Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Declaro aberta a presente reunião extraordinária de audiência pública, convocada em atendimento ao Requerimento nº 15, de 2023, de minha autoria, subscrito pelo Deputado Pr. Marco Feliciano, para debater a instituição do ano de 2023 como Ano Nacional Fernando Sabino.
É um prazer muito grande estar nesta audiência e receber representantes de uma pessoa tão incomum como Fernando Sabino, alguém para quem "Democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada, depende de cada um".
Antes de passar a palavra aos convidados, peço a atenção dos senhores presentes às normas para o debate.
Os expositores disporão de até 10 minutos para suas explanações. Após encerradas as explanações, os Deputados poderão fazer questionamentos, tendo cada um o prazo de 3 minutos. Claro, o prazo de 10 minutos dos expositores poderá ser prorrogado, se houver necessidade. Nós poderemos dar 20 minutos para cada um. Podemos até já deixar isso acertado. Como são apenas dois expositores, se os senhores preferirem, já podemos estabelecer o prazo de 20 minutos para cada um. Preferem assim?
(Pausa.)
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Eu passei para o microfone sem fio porque eu estava meio torto aqui. Eu não sou muito acostumado a orar em público, então, se eu cometer algum desvio, de antemão peço desculpas.
(Segue-se exibição de imagens.)
Esta é a linha do tempo da história do meu pai. Ele nasceu em 1923, em Belo Horizonte. Nossa família tem ascendência italiana.
Quero, inclusive, agradecer a presença a todos os meus primos que estão aqui: Domingos, Sérgio, Flávio e Saulo. Registro um agradecimento especial ao Saulo, que tem se empenhado ao máximo para trazermos o projeto do Fernando Sabino para o Distrito Federal. Ele tem articulado várias coisas. Agradeço também à Marília, que deveria ter sido a primeira a ser citada. Ela mora no meu coração. Agradeço a todos vocês, meus primos. Eu tenho uma família aqui em Brasília.
Ele foi escoteiro na infância, serviu no CPOR, foi nadador e se vangloriava de ter batido um recorde de natação, em que tinha como companheiro Ivo Pitanguy. Ele bateu o recorde do nado costas 400 metros. Ele se vangloriava do fato de que esse recorde até hoje era dele, porque extinguiram a prova. Ele gostava muito de contar esse caso. Ele também serviu na cavalaria, em Juiz de Fora, conforme observamos nestas fotos.
Desde cedo, ele tomou gosto pela literatura. Criou um grupo de leitura, cujos membros se tornaram muito amigos. Esse grupo serviu de inspiração para o livro O Encontro Marcado, que o projetou. Antes ele havia escrito A Marca e tinha recebido uma carta de Mário de Andrade, dizendo que se ele tivesse acima de 25 anos, ele já seria um caso perdido, mas ele ainda tinha 18 anos. A partir disso, ele iniciou uma série de troca de cartas com Mário de Andrade, que realmente foi o grande incentivador para que ele se tornasse escritor. Em seguida, ele passou a escrever vários livros.
Há algumas facetas dele que são desconhecidas do público. Ele foi diplomata, como adido cultural em Londres. Ele foi também músico, baterista de jazz, e cineasta — fez vários filmes com outros escritores. Criou a Editora Sabiá, que foi uma das maiores editoras que houve no País. Publicou todo mundo que se possa imaginar. Depois o Caminha pode falar sobre isso. Publicou Pablo Neruda, Saramago, Sartre, Gabriel García Márquez e todos os autores nacionais.
Ele disse que desistiu da editora quando ele chegou à editora e não reconheceu o menino que estava na portaria. Ele disse: "Isso está crescendo demais. Chega! Isso não é para mim".
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A relação dele com a família era muito amistosa. Ele era uma pessoa muito mais preocupada com as pessoas humildes do que com as pessoas famosas. Ele gostava de saber como estava a família do porteiro, gostava de saber como estava o jornaleiro, gostava de conhecer as pessoas na rua. Das pessoas mais famosas ele até se desviava um pouco.
Ele faleceu em 2004, depois dessa trajetória toda. O Caminha depois vai aprofundar um pouco mais a abordagem sobre a obra de Fernando Sabino.
Eu passei a me dedicar à memória dele. Eu trabalhei minha vida toda em televisão. Eu me formei como câmera na Globo, depois tive uma trajetória profissional na área de televisão e de produção de eventos, o que me facilitou talvez tocar esse projeto educativo que eu toco hoje. Eu vou voltar para falar um pouco do projeto educativo depois do Caminha.
A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Eu agradeço ao Sr. Bernardo Sabino e quero dizer que tive a honra de ser procurada por ele para apresentar esse projeto de lei para tornar o ano de 2023 o Ano Nacional Fernando Sabino, em homenagem a esse grande homem, esse grande escritor, esse grande mineiro e esse grande brasileiro.
Conheci um pouco do projeto do Bernardo feito nas escolas para que as crianças se familiarizem com a obra do Fernando Sabino de forma bastante dinâmica, inclusive, e fiquei realmente encantada com o projeto, daí por que aceitei de pronto apresentar o projeto de lei. E a realização de uma audiência pública faz parte dos requisitos para que se possa apresentar um projeto dessa natureza.
O SR. EDMÍLSON CAMINHA - Muito bom dia a todos. Bom dia, Deputada Bia Kicis. Bom dia, meu querido e fraterno amigo Bernardo Sabino.
Eu gostaria de falar, em primeiro lugar, da minha emoção de voltar ao lugar onde trabalhei durante 22 anos, na área de redação parlamentar da Consultoria Legislativa desta Casa, a Casa do Povo brasileiro. É uma honra estar aqui, na presença de amigos, da família Sabino Diniz e de colegas da consultoria.
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Eu fico realmente emocionado, até pela feliz coincidência de estar voltando hoje à Câmara dos Deputados. Continuo a usar com muito orgulho o meu crachá, agora como aposentado. Continuo tendo orgulho de usar o meu crachá de servidor da Câmara dos Deputados.
Fico feliz, Deputada, pela coincidência de estar voltando a esta Casa, hoje na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. Esta Comissão é das mais importantes desta Casa, porque sem cultura qual é o futuro de um povo? Qual é o amanhã que uma nação, que um país pode esperar, se não cultuar os grandes nomes e as grandes obras que constroem a história do seu povo? Então, esta Comissão, Deputada, é importantíssima. O papel que ela desempenha no Parlamento brasileiro é nobre, é um papel que a engrandece e que a honra. Portanto, é uma grande alegria estar na Câmara dos Deputados, hoje, especialmente na Comissão de Cultura, mais ainda porque hoje nos reunimos para homenagear um grande brasileiro.
Mais do que um grande escritor, Fernando Sabino foi um grande brasileiro pela sua nobreza, pela doçura espiritual, pela retidão de caráter, pela conduta ética que norteou toda a sua vida. Eu falo muito à vontade sobre isso porque tive o privilégio e a honra, com minha mulher, Ana Maria, que está presente, de ser amigo de Fernando Sabino. Foi uma amizade que cultivamos por muitos anos, desde que nos conhecemos, quando o levamos a Fortaleza, minha cidade natal. Aquela foi a primeira de muitas vezes que nos encontramos, ora em Fortaleza, ora no Rio de Janeiro.
Numa dessas idas a Fortaleza, Fernando Sabino foi com um filho que era um meninozinho e hoje é este cidadão que está aqui ao meu lado. Então, eu conheci Bernardo criança, acho que em 1975. Era um menino. Hoje, ele é o Presidente do Instituto Fernando Sabino.
Bernardo, faço questão de aproveitar a sua presença para cumprimentá-lo pelo belíssimo trabalho que você desenvolve à frente do Instituto Fernando Sabino. Você transformou o seu pai em uma causa, na inspiração de um belo trabalho de incentivo à leitura, de despertar, sobretudo nos jovens, o amor pelos livros, a paixão pela literatura. Bernardo, o leitor começa a se criar na infância. É um milagre encontrar uma pessoa que, aos 50 anos de idade, diga assim: "Olha, eu nunca li nada na minha infância e na minha juventude, mas a partir dos 30 anos eu me tornei um grande leitor". Isso seria mais uma prova da existência de Deus, porque o leitor começa a se formar na infância. E é esse o trabalho que você desenvolve hoje nas escolas, falando sobre literatura, sobre crônicas. É um admirável trabalho.
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Eu sou professor de literatura e conheço a vida e a obra de muitos dos grandes nomes das nossas letras, e poucos escritos brasileiros merecem a homenagem que Fernando Sabino mereceu da família, com a criação do Instituto Fernando Sabino. Não é apenas uma instituição burocrática para eternizar o nome do Fernando. Não! É uma instituição que trabalha. Diariamente está junto aos jovens, aos professores, aos estudantes, para despertar neles o amor pela literatura.
Bernardo, parabéns! É uma honra para mim, ainda que muito modestamente, participar desse trabalho, porque é admirável que hoje pessoas se dediquem a isso, sob a inspiração desse grande nome que é Fernando Sabino.
Há pouco escrevi um artigo sobre Fernando, a propósito do centenário de nascimento dele. Vocês sabem que, não por acaso, Fernando Sabino nasceu no Dia da Criança. Ele nasceu no dia 12 de outubro de 1923. Eu digo que não foi por acaso porque Fernando, até o fim da vida, conservou a pureza da criança que havia nele. Fernando tinha uma visão dos homens e do mundo com olhos de criança, com a pureza própria da criança. Ele disse certa vez que gostaria que o epitáfio dele fosse: "Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino". Não só morreu o menino, mas viveu como um menino, com aquela alegria.
O Fernando era contagiante. Era impossível se sentir deprimido na presença de Fernando Sabino. A diferença de idade entre mim e Fernando Sabino era de 29 anos. Fernando nasceu em 1923, eu nasci em 1952. Fernando Sabino, portanto, nasceu — arredondemos — 30 anos antes de mim. Mas eu sempre senti o Fernando 30 anos mais novo do que eu. Era impressionante a alegria de viver do Fernando Sabino, que estava sempre com um sorriso nos lábios, sempre muito agitado. Ele manteve esse espírito até o último dia de vida.
Como eu disse, escrevi um artigo lembrando Fernando Sabino e gostaria de lê-lo — não é longo — para traçar um voo panorâmico sobre a vida e a obra de Fernando.
Em 2023, quando se comemoram os 100 anos do nascimento de Fernando Sabino, as homenagens se devem não só ao excelente cronista, ao notável contador de histórias, mas também ao cidadão íntegro, ao exemplo de profissional, ao amigo fraterno, homem para quem viver era uma alegria que se renovava toda manhã.
Conheci-o em 1979, com minha mulher, Ana Maria, que aqui está, quando o promotor cultural Paulo Peroba o levou a Fortaleza para palestras que se repetiram muitas outras vezes, sempre com um grande público ansioso por vê-lo e ouvi-lo. Nasceu, então, uma bela e afetuosa amizade, que cultivamos até a morte dele, em 11 de outubro de 2004, às vésperas de completar 81 anos, pois que significativamente viera ao mundo no Dia das Crianças para ser menino pela vida inteira.
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Amigo fraterno — esse talvez o valor que melhor o represente —, com Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Hélio Pellegrino, integrou a confraria Os Quatro Cavaleiros de um Íntimo Apocalipse, como se autoproclamavam, profunda amizade que os uniu por mais de 50 anos sobre um alicerce que divertidamente concordavam em admitir. O segredo era que pelo menos um faltasse aos encontros para que três pudessem falar mal do ausente.
Certa vez eu perguntei ao Fernando: qual é o segredo desta amizade de 50 anos que une vocês quatro? Ele disse: "Ah, Caminha, há um segredo! É que sempre falta um para podermos falar mal dele. Se os quatro estiverem presentes, nós vamos ter de nos elogiar toda hora. É importante que um não esteja presente, para podermos falar mal dele".
Jovens na Belo Horizonte do pós-segunda guerra, o grupo inspirou em Fernando Sabino O Encontro Marcado, esse romance admirável, publicado em 1956. Primoroso romance que, 67 anos depois, chegaria à consagradora marca da 104ª edição.
Neste ano de 2023, a Editora Record, de cujo Conselho Editorial eu faço parte, está publicando a 104ª edição de O Encontro Marcado. Isso é raro! Um autor que tem um livro com 10 edições já se julga o máximo! Imaginem ver O Encontro Marcado chegando à edição número 104! E muitas outras virão, com certeza.
Em O Encontro Marcado acha-se o drama não de uma, mas de todas as gerações, com as incertezas, as ansiedades e os sofrimentos próprios da juventude, viva ela no Brasil, na França, na Inglaterra, na Espanha, na Holanda ou na Alemanha, alguns dos países em que a obra foi traduzida.
Em 1941, lançava-se Os Grilos não Cantam Mais, com contos de um certo Fernando Tavares Sabino, que mandou o volume para Mário de Andrade e dele recebeu um conselho inteligente: para que os leitores lhe guardassem o nome, ele deveria assinar Fernando Tavares ou — como acabaria por escolher — Fernando Sabino.
O Mário de Andrade era um sábio. Ele percebia isso. Ele disse que o nome literário tem de ser uma marca, não pode ser muito grande. E Fernando Tavares Sabino era um nome muito grande. "Ou você é Fernando Tavares ou é Fernando Sabino". O Fernando, sabiamente, aceitou a sugestão do Mário e passou a adotar como nome literário Fernando Sabino.
Seis anos depois, começa a enviar de Nova York crônicas para o Diário Carioca e O Jornal, do Rio de Janeiro. Ao longo de décadas, essas crônicas chegariam a milhares, depois reunidas nas coletâneas O Homem Nu, de 1960; A Mulher do Vizinho, de 1962; A Inglesa Deslumbrada, de 1967; Deixa o Alfredo Falar, de 1976; A Falta que Ela me Faz, de 1980; e O Gato Sou Eu, de 1983, entre muitas outras, livros que conquistavam o público, a começar pelos títulos, matéria em que o cronista era doutor.
Os títulos do Fernando Sabino são maravilhosos.
Ele tinha um talento enorme para criar bons títulos, tanto que ajudou colegas. Foi dele, como me revelou, a sugestão para que um romance de Autran Dourado, outro grande escritor mineiro, belamente se chamasse A barca dos homens, e não História de caça e pesca, título que poderia fazer algum livreiro incompetente destinar a obra à sessão de literatura esportiva.
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Como Bernardo lembrou, Fernando Sabino, além de escritor, foi editor. Ele e o grande amigo Rubem Braga criaram a Editora do Autor, que depois passou a ser a Editora Sabiá. Então, o Fernando, além de grande escritor, foi também um grande editor.
Certa vez, Autran Dourado entregou ao Fernando Sabino os originais de seu livro, e o título era História de caça e pesca. O Fernando disse: "Autran, esse título é péssimo! Esse título é muito ruim! Na livraria, vão botar isso lá na estante de literatura ligada a esporte". Leu os originais e disse que o título do livro seria A barca dos homens. Vejam que coisa maravilhosa, que título, que achado! O Fernando ajudou muita gente.
O Fernando publicou grandes nomes da literatura brasileira. O primeiro livro publicado pela Editora do Autor foi Furacão sobre Cuba, de Jean Paul Sartre. Sartre foi a Cuba em 1960 — imaginem, logo depois da revolução de Fidel — e escreveu uma série de crônicas para um jornal de Paris. O Fernando e o Rubem resolveram publicar essas crônicas em um livro e trazer Sartre ao Brasil para uma noite de autógrafos. Foi um sucesso estrondoso.
Para preparar a edição de um livro — nós temos aqui conosco o editor Anderson Olivieri, que sabe disso muito mais do que qualquer um de nós —, são necessários 4, 5, 6 meses. Fernando Sabino e Rubem Braga, em 1 semana, prepararam os originais, fizeram a revisão e mandaram para impressão. No lançamento do livro, Jean Paul Sartre autografou 800 exemplares. Então, a Editora do Autor começou com o pé direito, começou com um sucesso estrondoso.
Aproveito a oportunidade para dizer que o Fernando, como autor e como editor, foi um formador de leitores. Isso é muito importante! Ele cumpriu essa bela missão de formar leitores. Todos nós aqui devemos lembrar uma coleção chamada Para gostar de ler, publicada na década de 1970 — Bernardo era menino — pela Editora Ática. O nome diz muito: para gostar de ler, para aprender a gostar de ler. Os primeiros volumes traziam crônicas de Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga e Paulo Mendes Campos. Isso foi na década de 1970, e essa coleção chegou a ter tiragens de 700 mil exemplares.
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Hoje, uma tiragem de 10 mil exemplares é grande no Brasil. Imagine, há 50 anos, um livro ter tiragem de 700 mil exemplares! Então, o Fernando foi um criador de leitores. Quantos e quantos jovens começaram a ler, começaram a criar o gosto pela leitura nos livros e nas crônicas de Fernando Sabino?
Ao criador de O Grande Mentecapto, outra obra maravilhosa de Fernando Sabino, devo muito do pouco que aprendi sobre jazz, paixão que compartíamos.
Bernardo lembrou que Fernando era um profundo conhecedor de jazz. E como eu aprendi com ele, porque eu o provocava, eu explorava o Fernando para que ele falasse sobre jazz, para que eu aprendesse algo sobre isso.
Além de apaixonado por jazz, Fernando era músico de jazz, era baterista de jazz, e tocava bem. Fernando, além de apaixonado por jazz, tocava jazz.
O SR. EDMÍLSON CAMINHA - Exato. Você disse tudo. Você me economizou palavras. É como uma pelada do futebol. São os músicos batendo uma pelada musical.
Foi Fernando quem me descobriu as semelhanças entre uma jam session e uma partida de futebol. No caso, eu vou até mudar aqui e, em vez de partida, eu vou chamar de pelada, fica melhor. Em ambas prevalecem a criação coletiva, a improvisação e o toque de gênio. Fernando me disse: "Caminha, perceba como o jazz se parece com o futebol. Eles são baseados na criação coletiva, na improvisação e no toque de gênio".
Encontrarmo-nos em Fortaleza, visitá-lo com Ana Maria, no apartamento carioca da Rua Canning, conversar sobre literatura e sobre a vida literária era sempre um grande prazer que perdemos há 19 anos.
A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Muito obrigada por esta belíssima exposição.
O SR. BERNARDO SABINO - Sim. Antes de mostrar um pouco do projeto que desenvolvemos, gostaria de falar de algumas curiosidades.
Meu pai esteve em Brasília diversas vezes, tocando bateria; eu inclusive estive junto com ele. Muitas vezes, esteve em Brasília com meus primos, que a cada hora criavam uma situação inusitada para ele. Ele sempre dizia: "Nossa, o que os primos vão me aprontar agora?"
Numa das situações, ele vinha no voo com o José Aparecido, de quem era muito amigo e foi o primeiro Ministro da Cultura que tivemos neste País.
Ao chegarem ao aeroporto, havia banda e fogos. O José Aparecido achou que era para ele, mas não era. Foram o Saulo e o Domingos que organizaram aquilo e até carregaram meu pai. Havia sempre uma surpresa para ele. Então, no voo ele já se perguntava: "O que será que meus primos vão aprontar dessa vez comigo?"
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Quando ele vinha tocar bateria, quem cedia a bateria era o Saulo. E diversas vezes meu pai esteve aqui para isso. Hoje o Domingos tem um acervo de VHS sensacional, que eu utilizei para fazer um documentário de 26 minutos sobre meu pai, em Belo Horizonte. O Torino, que produziu comigo o documentário, está participando desta audiência.
A minha trajetória começou depois que meu pai partiu. Eu fui para Belo Horizonte, chamado pelo Diretor do Canal Brasil, Paulo Mendonça, que me disse: "Bernardo, larga tudo na sua vida e vá se dedicar à memória do seu pai. Inclusive agora eu já estou contratando você para passar os filmes que ele fez com outros escritores aqui no Canal Brasil". Eu fui procurar os filmes para digitalizar, e preparamos uma série de filmes que ele fez com outros escritores bem conhecidos: Carlos Drummond, Jorge Amado, Vinicius de Moraes, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, Afonso Arinos.
Ele conseguiu tirar coisa dos escritores que um jornalista normal não conseguiria, devido à intimidade que havia entre eles. Ele conseguiu que o Carlos Drummond brincasse de se esconder atrás das pilastras no Edifício Capanema. Ele conseguiu que o Érico Veríssimo fizesse um cinema mudo com ele em off — eu tenho até esse trecho — e conseguiu que o Érico Veríssimo fizesse mágica para os netos durante a filmagem. Ele tirou do Afonso Arinos como ele criou a Lei Afonso Arinos, que proíbe a discriminação racial. Afonso contou que foi por conta do motorista dele, que era negro. Esse motorista foi com a namorada, que era alemã, à padaria, e foi barrado. A partir daí ele teve a inspiração de fazer a lei, e isso está documentado em filme.
Esses filmes nos ajudam muito, dentro do projeto educativo. Hoje temos uma mostra de cinema com 32 títulos, sendo 15 de ficção. O Galinha ao Molho Pardo, que o Torino produziu, ganhou cinco prêmios em Miami. Trata-se de uma história do meu pai, que escondeu uma galinha para que ela não fosse morta para o almoço de domingo. Tudo isso engrandeceu bastante o projeto educativo que realizamos e sobre o qual eu vou falar um pouco aqui.
Quando chegamos a Belo Horizonte, montamos uma exposição muito grande no Palácio das Artes e que ocupou todo o espaço disponível. Depois trouxemos a exposição para Brasília e a levamos para o Rio.
Fui procurado para levar a exposição para Muriaé. Era impossível, mas, como eu já havia criado esses painéis com essa linha do tempo que eu passei aqui e já havia a mostra de cinema e algumas cartas e fotos dele, eu disse que levaria, sim. E fizemos a exposição lá.
Para minha surpresa, ao chegar lá, eles tinham trabalhado a obra de meu pai nas escolas públicas durante 1 ano. Em toda escola havia uma exposição montada sobre o meu pai, com apresentações de arte: teatro, dança, cinema e tudo o que se possa imaginar. Naquela ocasião, eu disse: "É isso que eu vou fazer na vida. Eu vou me dedicar a levar a obra do meu pai para dentro da escola pública".
Criamos então um projeto. No primeiro ano, o projeto foi para 10 ou 11 escolas. Sentimos necessidade de que houvesse uma coordenação pedagógica ligado ao projeto. Chamamos uma coordenadora pedagógica e criamos um caderno pedagógico que falava da obra do meu pai e do projeto, sugerindo atividades por faixa etária.
O projeto tem 17 anos, já passou por 100 cidades e já atingiu 1 milhão de alunos em sala de aula.
Eu vou passar um spot comercial que nós montamos em cada cidade por que passamos e vou disponibilizá-lo para a Comissão. E vou mostrar, rapidamente, um relatório de uma cidade pequena por onde nós passamos, chamada Peçanha, vizinha de Cantagalo. Esse relatório exemplifica bem a grandeza do projeto. Eu vou passar o spot e depois vou falar um pouquinho do projeto.
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(Exibição de vídeo.)
O SR. BERNARDO SABINO - Eu trouxe algumas revistas do projeto. Estão na frente do Flávio. Nós conseguimos dar uma revista para cada aluno. Nós não conseguimos dar um livro, infelizmente, mas uma revistinha nós conseguimos dar para o aluno.
O projeto foi ganhando consistência, outras atividades foram sendo incorporadas e vieram desdobramentos. Passamos a levar a família para a sala de aula e criamos uma metodologia nova para o tratamento da leitura na sala de aula, na qual a leitura passa a ser uma diversão, e não uma disciplina.
Como o projeto atinge várias faixas etárias, um dos desdobramentos é mostrar para o aluno que existe um caminho profissional na área da cultura. Infelizmente, vários desses alunos não chegarão à universidade. Pelo menos o projeto consegue criar ferramentas para que eles se profissionalizem na área da cultura como técnicos de som, técnicos de luz, contrarregras, roteiristas, atores, eletricistas, cenógrafos, uma série de profissões que são supervalorizadas na área. E hoje, graças a Deus, mais de cem alunos que participaram do projeto trabalham na área da cultura por causa do projeto, sendo que alguns saíram da criminalidade por causa do projeto. Então, é uma emoção muito grande trabalhar esse projeto em sala de aula.
Eu vou falar um pouquinho do relatório e vou disponibilizá-lo à Comissão. Nele há detalhes sobre como o projeto acontece em todas as suas fases. Ele fica numa cidade de 6 meses a 1 ano. Passamos a levar as famílias para dentro da sala de aula, passamos a levar trabalhos para dentro de casa e passamos a discutir desdobramentos do projeto. Levamos shows para dentro da sala de aula e, na culminância, montamos um palco na cidade, onde o aluno se apresenta para todos. Então, o aluno é o protagonista desse projeto.
(Segue-se exibição de imagens.)
Trata-se de um projeto de incentivo à leitura que não foi planejado — as coisas foram acontecendo naturalmente nesse percurso todo — e que se concretiza por meio de leis de incentivo à cultura estaduais e federais ou de recursos das próprias secretarias e das prefeituras.
Neste ano, estamos levando o projeto para várias cidades, como São Paulo, Cabo Frio, Belford Roxo, Duque de Caxias e Belo Horizonte. Eu e o Saulo estamos tentando trazê-lo para o Distrito Federal. Vamos conseguir, não é, Saulo? Estamos tentando levar o projeto para o maior número possível de cidades.
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O relatório é bem simples, e eu vou tratar dele rapidamente. O mais bacana é que, ao longo do processo, num certo momento, toda a comunidade, toda a cidade está envolvida nesse projeto de incentivo à leitura. E o aluno passa a gostar de ler.
Eu vou citar um trecho do prefácio de um livro da coleção Para gostar de ler, assinado a quatro mãos por Rubem Braga, meu pai, Paulo Mendes Campos e Carlos Drummond. Eles iniciam o prefácio assim: "Amigo estudante, este livro não tem a intenção de ensinar coisa alguma a você. Nem gramática, nem redação, nem qualquer matéria incluída no programa de sua série. Nós só queremos convidar você a descobrir um mundo maravilhoso, dentro do mundo em que você vive. Este mundo é a leitura".
Eles falavam do mundo fantástico que é a leitura, que permite que a pessoa use a imaginação e se divirta muito. Então, eles já tinham a visão de tratar a leitura como uma diversão. Essa metodologia com certeza atinge o objetivo, porque o aluno passa a gostar de ler. Eu vou a uma escola para visitar a exposição e vejo que os alunos estão adorando ler, estão querendo ler, estão participando. E é uma metodologia supersimples de se trabalhar.
Estas são as etapas do projeto: a culminância; a abertura do projeto, já com os painéis montados. Nós, juntamente com as entidades e os agentes culturais locais, levamos uma exposição e uma mostra de cinema à cidade.
Aí vemos workshops de capacitação dos professores para que trabalhem o projeto em sala de aula e as atividades sendo desenvolvidas já em sala de aula. Isso foi numa cidade de 10 mil habitantes.
Nós percebemos, nos últimos 4 anos, que 80% de todo o recurso que recebemos, seja por meio de uma lei de incentivo, seja por meio da Prefeitura, são gastos no próprio Município com contratação de mão de obra, hotel, gastos com combustível, com papelaria. Eu faço questão de que esses gastos sejam feitos na cidade onde vai acontecer o projeto e que seja contratada mão de obra local.
Eu quero agradecer ao Caminha a formidável dissertação sobre meu pai. Não há ninguém melhor do que ele para falar sobre meu pai. Ele já participou de outra Comissão que tratava do Carlos Drummond.
Agradeço à minha família aqui presente, a família Diniz e a família Sabino. Isso me traz lembranças da minha tia, que me recebeu aqui novo. Hoje eu tenho aqui uma família que me trata tão bem ou melhor do que a minha família lá no Rio. Muito obrigado a vocês pela presença.
Agradeço a todos a homenagem ao centenário do meu pai, que começa dia 12 de outubro. Pretendemos realizar várias atividades. Meu agradecimento especial ao Saulo Diniz, que está conduzindo isso comigo e ajudando bastante a viabilizar vários projetos.
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A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - É muito emocionante ouvir a palavra dos nossos expositores e é muito bom começar o dia dessa forma.
O SR. MARCELO QUEIROZ (Bloco/PP - RJ) - Primeiramente, quero parabenizar a Deputada Bia Kicis pela audiência pública. Parabéns pelo movimento que vem fazendo sobre o Ano Nacional Fernando Sabino. Sei que V.Exa. tem uma influência gigante no projeto de lei que tramita aqui nesta Casa.
Quero saudar, na pessoa do Bernardo, todos os seus amigos. E quero saudar a minha querida irmã, Deputada Lídice, aqui presente, superatuante, e que tem sido uma professora para mim na Comissão de Cultura.
Eu acho que, mais do que tudo, a nossa função é disseminar projetos como esse, que saúdam ícones da nossa história. Então, gostaria de me colocar 100% à disposição.
Estamos num cenário muito positivo para fazer avançar projetos como esse, com a volta do Ministério, com as novas leis, com a reativação dos conselhos de cultura. Eu, particularmente, estou lá no Rio de Janeiro e já vi que você tem presença em algumas cidades. Tenho uma reunião marcada com a Secretária de Educação nesta sexta-feira, então já fica o convite, caso queira me acompanhar nas próximas reuniões, para conseguirmos também levar o projeto para toda a rede estadual.
Eu quero agradecer e, hoje, participar mais como ouvinte, até porque é dia de aprender um pouco mais. O que eu sei está nos livros de história, está na Internet, mas aqui eu tenho certeza de que estamos aprendendo cada vez mais.
Então, mais uma vez, quero parabenizar a Deputada Bia. Aproveito esta oportunidade para saudar toda a equipe da Comissão, na pessoa da Lúcia, e para saudar todos aqui presentes, que têm sido implacáveis na condução desta reunião. As reuniões ocorrem às quartas-feiras, e já convido todos que queiram participar.
A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Muito obrigada, Presidente. A sua missão, como Presidente desta Comissão de Cultura, é muito honrosa e muito importante. Esta Comissão, como foi dito aqui pelo Edmílson, é uma das Comissões mais importantes desta Casa, porque a cultura constrói uma nação.
A SRA. LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA) - Bom dia para todos.
Quero saudar o Bernardo Sabino, filho do Fernando Sabino, Presidente do Instituto Fernando Sabino, e dirigente, portanto, desse trabalho belíssimo que foi apresentado aqui de estímulo à leitura nas escolas, levando esse gosto pela leitura para milhares de crianças.
Quero saudar o Dr. Edmílson, ex-consultor desta Casa e que nos deu uma aula magnífica — e eu tive a possibilidade de trabalhar com esta moça aqui, que o senhor conhece, que foi também minha auxiliar na Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. Ela é uma extraordinária e competente funcionária. É um prazer estar com todos vocês.
Quero saudar a Deputada Bia Kicis, autora do requerimento para a realização desta sessão, e o nosso jovem Presidente, Deputado em primeiro mandato, que vem tendo um grande sucesso à frente
desta Comissão exatamente por sua capacidade de negociar bem, de tratar bem todas as visões, tanto culturais quanto políticas.
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Eu fico muito à vontade, por isso, ao vir a uma audiência convocada pela Deputada Bia Kicis, que respeito muito, embora tenhamos posições políticas muito divergentes, para dizer, justamente, que concordo com essa proposição de transformar o ano de 2023 como Ano Nacional Fernando Sabino. Eu acho extremamente importante. Fernando Sabino está acima de posições políticas e ideológicas de esquerda, de direita, de centro, porque ele é um clássico.
(Palmas.)
E como clássico, ele é universal. E representa um dos mais destacados nomes da literatura brasileira.
Eu sou baiana e a Bahia tem muitos escritores que são referências da literatura nacional, como Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro e tantos outros, mas sempre tive grande admiração pelos mineiros, por esse movimento que nasce em Minas Gerais. Fui uma compradora da coleção Para Gostar de Ler. Li quase todos. Eu comprava os livros para o meu filho, para os amigos do meu filho e os distribuía.
Eu sou neta de um homem que, como comerciante, já idoso e tendo se aposentado, resolveu vender livros. E todos nós vendíamos livros na feira com ele, pela manhã, nos dias de sábado, quando íamos passar as férias na nossa cidade, em Catu. E essa coisa do livro nós vamos passando para todas as gerações da família. Eu sou uma avó que dá livro, guarda livro, deixa como herança livros que tenho guardados, para serem herdados por minha neta, por meus netos. E isso é uma coisa em que criamos um mundo próprio.
Recentemente, eu tive uma experiência interessante, Bia. Eu ia entrando na casa do meu filho e o meu neto estava lendo. E Bel, a minha neta mais velha, disse assim: "O Raul está lendo". E eu disse: "Ah, que bom!" Eu cheguei e ele disse: "Vó, você não sabe que livro maravilhoso eu estou lendo!" Ele é muito entusiasmado com as coisas que faz. Aí eu perguntei: "Qual livro?" Ele disse: "Você tem que ler, vó! Eu vou lhe emprestar quando acabar". Aí eu disse: "Raulzinho, que livro é esse?" "Pinóquio. Você já ouviu falar?"
(Risos.)
Eu achei maravilhoso! Estava esperando até que fosse um livro mais moderno e era justamente Pinóquio. E vamos, assim, transmitindo esse gosto pelos livros.
De Fernando Sabino, especialmente, eu tenho muito guardada a ideia de O Encontro Marcado, livro lançado no ano em que eu nasci. Meu pai também gostava muito dos livros, praticamente nos obrigava a ler. E ele sempre dizia isto: "Leia esse livro, porque foi lançado no ano em que você nasceu". E aí íamos lendo e a cada dia ele encontrava um pretexto a mais para que lêssemos um livro.
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11:11
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A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Agradeço as belíssimas palavras da Deputada Lídice da Mata, por quem eu tenho muito carinho. Somos debatedoras. No último debate, eu tive que me ausentar por causa de um problema de acidente em família, mas está tudo resolvido.
É exatamente a noção de V.Exa., que sabe separar o que é da política e o que é algo tão universal, que faz da sua pessoa alguém tão respeitada e querida na Casa.
Presidente, eu havia dito que, nas audiências públicas, normalmente não é dada a palavra a quem não é Parlamentar, mas, se V.Exa. me permitir, eu gostaria de quebrar um pouco o protocolo, porque aqui nós estamos num ambiente bastante intimista, com familiares. Está aqui o Sr. Saulo Diniz, que foi Superintendente do IPHAN, no Distrito Federal, e assumiu agora a cadeira n° 100 do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, cadeira que pertencia à mãe de Juscelino Kubitschek. Saulo é primo do Bernardo e baterista. Pelo que ouvi aqui, tocava com Fernando Sabino.
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Saulo já está engatilhado.
O SR. SAULO DINIZ - Bom dia a todos. É muito gratificante estar aqui hoje, pela manhã, não só pela história da família, que é a história do grande escritor Fernando Sabino, mas também pela consciência de todos nós, inclusive a da Deputada Lídice da Mata, que anteriormente disse que, independente de ideologia política, a literatura é universal. Ela tem que ser para todos.
Estamos plantando uma semente aqui, porque, na verdade, o brasileiro não lê. Diz um ditado: "Quem lê, ouve, fala e vê". Então, estamos contribuindo para que a sociedade tenha consciência da importância da literatura. Isso é muito bacana.
Parabéns, Deputada Bia Kicis, por esta condução na Câmara Federal. Sabemos que há um trâmite ainda para acontecer, mas, independente do passo a passo, estamos aqui levantando a bandeira da literatura. O Brasil precisa ler mais. Precisamos ajudar as crianças.
Eu sou oriundo do Para Gostar de Ler, de Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino. Eu lia no colégio, era gostoso, acho que tenho esse livro até hoje.
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11:15
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A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - É importante para o registro da Comissão, que terá de constar em ata, falar o nome e o sobrenome.
Eu sou Domingos Sabino Diniz. Tenho o privilégio de ser sobrinho do nosso saudoso grande escritor Fernando Sabino. Os agradecimentos já foram feitos.
Eu quero quebrar um pouquinho essa formalidade que há em todas as Comissões para mostrar, um pouco, o lado humorístico e descontraído do tio Fernando.
Já que estamos falando de bateria, o meu querido sobrinho Saulo emprestava sua bateria quando vinha a Brasília tocar com o seu conjunto. E há um caso muito pitoresco dele que eu acho interessantíssimo.
Nós estávamos no Hotel Sol Ipanema, onde ele fez uma apresentação de bateria. Estava na plateia um dos grandes bateristas, cujo nome o Caminha citou há pouco — eu acabei me esquecendo. Ele estava muito preocupado em demonstrar que era tão bom na bateria quanto na literatura. Quando ele terminou o show, nós nos dirigimos a esse baterista — não me lembro o nome, desculpem-me —, e ele lhe disse: "Desculpa, eu não estou numa noite muito agradável, não estou muito bem". Então, ele respondeu: "Não se preocupa, Fernando, você nunca foi melhor do que isso".
(Risos.)
Há histórias que mostram esse lado interessantíssimo dele. Eu gosto de outra história muito boa. Ele sempre andava de Ipanema a Copacabana, toda manhã, às 6 horas. Havia um velhinho que ficava sentado num banco de cimento. Ele passava, o velhinho acenava com o dedinho para ele, como se estivesse o reconhecendo. Certo dia, ele parou e disse: "O senhor está me reconhecendo?" O velhinho respondeu: "Exatamente". Tio Fernando perguntou: "Quem sou eu?" O velhinho respondeu: "Você é o Rubem Braga".
(Risos.)
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11:19
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A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Alguém mais deseja fazer uso da palavra antes de encerrarmos? (Pausa.)
O SR. EDMÍLSON CAMINHA - O nosso querido Domingos Sabino lembrou histórias do Fernando, e é importante que se diga que o Fernando, além de ser um grande escritor, era, sobretudo, um grande contador de histórias. Então, quando nós lembramos histórias ligadas ao Fernando, eu acho que é a melhor homenagem que se pode prestar a ele. Ele ficaria felicíssimo em ouvir essas histórias!
Uma vez, ele me disse uma coisa interessante: "Caminha, nós escritores somos privilegiados, porque nós somos famosos, mas desfrutamos das vantagens do anonimato". Ele disse: "Olhe, você acredita que, na semana passada, eu fui ao banco..." — à época em que ainda se ia a banco e era atendido pelo servidor e pela servidora... Ele entregou um cheque, parece-me, para descontar, ou alguma coisa assim, e a moça o olhou e disse: "Ah, interessante, o senhor tem o nome daquele escritor Fernando Sabino".
(Risos.)
E ele disse: "Sim, sim, eu me chamo Fernando Sabino". E ela disse: "Não, eu estou vendo. É a coincidência de o senhor ter o nome de Fernando Sabino, o cronista". Ele disse: "Sim, eu sou cronista". E ela: "Não, mas é uma coincidência muito grande, porque, olha, eu aprendi a ler com os livros do Fernando Sabino".
E o Fernando disse: "Caminha, se eu fosse um jogador de futebol, eu teria pedido uma bola e começado a fazer embaixadas para ela acreditar. Se eu fosse um cantor lírico, eu cantaria ária de uma ópera. O que eu podia fazer era abrir a minha bolsa, tirar um livro e autografá-lo para ela, que ficou emocionadíssima por conhecer o escritor Fernando Sabino". E me disse: "Então, isso é uma maravilha! Nós somos conhecidos, mas, ao mesmo tempo, somos anônimos".
Esse era o Fernando Sabino. Era essa grandeza humana que fazia dele uma figura adorável! Todos nós éramos, além de amigos, fãs do Fernando pela maneira como ele viveu intensamente a vida até o último minuto!
Então, Deputada, parabéns pelo requerimento para esta reunião! Parabéns ao Presidente da Comissão por esta homenagem que se presta a um homem que a merece!
Nós não estamos aqui movidos por nenhum outro interesse que não seja o de reconhecer a importância deste homem, que eu não diria que foi Fernando Sabino, mas deste homem que é Fernando Sabino, porque ele continua presente, como no belíssimo projeto desenvolvido pelo Instituto Fernando Sabino, que tem o nosso querido Bernardo à frente.
A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Bernardo, você também gostaria de dizer mais alguma coisa?
O SR. BERNARDO SABINO - Antes de encerrar, eu quero agradecer as palavras do Presidente da Comissão — muito obrigado, Marcelo — e da Lídice.
Que tenhamos no futuro outras pautas que superem as divergências políticas. É muito bacana saber que algumas pautas superam as divergências políticas, que são encaminhadas em consenso entre Oposição e Governo. Isso é muito bacana, Marcelo. Convite feito, convite aceito. Converso contigo depois para falarmos sobre isso e explicar um pouco os desdobramentos que estamos tendo lá no Rio.
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11:23
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A SRA. PRESIDENTE (Bia Kicis. PL - DF) - Antes de encerrar, eu quero trazer para conhecimento que o meu pai — que é vivo, com 92 anos e uma grande lucidez — morou a vida toda no Rio, fora o tempo que passou aqui em Brasília, e conheceu o Fernando Sabino. Era um voraz leitor do Fernando Sabino e do Rubem Braga. Eu aprendi a ler também as crônicas. Eu tenho o livro das melhores crônicas do Brasil, que é um livro de cabeceira. Eu passei a minha vida sempre lendo e relendo Fernando Sabino e Rubem Braga. Uma vez o meu pai encontrou o Fernando Sabino em Copacabana, onde ele morava, e foi conversar com ele. Disse que era um admirador. O Fernando Sabino disse que, então, iria dar para ele um livro autografado. Ele falou: "Não, você não vai me dar. Eu faço questão, eu vou comprar o livro e trago para você autografar". E assim ele fez. Comprou o livro mais recente da época, levou, e o Fernando Sabino o autografou.
Somos todos muito fãs. Para nós aqui é uma honra poder apresentar esse projeto de lei, poder presidir esta audiência e estar cercada de familiares e amigos do Fernando Sabino.
A escritora Nélida Piñon disse que Fernando Sabino era "uma grande personalidade, generosa, um homem com muito humor e que soube captar a alma mineira, a alma carioca e, portanto, a alma brasileira (...) um grande brasileiro, que ocupou todas as instâncias da nossa realidade". Tenho que concordar com ela.
Quero agradecer aos senhores convidados pela valiosa contribuição para discutirmos o tema. Agradeço a presença de colegas Parlamentares. Mais uma vez registro a presença do Presidente desta Comissão, o Deputado Marcelo Queiroz, e da Deputada Lídice da Mata, Vice-Presidente da Comissão.
Gostaria de encerrar esta audiência com um trecho de um dos livros mais famosos de Fernando Sabino, tão citado aqui, O encontro marcado:
De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre começando, a certeza de que é preciso continuar e a certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar. Façamos da interrupção um caminho novo. Da queda, um passo de dança; do medo, uma escada; do sono, uma ponte; da procura, um encontro.
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