1ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 57 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Ordinária (semipresencial))
Em 29 de Março de 2023 (Quarta-Feira)
às 16 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. Bloco/PT - CE) - Boa tarde a todas. Boa tarde a todos.
É um prazer estar aqui nesta audiência pública, num momento importante da vida política brasileira, na luta contra a violação dos direitos humanos. Estamos aqui atendendo um requerimento de autoria do Deputado Federal Padre João, de Minas Gerais.
Declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial, destinada a receber o Procurador-Geral do Trabalho, o Sr. José de Lima Ramos Pereira, para prestar esclarecimentos sobre o caso dos trabalhadores encontrados em situações análogas à escravidão nos Estados do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais.
Esta audiência é consequência da aprovação do Requerimento nº 1, de 2023, de autoria do Deputado Padre João, subscrito pelas Deputadas Benedita da Silva, Daiana Santos, Jack Rocha, Reginete Bispo e Sâmia Bomfim e pelos Deputados Miguel Ângelo e Messias Donato. Esta audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm. Nesta reunião, teremos participações presenciais e por teleconferência.
O registro de presença dos Parlamentares se dará de forma presencial no posto de registro biométrico deste plenário. Os Parlamentares que fizerem uso da palavra por teleconferência terão sua presença registrada.
Esclareço que o tempo concedido ao expositor será de 15 minutos. Após a fala do expositor, abriremos a palavra aos Deputados, por ordem de inscrição, por 3 minutos.
Antes de dar início às atividades de hoje e de chamar os nossos convidados para compor a Mesa, eu acho importante mencionar que estamos assistindo a uma onda de violência. Por isso, eu queria pedir 1 minuto de silêncio em respeito à Profa. Elisabeth Tenreiro, da Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, que perdeu a vida em uma situação que nos leva a uma reflexão. Essa senhora de 71 anos estava trabalhando em sala de aula, foi golpeada e morreu. Há muitas coisas para pensarmos e muitos desafios para enfrentarmos. Jovens estão sendo submetidos, de forma muito sistemática, a muitos discursos de ódio, o que os deixa mais vulneráveis ainda, uma vez que eles já têm um grau de vulnerabilidade pela própria idade.
Deputado Padre João, eu vou chamá-lo para compor a Mesa. Antes de passar a Presidência para V.Exa., eu queria mostrar um dado importantíssimo, para a nossa reflexão.
Segundo relatório do Observatório Parlamentar da Revisão Periódica Universal de Direitos Humanos — RPU que esta Comissão ajudou a produzir, em 2017, em 249 estabelecimentos fiscalizados, foram detectados 648 trabalhadores em condições análogas às de escravo. Esse número variou de 2017 para cá. Eu tenho os dados de todos os anos. Depois eu posso passar para V.Exas. essa informação, que é muito importante. Em 2022, em 257 estabelecimentos fiscalizados, foram detectados 2.575 trabalhadores em condições análogas às de escravo. É extremamente grave a curva ascendente do número de trabalhadores em situação análoga à escravidão constatada nos últimos anos.
16:25
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Eu peço 1 minuto de silêncio a todos e a todas que fazem parte desta Comissão, em solidariedade aos parentes das pessoas que foram vítimas dessa tragédia, em especial a Profa. Elisabeth.
(O Plenário presta a homenagem solicitada.)
A SRA. PRESIDENTE (Luizianne Lins. Bloco/PT - CE) - Agradeço a todos e a todas.
Eu gostaria de passar a palavra ao autor do requerimento, o Deputado Federal Padre João, que vai conduzir os trabalhos da Mesa e chamar os convidados.
Obrigada a todos. Que tenhamos uma audiência produtiva e importante para o povo brasileiro, em especial para os trabalhadores vítimas dessas violações! (Pausa.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Boa tarde a todas e todos.
Esta audiência é consequência do Requerimento nº 1, de 2023, de nossa autoria, subscrito pelas Deputadas Benedita da Silva, Daiana Santos, Jack Rocha, Reginete Bispo e pelos Deputados Miguel Ângelo e Messias Donato.
A audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm. Nesta reunião, teremos participações presenciais e por teleconferência.
O registro de presença dos Parlamentares se dará de forma presencial, no posto de registro biométrico deste plenário. Os Parlamentares que fizerem uso da palavra por teleconferência terão sua presença registrada.
Esclareço que o tempo concedido ao expositor será de 15 minutos. Após a fala do expositor, abriremos a palavra aos Deputados, por ordem de inscrição, por 3 minutos.
16:29
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Dando início às atividades de hoje, convido para compor a Mesa o Sr. José de Lima Ramos Pereira, Procurador-Geral do Trabalho, a quem agradecemos pela prontidão ao acolher o convite para participar desta audiência pública.
O convidado está acompanhado do Procurador Italvar Medina, Coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo — CONAETE.
Também está presente o Sr. Carlos Fernando da Silva, representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho. Está aqui também um representante do INCRA — o tempo que lhe concederemos será menor, mas é uma maneira de participar.
Quero registrar que está presente também o Sr. Ademar Moreira, Prefeito de Guaraciaba, em Minas Gerais.
Procurador, estamos percebendo que pessoas estão sendo escravizadas na construção civil. Acho que as Prefeituras deveriam colaborar oferecendo meios para a realização de denúncias. Antes, o trabalho escravo ocorria só nas lavouras de café, na parte rural, mas hoje tem avançado nas cidades.
Registro que está presente o Deputado Luiz Couto, ex-Presidente e hoje membro titular desta Comissão. A nossa Presidenta também continua presente, assim como a Deputada Reginete Bispo, que é coautora do requerimento para a realização desta audiência.
Eu vou passar a palavra para o Procurador-Geral do Trabalho, Sr. José de Lima Ramos Pereira, a quem agradeço pela prontidão com que atendeu o convite para comparecer a esta reunião.
Eu vou abrir mão da minha fala como autor do requerimento, mas quero lamentar que tenhamos que nos reunir e fazer uma audiência pública para debater esse tema, que é um retrocesso.
Sr. José de Lima, tenha a bondade.
O SR. JOSÉ DE LIMA RAMOS PEREIRA - Boa tarde a todos e a todas.
Primeiramente, eu agradeço o convite que me foi feito.
A nossa agenda está realmente lotada. Como disse o Deputado, infelizmente as nossas pautas coincidem com a desumanidade, pois combatemos o assédio, a discriminação, o preconceito, o trabalho escravo, o trabalho infantil, enfim, muitas mazelas que hoje nem se justificam.
Eu agradeço o convite, Deputado Padre João, Presidente Deputada Luizianne Lins, Deputada Reginete Bispo, Deputado Luiz Couto.
O Ministério Público do Trabalho, todas às vezes em que for convidado a esta Comissão, Deputado, aqui estará. Eu me atrasei um pouco porque estava numa sessão do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais, em que se discutia inclusive pauta de eleição. Então, eu tive que estar presente lá, antes de vir correndo para cá.
16:33
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O que mais importa quando se trata de trabalho escravo? Muitas vezes, dizem que o trabalho escravo ocorre nos rincões das Regiões Norte e Nordeste. Isso não é verdade. O trabalho escravo contemporâneo existe em todo o território nacional. Não há exclusividade de região, de Estado, de segmento.
Houve, por muito tempo, uma ideia de que o trabalho escravo só existiria se houvesse perda da liberdade de ir e vir. Isso também é uma inverdade. O trabalho escravo ocorre quando você reduz a dignidade de um trabalhador ou de uma trabalhadora; quando você torna servil de dívidas um trabalhador ou uma trabalhadora, com jornadas exaustivas; quando há degradação do ambiente de trabalho.
Fomos surpreendidos, há pouco tempo, com denúncias relacionadas a uma atividade econômica em que, até então, ninguém falaria de trabalho análogo à escravidão, que é a produção de vinhos, as vinícolas no Rio Grande do Sul. O que chocou, neste caso, foi exatamente o local, a atividade e a forma. Segundo os depoimentos dos trabalhadores, havia choques elétricos, spray de pimenta, torturas em várias modalidades.
Eu estive com o Ministro do Trabalho recentemente. Eu já tinha ido, por duas vezes, ao Rio Grande do Sul, onde o Governador Eduardo Leite prontamente assinou conosco um acordo, que estou propondo a todos os Governadores. O acordo é para que o Estado esteja pronto, esteja presente.
Eu estou vendo que estão presentes na plateia o Presidente do SINAIT, Bob Machado, além de vários auditores e várias auditoras.
Eu estive com o Ministro do Trabalho e conversamos bastante sobre a situação, que é preocupante, sim, Deputado.
Nós fizemos reuniões em Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Porto Alegre.
Quero dizer que há uma necessidade de se repensar. Há uma necessidade, Presidenta Luizianne Lins, de retomada da discussão desse tema. Não existe trabalho escravo novo. O trabalho escravo sempre vem acompanhado da degradação do ambiente, o que não é algo atual. Isso já existia.
O que nos cabe como instituições? Primeiro, é fortalecer as instituições. O Estado tem que estar pronto e preparado para atender a essas demandas. Por isso, é necessário aumentar o número de cargos no Ministério Público do Trabalho, aumentar o número de auditores e auditoras do trabalho. Se tivermos uma fiscalização cada vez mais forte, haverá a possibilidade de, efetivamente, combatermos essa chaga.
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Mesmo com as dificuldades que nós temos, há um efetivo combate. Por isso, eu parabenizo todas as instituições que integram esses grupos de trabalho: Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal. Há muitas pessoas envolvidas de uma forma até religiosa, eu diria, não só pelo trabalho, não só pelo cargo, mas pelo que veem no dia a dia: trabalhadores dividindo espaço com animais, trabalhadores consumindo água e restos de comida com dejetos dos animais, trabalhadores sem ter sequer um local para dormir.
Eu visitei o local onde houve o resgate. É uma pousada num local onde há residências. Nessa pousada, cabem 20 pessoas, mas havia 200 pessoas.
Não há necessidade de ir para o campo, para o rural. Há trabalho escravo doméstico. Há várias denúncias.
O que está acontecendo? Qual é o motivo disso? Eu vou dizer aos senhores que há vários motivos, mas o principal, infelizmente, é o lucro pelo lucro. Muitas vezes, o empregador não olha para o empregado e diz: “Hoje eu vou prejudicar o meu empregado”. O pior é quando ele nem sequer pensa no que o empregado passa. Se o lucro está garantido, é indiferente o que o empregado passa. Essa indiferença é, sim, muito impactante.
(Segue-se exibição de imagens.)
Em 2023, até 20 de março, nós tivemos 918 resgatados. Quando prepararam o material que eu tenho aqui, o resgate mais recente era o de 35 trabalhadores resgatados em operação encerrada em Roraima. Estavam alojados em barracos de lona, sem água potável e banheiro, trabalhando no corte da madeira. Mas já houve outro caso: 19 trabalhadores estrangeiros resgatados no Rio de Janeiro, em atividade relacionada ao fumo, ao cigarro, ao contrabando.
O trabalho escravo não vem sozinho, não é só o crime previsto no art. 149 do Código Penal. Além de um crime, também é um ilícito trabalhista. Temos que separar bem isso. Esse crime faz com que outros crimes o acompanhem. O que é o aliciamento? É o tráfico de pessoas. Nesses casos, muitas vezes, há influência de outras situações, inclusive questões relacionadas a drogas, a armamento. São várias situações em que se verifica que se avizinha o trabalho escravo. Não há dúvida de que isso precisa ser combatido. Mas quem é responsável? Somos todos nós.
Foram resgatadas 2.575 pessoas. Chegamos a 60 mil pessoas resgatadas desde a criação do grupo móvel. Nós recebemos 1.973 denúncias no Ministério Público do Trabalho, 39% em relação ao ano de 2021. Em Minas Gerais, 1.070 pessoas foram resgatadas; em Goiás, 271; no Piauí, 180; no Rio Grande do Sul, 207.
Há duas preocupações: primeiro, encontrar o local onde existe isso; segundo, resgatar os trabalhadores. Mas o que fazer depois? Nós devemos ter também uma preocupação com a reinserção desses trabalhadores vitimados no mercado trabalho. Nós temos o Projeto Vida pós Resgate, na Bahia. A nossa ideia é transformá-lo em um projeto de âmbito nacional. Com a atividade do Ministério Público do Trabalho, em razão das reversões, temos condições de fornecer terrenos para serem cultivados e tratados pelos próprios trabalhadores.
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Nós também buscamos apoio nos Estados, nos Governos Estaduais. V.Exa. falou muito bem, Deputado, sobre a questão dos Prefeitos e das Prefeitas. Há a necessidade da participação de toda a sociedade organizada. É necessário que o próprio Estado faça a aquisição desses produtos cultivados. Também é necessária a reinserção de trabalhadores urbanos em outras empresas. Se nós não tivermos cuidado com os acolhimentos desses trabalhadores, eles vão voltar. Eles não vão voltar porque gostam de sofrer — não existe isso, pois ninguém gosta de sofrer! —; eles vão voltar por falta de oportunidade, porque precisam sobreviver e sustentar a família. Então, não venham me dizer que o trabalhador é escravizado porque quer. Não há isso. Há uma necessidade, sim, pela vulnerabilidade social. Cabe a nós aqui, agentes públicos, servidores públicos, Deputados, Senadores, auditores, procuradores, juízes, lidar com esse problema. Nós precisamos da Justiça envolvida nisso.
Eu quero dizer que isso ocorre em atividades variadas: cana-de-açúcar, vinhos, cigarros, café, construção civil e várias outras. Podemos relacionar todas as atividades. Inclusive, eu tenho um mapa que pedi ao nosso Coordenador Nacional da Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo. Eu tenho esse mapa. Em todo o Brasil, isso ocorre em várias atividades, sem exclusão.
Eu quero fazer um registro: nós do Ministério Público do Trabalho não temos a intenção de que as empresas fechem. Eu falo muito isso. A atividade econômica tem que prevalecer, sim, para o capital e o trabalho alimentarem um ao outro. O que nós combatemos é que isso se dê com a exploração do trabalho, fazendo com que a dignidade seja afastada. Inclusive, eu conversei isso lá no Rio Grande do Sul. Uma vinícola que não utiliza os trabalhadores dessa forma tem um gasto muito maior do que aquelas que utilizam o trabalho escravo, que, com certeza, têm um gasto menor.
Outra reflexão é sobre a terceirização. Nós devemos ter uma ideia de que isso ocorre muito em razão da falta de fiscalização. Houve um aumento da terceirização, sim, pela reforma trabalhista. Isso é uma realidade. O que nós estamos buscando agora é mostrar que, nessas situações, em mais de 90% — eu não vou dizer que são 100%, porque ainda não fiz essa conta —, são casos de terceirizadas. Então, há alguma coisa errada e há alguma coisa a ser resolvida.
Quero dizer a todos e a todas que o Ministério Público do Trabalho está sempre atento. Nós fizemos, junto com todos esses parceiros que citamos, a maior operação que já existiu, que foi a Operação Resgate II, com atividades concomitantes em todo o País.
Nós precisamos muito do Parlamento. Muitas ações precisam ser regulamentadas — algumas até já estão em tramitação —, para que seja punido quem utiliza trabalho escravo no Brasil, para que seja efetivamente reprimido quem utiliza trabalho escravo no Brasil. Precisamos fazer uma prevenção inclusive pedagógica, por meio desses acordos com os Governadores, com os Prefeitos, para que também nos ajudem, para que possamos nos livrar dessa chaga.
Eu fico à disposição dos senhores.
Os dados dos eslaides que foram mostrados são públicos e estão à disposição de todos. São dados gerais, Deputado.
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Foram encontrados 60.251 trabalhadores de 1995 a 2022 e foram resgatados 57.772 trabalhadores de 1995 a 2022. Houve, em média, 2.063 resgates por ano, de 1995 a 2022. Foram resgatados 13.384 trabalhadores no Pará; 6.139, em Mato Grosso; e 6.410, em Minas Gerais. Esse aumento é realmente muito preocupante: de 906 casos em 2015, chegamos a 2.469 resgatados em 2022. Isso demonstra que a fiscalização está ocorrendo, mas também que existe o trabalho escravo no Brasil.
Em 2023, registrou-se a maior quantidade de trabalhadores resgatados no primeiro trimestre nos últimos 15 anos. Isso também é muito preocupante. Até março, foram resgatados 918 trabalhadores, como eu falei. Goiás e Rio Grande do Sul foram os Estados com mais resgates.
Neste gráfico, por trimestre, há uma linha de crescimento entre 2019 e 2023. O maior resgate ocorreu em fazendas de cana-de-açúcar em Goiás e Minas Gerais, onde foram encontrados 212 trabalhadores em condições análogas à de escravo. O segundo maior resgate foi em Bento Gonçalves: 207 trabalhadores em atividades de colheita e transporte de uvas.
São vários dados não só do Observatório e do SmartLab, mas também do Radar SIT, do Ministério do Trabalho. Acredito que são instituições que precisam ser muito valorizadas.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Nós agradecemos ao Sr. José de Lima Ramos.
Quero registrar a presença do Deputado Pastor Henrique Vieira, do Deputado Miguel Ângelo e do Deputado Reimont.
Quero registrar que também estão presentes a Sra. Ana Cláudia Nascimento, do Ministério Público do Trabalho, a Sra. Janine Rego de Miranda, a Sra. Andressa Alves Lucena e o Sr. Ivan Sérgio Camargo.
Alguns Deputados estão inscritos, mas eu indago se podemos ouvir primeiro o representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho — SINAIT. (Pausa.)
Passo a palavra ao Sr. Carlos Fernando da Silva Filho, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho — SINAIT, por até 5 minutos.
O SR. CARLOS FERNANDO DA SILVA FILHO - Muito obrigado, Deputado Padre João.
Quero cumprimentar todos os integrantes da Mesa. Cumprimento o Procurador-Geral do Trabalho, Sr. José de Lima Ramos Pereira; o meu colega Italvar Medina, de outras frentes, de tantas lutas; os Parlamentares aqui presentes; os meus amigos auditores e as minhas amigas auditoras fiscais do trabalho; as procuradoras e os procuradores do trabalho; e todos que assistem à reunião.
Deputado, para nós, é muito cara e muito importante a discussão trazida para esta audiência pública. Vamos observar o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que já está na sua segunda versão. A primeira versão existente no Brasil é de 2003; a segunda, de 2008. Nas 75 metas do primeiro plano e nas 66 metas do segundo plano, 80% das ações executórias estão no escopo do Ministério do Trabalho e da fiscalização do trabalho.
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No âmbito do Poder Executivo Federal, nós da fiscalização do trabalho representamos os executores do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. É óbvio que a execução dessa política não se faz de maneira ilhada, de maneira isolada. Essa política se faz de forma interinstitucional, contando com todos os partícipes. Essa foi a lógica que, centralmente, deu origem ao Grupo Móvel de Fiscalização do Trabalho Escravo, nos idos da década de 1990. A partir daquele momento, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal e outros representantes do Estado brasileiro integraram os grupos móveis de fiscalização do trabalho escravo, sob a coordenação da fiscalização do trabalho.
Por que eu estou fazendo esse destaque, senhoras e senhores? Nós temos visto guarda ambiental fazendo resgate de trabalhador escravo; temos visto policial civil fazendo resgate de trabalhador escravo; temos visto uma esquizofrenia de autoridades se arvorando de responsáveis por resgatar trabalhadores escravos no Brasil. Isso causa uma grande insegurança jurídica e um desserviço à política nacional que pretende erradicar o trabalho escravo no Brasil.
Hoje, o Senado Federal debate um projeto de grande relevância para a sociedade brasileira, que trata da expropriação das terras e das propriedades em que se flagrar trabalho escravo. Imaginem se permitirmos essa confusão de muitos que, naquela carona solar de algo que traz os holofotes da imprensa, arvoram-se de auditor fiscal do trabalho e continuam a fazer o que não é sua atribuição: resgatar trabalhadores da condição análoga à de escravos. Estou me referindo à etapa administrativa, ao ato de resgate, que significa a lavratura do seguro-desemprego do trabalhador encontrado em situação análoga à de escravo. Estou me referindo à lavratura do auto de infração do auditor fiscal do trabalho, que é elemento caracterizador da configuração da situação de trabalho análogo ao de escravo. Estou me referindo ao relatório de caracterização da situação análoga à de escravo, o relatório do auditor fiscal do trabalho, que é um documento fiscal. Esses são os elementos que, na esfera administrativa, na execução da política pública brasileira de erradicação do trabalho escravo, são utilizados para, nessa esfera administrativa, caracterizar a situação de trabalho análogo ao de escravo. As autoridades executarão as persecuções penais, civis e todas as demais, no seu devido momento e espaço. O que não se pode permitir é o que estamos vendo ocorrer.
Deputado Padre João, permita-me dizer que eu senti falta da Secretaria da Inspeção do Trabalho aqui. A Secretaria de Inspeção do Trabalho, por meio da Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo — DETRAE, coordena a fiscalização do trabalho escravo no Brasil. O Ministério Público do Trabalho é um excelente, importante e relevante parceiro, mas não coordena a fiscalização do trabalho escravo no Brasil. Ao lado do MPT estão o MPF, a DPU, a AGU.
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O que nós precisamos fazer? Nós precisamos prezar pelo institucionalismo, para que o debate importantíssimo sobre a regulamentação da Emenda Constitucional nº 81 siga adiante, da maneira como precisa. Precisamos regulamentar a expropriação das terras onde estão sendo flagrados os crimes de exploração do trabalho escravo.
Os auditores fiscais do trabalho estão aqui, de forma expressiva, como os senhores estão vendo, para mostrar apoio a esse debate, mas também para mostrar indignação com o que se vive. Não é admissível vermos nosso órgão, nossas atribuições, nosso cargo serem usurpados por vários, vários e vários, e as demais autoridades não se darem conta disso. Ademais, os instrumentos de comunicação desses órgãos divulgam ações que estão fora dos seus escopos de competência. Lamento ter que fazer esse desabafo aqui.
O trabalho escravo não está somente no campo, não está somente na construção civil; está também no entretenimento. Vocês devem ter visto que, recentemente, no Lollapalooza, nós fizemos o resgate de trabalhadores escravos. Nós fizemos aqui a distribuição deste encarte, em que é possível verificar os resgates realizados recentemente: no corte de cana em Goiás, no vinho e nos arrozais do Rio Grande do Sul, e em outros tantos. Estamos cansando de mostrar e de reverberar esses casos o tempo inteiro, para que isso seja o dia a dia de todos nós dentro e fora desta Casa.
Já se tentou erradicar o trabalho escravo aqui dentro, mudando o conceito de trabalho escravo. Isso é o que nós não vamos permitir. Em outra oportunidade, já funcionou na CTASP desta Casa uma Subcomissão de combate ao trabalho escravo. Fica aqui uma sugestão, Deputado, para que funcione uma Subcomissão de trabalho escravo que monitore, da maneira que for possível, o andamento das ações, no escopo das atividades parlamentares dos senhores, no funcionamento desta Comissão.
Eu falaria mais, se houvesse mais tempo. Se houver a possibilidade...
Muitíssimo obrigado pela oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Agradecemos a participação do Carlos Fernando da Silva Filho, do SINAIT.
Tínhamos urgência para realizar esta audiência. Por isso, temos menos convidados.
O Deputado Reimont disse que a Comissão de Trabalho vai instalar uma Subcomissão.
Aproveito a presença da Presidenta da Comissão para sugerir a constituição de um observatório que faça um trabalho permanente.
Além das instituições que V.Sa. destacou, a Polícia Rodoviária Federal também é parceira. Precisamos identificar todos os parceiros nessa luta. Assim, quando formos discutir orçamento no final do ano — não existe programa nem política sem um orçamento —, já teremos algo bem trabalhado, bem elaborado.
É importante que os oradores tragam sugestões.
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A meu ver, houve precarização das estruturas de forma propositada, também para facilitar. Além da questão do conceito, houve precarização. Quando tivemos concursos públicos? E assim vai.
Antes de dar continuidade às falas, eu quero destacar isto aqui. (Exibe documento.)
O sistema do Judiciário também tem que ser mais sério — todo o sistema. É inadmissível haver uma chacina e ninguém estar preso, mesmo após a condenação em júri popular por duas vezes. O criminoso está solto, o mandante está solto.
Este livro é uma homenagem aos auditores fiscais vítimas da chacina de Unaí. (Palmas.)
Passo a palavra, por 3 minutos, ao Sr. Kássio Alexandre Borba, representante do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários. Em seguida, passarei a palavra aos Deputados.
O SR. KÁSSIO ALEXANDRE BORBA - Muito obrigado, Presidente Padre João.
Eu quero saudar os demais Deputados presentes, a Deputada Luizianne Lins, que é Presidente desta Comissão, o Deputado Luiz Couto, o Deputado Pastor Henrique Vieira, que, inclusive, está protagonizando um pedido de CPI sobre esse assunto aqui na Casa — isso é muito interessante, Deputado —, o Deputado Miguel Ângelo, o Procurador José de Lima Ramos Pereira, o Procurador Italvar Medina.
Quero saudar também os auditores fiscais do trabalho aqui presentes, que realizam um trabalho excepcional. São nossos colegas de luta em alguns fóruns. Nós compartilhamos muito respeito e admiração pelo trabalho que vêm realizando.
Nós somos do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários, que é uma carreira pública constituída por engenheiros agrônomos instalados hoje no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que são responsáveis pela fiscalização da função social da terra no aspecto produtivo, para fins de reforma agrária. Então, esse assunto muito nos interessa, porque, de fato, o resultado dessa regulamentação é também um instrumento de justiça social para se chegar, no fim, à reforma agrária.
Se os problemas agrários e os problemas trabalhistas nesse aspecto não ficaram no passado, a reforma agrária também não está. Então, ela precisa também ser um instrumento de luta para isso.
É triste constatar que, em 2023, 135 anos depois da Lei Áurea, ainda temos que conviver com esse problema social, que é um absurdo. Por outro lado, eu queria dizer que é louvável vermos que esse assunto está ganhando evidência, está ganhando uma atenção devida. É nosso trabalho também contribuir para que isso ganhe mais atenção, para que consigamos combater, trabalhar e criar ações efetivas para superar isso. Se não superarmos, que pelo menos tentemos minimizar ao máximo o que é de fato, como bem disse o Procurador, uma chaga na nossa sociedade.
Hoje de manhã, nós já tivemos uma audiência pública lá no Senado. Eu vi aqui os auditores que também estavam lá nos acompanhando. O Dr. Italvar também expôs lá essa posição. Hoje temos esta audiência. Vamos ter outras audiências no Senado. Estou vendo muitas movimentações, como a própria movimentação da CPI, por iniciativa do Deputado Pastor Henrique Vieira.
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Este assunto nos ultraja, Deputado Padre João. Então, nós criamos a campanha Trabalho análogo à escravidão: reforma agrária é a solução — #Regulamenta243já. (Exibe documento.)
Nós estamos irmanados na luta pela regulamentação do art. 243, com vistas à expropriação das propriedades onde se localizar trabalho análogo à escravidão. É um assunto que está em evidência. É o momento oportuno de fazermos isso. A Emenda Constitucional nº 81 demorou 15 anos para ser aprovada. Esperamos não ter de esperar mais 15 anos para a sua regulamentação.
É uma missão civilizatória. Estamos unidos e irmanados com os auditores e com todos os colegas, para que consigamos alcançar isso.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Nós agradecemos.
De fato, a nossa luta é pela regulamentação do art. 243, pela moradia urbana popular, com destinação pública de espaços, quando se trata de área urbana, e também pela reforma agrária.
Quero registrar a presença da Vereadora Nilma, Presidenta da Câmara Municipal de Ouro Branco.
Obrigado, Nilma. (Palmas.)
Passo a palavra para a coautora do requerimento de realização desta audiência pública, a Deputada Reginete Bispo.
A SRA. REGINETE BISPO (Bloco/PT - RS) - Boa tarde, Deputado Padre João, propositor desta audiência pública.
Ao cumprimentar a nossa Presidenta Luizianne Lins, cumprimento todos os demais Parlamentares aqui presentes.
Quero saudar o Procurador-Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, com quem tivemos a honra e a responsabilidade de visitar os estabelecimentos e de fazer um diálogo com todos os segmentos envolvidos com a escravização, com a utilização de mão de obra escravizada no Rio Grande do Sul. Quero saudar os demais trabalhadores da Justiça do Trabalho.
Basta de escravidão! É importante ver servidores dessa área muito importante se manifestando aqui, dessa forma, porque o trabalho escravo é uma realidade constante, permanente e histórica no nosso País. As bases econômicas do Brasil foram construídas a partir da utilização da mão de obra escrava, ou seja, a partir da escravização de homens, mulheres e crianças neste País. Infelizmente, essa realidade persiste.
Sr. Procurador, eu quero dizer que nós temos feito esse debate — nós Parlamentares e também a sociedade civil e o movimento social organizado, especialmente o movimento social negro, que historicamente vem denunciando a forma como persistem as bases da escravidão no nosso País.
Eu digo isso para fazer referência àquilo que nós vivemos hoje, que é muito sério. Precisamos de mais do que diálogo. Nós precisamos radicalizar na efetivação da legislação que está presente, pelo menos a que já construímos.
17:05
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Deputado, depois de um longo debate, nós protocolamos, aqui nesta Casa, o Projeto de Lei nº 1.102, de 2023, de 2023, que trata da regulamentação do art. 243 da Constituição Federal, sobre a expropriação dos bens rurais e urbanos de pessoas e empresas que se utilizam da mão de obra escravizada.
Essa não é uma matéria menor. Nós precisamos romper com esse ciclo histórico de mais de 500 anos de escravização de seres humanos e não podemos tratar isso como um problema simplesmente de regulamentação. Há uma cultura de escravização de seres humanos instalada no nosso País. Ela vem se agravando com a desregulamentação da legislação trabalhista, mas essa realidade nunca foi interrompida. E não é por acaso que a maioria absoluta dos trabalhadores resgatados é formada por pessoas negras — homens, mulheres e crianças —, haja vista que muito recentemente a imprensa começou a noticiar e a sociedade começou a denunciar a escravização de trabalhadoras e trabalhadores domésticos. Então, essa é uma realidade que está na cultura da elite brasileira.
A Presidente da Comissão não está mais presente aqui, mas quero dizer que nós protocolamos, nesta Comissão, um pedido de audiência pública para aprofundar o debate sobre a regulamentação do art. 243 da Constituição Federal. Estamos acompanhando todo o debate no Senado a respeito do projeto de lei do Senador Randolfe Rodrigues sobre a mesma pauta, mas quero dizer que aqui nós estamos colocando a regulamentação sob a responsabilidade da Justiça do Trabalho, porque nós queremos que haja celeridade nesses processos de expropriação. Se vai para o âmbito penal, fica lá a vida toda, as vítimas partem, morrem, e jamais é corrigido esse erro histórico.
Nós estamos trabalhando e vamos querer que a Justiça do Trabalho esteja junto conosco neste debate para o aprofundarmos, procurador, porque nós não queremos fechar empresas, mas também não queremos passar a mão na cabeça de empresários e de uma elite econômica que se utiliza disso. Veja bem: lá no Rio Grande do Sul, quem estava escravizando seres humanos na sua cadeia produtiva — e disso o nosso projeto de lei também trata, dizendo que deve ser penalizada e responsabilizada toda a cadeia produtiva — eram setores econômicos bastante consolidados no nosso Estado: o setor da vitivinicultura e o setor dos arrozeiros. São setores estruturados.
A utilização de trabalho escravo vem se agravando com a desregulamentação das leis trabalhistas, mas também há conivência com o setor empresarial, que não renovou a sua mentalidade, ainda preserva uma mentalidade escravocrata e acha que a mão de obra tem um valor menor do que o capital, do que a empresa. Não existe empresa sem trabalhador. Não existe capital sem trabalhador, que precisa ser valorizado e reconhecido independentemente da sua condição social, independentemente do seu gênero e, sobretudo, independentemente da sua cor. Então, regulamentar o art. 243 da Constituição Federal, fortalecer as instituições, sobretudo a Justiça do Trabalho, que faz essa fiscalização, é algo necessário e urgente para rompermos no nosso País com esse ciclo da escravização de seres humanos, historicamente associada ao tráfico de seres humanos, porque os nossos ancestrais africanos aqui escravizados foram traficados, depois de capturados no continente africano. E essa história persiste de diferentes formas.
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Deputado Padre João, parabéns por essa iniciativa! Acho que é o início do aprofundamento desse debate, nesta Comissão. Precisamos enfrentar, em profundidade, esse tema tão grave, histórico e tão perverso com a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras deste País.
Muitíssimo obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Muito obrigado, Deputada Reginete Bispo.
A SRA. REGINETE BISPO (Bloco/PT - RS) - Deputado Padre João, eu gostaria de anunciar também a presença da Sandra Soares, Vereadora lá no Estado do Rio Grande do Sul. Ela tem andado aqui pelas Comissões, denunciando a violência de gênero e de raça nos Parlamentos. Tudo isso é consequência desse perverso racismo estrutural e institucional que persiste no nosso País. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Obrigado.
Passo a palavra para o Deputado Pastor Henrique Vieira.
O SR. PASTOR HENRIQUE VIEIRA (Bloco/PSOL - RJ) - Obrigado, Deputado Padre João. Serei breve. Tenho outro compromisso, mas não poderia deixar de vir aqui, por causa do nosso compromisso com esta pauta.
Nós sabemos que a permanência do trabalho escravo tem a ver com uma herança escravocrata, tem a ver com um racismo impregnado na estrutura social e nas instituições do nosso País, tem a ver com uma democracia ainda muito frágil e cheia de limites, tem a ver com uma precarização cada vez maior das relações de trabalho e com o que foi dito aqui, o lucro pelo lucro, o que acaba desumanizando a própria vida. Então, a persistência do trabalho escravo, na minha compreensão, é resultado dessa lógica, dessa junção de fatores.
O nosso mandato está à disposição para aquilo que pode e deve ser feito aqui no Poder Legislativo: a regulamentação necessária para garantir a expropriação de terras, tanto urbanas quanto rurais, das empresas que são identificadas praticando trabalho escravo. Nós precisamos responsabilizar efetivamente essas empresas, inclusive considerando toda a cadeia produtiva, porque, em nome da terceirização, muitas delas se eximem da sua responsabilidade. Acho que esse é outro elemento em que nós podemos avançar, além de garantir mais estrutura, recursos e pessoas para que a fiscalização seja feita efetivamente.
Obviamente, há a dimensão da conscientização, do aquecimento do debate cada vez mais, para que possamos ampliá-lo na sociedade civil.
O nosso mandato entrou com um requerimento de criação de Comissão Parlamentar de Inquérito. Eu gosto de ser muito cuidadoso, responsável e consequente em cada procedimento legislativo e não gosto de banalizar, por exemplo, o instrumento da CPI. Então, eu só pedi a instalação dessa CPI porque verifiquei de fato procedência, verifiquei de fato que ela pode contribuir pedagogicamente com esse debate.
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Para concluir, quero apenas lembrar a importância da CPI da COVID, de como ganhou a imprensa, como pautou a sociedade, como gerou debate, como provocou resposta.
Uma CPI, só para explicar, tem seriedade, tem pertinência, e me parece que ela pode aquecer o debate na sociedade civil, ampliar o debate dentro do Parlamento e depois apresentar um conjunto de resoluções que, de fato, podem nos ajudar a enfrentar o trabalho escravo. Então, ela tem um lugar legislativo e político. Já passamos, inclusive, de cem assinaturas. E há um fator positivo: o Governo é favorável à implantação dessa CPI, que poderá ser mais um instrumento nessa luta.
Independentemente desse instrumento, sendo eu um homem negro, militante de direitos humanos e alguém profundamente apaixonado pela liberdade e pela dignidade humana, quero dizer que podem contar também com o nosso mandato.
Mais absurdo que o absurdo é quando o absurdo deixa de ser absurdo. É a petrificação dos afetos, a banalização da vida e a naturalização da barbárie. Nós não podemos permitir isso. Devemos, com pedagogia, contundência e responsabilidade, aquecer cada vez mais essa pauta, porque eu não quero viver num mundo em que um ser humano, um semelhante está neste exato momento sendo submetido a um trabalho escravo. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Obrigado, Deputado Pastor Henrique Vieira.
Nós vamos abrir a possibilidade de uso da palavra por 1 minuto, 2 minutos, caso alguém queira contribuir com o debate ou sugerir algum encaminhamento. Mas tem que ser breve. E, mesmo assim, vou interromper a fala, se o Procurador-Geral tiver que sair.
Quero fazer uma leitura do momento que vivemos. Um fenômeno louvável que nós tivemos ou estamos tendo, Procurador, é a relação dos humanos com os animais, uma relação positiva, de certa forma. Eu pelo menos consigo enxergar isso. A relação tem sido de mais respeito aos cães, aos direitos dos animais. Então, é uma evolução. Na contramão disso, há um retrocesso na relação do humano com o humano. Há um retrocesso, nos últimos tempos, na relação do humano com o humano, o que leva, de fato, à exploração e à degradação do ser humano. Então, é preciso dar um basta nisso. É verdade que nem precisaríamos de uma lei para isso, porque a lei maior é a lei do amor, a lei do respeito, de nunca explorar. O direito que eu quero para mim é o que eu deveria desejar e lutar para que o outro tivesse, não só nas políticas públicas e nos diversos programas sociais, mas também nas relações, de fato, do dia a dia.
Acho que esta audiência alavanca uma força-tarefa para um debate permanente. Há outros segmentos tratando disso. A própria CPT produz um relatório sobre o tema. Então, nós acatamos a crítica que trouxe o Carlos da Silva, mas acho que é uma força-tarefa, e em sintonia com o Senado, viu, Deputada Reginete Bispo, que também tem essa iniciativa aqui na Câmara. Temos que ver como podemos pegar essas iniciativas e acelerar esse processo. Conte conosco nesse sentido.
Temos que ver também como podemos denunciar isso, Procurador. Nós já fizemos isso aqui, na Comissão de Direitos Humanos. Já denunciamos, em âmbito internacional, um café de Minas Gerais que se utilizava de trabalho escravo. E dissemos para a Nestlé, que estava comprando esse café: "Olha, você está comprando o café, mas esse café é de trabalho escravo."
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Essas empresas têm que ser cúmplices, mostrar essa cumplicidade. Não queremos o fechamento, mas queremos responsabilidade ambiental, responsabilidade social. Tem que haver responsabilidade mesmo quando celebra a missa. Eu antes brincava com o Padre Luiz Couto, dizendo: "Uai, celebra a missa com vinho que é do trabalho escravo". A CNBB divulgou uma nota importante nesse sentido. Eu também aprecio um bom vinho, mas agora nós ficamos assim: "Eu vou olhar de novo o vinho. Como é que foi fabricado esse vinho? De que forma?"
Isso vale para qualquer produto, qualquer. Vale até em uma grande igreja hoje, Deputada Reginete Bispo. Eu morei 9 anos em Mariana. Ali passei minha formação, ensino médio, filosofia e teologia. Foi em Mariana. Naquele tempo, eu via aquelas esculturas, aquelas pedras lá nas alturas, e pensava: "Como é que foi construído isso aqui? Com trabalho escravo?" Claro que foi com trabalho escravo! Os escravos não podiam nem entrar naquela igreja. Eles tiveram que construir outra igreja, a Igreja Santa Efigênia, mais lá na periferia. Os escravizados, as pessoas escravizadas eram lá de São Benedito, de Santa Efigênia, porque na igreja, na catedral principal, não podiam entrar para celebrar, no lugar que eles construíram.
Infelizmente, nós temos que enxergar também os frigoríficos, quais são esses setores econômicos, mesmo na construção civil, na mineração, no agronegócio. Acho que nós temos muito trabalho pela frente: criar, de fato, essa consciência popular, para fazer lei o mais rápido possível e destinar essas áreas de fato para a reforma agrária ou para um serviço público, quando se trata da área urbana. Só assim vai brotar na consciência das pessoas. Às vezes, é preciso mexer no bolso deles, no patrimônio, para nascer uma consciência de maior respeito para com o próximo.
Você já falou um momento. Vamos ver se há mais alguém, eu volto daqui a 1 minuto.
Vamos dizer o nome, identificando-se, por causa das gravações, das notas taquigráficas. Diga de onde e faça a sua manifestação em 2 minutos.
O SR. ADEMAR MOREIRA - Boa tarde a todos. Eu me chamo Ademar, sou de uma cidade pequena de 10 mil e 500 habitantes, mineiro. Padre João é muito amigo.
Padre João, em primeiro lugar, muito obrigado por essa oportunidade. Jamais imaginei estar aqui neste momento. Vim para lhe dar um abraço, estou aqui no meio de um assunto tão importante.
Pessoal, a escravidão é um terror, não tenham dúvida disso. Nós nos sentimos mal com isso. Mas quando se fala em escravidão, como o Padre João falou que os Prefeitos têm que se manifestar, na minha cidade não existe esse tipo de escravidão, o poder emplacando e colocando as pessoas por baixo. Mas existe uma escravidão da sociedade em se tratando de remuneração. As pessoas trabalham 10 vezes mais pela remuneração que recebem. Mas é uma cultura. É uma cultura em uma cidade como a minha, de 10 mil e 500 habitantes. E acredito que outras tantas são iguais.
Padre João, se posso sugerir, nós estamos muito distantes de um debate como este. Eu, por ironia do destino ou sorte, estou aqui ouvindo e aprendendo. É preciso levar este debate ao meu mundo. É preciso levar este debate a cidades como a nossa, para que as pessoas se conscientizem de que a escravidão está em todo lado. Lá no meu Município, isso poderia se dar no sentido da má remuneração de toda a sociedade, dos trabalhadores.
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Não sei se me fiz entender, mas minha mãe me ensinou o seguinte: se o coração pensa, Deus ouviu. Se Deus ouviu, eu posso falar. Por esse motivo, eu pedi a palavra.
Muito obrigado pela oportunidade. Um abraço a todos os senhores.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Obrigado, Prefeito Ademar.
É verdade, inclusive foram encontrados casos em Rio Pomba recentemente, ali perto, na Zona da Mata. Infelizmente, os trabalhadores estão na criação de porcos, na lavoura de café, na construção civil. Eles ficam sem lugar para dormir, amontoados e em condições piores que as de um animal. A comida é lavagem.
Jesus Cristo usou a parábola do filho mais novo, do filho pródigo, que dizia que nem a lavagem dos porcos era permitida. Olhem! Quantos anos se passaram, e ainda há esse retrocesso.
Eu devolvo a palavra ao Dr. José de Lima Ramos, Procurador-Geral, que terá um compromisso no Senado. Ele fará as considerações finais, mas nós vamos continuar aqui para fazer os encaminhamentos e ainda ouvir alguma contribuição.
O SR. JOSÉ DE LIMA RAMOS PEREIRA - Obrigado.
O Dr. Italvar Medina é nosso Coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas — CONAETE. É uma expressão sempre muito forte, mas é necessário usá-la. Existe, sim, o trabalho escravo.
Em um mapa construído pela CONAETE — ainda falta completá-lo —, temos casos nos Estados do Acre; Amazonas; Rondônia; Roraima; Pará, de gado bovino; Mato Grosso; Amapá, de pesca; Maranhão, de gado; Tocantins; Distrito Federal, de comércio; Mato Grosso do Sul, de cana-de-açúcar; São Paulo, no setor têxtil; Paraná, produção florestal; Rio Grande do Sul, cultivo de frutas; Rio de Janeiro, cana-de-açúcar e fumo; Pelotas, fumo; Minas Gerais, café; Bahia, café; Espírito Santo; Piauí, produção florestal; Ceará, produção florestal; Rio Grande do Norte, produção florestal; Paraíba, extração de caulim; Pernambuco, cana-de-açúcar; Alagoas; Sergipe; Bahia; Espírito Santo, café. Todas as regiões e todos os Estados têm uma atividade em que foi encontrado trabalho escravo.
Então, realmente há necessidade de uma legislação mais rigorosa. Até agora, a que existe não faz tanto efeito. Há essa necessidade, sim. E o principal é gerar uma cultura da educação.
Eu concordo com a Deputada. Tudo passa, sim, pela questão da própria discriminação e da estrutura brasileira montada nessas atividades de exploração.
Parabenizo o senhor, Deputado João. Quando recebi o convite, imediatamente me dispus a vir. Estou sempre à disposição. O Dr. Italvar vai continuar aqui, eu vou ter que ir ao Senado.
Eu lhe agradeço e o parabenizo por todos os debates que estão ocorrendo.
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Percebemos que todos os segmentos estão envolvidos, sejam de políticos, sejam de trabalhadores. Porém, precisamos trazer mais gente.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Registro a presença do Deputado Helder Salomão e digo a S.Exa. que no Espírito Santo também há trabalho escravo, com certeza.
Quem for se manifestar, favor dizer o nome completo e a instituição que representa.
Concedo-lhe 2 minutos.
O SR. BOB EVERSON CARVALHO MACHADO - Boa tarde, Deputado Padre João. Agradeço.
Sou Bob Machado, também do SINAIT, e estou na condição de Presidente por este triênio.
O Carlos já adiantou e o próprio Deputado manifestou que houve, por parte do Estado brasileiro, uma política de redução da estrutura estatal para o combate ao trabalho escravo. Isso foi representado pela via orçamentária, com a redução do orçamento da inspeção do trabalho no Brasil.
Todos os anos, nós, representantes do sindicato nacional, fazemos a peregrinação ao Congresso Nacional, junto aos Parlamentares, à CTASP — agora CTRAB — e ao Relator do Orçamento, para que possamos garantir os recursos mínimos para execução da política de Estado de combate ao trabalho escravo.
Deputado, nós vivemos hoje, do ponto de vista da estrutura de pessoal da inspeção do trabalho no Brasil, um momento crítico. Nós temos hoje o menor quadro de auditores fiscais do trabalho dos últimos 30 anos. O Brasil cresceu significativamente nesse período, e a estrutura de Estado para fazer o combate e a coordenação dessa importante política pública, que é a erradicação do trabalho escravo, está absolutamente desmontada pela passagem do tempo.
O nosso último concurso foi em 2013. É preciso urgência, e nós já temos a sinalização do Ministro Marinho de que haverá um concurso para auditor fiscal do trabalho. Mas, além disso, é importante a manifestação desta Casa, para que nós tenhamos o maior concurso da história da inspeção do trabalho, porque temos hoje quase 50% dos cargos de auditor fiscal do trabalho vagos.
Não há como se falar em aplicação da política de combate ao trabalho escravo sem falar dos auditores fiscais do trabalho, que coordenam os grupos móveis, que acolhem as denúncias recebidas de toda ordem, por exemplo, do Ministério Público, dos sindicatos, da pastoral, ou seja, toda a sociedade encaminha a essas autoridades as denúncias de trabalho escravo.
Há um número crescente, porque tivemos algumas crises econômicas ao longo dos últimos anos e uma pandemia que colocou um mar de cidadãos, irmãos nossos, em condição de vulnerabilidade. Essa condição os coloca, muitas vezes, na posição de vítimas desse crime perpetrado contra a nossa sociedade.
17:29
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Faço esse relato, Deputado, pedindo o apoio desta Comissão, para que faça, se possível, uma manifestação junto ao Presidente Lula e ao Ministro Marinho sobre a necessidade urgente de recomposição da estrutura de Estado, para efetivamente combater o trabalho escravo no Brasil.
Que nós possamos chegar mais próximo dessa meta de todos, que é a erradicação definitiva do trabalho escravo no Brasil.
Muito obrigado, Deputado.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Nós agradecemos.
Concedo 2 minutos. Por favor, diga o nome e a instituição.
Depois, falará a Vereadora.
A SRA. ROSA MARIA CAMPOS JORGE - Meu nome é Rosa Maria Campos Jorge, sou Diretora do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho — SINAIT. Agradeço muito, Deputado Padre João, a oportunidade de falar.
Quero dizer que nós estamos na luta há 19 anos para que os mandantes da chacina de Unaí sejam finalmente presos e que cumpram as penas. Já foram condenados. Antério Mânica foi condenado a 100 anos pela primeira vez, foi a júri novamente e recebeu 65 anos de condenação, mas usa todos os recursos possíveis para protelar o cumprimento dessa pena. Isso é uma indecência, porque é preciso fazer justiça. Não existe justiça se eles realmente não cumprirem as suas penas. Estão contando com a prescrição, com a passagem do tempo, para ficarem livres.
Eles mataram três auditores e um motorista do Ministério do Trabalho que estavam no campo atuando, combatendo o trabalho escravo. A impunidade gera mais mortes e mais ameaças aos auditores. Existem empresários que usam o crime para tentar intimidar meus colegas quando estão na ação.
Então eu gostaria muito de solicitar, Deputado Padre João, se possível, a manifestação desta Comissão no sentido de cobrar do Poder Judiciário que julgue os inúmeros recursos que estão nas mesas dos Ministros do STJ, porque estão demorando. O recurso está lá há mais de ano, e eles não julgam.
Queremos que seja feita justiça. É importante para as viúvas, para os filhos, para os familiares e para os auditores fiscais do trabalho. Nós queremos justiça.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Nós agradecemos.
Pode falar a Vereadora Sandra, depois o Deputado Helder Salomão.
A SRA. SANDRA SOARES - Deputado Padre João e demais integrantes desta Comissão, agradeço do fundo do meu coração por poder estar aqui me manifestando.
Eu, como Vereadora de um Município muito pequeno do Rio Grande do Sul, tenho sentido na pele. Nós estamos acompanhando as tristes notícias do nosso Rio Grande do Sul com toda essa repercussão do trabalho escravo.
O que me traz aqui também, Deputado Padre João, é a preocupação em relação aos pequenos Municípios, porque isso não acontece só nos grandes, mas também nos pequenos Municípios de 2 mil, 3.500 habitantes, como é o caso do meu Município, na luta que estamos travando agora por falas racistas acontecidas em meios de comunicação e pelo desdém que se tem numa sociedade que chama de liberdade de expressão a defesa de crimes racistas e a defesa do trabalho escravo.
17:33
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Então, a nossa colocação, como negros, como munícipes, como povo que precisa ser defendido, é o quanto é importante podermos contar com a força da Câmara dos Deputados.
Aqui, a Deputada Reginete Bispo foi essencial para que conseguíssemos caminhar nesses corredores e trazer força para que nós fizéssemos essas denúncias e buscássemos cada vez mais o apoio dos nossos Deputados, dessas pessoas tão importantes, para que chegue essa força aos nossos Municípios.
Então deixo a minha gratidão e deixo aqui também essa preocupação dos pequenos Municípios da nossa região lá do Rio Grande do Sul.
Um abraço. Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Obrigado, Vereadora Sandra.
#bastadeescravidão. Escravidão é crime!
O SINAIT está presente.
Tem a palavra o Deputado Helder Salomão.
O SR. HELDER SALOMÃO (Bloco/PT - ES) - Deputado Padre João, primeiramente, quero parabenizá-lo por esta audiência pública tão importante.
Quero saudar a Deputada Reginete Bispo, que chegou cheia de energia e de garra para lutar pelas causas mais justas do nosso povo.
Foi um prazer, Deputada Reginete, estar com V.Exa.
Quero saudar todas as entidades e representações que estão compondo esta audiência pública, que tem uma relevância muito grande, especialmente porque nós sabemos que o trabalho escravo ou o trabalho análogo à escravidão no nosso País é ainda uma triste realidade, que precisa ser enfrentada e combatida. E o Parlamento tem um papel importante, mas é preciso dizer que o Parlamento tem um papel importante, o Poder Executivo tem um papel importante, o Poder Judiciário, o Ministério Público, os órgãos de investigação, a Defensoria Pública também cumpre um papel extraordinário; mas não podemos esquecer que esse é um trabalho e é uma missão que tem que ter uma participação decisiva da sociedade civil, cobrando efetivas respostas para que eliminemos o trabalho escravo do nosso meio.
Eu queria aproveitar a oportunidade, Deputado Padre João, para dizer que ontem inclusive eu participei de um seminário internacional sem sair daqui. Eu participei virtualmente de um debate promovido pela ONU, um debate que aconteceu na Colômbia, em Bogotá, sobre direitos humanos e empresas, a questão da devida diligência. E eu fui convidado porque sou autor de um projeto de lei, do qual V.Exa. é signatário, que é o Projeto de Lei nº 572, de 2022. A Deputada Reginete participou de uma reunião de trabalho que nós fizemos com a sociedade civil, na semana retrasada, para debater essa matéria.
A ONU e os organismos internacionais estão vendo essa matéria, de que eu sou um dos signatários, como uma boa iniciativa legislativa. Isso tem tudo a ver com esse tema aqui, que é o enfrentamento ao trabalho escravo, que é crime e que precisa ser visto como crime, que é o que nós estamos discutindo. Eu peço àqueles que nos acompanham nesta audiência pública que leiam o PL 572/22, que é o projeto que procura criar no Brasil um marco legal sobre direitos humanos e empresas, na mesma esteira do que se discute hoje internacionalmente, para que nós tenhamos um marco legal no Brasil para pôr fim à impunidade corporativa. O ambiente no Brasil favorece a impunidade corporativa. Ou seja, na prática, muitas empresas preferem sofrer as sanções a efetivamente proteger os direitos humanos. É duro dizer isso, mas há empresas que preferem pagar a indenização barata a investir efetivamente para não permitir que haja exploração do trabalho e que haja trabalho em condições análogas à escravidão.
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Para encerrar, há três aspectos de vários outros do projeto que são fundamentais. O primeiro é que o projeto coloca a centralidade da vítima nas reparações. Para que haja reparação justa, tem que haver centralidade na vítima. Outro aspecto importante é a centralidade do direito humano, da vida, e não do lucro acima, porque é o que as empresas fazem. Outro aspecto importante que o projeto trabalha é o protagonismo das pessoas, para evitar que continuemos tendo situações de trabalho escravo e de violação de direitos humanos, como aconteceu no caso de Mariana, de Brumadinho, que nós estamos discutindo, Deputado Padre João, na Comissão Externa, porque até hoje nós vivemos essa impunidade das empresas que não promoveram uma reparação justa e integral dos atingidos. Um último aspecto do projeto — são vários os que eu quero destacar aqui — é que não se pode discutir nenhum tipo de reparação. O objetivo do projeto é evitar a violação de direitos humanos, mas, quando ela ocorrer, não é possível que haja nenhum processo de acordo de discussão, de reparação que não tenha a participação efetiva das pessoas que tiveram seus direitos violados ou que foram atingidos ou atingidas.
Esse projeto de lei, a nosso ver, inaugura um novo debate no Brasil sobre a responsabilização das empresas que não respeitam os direitos humanos no nosso País, que ainda adotam o trabalho escravo. No Espírito Santo tem trabalho escravo, em todo o Brasil tem trabalho escravo, Deputado Padre João. Em Minas Gerais tem, no Rio Grande do Sul tem. Vimos agora essa triste realidade. E nós precisamos enfrentar isso. Acho que uma contribuição importante, além de uma audiência pública como esta, tão valiosa — porque, além de nós que estamos aqui, muita gente nos acompanha nesse debate pela Internet —, seria aperfeiçoarmos o marco legal. E o PL 572, eu encerro aqui, não é uma elaboração da minha cabeça, nem do Deputado Padre João, nem da Deputada Reginete, que, se não é signatária, será signatária, já anunciou isso. Não é uma coisa da nossa cabeça, foi uma construção coletiva. Sobre o PL 572, eu costumo dizer que nós Deputados e Deputadas emprestamos o nosso nome para assinar essa matéria, mas que nasceu de um debate coletivo que envolveu organismos nacionais, internacionais, Parlamentares e entidades da sociedade civil.
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Acho fundamental que essa matéria tenha celeridade aqui para acabarmos com a impunidade das empresas que praticam e violam direitos humanos no País, e que insistem em adotar o trabalho escravo para aumentar os lucros em prejuízo da dignidade e da vida de brasileiros.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Deputado Helder Salomão, V.Exa. sempre será Presidente desta Comissão.
Alguém que gostaria de contribuir manifestou-se e eu não percebi? (Pausa.)
Antes dos encaminhamentos, eu volto a palavra, por 1 minuto, ao Kássio, que pode falar também como está a estrutura do INCRA.
O SR. KÁSSIO ALEXANDRE BORBA - Sr. Presidente, Deputado Padre João, agradeço a V.Exa. a generosidade.
Aproveito para complementar e registrar que já há iniciativas de alguns Parlamentares nesse sentido. São projetos de lei que visam regulamentar o art. 243 da Constituição Federal. Destaco aqui o PL 777/23, do Deputado Felipe Becari, com quem estive há pouco, inclusive, e que registrou que a Liderança do partido apoia que esse PL entre em urgência; o PL 978, da bancada do PSOL; e o PL 1.102, da Deputada Reginete Bispo, a quem saúdo e parabenizo pela iniciativa.
Na linha do que o Deputado Helder Salomão falou de construção coletiva, eu gostaria de sugerir, como encaminhamento para esta Comissão, que possamos fazer uma construção coletiva, juntar essas intenções do Parlamento para caminharmos juntos. Parece-me ser uma pauta que está se tornando, inclusive, suprapartidária. Podemos alcançar um patamar de visibilidade maior nesse esforço conjunto.
Nós estamos trabalhando também pela reconstrução do INCRA, e nossa carreira contribui com isso. Vivemos situação semelhante às dificuldades que os auditores do trabalho também enfrentam em número, atribuições, todos os problemas operacionais possíveis.
Esperamos ter um diálogo e um espaço de construção para podermos contribuir com essa reconstrução neste ano.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Obrigado, Kássio.
Antes de passar a palavra ao Sr. Italvar Medina, que vai sugerir também alguns encaminhamentos, eu dialogava aqui a possibilidade de haver um observatório, Deputada Reginete Bispo, na linha do que o Kássio sugere de termos todas as iniciativas legislativas aqui, ou seja, pegarmos essas matérias debaixo do braço e pedirmos celeridade, como uma força-tarefa.
O Deputado Reimont disse haver uma Subcomissão sobre o tema na Comissão de Trabalho. Acho que é uma força-tarefa, mas poderia haver um mecanismo na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ainda que fosse em parceria com outras Comissões, para haver celeridade.
O seu projeto está em qual Comissão?
A SRA. REGINETE BISPO (Bloco/PT - RS) - Ele está na Mesa, mas eu já requeri uma audiência para tratar dessa regulamentação.
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Poderíamos ver se já há Relator escolhido.
A SRA. REGINETE BISPO (Bloco/PT - RS) - Aqui, além de ser uma Comissão de direitos humanos, é de minorias e de igualdade racial. Portanto, quero também colocar esse debate no âmbito da igualdade racial.
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O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Sim.
Como já foi destacado, a questão da igualdade racial prevalece, infelizmente. A situação que tem sido recorrente em Minas Gerais é dos migrantes haitianos, africanos, caribenhos, bolivianos, venezuelanos, indígenas.
É um pouco disto: dialogarmos, talvez, via esta Comissão, primeiro, por meio dos Deputados que já têm essas iniciativas. Dessa forma, teremos uma força-tarefa que pode convergir para determinada Comissão. Também pode ser complementar e um substitutivo reuniria essas matérias. E quando vier do Senado — porque existe iniciativa também no Senado —, se for terminativo aqui, que tenhamos uma convergência para dar celeridade.
Nós temos que buscar, de fato, a regulamentação do art. 243 e dar-lhe uma destinação. A punição também tem que ser na linha material.
Passo a palavra, para as sugestões e considerações finais, ao Sr. Italvar Medina, Vice-Coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.
A erradicação do trabalho escravo está com V.Sa.
O SR. ITALVAR FILIPE DE PAIVA MEDINA - Boa tarde a todos.
Agradeço a oportunidade ao Deputado Padre João.
Cumprimento os Deputados e Deputadas presentes, e os auditores-fiscais do trabalho, nossos parceiros imprescindíveis para a erradicação trabalho no País. Em nome do Presidente do SINAIT, Bob Machado, e do Vice-Presidente e seu grande parceiro, Carlos da Silva, cumprimento também os assessores e demais pessoas presentes nesta audiência pública.
Eu tenho algumas sugestões de encaminhamentos e de propostas em relação às quais a atuação da Câmara dos Deputados, com certeza, será de extrema relevância. Algumas delas, inclusive, acredito que sejam sobre matérias de fácil consenso entre os Parlamentares.
Eu gostaria, primeiramente, de chamar a atenção para o fato de que, para a erradicação do trabalho escravo, é extremamente necessário pensar no pós-resgate dos trabalhadores. Quando os trabalhadores são retirados daquela situação, têm que ser adotadas medidas para que eles não voltem a ser explorados, para que o ciclo de exploração não se repita. Então, é necessário que eles tenham condições de se manter, tenham condições de ser acompanhados socialmente e reintegrados ao mercado de trabalho, inclusive enquanto se espera o pagamento de indenização, que nem sempre é imediato, e, às vezes, é necessária uma ação civil pública.
A legislação do seguro-desemprego prevê, como forma de manutenção desses trabalhadores após o resgate, o pagamento de três parcelas de seguro-desemprego. Esse pagamento é feito a partir da liberação das guias pelos auditores-fiscais do trabalho quando fazem o resgate dos trabalhadores. Sucede que três parcelas de seguro-desemprego é muito pouco para o restabelecimento mínimo desses trabalhadores no momento mais emergencial após o resgate. Inclusive, empregados que têm um vínculo de serviços muito longo, como no caso de empregadas domésticas resgatadas, às vezes em situação de trabalho escravo há mais de 50 anos, o estabelecimento de apenas três parcelas em caso de resgate é até prejudicial, considerando-se a quantidade que seria paga em caso de rescisão do contrato de trabalho.
Há, nesse sentido, um PL na Câmara dos Deputados, proposto pelo Deputado Carlos Veras — é o Projeto de Lei nº 3.168, de 2021. Inclusive, ele já foi submetido à apreciação do SINAIT, que fez contribuições. O PL 3.168/21 aumenta de três para seis o número de parcelas de seguro-desemprego dos trabalhadores resgatados. É um PL de baixo impacto orçamentário e, acredito, de fácil aprovação.
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Eu conclamo a Câmara para contribuir com a tramitação e a aprovação desse PL.
Também chamo a atenção para duas normas internacionais sobre o tema do trabalho escravo que o Brasil ainda não subscreveu. Uma delas é protocolo da Convenção nº 29, da OIT. Inclusive, houve uma campanha, à época, para que o Brasil fosse um dos primeiros signatários. Essa assinatura ainda não aconteceu. E essa convenção já tem número de países signatários suficiente para ter vigência internacional. Mas o Brasil ainda não subscreveu o protocolo da Convenção nº 29, que prevê normas importantes para a prevenção do trabalho escravo.
Outra convenção da OIT para a qual eu chamo a atenção é a Convenção nº 181, que prevê normas importantes para a prevenção do tráfico de pessoas. Acho interessante também que haja uma regulamentação sobre direitos humanos e empresas, como foi bem apontado pelo Deputado Helder Salomão, para que haja um compromisso dos grandes conglomerados empresariais no sentido de erradicar o trabalho escravo.
Nós vemos nas grandes multinacionais que há preocupação, por exemplo, com a padronização dos produtos. Há empresas multinacionais que oferecem o mesmo produto em todos os lugares do mundo, em todas as cidades em que elas têm unidades. Elas têm essa preocupação com a padronização, com o controle de qualidade dos produtos. Há, no setor da pecuária, uma preocupação, por exemplo, em vacinar contra febre aftosa todo o gado. Se essas empresas têm o controle de toda a cadeia para esses fatores, por que não podem ter um controle ou haver um monitoramento, a fim de que não haja trabalho escravo? Por que há preocupação só com a vacinação do gado, por exemplo, mas não há preocupação com a saúde do trabalhador? Há, sim, uma possibilidade efetiva de monitoramento. O que não há é interesse econômico em fazer esse monitoramento, porque é vantajoso para essas grandes empresas se colocar em posição de cegueira com relação às condições de trabalho e de direitos humanos nas cadeias produtivas nas quais elas são as beneficiárias finais.
Então, é muito importante, sim, que haja essa regulamentação.
Também conclamo esta Casa, como aqui fizeram o Bob Machado e o Carlos da Silva, do SINAIT, para que apoie a realização de concurso para auditores-fiscais do trabalho, porque essa é uma carreira que sofreu sucateamento ao longo dos anos. Praticamente metade dos cargos de auditor está vaga, o que compromete muito não só o combate ao trabalho escravo, mas sobretudo a prevenção do trabalho escravo, dada a redução das fiscalizações de rotina. E o problema não é só a falta de auditores, é também a ausência de estrutura na carreira. Há várias unidades do Ministério do Trabalho e Emprego que não têm veículos próprios ou estão sem motoristas. Como se vai fazer fiscalização sem veículo e sem motorista? Auditores-fiscais de trabalho precisam fiscalizar as condições de trabalho com veículo próprio, levando o computador próprio para a unidade, porque não têm sequer um notebook para trabalhar. Então, é necessária a recomposição da carreira, a realização de concurso público e também a disponibilização das verbas orçamentárias necessárias para que eles possam desenvolver suas atividades.
Aqui encerro a minha fala e agradeço novamente a oportunidade. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Padre João. Bloco/PT - MG) - Obrigado, Dr. Italvar Medina.
Agradeço também a presença ao Vereador Jason, de Juvenília.
Deputada Reginete Bispo, nós estamos encerrando. Eu gostaria de saber se V.Exa. concorda com que devemos requerer visita nossa ao Ministro do Trabalho, para tratar exclusivamente desse assunto, e à Casa Civil. A Casa Civil é que de fato vai definir. Vamos requerer à Casa Civil que receba os Deputados e o representante dos auditores-fiscais, para já planejar um concurso e a restruturação da carreira. (Palmas.)
17:53
RF
Os outros aparatos nós vamos construir. Através do observatório, se nós conseguirmos instalá-lo, recolheremos as inciativas legislativas de todos os Deputados, Deputadas e Senadores — parece-me que no Senado é o Senador Paulo Paim —, para também termos essa força-tarefa e haver celeridade.
Às vezes, por algum descuido, o Presidente da Comissão fica 2 semanas sem nomear um Relator. Isso vai atrasando o processo. Matérias que poderiam tramitar em 1 ano, no máximo, ficam 4 anos, 5 anos ou 6 anos tramitando. Há Deputados que pedem vista e há o pessoal do agronegócio. As pessoas vão tentar dificultar ao máximo, não pensem que vai ser fácil.
É por isso que precisamos ter um instrumento da Comissão, para buscarmos todas essas forças e darmos celeridade às matérias. Sugiro o observatório, em que cabem também as entidades que hoje não estão presentes, mas que sabemos fazem parte dessa luta em uma linha de denúncia.
A precarização não ocorreu só nas instituições públicas, mas nos próprios sindicatos, que foram totalmente desestruturados para serem impedidos de estarem aqui presentes e ser feita, de fato, uma diligência.
Em um observatório, cabem todas as instituições e organizações da sociedade civil para nos ajudar, para haver campanhas de denúncia. Não é para ir até o local fazer uma diligência. Temos que instrumentalizar a sociedade para denunciar essas situações em todas as áreas.
Novamente, quero agradecer a todas e todos que acompanharam esta audiência, da qual haverá desdobramentos. Acho que é estruturante a audiência também na Casa Civil e no Ministério do Trabalho, bem como o observatório, para reunirmos todas as forças e darmos um basta a essa situação. Basta de escravidão! Escravidão é crime!
Obrigado ao SINAIT pela participação. (Palmas.)
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião.
Obrigado a todas e todos.
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