1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação
(Ciclo de diálogos União Europeia / Brasil - Prioridades Legislativas (semipresencia (semipresencial))
Em 31 de Maio de 2023 (Quarta-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Bom dia, senhores e senhoras. É com prazer e com alegria que estamos realizando este seminário tão importante para o Brasil e para o Congresso Nacional sobre um tema tão atual.
O Ciclo de Diálogo com a União Europeia e o Brasil será semipresencial e será transmitido pela Internet, executado aqui na Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Eu declaro aberto o presente Ciclo de Diálogos com a União Europeia e o Brasil, convocado com o objetivo de discutir prioridades legislativas para regulação de serviços digitais, com lições aprendidas na União Europeia.
Lembro que após este evento haverá reunião para deliberação de propostas legislativas.
Informo que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pela Internet e pode ser acessada pela página da Comissão no portal da Câmara ou pelo Youtube, no canal oficial da Casa. Após a audiência, as apresentações em multimídia serão disponibilizadas para consulta na página da Comissão.
Gostaria de convidar para compor a Mesa a Sra. Ana Beatriz Martins, Ministra Conselheira da delegação da União Europeia no Brasil; e o Sr. Ricardo Castanheira, Consultor Especialista do projeto Diálogos União Europeia/Brasil.
Antes de passar a palavra aos convidados, eu gostaria de tecer algumas considerações sobre os projetos que tratam desse tema — um de minha autoria — que tramitam nesta Casa, com o objetivo de regular as plataformas digitais para assegurar competição e inserção nos mercados da economia digital global.
Gostaria de dar as boas-vindas a todos os colegas presentes e agradecer à União Europeia, representada pela sua embaixada em Brasília, pela oportunidade de participar deste ciclo de diálogo com o Brasil, que trará contribuição extraordinária ao Congresso Nacional para o estabelecimento de uma legislação moderna, que terá por objetivo estabelecer regras para a nova economia, baseada nos serviços digitais, a fim de garantir a segurança dos usuários dos serviços, fomentar o surgimento e o crescimento de empresas digitais brasileiras inovadoras, criar condições para uma justa competição e inserir o Brasil nessa nova economia digital globalizada.
Teremos neste evento a participação do Consultor Especialista Ricardo Castanheira, do programa Diálogos União Europeia/Brasil, que tratará da legislação dos serviços digitais da União Europeia e mostrará de forma fundamentada ser essa uma das realizações mais modernas do mundo, que estabelece regras transparentes de forma a garantir a segurança dos usuários on-line e permitir o crescimento de empresas digitais inovadoras.
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A economia mundial do século XXI, como todos sabemos, é fortemente influenciada pelas plataformas digitais com atuação global, especialmente Google, Facebook, Amazon e Apple, que operam e exploram comercialmente os serviços digitais. Essas quatro empresas juntas, para os senhores terem uma ideia, em setembro de 2020, tinham um valor de mercado de mais de 5 trilhões de dólares.
O nosso PL 2.768, de 2022, propõe a regulamentação das plataformas digitais no Brasil, em linha com as melhores práticas observadas em todo o mundo, principalmente com o Digital Markets Act DMA da União Europeia, que entrou em vigor recentemente. O PL dispõe sobre a organização, o funcionamento e a operação das plataformas, estabelecendo princípios que serão objeto de regulamentação infralegal pelo Poder Executivo, após consultas públicas pelos órgãos competentes.
Falei com a Deputada Any Ortiz, Relatora deste projeto na Comissão de Desenvolvimento Econômico, que disse que pretende realizar audiências públicas — Deputado Mendonça, prazer — para aprofundar o debate que nós já fizemos na Universidade de Brasília. Já realizamos um debate na Universidade de Brasília e vamos realizar outro.
Tramita também no Congresso Nacional o PL 2.630, de 2020, que propõe normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na Internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei. Este PL tem escopo semelhante ao Digital Services Act — DSA da União Europeia.
Portanto, são iniciativas legislativas muito diferentes. Enquanto o PL 2.768, de 2022, trata da regulação técnica e de mercado para mitigar práticas antitruste e proteger direitos de usuários, o PL 2.630, de 2020, trata da liberdade, responsabilidade e transparência na Internet, com foco no conteúdo veiculado pelas redes sociais.
O PL 2.768, de 2022, define plataformas digitais como aplicações de Internet, de acordo com o inciso VII do art. 5º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, executadas nas seguintes modalidades:
a) serviços de intermediação on-line;
b) ferramentas de busca on-line;
c) redes sociais on-line;
d) plataformas de compartilhamento de vídeo;
e) serviços de comunicações interpessoais;
f) sistemas operacionais;
g) serviços de computação em nuvem;
h) serviços de publicidade on-line ofertados por operador das plataformas digitais previstas nas alíneas de "a" a "g".
Define ainda duas classes de usuários — isso é muito importante:
a) usuário profissional: qualquer pessoa, física ou jurídica, que, no âmbito das suas atividades profissionais ou comerciais, utilize as plataformas digitais para fornecimento, remunerado ou não, de bens ou serviços a usuários finais;
b) usuário final: qualquer pessoa, física ou jurídica, que utilize as plataformas digitais, de forma remunerada ou não, à exceção dos usuários profissionais.
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Adicionalmente foram criados no projeto de lei mecanismos para a mitigação do controle de acesso essencial, para democratizar o acesso pelos usuários e coibir possíveis práticas anticompetitivas. Os operadores das plataformas digitais serão considerados detentores de poder de controle de acesso essencial quando auferirem receita operacional anual igual ou superior a 70 milhões de reais — Deputado Vitor Lippi, prazer —, com a oferta de serviços ao público brasileiro, nos termos da regulamentação infralegal. Esse valor de referência será atualizado, anualmente, de acordo com o Índice Geral de Preços - Mercado — IGP-M do exercício anterior.
O PL 2.768, de 2022, também consolida as competências do CADE no que diz respeito aos atos de concentração, quando estabelece que tais atos envolvendo plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro deverão ser submetidos às normais gerais de proteção à ordem econômica.
As sanções por descumprimento previstas no projeto de lei seguem a lógica de "regulação responsiva", calibrando o seu rigor conforme o comportamento do agente regulado. Assim, serão aplicadas de forma isolada ou cumulativa:
a) advertência;
b) multa de até 2% do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício;
c) obrigação de fazer ou não fazer;
d) suspensão temporária das atividades;
e) proibição de exercício das atividades.
Em lugar de criar um novo regulador, entendemos que a ANATEL já possui expertise muito próxima daquela requerida para a missão de regular plataformas digitais. Basta lembrar que boa parte da regulação pró-concorrência da agência se baseou na obrigação das operadoras dominantes de prover a interconexão às suas redes das novas empresas entrantes no mercado, viabilizando assim a justa competição no mercado de telecomunicações.
O PL 2.768, de 2022, define as plataformas digitais como Serviço de Valor Adicionado — SVA. A Lei nº 9.472, de 1997, Lei Geral de Telecomunicações, definiu e separou os serviços de telecomunicações dos SVAS. A Lei Geral de Telecomunicações — LGT definiu SVA como uma atividade que acrescenta novas utilidades ao serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, mas com o qual não se confunde. Ademais, a lei classificou o provedor de SVA como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição. Assegurou também o direito de uso das redes para qualquer interessado em prestar SVA, cabendo à ANATEL, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações, conforme disposto no § 2º do art. 60 da Lei Geral de Telecomunicações.
Ora, todo o relacionamento entre prestador de serviços de telecomunicações e SVAs já é regulado pela ANATEL. Encontramos traços disso nos regulamentos de serviços editados pela agência na regulamentação consumerista de serviços de telecomunicações, bem como na possibilidade conferida a qualquer cidadão ou empresa que tiver seu direito violado, nos casos relativos à legislação de telecomunicações, de propor reclamação administrativa perante a agência.
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Assim, o PL nº 2.768/22 inclui as plataformas digitais dentro do escopo de serviços que hoje a ANATEL já regula e possui ampla experiência: na regulamentação consumerista, na regulamentação da competição, incluindo regulação ex ante, e na regulamentação responsiva.
Finalmente, propomos a criação do Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais — FisDigi, através de uma contribuição que será paga anualmente pelas operadoras de plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro, detentores de poder de controle de acesso essencial, correspondente a 2% da receita operacional bruta. Os recursos desse fundo serão usados para dotar a ANATEL de recursos suficientes para o cumprimento de sua nova missão, sendo que o Poder Executivo pode destinar parte dos valores desse fundo ao Fundo de Garantia de Operações — FGO, para serem utilizados como garantia ao desenvolvimento de produtos e serviços digitais inovadores, o que financiaria um FGO Digital.
Estamos confiantes de que o Congresso Nacional saberá responder a este novo desafio de inserir o Brasil na cadeia de valor da nova economia global regulando a economia digital de forma a garantir o direito dos usuários de serviços digitais, estimular os negócios, fomentar o crescimento da nova economia e assegurar a justa competição no mercado de forma a inserir o nosso País no processo produtivo da economia digital globalizada.
Muito obrigado.
Gostaria de passar a palavra à Dra. Ana Beatriz, Delegada da União Europeia no Brasil.
A SRA. ANA BEATRIZ MARTINS - Obrigada.
Exmo. Deputado João Maia, senhoras e senhores membros da Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação da Câmara, Exmos. Deputados e Senadores, prezadas e prezados convidados e participantes, em nome da Delegação da União Europeia no Brasil gostaria de agradecer à Comissão de Ciência, Tecnologia e Inovação por sediar aqui, na Câmara dos Deputados, esta rodada de diálogos sobre a regulação de serviços digitais.
É uma grande satisfação realizar esta rodada em parceria com uma expressiva presença, em especial presença de vários Deputados.
O encontro de hoje reflete a maturidade das relações entre a União Europeia e o Brasil, fruto de uma parceria estratégica estabelecida em 2007. A parceria estratégica nos permite cooperar em várias áreas de interesse comum, desde a pauta digital, a transição verde, a cibersegurança, o combate às alterações climáticas, a defesa de valores fundamentais, para mencionar algumas das áreas em que colaboramos. As relações e interações da União Europeia com o Congresso se prendem com este quadro estratégico. A recente visita de duas Comissões do Parlamento Europeu ao Brasil, nomeadamente a Comissão de Comércio Internacional e a das Relações Bilaterais União Europeia-Brasil, bem como a visita prevista das Comissões de Relações Externas e do Ambiente, no próximo mês, são demonstrações dessa frutífera relação.
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Uma troca de experiências exitosas com o Congresso, que nos orgulha muito, é a cooperação na área digital. O diálogo entre a União Europeia e o Brasil na área da proteção de dados pessoais permitiu compartilhar a abordagem da União Europeia com firmadores de políticas do Brasil. A convergência entre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais brasileira, de 2018, e o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia abre novos caminhos para facilitar as transferências internacionais de dados entre a União Europeia e o Brasil.
As trocas de experiências entre legisladores da União Europeia e do Brasil, que anteciparam a consagração do direito fundamental à proteção de dados pessoais na Constituição Federal brasileira por meio da Emenda Constitucional nº 115, é mais um exemplo de uma parceria frutífera. Com a eleição do novo Congresso, nós esperamos nos aproximar ainda mais, para acrescentar o intercâmbio sobre questões de interesse comum.
É neste intuito que lançamos hoje o 1º Seminário do Ciclo de Alvos União Europeia/Brasil sobre as Prioridades Legislativas do Congresso Nacional: Experiências Europeias, para entrar em diálogo com diversas comissões sobre temas estratégicos, como a transição verde, a transição digital e a regulamentação do uso da inteligência artificial.
No debate de hoje, propomos pôr enfoque na experiência da União Europeia em dois regulamentos adotados recentemente, no regulamento dos serviços digitais dos mercados digitais que entraram em vigor em novembro de 2022. A adoção destes dois regulamentos, que não foi sem desafios, significa para nós um dos maiores avanços na regulamentação do espaço digital. Tal como o Brasil, a União Europeia acredita que nós precisamos refletir e responder aos amplos impactos sociais da transformação digital, para garantirmos uma abordagem centrada no ser humano e na proteção das nossas democracias liberais.
É nesta ótica que a União Europeia criou o Pacote Legislativo de Serviços Digitais, fruto de amplo debate com várias partes da sociedade, em especial a indústria e a sociedade civil, com vista a moldar um quadro digital em benefício de todos os cidadãos.
É um enorme prazer contar, hoje, com a presença do Dr. Ricardo Castanheira, aqui ao meu lado, ex-Deputado do Parlamento português e um especialista renomado no âmbito europeu na área de legislação digital, bem como um grande conhecedor do Brasil nas questões de políticas digitais, para nos fornecer mais detalhes sobre a abordagem da União Europeia e o processo legislativo pelo qual passamos.
Acreditamos que as lições aprendidas na União Europeia podem ser de utilidade para o Brasil num ou noutro aspecto, já que a União Europeia enfrentou alguns dos mesmos desafios e dilemas que o Congresso está enfrentando neste momento, com várias iniciativas legislativas na área da regulação dos serviços digitais. Desejo a todos uma boa troca e um diálogo frutífero.
Muito obrigada pela atenção. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Deputado Cleber Verde, seja bem-vindo!
Antes de passar a palavra ao nosso especialista Dr. Castanheira, eu quero registrar um agradecimento especial à Deputada Luisa Canziani, Presidente desta Comissão, que cedeu toda esta estrutura para realizarmos este evento.
Muito obrigado, Presidente. Nós esperamos vê-la ainda durante este evento. Ela me disse que tinha algumas atividades anteriores.
Eu gostaria de passar a palavra ao Dr. Ricardo Castanheira, que tem um currículo impecável, no que toca às relações entre o Brasil e a União Europeia.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito bom dia a todas e a todos. Muito bom dia, Deputado João Maia, Deputado Mendonça Filho, Deputado Vitor Lippi, Deputado Cleber Verde, Ministra e Conselheira Ana Beatriz Martins.
Deputado João Maia, eu queria começar agradecendo enormemente a oportunidade que nos dá de estarmos aqui hoje para levar a cabo esta iniciativa de diálogos. Porque se trata de diálogos, a expectativa que temos é exatamente de, depois da apresentação, ver uma relação bidirecional, ou seja, uma relação em que haja, da parte dos Srs. Deputados, dos vários assessores legislativos aqui presentes, uma reação, para que, no tempo que nos resta, façamos uma reflexão conjunta sobre não apenas aquilo que foram os aprendizados na União Europeia, mas também sobre o que nós gostamos e queremos ouvir, do que se está a passar e virá a passar no Brasil.
Permitam-me, antes de começar, fazer duas breves notas. Uma nota é que, Deputado João Maia, meus caros Deputados, esta é uma espécie de um retorno a casa, do ponto de vista pessoal. Eu morei 7 anos no Brasil, morei 7 anos aqui em Brasília, e por muitos dias e muitas horas estive nesta sala, entre outras salas, a acompanhar seu trabalho e a interagir com os Deputados e os Senadores brasileiros, por quem tenho o maior respeito e a maior consideração.
Há uma segunda nota pessoal, porque há um amigo na sala que fez questão de sair às 4 da manhã do Rio de Janeiro para vir estar aqui hoje conosco, o Dr. Sidney Sanches, que, além de ser um amigo, é o Presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, a Casa de Montezuma, além de ilustre representante da Ordem dos Advogados do Brasil, que aqui nos vem prestigiar. Naturalmente, quero muito agradecer a ele.
Ao entrar no tema que aqui nos traz, queria fazer uma ressalva inicial. Por vezes, nós portugueses somos muito literais, muito francos e muito diretos na forma como nos comunicamos, mas não entendam nunca da minha apresentação nenhum tipo de paternalismo europeu ou intenção de vir explicar ao Brasil como devem fazer as coisas — não é este o objetivo desta apresentação. O objetivo da apresentação é, de forma muito humilde, relatar aos senhores, narrar aos senhores o que nós fizemos, o que aconteceu e está a acontecer na Europa, tão somente isto.
Postas e feitas estas ressalvas, o Pacote dos Serviços Digitais na Europa, como foi muito bem explicado pelo Deputado João Maia e pela Ministra Conselheira Ana Beatriz, é composto por duas iniciativas: o Ato dos Serviços Digitais e o Ato dos Mercados Digitais.
Passo a exibir algumas imagens.
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(Segue-se exibição de imagens.)
Este é o índice do que vamos aqui tratar. Por economia de tempo, talvez possamos passar o índice, que não é tão relevante.
Na verdade, o Pacote dos Serviços Digitais não surge do nada. Ele é o resultado de uma estratégia muito mais ampla e de um conjunto de avaliações que foram sendo feitas ao longo dos últimos anos na União Europeia. Basicamente, a União Europeia constatou que a digitalização e as tecnologias da informação são ferramentas absolutamente fundamentais para fazer o crescimento da economia e o crescimento da sociedade. Por isso, havia que desenhar uma estratégia que fosse focada no crescimento, focada o reforço da competitividade global, porque, quando nós na União Europeia olhávamos para a lista dos principais players tecnológicos, nos dez primeiros lugares não encontrávamos empresas ou companhias europeias. Portanto, isso significa que a União Europeia estava atrás quando olhávamos para a competitividade e para o crescimento. Era preciso, pois, definir uma estratégia que revertesse ou alterasse este quadro.
Por outro lado, hoje em dia nós sabemos que as tecnologias são elementos fundamentais de afirmação da soberania ou de ataque às soberanias nacionais. Não pretendo entrar neste detalhe, porque foge um pouco ao escopo da nossa conversa aqui, a verdade é que, na estratégia europeia, também existe, também está presente esta dimensão de como afirmar a soberania digital europeia.
Na União Europeia — isto foi mencionado pela Ministra Conselheira Ana Beatriz —, nós desenvolvemos um pacote, o chamado "pacote da transição gêmea, verde e digital". Não se pode falar de digital sem se falar de verde; não se pode falar de verde sem se falar de digital. Portanto, este elemento também faz parte da estratégia europeia.
Inexoravelmente e inelutavelmente, o objetivo último é crescer e criar mais empregos. Nós temos mensagens de que a tecnologia, hoje em dia, quando se fala, por exemplo, de robotização e de inteligência artificial, derrubará, reduzirá o número de empregos. Mas a verdade é que também há o outro lado da história, quando se criam outros empregos, empregos mais qualificados, mais diferenciados. Na nossa estratégia, na Europa, havia esta dimensão. Em suma, a verdade é que nós queríamos e queremos melhorar a vida dos cidadãos europeus.
Houve dois elementos que eu gostaria de destacar, já que podem servir, quem sabe um dia, de inspiração ao Brasil. Nós aprovamos uma declaração dos princípios e dos direitos digitais na Europa. Trata-se de um conjunto, de uma carta de direitos e princípios que devem presidir tudo quanto seja a vida no ambiente digital. Isso é extraordinariamente importante, na medida em que está intrinsecamente ligado com o ato, ou com os atos, de que aqui hoje vamos falar.
Ademais, foi aprovado o programa político chamado "Guião para a Década Digital", ou caminho, que representa um conjunto de objetivos muito claros, com os chamados, na expressão inglesa, KPIs, portanto, com objetivos e metas que têm que ser alcançados em determinado período de tempo, até 2030, como a penetração de banda larga nos lares da União Europeia, o número de desenvolvimento do 5G e do 6G, a penetração e o uso da Internet nas empresas e o número de startups digitais. Tudo isso consta deste programa político, que são objetivos para que a União Europeia, até 2030, possa claramente firmar-se na liderança, quando se fala de digital.
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Posto isso, feita esta primeira explicação, coloca-se uma pergunta: o ato dos serviços digitais e o ato dos mercados digitais eram realmente necessários? A verdade é que, quando nós falamos de tecnologia, nós hoje não conseguimos, aliás, basta olharmos à nossa volta e percebermos que à frente de cada um existe um computador, na mão de cada um existe, pelo menos, um ou dois celulares, e muitos dos senhores já têm relógios inteligentes, não esquecendo, naturalmente, um conjunto de tecnologia como aquela para a qual estamos hoje a falar: estamos pela Internet e já não apenas na Câmara.
Portanto, a tecnologia faz parte da nossa vida quotidiana, é uma extensão da nossa vida cotidiana. Isso significa que, naturalmente, havia a necessidade jurídica de fazer algo, porque não são só vantagens, há riscos, e é preciso observar os riscos e, no caso também, percebeu-se que havia uma excessiva concentração de usuários e de atividades comerciais em muito poucas plataformas na União Europeia. Isso significa que há muito poucos players que detêm um market share muito considerável daquele que era o comércio digital na União Europeia, o que levantava questões de concorrência e questões que afetam a competitividade.
Por isso, percebeu-se que, se, por um lado, era preciso promover a competitividade e criar mecanismos que, no fundo, fizessem funcionar e fiscalizar a concorrência ex-ante e não ex-post, a verdade, também, é que se percebeu que muitos dos riscos que hoje temos no ambiente digital resultam da ausência de mecanismos de moderação dos conteúdos, ausência de mecanismos de controle, por exemplo, de bens ilegais, de serviços ilegais, ou de conteúdo, através de mensagens, que se consideram de desinformação.
Perante isso, percebeu-se claramente que havia a necessidade e a oportunidade para legislar. É importante que as senhoras e os senhores percebam que, na União Europeia, quem tem a iniciativa legislativa é a Comissão Europeia. A Comissão Europeia tem a iniciativa legislativa de fazer a proposta, seguir o Parlamento europeu, eleito por voto direto pelos cidadãos europeus, discutir esta proposta e preparar um relatório; ao lado, simultaneamente, em outra pista, o chamado Conselho da União Europeia, no qual estão representados os 27 Estados-Membros, discutem a mesma proposta e preparam aquilo que é chamado orientação geral, ou seja, a posição comum.
Uma vez definida a posição comum do conselho, ou seja, dos 27 Estados-Membros, e do Parlamento europeu, dos Deputados, vai iniciar-se uma terceira fase, a chamada fase dos trílogos, quando o Parlamento, o Conselho da União Europeia e a Comissão, que foi quem propôs inicialmente, sentam-se à mesa para negociar a versão final destas propostas.
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Este é um processo que será fácil de entender, um processo muito sindicado, um processo muito detalhado, um processo profundamente negociado ao longo do tempo, cujo resultado final é, como imaginam, muitas tensões, mas também muitos acordos. Isso significa que não é fácil, imaginem, colocar-se do mesmo lado a vontade de centenas de Deputados de 27 Estados-Membros e a de uma Comissão Europeia. Portanto, em regra, o resultado final é positivo.
Eu irei entrar em mais detalhes, mas este é um quadro que serve muito como síntese dos dois atos. O objetivo do Ato dos Serviços Digitais era fomentar transparência, dar mais segurança aos usuários e avaliar a responsabilidade das plataformas digitais. No caso do Ato dos Mercados Digitais, o objetivo era e ainda é promover a concorrência e facilitar a entrada de novas empresas no mercado.
Quando pensamos nos destinatários das duas propostas, no caso do Ato dos Serviços Digitais, nós temos quatro níveis diferentes, ao contrário do Brasil, que, no caso do chamado PL das Fake News, existe apenas um foco essencial. No caso da Europa, existem quatro níveis. Eu irei explicar com mais detalhes, mas são eles: serviços intermediários, serviços de hospedagem, plataformas em linha, que é o chamado mercados em linha, e plataformas e motores de pesquisa ou de busca de grande dimensão.
No caso do Ato dos Mercados Digitais, os destinatários são as chamadas plataformas gatekeepers, em inglês, ou guardiãs, em português, ou controladoras de acesso, se quiserem. Depois definimos vários critérios — irei explicá-los em detalhes —, que são critérios quantitativos e critérios qualitativos, para que possam ser elegíveis e considerados como destinatários destas propostas.
As disposições principais, que também iremos analisar em detalhes, já referiam à questão da responsabilidade, mais obrigações de transparência e reporte, obrigações de dever de cuidado e diligência, no caso do Ato dos Serviços Digitais. No caso do Ato dos Mercados Digitais, criou-se uma lista de obrigações e uma lista de proibições, ou seja, coisas que podem ser feitas pelas empresas e coisas que não podem ser feitas pelas empresas que sejam consideradas plataformas guardiãs.
Depois vem a questão da fiscalização. Iremos falar um pouco mais sobre isso porque, tanto lá como cá, foi uma das questões mais controvertidas e mais controversas sobre como e que entidades vão fiscalizar a implementação efetiva destas propostas.
No caso do Ato dos Serviços Digitais, nós concluímos que haveria dois níveis: o nível dos Estados-Membros, os chamados coordenadores dos serviços digitais; e um nível supranacional ou pan-europeu, um nível europeu, chamado de supervisor dos coordenadores digitais, em que todos estão agrupados, e a Comissão Europeia. A Comissão Europeia, como iremos ver, dedica-se exclusivamente à fiscalização das grandes plataformas digitais e dos grandes motores de busca. No caso do Ato dos Mercados Digitais, atribuíram, sobretudo, competências à Comissão Europeia, sem prejuízo das competências das autoridades de concorrência em cada um dos Estados-Membros.
Temos, finalmente, as sanções, que são sempre importantes. Obviamente, o objetivo é que elas não sejam aplicadas, o que significa que todo mundo está cumprindo, mas a verdade é que elas têm que existir. Trata-se de sanções pesadas, eu diria, muito pesadas mesmo. No caso do Ato dos Mercados Digitais, imagina-se que a multa pode ir até 6% do turnover global anual destas plataformas.
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Imaginem, mas são 6% de tudo o que estas plataformas faturam anualmente em todo o mundo. Portanto, é um valor que pode ser absolutamente astronômico. No caso do Ato dos Mercados Digitais, é a mesma coisa: pode ir até 10% do turnover global anual e, se houver reincidência, se insistirem na prática de ilicitude ou ilegalidade, isso pode chegar a 20%. Reparem que, embora sintético, este quadro explica os elementos fundamentais das duas propostas.
Os senhores entendem por que isso me parece importante? Porque é um fator que distingue da proposta que, neste momento, está a ser discutida, no caso, o chamado PL das Fake News no Brasil. No nosso caso, na Europa, nós aprovamos, e nossa opção foram quatro níveis diferentes de plataformas, que são as destinatárias deste ato: os chamados serviços intermediários, que são todos os serviços de infraestrutura de rede, provedores de acesso à Internet e os chamados registradores do nome de domínio; estes são destinatários e têm um conjunto de obrigações específicas e mais limitadas. Depois, há um subnível, que são os chamados serviços de hospedagem, os serviços de nuvem, que têm um conjunto acrescido de obrigações de que também fazem parte. Em seguida, vêm as plataformas em linha ou os chamados mercados em linha, que, para facilitar a compreensão, são os mercados em que os usuários hoje praticamente fazem aquisições on-line. Trata-se das lojas de aplicativos, das plataformas de economia colaborativa e de mídias sociais. Para este grupo, criaram-se responsabilidades adicionais. E, finalmente, há as chamadas plataformas muito grandes ou os motores de pesquisa ou motores de busca de grande dimensão, para os quais foi criado, ainda, um conjunto de responsabilidades específicas e adicionais.
Em resumo, não tratamos da mesma maneira plataformas que têm naturezas diferentes, dimensões diferentes e essências diferentes. Criamos conjuntos de obrigações distintas para casos diferentes.
Olhando, com mais detalhes, para um conjunto de novas obrigações do Ato dos Mercados Digitais, é interessante percebermos que estes elementos são elementos novos, que nós introduzimos em algo que já existia. Eu deveria ter dito, no princípio, que o Ato dos Mercados Digitais é, ao mesmo tempo, uma revisão de uma diretiva do comércio eletrônico do ano 2000. Esta diretiva do comércio eletrônico foi revista, e o Ato dos Mercados Digitais revê esta diretiva. Ao fazê-lo, preservou-se um conjunto de elementos que já constam da diretiva, elementos muito importantes.
São três princípios importantes da diretiva do comércio eletrônico. O primeiro é o chamado princípio do país de origem, um princípio muito relevante para a construção da União Europeia, princípio que não se aplica de forma alguma ao Brasil. O que diz este princípio do país de origem? Como, na União Europeia, há 27 Estados-Membros, para facilitar a construção do mercado interno, seria muito complexo pedir a cada empresa que tivesse uma sede em cada um dos 27 Estados-Membros. Isso prejudicaria a atividade econômica das empresas e tornaria absolutamente insustentável, do ponto de vista burocrático.
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O princípio do país de origem diz que basta registrar-se, ter o seu quartel-general, a sua sede, em um dos 27 Estados-membros, podendo exercer atividade comercial nos demais. E a sua relação jurídica é com a legislação do país, do Estado-membro, onde está a sua sede. É essa a lei que se deve obedecer. Este é o chamado princípio do país de origem. O Ato dos Serviços Digitais não alterou este elemento.
O segundo princípio importante é o princípio ou obrigação de não monitoramento geral. O que é a obrigação de não monitoramento geral? Significa que as plataformas não podem fazer o varrimento dos seus conteúdos de forma indiscriminada e discricionária, porque isso colocaria em causa princípios, liberdades fundamentais e direitos fundamentais. Esse princípio foi estatuído na Diretiva sobre o Comércio Eletrônico no ano de 2000 e foi preservado e mantido pelo Ato dos Serviços Digitais.
O terceiro princípio que foi preservado é o chamado princípio da responsabilidade limitada. Em inglês, a expressão é safe harbor, porto seguro, em que as plataformas não poderiam ser responsabilizadas por tudo aquilo que aconteça no seu ambiente, exceto se forem notificadas pelos usuários, individuais ou corporativos, e nada façam — nesse caso, tomaram conhecimento e nada fizeram, existe uma responsabilidade —, ou, segunda situação, passaram a ter um papel ativo na promoção de determinados conteúdos que sejam considerados ilegais. Nessas duas circunstâncias, ou por omissão perante uma notificação ou por ação por atividade versus passividade, nesses casos, seriam associados. E apenas nesses casos. Por isso se chama princípio de responsabilidade limitada. Esse princípio também foi preservado pelo Ato dos Serviços Digitais.
Dito isso, o que nós aprendemos e o que incluímos? Um conjunto de novas obrigações. Trata-se de um conjunto de medidas para combater produtos, serviços ou conteúdos ilegais em linha. Por exemplo, sinalizadores de confiança. O que são sinalizadores de confiança? São entidades que têm uma expertise muito grande no controle dos conteúdos, sobretudo aplica-se ao caso dos produtos e mecanismos de combate à contrafação, à pirataria, em que já faziam um controle do ambiente da Internet para perceber se havia conteúdos ilegais. Esses sinalizadores de confiança, que têm que ser independentes e que têm que ser reconhecidos formalmente pelos tais coordenadores dos serviços digitais em cada Estado-membro passaram a ter um papel reforçado de controle do ambiente digital.
Por outro lado, criaram-se novas obrigações de rastreabilidade dos usuários comerciais. O que é isso? Em inglês é o chamado princípio do know your business customer, ou seja, conheça o seu cliente corporativo. Não se inventou a roda. Esse é um princípio que existe há muito tempo no ambiente financeiro. Os senhores e as senhoras não conseguem no Brasil e em nenhum país civilizado do mundo abrir uma conta num banco com um nome falso, com um documento falso, com um e-mail falso. Isso não é possível porque o banco faz um due diligence, pois tem que saber quem é o seu cliente. A questão é: por que no ambiente digital isso não teria que ser também aplicado?
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Portanto, criou-se, digamos, a extensão desta obrigação, um conjunto de plataformas, em particular as plataformas on-line, aos mercados em linha. Depois se criou outro conjunto de obrigações que têm muito a ver com controle muito forte da publicidade em linha; proibição da publicidade dirigida às crianças e aos menores; um controle do algoritmo, que pode ser feito por pesquisadores que sejam reconhecidamente independentes e que sejam aprovados pelos coordenadores dos serviços digitais, para que percebam se o algoritmo é ou não direcionado e se isso altera os comportamentos dos usuários.
Rapidamente, este é o esquema de que falei em que se consegue perceber os diferentes níveis de obrigações em virtude da natureza das diferentes plataformas.
Quatro temas foram complexos. A questão da obrigação de rastreabilidade foi muito discutida. Discutimos muito também o papel de coordenação e da criação ou não de novas autoridades. Havia uma tendência no Parlamento Europeu para criar uma nova autoridade europeia que fizesse o controlo do ambiente digital em toda a Europa. Essa tese não foi acolhida. A alternativa foi criar, então, como me referi, dois níveis: o chamado coordenador do serviço digital em cada Estado-membro, que pode ser uma autoridade nova a ser criada, pode ser uma autoridade preexistente que tivesse expertise no domínio do comércio em linha e dos serviços digitais.
Vou citar o caso francês: a França...
(O Sr. Presidente faz soar as campainhas.)
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Presidente, eu pediria um pouco mais de condescendência, porque quero entrar no projeto do qual o senhor é autor. Muito obrigado.
Portanto, citarei o caso da França em que criaram uma entidade. Juntaram aquilo que controlava a comunicação social, a mídia, com outra entidade ligada ao digital. Assim, criaram uma entidade nova para ser o coordenador de serviços digitais.
Há outros países em que, imaginem, as entidades reguladoras das telecomunicações serão os coordenadores de serviços digitais. E há Estados-membros que vão criar algo novo, que não existia, para que seja o coordenador de serviços digitais. Esse coordenador dos serviços digitais se aplica apenas às três primeiras camadas que vimos aqui. Fazem a fiscalização e o controle das obrigações das três primeiras. As últimas, as grandes plataformas ou os grandes motores de pesquisa são a Comissão Europeia, porque chegamos à conclusão de que só Comissão Europeia teria meios e recursos financeiros e humanos e especialistas suficientes para lidar com tão complexa e difícil situação.
Portanto, as grandes plataformas são aquelas que têm, no mínimo, 10% da população europeia e 45 milhões de usuários ativos por mês. Elas são consideradas grandes plataformas e ficam debaixo da alçada da fiscalização da Comissão Europeia. Portanto, esta foi a forma que encontramos para resolver o problema do enforcement, da fiscalização.
Por outro lado, outra questão controversa para a qual eu gostaria de chamar a atenção dos senhores, foi se incluiríamos ou não as pequenas e microempresas no escopo do Ato dos Serviços Digitais. A verdade é que há aqui um conjunto de obrigações que exigem capacidade financeira da empresa. Há um conjunto de obrigações que exigem que haja advogados internamente, que haja gente com expertise, e nós sabemos que as pequenas e microempresas não têm, em regra, isso. Então, seria uma sobrecarga se essas pequenas e microempresas ficassem.
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Na maior parte das obrigações, na maioria das obrigações, as pequenas e microempresas estão isentas, exceto algumas que são consideradas capazes. E também se verificou que a Comissão Europeia deveria rever — e ficou esse compromisso político — a definição de pequena e microempresa, porque há uma definição europeia do que é pequena e microempresa: que tem um número mínimo de empregados, que tem uma renda mínima anual e que está desatualizada para o mundo digital. Então, ficou o compromisso de isso ser revisto.
Portanto, eu aqui queria dizer que esses foram os elementos mais controversos e mais discutidos do Ato dos Serviços Digitais.
Passando muito rapidamente para o Ato dos Mercados Digitais, quero dizer que nós precisávamos compreender quem são os destinatários, as tais chamadas plataformas guardiãs, ou gatekeepers, e criar critérios quantitativos e critérios qualitativos.
Os critérios qualitativos são os seguintes.
É preciso que gerem forte impacto econômico, de controle do mercado. Para isso, teriam que ter uma receita de pelo menos 7,5 bilhões de euros por ano na União Europeia ou uma avaliação de mercado de 75 bilhões de euros por ano. Esses são critérios cumulativos. Além disso, têm que ter 45 milhões de usuários mensais, tal como no Ato dos Serviços Digitais, para poderem ser consideradas guardiãs. E, finalmente — em um ano elas podem ser gatekeepers e, no outro ano, por razões diversas, deixar de ser —, para que sejam realmente consideradas gatekeepers, têm que manter essa condição de controle do mercado pelo menos por 3 exercícios financeiros, 3 anos consecutivos.
Portanto, concordamos, ao final, que esses seriam os mecanismos necessários para que elas pudessem ser consideradas destinatárias do Ato dos Mercados Digitais e, como tal, pudessem ser consideradas guardiãs.
Para elas, surgiram novas obrigações, como, por exemplo, permitir que os usuários comerciais tenham acesso aos seus próprios dados, porque hoje, nessas plataformas, uma empresa ou um cidadão partilha os seus dados, mas não tem acesso a esses dados, não sabe o que é feito com os seus dados. E hoje nós vivemos não mais na economia do petróleo, mas na economia dos dados. Significa que os dados hoje são a matéria-prima da economia digital.
Os usuários comerciais poderiam também passar a ter acesso a consumidores e usuários finais dentro do ambiente dessas mesmas plataformas, coisa que hoje em dia, na maior parte dos casos, não é possível. Ou seja, se, em uma determinada plataforma, você quisesse fechar um contrato com um usuário final, você teria que sair daquele ambiente para fechar esse contrato. A maior parte dos usuários não quer sair daquele ambiente, quer se manter nele. Então, como essas plataformas muitas vezes tinham serviços concorrenciais, essa era uma forma de fazer o chamado lock-in, ou seja, o bloqueio do acesso ao mercado de determinadas plataformas. Então, há a obrigação de permitir que isso possa ser feito.
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Por outro lado, há que se permitir também que terceiros, terceiras entidades, interoperem com o chamado controlador de acesso. Isso é muito importante, do ponto de vista, por exemplo, dos serviços de mensagens instantâneas. Os serviços de mensagens instantâneas, como o WhatsApp, não estão no escopo do Ato dos Serviços Digitais, mas caem no escopo do Ato dos Mercados Digitais, e a solução foi a chamada interoperabilidade, ou seja, quando você está usando um determinado ambiente, tem que permitir que os developers, os desenvolvedores do software de outras plataformas, possam interagir. Exemplo: para quem tem um iPhone, existe o iMessenger, que só funciona no ambiente do iPhone, não funciona em outro ambiente. Isso era uma forma de bloquear, de fazer o lock-in do usuário nesse ambiente. Essas alterações foram previstas.
E depois vêm as proibições: não poder tratar, de forma privilegiada e preferencial, os seus produtos na sua própria plataforma, quando comparados com terceiros; proibir que os consumidores fiquem vinculados àquela plataforma e que não consigam sair daquele serviço — na maior parte das vezes, os consumidores não leem os termos e condições e não percebem que ficarão vinculados e que não conseguem depois dali sair. A terceira, e muito importante, é proibir que haja uma utilização indevida dos dados individuais, para efeitos da chamada publicidade dirigida, targeted advertising, ou seja, a publicidade personalizada, em que sabem exatamente o que nós queremos, o que nós procuramos, o que nós buscamos e então começam a nos propor serviços, a nos propor bens, que são feitos com base no nosso perfil. Isso também foi proibido.
Portanto, no Ato dos Mercados Digitais, Deputado João Maia — e termino mesmo, e muito obrigado por sua condescendência —, há um calendário temporal. E nós estamos nisso. As duas propostas foram aprovadas no final de 2022, e agora há um processo de identificação de quais são as plataformas que caem no escopo de uma proposta e quais são as plataformas caem no escopo da outra proposta. É neste momento que nós nos encontramos, em que as próprias plataformas se apresentam à Comissão Europeia e dizem: nós somos consideradas guardiãs. A seguir, a Comissão Europeia vai fazer uma indagação, uma fiscalização, se realmente são ou não são. E o mesmo se aplica no Ato dos Serviços Digitais: "Nós somos consideradas grandes plataformas ou grandes motores de busca, de pesquisa". E a Comissão Europeia faz também essa avaliação. A partir daqui, nos próximos meses — no caso, eu diria, a partir do início de 2024 —, ambos os atos serão implementados de forma absolutamente efetiva.
Portanto, foram apresentados em dezembro de 2020, foram discutidos e aprovados em 2022 e serão implementados, em absoluto, no início de 2024.
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Foram aprovados, já entraram em vigor, mas, na maior parte dos casos, ainda não há uma implementação, porque há mecanismos que estão ainda em curso.
Muito obrigado, Srs. Deputados, senhoras e senhores, pela sua atenção. Agora estou claramente à disposição para ouvi-los, porque quero aprender o que está acontecendo no Brasil. Queremos, nós todos também que aqui estamos em representação dos Diálogos da União Europeia, ouvir o que estão fazendo e aprender também. Naturalmente, estamos disponíveis para questões que queiram apresentar e para as quais queiram esclarecimentos.
Muito obrigado. (Palmas.)
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O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Dr. Ricardo Castanheira, nós lhe agradecemos a excelência da exposição, que foi muito esclarecedora e que será muito útil para todos nós.
Eu quero registrar e agradecer a presença da Deputada Ana Pimentel, do Deputado Marco Brasil, do Deputado Julio Lopes, da Deputada Flávia Morais e do Deputado Eduardo Velloso.
Vou abrir a palavra prioritariamente aos Srs. Deputados, caso queiram fazer indagações a algum dos expositores.
Se algum dos membros que estão participando quiser fazer indagação, pode se inscrever na mesa ao lado. Quando houver tempo, nós concederemos a palavra.
O SR. VITOR LIPPI (Bloco/PSDB - SP) - Caríssimo Deputado João Maia, que preside esta nossa audiência pública, quero cumprimentá-lo pela oportunidade, mais uma vez, de nos orientar e conduzir a nossa reunião. Cumprimento a Dra. Ana Beatriz Martins e agradeço a sua presença. Cumprimento o Dr. Ricardo pela excelente e brilhante apresentação.
Esse é um tema que nos interessa muito e que tem criado muitas polêmicas no Parlamento. Não é algo fácil de ser construído certamente. E me impressionou a preocupação de ter todas essas etapas da Comissão Europeia, do Parlamento europeu, do Conselho Europeu, depois a aprovação novamente. Houve uma série de etapas para a maturação dessas propostas, que me parecem ter muita consistência e muita coerência.
Eu até pedi para tirarem uma cópia, para depois eu ler com mais calma esse material. Mas existem duas questões que polemizaram mais no Brasil e que acabaram criando, muitas vezes, distorções de entendimento, tanto é que, em relação à proposta no Brasil de regulação dessas plataformas, na verdade, dizia-se que estava sendo criada uma lei da censura no Brasil. Isso certamente criou uma confusão danada, uma mobilização de parte da sociedade, que disse que isso era um absurdo, que ninguém poderia concordar com isso, que esta Casa não poderia concordar com uma censura e que isso iria prejudicar a democracia.
Muito bem. Certamente, não era isso o que nós queríamos construir, mas nós vemos que os pontos polêmicos são principalmente a questão da autoridade — quem vai dizer se aquilo é ou não é um conteúdo perigoso, se aquilo é um conteúdo adequado ou não? Nós tivemos dificuldade de encontrar um caminho seguro para isso, não é, Deputado João Maia?
Há outra questão também. Foi falado aqui que isso tem como pressuposto a transparência, a responsabilidade, para que as plataformas sejam corresponsáveis também por questões ilegais.
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E o que seria exatamente ilegal? Quer dizer, que nível de desinformação seria considerado ilegal e passível de retirada da rede ou de responsabilização?
Há o conteúdo ideológico eventualmente. Enfim, sabemos que há um uso político também das plataformas. Tudo isso é bastante complexo. Então, eu gostaria que o senhor pudesse, por favor, falar um pouco mais disso.
Estamos aqui com o autor da nossa proposta aqui no Brasil, o Deputado Orlando Silva.
O SR. ORLANDO SILVA (Bloco/PCdoB - SP) - O autor é o Senador Alessandro Vieira.
O SR. VITOR LIPPI (Bloco/PSDB - SP) - Certamente o Deputado Orlando Silva também vai gostar muito de ouvi-lo. Essa experiência da União Europeia, sem dúvida, pode e deve servir como uma ótima experiência e um ótimo laboratório para a construção de algo semelhante no Brasil.
Muito obrigado.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado, Deputado, pelas considerações e pelas questões que coloca. Eu não irei fazer juízo de consideração nem de valor sobre a proposta brasileira, como bem imagina. Vou exatamente relatar as soluções encontradas na União Europeia.
Na União Europeia, é importante notar que o Ato dos Serviços Digitais trata essencialmente de conteúdos ilegais. Pergunta-se: o que são os conteúdos ilegais? A resposta é muito fácil: é o que está definido como ilegal nas normas nacionais de cada um dos 27 Estados-membros e o que é considerado taxativamente ilegal nas diretivas e nos regulamentos europeus. Portanto, aquilo que já está hoje definido como ilegal é o conteúdo ilegal. Esse é o objeto e o que está no escopo do Ato dos Serviços Digitais. Nós fugimos — não quisermos adentrá-la — na discussão do chamado conteúdo nocivo, algo que, não sendo ilegal, é nocivo, é perverso, é complexo. Então, isso não consta do objeto da proposta.
Quais foram os mecanismos que encontramos para responder de forma indireta a isso? Eu chamaria a atenção para três soluções.
A primeira solução são os códigos de conduta que voluntariamente as plataformas e as empresas têm que aderir. Nesses códigos de conduta, a própria Comissão Europeia tem um papel ativo, tanto na construção quanto na fiscalização desses códigos de conduta. Portanto, há aqui uma dimensão de autorregulação que complementa a dimensão regulatória.
A segunda solução — e o Ato dos Serviços Digitais as prevê — são as chamadas avaliações de riscos sistêmicos. Isso significa que as próprias plataformas, de forma proativa, têm que fazer anualmente avaliações de riscos sistêmicos. Elas têm que compreender se o seu ambiente, se o conteúdo dentro do seu ambiente, se o seu ecossistema pode gerar riscos sistêmicos. E os riscos sistêmicos são riscos para a saúde pública, para a democracia, para o ambiente político, para as questões de gênero. Então, as plataformas são obrigadas — essa é uma das obrigações — a fazê-las anualmente.
O SR. VITOR LIPPI (Bloco/PSDB - SP) - É uma obrigação?
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O SR. RICARDO CASTANHEIRA - É uma obrigação.
Por fim, há um terceiro elemento muito relevante, que é também o das auditorias anuais independentes, ou seja, entidades externas que vão auditar de forma independente, naturalmente, essas plataformas para compreender o comportamento, com que dados trabalham, como trabalham, o.k.?
Portanto, reparem que, com estas três dimensões, sem discutir se A ou B estão corretos, nós criamos mecanismos que tenham complementariedade regulatória, porque também dependem, em grande medida, da vontade da própria plataforma. E essa foi a forma que nós encontramos para responder às questões colocadas.
Nós lá usávamos uma expressão: "Ninguém quer ser o Ministério da Verdade". Essa é uma expressão que nós usávamos para tentar fugir o mais rápido possível dessas questões, criando, todavia, obrigações, conforme acabei de descrever, e atuando muito no sentido da responsabilidade corporativa das próprias empresas, que é fundamental nesta matéria. E, na União Europeia, não começaram com o ato de serviços digitais. É bom reforçar que, nesses 2 anos antes do ato de serviços digitais, já havia códigos de conduta subscritos na União Europeia pelas maiores empresas de tecnologia do mundo. Portanto, já eram predispostas a respeitar um conjunto de novas normas e obrigações em um ambiente digital.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Eu gostaria de registrar a presença do Deputado Orlando Silva, que é o Relator do Projeto de Lei nº 2.630, do Senador Alessandro Vieira, que eu citei aqui no meu discurso inicial, e do Deputado Fred Linhares.
Seguindo a ordem, Deputado Orlando Silva, eu vou passar para o Deputado Julio Lopes.
O SR. JULIO LOPES (Bloco/PP - RJ) - Primeiro, Deputado João, eu quero agradecer a V.Exa. enormemente o carinho de ter me ligado ontem para dizer que haveria esse show aqui hoje. Eu só lamento ter chegado um pouco atrasado porque eu estava em uma reunião, já agendada há muito tempo, com a ABES, com o nosso Secretário de Governo Digital Rogerio Mascarenhas. Essa reunião já estava agendada há muito tempo.
E eu não sei, Dr. Ricardo, se o senhor já teve conhecimento da estrutura do Governo digital no Brasil. Eu sugiro ao Deputado João Maia, aos senhores e à D. Ana Beatriz que conheçam essa estrutura. Trata-se de uma estrutura de 148 milhões de brasileiros ativos em uma plataforma digital, com 48 milhões de usuários em padrão ouro e prata, com 5 mil serviços digitais disponíveis. Esse é um exemplo de, talvez, uma das maiores e melhores plataformas de Governo digital do mundo. E hoje nós temos um servidor da área de tecnologia lá, o Dr. Rogerio, fazendo excepcional trabalho.
Como nós fazemos a declaração de Imposto de Renda agora de forma toda digital, há muito substabelecimento para escritórios de advocacia e contadores do acesso ao e-gov.com.br para registro no Ministério da Fazenda, e, quanto a isso, obviamente existem aqueles que se aproveitam e se apropriam de dados. Enfim, a minha preocupação hoje pela manhã era por causa disso.
Então, a nossa reunião hoje lá, Deputado João, foi para isso. E foi uma reunião muito positiva, porque ficamos sabendo que o Governo já está não só com dupla assinatura digital, que nós já temos no e-gov.com.br, no padrão ouro, que é a assinatura da biografia da face e da biometria manual, mas também ele hoje já está com uma biografia dinâmica do comportamento do cliente no acesso digital. Então, é um padrão internacional.
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Mas eu queria aqui agradecer, Dr. Ricardo, o show que os senhores deram aqui. Eu lamentavelmente não pude ver a D. Ana Beatriz, mas escrevi uma mensagem para o meu amigo, por quem eu tenho grande admiração, o Deputado Orlando. Nós integramos hoje o GT de Digitalização da Casa: eu sou o Relator e o Presidente é o Deputado Orlando. E eu escrevi para S.Exa.: Orlando, corre aqui que o Ricardo, da União Europeia, está dando um show na Comissão. Ele nos está tirando um pesadelo, porque nós temos que fazer essa lei e nós temos que aprender com eles o que eles estão fazendo.
E fico aqui muito feliz e surpreso com a qualidade que o senhor nos apresentou e a forma gradativa de implementação também. A legislação foi feita em 2020, toda a aprovação deu-se em 2022 e a entrada em vigor foi em 2024.
Eu já ia lhe perguntar quantas multas os senhores já tinham aplicado em relação àquela legislação que não permite a publicidade target, porque isso será dificílimo. Com toda a regulação que os senhores fizeram e com toda a competência que tiveram, certamente isso será de difícil exequibilidade. Era esse o comentário que eu queria fazer.
Quero saudar aqui, mais uma vez, o João, agradecê-lo por essa sugestão desse conhecimento maior do que seja o e-gov.com.br. Quero deixar aqui meus efusivos parabéns e agradecimentos por essa contribuição que certamente vai dar ao Deputado Orlando, ao Brasil e a mim a capacidade de me livrar de uma angústia também de estarmos fazendo uma legislação melhor.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Queria registrar a presença da Deputada Soraya Santos, a quem agradeço a presença.
Deputado Orlando Silva, depois do Deputado Cleber Verde, será a vez de V.Exa.
Tem a palavra o Deputado Cleber Verde.
O SR. CLEBER VERDE (Bloco/MDB - MA) - Presidente, bom dia.
Primeiro, quero cumprimentar V.Exa. por este momento tão importante aqui nesta audiência pública da nossa Comissão de Ciência Tecnologia e, de forma especial, também a Dra. Ana Beatriz Martins, que representa aqui a União Europeia nessa discussão.
Quero cumprimentar o Ricardo Castanheira, Consultor Especialista de Projeto e Diálogo da União Europeia, que fez uma belíssima apresentação.
Imagino que não foi fácil ter 27 Estados-membros e todo o conjunto de Parlamentares. Mas esse debate e as apresentações aqui mostram, de forma muito clara, primeiro, a complexidade do tema.
Eu entendo, por exemplo, essa questão da economia digital que V.Exa. coloca de forma tão oportuna, o fato de que as empresas acabam tendo os dados do cidadão e como não permitir que eles possam efetivamente ser utilizados, comprometendo o usuário, o consumidor final, que somos todos nós. Existirá uma complexidade muito grande.
Eu só queria ouvir do Sr. Ricardo de que maneira vocês imaginam que podem conter essas empresas nesse sentido, principalmente as empresas digitais, que, quando têm essas informações — esses dados — as utilizam para direcionar propagandas. Acima de tudo, são informações privilegiadas, porque, como têm os dados do usuário, conhecem o que pensam. Eu acho que essa é uma complexidade muito grande e eu queria entender como é que vocês imaginam que podem, de fato, conter essas empresas do mercado digital.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Dr. Ricardo, por favor.
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O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado, Deputado João Maia.
Eu queria começar fazendo uma menção ao Deputado Julio Lopes. Em reação à uma das suas observações, quero dar nota. Isso serve também um pouco para a parte da resposta ao Deputado Cleber Verde.
Nós, na União Europeia, não quisemos porque não podíamos resolver todos os problemas do mundo com o Ato dos Serviços Digitais. Portanto, esse é um aprendizado. Não vale a pena tentar resolver com uma proposta os problemas do mundo digital. É por isso que o Ato dos Serviços Digitais é parte daquela estratégia que eu inicialmente comecei por referir.
Na União Europeia, convido os senhores a conhecer também o Ato dos Dados Digitais, em que tratamos, sobretudo, da matéria, da forma como podem ser tratados os dados, quais são os tipos de dados. Na União Europeia, há outra proposta que trata dos dados de natureza pública, como são partilhados, como são tratados esses dados. Há outra proposta na União Europeia que trata das matérias específicas da publicidade e do direito do consumo. Há outra proposta na União Europeia que fez a reforma do direito autoral. Há outra proposta na União Europeia que trata da regulação dos serviços das mídias, de comunicação social e audiovisual.
O que isso significa? Significa que o Ato dos Serviços Digitais tem uma natureza horizontal — porque se aplica a todos os 27 Estados-membros —, porém, ele não substitui todas as outras propostas específicas em cada um dos temas. Ele as complementa, mas não as substitui. Isso responde, portanto, de alguma forma, as considerações do Deputado Julio Lopes e as considerações do Deputado Cleber Verde.
Não querendo ser paternalista, mas sendo, não queiram resolver numa proposta todos os problemas do mundo, todos os problemas da democracia, todos os problemas dos consumidores, todos os problemas dos autores, todos os problemas dos músicos, todos os problemas. Isso não é possível. É preciso tentar simplificar, e a simplificação legislativa é uma arte difícil.
Lá atrás está um conjunto de especialistas que apoiam os senhores no Senado e na Câmara e, portanto, ninguém melhor do que eles para saber o que estou a tentar transmitir. Eu diria que o Ato dos Serviços Digitais não substitui as legislações específicas em nível europeu, que já existem para determinados temas. Porventura, poderia ter havido a tendência e a tentação de se tratar no Ato, mas nós não quisemos tratar porque já estavam sendo tratados em outros domínios.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Registro e agradeço, mais uma vez, a presença da nossa Presidente, a nossa comandante do espaço, que está aqui presente, a Deputada Luisa Canziani. Agradeço também a presença do Deputado Domingos Neto e da Relatora do projeto que eu apresentei, Deputada Any Ortiz. Muito obrigado pela presença. Agradeço também a presença do Deputado Lafayette de Andrada.
Gostaria de passar a palavra para o Deputado Orlando Silva e depois para a Deputada Soraya Santos.
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O SR. ORLANDO SILVA (Bloco/PCdoB - SP) - Bom dia a todos e a todas. Queria cumprimentar muito carinhosamente nosso Presidente João Maia e agradecer a S.Exa. a gentileza de nos permitir este encontro.
Quero dizer que cumpri a orientação do meu camarada Deputado Julio Lopes, que determinou a minha chegada. Vim o mais breve possível, para que pudesse compartilhar este momento com vocês, que eu considero muito importante.
Quero saudar todos os colegas aqui presentes, em especial a Sra. Ana Beatriz Martins, que compõem a missão da União Europeia no Brasil, e o Sr. Ricardo Castanheira. Descobri ontem que ele morou no Brasil durante uma temporada, daí esse português. O Deputado Fred Linhares estava dizendo: "Mas ele fala português tão bem!" Primeiro, ele é português; segundo, ele andou por aqui, então, sabe até algumas gírias que nós usualmente falamos aqui no Brasil. (Risos.)
Queria agradecer muito, em primeiro lugar, Presidente João Maia, a delicadeza da União Europeia com este Parlamento. No dia de ontem, Deputados Julio Lopes, Vitor Lippi, Presidente Canziani, meus colegas todos aqui, Deputado Lafayette, Deputado Domingos, eles se deram ao trabalho de sentar para conversar com a consultoria da Casa, o que demonstra uma delicadeza, um interesse em cooperar, porque há aspectos técnicos. E é preciso uma conversa com o nosso time técnico. Aliás, é um excelente time técnico de consultores que a Câmara dos Deputados tem. Isso vai servir de base para vários debates que nós fazemos aqui. Toda a discussão sobre digitalização e desburocratização que foi idealizada pelo Deputado Julio Lopes seguramente vai beber também da experiência regulatória da União Europeia.
É evidente que o Brasil tem as suas peculiaridades, digamos assim. A União Europeia é uma região que conseguiu estruturar uma organização multilateral de nações. A União Europeia tem forte tradição regulatória. O Brasil tem influência da União Europeia? Sim. Eu tive o privilégio de relatar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que era uma lei fortemente influenciada pela legislação de proteção de dados da União Europeia.
Mas o Brasil tem também uma forte influência do nosso hemisfério. O Brasil tem nos Estados Unidos um parceiro comercial estratégico, e os Estados Unidos é diverso do polo europeu no que tange à regulação, à intervenção do Estado na organização de processos econômicos. Eu vou concluir, Presidente.
Por isso, eu acredito que uma primeira observação é que temos que buscar inspiração nas experiências da União Europeia, tropicalizando as experiências da União Europeia, o que vai permitir coadunar um pouco com a nossa realidade.
Particularmente, eu tive a oportunidade de conhecer tanto o Ato dos Serviços Digitais, quanto o Ato dos Mercados Digitais, cujas normas, na minha visão, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal deveriam prestar muita atenção nos debates que eles fizeram na Europa. Inclusive, vale a pena as conversas bilaterais, para que nós possamos apropriar não apenas do resultado construído, mas do processo que também tem a sua riqueza. O processo lhes permitiu avanços pretendidos e recuos determinados por vários fatores.
E a questão que eu queria deixar como provocação, se se sentirem à vontade de falar: como se deu a injunção das big techs no processo de debate político feito no ambiente do Parlamento europeu, acerca dessas duas leis?
Aqui no Brasil eu vou poupá-los de narrar os acontecimentos recentes, porque não quero constrangê-los, nem gastar demasiado tempo com questiúnculas que nos dizem respeito, mas não tiveram atitude muito democrática, diria assim. Mas eu gostaria de saber como se deu essa intervenção.
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Estive com a comissária da União Europeia, há pouco aqui no Brasil, e ela me falou uma frase quando nos despedimos no jantar. Ela afirmou assim: "Orlando, vocês precisam ter coragem, coragem, porque não será simples". Eu não tinha entendido, quando ela me falou isso. Entendi apenas quando vi a reação desproporcional por parte dessas big techs.
Sr. Ricardo Castanheira e Sra. Ana Beatriz Martins, uma vez mais, quero agradecer enormemente.
Eu sei que essa provocação do Deputado João Maia vai repercutir na Câmara dos Deputados do Brasil. Ela vai repercutir, porque, quando escrevemos sobre a análise de risco sistêmico no Projeto de Lei nº 2.630, houve muita incompreensão. Houve quem interpretasse que inclusive isso poderia detonar medidas para avaliação preventiva de conteúdos que seriam publicados na Internet, logo, censura, que é uma narrativa também usual, não é bem original do Brasil. As big techs importaram e alugaram algumas vozes, em muitos lugares, para sustentar essas narrativas. Então, é muito importante. Inclusive, eu fiz uma polêmica com o Governo — sou da base do Governo —, porque ele defendeu introduzir um mecanismo chamado "dever de cuidado", que está na lei alemã, não exatamente no Ato dos Serviços Digitais, mas o Ato dos Serviços Digitais incorporou, em alguma medida, a perspectiva da lei alemã de 2017, sobretudo no que diz respeito a conteúdo ilegal.
E é curioso, porque aqui também houve um debate sobre este tema. Quando se elencava a palavra "gênero", Dr. Ricardo, ela não pode ser pronunciada no Parlamento brasileiro. A palavra "gênero" não pode ser pronunciada. Há um tabu. Se você falar "gênero", há um tabu, porque algo vai acontecer e pode produzir um desequilíbrio global. Mas a mera previsão de sete itens — sete — estabelecendo quais crimes deveriam exigir uma atenção maior das empresas gerou um debate de que o dever de cuidado seria a outra face da censura. Eram os seguintes: ataques ao Estado Democrático de Direito, terrorismo, induzimento ao suicídio e a automutilação, crimes contra a criança e o adolescente, racismo, crimes contra a mulher e infrações sanitárias. Esse rol já gerou uma comoção brutal.
Concluo, Presidente, dando testemunho, que foi o que me deixou perplexo, quando tentaram me convencer que eu não poderia manter no rol o racismo. Eu disse: aí não. No meu caso, eu não tenho condições. (Riso.) Peça outra coisa, porque, no meu caso, o homem preto vai tirar uma obrigação de cuidados que impeçam que o racismo seja difundido! Eu disse: não, não. Aí também já é demais. Encerrei a reunião, quando isso apareceu na cena, porque eu fiquei muito perplexo.
Queria pedir desculpa aos meus colegas e às minhas colegas pelo entusiasmo e por ter ultrapassado, de modo ilegítimo, o tempo que generosamente me foi dado pelo Deputado João Maia. É a paixão que às vezes nos motiva. É tão importante a paixão na política, mas às vezes nós não cumprimos o Regimento em função da paixão. Então, peço salvo conduto de estar 3 anos mergulhado neste debate. Se considerarmos a LGPD, já são 8 anos mergulhados nesta discussão. Eu tenho muito entusiasmo por este tema.
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Muito obrigado uma vez mais pela presença dos senhores e pela contribuição que a Missão da União Europeia sempre oferece a esta Casa.
Espero que o projeto de lei do Deputado João Maia, que já foi protocolado há algum tempo, possa avançar, porque ele é muito importante para regular os mercados digitais.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Obrigado, Deputado Orlando.
S.Exa. fez uma bela exposição e uma pergunta, que eu não sei se a Dra. Ana ou o Dr. Ricardo Castanheira se propõem a responder.
Ele disse o seguinte: "Aqui houve uma reação muito forte. Como foi a relação com as chamadas big techs na regulação europeia?"
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - O conforto não é grande, mas o interesse em responder é enorme.
Respondo da seguinte forma, porque também foi feita uma consideração anterior, antes da sua pergunta, sobre o processo legislativo europeu. Ele é um processo profundamente participativo. Antes de a iniciativa legislativa ser apresentada pela Comissão Europeia ao Parlamento europeu e ao conselho, ela é antecedida por dois momentos muito relevantes. Uma avaliação de risco é feita pela própria Comissão Europeia — faz-se um risk assessment — em que normalmente são feitas questões ao mercado, indagam, questionam, e depois há a abertura de uma consulta pública a todos os cidadãos, a toda gente. Portanto, a seguir é que vem a proposta. A proposta não surge do nada. Há propostas que resultam de 2 anos, 3 anos de preparação. Depois começa o processo negocial que eu descrevi. Isso significa que muita gente tem a oportunidade de intervir e participar, e esse aumento de transparência e de participação aberta é absolutamente fundamental. Esse é o primeiro ponto.
O segundo ponto são os códigos de conduta que eu havia afirmado antes. A maior parte das grandes empresas de tecnologia do mundo já havia subscrito códigos de conduta para o ambiente digital no combate à desinformação antes da existência do próprio ato de serviços digitais. Portanto, não era novidade.
O terceiro ponto relevante: a verdade é que, daquilo que nós fomos percebendo no início e durante o processo, houve sempre um elemento de proatividade das companhias em participar da discussão, talvez porque já sabiam qual seria o eventual resultado final, talvez porque já tivessem participado nos processos anteriores de preparação da própria proposta, talvez porque já estivessem de alguma forma comprometidas, porque eram subscritoras de códigos de conduta.
Portanto, usando a sua expressão, não é possível compararmos a União Europeia com o Brasil em muitas dimensões. Nesse processo, eu não encontro também semelhanças, para ser muito sincero, mas talvez o processo legislativo europeu, de alguma forma, ajude a dar resposta à sua pergunta.
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O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Gostaria de registrar a presença dos Deputados Jadyel Alencar e Reimont, aos quais agradeço a presença.
Passo a palavra à Deputada Soraya Santos.
A SRA. SORAYA SANTOS (PL - RJ) - Bom dia, meu Presidente, Deputado João Maia. Inicio parabenizando V.Exa. pela iniciativa desta audiência, que é tão necessária e deve ser repetida, Deputado Orlando, em vários cenários.
Eu não consegui chegar a tempo, mas já vou baixar todos os registros e perguntei aos meus pares algumas dúvidas, inquietudes, quando eu vi o tema, se já haviam sido abordadas pelos senhores, e alguns pontos não haviam sido. Então, eu vou tentar complementar, porque os demais sabemos que já estavam discutindo.
Ricardo, chamou-me muita a atenção, quando o senhor estava falando, a forma como os senhores separaram os temas, como se fosse um arcabouço de ideias, separando a questão do crime, da Internet, do direito autoral. Eu acho que, neste momento, Deputado Orlando, isso vai se misturando.
Eu estive na Alemanha vendo justamente esse rol, porque uma coisa que me incomoda muito no Brasil — e aí vai a pergunta — é como estão tratando na União Europeia o direito do esquecimento, que é o direito da retirada quando se fala de crime. Aqui no Brasil, por exemplo, na mesma peça constitucional, está a liberdade de expressão e o interesse público.
Eu vou dar um exemplo claro, Deputado João Maia: uma menina foi estuprada coletivamente, fato jornalístico, liberdade de expressão. Essa menina sofreu um estupro. A pergunta que se faz é: a quem interessam as imagens dessa menina sendo estuprada? Isso precisa ser sacado, porque invade o direito individual.
Então, quando um país, no encontro entre o direito individual e o direito à informação, o direito coletivo, como a União Europeia trata isso? É através desse rol? Essa é uma pergunta.
O que percebemos de pano de fundo, quando há essas grandes discussões, claro, são os interesses econômicos, sejam eles das big techs, sejam dos canais abertos, sejam da forma de se comunicar no país. Isso é óbvio, porque são elas que acontecem e cada um, Deputado Orlando, vai se comunicar como pode, seja por um canal aberto, seja via rede. Porém, o que a sociedade não aceita e não consegue se conformar é por que esses crimes não têm sido protegidos.
Eu sei que as big techs têm feito protocolos, sim — eu venho acompanhando esses protocolos —, quando há estímulo à suicídio, incentivo a várias práticas criminosas. Naturalmente, nesses protocolos elas vêm sacando. Elas não precisam nem ser demandadas, mas houve algum processo jurídico nessa decisão ou isso aconteceu espontaneamente? Essa é a minha segunda pergunta.
Quando se trata, Deputado — e essa é outra angústia da sociedade — de fake news, não há nada de novo. Fake news é um crime de calúnia, injúria, difamação, que está regulamentado no Brasil há mais de 80 anos. Então, há mais de 80 anos o Judiciário tem a prática de aplicação de pena nesses casos. O que houve com a Internet? É o tamanho da repercussão.
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Enfim, não se pode mais admitir que uma coisa que já está tipificada no Código Penal... Não há nada de novo, o que há de novo é o tamanho da repercussão. Por exemplo, nós tivemos um caso em São Paulo, Deputado Orlando, em que uma mulher foi apedrejada por uma vizinha e foi morta. Uma vizinha acusou a mulher de praticar feitiçaria, e a vizinhança apedrejou essa mulher, que morreu. Ou seja, aquela mentira provocou um homicídio. Então, para esta pessoa que foi a primeira a postar fake news, que eram uma calúnia, a proporcionalidade da resposta não pode ser, por exemplo, a reclusão de 1 a 3 meses ou uma cesta básica, ela tem que ser correspondente ao tamanho do crime. E nisso o Brasil vem avançando.
Como a União Europeia está tratando esses casos? É óbvio que queremos separar o que é a regulação e o convívio das pessoas que têm negócios via Internet ou via comunicação, é óbvio que vamos tratar do direito autoral. E eu quero registrar, mais uma vez, a importância de esse arcabouço ter sido bem fragmentado. Mas quero saber como a União Europeia está tratando o conflito entre o interesse público, dado histórico, e aquilo que é do direito privado.
A imagem que não queremos ver eu posso tirar do campo do crime. Tivemos aqui o caso de um cantor que foi morto porque sofreu um acidente de carro. Foi um fato jornalístico, pois ele sofreu um acidente de carro. Mas a quem interessa ver as vísceras dele, Deputado João Maia, divulgadas na Internet? Os pais só querem ver o filho cantando, não querem ver as vísceras dele. Isso invade o direito privado.
Como a União Europeia está tratando isso e como está a correspondência desses crimes com o efeito dessa divulgação? Se não me engano, só a Alemanha tratou disso, acho que a União Europeia como um todo não tratou. Como a União Europeia está tratando a retirada? Só pelo protocolo, como foi citado, ou existe alguma outra ação? Só por iniciativa das próprias big techs ou por demanda judicial?
Eram essas as minhas angústias e minhas perguntas.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Obrigado, Deputada.
Tem a palavra o Dr. Ricardo.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado, Deputada Soraya, pela exposição e pelas questões. Elas são tão complexas e tão relevantes que, com certeza, dariam e dão outra sessão que não esta.
Eu responderia, muito rapidamente, sobretudo à sua última pergunta, que é talvez, eu diria, a mais relevante e aquela que eu me sinto mais confortável para responder.
O Ato dos Serviços Digitais prevê a remoção de conteúdos de diferentes formas. Isso pode ser feito de forma proativa pelas próprias plataformas, quando o fruto e o resultado das suas avaliações de risco concluem que assim deve ser. Por outro lado, elas mantêm e preservam um sistema de notificação e ação. O usuário tem que ter essa possibilidade inclusive no próprio display. A forma como está organizada a mensagem passou a ter que ser simplificada, de maneira que o usuário compreenda o tipo de mensagem que está a ser passada. Essa mensagem tem que ser devidamente sinalizada, para que ele possa claramente notificar a plataforma se considerar que esse conteúdo é, de alguma forma, abusivo.
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A contrario sensu, da mesma forma, foram criados mecanismos de reclamação, para evitar que haja abusos da liberdade de expressão ou contra a liberdade de expressão, porque também há o reverso, há gente que vai denunciar conteúdos que considera, a seu ver, excessivos, mas que, na verdade, não o são.
Portanto, foram criados mecanismos para as plataformas que conferem mais direitos aos usuários para reclamar, simplificando a reclamação. Finalmente, não se alteraram as possibilidades das reclamações judiciárias, ou seja, pela via, naturalmente, criminal.
Agora, o Ato dos Serviços Digitais, repito, é uma lei que complementa um conjunto ou outro, amplo, de específicas legislações setoriais. Muito do que a Sra. Deputada mencionou é tratado e previsto na diretiva dos meios de comunicação social, em que se prevê um conjunto de obrigações para os chamados meios de comunicação social linear — enfim, na lógica do que nós estávamos habituados — e para os over the top, ou seja, os chamados meios de comunicação que são não lineares.
Muitas destas matérias estão reguladas noutra legislação que não o Ato dos Serviços Digitais, o qual as complementa de alguma forma. Por isso, eu dizia, e esta é a mensagem que queria deixar: tentar simplificar, não tentar, numa peça legislativa, resolver todos os problemas do mundo, porque isso não é exequível, não é fazível.
Portanto, dado conta disso, não esqueça, Sra. Deputada, que o nosso caso é muito complexo porque, do ponto de vista civil e do ponto de vista penal, cada Estado-membro tem a sua própria realidade. Então, depois é preciso compreender — e aí está a dificuldade adicional no nosso caso — onde foi praticada a ilicitude, onde foi praticado o crime, qual a legislação aplicável. Imagine: a plataforma tem sede no país A, mas o crime é praticado no país B, e o destinatário final está no país C. Toda esta coordenação é, de fato, complexa e é resolvida não apenas no DSA, mas em outras peças.
Muito obrigado uma vez mais.
A SRA. SORAYA SANTOS (PL - RJ) - Deputado João Maia, desculpa. Só quero pedir 1 segundo, porque resta uma angústia, e eu não posso deixar de aproveitar a presença dos dois palestrantes.
Há uma coisa que tem me preocupado muito. Eu estive com a Ministra Rosa Weber há uns dias, e o Deputado João Maia chamou-me atenção para uma coisa em que nunca havíamos pensado. Quando vemos esses crimes em escolas, onde saem matando, sempre relacionamos isso à deep web, a um grupo que se comunica. Há pouco tempo, no Brasil, houve o assassinato, em uma creche, de quatro crianças na faixa de 4 anos de idade. A pessoa entrou lá com uma machadinha. Pasme quem não sabe do que aconteceu: a Ministra Rosa Weber recebeu, no Supremo, os pais dessas quatro crianças, Deputado Julio, e não houve uma só lesão naquelas crianças que não tivesse correspondência com games que estavam sendo desenvolvidos. Nesses games, se o jogador batia no rim, multiplicava por dois, se batia no pescoço, multiplicava por outro tanto.
Então, nós ficamos preocupados com esses jogos que hoje estão circulando não mais na deep web, mas na Internet aberta, ficamos muito preocupados com esse tipo de estímulo em que, se o jogador atropela um deficiente, multiplica por cem, se atropela um idoso, multiplica não sei por quanto. A União Europeia já está tratando desse tema?
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O SR. RICARDO CASTANHEIRA - A União Europeia não sei se está tratando especificamente o tema do game, confesso. A União Europeia trata de temas que têm a ver com se há conteúdos que são manifestamente ilegais, porque eles têm um tempo para ser retirados.
Antes do Ato dos Serviços Digitais, na União Europeia, já havia normas que previam a retirada, por exemplo, de tudo o que contivesse mensagens terroristas, de todo conteúdo terrorista. Existe um período de tempo para eles serem retirados, não precisa de que eles sejam notificados. Eles têm que ser retirados porque são conteúdos manifestamente ilegais. Portanto, há um conjunto de normas que já tratam disso independentemente do DSA, do Ato dos Serviços Digitais.
A sua pergunta sobre a indústria de games é muito específica. Confesso que não sei lhe dar uma resposta.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Eu gostaria de registrar a presença da Deputada Adriana Ventura, do Deputado Raimundo Santos e do Deputado Caio Vianna. Agradeço a todos a presença.
Gostaria de convidar para fazer uso da palavra o Consultor da Câmara, Sr. Claudio Nazareno.
O SR. CLAUDIO NAZARENO - Bom dia. Obrigado, Deputado João Maia. Obrigado pela palestra.
Esse projeto já está em processo aqui no Legislativo há alguns anos. Estamos nos referindo a um projeto equivalente ao DSA. E, paralelo a isso, está tramitando agora o projeto do Deputado João Maia. Eles são muito complementares entre si, atingem os mesmos atores: atores políticos e atores de mercado.
Aqui estamos vendo uma polarização muito grande ou uma atenção muito maior sobre o projeto, do qual o Deputado Orlando é o Relator, até porque o projeto foi levado para o plenário muito rapidamente.
Eu queria saber, lá na Comissão Europeia, no Parlamento europeu, como é que se deu essa tramitação simultânea — se houve união de discussões; se as discussões ocorreram totalmente independentes ou se houve uma intervenção para uma lei dialogar com a outra; se os atores foram consultados em ambos os projetos para saber o que poderia entrar numa e o que poderia entrar na outra. Houve essa discussão?
Obrigado.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado, Dr. Claudio Nazareno, pela pergunta, que é muito importante.
As duas propostas, repito, fazem parte de um pacote, que é único. É como se fossem as duas faces de uma mesma moeda. Tratam de assuntos distintos, porém, se direcionam, em grande medida, aos mesmos atores.
Na verdade, elas foram apresentadas simultaneamente, ou seja, no mesmo dia a Comissão Europeia apresentou as duas propostas. Porém, as duas propostas tramitaram em grupos de trabalho e em comissões; comissões no Parlamento europeu, em grupos de trabalho no Conselho da União Europeia diferentes. Uma tinha dimensão concorrencial e foi trabalhada num determinado grupo de trabalho que trata mais concorrencial. Outra, tinha uma dimensão do mercado interno. Por isso ela foi trabalhada sobretudo num grupo de trabalho no mercado interno.
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Porém, elas foram evoluindo simultaneamente, de tal forma que, ao final, o Ato dos Mercados Digitais foi aprovado em 1 ou 2 meses, e a negociação foi concluída em 1 ou 2 meses antes do Ato dos Serviços Digitais, porque era uma proposta menor e acabou por ser uma proposta menos complexa, do ponto de vista negocial, menos controversa. Mas houve o cuidado de fazê-las caminhar simultaneamente.
Vou lhe dar um exemplo concreto de que era óbvio, necessário e imperativo que elas tivessem que conversar entre si: o caso da definição de grandes plataformas em linha ou de grandes motores de busca, cujo fim para o critério quantitativo é o mesmo, ou seja, 10% da população europeia, 45 milhões de usuários mensais ativos. Houve o mesmo critério em ambas as propostas. Não faria sentido você ter um critério numa e ter outro critério em outra.
Isso aconteceu em vários outros elementos de ambas as propostas, ainda que o processo, ao final, fosse aprovado em dois grupos de trabalho diferentes, em comissões diferentes, mas, coincidentemente, no mesmo Conselho de Ministros. O Conselho de Ministros que, ao fim, aprova é o mesmo. Isso significa que cada Ministro, em representação do seu Estado-Membro, tinha consciência plena, estava devidamente informado do impacto político de uma e de outra. E, portanto, as equipes que as acompanhavam eram as mesmas.
Por isso, é muito importante esse elemento que V.Exa. levanta, de as propostas andarem passo a passo, simultaneamente, porque, no final do dia, os objetivos não são muito diferentes e os atores são exatamente os mesmos.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Obrigado, Dr. Ricardo.
Deputada Adriana Ventura, por favor.
A SRA. ADRIANA VENTURA (NOVO - SP) - Bom dia, Deputado João Maia. Obrigada pelo evento e pela Presidência.
Eu quero muito agradecer ao Dr. Ricardo Castanheira a presença e a contribuição, assim como da Ana Beatriz também. É muito importante essa troca. Eu estive recentemente no encontro de Parlamentares na OCDE, em que esse tema inclusive foi debatido. Este é um assunto que está sendo construído, e é um tema complexo. Então, a questão de os senhores mostrarem esses caminhos e por onde percorreram é muito sadio para todos nós.
Eu gostei bastante das falas e dos exemplos. E eu tenho uma posição, que é muito clara: eu sempre opto pela liberdade de expressão, de maneira que a democracia possa corrigir os seus próprios erros. E eu acho que a maioria dos Deputados tem essa visão.
Acontece que muitos fatos que vão acontecendo e talvez alguns comportamentos que advêm desses fatos fazem com que esses comportamentos e essa liberdade tendam a ser coibidos, movidos muito mais por interesses políticos e por detentores de poder da lei, que não suportam críticas.
Então, a minha pergunta, até porque vocês já avançaram mais nesse sentido, é: como vocês lidaram com questões que deixam de ser objetivas e passam a ser subjetivas, movido a interesses políticos? Porque tudo é interesse.
Existe um ponto que eu acho muito interessante — a sua fala foi muito boa —, quando você diz que se deve separar o ilegal do que é nocivo, separar o que é crime do que é juízo de valor. E o que eu vejo aqui é uma mistura enorme desse conceito, porque crime é crime. Nós já temos leis para crimes. Nós já temos leis para difamação, calúnia, injúria, crime hediondo para assassinato e Marco Civil da Internet.
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O que me preocupa é que criar um "Ministério da Verdade", em que teremos o sensor que vai censurar de acordo com o seu próprio juízo de valor, com as suas crenças e, com isso, retirar conteúdos, é uma coisa que assusta, porque hoje pode-se retirar o conteúdo dela; amanhã, o meu; no próximo, o governo dele. É a medida do que é verdade que eu acho muito complicado.
A minha primeira pergunta é: Como os senhores veem essa questão de ter um Ministério ou um órgão que vai determinar a verdade?
A segunda pergunta, que eu acho que é a grande questão, e é importante, é sobre o que o senhor falou, em retirar conteúdos manifestadamente ilegais. No PL anterior, eu não sei como está o seu PL, Deputado João Maia, ele falou "potencialmente ilegais", o que dá margem para suposição, para futurologia ou para ser potencialmente. Essa diferença eu já acho gritante, porque uma hipótese é o "potencialmente", e o que é potencial só a imaginação e a futurologia podem saber.
Eu queria saber como os senhores lidaram e chegaram a essa construção? Como os senhores da União Europeia veem — e os senhores já avançaram nesse tema — essa questão de ter um órgão censor? Eu, Deputada Adriana, acredito que, até pela boa vontade das big techs de participar das audiências, de se colocarem à disposição, eles mesmos já estão criando mecanismos de autorregulação. Eu acho que eles teriam todo o interesse em ajudar nessa construção. O que eu estou vendo é uma perseguição a big techs. Mas, provavelmente, vocês esquecem que lá é o meio. Eles não falam, eles só são o meio, assim como um jornal, como uma TV.
Essa é a minha visão.
Essas são as minhas duas perguntas.
Agradeço ao Deputado João Maia pela delicadeza.
Obrigada.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado, Deputada Adriana Ventura.
Eu vou repetir, porque a Deputada não estava na sala. Eu, de alguma forma, já havia respondido, mas tenho um prazer imenso em repetir por respeito à sua importante questão.
Eu não havia dito isso e agora vou dizê-lo pela primeira vez: qual foi o mantra que, de toda forma, fizemos na União Europeia a esse propósito? E esse mantra era dito diariamente pelos comissários europeus, responsáveis por esta área. Eles diziam, em inglês: "What’s illegal offline must be illegal online". Em português, isso quer dizer: "O que é ilegal no mundo físico, tem que ser ilegal no mundo digital". Esse é o mantra. Esse foi o princípio que presidiu toda a discussão e era dito diariamente pelos comissários, pelos Deputados, pelos Ministros dos diferentes Estados-Membros.
Dito isto, respondendo à sua pergunta, não se criou, não existe nenhum "Ministério da Verdade" na União Europeia. E não existe porque nós não quisemos sequer entrar nessa discussão. Essa discussão foi evitada.
Por isso, repito, para nós houve — e é o objeto do Ato dos Serviços Digitais — o conteúdo ilegal. Aquilo que é conteúdo nocivo, nós entendemos deixá-lo fora.
Perguntas: Como é que se distingue um do outro? O primeiro é fácil, porque está tipificado nos Códigos Penais, nos emolumentos europeus, nas diretivas europeias. Portanto, não há, digamos, grande dificuldade para a sua identificação.
O segundo objeto é complexo, porque admitirá juízos de conciliação, juízos de valor. Por ser complexo, esse objeto não foi tratado nesta proposta, mas trata-se, de alguma forma, indiretamente. De que maneira? Dando aos usuários possibilidades e atribuindo oportunidades para cada um de nós ser um guardião da democracia, um guardião da verdade, ou seja, cada usuário pode denunciar o conteúdo e, por isso, criar um mecanismo de alerta.
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A segunda forma é através de autorregulação, que foi o final da sua observação, que as próprias plataformas já estavam a fazer antes do Ato dos Serviços Digitais. Quando subscreveram códigos de conduta, já estavam a reconhecer que se comprometiam de forma voluntária a criar mecanismos de controle sobre esses conteúdos.
Em terceiro lugar, através da criação de novas obrigações, que não têm a ver com a caracterização — ao dizer se é A, B, C ou D —, mas, de forma mais ampla, as chamadas avaliações de risco sistêmico, que precisamente visam compreender de que forma o funcionamento, os conteúdos, o ambiente da própria plataforma gera riscos sociais, econômicos e políticos. Isso é feito anualmente por cada uma destas grandes plataformas.
Eu acrescentaria um quarto elemento, a que também me referi na minha primeira intervenção, lá atrás, que são as auditorias externas independentes e obrigatórias anualmente. Com isto, sem falar em Ministério da Verdade, sem criar Ministério da Verdade, sem nada, criou-se um conjunto de medidas que nós entendemos que estão sujeitas naturalmente agora a uma avaliação, porque o Ato de Serviços Digitais foi aprovado, mas ainda não está implementado na sua plenitude. Precisamos de tempo para perceber isto. Mas a verdade é que isso quer dizer que alguma coisa positiva acontecerá. Aliás, alguma coisa positiva já está para acontecer, nesse sentido de reduzir, de mitigar os riscos, etc.
Portanto, esse foi o caminho que nós percorremos.
A SRA. ADRIANA VENTURA (NOVO - SP) - Desculpa, Deputado. Quem lá faz esse papel da auditoria externa? Poderia só responder isso?
Obrigada, Presidente.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Essas auditorais podem ser conferidas a pesquisadores, a acadêmicos, como podem ser conferidas à própria Comissão Europeia, que define quem procede esses elementos.
A SRA. ADRIANA VENTURA (NOVO - SP) - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Obrigado, Dr. Ricardo Castanheira.
Com a palavra o Deputado Lafayette de Andrada, por favor.
O SR. LAFAYETTE DE ANDRADA (Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Deputado João Maia, bom dia. Muito obrigado. Bom dia a todos os Deputados.
Eu tenho estudado bastante esse tema do projeto que aqui ganhou o apelido de Lei das Fake News.
Nós aqui somos diferentes da União Europeia. Apenas para contextualizar, obviamente, a União Europeia é multinacional. Então, as diretivas, o DSA lá, obviamente, são diretrizes para os seus respectivos países internalizarem na forma das suas leis, na forma das suas Constituições. Depois o senhor, por favor, me responda, porque será até bom para nos esclarecer isso.
Nós temos um problema aqui. Na verdade, nós temos um fato que nós não podemos deixar de esquecer: nós já temos a nossa Constituição e, abaixo dela, todo um arcabouço legal, que já existe e que está em pleno funcionamento. E, como o senhor disse, o que é ilegal fora do mundo digital é ilegal dentro do mundo digital. Nós temos todo o Código Penal. Nós temos toda a legislação que protege a honra dentro dos Códigos Penais. Mas nós temos também, obviamente, como vocês lá, dois direitos constitucionais que são sagrados: que são o direito da livre manifestação, o direito de expressão, como também o direito à honra. Ambos são direitos fundamentais, de acordo com a nossa Constituição. O grande desafio é nós harmonizarmos esses dois direitos que são fundamentais. Acho que o desafio de vocês lá será o nosso desafio aqui.
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Dito isso, considerando que nós temos aqui a nossa Constituição e dentro dela existe um conjunto de deveres do poder público, hoje, infelizmente, o poder público, de forma deficiente, não consegue prover o cidadão desses deveres que ele tem, muito em função até do avanço tecnológico. Muitas vezes, o serviço público não conseguiu acompanhar os avanços tecnológicos que o mundo vem conquistando. Assim, há dificuldade de os poderes públicos fazerem as suas obrigações.
Por um lado, existem essas obrigações, que são indelegáveis. São obrigações do poder público que o cidadão comum não pode arvorar a si. Por outro lado, as empresas, as big techs, qualquer tipo de empresa, têm também as suas obrigações devido a uma coisa que a nossa Constituição possui, que é o dever, a função social das empresas. Então, elas também têm as suas obrigações. Mas são obrigações diferentes, que não podem se misturar.
Nesse sentido, o que nós fizemos? Eu também apresentei um projeto de lei que trata do mesmo tema. Apenas para citar, é um projeto alternativo, o PL 2.582/23, que trata exatamente do mesmo assunto. Esta é apenas uma visão alternativa, considerando a nossa Constituição e o nosso arcabouço legal.
O que nós propusemos? O poder público tem essas obrigações; a iniciativa privada e as plataformas têm essas obrigações, que não se confundem. O que nós precisamos fazer é um comitê de integração dessas obrigações — essa que é a nossa proposta — para que, juntos, poder público, dentro da sua esfera; iniciativa privada, dentro da sua esfera, num mesmo comitê, sentados na mesma mesa, possamos definir um conjunto de ações para buscarmos no mundo da Internet, no mundo virtual, um mundo que nós todos desejamos, sem fake news, sem ilegalidades, ou seja, tentando todos juntos, de maneira integrada, buscar um ambiente bom na Internet e combater a ilegalidade.
Para fechar, o que eu queria agora, e também perguntando, são duas coisas. A primeira, nesse conjunto, nessa proposta de comitê que nós estamos formulando, nós também estamos sugerindo a construção de um órgão de autorregulação. As próprias empresas interessadas criam esse órgão de autorregulação, com punições capazes de desincentivar o ilícito, prestando contas para esse comitê, que é interdisciplinar, contando com as próprias plataformas, com a presença do Ministério Público, do Poder Judiciário, da academia, para, todos juntos, de maneira integrada, defendermos o direito sagrado da livre expressão e também a honra e buscarmos formas de combater as ilegalidades, de maneira ágil, na Internet. A legislação já existe. Há o Código Penal, a Lei da Internet, a LGPD, ou seja, temos um conjunto de leis que tratam do tema. É preciso normatizar, organizar essas leis, buscando princípios, sim, que são interessantíssimos daquilo que os senhores fizeram na Europa, do que foi feito nos Estados Unidos — os princípios são os mesmos —, mas adaptados à nossa realidade legal, porque nós não podemos fugir dela.
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A segunda, farei duas perguntas, de maneira concreta. Uma, na avaliação dos senhores, um órgão de autorregulação é razoável? O que os senhores pensam sobre isso?
Outra, para chegar à formulação final de DSA e de todos esses documentos, foi necessário quanto tempo de debates? Eles aconteciam de maneira regular, uma vez por semana, uma vez por mês? Como aconteceu essa discussão lá? São estas as questões, a primeira, se os senhores acham que a autorregulação é um sistema eficiente; a segunda, como se deram os debates. Peço ainda que o senhor faça um comentário da adaptação das diretrizes à legislação que nós possuímos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Tem a palavra o Sr. Ricardo Castanheira.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado, Deputado Lafayette de Andrada, pelas perguntas.
No início da minha exposição, eu disse que não faria comentários sobre as propostas legislativas brasileiras. Não é esse o nosso papel, como não é o nosso papel aqui hoje ser paternalista e dizer que a nossa solução é melhor e que os senhores têm que impor ou adotar a nossa. Não é isso. Apenas nos cabe aqui hoje ser um mensageiro, um narrador da recente história legislativa europeia.
Gostaria de dar um esclarecimento. Nós temos, no nosso edifício legislativo europeu, diretivas e regulamentos. As diretivas seguem a linha da sua consideração inicial, porque elas têm que ser transpostas para os ordenamentos jurídicos nacionais, deixando alguma margem aos estados-membros nesse exercício. Os regulamentos, não, eles são de implementação direta nos ordenamentos jurídicos nacionais e, em regra, implicam uma harmonização máxima. Isso significa que a solução é para todos. O Ato dos Serviços Digitais e o Ato dos Mercados Digitais são regulamentos. Portanto, não deixam margem de criatividade, de discricionariedade legislativa aos legisladores em cada Estado-Membro.
O SR. LAFAYETTE DE ANDRADA (Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Só para ter-se melhor compreensão, hipoteticamente falando, cada país tem suas Constituições.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Claro. Hipoteticamente, não; de fato.
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O SR. LAFAYETTE DE ANDRADA (Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Aí vai a minha pergunta: quanto a um regulamento que tem, vamos dizer, ação imediata nos Estados-membros — eu estou conjecturando —, se um item, um dispositivo, for contrário ao que está disposto na Constituição de um Estado-membro, como se resolve esse conflito?
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Em regra, ele deve ter sido resolvido antes de chegar a essa fase, porque, durante o processo negocial, o Estado-membro ele próprio suscita o risco de potencial inconstitucionalidade de determinada norma.
O SR. LAFAYETTE DE ANDRADA (Bloco/REPUBLICANOS - MG) - O.k. "Olha, esse dispositivo, para mim, está difícil, porque a minha Constituição não permitiria."
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Ainda assim, acontecem situações em que pode haver esse risco, porque nesse momento não havia, mas depois há uma reforma constitucional e passa a haver, imagine. Por isso existe um Tribunal de Justiça da União Europeia, que dirime, que resolve esse tipo de potenciais conflitos.
Quero dizer-lhe, por último, que nós não criamos nenhum órgão de autorregulação. O que nós fizemos foi respeitar essa dimensão, e, por isso, já existiam antes do Ato de Serviços Digitais os chamados códigos de conduta, e, ao mesmo tempo, há sempre uma mensagem de estímulo às plataformas para se autorregularem. Portanto, agora, não se criou institucionalmente e, formalmente, no edifício do DSA, não existe nenhum órgão com essa natureza.
O SR. LAFAYETTE DE ANDRADA (Bloco/REPUBLICANOS - MG) - Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Gostaria de registrar e agradecer a presença da nossa 1ª Vice-Presidente, Deputada Daiana Santos.
Passo a palavra para a Malena Rehbein, da Liderança do PSOL.
A SRA. MALENA REHBEIN RODRIGUES SATHLER - Bom dia.
Eu gostaria de tirar algumas dúvidas, até em cima do que os Parlamentares perguntaram, principalmente sobre essa questão que o senhor deixou bem claro: que não há um ministério da verdade e tal. Mas o senhor também falou de sinalizadores de confiança, que seriam justamente entidades autônomas, que aqui nós estávamos chamando de autoridade autônoma. O senhor falou dessas entidades autônomas, independentes, reconhecidas pelas empresas para controlar o ambiente digital. Eu queria entender um pouco melhor como isso funciona.
Também o senhor disse em algum momento que as plataformas não podem varrer conteúdos indiscriminadamente. Como isso funciona também em relação à liberdade de expressão?
Eu queria entender também como funcionam essas empresas guardiãs.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Com a palavra o Dr. Ricardo, por favor.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado pelas perguntas. Eu vou repetir-me e tentar ser objetivo.
Em relação aos sinalizadores de confiança, de alguma forma, eles já existiam, de modo informal, antes do Ato de Serviços Digitais. Eles são sobretudo importantes para a chamada contrafação.
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Vou lhe dar um exemplo concreto. Grandes marcas, grandes empresas já tinham, nas suas estruturas, pessoas dedicadas a fazer um controle dos mercados em linha para perceber se havia contrafação dos produtos e das suas marcas. O que se pretendeu aqui fazer foi institucionalizar esta ideia, em que alguém que já tenha expertise na identificação, repito, sobretudo de bens e serviços ilegais — o foco está sobretudo em bens e serviços ilegais —, pudesse ajudar a sinalizar a existência de potenciais violações. Isto ficou na lei, ficou no regulamento, mas tem que ser feito por entidades — não são pessoas —, que têm que ser reconhecidas como tal, e há um conjunto de critérios que têm que respeitar. A entidade tem que se candidatar, e os coordenadores dos serviços digitais em cada Estado-membro — em cada um dos 27 países — irá conferir, irá certificar que essas entidades podem desempenhar esse papel. E elas vão, no fundo, identificando que há produtos e serviços que são, naturalmente, contrafeitos, ilegais. Isso é canalizado para os coordenadores de serviços digitais, que, a seguir, tomam medidas de notificação das empresas, para que, naturalmente, retirem, inibam o acesso, enfim. Isso é parte do trabalho dos sinalizadores de confiança, que é um elemento importante.
A segunda pergunta tem a ver com as empresas guardiãs, as gatekeepers ou controladoras de acessos.
Essa questão, esse conceito não é do Ato de Serviços Digitais. Esse conceito é do Ato dos Mercados Digitais. E foram encontrados critérios quantitativos e qualitativos para identificar quem tem essa natureza e essa condição. E, para isso, percebeu-se, desde logo, que tinham que ser empresas que tivessem, no mínimo, um turnover anual na União Europeia, portanto, renda anual gerada na União Europeia, de 7,5 bilhões de euros, ou o equivalente — aqui é "ou"; é alternativo, não é cumulativo — a 75 bilhões de avaliações do mercado na União Europeia nesse ano. Acresce-se a isto que tinham que ter um número mínimo de 45 milhões de usuários ativos mensais. Acresce-se a isto que tinham que ter presença relevante no mínimo em 3 dos 27 Estados-membros. Acresce-se a isto que tinham que ter um papel de bloqueadores e de controladores de acesso ao mercado de forma reiterada durante pelo menos 3 anos. E é do somatório desses critérios quantitativos e qualitativos que, concluímos, a Comissão Europeia, vai atribuir, reconhecer e classificar controladora de acesso, guardiã, processo que está a acontecer neste momento.
Há poucas semanas, as empresas tiveram que, elas próprias, voluntariamente, se apresentar à Comissão Europeia e dizer: "Nós somos ou achamos que somos". E agora a Comissão Europeia vai reavaliar e, no final, daqui a um determinado período de tempo, dirá: "Sim, vocês são". E estas ficam sujeitas às obrigações do Ato dos Mercados Digitais da Europa, porque este ato é dirigido a estas, e apenas a estas, plataformas.
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O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Obrigado, Dr. Ricardo, mais uma vez.
O consultor da Câmara Dr. Cesar Mattos, tem a palavra.
O SR. CESAR COSTA ALVES DE MATTOS - Obrigado.
Volto ao caso da discussão do The Digital Markets Act, saindo do projeto anterior.
Quando nós analisamos como foram tratadas as questões de concorrência até hoje, com essa coisa de gatekeepers, tanto nos Estados Unidos como na Europa e mesmo no Brasil — nós tivemos aqui um caso importante também com o Google Shopping —, era tudo tratado na agência de concorrência. E eu acho que essa experiência foi útil, inclusive, para o The Digital Markets Act e agora também para a discussão, nos Estados Unidos, do American Online Act, que, se não me engano, ainda está em discussão.
Quando nós olhamos a regulação de vocês, analisando o art. 5º e o art. 6º, com as práticas que não devem ser feitas ou que devem ser feitas, vemos que o grau de detalhe é bastante extenso. Digamos que é quase uma camisa de força sobre o que você pode fazer ou não pode fazer. Numa linguagem de defesa da concorrência, é quase que você tornar algumas condutas per se. Aqui no Brasil, no projeto do Deputado João Maia, optou-se por uma coisa mais aberta, eventualmente deixando, talvez, esse grau de detalhe para o futuro regulador.
Dada a sua experiência em relação ao Brasil e ao que viu na comunidade europeia — eu sei que o senhor não quer dar conselhos e tal —, como o senhor acha... Existe sempre esse medo, na defesa da concorrência em geral, de você botar tipos muito fechados, que eventualmente evitem ou que previnam condutas que são potencialmente pró-competitivas, não anticompetitivas. A fronteira às vezes é difícil. No caso do digital, tudo é mais complicado, porque nós ainda não conhecemos tudo e temos uma experiência muito rarefeita ainda, que veio do antitruste. Como o senhor vê essa aplicação de transpor isso? Seria melhor em lei, seria melhor em regulamento? Como o senhor vê a aplicação aqui no Brasil?
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado, Cesar, pela questão, que me permite dizer uma coisa que ainda não tinha dito até aqui.
O arcabouço concorrencial da União Europeia, de cada Estado-membro, é reconhecidamente ex post, ou seja, há uma situação que suscita uma fiscalização, uma investigação das autoridades concorrenciais, e, a seguir, aquilo que nós fomos aprendendo, é que leva anos, muitas vezes é de uma complexidade e de uma disputabilidade imensa, e, quando se conclui, ainda que com sanções avultadas, a verdade é que a história mostra-nos que muitas vezes as empresas preferem cometer o erro e ser multadas lá na frente, porque, entretanto, vão, obviamente, fazendo lucro, gerando renda, etc.
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Portanto, pensamos num mecanismo complementar. O Ato dos Mercados Digitais é ex ante, ou seja, é antes de qualquer disputa de natureza concorrencial. Não há, no caso do Ato dos Mercados Digitais... E por isso ele é tão detalhado, por isso ele é tão granular nas suas obrigações de fazer e nas proibições, para, precisamente, limitar o mais possível a chegada à fase seguinte, que é ex post.
Portanto, é um mecanismo, digamos, de criação de mercados justos, verdadeiramente concorrenciais. Como eu disse no início, esse pacote, essas duas iniciativas não vieram para aumentar a burocracia, não vieram para fazer a vida dos empresários e das empresas mais difícil, não vieram para destruir emprego nem para destruir riqueza; ao contrário, elas vieram precisamente para aumentar a competitividade digital, para aumentar o número de empregos gerados, para aumentar a concorrência, a transparência e a segurança. Portanto, essa granularidade é vista e interpretada à luz desses objetivos.
Não se criou nenhuma autoridade europeia nova para fiscalizar a implementação do Ato dos Mercados Digitais. Atribuiu-se à Comissão Europeia essa competência, em coordenação permanente com as autoridades de concorrência de cada Estado-membro. Portanto, as autoridades de cada Estado-membro continuam a ter suas competências próprias, à luz da legislação nacional de cada Estado-membro. Para o Ato dos Mercados Digitais, elas cooperam com a Comissão Europeia nesse mecanismo. Não foi criada nenhuma entidade nova.
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Eu gostaria de agradecer imensamente aos presentes, aos que participaram do debate.
Agradeço também à Presidenta da Comissão e aos Vice-Presidentes, representados aqui pelo Deputado Vitor Lippi, por este espaço.
Nós avançamos neste debate, muito construtivo, Deputada Soraya Santos e Deputado Julio Lopes.
Eu agradeço à União Europeia a contribuição para este debate, que é fundamental para nós.
Eu queria passar a palavra à Dra. Ana Beatriz, para que faça suas considerações finais. (Pausa.)
O SR. VITOR LIPPI (Bloco/PSDB - SP) - Parece que ficou bastante claro para todos os que estão aqui — e eu aprendi bastante neste nosso encontro — que as questões ilegais estão muito claras: se é crime fora das redes, é crime dentro das redes.
Quanto ao próximo grande desafio, e talvez isso não esteja construído, eu gostaria de saber o que vocês sugeririam ou o que vocês acreditam que seria possível ser feito para que nós também pudéssemos atuar nessa parte nociva. Nós falamos aqui do ilegal e do nocivo. O nocivo também traz preocupações, porque ele faz vítimas e dissemina mentiras na sociedade, e uma sociedade que vive de mentiras, certamente, não é a melhor sociedade.
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E nós temos visto, ao longo do tempo, que existem perfis falsos, existem robôs que intensificam, nós vemos fake news profissionais, mentiras profissionais.
O que seria uma mentira profissional? Uma coisa é a liberdade de expressão, Deputado João Maia. Eu posso ter a minha liberdade de expressão, como todos aqui — cada um acha uma coisa. Outra coisa é você construir uma mentira: você começa com algo com que todo mundo concorda; depois, você inventa uma pesquisa que não existe, coloca como nome de autor um jornal da Europa, não sei o quê mais, e depois você coloca embaixo: "Agora que está demonstrado, eu vou pedir para todos divulgarem isso".
Desculpem-me, isso é ruim para a sociedade, porque a pessoa tem consciência de que mentiu. Ela construiu uma mentira e, com isso, vai iludir, ou não sei que interesse tem nisso. Mas é algo pelo qual nós precisamos certamente responsabilizar o autor.
Nesse sentido, como vocês acreditam — e vocês estão há muitos anos estudando isso — que nós poderíamos evoluir?
Então, é esta a pergunta, finalmente: como são tratadas essas fake news profissionais e essa questão de financiamento de perfis falsos, que trazem, sim, preocupação? Isso porque nós queremos que prevaleça a verdade, pois esse é o melhor caminho para a sociedade.
Como se poderiam identificar e responsabilizar essas pessoas?
E como as plataformas têm que agir quando há uma denúncia? Como é feita essa denúncia?
E uma última pergunta: sabendo que aquela é uma fake news profissional, ou uma coisa montada para iludir, para enganar, etc., o que vocês acreditam que poderia ser feito para que a sociedade pudesse aprender com esses hábitos nocivos e prejudiciais a ela? Como nós poderíamos fazer, muito rapidamente... Porque uma coisa é colocar isso na Justiça, onde vai ficar correndo por anos, e certamente não vamos conseguir corrigir esse dano, pois o tempo é absolutamente fundamental na questão das redes.
Então, são esses, talvez, os grandes desafios. Pode ser que isso não esteja construído, mas eu gostaria de ouvir a sugestão dos senhores para que nós possamos construir uma sociedade ainda melhor. Foi até colocada aqui pela Deputada Soraya essa preocupação de que também as redes sociais vêm trazendo uma incitação à violência para as crianças, e isso certamente não vai ser bom. Quer dizer, como é que nós poderíamos discutir essas questões nocivas — que não são ilegais, mas, a nosso ver, são nocivas e prejudiciais à sociedade?
Obrigado.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Muito obrigado, uma vez mais, pelas questões.
Eu repetir-me-ia um pouco, porque creio que aquilo que os senhores devem fazer não cabe a mim dizer. Aquilo que nós fizemos é uma discussão inacabada, porque a cada dia surge um desafio novo, pois a tecnologia é mais rápida que o Direito.
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Então, eu gostaria de sublinhar uma vez mais que nós, na União Europeia, desenvolvemos os tais códigos de conduta. E há, inclusive, códigos de conduta específicos contra a desinformação. Além dos próprios códigos de conduta previstos no Ato de Serviços Digitais, havia previamente códigos de conduta já subscritos por companhias as mais diversas no escopo concreto de combate à desinformação.
Além disso, quero salientar também que se criou um conjunto, eu diria, muito sólido de obrigações e proibições no que respeita à publicidade. A publicidade é um elemento fundamental da monetização dos conteúdos na Internet. Muitas vezes, estão-se a discutir coisas que são patrocinadas, porque a proliferação gera dinheiro. Então, na União Europeia, dedicamos muita atenção a restringir e a criar regras muito fortes em relação à publicidade. Limitar, em muitas circunstâncias, e, no caso do Ato de Serviços Digitais, proibir publicidade dirigida a menor, proibir o que chamei de target advertisements, ou seja, desenhar determinados tipos de publicidade que sugerem determinados conteúdos, em função daquilo que é o seu perfil. Limitamos e proibimos as chamadas dark patterns, que são mecanismos de design da interface dos sites que conduzem os usuários a determinado tipo de comportamento, a determinado tipo de consumo e a determinados tipos de conduta. Isso também foi previsto, limitado e condicionado.
Portanto, com esse somatório todo, além de criar a própria interface, queremos facilitar que o usuário perceba que lhe está a ser dirigida uma mensagem porque houve um algoritmo que analisou o seu perfil e que acha que a ele deveria dirigi-la. Isso tem que ficar claro para quem anda a navegar, como tem que ficar clara a forma de, com um clique, informar à plataforma e notificá-la de que há um conteúdo, um bem ou um serviço que é ilegal.
Também pode ser identificado um que seja nocivo, e, aí, criarmos um mecanismo contrário, reverso. É que, na verdade, avaliou-se que não era nocivo e alguém que o postou tem o direito de reclamar a retirada. Ou seja, há a identificação, a notificação, mas também a reclamação, porque há muita gente que se dedica a derrubar e a retirar coisas que, em nome da liberdade de expressão e de determinado tipo de liberdade, não deveriam ser e, na verdade, não são sequer nocivos.
Portanto, é deste balanço, deste equilíbrio entre a possibilidade de identificar, de ser ativo na identificação, mas também de ter o direito reconhecido a uma potencial reclamação que criamos este mecanismo, previsto também no Ato de Serviços Digitais.
Portanto, não há uma resposta única à sua pergunta. Há um conjunto de medidas e um arcabouço que não passam, repito, apenas e só pelo Ato de Serviços Digitais, mas por uma pluralidade de iniciativas legislativas nos mais diferentes domínios que estão a ser tratados, alguns agora já revistos, outros ainda em discussão, como é o caso, por exemplo, do Ato da Inteligência Artificial, que também vai responder a muitas das questões que aqui estamos a discutir, porque, em bom rigor, no final do dia, são algoritmos que estão a alimentar todo esse processo.
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O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Passamos às considerações finais da Dra. Ana Beatriz Martins, a quem agradecemos a participação.
A SRA. ANA BEATRIZ MARTINS - Muitíssimo obrigada, Presidente.
Só me resta expressar um grande agradecimento ao Sr. Deputado João Maia por nos ter dado esta oportunidade. Agradeço, também, ao Dr. Ricardo Castanheira por trazer esta brilhante apresentação sobre os pacotes de regulamentos difíceis, muito difíceis, muito complexos, difíceis de ser explicados.
Eu acho que ele fez um trabalho excelente, brilhante, ao trazer as especificidades destes pacotes de regulamento do Ato de Serviços do Mercado Digital e ao trazer as partes que podem justamente inspirar a experiência brasileira.
Ficamos muito satisfeitos pelo interesse desta sessão conjunta, que nos foi possibilitada pelo Deputado João Maia, com a presença de membros do Congresso e de vários membros da comissão de pesquisa e inovação, que nos deram a demonstração de que é um tema de máxima relevância, de máxima importância no Brasil e de que este tipo de troca de experiências com a União Europeia é útil. Vamos ver a possibilidade de dar seguimento a estas trocas de experiências.
Muitíssimo obrigada.
Um grande e especial obrigada ao Ricardo.
Parabéns! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Tem a palavra o Dr. Ricardo Castanheira.
O SR. RICARDO CASTANHEIRA - Eu nada mais tenho a dizer, a não ser um grande obrigado, repito, sobretudo pelo privilégio, pelo prazer imenso e até emocional de voltar ao Brasil e a esta Casa, pela qual tenho o maior respeito e a maior consideração.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (João Maia. PL - RN) - Agradeço a todos, em especial à Deputada Soraya, que foi muito compreensiva. Como disse o Deputado Orlando, quando ela chega, ela movimenta.
Esta exposição marcou um momento muito especial desta discussão entre nós. Se puderem disponibilizar a exposição no nosso sistema legal, nós a encaminharemos a todos os participantes, para que estudem, questionem, de modo a que se dê continuidade a esta relação.
Que todos nós tenhamos um bom dia e que Deus nos abençoe a todos!
Está encerrada a nossa reunião. (Palmas.)
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