia, em si, não influenciou o Apgar do bebê, mas a mulher dar o consentimento para realizar a episiotomia influenciou.
O que isso quer dizer? Quer dizer que quando a mulher é protagonista do próprio parto, isso faz bem para o bebê. Quando não a deixam escolher a posição, não perguntam e fazem procedimentos, apesar de ela existir; ou seja, quando ela é um objeto de cuidado, e não o sujeito de direitos, isso influencia no estado imediato do bebê ao nascer.
O clampeamento do cordão não influenciou. Mas a ausência do cuidado pele a pele, o não encostar na mãe — aquela coisa de todo animal mamífero quando nasce: o bebê ir para o colinho, ficar perto, o bebê também quer o colinho da mamãe e o contato pele a pele — também influenciou. E a ausência de amamentação na primeira hora também esteve associada.
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17:15
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Estudos em mamíferos mostram que níveis elevados e hormônios do estresse interferem com a ocitocina, portanto, com a progressão normal do trabalho de parto, estando relacionados com desfechos adversos. Mães desejam se sentir seguras no trabalho de parto e no parto. As intervenções obstétricas estão correlacionadas com a percepção do parto como evento traumático.
A Tatiana disse que publicamos um trabalho mostrando que violência obstétrica está associada com depressão pós-parto. No nosso trabalho, inclusive, vimos que mulheres negras que relataram violência por negligência ou violência verbal tiveram uma prevalência muito maior de depressão pós-parto e que adolescentes que relataram violência por negligência e violência física também tiveram uma prevalência muito maior de depressão pós-parto.
Então, a negligência e outros tipos de violência estão associados à mulher ter depressão pós-parto. Se ela tem depressão pós-parto, ela não consegue cuidar nem bem de si própria, que dirá de um bebezinho!
Então, vejam o que podemos estar fazendo quando não praticamos uma assistência humanizada, respeitosa, com dignidade.
Bebês nascidos pela via vaginal com alto nível de catecolaminas provindas da circulação materna estão melhor equipados para se adaptarem à vida extrauterina que os nascidos pela cirurgia cesariana.
Há evidências crescentes de que eventos estressantes no trabalho de parto estão associados a uma sugação menos frequente — então, o bebê não consegue mamar tão bem — e o início tardio da lactogênese, especialmente em mães que estão parindo pela primeira vez.
As evidências também mostram que opioides endógenos, como beta-endorfinas, são secretados em altas concentrações durante o trabalho de parto, fazem pico perto do parto e têm um papel de embotar a dor percebida do parto. Na hora em que o bebê está no colo da mãe, com as endorfinas do parto, ela nem lembra que doeu. Agora, a anestesia peridural bloqueia a secreção normal da beta-endorfina da mulher. Então, estamos atrapalhando também isso.
Beta-endorfinas são encontradas em altas concentrações no leite imediatamente após o parto, no parto vaginal, e podem ter um papel na adaptação do recém-nascido ao estresse extrauterino, porque sair lá de dentro, do bem-bom, é um estresse para o bebê. Eu estou vendo um chegando ali.
Há evidências científicas sólidas demonstrando que a volta às práticas de parturição que preservam a normalidade podem conseguir muitas coisas: partos mais rápidos e mais fáceis, mães e bebês mais ativos e alertas e pares mães-bebês fisiologicamente otimizados para a amamentação.
Eu volto para a frase do Dr. Grantly Dick-Read, logo no início: "As práticas de atenção ao parto e nascimento de uma nação são reflexos das crenças daquela nação no que se refere à integridade e dignidade da vida e influenciam essa nação, para o bem ou para o mal, e em última instância o próprio mundo”.
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17:19
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A SRA. PRESIDENTE (Meire Serafim. Bloco/UNIÃO - AC) - Obrigada, Dra. Daphne. Para nós é um orgulho ouvir a senhora. Pudemos ouvir várias informações e explicações para os nossos Parlamentares. Eu fico muito feliz. Parabéns mesmo!
A SRA. TALÍRIA PETRONE (Bloco/PSOL - RJ) - Boa tarde. Infelizmente, eu não consegui chegar a tempo para a audiência, mas fiz questão de vir por motivos óbvios. Esse é um tema que perpassa a minha vida e perpassa o nosso mandato. Depois vou tomar pé do tema de hoje e do que foi encaminhado. Quero só reforçar o compromisso do nosso mandato para que mães e crianças na primeira infância estejam no centro das políticas públicas. Isso passa, necessária e obrigatoriamente, pela humanização do parto, pelo enfrentamento de um cenário dramático de morte materna no Brasil e de violência obstétrica, passa por um marco legal que precisamos ter sobre isso para responsabilizar aqueles agressores.
Estamos à disposição. É isso. Parece que já foi aprovada ou está para ser aprovada uma diligência nos Estados. No Rio de Janeiro, estamos à disposição para visitar a maternidade, escutar as vítimas, escutar quem está há tanto tempo nessa militância para que parir e nascer não seja algo violento nem para quem nasce nem para quem vai parir.
A SRA. PRESIDENTE (Meire Serafim. Bloco/UNIÃO - AC) - Obrigada, Deputada. Obrigada mesmo.
A SRA. DENISE SUGUITANE - Obrigada pela palavra, Deputada. Obrigada pela oportunidade, mais uma vez.
Nas considerações finais, quero só trazer o retorno à Deputada Soraya sobre o questionamento que fez no início em relação aos dados de prematuridade, que foram confirmados aqui pelas excelentes falas. Eu estava aplaudindo a Dra. Tatiana, a Dra. Sônia e a Dra. Daphne. É uma grande honra dividir esta tarde com elas que trouxeram esses dados tão maravilhosos. Eu estava aqui em êxtase aplaudindo e feliz por estarmos discutindo sobre isso.
Hoje, sim, a prematuridade é a principal causa de mortes de crianças abaixo de 5 anos. Grande parte delas, como a Dra. Sônia trouxe, ocorre no período neonatal, nos primeiros 28 dias de vida. A prematuridade é algo muito grave. O parto prematuro pode deixar tantas sequelas que até os 5 anos de idade pode vir a causar óbito dessa criança. Por isso temos, infelizmente, esse dado relacionado ao parto prematuro no mundo todo, não só no Brasil. Aqui, a nossa taxa de prematuridade realmente está acima da taxa global, 12%, mais ou menos — dependendo de cada região do Brasil, que tem uma realidade diferente. Mas a taxa global é 10%. Portanto, estamos acima.
A prematuridade tem causas multifatoriais, mas, com certeza, como a Deputada Soraya comentou ali, muitas coisas são relacionadas ao acesso ao pré-natal e também à qualidade desse pré-natal. Nós não queremos só que haja um número mínimo de consultas, nós nos preocupamos muito com a qualidade dessa consulta, com as informações e com as trocas que acontecem ali.
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17:23
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Em relação à prematuridade e ao transtorno do espectro autista, que foi comentado, uma hipótese que existe é que o nascimento prematuro acaba alterando a conectividade entre algumas partes do cérebro, o que pode aumentar o risco de a criança desenvolver tanto problemas de atenção quanto o TEA. Não é uma sentença. Os cientistas afirmam que toda a rede neuronal responsável pelos processos de atenção, de emoção e de comunicação geralmente é mais enfraquecida, digamos assim, nos bebês que nascem prematuros. Isso seria uma hipótese. Mas é importante ressaltar que só o fato de o bebê nascer prematuro, só isso não é o único fator preponderante na incidência do TEA. Isso tem que ficar bem claro.
Para finalizar a minha fala, e pegando o gancho dessa questão do transtorno do espectro autista e das crianças prematuras, eu queria chamar a atenção para uma janela de tempo preciosa da primeira infância, que é especialmente de 0 a 3 anos de idade cronológica. Quem lida com o universo da prematuridade sabe que falamos também sobre outra idade, a idade corrigida. Mas, falando de idade cronológica, depois que esse bebê nasce até os 3 anos, essa é uma janela de tempo preciosíssima para fazermos uma estimulação precoce e oportuna desse bebê. Portanto, intervenções com especialistas, com uma equipe interdisciplinar vai ajudar a reduzir os danos da prematuridade, vai ajudar aquele bebê a fazer o uso de todas as suas potencialidades.
Uma das nossas grandes lutas junto ao Governo é a regulamentação e o investimento em mais serviços dos ambulatórios de segmento ou de follow-up dos prematuros, justamente para podermos garantir não só sobrevida, que hoje em dia conseguimos garantir para muitos bebês prematuros que não sobreviveriam antigamente, mas também qualidade de vida, para que eles possam usufruir de todas as suas potencialidades.
A SRA. PRESIDENTE (Meire Serafim. Bloco/UNIÃO - AC) - Obrigada, Dra. Denise.
A SRA. SÔNIA LANSKY - Muito obrigada. Eu queria agradecer mais uma vez a oportunidade de compartilhar esta tarde com as pessoas que estavam aqui. Este encontro foi muito enriquecedor. É sempre um aprendizado, é sempre uma troca, é sempre uma oportunidade. É muito bom estar aqui compartilhando este momento.
E, realmente, para quem está na lida do SUS, da saúde da criança, Daphne, da saúde materna, da saúde da mulher, há desafios que vemos crescer em termos de preocupação e ocupação da pauta. No entanto, nós temos que refletir também sobre o que já temos de disponibilidade, recursos, instrumentos, políticas públicas efetivas e o retardo ou atraso na sua implementação.
Eu queria, então, comentar aqui — nem sempre temos o tempo todo que gostaríamos de ter, e há muita coisa — esse imaginário da cultura do sofrimento, do medo e do risco, como foi colocado. Agora, então, toda mulher gestante é de risco — por ser alta ou por ser baixa, por ser nova ou por ser velha, por ter alguma doença.
Enfim, há todas as justificativas do mundo para impedimento da vivência da fisiologia do processo humano feminino ou das pessoas que têm oportunidade de gestar, que é esse momento de viver o trabalho de parto e o parto. E há um agravante, que é o impedimento da criança também viver. Eu sou pediatra, trabalho na saúde da criança a vida toda e fui para esse cenário do parto porque a mortalidade infantil no Brasil não cai, porque a prematuridade não cai, por causa do baixo peso ao nascer. Esses são fatores de risco determinantes para a sobrevivência infantil e para a vida com qualidade, como foi bem abordado.
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17:27
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Então, esta é uma causa muito importante em saúde pública, em saúde coletiva, que impacta na saúde e na vida adulta também. Isso vai mudar com a cultura dos profissionais, como nós, das mulheres, dos homens, de toda a sociedade, das avós. E é isso o que nós tratamos lá na Sentidos do Nascer, no sentido de resgatar a importância, o valor ético e humano desse momento de promoção de saúde de fato e de promoção de afeto, promoção de amor e de respeito entre as pessoas. E amor também é ciência, é neurociência.
Eu queria terminar dizendo que essa cultura só vai mudar se for representada em oferta de assistência digna. Esse é o nosso papel. Como Casa Legislativa, como profissionais de saúde do Sistema Único de Saúde, nós temos que alavancar esse processo de mudança, monitorando indicadores de qualidade. A OMS diz muito bem: onde tem alta mortalidade materna e alta mortalidade infantil, se o problema de acesso está razoavelmente equacionado, porque os partos são hospitalares e as mulheres fazem pré-natal, o problema que resta, então, é a qualidade. O que nós estamos ofertando não condiz com a necessidade e os direitos das mulheres e das crianças. Nós temos que repensar nossas práticas e reformar o sistema obstétrico. Implementar boas práticas é uma obrigação da sociedade brasileira, dos profissionais de saúde e dos gestores de saúde.
Nós temos que modificar essa cultura. E o caminho é o SUS, porque nós estamos lidando também com o tema da indústria da doença, da indústria que promove problemas e fomenta os interesses da indústria da doença. Nós precisamos falar sobre isso.
Quando produzimos saúde com o parto normal e com o aleitamento materno, nós estamos obstaculizando, digamos assim, interesses econômicos lucrativos que não estão comprometidos com a promoção da saúde pública. Nós temos que refletir sobre isso.
Respondendo à pergunta sobre se a violência obstétrica nos afeta, eu acho que afeta todas nós e afeta a primeira infância também. Eu fico muito feliz porque esse tema está sendo conjugado e inter-relacionado cada vez mais com o movimento pela primeira infância. A proteção à primeira infância começa quando a mulher opta pela gravidez. E as mulheres ainda não têm opção, no Brasil, de acesso ao planejamento reprodutivo adequado, do acesso às consultas e a métodos, por exemplo, como o DIU.
Existe uma luta de categorias.
A corporação médica continua lutando para reservar o seu espaço no mercado, quando o interesse público é o de que as mulheres tenham acesso ao trabalho multiprofissional que facilite a sua real escolha pela gravidez e não tenha gravidez indesejada, nem aborto inseguro, nem morte materna, nem morte infantil, nem prematuridade evitável.
Isso, sim, a primeira infância, o desenvolvimento infantil, o crescimento e o desenvolvimento pleno dependem de modificar, de reformular nossas práticas assistenciais, porque quem faz mal não é o parto normal, é a má assistência que é realizada no parto normal, no parto vaginal — nem o chamamos de normal —, que causa toda essa percepção negativa às mulheres e à sociedade, como se fosse algo ultrapassado, assim como o aleitamento materno. E, na verdade, esse parto é negligenciado, porque os benefícios estão mais do que comprovados.
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17:31
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Então, eu queria agradecer e reforçar o convite à visita a Belo Horizonte, ao Hospital Sofia Feldman, esse celeiro de formação e da humanização, para que seja conhecido por vocês e por mais pessoas nesse Brasil e para que fomente a mudança na formação dos profissionais de saúde. E venham também à Sentidos do Nascer.
A SRA. PRESIDENTE (Meire Serafim. Bloco/UNIÃO - AC) - Obrigada, Dra. Sônia.
A SRA. DAPHNE RATTNER - Eu tenho a impressão de que não sobrou muito o que falar. Eu me senti bastante contemplada. Mas eu queria comentar que, além de ser Presidente da ReHuNa — Rede pela Humanização do Parto e Nascimento —, eu sou integrante da diretoria da ONG International MotherBaby Childbirth Organization, que, em parceria com a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia — FIGO, criou 12 passos, numa iniciativa internacional para o parto e o nascimento. E o primeiro passo dessa iniciativa é tratar as mulheres com respeito e dignidade. Ora, tratar com respeito e dignidade é exatamente o contrário da violência. Então, o primeiro passo é trazer essa visão da importância de que todas as mulheres, num local onde elas buscam assistência, num momento de grande vulnerabilidade — que é quando elas vão trazer um serzinho humano para a luz —, sejam respeitadas em sua autonomia, em sua dignidade.
A Sônia, na apresentação dela, falou da reforma obstétrica. Nós precisamos, sim, de uma reforma obstétrica. E não basta reformar só a ambiência onde a mulher vai ter o bebê; é preciso uma ambiência adequada, mas é preciso reformar a mentalidade dos profissionais de saúde.
Como eu comentei, muitos profissionais não se atualizaram com evidências científicas. Em 2017, o Ministério da Saúde lançou o Apice On — Aprimoramento e Inovação no Cuidado e Ensino em Obstetrícia e Neonatologia. Este projeto durou apenas 3 anos, ele se encerrou em junho de 2020.
Apesar de nós da ReHuNa termos pedido reiteradas vezes ao Ministério da Saúde que prorrogasse o prazo desse programa, porque 3 anos é muito pouco para mudar a cultura nos hospitais de ensino, isso não ocorreu. O programa precisaria ser retomado, porque, como diz o ditado: "de pequenino é que se torce o pepino", é no ensino de obstetrícia e neonatologia que a atitude de respeito à mulher, de respeito aos direitos da mulher e de respeito à fisiologia do parto deve ser implantada.
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17:35
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Eu peço a ajuda desta Casa para provocar o Ministério da Saúde no tocante à retomada do programa, porque, se os profissionais continuarem a ser formados num modelo que reitera aquilo que eu disse — práticas danosas, inefetivas e que devem ser abandonadas —, vai ser muito mais difícil acabar com a violência obstétrica. Depois que o profissional está formado, é mais difícil ainda mexermos nisso. Eu peço a ajuda desta Casa para que tenhamos a reforma obstétrica e para que possamos retomar esse programa, que era uma parceria do Ministério da Saúde com o Ministério da Educação, porque isso tem a ver com os dois Ministérios. Eu acho que esta Casa pode muito bem fortalecer a retomada desse programa. Assim, talvez daqui a 10 ou 15 anos até fiquemos nos perguntando: "Violência obstétrica? Como era isso?" Vai ser uma coisa do passado. Agora, se não mexermos no aparelho formador, nós vamos replicar o modelo atual, e o problema vai se estender.
A SRA. PRESIDENTE (Meire Serafim. Bloco/UNIÃO - AC) - Agradeço a todas as palestrantes a presença e parabenizo todas.
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