1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família
(Audiência Pública Extraordinária (semipresencial))
Em 10 de Maio de 2023 (Quarta-Feira)
às 16 horas
Horário (Texto com redação final.)
16:14
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A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Declaro aberta a presente reunião.
Informo aos Srs. Parlamentares que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube e no portal da Câmara dos Deputados.
O registro de presença do Parlamentar se dará tanto pela aposição da sua digital nos coletores existentes no plenário quanto pelo uso da palavra na plataforma de videoconferência.
Comunico que a inscrição para o uso da palavra deverá ser feita por meio do aplicativo Infoleg instalado nos celulares dos Srs. Deputados e das Sras. Deputadas.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos dos Requerimentos nºs 7 e 15, de 2023, de autoria dos Deputados Franciane Bayer e Pastor Henrique Vieira, respectivamente, com o tema Celebração do Dia Internacional da Família, dando ênfase ao debate sobre educação parental.
Os nossos convidados já presentes aqui são: Sr. Rodolfo Barreto, Diretor-Executivo da Associação de Desenvolvimento da Família; Sra. Elisa Altafim, Profa. Dra. da Universidade de São Paulo; Sra. Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal; Sra. Solidade Menezes, gestora da Rede Nacional da Primeira Infância; Sra. Perla Ribeiro, representante do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal; e a Sra. Anna Paula Uziel, professora de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Comunico aos senhores membros desta Comissão que o tempo destinado para cada convidado para fazer sua exposição será de 10 minutos, prorrogáveis a juízo desta Presidência, não podendo ser aparteados.
Os Deputados inscritos para interpelar os convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição pelo prazo de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer dos presentes.
Antes de compormos a Mesa e passarmos a palavra aos nossos convidados, eu gostaria de fortalecer o quão importante é abrirmos esta Casa para falar desse tema, pois sem famílias fortes, bem estabelecidas, com valores e efetividade não há esperança de uma nação desenvolvida, justa e próspera. Na verdade, sem a família não haveria nem civilização. Se a vida começa conosco, mães, é na família que ela se desenvolve e encontra plenitude.
Um país nada mais é do que uma grande associação de famílias, unidas em comunidades, bairros, cidades e Estados. Não é por acaso que a nossa Constituição Federal, em seu art. 226, fixa a família como a base da sociedade, com proteção especial do Estado. Mas existe outro estabelecimento importantíssimo na nossa Constituição, que está no art. 205, que diz assim: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Repito: a educação é dever do Estado e da família. Eu friso isso porque é cada vez mais comum vermos inimigos da família fingindo se importar com as crianças e militando para que o poder público interfira até mesmo na religiosidade e na sexualidade dos nossos pequenos. Ou seja, não basta que o Estado tenha o monopólio absoluto da transmissão de conhecimento aos pequenos, que é o que querem aqueles que têm a absurda posição contrária ao ensino domiciliar e à participação dos pais na educação dos filhos. Além disso, além de proibir os pais até de complementar aquilo que as crianças aprendem na escola, há quem queira até mesmo punir os pais que ensinem valores morais e religiosos para os seus filhos.
16:18
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Isso é uma insanidade que não tem fim. Em primeiro lugar, por uma questão prática, que ficou evidenciada na pandemia, os pais precisam saber ajudar os seus filhos na sua formação. No dia a dia, o ensino formal já é insuficiente. Mas, numa situação de crise, como a pandemia, ficou tudo nas costas dos pais. Ou seja, com ou sem pandemia, é preciso que mães e pais participem e acompanhem o desenvolvimento intelectual de seus filhos, dada a debilidade do nosso sistema de ensino, em que os professores se desdobram para cumprir uma missão cada vez mais difícil.
Mas também precisamos questionar o papel do poder público no apoio às famílias brasileiras. É nesse sentido que reforço que é preciso separar o cuidado necessário da intromissão desmedida, uma confusão muito comum quando se fala em ação estatal. Oferecer condições para que as famílias se fortaleçam e se desenvolvam não tem nada a ver com burocratas governamentais decidindo pelos pais sobre questões de educação, saúde, sexualidade e religiosidade.
Parece óbvio dizermos isso, mas não podemos nos esquecer de que há quem postule a proibição e a criminalização da educação domiciliar, ainda que realizada de modo meramente complementar ao ensino formal. Em vez de se ocupar de regular a vida dos pais, mães e filhos, o Estado deve oferecer condições para que esses tenham uma vida mais digna e promissora. De fato, as políticas públicas deveriam se voltar para um problema que compromete seriamente a estrutura familiar, aquilo que especialistas, como os meus amigos do Family Talks, chamam de "crise do cuidado".
Sem a natural rede de apoio familiar e comunitária, com quem contavam no interior ou no subúrbio, as famílias vivem hoje de modo automatizado nos grandes centros. Neste contexto, os pais — sobretudo as mães — têm, então, de escolher entre trabalhar fora ou ficar em casa cuidando de suas crianças ou dos seus idosos. Trata-se de uma escolha muito difícil e que nunca resolve a situação. O que fazer? Buscar recursos para a família e, então, desassistir as nossas crianças ou cuidar de quem precisa e desfalcar a vida financeira familiar?
Nós que somos mães podemos imaginar a dor que é ficar longe dos filhos pequenos para trabalhar — vivenciei isso na pele por muito tempo — e também a angústia de não poder trabalhar para dar uma vida melhor aos nossos filhos, justamente porque não há com quem eles ficarem. Não é e nunca será uma escolha fácil. Sem políticas públicas resolutivas, não há saída para esse impasse.
Algumas medidas são óbvias, como a instalação de mais creches. Há iniciativas bastante simples, como a criação de bancos de talentos regionalizados para as mães encontrarem trabalho no meio turno, perto de casa, sem ter que perder horas se deslocando. E, por fim, há soluções que já deveriam ter sido aplicadas, como a de inclusão do tempo de cuidado materno no cálculo da aposentadoria da mulher. De qualquer forma, o poder público precisa abandonar a ânsia de regular a vida dos pais, mães e filhos com ideias como a criminalização do ensino domiciliar. É preciso, isto sim, vontade de resolver, ajudar quem é o responsável por cuidar da base da Nação, que é a família. Só não pode o Estado continuar se omitindo. Baseada nisso é que eu propus esta audiência pública. Fala-se tanto em cuidado, mas se esquece de pensar no fortalecimento daqueles que cuidam, e é isso que nós queremos debater aqui hoje com os nossos queridos convidados, que têm toda autoridade no assunto para discutir aqui.
16:22
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Eu quero já agradecer ao Sr. Rodolfo Barreto pela sua presença.
Para dar início aos nossos trabalhos, eu convido para compor a Mesa conosco o Sr. Rodolfo, que é o Diretor-Executivo da Associação de Desenvolvimento da Família, a quem já passo a palavra, pelo tempo de 10 minutos, para sua exposição.
O SR. RODOLFO BARRETO CANÔNICO - Muito boa tarde, Deputada Franciane. Cumprimento V.Exa. e agradeço pela iniciativa desse convite. Cumprimento o Deputado Pastor Henrique por colaborar com essa discussão e por trazer à tona a relevância desse debate, que é a educação parental e o apoio às famílias, e ao mesmo tempo por privilegiar o apoio que as famílias precisam para exercer a sua função de cuidado. Cumprimento também as senhoras e os senhores que estão nos acompanhando presencialmente e também pela Internet.
Eu chamo a atenção para esse ponto inicial da necessidade e do interesse público na função que as famílias exercem com relação ao cuidado. Nesta Casa há vários debates relacionados a pautas econômicas, as mais variadas pautas, e isso tem relação com as diferentes atividades humanas. Agora, se nós formos refletir sobre a principal atividade realizada pelas pessoas, eu gostaria de argumentar que a principal atividade que existe na sociedade é o cuidado das pessoas, porque nada é mais importante do que garantir a formação das pessoas e garantir a dignidade na existência das pessoas. Por outro lado, essa pauta ainda precisa ganhar espaço no debate público, e esse espaço não é algo meramente afetivo e sentimental, mas é algo resolutivo.
A função de cuidado que as famílias exercem é de interesse público. Portanto, cabe apoio público a isso, porque é do interesse público que as famílias exerçam essa função da melhor forma e que isso signifique, evidentemente, alguma qualidade e que elas encontrem o apoio que precisam para exercer essa missão.
Hoje já foi até cunhada a expressão "crise do cuidado", mencionada pela Deputada em sua exposição inicial. Isso parte da percepção de uma dificuldade crescente que as famílias enfrentam para exercer esse cuidado. Essas dificuldades são de ordens variadas e afetam todas as classes sociais, vão desde dificuldades relacionadas a questões socioeconômicas, mas também à transição demográfica, com o aumento da população envelhecida, que tem grandes demandas de cuidado, e que vai aumentar cada vez mais. É necessário que nos preparemos para garantir o apoio de que as famílias precisam.
16:26
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Eu gostaria de listar alguns dos desafios sociais relevantes que afetam a população, que são problemas que todos nós com certeza compartilhamos, são preocupações a respeito disso.
Em nosso País, todos os anos, são registrados 40 mil casos de crianças vítimas de violência doméstica. Normalmente, esses registros são subnotificados, muitos casos não têm a devida notificação. No sistema de Justiça, há 46 mil menores atendidos por delinquência, e 4% dos jovens entre 12 e 17 anos consumiram substâncias ilícitas. Isso dá mais de 1 milhão de jovens, e nós sabemos o tipo de consequência que isso traz ao longo da vida. Esse é um desafio.
Quando formos olhar um elemento comum e agregador dessas discussões, podemos pensar que isso tem relação com a dinâmica familiar. É verdadeira essa afirmação. As famílias acabam ganhando as manchetes quando acontece algum problema, alguma catástrofe. Eu falei aqui de violência doméstica e de outros tipos de ação. Entendemos por que isso acontece, mas também queremos que não aconteça, queremos que deixe de acontecer. Para isso, é necessário que as famílias também sejam manchete e ponto de atenção pública, não só aqui no Parlamento, mas em toda a sociedade, quando as coisas estão bem, para que fiquem bem, ou quando existe um fator de risco, para que recebam o apoio de que precisam e passem a ser um espaço de cuidado e não um espaço de risco para o desenvolvimento infantil.
Se boa parte desses problemas acontece no ambiente familiar, evidentemente a solução vai passar pela família também, pela construção do apoio de que a família precisa para poder exercer a sua missão.
Há outro dado bastante alarmante, que é relacionado à negligência familiar. Eu gostaria de trazer isso como um elemento relevante em nossa discussão de política pública e de educação parental como solução. A negligência familiar é a denúncia mais frequente no Disque 100 de violação de direitos. A violação de direito mais frequente que existe aqui em nosso País é a negligência familiar, que tem três dimensões. Ela pode ser negligência física, que tem a ver com a não prestação de cuidados médicos básicos, com a falta de alimentação adequada e por aí vai. Há a negligência emocional, que acontece quando as necessidades emocionais da criança são ignoradas. Também há a negligência educacional, que é quando não se proporcionam as condições adequadas para o desenvolvimento da criança.
É óbvio e evidente — e existem estudos que apontam para isto — que há uma relação entre fatos mais graves, como violência e esse tipo de coisa, com a negligência familiar. Em geral, esses crimes — aí nós já estamos falando de crime — vão acontecer em um ambiente em que há uma negligência reiterada. Aqui trago novamente este elemento: nós não estamos inventando um problema, nós estamos falando da principal violação de direitos que acontece no País. Se essa é a principal violação de direitos, a nossa demanda como sociedade civil é: ora, precisamos de uma atenção proporcional a isso, que é uma prioridade na atenção às famílias, para evitar que a negligência familiar aconteça.
Existe uma responsabilidade, obviamente, primária da família. É um dever da família garantir o cuidado e a subsistência da criança. Esse dever vai aparecer na Constituição Federal e, de forma muito explícita, no Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, a família não está encarregada disso sem nenhum tipo de apoio. Na própria Constituição já vão aparecer a sociedade e o Estado para garantir também o cuidado de forma subsidiária. O que isso significa? Que cabe à sociedade, é dever da sociedade e do Estado darem apoio à família para ela exercer o seu dever. Nós não estamos falando de cobrar as famílias, como bem apontou a Deputada na sua exposição inicial, para que funcionem bem. O que cabe é: Qual é o apoio que nós estamos dando? Existem as condições adequadas para uma família exercer a sua missão. Na medida em que não existem essas condições, os casos de negligência familiar têm números altíssimos. Enfim, nós estamos falando de centenas de milhares de denúncias por ano, é o principal tipo de denúncia do Disque 100, chega a quase 1 milhão de denúncias por ano, e eu repito, são subnotificadas. Dada a magnitude desse problema e desse desafio social, com consequências depois para a violência nas escolas — esse é um debate que está bastante presente aqui agora no Parlamento, em função dos tristes casos que aconteceram, e eu sei que outros expositores trarão na sequência a importância dessa formação familiar da educação parental, como também estratégia e prevenção de comportamento violento e com benefícios que vai trazer —, nós temos esse macroproblema da negligência familiar, que está vinculada a tudo. Chegou a hora de nós termos uma discussão para entender melhor as raízes desse problema e discutir soluções possíveis para isso. O programa de educação parental existe, é desenvolvido e aplicado em vários lugares do mundo; existe um corpo de pesquisa muito sólido e consolidado trazendo resultados e benefícios de programas de educação parental — em seguida, a Profa. Elisa, da USP, vai trazer essas evidências —; mas existe uma pilha de resultados e de programas com avaliação em universidades, resultados consolidados.
16:30
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Há uma recomendação da Organização Mundial da Saúde, através do programa Lifelong Learning Program, que é educação parental para a prevenção de violência, e há um chamado global do UNICEF pela educação parental, para a prevenção de violência e de negligência contra as crianças: primeiro, porque já existe evidência suficiente para fazer um chamado global; e, segundo, porque já foi aplicado em vários países, inclusive vários países africanos, com baixo custo. Os resultados estão aí para serem demonstrados: previne negligência familiar e todos os outros problemas decorrentes disso.
Como encaminhamento do que nós falamos, eu gostaria de dizer duas coisas. Temos sugerido aqui em conversas com Parlamentares talvez até a criação de algum grupo de trabalho para explorar melhor esse assunto. Eu gostaria de registrar essa sugestão, porque é um espaço para aprofundar esse estudo. Nós entendemos as raízes, o que leva à negligência familiar e como nós vamos prevenir. É a principal violação de direitos hoje no País. Eu estava vendo que a última notícia relevante sobre esse tema foi em 2014, tem sido pouco falado. Chegou a hora de trazer mais. E as soluções já existem também, essa é a vantagem. Fica a sugestão.
Existe bastante gente disponível, existe uma comunidade de educadores parentais, há várias educadoras parentais aqui presentes, a quem eu gostaria de cumprimentar, que têm condições de contribuir, além da comunidade acadêmica. A nossa organização, do ponto de vista da sociedade civil, está lançando na próxima semana um projeto de sensibilização sobre o tema Compromisso pela educação parental, para mostrar que a educação parental não é algo supérfluo, algo que alguma família vá buscar, é uma solução possível para problemas sociais extremamente relevantes.
O debate está colocado. Existe espaço para fazê-lo. Existem soluções. Gostaríamos de trazer esse ponto, reforçar a oportunidade de aprofundar esta discussão, colocar-nos à disposição para prestar esse apoio, e agradecer, novamente, à Deputada Franciane Bayer e ao Deputado Pastor Henrique Vieira a iniciativa e a todos a atenção. Sem dúvida nenhuma, a relevância deste debate é muito grande. Esperamos que possamos construir soluções em escala para a população. Deputada, agradeço o espaço e a oportunidade.
16:34
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A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Agradecemos ao Rodolfo a sua exposição.
Convido para compor a Mesa a Sra. Elisa Altafim, professora doutora da Universidade de São Paulo, que terá também 10 minutos para a sua exposição.
A SRA. ELISA ALTAFIM - Muito obrigada a todos pela presença.
É um grande prazer estar aqui nesta tarde, conversando com todos.
Agradeço à Deputada Franciane Bayer e a todos os presentes. Esta é uma oportunidade para refletirmos sobre políticas públicas baseadas em evidências científicas. Hoje, quando temos uma Mesa composta pelo terceiro setor e também pela academia, é um momento de celebração, pela parentalidade no Brasil, pelas crianças que precisam de fatores de proteção.
Se hoje eu estou aqui falando com todos desta reunião é porque tive fatores de proteção na minha vida, que são os meus pais. Gosto muito de me lembrar da minha avó. Eu espero que todas as crianças do nosso País tenham essa oportunidade de ter fatores de proteção nas suas vidas.
Eu vou falar sobre a família, a educação parental.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu sou Elisa Altafim, psicóloga e professora do Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental da Universidade de São Paulo. Quando falamos de parentalidade, nós estamos falando de crenças, da forma como as pessoas entendem como é cuidar e educar seus filhos. Nós também estamos falando sobre conhecimento, o que os pais têm de conhecimento sobre o desenvolvimento da criança; e nós estamos falando sobre práticas da forma como os pais cuidam e educam os seus filhos.
A parentalidade é um conceito amplo e envolve diferentes fatores: a interação no momento em que a mãe ou o pai ou os cuidadores estão sentados, brincando com a criança, e quando a criança apresenta um comportamento desafiador e os pais têm que agir naquele momento. Isso também é parentalidade.
Infelizmente, há práticas parentais negativas, que usam violência, como tapas, palmadas e outros tipos. Isso acontece, muitas vezes, porque os pais se desregulam emocionalmente e porque é um ciclo intergeracional de violência, que nós precisamos quebrar.
O UNICEF publicou um relatório no qual demonstrou que três em cada quatro crianças estão sujeitas a algum tipo de disciplina negativa, que envolve violência com os filhos. Nós estamos falando de um número muito alto. Se pensarmos no âmbito de Brasil, como são esses dados? Primeiro, há uma ausência de dados no âmbito populacional. Então nós precisamos de pesquisas no âmbito populacional.
Temos uma boa notícia. Foi realizada uma pesquisa denominada Primeira Infância para Adultos Saudáveis — PIPAS, no Estado do Ceará, que mostra alguns dados sobre a parentalidade: 49% das famílias relatam que utilizam palmadas com seus filhos. Esse número é alto, e nós precisamos agir.
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Uma pesquisa da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal — inclusive, a representante da fundação vai falar logo após a minha fala — demonstrou que, durante a pandemia, 67% dos cuidadores relatavam utilizar algum tipo de prática negativa com seus filhos, como chacoalhar, bater e gritar. E isso vem muitas vezes por quê? Por conta da sobrecarga e pela ausência de fatores de proteção.
Eu realizei uma pesquisa durante o meu mestrado que demonstrou que 10% das famílias estavam utilizando abuso físico com as crianças. Aí vocês me dizem: "Elisa, 10% é um número diferente daqueles 49% que você demonstrou. Alguma coisa estava acontecendo ali protegendo essas famílias". Não. Nós estamos falando aqui de famílias que tinham mães de crianças de até 12 meses de idade, de 1 ano, e essas mães já estão utilizando práticas parentais negativas. E esse número sobe.
Nós fizemos uma revisão sistemática da literatura internacional, e o que nós vimos? Quando comparamos as idades de 1 ano e 3 anos, verificamos um aumento no número de práticas negativas. Então, quanto mais cedo nós iniciarmos os programas de parentalidade, melhor conseguiremos agir na prevenção.
Outra revisão sistemática da literatura mostrou que a grande maioria dos estudos apontam que existe um ciclo intergeracional de violência. Então, muitas vezes, os pais foram cuidados e educados utilizando tapas e palmadas — e nós não estamos aqui para culpabilizá-los, até porque existia a crença de que era assim que a criança deveria ser educada. Hoje nós já sabemos que essa crença não é mais correta. Nós modificamos esse comportamento. As pesquisas mostraram o quanto as punições físicas têm efeitos em diferentes aspectos, a curto, médio e longo prazos, e na saúde.
Nós realizamos outra pesquisa e vimos que 81% das mães que participaram de programas de parentalidade foram cuidadas e educadas vivenciando algum tipo de violência. Eu estou falando de 81%, e precisamos quebrar esse ciclo. Então, muitas mães, quando vêm para o programa de parentalidade, têm uma história de adversidades na infância. E 63% relataram mais de um tipo de violência. Em 78%, qual era o tipo de violência mais frequente? Abuso físico, na fala dessas mulheres. Boa notícia: essas mães, após participarem de um programa de parentalidade, melhoraram a forma como elas cuidavam e educavam seus filhos, diminuíram as práticas de disciplina negativa e melhoraram a regulação emocional. Essa pesquisa nós realizamos inclusive na Universidade de São Paulo e demonstramos esses dados.
Nós fizemos um working paper que fala sobre a prevenção de violências contra as crianças. O Rodolfo, na sua fala sobre a Family Talks, já trouxe dados sobre as denúncias, mas 84% das denúncias estão nas famílias. Então, eu recomendo a leitura do working paper Prevenção de violência contra crianças. E, como já foi dito, os dados podem muitas vezes estar subnotificados. Esse é um ponto de atenção, a subnotificação, porque, quando temos subnotificação, não tornamos visível um dado que está acontecendo.
Nesse working paper, nós também verificamos quais são os pontos que podemos aprimorar para acabar com a violência e preveni-la. E um desses pontos que está ali, o ponto 4, é a implementação qualificada de programas de parentalidade baseados em evidências científicas. E eu vou mostrar para vocês um exemplo, uma experiência exitosa de um programa que nós temos implementado aqui no Brasil.
Existem leis que mostram — o Marco Legal da Primeira Infância, a Lei Menino Bernardo — a importância da educação parental para ensinar novas estratégias para as famílias.
E agora vou falar para vocês sobre o Programa ACT para Educar Crianças em Ambientes Seguros. Esse é um programa que foi desenvolvido nos Estados Unidos, por uma brasileira que mora lá. Ele é recomendado pela Organização Mundial da Saúde, por diversas organizações, inclusive o UNICEF. Nessa recomendação, há sete estratégias para reduzir e combater a violência, que é o Inspire. Várias organizações se reuniram e criaram o Inspire.
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Um dos programas que está ali, em relação ao suporte parental, é o Programa ACT para Educar Crianças em Ambientes Seguros. Estamos completando 10 anos de Programa ACT no Brasil. Iniciamos o Programa ACT e já temos 11 estudos científicos publicados. Nós temos um estudo randomizado controlado que demonstra a eficácia do programa ACT para melhorar a forma como os pais cuidam e educam seus filhos e, principalmente, para reduzir problemas de comportamento. Quando mudamos a forma como os pais agem com seus filhos, temos uma redução dos problemas de comportamento.
Nesse artigo do programa de parentalidade, Da evidência científica para a implementação em escala, nós contamos um pouco dessa trajetória de 10 anos que temos aqui no Brasil. Começamos nas pesquisas científicas para implementar um programa baseado em evidências em uma escala em políticas públicas.
Este é outro estudo, em que nós demonstramos alguns dados, uma diminuição. Temos um estudo randomizado controlado que compara com um grupo controle. Nesse estudo, nós mostramos que as famílias que participaram de um programa de parentalidade reduziram disciplina negativa. Então, elas aumentaram a disciplina positiva, melhoraram a regulação emocional e comportamental e melhoraram a comunicação com seus filhos. Isso teve um impacto direto na diminuição dos problemas externalizantes e internalizantes das crianças. Qual foi o fator-chave para essa mudança? Regulação emocional e comportamental.
A boa notícia que eu quero compartilhar agora com vocês é que, depois de 10 anos de pesquisa, em parceria com outras fundações, como a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, a Fundação Bernard van Leer, a Fundação Porticus e também com o Governo do Estado do Ceará, nós estamos implementando o Programa ACT em larga escala para as famílias que vivem em situação de vulnerabilidade psicossocial, inclusive as que recebem o Cartão Mais Infância no Ceará. Nós fizemos uma parceria e estamos implementando em 24 cidades do Estado do Ceará. Quem está relacionado à implementação do programa são os profissionais da linha de frente, profissionais da assistência, da proteção social. Nós treinamos 190 profissionais para atuarem. Tudo isso nós fizemos na pandemia.
Ano passado e este ano, nós já atingimos 1.500 famílias nessas 24 cidades. Esse é o retrato em que temos um pouco disso. Ali estão as 24 cidades. Inclusive, já chegamos a algumas cidades, como, por exemplo, Acaraú, que tem uma comunidade indígena. Lá as mães tiveram interesse em participar. A comunidade teve interesse em participar. Então, nós estamos conseguindo atingir grande parte da população das cidades.
Hoje, quando falamos de programas de parentalidade, estamos fazendo um investimento na primeira infância. Sabemos que 62% dos casos de maus-tratos, esse é um dado que está no working paper, são de crianças de 0 a 9 anos. Então nós precisamos olhar para isso.
Termino aqui com uma frase: Mudanças positivas na vida das crianças podem ser alcançadas através de uma maior atenção e fortalecimento dos recursos e capacidades dos adultos e cuidadores das crianças.
Muito obrigada pela presença de todos. Espero que minha fala tenha sensibilizado vocês para a importância da parentalidade positiva e da educação parental e também do uso de evidências científicas para qualificar as ações dos profissionais, sejam os profissionais da saúde, sejam da educação, sejam da assistência. Essa é uma pauta interdisciplinar, que precisa ser adotada em forma de rede. Com rede, nós vamos conseguir trazer proteção para a vida das crianças.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada, Dra. Elisa. Agradecemos a exposição e a quantidade de informação em tão pouco tempo.
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Fiquei aqui surpresa porque ela conseguiu apresentar muita coisa em pouco tempo. Quem sabe nós vamos fazer aqui um seminário maior, um dia! Já vou deixar a sugestão, para que possamos ter mais tempo e mais expositores. Vou deixar aqui ajustado, porque o tema é muito importante. Muito obrigada.
Nós já agradecemos à Dra. Elisa e convidamos a Sra. Mariana Luz, que é CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, para fazer a sua exposição. Ela está on-line conosco.
Boa tarde, Mariana. Seu prazo para apresentação é de 10 minutos.
A SRA. MARIANA LUZ - Boa tarde a todos. Estão me ouvindo bem?
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Sim, estamos ouvindo.
A SRA. MARIANA LUZ - Obrigada, Deputada Franciane.
Quero, na pessoa da Deputada, agradecer pelo convite e também estender meus cumprimentos a todos os Parlamentares e a todos os convidados que estão no Plenário e que estão aqui on-line como eu, no caso, e algumas outras pessoas que estão aqui comigo virtualmente.
(Segue-se exibição de imagens.)
Quero dizer da satisfação da Fundação Maria Cecilia de participar desse debate, contribuir de alguma forma para essa discussão e para a agenda, de modo geral, no Congresso Nacional.
Para quem não conhece a Fundação Maria Cecilia, nós já atuamos no campo social há quase 60 anos. Há 17 anos, nós elegemos a primeira infância como nosso grande foco. A fundação trabalha com a primeira infância, que é essa etapa extraordinária do nascimento aos 6 anos. Eu vou falar um pouquinho sobre isso para resgatarmos alguns dos conceitos das evidências científicas que norteiam e amparam o nosso trabalho.
Mas eu começo dizendo que aqui na fundação nós escolhemos três grandes temas dentro da primeira infância. Trabalhamos com a parentalidade, que é o foco da nossa conversa hoje, mas também trabalhamos com a agenda e o eixo temático da educação infantil e da avaliação do desenvolvimento infantil. Então, hoje olhamos para esses dois espaços fundamentais, da escola e da casa da família, por meio da parentalidade, e também avaliamos como é que estão esses serviços, essas estruturas, esses programas e o impacto que isso tem no desenvolvimento das nossas crianças em função de essa etapa ser tão positiva.
Eu só chamo a atenção para o fato de que, tal como a Elisa trouxe na fala dela, nós usamos o termo parentalidade de uma forma mais ampla. E a razão pela qual fazemos isso é justamente por acreditar no papel fundamental que os adultos responsáveis por uma criança que estão ali no seio da família, no ambiente doméstico, seja qual for a estrutura familiar, conseguem ter na formação, no desenvolvimento, no cuidado, na relação de formação de vínculos e em tudo que, de fato, forma a base para o desenvolvimento acontecer. E é isso que as evidências têm reiteradamente comprovado. A ciência tem trazido e fortalecido os argumentos que aqui na fundação nós já usamos há 17 anos. Mas, a cada pesquisa, a cada novo estudo, a cada novo olhar, inclusive, que temos para muitos dos dados e para novas facetas do que ocorre no ambiente doméstico, no ambiente da escola, e como que a política pública pode contribuir para que isso seja fortalecido, as evidências se fortalecem e se reinventam.
Ao entrar na apresentação, porque também tenho muita coisa para falar, eu peço para quem está me ajudando para passá-la. Queríamos começar justamente sensibilizando todos aqui sobre o que é essa linha do tempo sobre esses períodos sensíveis do desenvolvimento cerebral. Muito do que mostramos ocorre um pouco antes do nascimento. Na gravidez, esse processo de desenvolvimento já começa a acontecer. O desenvolvimento das vias sensoriais, visão e audição, começa já no nascimento. Podemos ver nesta curva que os primeiros 3 anos, que nós chamamos de primeiríssima infância, são fundamentais, bem como o quarto, o quinto e o sexto ano. O processo de linguagem se dá a partir do nascimento e tem seu pico antes de 1 ano. E o desenvolvimento das funções cognitivas mais altas, ou seja, percepção, atenção e memória, também tem seu pico um pouco antes de se completar o primeiro ano de vida.
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Então, um dos principais recados que damos é justamente que a gravidez é um processo fundamental, no qual devemos amparar a mulher, a grávida, para que essa gestação corra bem e a criança consiga se desenvolver, e depois, nos seus primeiros anos de vida, também dar potência à formação cerebral que vai acontecer.
Quando formos para o próximo eslaide, já vamos perceber isso de forma gráfica. São as conexões cerebrais que estão acontecendo no cérebro dessas crianças, as sinapses, como chamamos. E como isso evolui? Em um recém-nascido, elas ocupam este volume menor. Em um bebê de 6 meses, há esta formação e constituição das sinapses. Já há um grande emaranhado de conexões cerebrais, de sinapses, em uma criança de 2 anos.
Trago outros dados. Na primeira infância, temos 1 milhão de conexões acontecendo por segundo. Eu sempre digo que um estalar de dedos dura 1 segundo, e isso equivale a 1 milhão de sinapses. É isso o que está acontecendo no cérebro de uma criança.
Até os 6 anos de idade, 90% do cérebro vai se formar. Então, 90% do meu cérebro, do cérebro de todos os que estão aqui e do cérebro das crianças que tanto amamos vão se formar nesse período. Essa é a base de tudo o que vai acontecer. Essa é a base do desenvolvimento físico, cognitivo e socioemocional que de fato molda o ser humano que a criança vai ser. E eu sempre digo que esse desenvolvimento não é responsabilidade apenas da criança. É dela, é da sua família, é de todos nós, sociedade — obviamente, nesta Casa, estamos falando de todos os Parlamentares e das políticas públicas em prática.
Começamos agora uma conversa sobre como isso acontece. É justamente essa lógica de ação e reação que tem se fortalecido, que tem se sedimentado como a grande potência que podemos estabelecer entre essas relações parentais positivas, entre essa parentalidade positiva e o desenvolvimento da criança. Quando há estimulações, a informação é passada, se ela vem acompanhada do afeto, do amor, do carinho, da empatia e de um processo de relações interativas e positivas, esse afeto funciona como uma cola para que essa informação de fato possa ser absorvida, para que essa estimulação possa ser absorvida e para que esse desenvolvimento e aquelas conexões cerebrais todas que eu mostrei consigam se consolidar e se viabilizar na prática.
Eu acho que podemos pular agora dois eslaides — porque eu já falei da ação e da reação — para conseguir andar um pouco mais rápido.
O que significa a parentalidade? Eu costumo dizer que essa palavra às vezes assusta, mas, se nós conseguimos colocar a sustentabilidade no grande eixo da comunicação, nós também vamos colocar a parentalidade no mesmo patamar, porque ela é justamente essa possibilidade de unirmos amor, carinho, atenção, cuidado e limite. E, como a Elisa e o Rodolfo já disseram, é um limite com amor, é um limite sem violência, é um limite sem negligência, é um limite que educa e traz a possibilidade do vínculo e do afeto acompanhado dele. Mas ele não deixa de acontecer.
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Então, como a parentalidade funciona? Por meio de todas as ações. Temos os responsáveis por essa criança. Então, estamos falando de pais ou adultos que estiverem nesse dia a dia da rotina, mas sempre temos que contar com a rede de apoio, ou seja, com os avós, os tios, os vizinhos, os amigos, os educadores, os profissionais e as pessoas dos serviços de saúde e de assistência. Sabemos que todos têm um papel muito importante, mas temos que ter essa visão de comunidade. A responsabilidade dessa criança é de todos nós, embora o eixo da família, da casa, do ambiente doméstico precise ser, necessariamente, o pilar fundamental dessa relação.
Isso se reflete em uma ação diária. Muitas vezes olhamos para a brincadeira, o contar histórias, a leitura conjunta de um livro, o abraçar, o brincar, a hora do banho... Toda a parte da rotina da criança deve e pode ser transformada em um processo de educação, de formação de vínculo, de explicar o que está acontecendo ao redor. A explicação é no sentido de estímulos, como já trouxemos. Esses estímulos e esse afeto são a grande base para acontecer essa relação e para formar o que chamamos, no final, de elo poderoso que une o cuidador e a criança para uma vida inteira, mas que também funciona como a base para o seu desenvolvimento.
Seguindo, queríamos trazer alguns dados também da realidade da primeira infância no Brasil. Acho que pode até ir para os próximos dados que vão surgir. Estamos falando de uma população com um universo de 20 milhões de crianças na primeira infância no Brasil. Quando falamos de 20 milhões de crianças, estamos falando também que um terço delas, infelizmente, estão na vulnerabilidade.
Naquele eslaide havia os dados sobre a pobreza. Destes 20 milhões, justamente 7,8 milhões estão na pobreza. Agora, temos ainda 2,2 milhões na extrema pobreza. Então, estamos falando que quase metade de uma população está em uma situação de vulnerabilidade, de negligência.
Quando falamos da própria negligência que acontece no seio da família, se estamos falando que esta família está na pobreza e na extrema pobreza, a possibilidade de lá haver um ambiente positivo diminui. Na verdade, temos visto essa correlação estabelecida entre a pobreza e a extrema pobreza e, nesses ciclos intergeracionais, manter a negligência, a violência, as relações que são danosas para a criança. Então, se queremos, de fato, endereçar e resolver a questão da parentalidade positiva, também precisamos ter um olhar mais amplo sobre a pobreza, sobre as condições dessa criança, da sua família e de como os serviços e o poder público precisam estar ao lado delas para endereçar essa questão de forma mais sistêmica.
Avançando, eu queria trazer alguns dados de insegurança alimentar que justamente embasam essa conversa sobre como a pobreza e a extrema pobreza trazem a impossibilidade de muitas famílias olharem para as relações parentais positivas. Então, estamos falando aqui de uma piora, de um salto de 19 milhões para 33 milhões de pessoas passando fome. Houve um aumento significativo da fome nas casas, nos domicílios brasileiros. Se formos olhar para o número de famílias com crianças, esse número dobrou, na verdade. Passamos de 9% para 18% o numero de residências de famílias com crianças na primeira infância ou até 10 anos passando fome. Na verdade, está um pouco além da primeira infância.
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Seguindo, mas ainda trazendo dados da insegurança alimentar, a pandemia, de fato, foi um retrocesso nesse caminho. Podemos ver isso por esses dois gráficos. Tivemos aumento nos índices de nascimento de crianças com baixo peso. Estamos falando que vinham sendo reduzidos esses índices. Houve um pico, mas conseguimos ter essa redução, mas começamos a ver um aumento desse indicador de peso muito baixo, que é uma relação direta e muito dura justamente desse cenário da fome e da insegurança alimentar.
Na pandemia, houve um aumento de 54%, justamente como parte de tudo o que vimos acontecer no nosso País. Esse tema teve que voltar para a agenda. Também vemos uma relação direta em que as pessoas vulneráveis, pessoas negras, famílias lideradas por mulheres, enfim, são questões muito importantes que, de fato, compõem a base para que possamos ter tudo o que estamos defendendo como uma agenda positiva, de uma parentalidade que acontece, que estimula e que promove o desenvolvimento. Mas não dá para desvincular esse processo de estatísticas tão duras em relação à fome.
No próximo eslaide, ainda sobre insegurança alimentar, há a lógica do aumento do custo da própria cesta básica. Então, se estamos falando dessa insegurança alimentar, por que ela se deu, na prática, e afetou mais ainda famílias, no caso, com crianças até 6 anos, exatamente dentro dessa janela da primeira infância? Porque os preços aumentaram em 63% para esse nicho de famílias com crianças, ao passo que, para a população em geral, no mesmo período, foi um pouco menor, embora ainda absolutamente alto, ou seja, 54%.
Seguindo, há outro tema que já foi abordado por Elisa e Rodolfo, e queríamos trazer à baila essa dinâmica da violência doméstica. Temos dados assustadores sobre violência doméstica. De fato, também já falamos aqui sobre subnotificação, mas reitero este ponto, porque todo dado que temos sobre violência é a partir dos dados coletados em função das notificações. Mas, como sabemos que há uma subnotificação dramática, podemos sempre estimar o tanto que isso significa.
O fato é que tivemos 30 mil denúncias de violação de direitos humanos, em 2021, de suspeitos com crianças. Agora, 25 mil foram denúncias de violação contra crianças exatamente na faixa etária da primeira infância. E o que temos visto em todos os estudos é que a violência contra a criança acontece predominantemente no ambiente familiar da vítima; 8 em cada 10 casos de violência são cometidos por familiares — pais, mães, padrastos.
A taxa anual de notificação de violência contra as crianças era de 77 por 100 mil crianças por ano, de 2016 a 2019. Exatamente no período da pandemia, de 2020 a 2021, essa taxa caiu para 60 a cada 100 mil crianças.
Agora, esse foi um momento em que estava todo mundo em casa. Pela lógica, temos a visão de que houve um aumento da violência doméstica, justamente pelas tensões, pelo estresse do momento, pela fome, pela situação de vulnerabilidade, como estamos trazendo aqui. Mas esse não é um quadro simples. Não assumimos esse papel de culpabilizar ninguém, mas, justamente, de fazer um alerta para avaliarmos como endereçar essa questão. Se, de fato, essa notificação caiu no momento em que a permanência em casa aumentou, tivemos uma preocupação ainda maior em relação às crianças.
No próximo eslaide, vemos como a violência afeta diretamente o desenvolvimento da criança. Como trouxemos aqui no início, a violência gera prejuízos diretos para o desenvolvimento porque, da mesma forma que nós falamos que a relação de afetos e de estímulos gera um círculo virtuoso, o círculo vicioso do contrário dessa relação é igualmente verdadeiro e mais ainda relevante fator a ser combatido. Então, há o caso dos danos físicos — e a Elisa nos trouxe isso —, quando falamos de traumas físicos, lesões, machucados, mas também há os traumas emocionais, que são os que ficam e marcam para a vida toda.
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No caso do estresse tóxico, que é o nível de estresse nas três categorias que, de fato, gera dano para o desenvolvimento e que é altamente associado ao racismo — há um estudo do Núcleo Ciência Pela Infância mostrando isso —, nós estamos falando também de alterações fisiológicas e psicológicas com potencial prejuízo para todo o processo cognitivo de memória, de aprendizagem, para o processo socioemocional e para o próprio sistema imunológico. No caso de saúde mesmo, ele até contribui para o surgimento de doenças crônicas.
Um fato que aprendi durante a pandemia foi este: doenças crônicas são evitáveis em quase 80%. Então, se nós olharmos para as doenças crônicas como parte de processos de traumas e de processos emocionais doloridos, elas são evitáveis. Por isso, uma primeira infância saudável, em que há educação, afeto e uma parentalidade positiva, pode diminuir doenças crônicas e pode, por sua vez, minimizar o custo que nós temos com saúde pública no Brasil, por exemplo.
Por fim, há outro dano absolutamente fundamental para o qual já se estabeleceu uma relação direta e causal da violência doméstica: mudanças de comportamento em seres humanos, e não mais em crianças. Assim dizemos porque, infelizmente, essas pessoas carregam o impacto disso por toda a vida. Elas são mais agressivas, têm problemas de atenção, hipervigilância, ansiedade, depressão, problemas de adaptação durante a jornada da escola e problemas psiquiátricos.
E quero, fim, trazer um paralelo do que é essa parentalidade positiva e do que são práticas negativas, que podem, de fato, fazer a diferença nessa relação adulto, família e criança na primeira infância.
O positivo — eu acho que nós já falamos isso aqui em algum momento — pode parecer óbvio, mas, infelizmente, eu acho que vale sempre lembrar, porque os dados e as pesquisas têm mostrado que as práticas negativas ainda são muito presentes no dia a dia das famílias no nosso País e ao redor do mundo.
Quando nós falamos do positivo, nós estamos falando de expressões afetivas, e não de maus-tratos; nós estamos falando de comportamento moral, e não de uma disciplina relaxada que vai e volta; nós estamos falando de envolvimento dos pais com o brincar, e não de você delegar e colocar a criança para brincar sozinha ou de fazer disciplinas de contingência coercitivas; nós estamos falando do reforço positivo, aquele que acolhe, que ensina, e não de uma punição inconsistente; nós estamos falando de uma disciplina adequada, e não de uma monitoria negativa, que está sempre ali duvidando da criança; nós estamos falando de estímulos, e não de comunicação negativa, que traz aspectos pejorativos, que impactam a segurança e a confiança daquela criança. Nós estamos falando de responsividade.
Eu estou com bebê em casa. Eu sou uma mãe de dois — dois na primeira infância — e tenho essa agenda no trabalho e no meu coração. Em tom de brincadeira, falamos muitas vezes com o bebê de 8 meses. Essa forma de comunicação é tão rica e tão potente que não podemos pensar que ela venha unicamente quando acontece a fala. Muito pelo contrário, ela vem da gravidez, ela vem dessa responsividade que você pode ter com um bebê na sua barriga, com um bebê de 1 mês ou com um bebê de 8 meses, como é o caso do que eu tenho em casa hoje.
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Só que, para isso tudo acontecer — e termino com o último eslaide —, temos que focar na família, na criança, mas olhar também para toda a vila. Como diz o provérbio africano, é preciso uma vila para fazermos crescer uma criança, para criarmos uma criança. E nós precisamos não só ativar essa vila, mas também conscientizá-la da potência do seu papel, da sua responsabilidade e de que essa responsabilidade está na Constituição Federal, é um direito de todas as nossas crianças, mas que também traz benefícios para todos nós.
Eu acho que, no limite, nós temos que entender que desenvolver uma criança é fazer com que esse desenvolvimento aconteça para ela, para a sua família, mas também tem um impacto para toda a sociedade. Se nós fizermos isso desde já, conseguiremos mudar desafios estruturais do nosso País, endereçar questões dramáticas, quebrar um ciclo intergeracional de pobreza, de violência e ter benefícios educacionais, de segurança, de saúde e da própria economia.
Então, esse é um chamado, um convite e novamente um agradecimento por eu poder estar aqui e fazer parte desta reunião.
Boa tarde.
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada, Mariana, pela sua exposição.
Aproveito já para informar que todas as apresentações ficarão disponíveis na página da Comissão, no site da Câmara. Depois, quem quiser pegar essas apresentações maravilhosas, elas estarão lá ao nosso alcance.
Convido a Sra. Solidade Menezes, gestora da Rede Nacional da Primeira Infância, para fazer a sua exposição, pelo tempo de 10 minutos.
Ela também está participando conosco de maneira virtual, on-line.
A SRA. SOLIDADE MENEZES - Boa-tarde.
Eu não tenho eslaides para utilizar na minha apresentação. Mas, primeiro, quero dizer a vocês que é uma honra a Rede participar desta celebração do Dia Internacional da Família, que é o seio, a base da sociedade.
Nós temos, Deputada, o nosso Plano Nacional pela Primeira Infância, que é o nosso cartão de visita. A Rede Nacional da Primeira Infância faz esse recorte da primeira infância, porque é o período mais crucial e mais importante da vida do ser humano.
Então, apregoamos o universo das políticas públicas a serviço da primeira infância. Apregoamos essa interlocução do Poder Legislativo com a sociedade civil organizada, para que sejam assegurados esses direitos da família. Se é papel da família cuidar e educar, quem cuida também precisa de cuidados. E é por isso que recomendamos um olhar específico. A Deputada, na sua fala inicial, referiu-se à oportunidade de realizar seminários sobre esse contexto de acolhimento, de responsabilidade civil que temos de educar os nossos filhos.
Nós somos uma rede constituída de mais de 270 organizações, distribuídas em todo o Brasil, nos Poderes Legislativo e Judiciário, nos Tribunais de Contas, nas universidades e em organizações multilaterais. Nós também contamos com o setor privado, o terceiro setor, amigos da primeira infância, que são pessoas e entidades atreladas a um projeto, a um programa, a uma atividade, como as fundações — e algumas estão aqui presentes — que trabalham em prol dessa fase importante, que é a primeira infância para qualquer ser humano. Ouvimos todas as falas anteriores com dados e evidências, assim como também se chamou atenção para as subnotificações, como nós sabemos.
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Então, voltando à questão do plano, nós temos no Plano Nacional pela Primeira Infância uma política para a elaboração de planos decenais nas unidades federativas, ou seja, para os planos estaduais da primeira infância e, nos 5.570 Municípios deste País, nós estamos engajados em aumentar não só a questão quantitativa, mas também a questão qualitativa desses planos de implementações, desses planos decenais, dos planos municipais pela primeira infância.
É necessário que a sociedade participe da elaboração desse plano. É dentro de um eixo que nós defendemos o que se chama de trabalho multissetorial ou aquilo que chamamos de princípio da intersetorialidade, em que não inventamos a roda, as políticas públicas estão aí. É necessário, Deputada, que algumas questões sejam revistas: o orçamento para a primeira infância, a educação na educação infantil, em que alguns pontos também precisam ser realinhados. Outra questão crucial é saúde. E quando nós falamos de saúde, falamos de prevenção. Nós defendemos a prevenção, porque a melhor estratégia ainda é evitarmos que a nossa sociedade adoeça mais do que já está adoecida física e mentalmente.
Nós defendemos a unidade da família. O IBGE apresenta aproximadamente 16 núcleos familiares, compostos por chefes de família mulheres. E como já foi dito aqui, nós, enquanto Rede, defendemos essa questão da educação parental e o cuidado dessa mãe a partir da gestação.
A política pública da saúde e da assistência social é fundamental. De acordo com a base da pirâmide social brasileira, dentro de uma abordagem sociológica, nós sabemos que a maioria é pobre neste País. A pobreza está ali, bem presente em todos os dias. As bolsas de valores no mundo inteiro querem resgatar riquezas para os seus países, mas sabem que a principal consumidora dos produtos de lucro mundial é a dona de casa, é a chefe de família. É nas famílias que os programas, as ações de governo, de sociedade começam. É a partir delas. Além da prevenção, nós também chamamos a atenção para o fato de que há hoje um descaso muito grande dos jovens e das crianças, que não querem escutar os seus pais. Eles não querem nos escutar, e nós sabemos que temos que orientar, temos que ter esse vínculo, essa afetividade, e estabelecer os limites, por meio do diálogo.
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Ao conversarmos com os nossos filhos, ao conversarmos com a prole, devemos ficar, se possível, olho no olho, e não no pedestal, nós pais lá em cima e a criança lá embaixo, olhando para cima, como se estivéssemos lá do alto de um pedestal. Nós precisamos olhar nos olhos das crianças, orientá-las, escutá-las, para ensinar valores, para ensinar os comportamentos sociais apropriados e dignos.
Isso deve ocorrer, logicamente, naquelas três dimensões que já foram faladas aqui hoje: o emocional, o nutricional e o educacional. A família é o primeiro espaço de referência para que uma criança forme a sua personalidade. A criança precisa logicamente de socialização, e é aí que a família exerce uma grande força, porque ela está ali na formação de valores culturais, éticos, morais e espirituais.
Logicamente, a regulação emocional vem de profissionais qualificados para orientar essas famílias, e os valores são passados de geração para geração. Então a família não é somente um lugar de crescimento pessoal, ela deve ser uma comunidade de amor. O lugar do direito e do princípio do cuidado é outra questão que a Rede Nacional também defende, que é a política do cuidado. Nessa política, há um exercício de solidariedade, de corresponsabilidade, de partilha, de amizade, de companheirismo, de respeito e, principalmente, de unidade.
Então, Deputada, a Rede Nacional da Primeira Infância convoca a sociedade brasileira, a sociedade civil organizada, no seu território, no seu lugar, e o Poder Legislativo, para que conheça o nosso Plano Nacional pela Primeira Infância. Apresentamos 18 ações finalísticas e 5 ações meio para direcionar o trabalho. O Capítulo V tem muito a ver com o que estamos falando aqui hoje, o cuidado da convivência familiar e a prevenção na violação dos direitos.
Mais uma vez, nós da Rede Nacional Primeira Infância agradecemos a oportunidade. Quando houver seminários nesse contexto, convidem-nos para fazermos parte do debate, porque no plano há muita coisa, e 10 minutos não são suficientes para fazermos uma apresentação em sinopse.
Muito obrigada e até a próxima.
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A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada, Solidade. Nós já estamos com esse objetivo de fazer um seminário. Se preciso for, ficaremos 2 dias falando sobre esse tema. Agradeço a sua exposição.
Registro a presença do Deputado Ricardo Silva, de São Paulo.
Deputado, a palavra está à sua disposição, por 3 minutos.
O SR. RICARDO SILVA (Bloco/PSD - SP) - Deputada Franciane Bayer, primeiro, parabéns pela sua iniciativa! Esta Câmara Federal se engrandece, com a presença física e virtual de profissionais de tamanho gabarito, para debater um assunto que diz respeito à educação. Tudo aquilo que vem falar sobre a educação, sobre a educação dos nossos filhos é muito importante.
Eu quero aqui, Deputada, mandar um abraço especial para o pessoal da Universidade de São Paulo, de Ribeirão Preto, que se tem aprofundado muito nessas pesquisas sobre o fortalecimento da parentalidade positiva. Eu quero abraçar com muito carinho todos os pesquisadores, em especial a Dra. Elisa Altafim, que nesta Comissão já proferiu importantes palavras. Os programas de parentalidade têm o objetivo de apoiar os pais e cuidadores a educar seus filhos sem violência, agindo na prevenção da violência, que é o mais importante.
O que nós mais queremos são programas baseados em evidências científicas, em especial; é o que buscamos, com toda a certeza, para fortalecer práticas de profissionais em diferentes áreas da saúde, da educação, da assistência social. Então, parabéns por esta grande iniciativa!
Agradeço a todos que vieram a esta Comissão, engrandecendo o Parlamento brasileiro, pesquisadores, pessoas que se têm empenhado e dedicado tempo a estudos tão profundos sobre um tema tão necessário e que merece debates nesta Câmara Federal.
Deputada Franciane, parabéns mais uma vez pela sua nobre iniciativa!
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigado, Deputado.
Aproveito a oportunidade para agradecer e registrar a presença das educadoras parentais que estão aqui conosco.
Registro ainda que a Deputada Estadual Eliana Bayer, do Rio Grande do Sul, está aqui conosco prestigiando esta audiência pública. S.Exa. é titular da Comissão de Educação, lá na Assembleia Legislativa, e também trata da pauta da família.
Tem a palavra a Sra. Eliana Bayer.
A SRA. ELIANA BAYER - Primeiramente, eu gostaria de parabenizá-la, Deputada Franciane, por esta audiência pública que trata desse tema de tamanha relevância. Sendo representante da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, na Comissão Estadual Intersetorial pela Primeira Infância, eu vejo a importância de debatermos temas tão sensíveis como a família, porque lá nós trabalhamos fortemente a família, a valorização da família.
Sabendo que a família é a base da sociedade e para uma Nação forte, nós precisamos de células saudáveis. Por isso, aqui quero deixar meu apoio registrado e dizer que precisamos cada vez mais qualificar as políticas públicas que já existem e implantar políticas públicas que realmente defendam a família no seu seio. Nós precisamos falar, nós precisamos debater.
E, mais uma vez, parabéns, Deputada Franciane!
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada, Deputada Eliana.
Eu registro a presença do Deputado Pastor Henrique Vieira e o convido para conduzir aqui os trabalhos.
Vou precisar me ausentar, Deputado, para ir ali votar na Secretaria da Mulher. V.Exa. pode, por favor, conduzir a Mesa?
Enquanto o Deputado vem até aqui, agradeço mais uma vez a Solidade Menezes por sua exposição.
Convido a Sra. Perla Ribeiro, para compor a Mesa e fazer a sua apresentação.
17:22
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A Sra. Perla Ribeiro é representante do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal — CEDECA-DF.
A SRA. PERLA RIBEIRO - Boa tarde a todas e a todos. Eu queria agradecer o convite endereçado ao Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF, que me pediu que eu viesse representá-lo. Agradeço ao Deputado Pastor Henrique Vieira o convite e à Deputada Franciane Bayer a propositura desta audiência, que é muito importante, na perspectiva de discutimos a família, mas, acima de tudo, os direitos de crianças e adolescentes.
Eu queria trazer alguns pontos que para nós são muito importantes, em especial um que considero o ponto central de toda a nossa discussão: a percepção da criança e do adolescente enquanto sujeitos de direito. Às vezes, essa fala parece óbvia, mas, infelizmente, nos últimos tempos nós temos de repeti-la cada vez mais.
E por que eu digo isso? Porque o processo de reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direito é algo muito recente na nossa sociedade. Se nós formos pensar, a partir da Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1989, da Constituição Federal, em 1988, e do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, em 1990, esse é um processo muito recente. No entanto, é um processo de mudança paradigmática na nossa sociedade. Até então, a criança e o adolescente eram vistos com objetos de intervenção, eram vistos como pessoas que não tinham possibilidade de se expressar, e, portanto, eram pessoas tuteladas por sua família, pelo Estado, enfim.
Se formos olhar os antigos Códigos de Menores e como se via e se concebia a infância, vamos perceber que tínhamos infâncias, mas não na perspectiva de perceber essa diversidade da infância, e sim na perspectiva de estigmatizar a infância. Então, tínhamos as crianças que tinham um lar, uma família, mas tínhamos também as que estavam em situação irregular, como se chamava. É importante dizermos que isso não foi algo proposto simplesmente dentro de um Parlamento. O processo de mobilização para o reconhecimento de crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direito foi um processo de mobilização social.
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É importante dizer isso, porque todas as políticas devem ser balizadas por esse princípio. Quando dizemos que criança é sujeito de direito, às vezes, isso fica parecendo uma coisa meio abstrata, mas que de abstrato não tem nada. O que esse princípio quer dizer é que crianças e adolescentes têm todos os direitos: o direito à educação; o direito à assistência; o direito à saúde; o direito à convivência familiar e comunitária; o direito à dignidade. Para além de todos esses direitos, ela é sujeito do seu processo, sujeito da sua trajetória.
Ela é sujeito do seu processo e da sua trajetória, mas ela tem o que chamamos de uma condição peculiar de desenvolvimento, a fase de desenvolvimento. Por isso, aqui nós temos a Rede Nacional da Primeira Infância trazendo a importância desses primeiros anos de vida, como temos também toda uma rede que trabalha a importância da adolescência e por que determinadas legislações regem até os 18 anos.
E, quando dizemos que a criança é sujeito de direito e que ela está num processo, numa condição peculiar de desenvolvimento, isso significa que há entes que são responsáveis por garantir esses direitos. E nós então trazemos a perspectiva da proteção integral dessa criança e desse adolescente, para protegê-la no sentido de que ela não tenha os seus direitos violados, que ela possa ter acesso aos seus direitos, para poder se desenvolver.
E essa proteção integral é garantida por três entes: família, sociedade e Estado. A família é um espaço importantíssimo de proteção à infância. Como todas as expositoras falaram, essas famílias não são perfeitas. Elas têm as suas contradições, elas também estão inseridas dentro de um contexto social. Com isso, eu não estou querendo culpabilizar a família. Eu estou dizendo que elas também estão inseridas dentro de um contexto social, de um contexto de construção cultural, social, econômico, e isso tudo vai refletir dentro do processo de educação e de convívio com essas crianças.
Nesse sentido, nós precisamos falar das diversas famílias que nós temos neste País. Se nós formos falar somente de um modelo específico de família, nós não vamos atingir a realidade e os contextos sociais em que estão inseridas essas crianças e esses adolescentes. Nesse sentido, quando nós falamos da educação parental, para mim, como foi dito pela representante da Fundação Marília Souto Vidigal e como foi dito pela própria professora, não há dúvida de que o cerne de uma educação parental está no reconhecimento dessa criança e desse adolescente enquanto sujeitos de direitos.
Se nós não os reconhecermos enquanto sujeitos de direitos, não vamos desenvolver uma educação parental positiva. É a partir da compreensão de que essa criança é sujeito, de que ela está numa fase de desenvolvimento, que a mãe e o pai percebem onde está a sua atuação do limite, do afeto.
17:30
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Nós precisamos começar a dizer que lugares onde está o afeto e o cuidado são lugares positivos para essa criança. E, infelizmente, nem todas as famílias são lugares de afeto e de cuidado. Nós, enquanto sociedade, enquanto Estado, temos que trabalhar tanto na prevenção quanto em políticas públicas que fortaleçam esses espaços, para que nós possamos inclusive, romper lógicas culturais, como foi dito pela professora, de que bater é educar. Bater não é educar. Nós já sabemos disso, existem evidências científicas disso. Bater significa eu não reconhecer o outro enquanto sujeito, porque a única em quem as pessoas ainda se permitem bater é a criança. As mulheres já disseram "não"! Os animais, inclusive, também já dissemos "não" por eles. Nas crianças também não se pode bater. Qual é a dimensão desse bater? Muita gente fala: "Mas é só uma palmada". Não é só uma palmada. Nós sabemos as consequências disso. E, como bem disse a professora, não é no sentido de estigmatizar as famílias anteriores, os nossos avós, nossos bisavós, porque havia um contexto social. Se nós queremos mudar essa realidade, como eu digo, se nós queremos a mudança desse paradigma e compreender a criança enquanto sujeito de direito, nós vamos ter que fazer uma reflexão sobre as nossas práticas. E o poder público deve trabalhar na perspectiva de políticas que possam fazer com que essas famílias compreendam isso. Aí é que está a nossa mudança social, a nossa mudança cultural em relação a como trabalhar com essas crianças e esses adolescentes.
Então, para mim isso é fundamental. E aí nós temos as normativas no País: o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Menino Bernardo, o Marco Legal da Primeira Infância, assim como uma série de outras legislações que reforçam e que fazem com que isso seja estabelecido. Agora, nós precisamos ter ações e políticas públicas concretas no amparo dessas famílias, no amparo dessas crianças também, e entender as dimensões de com quem nós estamos trabalhando. Não dá para passarmos uma nuvem e idealizarmos determinadas famílias, idealizarmos determinados espaços. Nós precisamos trabalhar com o que é concreto e, inclusive, trabalhar a compreensão desses familiares para que entendam que essa criança, esse adolescente não é uma propriedade. Eles não são donos dos seus filhos. O filho é sujeito, e os pais são partícipes no desenvolvimento desse sujeito. É fundamental estabelecer essa correlação de confiança.
Eu trabalhei muito tempo no enfrentamento à violência sexual, e nós sempre dissemos isto: conversem com as suas crianças, falem com as suas crianças, sejam o canal de referência para essa criança. Não a afastem. Se ela chegar com algum tipo de denúncia, escutem-na, não a interpelem, não a questionem: "Mas será? Como é que foi?" É essa relação de confiança que vai trazer a possibilidade de você inclusive proteger essa criança e esse adolescente.
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Então, era isso que eu queria trazer. Também coloco o CEDECA à disposição da Comissão, dos Deputados, para nós podermos caminhar no sentido da garantia dos direitos de criança e adolescente no nosso País.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Pastor Henrique Vieira. Bloco/PSOL - RJ) - Agradeço à Sra. Perla Ribeiro por sua exposição. Muito obrigado, mesmo.
Convido a Sra. Anna Paula Uziel, professora de psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, para a sua exposição, pelo prazo de até 10 minutos. Ela está on-line.
A SRA. ANNA PAULA UZIEL - Boa tarde.
Em primeiro lugar, eu gostaria de agradecer ao Deputado Pastor Henrique Vieira pelo convite e à Deputada Franciane Bayer pela iniciativa. E, na pessoa deles, eu gostaria de cumprimentar as demais autoridades e as pessoas que me acompanham nesta audiência pública, seja como palestrante, seja nos assistindo.
Meu nome é Anna Paula Uziel, sou professora do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e trabalho há muitos anos com e sobre famílias em diferentes contextos: adoção, prisão, Vara de Registros Públicos e sistema socioeducativo. Então, é um pouco a partir desse lugar que eu vou falar, dessa escuta de quem está no campo diretamente com as pessoas dentro da prisão, dentro do sistema socioeducativo, e também analisando processos.
As pessoas convidadas, pelo que vi nas minhas pesquisas pela Internet e pelo que pude constatar aqui, são especialistas em educação parental, fizeram exposições precisas e potentes sobre o tema. Então eu trouxe algumas ideias sobre famílias para trocar com vocês.
Em primeiro lugar, eu gostaria de afirmar que família deve ser sempre no plural. Somos muitos Brasis, nos últimos anos conquistamos muitos direitos, inclusive o STF tem sido um importante parceiro na regulação da tradução dos avanços sociais.
(Segue-se exibição de imagens.)
Sobre o tema da audiência, eu gostaria de ponderar alguns pontos sobre a relevância da educação parental, e foi por aí que eu organizei a minha fala, perguntando para que e para quem é dirigida a educação parental. Eu tenho certeza que as pessoas que são especialistas nisso consideram essas duas questões.
Eu pergunto isso, porque, ainda que hoje existam várias e vários especialistas no tema que oferecem serviços para as camadas médias e altas da população e também projetos, como nós já pudemos constatar aqui e conhecer, dedicados a outra parte da população, os equipamentos públicos são frequentados por pessoas de uma determinada classe social, de uma determinada escolaridade e de certa relação com o Estado. Então, é um pouco a partir dessas relações de violência do Estado que eu vou falar.
E aí eu pergunto, em que contexto se aplica a educação parental e com que fins? Eu imagino, então, que estejamos de acordo sobre o fato de que, enquanto famílias, precisamos de apoio, de acolhimento, de fortalecimento, de dignidade e de boas condições econômicas. No entanto, no nosso País reinam desigualdades. E eu fico me perguntando — e eu acho que é uma atenção importante que nós temos que ter — o seguinte: será que muitas vezes nós não propagamos junto a essas famílias exclusão, culpabilização, criminalização, afastamento, violências? Então, eu volto a dizer que estou falando um pouco do que vivenciamos nesses espaços de "preservação da ordem".
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Quando nasce uma criança, quase sempre nasce uma mãe; às vezes, nasce um pai; e sempre nasce uma necessidade de cuidado e proteção. Acho que essas são as duas grandes palavras sobre as quais estamos tratando aqui, nesta tarde. Digo que quase sempre nasce sua mãe, porque naturalizamos a maternidade imaginando que todas as mulheres querem ser mães ou porque, se uma pessoa gesta — e pode ser também um homem trans —, ela vai virar mãe daquele ser. Entretanto, isso pode não acontecer. Isso pode não acontecer porque pode ser uma gestação de substituição, o que costumamos chamar comumente de barriga de aluguel, pode ser uma situação de entrega da criança, inclusive, entrega legal, o que é previsto em lei, fazendo uso do que está já no ECA.
Por que falamos que, às vezes, nasce um pai? Porque o índice de sub-registro paterno é imenso em nosso País. É em torno de 7%, variando de Região para Região. Os homens não escolhem ser pais apenas antes da relação sexual. Eles escolhem durante a gravidez, com o bebê já nascido, a qualquer tempo. Se eles não quiserem, vão embora. Contudo, sempre vai haver necessidade de cuidado e proteção. Esse cuidado não tem um formato único. O cuidado pode ser não comer para deixar para criança, pode ser trancá-la em casa para ir trabalhar, pode ser se sentar para fazer o dever junto com ela, pode ser acompanhar nas decisões, pode ser, pode ser, pode ser. Pode ser qualquer coisa então? Não.
Quais são os nossos parâmetros para pensar o cuidado? Cuidado, realmente, parece-me uma palavra-chave para pensarmos em família. Quando falamos de famílias, falamos necessariamente de gênero, de classe, de território, de cor da pele, de crenças religiosas, de escolaridade. São características ou aspectos — se quisermos chamar assim — que nos formam, que nos aproximam e que nos diferenciam.
E as famílias no Brasil têm muitos formatos, muitas procedências. Há heteroparentalidades, homoparentalidades, transparentalidades, famílias inter-raciais, famílias de mulheres de diferentes gerações, filhos e filhas por adoção, filhos e filhas por reprodução assistida ou inseminação caseira, famílias migrantes.
A intervenção do Estado com algumas famílias costuma ser muito violenta. Eu vejo isso, essa violência, todas as vezes que eu vou à prisão e ouço os relatos do meu grupo, que está fazendo um trabalho lindo nas audiências de custódia aqui, na Capital do Rio de Janeiro. São famílias marcadas pela prisão. São famílias marcadas pela prisão ilegal dos seus membros, pela tortura e morte nas favelas, pelas operações nas favelas, pelo genocídio que dizima famílias, pelas dificuldades de acesso das famílias ao sistema prisional para garantir que as crianças e os adolescentes vejam seus pais e suas mães que estão na prisão, o que é um direito, que está garantido também na lei. É o direito à convivência familiar.
Dito tudo isso, eu queria já caminhar para o fim da minha fala, compartilhando com vocês a ideia de que são muitos os desafios no trabalho com famílias. Eu provocaria todo mundo que está aqui, convocando também profissionais que trabalham com educação parental, com essas três perguntas: como estar juntos sem colonizar? Como apoiar sem prescrever? Como escutar sem cercear?
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Semana passada, em uma banca de mestrado, no Sul do Brasil, eu conheci um livro muito sensível, cuja capa apresento para vocês. Ela fica na tela do meu computador. Como o livro não tem acesso gratuito, pelo menos não encontrei, eu não podia reproduzir aqui seus fabulosos desenhos, que representam cenas cotidianas do ponto de vista da criança. As capas dessas duas edições já demonstram sua delicadeza. São desenhos incríveis: do adulto em pé, olhando para baixo; e da criança toda torta, levantando a cabeça para tentar entender o que o adulto está dizendo. São cenas incríveis, que nos chocam ao ver o desenho, mas certamente as reproduzimos na nossa vida. O que me chama a atenção nessas capas de livro e também nesses desenhos é a delicadeza.
Agora, para finalizar, quando eu me preparava para estar aqui com vocês, eu me deparei com um texto da Nati Almeida, no site medium.com, intitulado Comunicação Não Violenta, mais uma teoria branca? Nesse texto, havia a indicação de um vídeo disponível no Youtube que eu recomendo muitíssimo, que é esse que aparece aí. Fui apresentada a esse vídeo, no mês passado, em outra banca — as bancas fazem parte da minha vida —, uma banca de trabalho final de residência em saúde mental aqui no Rio.
No vídeo, aparece a poetiza Naruna recitando um texto, intitulado Da Paz, de Marcelino Freire, um escritor nordestino. E eu reproduzo aqui um trecho que gera incômodo e estranhamento: "Paz é coisa de rico. Não visto camiseta nenhuma, não, senhor. Não solto pomba nenhuma, não, senhor. Não venha me pedir para eu chorar mais. Secou. A paz é uma desgraça". Vale mais a pena ver e ouvir a Naruna recitando esse texto.
Nessa mesma página, a Nati menciona uma fala de Dominic Barter sobre comunicação não violenta, em que ele diz assim: "Nossa capacidade de não julgar alguém é a mesma de impedir as unhas crescerem. O problema é quando o julgamento nos impede de ver o outro. Quando rotulo o outro, não o escuto".
Temos certamente muito ainda o que pensar, o que fazer. Temos muito a reconstruir, muito a construir. Não tenhamos medo do conflito; ele expressa diferenças, traz desafios. Conflito não é necessariamente violência, que, claro, estamos aqui de acordo, temos que combater. Temos que combater as violências e, a partir dos conflitos, podemos propor saídas. Sigamos, então.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada, Anna Paula. Agradecemos a sua exposição.
Na sequência, já passo a palavra ao Deputado Pastor Henrique Vieira, que também foi autor de requerimento de audiência com o mesmo tema.
V.Exa. dispõe de 10 minutos, Deputado.
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O SR. PASTOR HENRIQUE VIEIRA (Bloco/PSOL - RJ) - Boa tarde a todos e a todas.
A Deputada Franciane Bayer foi a proponente desta audiência para debater um tema que também considero muito importante. Quero fazer uma fala breve para contribuir com o debate, mas já aprendi bastante, anotei bastante coisa que qualifica o meu entendimento e melhora a minha atuação como militante e como Parlamentar.
Primeiro, quero também registrar que, na minha compreensão, família se define, sobretudo, por cuidado, afeto, carinho, acolhimento e amor. Onde isso acontece, na minha compreensão, uma família se configura. A consequência disso é uma segunda afirmação, que é o pleno reconhecimento das múltiplas e muitas formas de família. Então, considero sempre importante colocar o conceito no plural, porque isso dá conta do que acontece na realidade, valoriza e preserva a diversidade e as múltiplas formas de constituir afeto, carinho, cuidado e amor. Portanto, são famílias, no plural.
A terceira afirmação é que essas famílias não são abstratas, são corpos e vivências na concretude da vida, na materialidade da vida. Então, precisamos pensar o que é este País, marcado, por exemplo, por tamanha desigualdade. Fiquei pensando sobre como manter estabilidade emocional diante do absurdo desumano da fome. Em um país em que milhões de brasileiros passam fome, como pensar estabilidade emocional diante desse limite da sobrevivência humana?
Lembro-me de uma vez que eu estava na periferia de Fortaleza como ativista de direitos humanos e conheci a história de uma família muito empobrecida. A família era um pai, uma mãe — essa era a configuração, que é uma configuração possível, dentre várias —, um adolescente e uma criança bem pequena. Era curioso o sonho da criança pequena ao perguntarem-na qual era sua ideia. E não era aquela pergunta violenta "O que você vai ser quando crescer?", não, porque parece que a criança não é algo e que é a vida no trabalho, no consumo, que torna a pessoa uma pessoa, uma ideia muito capitalista, eu acho. Não é nesse nível, não. Ao ser perguntada "Qual é o seu sonho?", a criança respondeu: "Eu queria ser adulta".
Depois, fomos entender por que uma criança projetava tão cedo ser adulta. Em uma família muito empobrecida, de manhã, a mãe fazia a seguinte administração da pobreza e da precariedade: dava dois pedaços de pão para o marido, que iria trabalhar na construção civil, dois pedaços de pão para o adolescente, que iria trabalhar com o pai na construção civil, e um pedaço de pão para a criança, que ficaria em casa com ela e depois iria para a escola. Não sei se vocês entenderam. A criança desenvolveu o desejo de crescer porque queria ter acesso ao segundo pedaço de pão.
Não dá para falar em família no singular. Não dá para falar em família sem a concretude da vida e, por exemplo, a realidade da fome. Eu poderia falar sobre outros fatores que interferem nas famílias. A cultura do patriarcado tem como efeito feminicídio, cultura do estupro e violência doméstica. Em minha opinião, isso destrói um ambiente familiar e tem consequências sobre crianças e adolescentes. Uma lógica adultocêntrica, que não vê a criança como sujeito, também vai ter como consequência a violência contra as crianças.
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Repare que proteger a família é, no limite, garantir moradia, emprego, renda, saneamento básico e acesso à saúde, porque isso também compõe e constitui o cuidado com as famílias concretas. Não é exclusivamente, mas, sem esses fatores, como pensar estabilidade emocional diante de uma criança vendo a sua mãe ser violentada? Como pensar estabilidade emocional com o estômago roncando por conta da fome ou da subnutrição? Então, esses são fatores que, em minha opinião, têm que entrar no debate.
Há outro fator, para percebermos a complexidade do tema. Eu peguei uma pesquisa do DATASUS sobre óbitos de crianças de 0 ano até adolescentes de 14 anos, entre 2018 e 2020, sabem com relação a que fator? Armas de fogo. Entre 2018 e 2020, cresceu em 67% o número de letalidade contra crianças por conta de armas de fogo em casa. Olhem a complexidade do tema. Se pegarmos 2021 e 2022 — atenção a esse número do DATASUS —, 128.532 crianças de 0 a 14 anos foram internadas devido a acidentes relacionados a armas de fogo. São múltiplos fatores na hora de pensar o cuidado com as nossas crianças.
Eu falei sobre moradia, renda, saneamento e saúde numa perspectiva ampla e integral, que têm a ver com saneamento básico e acesso à água potável. Obviamente, quero dar um relevo e uma ênfase à educação. Quando pensamos em educação, pensamos na importância da escola. Atenção: educação não se resume à escola, mas passa pela valorização da escola. Eu aprendi — sou professor também de história e de sociologia — a importância do conceito de comunidade escolar. Portanto, envolvem-se professores e professoras, funcionários e funcionárias da escola também vistos e reconhecidos como profissionais da educação, vizinhança, território em que a escola acontece, e, obviamente, responsáveis e familiares. Isso me parece um bom caminho de uma escola que é construída pela comunidade escolar.
Eu tenho muita preocupação com certa antiescola. Eu concordo com a Deputada sobre a importância complementar da família na educação, mas eu tenho muito medo de uma linha homeschooling, que esvazia o sentido da escola. Muitas vezes, é em casa que a criança sofre violência e é na escola que a violência é descoberta. (Palmas.)
Nós precisamos pensar uma escola na perspectiva da comunidade escolar e da cidadania. Não é só onde aprendemos que 3 vezes 4 dá 12, o que é muito importante, mas a escola tem que ser um lugar que fala de direitos humanos, de respeito à diversidade, de combate à cultura do preconceito e do bullying, que olha para a especificidade e a singularidade de cada estudante como sujeito da sua própria história. Eu acho que isso é cadeia positiva de cuidado com as famílias, com as crianças e com os adolescentes.
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Para terminar — vejam, eu sou pastor e falo pouco, olhem que raro —, quero confirmar esse entendimento da criança como sujeito de direitos. Eu sou pai também de uma menina de 5 anos. Agora tenho essas viagens de terça-feira a quinta-feira para Brasília, no meu primeiro mandato. Eu estou aprendendo a lidar com essa distância. Como é importante reconhecer a criança como sujeito! Eu fico pensando que tive a chance de ser fruto de amor. Eu estou aqui porque alguém me amou, minha mãe, minha avó. Como é importante estar sob o cuidado da minha mãe, honrar minha mãe e, ao mesmo tempo, ter liberdade para escrever a minha própria história a partir das minhas características. Então, eu me beneficio desse cuidado e dessa liberdade para eu dar à minha vida o meu próprio tom.
Agora eu não posso usar isso só para o meu benefício. Eu preciso cuidar da minha filha e abrir o espaço para que ela possa romper comigo, quando necessário, no desenvolver da sua vida, para que ela possa ser não a reprodução do meu desejo, mas ser quem ela quer e pode ser. Eu também fiquei pensando que reconhecer a criança como sujeito é cuidar. O amor não oprime, na minha opinião. O amor não hierarquiza. O amor cria segurança afetiva para que a individualidade da minha filha possa florescer sob o meu olhar, não sob a minha vigilância.
Termino com a perspectiva da cultura africana. O capitalismo não é só um modelo econômico, é um modelo civilizatório que privatiza até a água, inclusive o sentido da vida. Cada um na sua casa, cada família cuida das suas crianças. Como diz Marcelo Yuka, as grades do condomínio podem trazer proteção, mas também trazem a dúvida se é você que está nessa prisão. E, como diz Criolo, "os bares estão cheios de almas tão vazias", porque esse modelo civilizatório nos coloca solitários no meio da multidão. Você não sabe nem qual é o nome do seu vizinho.
Eu quero resgatar a perspectiva africana, tribal e comunitária, em que a criança é cuidado da família, da escola e da sociedade. Senão, vamos individualizar excessivamente, sobrecarregar uma família explorada, culpabilizar o núcleo familiar e desproteger a criança. Que a sociedade possa desprivatizar o sentido de cuidado e, assim, tratar a criança como sujeito, que todos, todas e todes precisam defender!
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada, Deputado.
Pergunto se há algum Deputado presente que gostaria de se manifestar. (Pausa.)
Não havendo, nós vamos para as nossas considerações finais.
Esta foi uma tarde muito proveitosa, como eu falei. Pena que é pouco tempo para tudo que nós teríamos que falar, mas já até convido o Deputado para nós fazermos um requerimento para a realização de um seminário para debatermos esse assunto.
Reforço o que falei no início. A Constituição Federal fixa a família como base da sociedade e destaca que é com proteção especial do Estado. Nós precisamos, como foi falado aqui, cuidar de quem cuida, pensar em fortalecer as mães, os pais, para que eles entendam a importância não só de participar do desenvolvimento dos seus filhos, mas também de participar com qualidade, com capacitação, com respeito e com amor. Apoiar a família, como falamos, é oferecer as condições para que essa família se fortaleça e possa trazer o seu desenvolvimento familiar.
17:58
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Antes de encerrar, registro a presença do Deputado Diego Garcia.
Deputado, já estávamos passando dos debates para o encerramento. Pergunto se V.Exa. gostaria de fazer uso da palavra. (Pausa.)
V.Exa. tem 3 minutos, Deputado Diego Garcia.
O SR. DIEGO GARCIA (Bloco/REPUBLICANOS - PR) - Primeiramente quero cumprimentar a nossa querida Deputada do Republicanos Franciane Bayer pela iniciativa da realização deste evento na Comissão de Assistência Social, Infância, Adolescência e Família.
Infelizmente, no início do ano, em decorrência da criação de mais Comissões, nós acabamos ficando de fora da composição de membros desta Comissão da qual sempre estávamos presentes na composição anterior, uma vez que a pauta dela era a saúde.
Eu digo infelizmente porque também reduziu-se o número dos membros aqui. E partidos como o nosso próprio partido, o Republicanos, acabam tendo poucas vagas, reduzindo-se, consequentemente, a representação, principalmente para a discussão de temas como este, que eu considero um dos mais importantes no debate Parlamentar, que é a família.
A família, como diz nossa Constituição Federal no art. 226, é a base da nossa sociedade. Por isso, ela é credora de uma especial proteção. Ela deve ser o ponto alto da discussão das políticas públicas e de todas as temáticas debatidas aqui nesta Casa.
Sou Presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família aqui na Câmara, uma frente histórica, uma frente composta por Parlamentares evangélicos, católicos e espíritas, todos que têm esse propósito de fazer a defesa da família. Nós temos dedicado os nossos esforços a trabalhar sob essa perspectiva diversos aspectos.
Temos feito esse debate, por exemplo, lá no GT da reforma tributária. Às vezes podem pensar: "O que tem a ver a família com o GT da reforma tributária?" Nós estamos lá debatendo, propondo, levando ideias e sugestões por ter esta visão, justamente por entender que a família precisa ser a protagonista de tudo.
Sra. Presidente, não poderíamos aqui na Comissão estar mais bem representados do que por V.Exa., por todo o seu histórico de trabalho e de luta dessa pauta no seu Estado, o Rio Grande do Sul, hoje acompanhada aqui da nossa querida Deputada Estadual, a quem eu agradeço por estar acompanhando esses trabalhos. Essa aproximação é muito importante. Parabéns!
18:02
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E eu entendo que nós precisamos fortalecer ainda mais este debate. Até sugiro à Deputada Franciane Bayer que possamos, quem sabe, por V.Exa., apresentar um novo requerimento aqui na Comissão para expandir este debate e para o fazermos também nas assembleias legislativas no Rio Grande do Sul, na Assembleia Legislativa do Paraná.
Eu acho fundamental aproximarmos esta discussão das políticas públicas que giram em torno da família. A questão, por exemplo, da drogadição é uma pauta extremamente importante, que envolve as famílias. As drogas destroem a base familiar. Nós temos que debater essas temáticas, a questão que envolve a saúde pública no nosso País. Hoje mesmo, na Comissão de Saúde, nós tivemos uma vitória, que foi a criação da Subcomissão de Doenças Raras. E quem são os principais afetados em relação às crianças que nascem com alguma doença rara? São as famílias — são as famílias. Então, nós temos que estar cada vez mais próximos dessas realidades, para que, como legisladores, possamos propor boas leis, apresentar bons pareceres aqui no nosso trabalho legislativo e estarmos atentos a tudo o que envolve a família na nossa sociedade, no nosso País.
Meus cumprimentos à minha amiga Deputada Franciane. Parabéns, Franciane, por promover esta discussão, este debate tão importante aqui na Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada, Deputado Diego Garcia.
Nós vamos passar agora para as considerações finais dos nossos convidados. Cada convidado terá 1 minuto para apresentar as suas considerações.
Está com a palavra o Sr. Rodolfo Barreto.
O SR. RODOLFO BARRETO CANÔNICO - Muito obrigado, Deputada. Cumprimento o Deputado Pastor Henrique Vieira e o Deputado Diego Garcia. Agradeço novamente a oportunidade. É uma enorme satisfação sempre colaborar com os trabalhos no Parlamento. É mais do que satisfação, é uma grande honra.
Sem dúvida, todas as discussões que foram trazidas hoje trazem informações relevantes, trazem uma maneira de colocar o apoio às famílias dentro do seu devido contexto. Ou seja, é também responsabilidade da sociedade e do Estado garantir as condições de cuidado para todas as famílias. E, assim, nós vamos evitar todos esses problemas gravíssimos sobre os quais nós estamos tratando aqui.
Existe um caminho. Esse caminho é possível. Existem as ferramentas para nós enfrentarmos essa situação. Agora é hora de nós termos a convicção e a determinação de começar a colocar cada vez mais em prática e ampliar isso.
Eu realmente gostaria de reforçar a sua sugestão de ampliar o debate. Colocamo-nos à disposição. Seria uma grande alegria até essa ocasião. Sem dúvida, isso vai contribuir muito para construirmos soluções efetivas que apoiem as famílias brasileiras.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada.
Passo a palavra à Dra. Elisa Altafim.
A SRA. ELISA ALTAFIM - Boa tarde.
Gostaria de agradecer novamente a oportunidade de discutir um tema tão precioso para as famílias brasileiras.
Infelizmente, existem muitos fatores de risco, como foi mencionado aqui. Grande parte da população vive com insegurança alimentar e outros tipos de risco. E nós precisamos olhar para isso. E olhar para isso é também olhar para a forma como os pais cuidam e educam os seus filhos.
Também me coloco à disposição para futuras discussões. Nós costumamos falar que quem tem fome tem pressa. E eu acrescento a isso que quem apanha precisa de proteção.
E nós, infelizmente, temos muitas crianças vencendo a violência. E nós, infelizmente, temos muitas crianças vivenciando violências. Se nós formos olhar para os noticiários — estamos em maio —, já vimos tantas notícias tristes e que nos comovem.
18:06
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Então, fortalecer a parentalidade positiva é uma forma de prevenir a violência contra a criança.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada.
Passo a palavra à Sra. Mariana Luz.
A SRA. MARIANA LUZ - Muito obrigada, Deputada Franciane.
Eu queria agradecer a todos os Parlamentares presentes, a esta Casa, a esta Comissão, à Câmara dos Deputados, aos meus colegas do setor social que estiveram juntos nesse debate e colocar a Fundação Maria Cecilia, e a mim pessoalmente, como também todos os nossos estudos, pesquisas e equipe à disposição do Congresso, para que possamos de fato fazer essa agenda avançar com debates fortes, mas também com ações concretas para que possamos endereçar e melhorar a vida das crianças brasileiras.
Eu vi uma grande sintonia em enaltecermos aqui nas diversas falas a questão da fome, a questão da violência, a questão da pobreza, a questão da raça, o papel central da família e o papel central que a parentalidade positiva pode ter para melhorar os indicadores e fazer a diferença na vida das nossas crianças. Então, eu faço um chamamento para de fato avançarmos nesse debate.
Novamente, quero dizer que estou à disposição e agradeço por participar. Foi um prazer estar aqui nesta tarde.
Um abraço muito grande.
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada.
Tem a palavra a Sra. Solidade.
A SRA. SOLIDADE MENEZES - Bem, eu fiquei muito feliz nesta tarde de hoje por escutar as companheiras e Parlamentares.
Eu vou encerrar as minhas considerações com uma fala agostiniana. Santo Agostinho disse: "A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las".
E existe um provérbio africano muito citado sobre como educar uma criança. Todo mundo diz que é necessária uma aldeia para educar uma criança, mas essa parte é a metade do provérbio africano, porque ele diz que é necessária uma aldeia inteira para educar uma criança, mas se a tribo não tem conexão com essa criança, ao crescer, ela tocará fogo na aldeia.
Por isso, nós temos que nos alinhar: família, sociedade, Estado, enquanto projeto de Nação, a favor das famílias. Tudo o que foi dito aqui hoje, Deputada, precisa de um desdobramento, precisa de mais debates. E novamente sugiro que haja mais seminários e oportunidades para discutirmos o valor da família na sociedade brasileira.
Parabéns, Deputada, por esse momento único de falarmos sobre a família!
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada.
Tem a palavra a Sra. Perla Ribeiro.
A SRA. PERLA RIBEIRO - Eu queria também agradecer à Deputada e ao Deputado Pastor Henrique por essa iniciativa. É importante trazermos essa discussão sobre a família. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente traz e faz referência a isso como uma instância importante na proteção integral de crianças e adolescentes, não descontextualizando a responsabilidade também do Estado e da sociedade. Então, a criança e o adolescente são uma responsabilidade de todos nós. E trabalhar na perspectiva da garantia dos seus direitos deve ser uma responsabilidade de todos, para a garantia da sua proteção integral.
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Então, eu queria colocar à disposição também o Centro de Defesa, que realiza um trabalho nos territórios no âmbito dessas famílias, compreendendo quais são essas famílias.
Mais uma vez, reforço que nós precisamos falar de famílias. São famílias diversas neste País. Se não compreendermos quais são essas famílias, não vamos conseguir ter políticas públicas que trabalhem na proteção dessas famílias e das crianças e dos adolescentes.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Franciane Bayer. Bloco/REPUBLICANOS - RS) - Muito obrigada.
Tem a palavra a Sra. Anna Paula Uziel, para fazer as considerações finais, por 1 minuto. (Pausa.)
Ela está on-line. Só estamos resolvendo um problema aqui.
Sra. Anna Paula Uziel, V.Sa. tem a palavra. (Pausa.)
Acredito que há um problema com o áudio.
Sinto pela nossa convidada, mas, devido ao problema, agradecemos a sua participação e deixamos esta Casa e esses Deputados à sua disposição para continuarmos tratando do tema.
Nós agradecemos aos senhores convidados a presença, as apresentações, o debate tão enriquecedor que ocorreu nesta tarde.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, antes convocando Reunião Deliberativa Extraordinária desta Comissão para quarta-feira, dia 17 de maio, às 14 horas, neste Plenário 7.
Declaro encerrada a presente audiência pública.
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