1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão de Cultura
(Audiência Pública Extraordinária (semipresencial))
Em 23 de Maio de 2023 (Terça-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Declaro aberta a reunião de audiência pública extraordinária para debater sobre a legislação referente ao patrimônio cultural brasileiro, em atendimento ao Requerimento nº 13, de 2023, de minha autoria, subscrito pelas Deputadas Benedita da Silva, Lídice da Mata, Roseana Sarney e Deputado Tarcísio Motta.
Os convidados e as convidadas para esta audiência são: Sr. Carlos Magno de Souza Paiva, Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Direito do Patrimônio Cultural — NEPAC da Universidade Federal de Ouro Preto, que está acompanhado pelo Zoom; Sr. Marcelo Azevedo Maffra, Promotor de Justiça da Coordenadoria do Patrimônio do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que também está acompanhando pelo Zoom; Sra. Maria Edwiges Sobreira Leal, Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais — CAU/MG, que também acompanha pelo Zoom; Sra. Cecilia Nunes Rabêlo, advogada e representante do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais; Sr. Marcos Olender, Coordenador Substituto do Fórum de Entidades do Patrimônio Cultural em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro e professor da Universidade Federal de Juiz de Fora; Sra. Inês Martina Lersch, Coordenadora do Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural, que acompanha pelo Zoom; Sra. Kátia Santos Bogéa, Presidente da Fundação Municipal do Patrimônio Histórico de São Luís; e Sr. Leandro Grass, Presidente do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — IPHAN.
Inicialmente, cumprimento todos os presentes, em especial os senhores expositores que estão acompanhando e se propuseram a participar desse importante debate.
Em seguida, o Deputado Presidente da Comissão também vai estar aqui acompanhando esta audiência.
Antes de passar a palavra aos convidados, peço atenção dos senhores presentes para as normas do debate. Inicialmente, os expositores farão suas explanações, não sendo permitidos apartes. Somente após encerradas as exposições, os Deputados poderão fazer seus questionamentos, tendo cada um o prazo de 3 minutos.
Esclareço que essa reunião está sendo gravada e também podemos abrir para os presentes, se quiserem intervir, ao término da exposição. Inclusive alguém havia pedido a participação pelo Zoom, e vamos abrir, mas com tempo limitado, para algum questionamento ou contribuição.
Inicialmente, todos os expositores terão o prazo de 7 minutos para a fala, com exceção do Sr. Carlos Magno de Souza Paiva, que vai utilizar 15 minutos para aprofundar o estudo realizado e nós termos uma importante contribuição a partir desse estudo.
Eu vou passar a palavra ao Sr. Carlos Magno de Souza Paiva, que vai fazer sua explanação via Zoom.
O SR. CARLOS PAIVA - Bom dia a todos, a Exma. Deputada Denise Pessôa, de quem tive a grata satisfação de ter notícias sobre o belo trabalho voltado à cultura tanto no Sul do País, como agora na nossa Casa Legislativa máxima, a Câmara dos Deputados.
Quero cumprimentar rapidamente, para poder usar o tempo da melhor forma possível, os seguintes Deputados que assinaram este Requerimento nº 13, de 2023: Denise Pessôa, Benedita da Silva, Lídice da Mata, Roseana Sarney e Tarcísio Motta.
Cumprimento o Presidente da Comissão de Cultura de Câmara, recém-empossado, Deputado Marcelo Queiroz.
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Cumprimento alguns colegas que viabilizaram a realização hoje dessa reunião, desse encontro motivado pela atuação da Deputada Denise: o Ramon Tissot, que é um colega do Sul do País que esteve em Ouro Preto no evento que vamos tratar daqui a pouco; o amigo Presidente do IPHAN, Leandro Grass, que tem sido uma grata surpresa na gestão e na condução do órgão principal, do órgão máximo de tutela do patrimônio cultural no País; os colegas que estão presentes, a Kátia, a Cecilia, o Prof. Marcos Olender, que foi de ônibus de Juiz de Fora até Brasília para marcar presença nesse importante momento de discussão, dentro da Câmara dos Deputados, sobre o patrimônio cultural brasileiro. Por fim, faço um último cumprimento ao Núcleo de Pesquisa em Direito do Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Ouro Preto.
Deputada Denise, aqui em Ouro Preto não é difícil de se imaginar que nós vivemos em um laboratório a céu aberto. Há demandas relacionadas ao patrimônio cultural e impactos e transversalidades que envolvem viver num núcleo. E no Brasil, é bom que se diga, isso não ocorre só em Ouro Preto, Olinda ou Santo Ângelo, que são cidades históricas; todas as cidades brasileiras são históricas. Viver num ambiente de relevante valor cultural com todas as outras demandas que isso envolve, como segurança pública, saúde e saneamento, é um grande desafio.
É por isso que aqui em Ouro Preto nós temos esse compromisso. O Estado de Minas Gerais tem esse compromisso em dar uma contribuição para a discussão sobre o patrimônio cultural. E no nosso caso, como nós temos expertise na área do direito, uma contribuição jurídica em matéria de patrimônio cultural.
Deputada Denise, sinceramente, talvez soe estranha essa minha fala seguinte, por vezes eu acho uma pena o direito ter que tratar de patrimônio cultural. De fato, ao saber ou pensar que o patrimônio decorre de uma relação de afeto das pessoas com o local onde elas vivem e das pessoas com as demais pessoas de onde elas vivem, soa até estranho pensar que é preciso uma lei para obrigar as pessoas a cuidarem do seu patrimônio, é preciso o direito impor punições para que as pessoas tenham sensibilidade e gostem do patrimônio cultural. É até algo contraditório. Se é uma relação de afeto, por que ela tem que ser imposta por uma lei?
É por isso que o direito tem um papel muito estratégico, mas definitivamente ele tem que ser uma ultima ratio, ou seja, não pode ser a primeira opção nas políticas públicas envolvendo o patrimônio cultural. Nós temos que utilizar outras estratégias, em termos de política pública, para construir essa ideia de pertencimento, para trabalhar as questões relacionadas à educação patrimonial e para ter o direito como ordenador dessas políticas públicas e só em última análise como sancionador pelo não cumprimento dessas políticas públicas.
Todavia, no nosso País, devido aos muitos dramas com os quais nós convivemos, infelizmente, às vezes o direito assume um protagonismo que é a prima ratio, ou seja, é a primeira instância onde recorremos quando o patrimônio cultural muitas vezes não é respeitado.
Deputada Denise Pessôa, nós vivemos um momento muito estratégico nesse ano de 2023 no que diz respeito ao País que nós queremos ser. E eu estou dizendo ser em termos ontológicos e filosóficos, não um ser econômico ou um ser mercadológico. Quem nós brasileiros queremos ser? Parece que as diferentes instâncias do poder federado brasileiro e também do Judiciário, do Executivo e do Legislativo estão entendendo esse momento.
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Recentemente, Deputado, agora em março de 2023, o Judiciário organizou, pela primeira vez, via Conselho da Justiça Federal e Superior Tribunal de Justiça, por uma bela iniciativa do Ministro Og Fernandes e do Ministro Herman Benjamin, a Jornada de Direito do Patrimônio Cultural para discutir os enunciados da Justiça Federal em matéria de patrimônio. Os enunciados têm um conteúdo voltado para os magistrados brasileiros com orientações e diretrizes sobre como aplicar o direito em matéria de patrimônio cultural. É a primeira vez na história do País que se discutem enunciados específicos voltados ao patrimônio cultural. Foram aprovados 46 enunciados da Justiça Federal.
Além disso, o Poder Executivo também tem se mostrado sensível à questão. Não são poucas as ações do Governo Federal, via Poder Executivo, voltadas para a cultura do nosso País. Eu quero destacar, especialmente nesse processo de esforço jurídico, para que o direito também dê a sua contribuição, o papel do IPHAN em montar um grupo de trabalho para revisar a Instrução Normativa nº 1, de 2015, que trata justamente da atuação do IPHAN nos processos de licenciamento ambiental.
Os licenciamentos ambientais no País que envolvam impacto sobre o patrimônio cultural demandam de intervenção do IPHAN. É difícil imaginar que algum grande empreendimento cause impacto somente no âmbito natural, ele causa também no âmbito cultural em todas as dinâmicas da sociedade. Eu não estou me referindo apenas a bens tombados, igrejas antigas ou fazendas centenárias. Estou falando das dinâmicas sociais e culturais que são fortemente impactadas pela presença de empreendimentos que deslocam volumes muito grandes de pessoas, que significam mudanças na rotina e no modo de viver tradicional dessas pessoas. Então, o licenciamento ambiental hoje tem um grande destaque no País. E também o Executivo, via Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, está tendo uma atuação importante na revisão da instrução normativa.
A sociedade civil não fica atrás. Nós organizamos em Ouro Preto, agora em abril, com a presença da assessoria da Deputada Denise Pessôa, o Seminário Nacional de Direito do Patrimônio Cultural, para discutir e traçar um diagnóstico sobre a legislação brasileira de patrimônio cultural. Foi um evento de ampla repercussão, que contou com a participação presencial de mais de 500 pessoas em Ouro Preto e de mais de 150 entidades de todos os âmbitos da sociedade, entidades públicas e privadas relacionadas à gestão e compreensão do patrimônio cultural, como o Museu Nacional, o Conselho Nacional do Ministério Público e diferentes entidades de classe e segmentos detentores do saber tradicional. Foi um evento muito expressivo que ocorreu em Ouro Preto.
Com esse evento, nós aprovamos a Carta de Ouro Preto para a Legislação Brasileira de Patrimônio Cultural, um documento voltado para o legislador brasileiro não apenas no âmbito do Governo Federal, mas também no dos Estados e dos Municípios. E eu vou falar rapidamente sobre essa carta na sequência. Eu fico muito feliz, Deputada, com a iniciativa de V.Exa. de convocar esta audiência pública porque isso mostra que o Judiciário está atento, que o Executivo está atento, mas que o Legislativo também, com toda a sua propriedade, está atento para essa demanda.
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Qual é o papel do patrimônio cultural no nosso País atualmente? Qual é o País que nós queremos ser a partir das nossas referências culturais? Isso é algo latente, seja no menor Município brasileiro, seja na capital do nosso País, principalmente em razão do que significaram os eventos do dia 8 de janeiro desse ano.
Deputada, segundo a INTERPOL, o tráfico ilícito de bens culturais é o terceiro negócio mais rentável em termos de movimentação financeira no mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e o tráfico de armas. Quando falamos em tráfico ilícito de bens culturais, temos que incluir não apenas obras de arte, mas também o nosso patrimônio arquivístico e, especialmente, o nosso patrimônio paleontológico, que está sendo espoliado do nosso País e comercializado mundo afora.
Deputada, no nosso Estado de Minas Gerais — e eu uso Minas apenas como exemplo porque tenho certeza de que é um reflexo de todo o País —, 60% do patrimônio cultural sacro já foi roubado. E queria dar só mais um dado, e voltado para o patrimônio imaterial: hoje no Brasil, onde já foram catalogadas, a partir de estudos coordenados inclusive pela UNICAMP, 1.500 línguas indígenas, existem apenas 181 línguas faladas. Acho que isso é um pequeno exemplo da maneira como nós estamos lidando com o nosso patrimônio cultural — e perdendo-o.
O direito de propriedade, Deputada, é um direito fundamental, é um direito muito forte, muito forte. Fazer frente ao direito de propriedade envolve uma convicção muito grande sobre a fundamentalidade do patrimônio cultural, e é por isso que o Legislativo não pode se fazer omisso na sua obrigação de legislar e aprimorar a legislação de patrimônio cultural. Enormes escritórios de advocacia, especialistas na área do direito, conseguem fazer valer o direito de propriedade de grandes empreendimentos imobiliários, de mineradoras e em outras áreas de especulação face à fundamentalidade do direito de propriedade. E o direito do patrimônio cultural também é um direito fundamental, mas, como tal, precisa ser regulamentado pelo Legislativo e não por normas infraconstitucionais, muitas vezes oriundas do Executivo, muitas vezes decorrentes de instruções. Precisamos de material legislativo em matéria de patrimônio cultural, e chamo a atenção, principalmente, para a matéria de patrimônio imaterial. No nosso País, a principal norma jurídica que trata de patrimônio imaterial é um decreto. Eu insisto: em termos de procedimento jurídico e compreensão jurídica da matéria, o patrimônio imaterial precisaria ser regulamentado por lei.
A legislação brasileira de patrimônio cultural é originária e completou, em novembro do ano passado, 85 anos. Ela é marcada pela edição do Decreto-Lei nº 25, de 1937, e talvez seja uma das normas mais antigas ainda em vigência no Brasil. Ela trata exclusivamente de patrimônio material. Ao longo desses 85 anos, houve uma dispersão e uma pulverização de outras normas, que, às vezes, entram em conflito, e elas trazem lacunas históricas em relação a alguns assuntos — e quero deixar registrada a necessidade de aprimoramento no que diz respeito ao patrimônio paleontológico, ao patrimônio espeleológico e ao patrimônio arquivístico. Mas nem por isso é uma lei ruim. Nós não estamos aqui querendo atacar a legislação para dizer que ela não se presta para nada. Gostaríamos, sim, de trazer a nossa fala sobre a necessidade de aprimoramento dessa nossa legislação de patrimônio cultural. Em razão disso, nós fizemos o Seminário Nacional de Direito do Patrimônio Cultural aqui em Ouro Preto. Aprovamos uma carta, a Carta de Ouro Preto para a Legislação Brasileira de Patrimônio Cultural, que, por ser uma carta, não é um documento formal, mas é fonte material do direito. O que quer dizer isto? O juiz, dentro da sua possibilidade decisória, pode usar a carta patrimonial como fonte material instrutória para tomar uma decisão, não como fonte formal. Então, essa carta tem um grande peso, principalmente por conta do que foi a adesão do País a ela. Deputada, nós fizemos uma consulta pública sobre essa carta e tivemos mais de 1.360 contribuições de todo o País. Inclusive, disponibilizamos o conteúdo da carta naquela plataforma da Presidência da República, a Participa + Brasil, que é uma plataforma institucional para consultas públicas no âmbito do Governo Federal. Tivemos centenas de contribuições de todo o País para a construção dessa carta. No evento aqui em Ouro Preto, estiveram presentes representações e entidades da sociedade civil e do Governo das 27 unidades da Federação.
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Durante meses, essa carta foi construída e foi aprovada com o aval de um comitê científico que fez uma análise técnica do documento, mas também com o aval e a legitimidade do endosso da sociedade civil brasileira. E nós gostaríamos que ela fosse, sim, considerada nas discussões da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, do Congresso Nacional, que ela fosse considerada nas propostas de aprimoramento da legislação brasileira de patrimônio.
Eu vou encerrar a minha fala — estou ansioso por ouvir os colegas —, mas, se me permite, Deputada, o patrimônio cultural por vezes pode soar perfumaria num país onde falta tudo, como o nosso. São tantas demandas sociais! Pensar que o Governo, o poder público tem que destinar uma parcela expressiva do seu orçamento também ao patrimônio cultural pode parecer desnecessário, mas o mundo já nos deu exemplos sólidos de que países que tomaram a decisão, mesmo após a destruição, de investir em cultura e arte se tornaram médias potências ou superpotências no curto prazo.
Essa também é uma fala de cumprimento pela coragem. Eu imagino que na Câmara não deva ser fácil trazer esse debate. São muitos interesses envolvidos.
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Então, eu quero cumprimentar esta Comissão pela coragem de propor que nós aprimoremos a legislação do patrimônio cultural sem que isso signifique, em absoluto — e certamente essa fala vai constar nas notas taquigráficas da audiência pública —, uma flexibilização ou um afrouxamento na defesa do patrimônio cultural. Estou muito seguro e confiante de que esta audiência pública, por iniciativa desta Comissão, vai ser, sim, para aprimorar, sem que isso signifique flexibilizar ou afrouxar algo que precisa, na verdade, ser fortalecido para garantir ao nosso povo — que, neste momento, tem tão poucos motivos de orgulho — o orgulho de se dizer brasileiro. Talvez a solução para isso sejam as nossas referências culturais, talvez, não, certamente são as nossas referências culturais e o zelo e o cuidado que atribuímos a elas.
Desejo um bom dia a todos e coloco-me à disposição também para eventuais esclarecimentos.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada, Carlos. Acho que foi um belo pontapé inicial para este debate.
Vejo que os desafios são muito grandes para avançarmos na valorização do patrimônio. E não podemos deixar de falar do dia 8 de janeiro, que foi quase uma exposição do que ainda precisamos avançar, porque o que foi destruído — sem nenhum pudor, em frente a câmeras de celular, inclusive, expondo isso em lives — mostra o quanto as pessoas não se apropriaram da sua história, do patrimônio, e que elas ainda entendiam como algo valoroso destruir patrimônio histórico e arquitetônico do nosso País.
Então, que esta audiência seja, sim, uma forma de olharmos para essas dores. Olhar para o passado, para tantas coisas que nós ajudamos a construir no País, muitas vezes é dolorido. Nós temos a história de um país que foi construído com sangue da população negra, indígena. Então, há coisas que são difíceis, como momentos contra a democracia. Nós vimos tantas pessoas serem mortas, espancadas, torturadas. Realmente não é fácil olhar para isso tudo. Mas, se não olharmos, repetiremos as coisas logo em seguida. Portanto, que consigamos compreender nesta audiência que olhar o patrimônio histórico é reviver, sim, a nossa história, mas é revivê-la para não repeti-la.
Vou passar a palavra agora para o Marcelo Maffra.
Ele estava pedindo para fazer o compartilhamento de uma apresentação.
O SR. MARCELO AZEVEDO MAFFRA - Bom dia a todos e a todas.
Cumprimento inicialmente a Deputada Denise Pessôa, a quem agradeço imensamente pelo convite. Para mim é uma grande alegria participar desta audiência pública.
Aproveito, Deputada, para parabenizá-la por essa iniciativa. O patrimônio cultural, sem dúvida alguma, tem sido um dos assuntos mais debatidos aqui no ano de 2023, talvez inicialmente pelos incidentes do dia 8 de janeiro. Como já adiantou o Prof. Carlos Magno, nós já tivemos grandes eventos do patrimônio cultural este ano, com enormes discussões sobre temáticas importantes. E eu acho que esta audiência pública é bastante oportuna, ainda mais para abrir as portas do Legislativo para as nossas discussões diárias.
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Eu também não posso deixar de fazer um cumprimento especial ao Presidente do IPHAN, o Leandro Grass, que tem feito um magnífico trabalho à frente daquele órgão, um verdadeiro resgate da credibilidade desse instituto federal tão importante para a preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Aproveito também para cumprimentar, na pessoa do Leandro, os demais integrantes da Mesa e saudar todos os participantes do evento.
Vou pedir licença para compartilhar rapidamente aqui uma breve apresentação.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu preparei aqui, Deputada, basicamente três propostas bastante objetivas para tentar contribuir com o resultado desta audiência pública. A partir de todas as discussões que nós tivemos no seminário nacional em Ouro Preto, eu procurei aqui, do ponto de vista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, trazer três propostas as quais eu considero extremamente importantes para serem discutidas na esfera do Poder Legislativo.
Eu trabalho no Ministério Público de Minas Gerais há 18 anos. Nós temos uma experiência bastante consolidada na proteção do patrimônio cultural. Minas Gerais é o Estado brasileiro que tem o maior número de bens culturais formalmente protegidos do País e, ao mesmo tempo que isso é motivo de bastante orgulho, é motivo de bastante responsabilidade para nós. Então, a minha ideia é compartilhar aqui três gargalos legislativos, que eu acho que precisamos amadurecer no ordenamento jurídico brasileiro.
A primeira proposta que eu trago é uma busca pelo sincretismo na proteção jurídica. O que é isso? Quando falamos de patrimônio cultural, é muito comum uma nítida separação do que é patrimônio cultural material do que é patrimônio cultural imaterial. Mas as vertentes mais modernas do patrimônio cultural mundial entendem que, na verdade, todo bem cultural, ainda que ele seja material, tem um suporte físico e tem uma dimensão imaterial correlata. Então, qualquer bem cultural tem um corpo e tem uma alma. E, quando falamos da proteção jurídica desses objetos, temos que buscar uma proteção que abranja também a proteção dos valores. Acho que temos que seguir por esse caminho. Aqui em Minas Gerais, nós tivemos um caso bastante interessante recentemente no Município de Santana dos Montes, onde o tombamento buscou a proteção não apenas dos imóveis e das partes integradas desses imóveis, mas também todos os aspectos imateriais relativos àquela comunidade.
Então, acho que o primeiro ponto que eu queria compartilhar aqui com os senhores e com as senhoras é essa necessidade de o ordenamento jurídico avançar no sentido deste sincretismo, da proteção material e imaterial por meio dos nossos instrumentos jurídicos. Isso se deve principalmente em razão da singularidade dos bens culturais, ou seja, os bens culturais não são repetíveis. Uma vez ocorrido um dano, eles não podem ser recuperados totalmente, voltando ao que eram antes. Nesse contexto, a primeira contribuição que eu queria trazer a esta audiência pública seria essa busca de uma proteção jurídica mais completa nesses dois aspectos.
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O segundo ponto é que a nossa Constituição Federal, sem dúvida alguma, é uma das melhores do mundo no que se refere à proteção do patrimônio cultural. O art. 216 é extremamente bem redigido. Ele traz praticamente tudo o que precisamos para trabalhar na proteção do patrimônio cultural. Entre os vários aspectos que a nossa Constituição Federal traz no art. 216, o que nós percebemos, já no nosso dia a dia de trabalho aqui do Ministério Público, é uma necessidade da regulamentação do instituto do inventário, que está previsto no § 1º do art. 216. Lá, quando se listam todos os instrumentos jurídicos de proteção do patrimônio cultural, menciona-se expressamente o inventário como forma de acautelamento do patrimônio cultural brasileiro. Então, essa previsão constitucional carece de uma regulamentação no plano infraconstitucional. O que nós temos hoje na legislação infraconstitucional é o Estatuto dos Museus, que, no seu art. 39, § 2º, disciplina o instituto do inventário numa previsão específica para os equipamentos culturais museológicos. E nós temos utilizado no nosso dia de trabalho a Teoria do Diálogo das Fontes, para que o inventário seja aplicado na nossa rotina de trabalho como instrumento jurídico de proteção. É por isso que, no Seminário Nacional de Direito do Patrimônio Cultural, lá na Carta de Ouro Preto, na Diretriz nº 7, constou a necessidade de regulamentação do instituto do inventário de bens culturais.
A nossa legislação criminal prevê, Sra. Deputada, nos arts. 62 e 63, crimes específicos em relação à destruição, inutilização e deterioração de bens especialmente protegidos, inclusive inventariados. Da mesma forma, qualquer alteração desautorizada dos bens protegidos por meio do inventário também é considerada infração penal. Por isso, a segunda proposta que eu trago aqui hoje é esta necessidade de regulamentação do inventário, como já foi reconhecido pelos nossos tribunais.
E aqui eu trago duas decisões bastante exemplificativas desse reconhecimento: primeiro, do Superior Tribunal de Justiça, que tem algumas decisões que consideram o inventário como instrumento jurídico de proteção, tal qual previsto no art. 216; e, segundo, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que é uma tese que já vem sendo defendida, de longa data, pelo Ministério Público mineiro.
Então, qual é a proposta em relação ao inventário? É um instrumento jurídico que precisa ser regulamentado no plano infraconstitucional e por meio de um detalhamento. Quais seriam os bens a serem inventariados? Qual seria o procedimento do inventário? Quais seriam os efeitos jurídicos dos inventários? Quais seriam as responsabilidades do poder público e dos proprietários dos bens inventariados? E quais seriam as infrações administrativas, no caso de descumprimento dessas determinações legais? Então, em resumo, a segunda proposta seria basicamente a regulamentação do inventário, enquanto instrumento jurídico de proteção. Aqui, já caminhando para o fim da minha fala, eu trago também a necessidade de regulamentação do crime de tráfico de bens culturais. Todos nós sabemos que o comércio ilegal de bens culturais é, sem dúvida alguma, uma das principais causas do perecimento do patrimônio cultural brasileiro, principalmente por considerar que o mercado de artes e antiguidades é extremamente atrativo do ponto de vista econômico. Em 2019, as vendas ultrapassaram, no plano mundial, 64 bilhões de dólares, sendo que o FBI estima que cerca de 15% a 20% desse montante se refere ao comércio ilegal de bens culturais. A UNESCO já reconheceu que o tráfico de bens culturais é o terceiro mercado ilícito que mais movimenta recursos ilegais no mundo. A INTERPOL cada vez mais tem dito que o número de crimes contra o patrimônio cultural tem crescido assustadoramente nos últimos anos, principalmente por meio das plataformas digitais. E o Brasil não fica fora dessa estatística. Nós somos o quarto país do mundo que mais sofre com a subtração e o extravio de bens culturais — Minas Gerais já teve mais de 60% do seu patrimônio sacro retirado dos seus locais de origem. Então, essas informações são apenas para ilustrar a gravidade do problema do qual estamos tratando.
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A Operação Lava-Jato e a Operação Calicute apreenderam verdadeiros museus nas casas de investigados que utilizavam bens culturais nos crimes de lavagem de dinheiro.
Esses fatos se mostram de difícil apuração principalmente ao considerarmos que a nossa legislação penal não tem crimes específicos em relação à subtração e à receptação de bens culturais que foram furtados de equipamentos culturais brasileiros. Então, quando falamos desse tipo de crime, trabalhamos com o crime de furto simples, que prevê uma pena de 1 a 4 anos de reclusão, ao passo que o furto de um botijão de gás prevê uma pena de 4 a 10 anos de reclusão. Isso é só um exemplo para demonstrar a desproporção da nossa legislação penal no trato desse bem jurídico tão importante que é o patrimônio cultural brasileiro. E o crime de receptação não fica diferente. Quando falamos de obras de arte e antiguidades, uma escultura de Aleijadinho ou um quadro de Portinari que foi subtraído do seu local de origem, trabalhamos com o crime de receptação simples, que prevê uma pena de 1 a 4 anos de reclusão, ao passo que, quando falamos da aquisição de um porco abatido de forma ilegal, falamos de um crime que prevê uma pena de 2 a 5 anos de reclusão. Ou seja, a nossa legislação penal brasileira trata a receptação de um porco abatido de forma muito mais gravosa do que a receptação de um bem cultural brasileiro.
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Nós estamos aqui, Sra. Deputada, pedindo a aplicação da convenção da UNESCO que foi promulgada, no plano internacional, em 1972 e recepcionada no direito brasileiro em 1973, na qual os Estados que eram parte dessa convenção, inclusive o Brasil, reconheceram a gravidade do tráfico de bens culturais e se comprometeram a criar uma legislação penal própria para a criminalização dessa conduta, que tem acabado com o patrimônio cultural brasileiro.
Então, qual é a última proposta que eu trago? A criação de crimes e sanções penais pertinentes e específicas para os crimes de furto, roubo, falsificação, estelionato e descaminho envolvendo bens culturais brasileiros.
Então, são essas as minhas breves contribuições.
Mais uma vez, agradeço pela oportunidade de falar aqui, em nome do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, e fico totalmente à disposição para qualquer esclarecimento.
Obrigado.
Bom dia. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada, Marcelo. Peço que, depois, se possível, disponibilize a apresentação para a Comissão.
Quero aqui anunciar a presença do nosso Presidente da Comissão, o Deputado Marcelo Queiroz, agradecendo-o.
Eu vou passar a palavra de imediato para a Sra. Maria Edwiges Sobreira Leal, que está pelo Zoom, pelo tempo de 7 minutos, e é Presidente do CAU de Minas Gerais.
A SRA. MARIA EDWIGES SOBREIRA LEAL - Bom dia a todas e todos. Bom dia, Deputada Denise Pessôa.
É um prazer estar aqui e uma satisfação compartilhar da mesma profissão da Deputada, e, na pessoa dela, quero saudar o Presidente da Mesa, o Deputado Marcelo Queiroz, e os demais Deputados presentes e também saudar o Presidente do IPHAN Leandro Grass e, na pessoa dele, todos os colegas presentes na Mesa e os convidados desta audiência, especialmente o Prof. Carlos Magno, quem acompanho, há vários anos, em vários seminários regionais. E, no brilhante seminário que fizemos em abril em Ouro Preto, o CAU teve a oportunidade — eu queria agradecer o convite — de patrocinar e contribuir com ele, que gerou essa carta tão preciosa para nós aqui na nossa questão do patrimônio.
Deputada Denise, nós arquitetos e urbanistas sabemos que, às vezes, somos taxados de arrogantes por falarmos tanto de patrimônio. Mas, como o próprio Prof. Carlos Magno falou, há 85 anos, desde aquele seleto clube que gerou a legislação de proteção do patrimônio, nascido na Semana de 22, a Semana de Arte Moderna, os nossos arquitetos já estavam envolvidos nessa empreitada.
Com a nossa formação de arquitetura e urbanismo, temos uma forte ligação, principalmente em Minas Gerais, com o patrimônio, com a nossa cultura. A nossa bagagem de história da arte, história da arquitetura, teoria da arquitetura, aprendizado das cartas e técnicas retrospectivas nos leva à essa afinidade grande porque temos, desde o nascedouro da nossa matéria, da nossa disciplina, essa educação patrimonial.
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Então, vendo esses eventos e participando deles como Presidente do Conselho — faço questão porque a minha área de atuação é em patrimônio também, dentro da minha formação —, consideramos que é nosso dever trabalhar na área de patrimônio e na preservação dele. Enquanto autarquia federal, que tem como função orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional da arquitetura e urbanismo dentro da ética e da disciplina de toda a classe no território nacional, nós temos esse compromisso, estamos investidos dessa responsabilidade de fiscalização.
Nessa transversalidade, junto com outras disciplinas ligadas ao patrimônio, tanto de história museológica, arqueológica como também da indissociabilidade do patrimônio imaterial, temos responsabilidade na preservação. E, dentro das nossas competências profissionais, temos muitas vezes uma ligação com o Ministério Público e com o direito para que façamos valer a nossa fiscalização e a disciplina e a orientação do mercado no combate ao exercício ilegal do trato do patrimônio.
Recentemente, tivemos uma vitória — transitou em julgado no STJ — que deu ao arquiteto e urbanista a prerrogativa de intervenção, orientação e coordenação de projetos arquitetônicos e urbanísticos na área de patrimônio cultural. Nós entendemos que a nossa formação profissional nos dá essa prerrogativa com uma visão ampla e generalista no trato histórico, social, físico e cultural no âmbito da coordenação desses projetos e empreendimentos. Essa foi uma grande vitória no STJ. Essa foi uma luta coordenada pelo CAU do Paraná e que ascendeu ao STJ em que combatemos realmente o exercício ilegal e as intervenções desastrosas.
Nesse sentido, na carta, acompanhando a exposição do Promotor Marcelo Maffra, muito bem colocada, destacamos a Diretriz nº 7, que é a regulamentação do inventário. Nós temos um grande vazio jurídico, uma grande insegurança ao trabalhar com inventário, com muitas interpretações. Nós entendemos, como o Ministério Público de Minas, que temos que trabalhar com um inventário mais bem sustentado e mais bem regulamentado no sentido do acautelamento dos nossos bens históricos. Essa é uma das nossas diretrizes mais importantes e delicadas.
Também gostaria de falar brevemente aqui no início desse debate da importância da educação patrimonial para que consigamos avançar nessa legislação e para que esse conhecimento não fique só nas mãos de especialistas do direito, da arquitetura e urbanismo, da história e dos museólogos, conservadores e restauradores. Precisamos educar e precisamos dar fala aos conhecedores tradicionais da cultura para que circule a cultura tradicional, que circule todo o saber e toda a experiência que temos, que é riquíssima no Brasil, para que tenhamos nas escolas esses saberes, essa consciência, essa sensibilização para proteção e preservação. Prof. Carlos Magno, eu destacaria estes dois pontos da Carta para início de debate: a regulamentação do inventário, para que possamos proteger melhor nossos bens; e a educação patrimonial, o investimento massivo nessa regulamentação da educação patrimonial, para que possamos ter aliados conosco, toda a população e todos os detentores de saberes com essa defesa.
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É por aí que eu inicio a minha fala e tento contribuir para o nosso diálogo aqui nessa audiência.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada.
Gostaria de registrar e agradecer a presença do Deputado Tarcísio Motta.
Passo a palavra para a Sra. Cecilia Nunes Rabêlo.
A SRA. CECILIA RABÊLO - Bom dia a todas e todos.
Quero agradecer o convite da Deputada Denise Pessôa ao IBDCULT — Instituto Brasileiro de Direitos Culturais, o qual represento aqui; ao Leandro Grass, Presidente do IPHAN, com quem tive o prazer de estar junto no seminário, de conversar sobre a legislação de patrimônio cultural; ao Presidente Marcelo Queiroz, que também está presente; e a todos os demais amigos e colegas que estão na defesa do patrimônio cultural.
O IBDCULT é um instituto formado não só por juristas, mas por pessoas que se interessam pela difusão, pesquisa e proteção do patrimônio cultural. A nossa contribuição, tanto no seminário, na construção da Carta, quanto nessa audiência pública, na minha percepção, é uma contribuição técnico-jurídica para que possamos falar sobre a necessidade do aprimoramento da legislação, especialmente nacional, sobre o patrimônio cultural. Nós sabemos que a competência para legislar sobre cultura é uma competência concorrente. Então, União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem fazer leis sobre cultura. E a União — gostaria de ressaltar esse ponto — seria a criadora da norma geral.
Hoje, a norma geral que nós temos de patrimônio cultural é o Decreto-Lei nº 25, de 1937, que é recepcionado pela Constituição como lei, mas que passa longe de ser uma norma geral suficiente para a complexidade do patrimônio cultural, especialmente diante do conceito que o Marcelo colocou tão bem que a Constituição traz de patrimônio, que é um conceito amplo, que abrange o material e o imaterial.
Então, há uma necessidade e inclusive uma determinação constitucional de criação de uma norma geral do patrimônio cultural no País. Parece-me não uma norma federal, mas uma norma nacional que, de fato, seja essa norma abrangente, que traga essa legislação de forma geral.
Eu gostaria de citar o livro do Prof. Ricardo Oriá, que foi Consultor Legislativo desta Câmara dos Deputados e é membro do IBDCULT, chamado Legislação sobre cultura. É interessante, Deputado, que ele traz uma lista de leis sobre patrimônio cultural, numa pesquisa muito ampla que ele fez. É importante notar que ele reuniu dez leis sobre o patrimônio cultural. O mais interessante é que, dessas dez leis, quatro são leis de, no máximo, dois artigos que declaram bens como patrimônio cultural. Inclusive, é bastante questionável essa atuação do Legislativo de "criar" — entre aspas — patrimônio cultural através de lei, já que existe um procedimento específico para isso. Há outras leis burocráticas que tratam sobre a constituição do IPHAN e da Biblioteca Nacional. Há, em suma, apenas três leis que tratam do patrimônio cultural em âmbito federal: o Decreto-Lei nº 2.537; a Lei nº 3.924, de 1961, do patrimônio arqueológico; e a Lei nº 45, de 1965, que fala exatamente da saída ilícita de bens culturais do País.
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Portanto, há apenas três normas federais que falam sobre patrimônio cultural em si, sobre elementos protetivos. É claro que há o Estatuto dos Museus e outras legislações, mas essas são específicas para o patrimônio cultural, e são apenas três. Não que o excesso de leis represente algum benefício. A questão não é essa. O excesso de leis, muito pelo contrário, não é algo positivo, mas o vazio, obviamente, é absolutamente problemático, especialmente quando existe a determinação constitucional da criação da norma geral na União, das normas suplementares nos Estados e das normas locais nos Municípios. E essa possível norma geral, que pode ser discutida aqui, no âmbito do Congresso Nacional, pode trazer, inclusive, essa repartição de competências, para atribuir inclusive, digamos assim, um respaldo maior para o Município, porque o Município tem total capacidade de legislar sobre patrimônio cultural, por causa do direito urbanístico.
Existem instrumentos de direito urbanístico que podem ser e devem ser colocados em proteção do patrimônio cultural. Então, o Município pode ter uma atuação muito forte no patrimônio cultural, se isso for colocado como um pacto federativo mesmo, na proteção do patrimônio cultural.
Eu já vou concluir.
Levantar a necessidade de uma norma geral sobre o patrimônio cultural criada no âmbito do Congresso Nacional traz segurança jurídica. Eu sou advogada, atuo na área dos direitos culturais como um todo, mais especificamente do patrimônio cultural, e são vários os processos judiciais que perdemos. E perdemos por quê? Porque existe uma insegurança jurídica muito grande nos procedimentos. O tombamento, por exemplo, é um processo administrativo regulado pela Lei nº 9.784, que é a Lei de Processos Administrativos no âmbito federal. Então, ela precisa seguir princípios de legalidade, de impessoalidade, de publicidade. Como cada ente — Estados e Municípios — faz a sua própria lei, temos normas bem díspares entre si, temos prazos diferentes, falta, às vezes, um procedimento, falta o mínimo de segurança jurídica, de contraditório, de devido processo legal. Quando você leva isso para o Judiciário, o tombamento que foi feito cai. E ele cai por questões formais, porque faltou uma citação, porque faltou notificar o proprietário.
Então, questões burocráticas formais, que deveriam estar na legislação e não estão, causam a discussão, vão para o Judiciário, e o direito de propriedade, como o Prof. Carlos Magno colocou — tão forte, e assim deve ser, mas, do outro lado, há o direito fundamental, que também é um direito patrimônio cultural —, acaba cedendo. Por quê? Porque falta segurança jurídica, falta uma segurança legislativa mesmo, de como é o procedimento, de quais são as regras, e isso, para mim, realmente parece um problema. Então, é preciso garantir a segurança jurídica dos procedimentos.
Nesse ponto, eu gostaria de citar uma lei que foi criada no Estado do Ceará, de onde eu venho, que é a Lei nº 18.232, de 2022, uma lei estadual, que cria o Código do Patrimônio Cultural do Estado do Ceará, que é o primeiro Código de Patrimônio Cultural do Brasil, uma iniciativa do Estado do Ceará, que traz, inclusive, regulamentação de inventário, regulamentação de instrumento jurídico da paisagem cultural, o que me parece uma iniciativa muito interessante, importante, que pode ser, inclusive, objeto de inspiração para o Congresso Nacional criar, quem sabe, uma norma geral de patrimônio cultural para o nosso País. Muito obrigada.
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A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Cecilia.
Eu passo a palavra ao Sr. Marcos Olender, pelo tempo de 7 minutos.
O SR. MARCOS OLENDER - Obrigado.
Eu queria agradecer o convite à Deputada Denise Pessôa e ao Deputado Marcelo Queiroz, Presidente da Comissão. Queria também estender esse agradecimento a todos os Deputados e Deputadas aqui presentes.
Queria também agradecer a presença do Presidente do IPHAN, o Leandro Grass. E, através desse agradecimento, agradeço também a todas as instituições e pessoas militantes do patrimônio cultural presentes nesse espaço, presencialmente ou virtualmente.
Em primeiro lugar, quero dizer que eu estou aqui representando o Fórum de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro. Esse fórum foi criado em 2019, quando diversas entidades entenderam que havia uma ameaça séria de desconstrução, de destruição de todo o processo de políticas públicas de patrimônio que se consolidava há 85 anos. Então, elas se reuniram para defender as políticas públicas de patrimônio e propor também avanços nessas políticas.
Eu queria pedir à Deputada permissão para me estender por 2 minutos, porque eu acho fundamental falar o nome das entidades que compõem o fórum. Hoje, são 26 entidades. Então, eu queria pedir mais 2 minutos de tolerância.
Essas entidades são: Associação Brasileira de Antropologia — ABA; Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas — ABAP; Associação Brasileira de Arte Rupestre — ABAR; Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo — ABEA; Associação Brasileira de Gestão Cultural — ABGC; Associação dos Geógrafos Brasileiros — AGB; Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo — ANPARQ; Associação Nacional de Pós-Graduação em Pesquisa em Ciências Sociais — ANPOCS; Associação Nacional de História — ANPUH; Associação Nacional de Pesquisa em Tecnologia e Ciência do Patrimônio — ANTECIPA; Rede Nacional de Arquivistas de Instituições Federais de Ensino Superior — ARQUIFES; Associação dos Servidores do Ministério da Cultura — ASMINC; Comitê Brasileiro de História da Arte — CBHA; Centro Palmares de Estudos e Assessoria por Direitos; Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — CONAQ; Seção Brasileira do Comitê Internacional para a Documentação e Conservação de Edifícios, Sítios e Conjuntos do Movimento Moderno — DOCOMOMO Brasil; Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo — FENEA; Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas — FNA; Fórum Nacional das Associações de Arquivologia do Brasil — FNARQ; Instituto de Arquitetos do Brasil — IAB; Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Museus — ICOM; Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios — ICOMOS Brasil; Coletivo de Ex-trabalhadores do IPHAN — Pró-IPHAN; Sociedade de Arqueologia Brasileira — SAB; Sociedade Brasileira de Sociologia — SBS; e Comitê Brasileiro de Conservação do Patrimônio Industrial — TICCIH Brasil.
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Então, vocês veem a minha responsabilidade aqui. Eu não falo por mim. Eu estou aqui para falar por 26 entidades de profissionais, pesquisadores, professores e detentores do saber, que se reuniram num fórum em defesa do patrimônio cultural brasileiro e realizaram, nesses anos, diversas ações e projetos, virtualmente e presencialmente, com várias lives. Fizeram também um livro em defesa do patrimônio cultural brasileiro, coordenado pela Márcia Santana e pelo Hermano Guanais.
O fórum, que tem uma participação muito ativa, sempre se pauta pela defesa do patrimônio. Então, ele sempre vai colaborar com todos aqueles que estão na luta pela preservação do patrimônio e, ao mesmo tempo, vai fazer as críticas necessárias.
Nesse sentido, fizemos a Carta aos Candidatos, na época da eleição, e, depois da eleição, participamos de reuniões com o grupo de transição da área de patrimônio cultural. Depois, a pedido do grupo, entregamos uma série de diretrizes, que são as Diretrizes Integradoras para Futuras Políticas Públicas de Patrimônio Cultural. Sempre fazemos uma colaboração crítica com todos aqueles que defendem...
Quero deixar claro aqui que o fórum está disposto a colaborar, como ele tem colaborado com o IPHAN. E aqui eu quero ressaltar a postura do Presidente do IPHAN, sempre aberto ao diálogo, sempre aberto à escuta e sempre muito preocupado em se inteirar das questões do patrimônio, em se atualizar e discutir em alto nível as questões de patrimônio. Então, eu acho que é importante fazer esse reconhecimento.
Estamos abertos também à Comissão de Cultura, para colaborar com a Câmara também. É claro que, como um órgão autônomo, ele também faz suas críticas, tanto ao IPHAN como à Câmara. Algumas delas, talvez, eu faça hoje.
Com relação a isso, quero dizer que o fórum participou ativamente da elaboração da Carta de Ouro Preto. Ele foi parceiro na elaboração da Carta. Ele apoia a Carta de Ouro Preto. A maioria dessas entidades que eu li aqui já se manifestaram. E eu queria ressaltar alguns pontos da carta, que eu acho fundamentais para trabalharmos.
O primeiro ponto é sobre a regulamentação do inventário, que foi bastante citado aqui. Várias entidades do fórum têm posturas divergentes em relação a essa questão de inventário. Muitas se aproximam, inclusive, da postura da portaria do IPHAN, que reconhece o inventário como instrumento de conhecimento, mas não é o momento dessa discussão aqui. O momento dessa discussão é o momento da regulamentação do inventário, que tem que ser feito para que possamos aparar essas arestas, porque, na verdade, são arestas existentes entre pessoas e instituições que estão defendendo o patrimônio cultural brasileiro. Todas estão aqui com o mesmo fim. Então, temos que aparar essas arestas.
A segunda questão que salta na carta é a preocupação com as lacunas referentes à legislação do patrimônio. Essas lacunas existem, por exemplo, na ausência hoje, já que foi recolhido para melhores estudos, de um instrumento que atenda a preservação da paisagem cultural. Eu acho que temos que retomar essa discussão. A paisagem cultural é um bem cultural importantíssimo. Precisamos retomar essa discussão para regulamentar esse instrumento que está em stand by.
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Outra questão diz respeito aos patrimônios difíceis e dolorosos. Eu acho que já passou da hora, e muito propriamente a Deputada citou isso aqui, de nós encararmos de frente a nossa dolorosa história e repararmos todos os danos causados pela escravidão, pela ditadura e por todos os outros processos traumáticos e criminosos pelos quais a história do Brasil passou. Já passou da hora de se fazer isso. Eu sei que o IPHAN tem projetos também nesse sentido, inclusive está na nossa carta de diretrizes e está contemplado também na Carta de Ouro Preto.
Outra questão fundamental para nós é a implantação do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural. Esse sistema é uma discussão antiga, que remonta a um fórum realizado em Ouro Preto em 2009. Nós precisamos retomar isso e propomos que o Sistema Nacional do Patrimônio Cultural tenha uma estrutura análoga ao Sistema Nacional de Cultura e, com isso, seja estruturado e viabilizado por um fundo nacional do patrimônio cultural. Tanto o sistema nacional quanto o fundo nacional do patrimônio cultural estão previstos na Diretriz nº 25 da Carta de Ouro Preto. E nós queríamos informar que o fórum tem participado ativamente com a Câmara, com esta Comissão de Cultura, na elaboração de um projeto de lei referente a esse fundo, e temos como parceiro, inclusive, o CAU. Esperamos que esse projeto de lei seja bem-sucedido.
Isso vai ser um ganho, Deputado Marcelo Queiroz, Deputada Denise Pessôa, Deputado Tarcísio Motta e demais Deputados aqui presentes, para a política de patrimônio brasileira. Nós nunca tivemos um fundo nacional do patrimônio cultural. Vai ser um grande avanço, vai viabilizar muitas coisas na política. Então, eu apelo para esta Comissão para que consigamos viabilizar isso.
Já partindo para a conclusão, quero dizer que nós também temos uma preocupação. O Prof. Carlos Magno citou na fala dele a preocupação com a alienação e a venda de acervos documentais para fora do Brasil, que são acervos caros à nossa história. Nós temos enfrentado isso, por exemplo, no que diz respeito mais particularmente à arquitetura e urbanismo, aos acervos de importantes arquitetos como Paulo Mendes da Rocha. Nós temos o interesse de que se desenvolva um projeto de lei que garanta a preservação no Brasil desses e de outros acervos documentais, não só de arquitetura, mas também de outras áreas fundamentais para a nossa história, a fim de que eles não sejam vendidos para o exterior, o que impossibilita que sejam pesquisados pelos brasileiros.
Concluindo efetivamente, é tanta coisa para se falar, 7 minutos é tão pouco... Desculpe-me, Deputada...
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - E olha que ainda estamos dando mais 7 minutos para o fórum. Se o senhor puder deixar um pouquinho para a Martina...
O SR. MARCOS OLENDER - Desculpe-me...
Quero falar do patrimônio vivo também, que é outra preocupação nossa, que está também na diretriz. Nós entendemos que já passou da hora também de haver uma lei nacional. Existem dois projetos de lei que já tramitaram nesta Câmara, o projeto mestre das artes e o projeto Griô, que caminham nesse sentido. O patrimônio vivo tem legislações estaduais e municipais bem-sucedidas principalmente no Nordeste brasileiro, por exemplo, no Ceará, e acabaram de ser aprovadas no Recife e em Alagoas também.
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Nós também pedimos, com muito carinho, que esta Câmara se preocupe com isso.
Era isso. Desculpe, Deputada!
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Obrigada.
Passo a palavra agora para a Sra. Inês Martina Lersch, que está participando pelo Zoom. Ela também é do fórum.
A SRA. INÊS MARTINA LERSCH - Olá, bom dia a todos. Tudo bem? Vocês me ouvem?
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Sim, escutamos.
A SRA. INÊS MARTINA LERSCH - Eu agradeço imensamente o convite da Deputada Denise Pessôa e cumprimento os colegas de Mesa. A presença do colega Marcos Olender se faz pelo motivo de eu me encontrar no mesmo momento em Belém do Pará, no Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional. Demos a ele a responsabilidade de falar em nome do fórum.
Então, confesso que a Deputada me pega agora de surpresa, mas, já que temos mais 7 minutos, eu vou procurar aproveitar muito bem este momento. Vou usar este tempo para chamar a atenção para a gravidade do desmonte não só do IPHAN, para as ações que levaram ao desmonte de várias iniciativas do IPHAN, mas também das políticas públicas voltadas ao patrimônio cultural brasileiro durante os últimos 6 anos, desde o golpe contra a Presidente Dilma e nos anos seguintes.
É nesse contexto que as entidades citadas pelo colega Marcos Olender se organizaram no congresso de arquitetos realizado em Porto Alegre, em outubro de 2019, justamente diante de uma das principais ameaças ocorridas durante o Governo Bolsonaro, que foram as exonerações espúrias dos dirigentes do IPHAN, Coordenadores, Superintendentes Regionais e também da Presidente. Desde aquele momento, ainda de modo presencial e, logo em seguida, em função da pandemia, o fórum trabalhou durante 3 anos e meio de modo virtual, sendo que conseguimos construir uma rede, conforme já citado, de 26 entidades, uma rede de relações de confiança e colaboração.
Portanto, o fórum se coloca hoje aqui para contribuir com a Comissão de Cultura com essa posição, essa postura. Nem eu estou falando aqui em nome da Martina; nem o Olender, em nome dele próprio. Falamos em nome de um enorme coletivo que trabalhou, nesses últimos 3 anos, de modo incessante contra o desmonte do IPHAN e das políticas públicas voltadas para a cultura.
Vou citar algumas dessas nossas ações, a começar, no segundo semestre de 2019, por várias notas que nós emitimos sobre essas exonerações espúrias ocorridas no IPHAN, em particular da Presidente Kátia Bogéa e, depois, dos Superintendentes Regionais e Estaduais. Lançamos também uma nota, em janeiro de 2022, em defesa do mestrado profissional do IPHAN, que também sofreu interrupção. Em fevereiro de 2022, fizemos uma carta, denunciando o uso do instrumento de destombamento. E não fizemos só essa carta, não realizamos só esse movimento, mas também fizemos uma live, assim como tantas outras, em defesa do Solar do Visconde de São Lourenço, em função e contra o destombamento nas instâncias federais. Assim como foi citado, fizemos também a Carta aos Candidatos, que também foi publicada durante o pleito eleitoral.
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Vale a pena chamar a atenção para o fato de que o fórum, ao se organizar em 2019, trabalhou no âmbito federal durante um ano. E, em 2020, nós conseguimos articular com a grande maioria dessas entidades nas Unidades Federativas, de modo que mais da metade dos Estados brasileiros contam hoje com fóruns estaduais. Então, durante os pleitos eleitorais, os fóruns estaduais também construíram cartas com as demandas específicas de cada Estado brasileiro.
Eu acho que esse trabalho todo culminou no documento, também já citado, Diretrizes Integradoras para Futuras Políticas Públicas do Patrimônio Cultural — que foi entregue ao Gabinete de Transição, com o qual tivemos a possibilidade de fazer uma reunião, de modo remoto, em dezembro de 2022 —, um documento com cerca de 20 páginas, com contribuições, dando atenção àquilo que as entidades entendem como prioridades que devem ser atendidas pelo IPHAN; e, mais recentemente, no documento intitulado Restaurar o Patrimônio Destruído é Reafirmar o Estado Democrático de Direito, publicado na manhã do dia 9 de janeiro, imediatamente após o 8 de Janeiro, com o apoio da maioria também das entidades que formam o fórum.
Então, ocupar hoje esse lugar de fala aqui na Comissão de Cultura demonstra a força e a capacidade de articulação da sociedade brasileira, através das suas representações, das suas entidades, e o quanto essas pessoas estão dispostas a se articularem, mesmo em modo de urgência, como nós vivemos nesses últimos 4 anos. Nós tivemos um Presidente que não sabia o que significava a palavra IPHAN, de modo que, assim que nós nos sentimos atacados em algum momento, nós nos articulávamos imediatamente e respondíamos com algum manifesto, com alguma demonstração de que o povo brasileiro está atento à preservação do seu patrimônio cultural.
Eu gostaria, nessa minha fala, que já se termina — tenho 30 segundos —, ressaltar a honra de estar aqui e a disposição que nós temos de contribuir com a construção e com a discussão da legislação referente ao patrimônio cultural, diante da oportunidade que nós temos por intermédio da Comissão de Cultura.
Cumprimento todos os colegas e agradeço mais uma vez a presença do colega Marcos Olender na sessão em modo presencial.
Um grande abraço a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Martina.
Passo a palavra à Sra. Kátia Santos Bogéa.
A SRA. KÁTIA SANTOS BOGÉA - Bom dia a todos.
Agradeço o convite, na pessoa da Deputada Denise, e cumprimento o Presidente da Comissão, o Marcelo Queiroz, e o Presidente do IPHAN, por quem eu torço para que tenha uma gestão de muito sucesso, mas para isso ele vai precisar da ajuda de todos nós.
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Muito se falou aqui. Eu trabalhei no IPHAN por 42 anos, fui superintendente, fui técnica, Presidente. Ouvi tudo o que se disse aqui e acho que poderia resumir em quatro pontos fundamentais nessa reconstrução da política de patrimônio cultural no nosso País.
O primeiro ponto é começarmos pelo sistema brasileiro de patrimônio. Nós não conseguimos organizar esse sistema, mas nos anos 70 houve uma grande tentativa que resultou num avanço muito grande com o Jarbas Passarinho e, na época, o então Governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães. Eles fizeram a primeira reunião aqui em Brasília, depois houve a reunião de todos os Governadores na Bahia. Aí se fez esse pacto federativo. Não é possível um País com dimensões continentais, com um patrimônio absolutamente diverso de identidade de diversos povos, que forma o que chamamos de patrimônio cultural desse País, que isso seja feito sem esse pacto federativo.
Eu hoje estou falando como Presidente de uma fundação municipal, que eu acho que é uma das poucas no Brasil, uma fundação municipal de um patrimônio histórico, que é a cidade de São Luís, que tem um centro histórico que foi declarado há 25 anos pela UNESCO patrimônio mundial e que tem uma diversidade cultural incrível. Eu estou falando do ponto mais frágil desse pacto federativo. Então o sistema brasileiro de patrimônio é para ontem. E o nosso Presidente, Leandro, vai precisar realmente da ajuda fundamental do Congresso brasileiro para que consigamos avançar nesse pacto.
O segundo ponto é a questão da educação patrimonial. Nós falamos muito aqui em legislação. Temos uma Constituição que dedica um capítulo inteiro ao patrimônio cultural, é uma das mais avançadas do mundo. Eu acho que há um ponto ali e outro aqui que tem que ser ajustado, mas temos um escopo jurídico de proteção a esse patrimônio que não protege. E por que não protege? O dia 8 mostrou isso. As pessoas não têm essa noção de pertencimento, de valor do que seja a sua memória, a sua história, os seus antepassados, o que carrega em si. Então nós falhamos com relação ao nosso sistema educacional.
Órgãos de patrimônio nas três instâncias! É para ontem essa discussão junto ao Ministério da Educação de como nós poderemos fazer um trabalho, não um trabalho de educação patrimonial pontual, mas um trabalho de escala num País continental. É desafiador? Sim, é. Mas nós temos condições de fazer um trabalho dessa magnitude, porque é o que vai resolver. As leis podem ser brilhantemente aprimoradas, mas, se não houver o entendimento da população do valor do seu patrimônio, nós não vamos conseguir avançar.
Outro gargalo muito grande é a questão da habitação em áreas históricas nesse País. Nós temos monumentos isolados como palácios, igrejas, mas a maior parte desse patrimônio tombado, o patrimônio material, diz respeito a edificações em centros históricos e cidades históricas. E temos programas de habitação, como o Minha Casa, Minha Vida e vários outros, que não perceberam a importância de um estoque imobiliário com toda a infraestrutura já feita. E por que não conseguimos isso? É mais caro? É mais caro, mas nesse caso estamos falando de um valor muito maior do que um simples valor financeiro. São imóveis tombados, que são a história do nosso País, e estão caindo a cada chuva. Agora mesmo, em São Luís, nós perdemos dois. E são vários abandonados. Como é que esse grande estoque imobiliário continua abandonado dessa forma e, na criação, lá atrás, do Ministério das Cidades, nós conseguimos avançar com uma política para essas áreas centrais? Nós estamos falando de Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, São Luís, Salvador, Belém, ou seja, são várias capitais com estoque imobiliário histórico importantíssimo que está abandonado e precisa ser incorporado à dinâmica econômica com um olhar diferenciado. Nós tivemos vários problemas de habitação, várias tentativas de habitação em centros históricos que sempre foram mal sucedidas. Além disso, nós temos um projeto que tramita nesta Casa há muito tempo, para o qual venho encarecidamente solicitar a vocês, Srs. Deputados, uma visão muito especial. O patrimônio trabalha com a dimensão imaterial, as pessoas. Os mestres precisam ser protegidos. Quando se protege um imóvel, tem que se proteger aquela pessoa que tem aquele saber. Nós vemos os nossos mestres morrendo, sem ter, às vezes, nem como chegar ao hospital ou o que comer. São pessoas que têm um saber inestimável! Mas só olham para eles quando a exploração é turística. É aquele mestre do Bumba meu Boi, é aquele mestre do Maracatu, é aquela pessoa que conhece, como ninguém, o saber fazer determinada coisa, determinado plantio, com um conhecimento ancestral, que não tem uma proteção. E esse projeto dos mestres de saberes rola aqui nesta Casa há anos e nunca se consegue concluí-los! Alguns Estados fizeram algo diferenciado, como Pernambuco, que foi copiado depois por Alagoas e Ceará. Mas para por aí. E nós vemos a desproteção total dessas pessoas.
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Por último, só para fechar, é preciso que o IPHAN, como o órgão federal que vai pautar os estaduais e municipais e fortalecer essa rede de patrimônio, seja urgentemente fortalecido. Metade dos admitidos no concurso que conseguimos dentro desta Casa a duras penas já se foi. Então, isso é urgente, Presidente, porque pode até ter recurso, mas, se não tiver gente para executá-lo, nós vamos ter que devolvê-lo. Por isso, é para ontem.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada, Kátia.
Agora passo a palavra ao nosso Presidente do IPHAN, o Leandro Grass.
O SR. LEANDRO ANTÔNIO GRASS PEIXOTO - Muito bom dia.
Saúdo esta Casa e o Parlamento brasileiro, em nome da Deputada Denise Pessôa, a quem parabenizo pela oportunidade que nos proporciona hoje, bem como o Deputado Marcelo Queiroz, Presidente desta Comissão, ambos já parceiros.
Parabenizo também o Deputado Tarcísio Motta e a Deputada Erika Kokay, que estava aqui, mas já deve estar retornando.
Nós temos encontrado aqui, Presidente, muito acolhimento nesta Comissão desde o início da legislatura. Já tivemos a oportunidade de, junto com a Ministra Margareth, explicitar a retomada do Ministério da Cultura, bem como do próprio IPHAN e das autarquias vinculadas.
Eu sempre digo que reconstruir dá muito mais trabalho do que destruir. E é o que estamos fazendo neste momento. Estamos trabalhando bastante, interagindo, dialogando ao extremo possível, para que tenhamos já ensaios daquilo que desejamos, como por exemplo, o próprio Sistema Nacional do Patrimônio Cultural. Temos recebido Prefeitos, Governadores, Secretários, diretores e presidentes de fundações que muito nos alegram com a disposição de construirmos juntos.
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Eu gostaria de também agradecer aos colegas da Mesa. Saúdo a Martina, o Carlos, o Marcelo, a Marta, a Cecilia, o Marcos, a Kátia, o Danilo, que também está na tela conosco representando os detentores de patrimônio imaterial. Todos são pessoas muito queridas, com as quais também temos mantido um diálogo.
De forma especial, eu não poderia deixar de citar a importância do trabalho que o fórum realizou ao longo desses últimos anos, Deputada, no sentido de preservar, no sentido de garantir o mínimo da institucionalidade em uma luta social, em uma interlocução com a sociedade civil muito grande.
Então, nada mais queremos daqui para a frente sem essa interação, sem a relação direta com a sociedade.
Foram colocados diversos aspectos estratégicos, fundamentais. Eu gostaria muito de poder abordá-los também, mas deixo para uma próxima oportunidade. Vou falar hoje da estrutura do IPHAN — a querida Kátia colocou muito bem —, uma estrutura que hoje abarca e abraça muitas responsabilidades, não só as diretamente ligadas ao patrimônio, mas também as indiretamente vinculadas a outras pautas de educação e sustentabilidade ambiental, pautas relativas a infraestrutura urbana, política urbana, gestão urbana.
O IPHAN hoje faz intersetorialidade com um leque gigantesco de responsabilidades do Estado, digamos assim. E isso tem se tornado um desafio cada vez maior, na medida em que o fortalecimento institucional não acompanha essas demandas.
Eu preciso reconhecer a energia, o esforço e a resiliência dos servidores do IPHAN não só nesses últimos 4 anos, mas ainda hoje. Nossa agenda vem se amplificando, mas o fortalecimento institucional ainda continua esbarrando em várias limitações. E aí eu quero fazer um apelo a esta Casa para que seja nossa parceira na defesa da convocação do cadastro de reserva de um concurso temporário, os 25% que ainda pretendemos convocar até setembro, até que saia um novo concurso definitivo para recompor nossos quadros. Mas isso também vai ser enxugar gelo, se não tivermos um plano de carreira.
É inviável o IPHAN se sustentar hoje, enquanto instituição de Estado, sem um plano de carreira de seus servidores. E isso já foi sinalizado por mim e por toda a diretoria colegiada ao Ministério da Gestão, ao próprio Ministério da Cultura e também a algumas representações deste Parlamento. Se isso não for resolvido, nós não vamos conseguir avançar na implementação das leis, na execução orçamentária e na própria construção do Sistema Nacional do Patrimônio. Isso é um pressuposto. E aqui não quero trazer uma visão corporativista. Muito pelo contrário, o IPHAN é da sociedade brasileira. Ele não é dos servidores. Se não tivermos isso em curso, vai ser muito difícil mesmo.
Eu estava contando para a Deputada Denise, por exemplo, sobre o desafio do licenciamento ambiental, que inclusive está na Carta de Ouro Preto. Hoje o licenciamento ambiental brasileiro tem a participação do IPHAN nos três níveis — municipal, estadual e federal.
O IPHAN participa de todas as ações que demandam licenciamento dando seu parecer, dando sua análise sobre o impacto arqueológico, dando também sua análise sobre o impacto aos bens tombados. E agora estamos em revisão da instrução normativa, para darmos uma integralidade melhor a esse instrumento do licenciamento, contemplando também o imaterial, contemplando outras dimensões e qualificando a participação da sociedade civil.
Então, eu queria dizer isto: há milhares, milhares de licenciamento ambientais dos quais o IPHAN tem que participar e dar seu parecer. Isso inclusive nos gera ganhos do ponto de vista cultural, e eu não posso citar outro exemplo melhor do que o Cais do Valongo, no Rio de Janeiro, que se tornou patrimônio mundial graças a essa presença do IPHAN no processo de licenciamento ambiental, que se desdobra em um processo arqueológico e em um processo de acautelamento.
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Então, esse é um primeiro ponto. É só para chamar atenção para um detalhe que às vezes ninguém sabe sobre a participação do IPHAN em outras políticas públicas.
Em relação à educação patrimonial, essa é uma das áreas que estava mofando dentro do IPHAN, completamente isolada, esquecida na última gestão. Nós estamos retomando isso. Está aqui a Desirée Tozi, Diretora do Departamento de Cooperação e Fomento, que está reestruturando a área, com vista a ter uma coordenação específica para essa finalidade. E como a Kátia muito bem colocou, é um processo não só escolarizante. É claro que é importante a educação patrimonial estar dentro das escolas, mas precisamos de um pacto com os meios de comunicação, com todas as instituições públicas e privadas da sociedade civil organizada, no sentido de promover a educação patrimonial numa proposta de corresponsabilização entre sociedade e Estado, numa proposta de compreensão do valor de identidade, do valor cultural dos bens, numa perspectiva que possa produzir afeto em relação ao patrimônio, para que as pessoas não olhem as edificações e os bens culturais apenas com um olhar de contemplação, mas também de conexão. Isso é fundamental.
Então, nós estamos, sim, desenhando um programa nacional de educação patrimonial. Estamos em diálogo com o Ministério da Educação e também com vários entes federativos, que já têm inclusive experiências muito bem-sucedidas, para que possamos desenhar isso, inclusive vinculado ao Sistema Nacional de Patrimônio, sobre o qual eu gostaria de tecer alguns comentários mais objetivos e poder encerrar minha fala dentro do tempo.
Nós temos um projeto de lei tramitando aqui nesta Casa, na Comissão de Cultura, sob responsabilidade da relatoria do Deputado Marcelo. Refiro-me ao Projeto de Lei nº 1.868, de 2021, que já teve um primeiro substitutivo, que será aperfeiçoado ainda mais agora. E agradeço também à Deputada Jandira, que fez esse esforço nos últimos 4 anos. Mas esse projeto de lei é a nossa oportunidade legislativa para sistematizar, minimamente, essa ação. Não que vai acabar ali, mas vai ser um primeiro instrumento que nos orientará nesse pacto federativo em torno do patrimônio. E, a partir desse projeto, vai ser criado o Fundo Nacional do Patrimônio Cultural, que pode ser uma grande coisa para apoiar Estados e Municípios, já que hoje o IPHAN, do ponto de vista de investimento, de ação orçamentária, não consegue avançar para além dos bens tombados e registrados, em âmbito nacional, e que possamos fazer parcerias com Estados e Municípios também na disponibilização de recursos através desse fundo, que pode receber, a partir de fontes diversas, um aporte que represente a importância do patrimônio.
Apesar de conseguir recompor o IPHAN nessa questão — e agradeço muito aqui pela transição de governo —, nós tínhamos previsto para 2023, por parte do Governo anterior, algo em torno de 25 milhões das ações discricionárias do IPHAN. Com a transição e a PEC — e agradeço aos Parlamentares que já estavam aqui —, chegamos a 101 milhões de ação discricionária — estou falando de investimento direto —, além dos 34 milhões que ainda constam na rubrica do PAC Cidades Históricas. E, Presidente Kátia, foi muito importante aquele momento também para sistematização dessa ação. Então, foram mais 34 milhões. Portanto, o IPHAN disporá de 135 milhões para investir em 2023. Só de planos de ação encaminhados pelas superintendências, nós temos uma demanda de cerca de 350 milhões, envolvendo planos de salvaguarda, inventários, registros, processos de acautelamento como um todo, obras, programas, ações de educação patrimonial.
Então, hoje, o nosso orçamento, apesar de ter melhorado muito — e quero frisar mais uma vez a importância da transição e da PEC —, ainda não é suficiente. Então, o fundo viria como uma ferramenta fundamental. É claro que temos o PRONAC, a Lei Rouanet, as emendas Parlamentares, que são muito bem-vindas, Deputados e Deputadas. Depois, nós vamos aqui apresentar os projetos. Estamos finalizando essa tarefa. Mas é claro que elas são muito bem-vindas, mas, mesmo assim, ainda não vamos conseguir superar o que é necessário.
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Outra questão, e creio que é bastante importante, é que esse sistema, como foi já dito, ultrapassando a própria lei — e quero dizer da operacionalização, da implementação —, faz uma correlação muito forte com o Sistema Nacional de Cultura, guardadas suas particularidades, e depende, principalmente, de pactuações políticas e normativas. E nós vamos ter muita oportunidade de dialogar aqui com os especialistas, juristas, Ministério Público, Faculdades de Direito e os Institutos de Direito no Brasil inteiro. Essa experiência de Ouro Preto foi muito rica nesse sentido, porque conseguimos, com as procuradorias, avançar bastante nas prerrogativas, nas premissas, nos elementos jurídicos que vão nos ajudar também agora, na prática, a organizar o sistema.
Outro aspecto sobre o sistema, que está também na Carta de Ouro Preto, na Diretriz 6, é o processo de participação social, que foi muito prejudicado ao longo dos últimos anos, mas que, agora, nós também o retomamos não só no novo formato do Conselho Consultivo do IPHAN. Esperamos que o decreto seja publicado em breve — já está lá no Ministério da Cultura e vai ser encaminhado para a Casa Civil —, nesta semana ainda.
Nós fizemos uma proposta de reformulação do Conselho Consultivo. Ainda não é a situação ideal, mas já é um passo para frente, no sentido de ampliar de 13 para 15 as cadeiras de participação da sociedade civil com notório saber. E, nesse aumento, também podermos incluir detentores e mestres no Conselho Consultivo e, além disso, também haver uma maior representação das entidades. Então, saltamos de quatro para cinco. A nossa proposta, nesse primeiro momento, foi incluir a ANPUH, além das quatro que já existiam, e modificar a participação ministerial no Conselho Consultivo, ingressando agora o Ministério dos Povos Indígenas e o Ministério da Igualdade Racial.
Nós esperamos, nesse primeiro momento, nessa reestruturação, avançar nessa representatividade para, posteriormente, fazer uma nova reestruturação ampliada e mais profunda. Além, claro, a formação de novos comitês e conselhos de participação que estamos desenhando nos departamentos, nas áreas finalísticas. Estamos retomando o nosso Comité Gestor interno, inclusive com a participação dos superintendentes. E a orientação máxima a todas e todos superintendentes do IPHAN, nos 26 Estados e no Distrito Federal, é: abertura à sociedade e diálogo com todas as instâncias de poder e da sociedade. Esse é o mandamento dessa nova gestão aos superintendentes.
Então, eu quero dizer aqui às representações estaduais e municipais que vocês vão encontrar amparo, vão encontrar acolhida em todas as unidades do IPHAN. Isso é um pressuposto do nosso Governo e, por consequência, do nosso órgão.
Eu encerro, Deputado, agradecendo a oportunidade.
Em relação ao PL 1.868, queria aqui deixar o IPHAN à disposição para realizarmos novas audiências. E também quero dizer que estou à disposição para, em outro momento, Deputado Marcelo, fazer uma apresentação da estrutura do IPHAN, mostrar os nossos fluxos, mostrar as nossas áreas finalísticas e o que já foi feito nesse primeiro quadrimestre, do ponto de vista de retomada, para que possamos acolher, por parte de V.Exas., todas as contribuições possíveis.
Agradeço muito a oportunidade deste encontro.
Bom dia a todos e todas. (Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada.
No início, nós já havíamos combinado que seria aberta a palavra também para o pessoal que está presente. É só levantar a mão.
Mas, primeiro, vou passar a palavra para os Deputados.
Com a palavra o Deputado Tarcísio Motta.
O SR. TARCÍSIO MOTTA (Bloco/PSOL - RJ) - Muito obrigado, Deputada Denise, pela palavra.
Bom dia ao Deputado Marcelo Queiroz, Presidente.
Obrigado a todos aqui que estão presentes nesta audiência pública.
Leandro, é sempre um prazer ouvi-lo.
Cumprimento todos os presentes, a Cecilia, o Marcos, a Profa. Kátia Bogéa e todos que estão on-line.
Patrimônio como direito, é disso que nós estamos tratando aqui. A ideia de patrimônio como direito: direito à memória, direito à identidade, direito ao conhecimento. Portanto, um direito que deve ser garantido a todo cidadão brasileiro. E, por conta dele, nós estamos aqui, inclusive, pensando como nós potencializamos isso.
Sabemos que as leis não criam a realidade. Elas não têm o poder mágico de criar o direito, mas as leis, como regras claras, como regras que estão definidas para todos os entes da Federação, podem até mesmo ser reivindicadas pela sociedade, especialmente em tempos de ataque. E é difícil não encontrar um tempo em que de fato o patrimônio brasileiro não esteve em algum lugar, em algum território, de alguma forma sob ataque. Ataque da especulação imobiliária, que sempre quer colocar essa lógica da especulação à frente do direito à memória e à identidade. Ataques por aqueles que querem apagar parte da história e impedir que a memória seja preservada e divulgada como forma de lembrar que a história é conflito, que não há exatamente apenas aquela história dos palácios e a história oficial, embora os palácios também sejam necessários de ser preservados, divulgados e conhecidos. E ataques por parte de governos que reduzem a questão do patrimônio e da memória a coisas menores, que estarão sempre bradando que estamos no meio de uma crise econômica. E, portanto, você quer destinar dinheiro para preservação de prédio velho. Ou pior: vão atacar a ideia e desmontar os órgãos de tutela, da forma como nós vimos nos últimos 4 anos. Ou governos que pensam numa lógica de desenvolvimento, que têm um dos seus pilares a destruição do patrimônio, embora esse pilar esteja sempre escondido muitas vezes.
E nós, Deputado Marcelo, Deputada Denise, estamos diante, nesta Comissão de Cultura, de uma oportunidade. Temos o desejo de atualização da legislação por parte da sociedade civil, por parte do Governo. Nós temos uma legislação que, sim, está desatualizada, mas que nós tínhamos medo de mexer nela, porque ela poderia inclusive ser a perda de direitos e conquistas. Mas nós temos, neste momento, um Governo que está comprometido com a perspectiva de que essas conquistas devem ser preservadas, mantidas e consolidadas, especialmente na questão da legislação infraconstitucional. E nós precisamos contribuir para essa oportunidade. Precisamos garantir as conquistas, os acúmulos, definir e ampliar a estrutura e o financiamento.
Nesse caso, eu queria inclusive jogar aqui uma ideia para V.Exa., Deputada Denise, e o Deputado Marcelo. Talvez seja, inclusive, o momento de pensarmos, na Comissão de Cultura, até mesmo na criação de uma subcomissão que trate especialmente dessa questão. Já existem legislações, em vias de relatoria, para que possamos avançar. Portanto, a subcomissão não é para atrasar, mas para conseguir acelerar e ter um espaço próprio da Comissão de Cultura que possa dar conta da quantidade de tarefas que todos aqui colocaram.
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Por fim, eu não posso deixar de dizer que concordo, Leandro, que precisamos pensar num plano de carreira, precisamos pensar na questão do concurso público, precisamos pensar na questão do fundo, precisamos pensar na questão do financiamento. Mas vamos votar o arcabouço fiscal nesta semana. Vamos votar, nesta semana, um arcabouço fiscal que vai exatamente impedir que elementos como esses da PEC da Transição sejam viáveis nos próximos anos.
Não podemos desconectar as questões. Não podemos desconectar do pensamento de que, a esta altura do campeonato, por exemplo, a manutenção desse arcabouço fiscal que está para ser votado hoje e os mínimos constitucionais de saúde e educação vão retirar dinheiro do patrimônio histórico e vão retirar dinheiro também dos sistemas como um todo, fora da educação e da saúde, porque os mínimos constitucionais continuam existindo, e nós devemos mantê-los, porque retirá-los é também atacar outros direitos da população.
Nós viveremos anos de disputa por recursos, no momento em que deveríamos fazer com que a prioridade dos investimentos públicos pudesse ser discutida pela sociedade. Mas, infelizmente, a quadra que se avizinha não é uma quadra positiva. Tomara que eu esteja errado e esta fala possa ser usada assim: "Está vendo como eles eram alarmistas do caos!" Mas, ultimamente, não foi isso que aconteceu.
Espero que também tenhamos a consciência de que as decisões que tomamos, essa mão fiscal do Estado constantemente a segurar a mão social do Estado e a impedir os investimentos e o fortalecimento institucional necessário, que, no caso que estamos discutindo aqui, é o elemento central, isso muitas vezes é cruel com aquilo que temos.
Que possamos avançar na legislação e avançar no fortalecimento institucional. Existem aqui na nossa Comissão aliados para que avancemos nisso.
Viva o patrimônio, a memória e a identidade do povo brasileiro!
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Deputado.
Tem a palavra o Presidente Marcelo Queiroz.
O SR. MARCELO QUEIROZ (Bloco/PP - RJ) - Deputada Denise, é um desafio gigante falar depois do Deputado Tarcísio. Primeiro, agradeço, em seu nome, a todos os presentes. Parabéns pelo requerimento! Parabéns pela discussão! V.Exa. tem sempre se destacado.
Agradeço também ao Deputado Tarcísio e a todos os Deputados que estiveram aqui presentes.
Parabenizo o nosso Presidente do IPHAN, o Leandro, e, em nome dele, parabenizo todos os membros do Ministério, que, sempre que foram convidados, estiveram presentes. Temos zero dificuldade em debater com o atual Ministério. Então, agradeço muito o apoio de vocês a esta Comissão.
Agradeço também a todos os especialistas. Preciso ainda de algumas dicas. Por isso, vou deixar meu telefone.
Como Presidente da Comissão, acho que a minha função é exatamente dar celeridade ao processo. Eu fico um pouco agoniado. Eu vim do Executivo. Obviamente, as discussões têm que ser aprofundadas, e nós não podemos avançar tanto. Mas uma das políticas que temos aqui na Comissão é a distribuição de relatoria. Então, hoje, todos os projetos da Comissão estão distribuídos. Isso significa que as pautas estão cada vez mais cheias. Na da semana passada, havia 24 projetos. Na desta semana, 24 projetos.
Então, peço muito a ajuda de vocês para acompanhar isso, porque, quando há muitos projetos, necessariamente são feitas muitas discussões, e, às vezes, se damos uma bobeada, passa alguma coisa que não tinha que passar.
Segundo, acho que precisamos avançar na alta produtividade e, por fim, acho que precisamos mapear projetos especiais para a cultura que já saíram daqui, como é o caso do Projeto de Lei nº 1.176, de 2011, o dos mestres, que está lá na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania — CCJC. Precisamos mapear esses projetos. E eu posso ir ao Presidente da CCJ para tentar empurrar a matéria, ou podemos fazer um requerimento de urgência.
Eu sou um pouco da teoria de que chega o momento em que o projeto tem que ir para o voto, uma vez que já foram feitas muitas audiências públicas. Sou novo aqui na Casa, a Deputada Denise também, mas sei que em relação ao PL 1.176 já foram feitas aqui dezenas de audiências públicas. Então, chega a hora em que ele tem que ir para o voto. Não há outra solução.
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Saúdo aqui nosso Deputado Paulo, botafoguense, querido, meu irmão.
Como Deputado, acho que existe o desafio da relatoria do PL 1.868/21. Aproveito para saudar a Deputada Jandira Feghali, que teve um papel importantíssimo nesse projeto de lei.
E existe um projeto meu específico, mas que eu acho que tem muito a ver com o patrimônio histórico, que é para facilitar as regras de arrecadação do Imposto de Renda da Pessoa Física para a Lei Rouanet. Eu acho que é uma das formas mais democráticas de ajuda. A Lei Rouanet é talvez uma das leis mais populares, porque ela atinge geralmente a ponta. Mas eu entendo que a forma como hoje vem sendo feita a doação da pessoa física atrapalha demais. Então, acho que é preciso conectar com a declaração do Imposto de Renda, fazer o cálculo automático, e a pessoa indicar o projeto do PRONAC. Acho que isso pode ser muito útil, principalmente para o patrimônio histórico, tendo em vista o carinho que muitos dos Municípios, das sociedades têm com os patrimônios históricos. Quando se fala de igreja, de coisas dessa linha, há mobilização popular que permita arrecadação para a Lei Rouanet.
Por último, quero falar de algo que talvez não tenha tanto a ver, de forma específica, com o patrimônio histórico, mas que eu sempre ressalto. Vamos ter aqui uma audiência pública, na semana do dia 10 de junho, sobre a reforma tributária. A reforma tributária é um tema que tem sido muito debatido aqui nesta Casa, a Proposta de Emenda à Constituição nº 45, de 2019. Eu acho que ninguém é contra a reforma tributária. Todo mundo quer simplificar a vida. No entanto, existem coisas em que temos que ser protagonistas na discussão, e eu ressalto algumas.
Uma é que a PEC 45, como está escrita hoje, veta qualquer benefício fiscal. Então, se não houver nenhuma excepcionalidade para a Lei Rouanet ou para outro tipo de assunto, vamos ter um problema para discutir depois. Acho que podemos nos antecipar a essa discussão.
A segunda é a questão das unificações de tributos, do ISS e do ICMS. Eu sei que há vários Municípios e Estados que usam leis de incentivo em relação a esses dois tributos. No caso de unificação dos dois, temos que pensar alguma solução para as leis estaduais e municipais que já existem.
E a terceira, talvez a última, é a questão da alíquota. Eu acho que temos que lutar pela seletividade na questão relacionada à cultura, porque o que se vem debatendo sobre a unificação é uma alíquota de 25% a 27%, unificando-se ISS e ICMS. Eu sei que muitos dos serviços, principalmente de restauração, são ligados ao ISS. Então, imaginem o que é hoje pagar 5%, 7% ou 8% e passar a pagar 26%.
Penso que podemos abordar essa questão do patrimônio desde já. Quanto à educação, está sendo discutida a seletividade, a importância de tributar menos. Acho que o patrimônio histórico pode estar nessa cadeia. Acho importante que, nessa audiência com o Bernard Appy, que é o Secretário da Reforma Tributária, tenhamos uma proposta definida do setor do patrimônio, para conseguirmos antecipar a discussão e não termos que correr atrás do problema depois de já feito.
É basicamente isso.
Agradeço muito a V.Exa., Deputada Denise, e a todos os participantes.
Vou deixar aqui meu telefone porque vou precisar da ajuda de vocês em algumas relatorias.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Presidente.
De imediato, passo a palavra para o Deputado Prof. Paulo Fernando.
O SR. PROF. PAULO FERNANDO (Bloco/REPUBLICANOS - DF) - Sra. Presidente, caríssimos colegas, eu não faço parte da Comissão — já pedi isso ao meu partido, o Republicanos —, mas sempre estou por aqui, porque é um assunto que me interessa profundamente.
Eu sou um bibliófilo, ou seja, um colecionador de livros e documentos. Apresentei o Projeto de Lei nº 2.463, de 2023, que virá para esta Comissão. Ele dá preferência ao Estado na aquisição de acervos históricos e em leilão de peças raras.
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Por que isso? Recentemente, num desses sites famosos de leilão, havia a agenda de campanha original do Marechal Mascarenhas de Moraes na Segunda Guerra Mundial. Essa peça foi, digamos assim, adquirida por um colecionador estrangeiro. Na semana seguinte, havia uma caixinha de música com as iniciais GV, de Getúlio Vargas, onde ele colocava os seus charutos. Isso foi vendido também. Obviamente, respeitamos o direito de propriedade, a questão da herança, mas o projeto visa dar preferência ao Estado na aquisição dessas peças.
Então, peço ao Presidente que, quando o projeto chegar, analise-o com atenção e passe a relatoria para um colega que tenha esse olhar. Nós temos uma legislação muito pequena, parca em relação ao patrimônio, mas esse projeto visa alterar a Lei de Licitações, que é a Lei nº 14.133, de 2021.
Saudações alvinegras. Estamos na liderança.
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Deputado Paulo.
Alguém que esteja acompanhando a audiência gostaria de fazer uso da palavra? (Pausa.)
O Danilo Moura, que está participando pelo Zoom, gostaria de falar.
O SR. DANILO MOURA - Bom dia.
Todos me ouvem?
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Inicie falando seu nome completo e o da entidade, para que façam parte dos registros aqui. O senhor dispõe de 3 minutos.
O SR. DANILO MOURA - Obrigado.
Sou Danilo Moura, do Centro Palmares de Estudos e Assessoria por Direitos, membro da Rede Integrada dos Bens Imateriais Registados — RIBIR.
Queria cumprimentar a Deputada Denise pela iniciativa e o Deputado Marcelo Queiroz, que é o Presidente da Comissão.
Queria cumprimentar especialmente o Presidente do IPHAN, o Leandro Grass.
Queria cumprimentar também o fórum e as organizações sociais que estão aí presentes.
E, evidentemente, estendo meu cumprimento aos demais Deputados.
Nossa organização atua no campo do direito do patrimônio cultural imaterial, junto com a RIBIR, que reúne 38 dos 52 lugares, expressões, saberes e celebrações que estão reconhecidos como patrimônio imaterial brasileiro.
Queria chamar a atenção aqui para o fato de que, se existe um vazio, uma lacuna no que diz respeito ao patrimônio cultural brasileiro, essa lacuna é muito maior quando nós tratamos do patrimônio imaterial brasileiro. Questões como propriedade intelectual, como território e como hereditariedade, que para nós são centrais na concepção de patrimônio cultural de natureza imaterial, são objetos de constantes conflitos e precisam, portanto, que essa Casa se debruce em uma legislação sobre elas.
Há dois pontos que são muito importantes. Um é a lei de mestres, que já foi citada pelo Leandro, pelo Marcos, por quase todos que me antecederam, que está parada há muito tempo. Ela tem o papel fulcral de reconhecer os mestres dos saberes como agentes da política cultural brasileira. E o outro é a lei do fundo do patrimônio cultural, que, a nosso ver, precisa ser amplamente discutida porque ainda não atende ao patrimônio imaterial brasileiro. Com poucas considerações, ela é ainda muito incipiente.
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Por fim, gostaria de fazer um comentário quanto à fala do Leandro — permita-me, Leandro, este comentário — sobre a participação social. É fulcral que as organizações do Executivo, enfim, que o Executivo intensifique o processo de participação social. E, neste ponto especificamente do patrimônio cultural, sempre foi uma área muito sensível quando falamos do patrimônio imaterial. A participação social precisa ser reforçada no método e na forma.
Acho que é isso.
Um número vermelho está piscando aqui no meu rosto, deve ser o sinal de que o tempo está acabando.
Queria agradecer a oportunidade. Lamento que não pude estar aí, mas deixo um abraço a todos e todas aí presentes.
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada, Danilo.
O pessoal está escrevendo no chat.
Mais alguém gostaria de contribuir? (Pausa.)
Alguém na Mesa gostaria de fazer mais alguma consideração em cima do que foi trazido?
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Sim, por gentileza, Leandro.
O SR. LEANDRO ANTÔNIO GRASS PEIXOTO - Deputada, gostaria de agradecer, mais uma vez, e apenas dialogar com o Deputado Tarcísio, que colocou um ponto importante, de novo, sobre o plano de carreira e a questão orçamentária.
Eu citei esse aspecto em especial não só porque é uma demanda dos servidores, mas acima de tudo porque vimos passando por um um processo de evasão. Há quase que uma exoneração por semana, e não temos conseguido fazer essas recomposições a contento. Isso tem muito a ver com a carreira, com a ausência do plano de carreira.
E mais, talvez hoje o IPHAN, salvo engano, seja a segunda instituição do Estado brasileiro — só perde para o Itamaraty — em número de mestres, doutores, pós-doutores e especialistas, dentro do seu quadro técnico. Então, estamos tratando aqui de pessoas muito qualificadas e vocacionadas. O concurso é bem atípico, tem uma particularidade. Se alguém o faz, se alguém quer entrar é porque tem muito amor pelo patrimônio.
Queria só fazer esse registro, então, e agradecer mais uma vez a oportunidade.
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada.
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Sim.
O SR. MARCOS OLENDER - Eu só queria dizer a esta Comissão, particularmente à Deputada Denise Pessôa e ao Deputado Marcelo Queiroz, que agora é que fomos informados de que o projeto do fundo vai cumprir uma nova etapa junto com o projeto mais amplo do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural. Queríamos colocar o fórum à disposição, porque ele participou ativamente desse processo todo, inclusive da redação desse projeto. Continuamos à disposição desta Comissão e gostaríamos muito de participar dessa discussão e dessa continuidade.
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A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Obrigada, Marcos.
Também tem a palavra, Cecilia, por gentileza.
A SRA. CECILIA RABÊLO - Como o Marcos falou, temos aqui o projeto do Sistema Nacional do Patrimônio Cultural, e também temos nesta Casa o projeto de lei sobre o Sistema Nacional de Cultura e o marco regulatório do fomento. No âmbito da Constituição Federal, existe o Sistema Nacional de Cultura, e o Sistema do Patrimônio está dentro dele. Então, acho que não há como discutir o Sistema Nacional do Patrimônio Cultural sem discutir o Sistema Nacional de Cultura. Penso, então, que os projetos de lei se comunicam — não é, Marcos? Inclusive essa é uma oportunidade para fazer essa análise conjunta, para não termos legislações esparsas, e sim, pelo contrário, legislações que se fortaleçam. Então, acho que o projeto de lei do Sistema Nacional de Cultura e o do Sistema Nacional do Patrimônio podem conversar entre si. Isso seria de grande valia.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Obrigada.
Acho que conseguimos aqui, neste momento, nesta manhã, nestas poucas horas, pelo menos dar um panorama geral sobre as demandas e os desafios na área da preservação do patrimônio cultural do Brasil, que são grandes. Como eu falava antes com o Leandro, se a Constituição de 1988 parecia avançar tanto, parece-me também que paramos lá, não é, ou em alguns momentos até retrocedemos, porque, se chegamos ao cúmulo de destruição do patrimônio, como vimos, é porque retrocedemos, e muito, em vários aspectos, seja na questão da educação, seja na questão do amor ao patrimônio, de reconhecer a história. É que vivemos o momento das fake news. Então, a verdade não aparece, é questionada, e o patrimônio, o seu valor, o seu significado, também. É reflexo da realidade, inclusive, que estamos vivendo.
Mas deixamos aqui o nosso compromisso, não é, meu Presidente, o da Comissão de Cultura. Acho que um caminho, talvez, como o Deputado Tarcísio também recomendou, é a criação de uma subcomissão. Talvez isso seja apropriado para que consigamos dar uma resposta mais imediata e aprofundar esse tema. É claro que precisamos de velocidade, mas precisamos de aprofundamento. A questão não é fazer as coisas por fazer, precisamos de aprofundamento. Que bom que temos aqui pessoas com bastante contribuição a dar!
Queríamos agradecer muito às senhoras e aos senhores, que puderam dar contribuição valiosa para o debate.
Saúdo também a nossa querida Deputada Erika.
Eu já estava indo para o encerramento, mas se quiseres fazer uso da palavra, Deputada...
A SRA. ERIKA KOKAY (Bloco/PT - DF) - Saúdo a discussão.
Eu penso que, quando você fala em patrimônio, você fala em construção e em signos que nos reafirmam enquanto civilização, a nossa civilidade. Quando nós falamos em patrimônio, no reconhecimento do patrimônio, nós estamos falando também de ancestralidade, nós estamos falando de história, nós estamos falando de memória. Portanto, o patrimônio não é algo estático e apartado. Ele representa parte da nossa história e representa essa condição de nos considerarmos seres históricos, porque assim reconhecemos a nossa própria humanidade, ou seja, nós somos a nossa ancestralidade. Mas somos também quem ainda vai chegar. Então, é preciso haver uma política de educação patrimonial, do ponto de vista tanto do patrimônio material quanto do patrimônio imaterial, também, com as nossas diversas expressões. Assim se faz um povo, assim se constrói um sentimento de nação. Eu fico pensando em quanto sofrimento tivemos no Brasil de se tentar arrancar de nós mesmos as nossas próprias histórias e as nossas próprias construções humanas, em que se expressam todas as linguagens artísticas e também a cultura, que é o que nos faz gente.
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Portanto, quando você fala em educação patrimonial, em resgate e valorização patrimonial, está falando da construção de sentimento de nação e ao mesmo tempo de sentimento de humanidade. Eu sempre gosto de falar de uma mãe de santo, do que ela dizia: "Olha a árvore, o baobá, tem uma raiz" — são os nossos ancestrais, tem um caule, que é cada uma e cada um de nós, e tem uma copa, que é quem ainda vai chegar. Então, essa lógica do baobá traz essa ancestralidade, e também, ao mesmo tempo, a sua ludicidade, a sua própria beleza, porque a copa dá flor, dá fruto. A copa também dá sombra, não é?
Essa discussão, então, nós temos que cada vez mais aprofundar na sociedade, para que consigamos entender o patrimônio como signos e como parte da nossa própria história, nas suas diversas expressões, e como parte de uma construção da nossa condição de gente e da nossa própria condição de Nação.
Saúdo o meu queridíssimo Leandro Grass, que é daqui da nossa cidade de Brasília e tem feito uma trajetória muito intensa de defesa de todos os patrimônios e da condição de povo — o qual também reconhecemos no próprio patrimônio, quando reconhecemos este como algo que anda também, e ao mesmo tempo reafirma essa condição histórica, cultural, que é fundamental ser reconhecida para que nós possamos, enfim, bater no peito e dizer: "Somos gente". Eu penso assim, somos gente, o que é tão óbvio, não é, mas também tão negado — somos gente! somos gente! —, porque perpassa a história deste País um processo intenso e cruel de desumanização, que ainda está aos pedaços na nossa contemporaneidade.
É uma alegria vê-lo, Leandro Grass, e todas e todos.
Eu a parabenizo, Presidente, pela realização da audiência. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Denise Pessôa. Bloco/PT - RS) - Muito obrigada, Deputada Erika.
Com essa fala da nossa querida Deputada, agradeço a presença dos colegas Parlamentares, de todos os que puderam passar por aqui.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a presente reunião, antes convocando os senhores membros para a reunião deliberativa que acontecerá amanhã, dia 24, às 13h30min, neste Plenário. Foi convocada pelo nosso Presidente, o Deputado Marcelo Queiroz.
Muito obrigada.
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