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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Declaro aberta a presente reunião.
Informamos aos Parlamentares, às Parlamentares e a todas as pessoas presentes que esta reunião se realizará de forma presencial e via web, através do aplicativo Zoom. Ela será transmitida ao vivo pela Internet no site da Câmara, na página da Comissão, no endereço cd.leg.br/ctasp.
Informo ainda que as imagens, o áudio e o vídeo estarão disponíveis para serem baixados na página desta Comissão, logo após o encerramento dos trabalhos, e que as fotos do evento, se houver, serão disponibilizadas no banco de imagens da Agência Câmara, na página da Câmara Federal.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos do Requerimento nº 92, de 2022, de minha autoria, Deputada Erika Kokay, aprovado por esta Comissão e que requer realização de audiência pública para debater as precárias condições de trabalho das policiais e dos policiais rodoviários federais e o risco que isso representa para as pessoas que transitam pelas rodovias deste País.
Eu gostaria de chamar para compor a Mesa o Sr. Marco Elias de Oliveira Nimer, policial rodoviário federal; a Sra. Páris Borges Barbosa, mestre e doutoranda em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal Fluminense e policial.
Vamos ter também a participação, de forma remota, do Sr. Pedro Guimarães, Diretor Jurídico da FENAPRF e do SINPRF-RS; e da Sra. Letícia Oliveira Paiva, mestre em direitos humanos pela Universidade Pablo de Olavide, na Espanha.
Chamo também para compor a Mesa o Sr. João Rodrigues Bonfim Neto, Presidente do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais do Distrito Federal.
O SR. MARCO ELIAS DE OLIVEIRA NIMER - Primeiramente, Deputada, eu gostaria de agradecer a oportunidade que a senhora nos proporcionou de falar um pouco da realidade da Polícia Rodoviária Federal.
Vou tomar a licença de ler o meu depoimento, porque ele é bastante denso, tem bastantes informações. Eu faço questão de, nesta oportunidade, não perder nenhum detalhe.
Eu me chamo Marco Elias de Oliveira Nimer. Atuo na segurança pública há 14 anos, estando há 8 anos na Polícia Rodoviária Federal.
Iniciei minha carreira na PRF em Porto Velho, no ano de 2015. Diante da minha experiência prévia na Polícia Civil de Santa Catarina, em 2016 fui removido ex oficio para Brasília, para assumir a chefia do Canil Central.
Dentre as diversas funções exercidas na instituição, destaco a chefia titular do DENARC — Divisão de Enfrentamento ao Narcotráfico, Tráfico de Armas e Crimes Transfronteiriços. A partir de 2020, mediante convite da chefia da época, ingressei na atividade de inteligência, na Coordenação de Análise de Inteligência, exercendo a função de analista de inteligência. Ademais, em pouco tempo, já comecei a pertencer à força-tarefa ICSEC, que tinha em seu bojo o combate ao tráfico de armas e munições.
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No âmbito da PRF, além das atribuições rotineiras, exerço o papel de instrutor na disciplina de Direitos Humanos e Integridade e na disciplina de Atividade Cinotécnica, com atuação em diversos cursos de formação e especialização dentro e fora da PRF.
Nesses 14 anos atuando como servidor público, subordinado a chefias distintas nas mais diferentes áreas, sempre tive tratamento humano e profissional. Contudo, infelizmente, neste ano fui alvo de condutas abusivas propositais, direcionadas e frequentes no seio da instituição a que jurei servir, que aos poucos minaram minha autoestima e minha dignidade como policial rodoviário federal.
O primeiro fato que reporto como assédio moral dentro da PRF se deu no início de agosto de 2022, quando, ao ser convidado para dar aula no Curso de Formação Profissional, tive minha convocação negada pela coordenação do CFP, uma vez que meu nome não foi aprovado pela Direção da Polícia Rodoviária Federal, capitaneada pelo Sr. Silvinei Vasques. Naquela oportunidade, não me foi ofertada nenhuma justificativa para a negativa, fui apenas informado de que não possuía perfil adequado.
Destaca-se que, durante a atual gestão da PRF, tornou-se recorrente a validação prévia dos instrutores pela Direção-Geral. Tem-se que os instrutores que não se alinham ideologicamente com a política apregoada pela Direção-Geral não são selecionados.
No dia 25 de julho de 2022, na condição de integrante da força-tarefa ICSEC, fui selecionado por representantes do Governo americano dentre os demais participantes da força-tarefa para participar de um curso com o FBI em El Salvador. Já ciente da possibilidade de ser sumariamente cerceado da oportunidade de desenvolvimento profissional pela Direção-Geral da PRF por razões ideológicas, formalizei e encaminhei à Diretoria de Inteligência da PRF o convite, informando a minha seleção para o curso e as competências da capacitação. Cumpre salientar que a PRF não sofreria com custos de transporte e alojamento, tampouco com o custo de diárias, uma vez que todos os custos seriam arcados pelo Governo norte-americano.
O processo ficou parado na Diretoria de Inteligência por 12 dias, sem andamento. Quando solicitei informações sobre a possibilidade de autorização, foi-me informado que o Diretor de Inteligência a princípio não iria assinar o processo, em virtude de minhas postagens em redes sociais contra o Governo Bolsonaro e seu alinhamento com a Polícia Rodoviária Federal, mas que, em virtude do meu trabalho junto à força-tarefa, ele iria autorizar.
Mesmo com o compromisso de autorização, após 14 dias o documento ainda não havia sido assinado, o que me fez, na certeza de estar sendo assediado moralmente, acionar o sindicato para me assistir. Após reunião do sindicato com a Diretoria de Inteligência, minha viagem foi autorizada. Contudo, fui desligado por suposta quebra de confiança, medida que não está prevista em nenhuma legislação interna da PRF.
Faço um adendo para nominar os meus assediadores: o assédio partiu do Diretor de Inteligência da PRF, o Sr. Reischak, e do Coordenador-Geral de Integração e Inteligência, o Sr. Hoppe, entre outros chefes.
No dia 4 de outubro, fui removido para a Superintendência do Distrito Federal, em um ato sem justificativa.
É importante destacar que a Polícia Rodoviária Federal sempre teve em seu bojo a proteção dos direitos humanos como princípio norteador. Em 1928, após a autorização do Presidente Washington Luís, foi criada a Polícia das Estradas, com a competência primária de proteger viajantes, durante os períodos diurno e noturno, dos perigos das estradas. Alguns poucos homens patrulhavam a rodovia que ligava a cidade do Rio de Janeiro, à época Capital do País, a Petrópolis.
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Alguns anos depois, novamente a PRF demonstrou ser parte da história brasileira quando, sob ameaças de extinção, foi incluída na Assembleia Nacional Constituinte através de um abaixo-assinado entregue ao baluarte da democracia brasileira, o Sr. Ulysses Guimarães. De lá para cá, a PRF sempre foi sinônimo de polícia cidadã, sempre lembrada pela sua capacidade de atender à população com presteza e educação, o que nunca obstou que nossa instituição pudesse ser uma das agências policiais que mais apreendem drogas e armas no mundo.
Nos últimos anos, nós policiais rodoviários federais vimos nossos gestores se alinharem de forma questionável aos interesses do Governo Bolsonaro, direcionando nossa instituição para um caminho diverso daquele para que fomos criados. Em 4 anos, tivemos nosso mapa estratégico, que em tese deveria durar 8 anos, modificado por três vezes, em cada uma com objetivos diferentes. Vimos que o decreto de sigilo de 100 anos dos processos administrativos assinado pelo Sr. Diretor não era o pior que poderia acontecer na nossa instituição.
Por falar em transparência, esta também não foi o forte da gestão, pois houve diversas indicações para cargos de oficiais de ligação, com o intuito de os indicados fazerem um curso de mestrado no Colégio Interamericano de Defesa, nos Estados Unidos, sem um processo seletivo com critérios de elegibilidade isonômicos e transparentes.
Durante os últimos anos, vimos uma cobrança excessiva por resultados, com sobrecarga de trabalho para os policiais da atividade-fim, sob a perspectiva de uma reestruturação de carreira. Em contrapartida, vários direitos foram cerceados, trazendo-se uma dinâmica militar para uma instituição civil.
Este ano, a gestão se empenhou em comprar viaturas blindadas leves de operações especiais, mas não se empenhou da mesma forma em adquirir equipamentos de proteção individual, como coletes balísticos. Eu, por exemplo, estou operando na rodovia com meu colete balístico vencido, colocando em risco a minha integridade. Assim como eu, muitos colegas não estão com seus coletes balísticos em condições plenas.
No mês de maio de 2022, o Diretor-Geral Silvinei Vasques revogou a existência e o funcionamento das Comissões Regionais de Direitos Humanos, além de suprimir a disciplina Direitos Humanos e Integridade do Curso de Formação Profissional, em uma clara afronta aos direitos fundamentais. Mesmo após uma ação do Ministério Público Federal e determinação da Justiça Federal para que retornassem as comissões e a disciplina, a PRF pouco fez até o momento para acatar a decisão, demonstrando desapreço não só aos princípios republicanos, mas também aos direitos fundamentais da nossa Carta Magna.
Em um evento oficial no centro de eventos da PRF, no dia 26 de setembro, presenciamos o Sr. Diretor dar ao Ministro da Justiça uma camisa do Flamengo com o número 22. Já no dia 11 de outubro, o Diretor-Geral, durante a abertura do Curso de Cinotecnia, no mesmo centro de eventos, citou que o então candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva era a favor da liberação das drogas.
Além desses fatos, inúmeros outros casos absurdos de desvirtuamento da função de um gestor público se seguiram, atentando diretamente contra o processo democrático e culminando, inclusive, com um pedido explícito de voto do Sr. Diretor-Geral para o então candidato Bolsonaro.
Essas ações me motivaram a oferecer uma denúncia ao Ministério Público Federal, pois entendemos que é função primordial de um policial prezar pelo cumprimento da lei, mesmo sabendo que essa ação poderia colocar em risco nossa integridade física, moral e profissional. Tal denúncia culminou na decisão da Justiça Federal de tornar réu o Sr. Diretor-Geral da Polícia Rodoviária Federal.
Este clima de perseguição possibilitou outros diversos casos de assédio moral e eleitoral na nossa instituição. Um dos nossos colegas foi perseguido dentro da sede da PRF porque estava com um carro adesivado com a campanha do Lula, sendo que havia dentro do pátio diversos veículos adesivados com a campanha do Bolsonaro.
Nós policiais rodoviários federais, a contrassenso da opinião de alguns, não concordamos com a apropriação de nossa instituição para fins pessoais e entendemos que a função do gestor não pode ferir os objetivos republicanos de sua criação e não deve ser partidária. Acreditamos ainda que quem corrobora com essas ações deve ser responsabilizado.
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço ao Sr. Marco Elias pelo depoimento.
Primeiro, agradeço à Deputada Erika Kokay por oportunizar este momento para que nós possamos expor um pouco a situação interna da Polícia Rodoviária Federal.
Eu queria agradecer a alguns Parlamentares do Rio Grande do Sul: o Deputado Federal Paulo Pimenta, a Deputada Fernanda Melchionna, o Deputado Bohn Gass, do Partido dos Trabalhadores, e o Deputado Leonel Radde, que foi eleito Deputado Estadual aqui no Rio Grande do Sul. Eu quero fazer primeiramente esse agradecimento por eles terem olhado para o meu caso e terem me defendido, neste momento crítico, da perseguição política e do assédio eleitoral que quem ousa divergir acaba sofrendo.
Eu me chamo Pedro Guimarães, sou policial rodoviário federal desde dezembro de 2005. Atualmente, exerço o mandato de Diretor Jurídico no Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais no Rio Grande do Sul e na Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais. Nesse contexto, é importante frisar que sempre pautei a minha conduta pela luta para garantir e assegurar os direitos e interesses da categoria dos policiais rodoviários federais.
É fato notório que o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, prometeu diversas vezes a reestruturação da carreira dos policiais rodoviários federais. Porém, ele descumpriu sua palavra e enganou os policiais. A fim de pressionar o Presidente a cumprir a sua palavra, o sistema sindical organizou movimentos e manifestações em redes sociais e presencialmente, culminando com a maior manifestação de policiais rodoviários federais em Brasília, no dia 1º de junho do corrente ano.
Nesse contexto, por diversas vezes, fiz críticas ao atual Presidente em minhas redes sociais, fato que fez com que o meu perfil nas redes sociais passasse a ser monitorado por membros da alta gestão da PRF, inclusive pelo próprio Diretor-Geral. À época, ele tinha mais de 43 mil seguidores, mas visualizava todas as minhas postagens, e é no mínimo curioso que a autoridade máxima do órgão dispusesse de tempo para verificar todas as postagens que eu fazia em minhas redes sociais. Esse comportamento parecia ser uma forma de intimidação. Todavia, mantive minhas postagens críticas ao atual Governo, pois tenho um alinhamento político e ideológico diametralmente oposto às pautas do Governo Bolsonaro.
Esse ambiente de monitoramento e intimidação foi se acentuando ao longo da campanha eleitoral. Em 24 de setembro de 2022 encaminhei uma mensagem anônima de crítica ao atual Diretor da PRF, por meio de aplicativo de mensagens, em um grupo de gestores operacionais da PRF, e de pronto o Superintendente da PRF no Rio Grande do Sul repreendeu-me por essa minha conduta, alegando tratar-se de um grupo de trabalho.
Em 12 de outubro de 2022 fiz uma postagem em meu Instagram, por meio de um story, com uma foto minha utilizando o uniforme da PRF e com os seguintes dizeres: "#forabolsonaro EU SOU PRF E ESTOU COM O @lulaoficial".
Apenas um dia após a postagem, a Corregedoria-Geral em Brasília determinou a abertura da Investigação Preliminar Sumária nº 08650.095864/2022-72, com o objetivo de averiguar possível desvio funcional deste servidor. Essa situação gerou um grande constrangimento a este servidor, uma vez que é a primeira vez em sua carreira profissional, em 17 anos de atividade, em que é investigado pela área correcional, e, detalhe, não por ser um mau policial ou por outra questão, mas simplesmente por uma postagem crítica, uma postagem declarando um voto, e não pedindo voto, como fez o atual Diretor um dia antes do segundo turno das eleições.
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É importante frisar que causa estranheza a rapidez na instauração da investigação disciplinar. Além disso, é incomum que um assunto disciplinar de baixíssima relevância seja avocado pela Corregedoria-Geral para realizar a instrução processual. O fato de ser utilizada a estrutura da Corregedoria-Geral é uma mensagem muito clara de intimidação, no sentido de que não é admitida qualquer divergência política na instituição. Em uma situação comum, esse fato deveria ser investigado pela Corregedoria Regional do Rio Grande do Sul, pois sou lotado no serviço de operações da PRF em Porto Alegre.
Esse quadro, que demonstra um claro assédio eleitoral, é reforçado pelo fato de o meu processo de investigação ter sido encaminhado para a Corregedoria Regional de Santa Catarina, onde o irmão do Diretor-Geral exerce função de chefia na seara correcional. Esse cenário aparenta ser um clássico processo kafkiano, em que não importam os argumentos de defesa, pois o desfecho já está determinado.
Reportagem da revista CartaCapital evidenciou a seletividade da Corregedoria. O título dela é: PRF investiga agente lulista, mas fecha os olhos para bolsonaristas.
Ao realizar a referida postagem, fora do horário de trabalho, friso, eu interpretei que havia permissão legal, pois eu acompanhava diuturnamente postagens do próprio Diretor-Geral em apoio ao candidato Jair Bolsonaro.
O Ministério Público Federal, inclusive, ingressou com uma ação de improbidade administrativa pedindo o afastamento do Diretor por 90 dias, pois entendeu que houve o uso indevido da instituição, durante a campanha eleitoral, a favor do candidato Bolsonaro, conforme se apura no Processo nº 5086967-22.2022.4.02.5101, noticiado em site do próprio Ministério Público Federal, com o título: MPF move ação de improbidade contra diretor-geral da PRF e pede seu afastamento.
Esse ambiente de assédio eleitoral gerou grande abalo emocional em mim, de modo que, por recomendação médica, fui afastado das minhas atividades laborais por 90 dias. Ademais, passei a fazer uso de medicação controlada para depressão, ansiedade e insônia.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço ao Pedro Guimarães pelo depoimento.
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Também vou ler para não perder nada, mas eu queria, antes, iniciar minha fala dizendo que, de ontem para hoje, muitos colegas entraram em contato comigo e pediram que eu desse voz a eles também aqui, dada a quantidade de violações, de perseguição, de assédio moral e sexual, punições geográficas, silêncios administrativos. Infelizmente, não vou poder dar voz a todos porque muita coisa aconteceu — muita coisa! Eu vou me limitar a fazer o meu relato pessoal. Espero que isso ajude.
Meu nome é Páris Borges Barbosa. Sou cientista. Sou policial. Sou uma mulher transexual. Sempre fui uma mulher transexual. Minha vida é marcada pela violência, pela ameaça, pela rejeição, pelo desprezo, pelo bullying, pela perda de tantos amigos, amigas e amantes que morreram em razão da depressão, do suicídio, da negligência da rede de saúde pública e privada. Mortos também por linchamento! A pauladas e a pedradas. Carrego em mim a memória de todos e todas, e penso também em tantas outras pessoas LGBTQIA+ que não estão mais conosco e que nunca conheci pessoalmente, mas que certamente fazem falta para quem as amava.
A violência que quero descrever neste relato é a violência sofrida dentro de uma instituição dita de "segurança pública": A Polícia Rodoviária Federal (PRF). Uma instituição que tem como função declarada garantir o cumprimento da lei e proteger as pessoas da violência, mas que hoje faz justamente o contrário! São inúmeros os casos em que a PRF aparece violando a lei e promovendo violência contra a população e contra seus próprios agentes. Não são casos isolados, não são apenas alguns "maus" policiais, a violência que eu sofro é uma violência institucional fruto da homofobia, do machismo e do racismo estrutural.
Minha história de violência na PRF se inicia ao ler o Edital do Concurso Público de seleção para o cargo de policial rodoviária federal em 2009. Naquele ano, eu não havia me assumido publicamente como uma pessoa transgênero e vivia escondida. Uma vida dupla! No Edital estava estampada a lógica binária de uma sociedade transfóbica. Ali, em diversas passagens, havia menção a requisitos necessários para homens e mulheres concorrerem ao cargo. Nenhuma menção a pessoas trans, travestis, não binárias... Nossa existência não é mencionada, não é prevista.
Fui selecionada com uma ótima nota de classificação e entrei no curso de formação profissional da PRF (CFP) onde fui obrigada a raspar meus cabelos, que eram longos como eu sempre gostei que fossem. Meus cabelos significavam pra mim uma pequena forma de existir sem ser sufocada pelos padrões de masculinidade que me eram impostos todos os dias. Durante aqueles três meses e durante mais 3 anos de estágio probatório eu me vi desfigurada no espelho todos os dias.
Em 2015 eu decidi deixar meus cabelos crescerem novamente. Resolvi, portanto, desafiar regras internas abusivas que criavam discriminações entre homens e mulheres a respeito de sua apresentação individual e que ignoravam a existência de pessoas transgênero no mundo. Entre 2015 e 2017 fui alvo de muitas piadas de colegas e de reprimendas e relatórios correcionais em razão da minha aparência estar "fora do padrão" por causa dos meus cabelos. Alguns colegas ameaçavam cortar meus cabelos a força ou de noite, durante minha hora de descanso no plantão. Ainda assim eu preferia ouvir as piadas e responder aos processos administrativos e sindicâncias do que continuar a ver no espelho aquela pessoa que eu não reconhecia.
Em 2017 minha existência se tornou insuportável, havia dois caminhos claros à minha frente: ou me assumir transexual ou morrer. Em outras palavras, seguir em uma vida de humilhações ou cessar de vez todo o meu sofrimento. Decidi pelo primeiro e me revelei transexual para minha família, para meus amigos e para meus superiores hierárquicos na PRF. Foram meses muito difíceis.
Nos anos que seguiram sofri manifestações individuais e institucionais de transfobia. Colegas se recusavam a trabalhar comigo. Dentro do sindicato, em grupos de mensagens alguns policiais me chamavam de "aberração da natureza", "falsificação de mulher", "traveco", sem que os dirigentes sindicais manifestassem nenhuma censura ou palavra em minha defesa. Os próprios dirigentes sindicais insistiam em se referir a mim utilizando pronomes masculinos.
Institucionalmente, fui preterida na concessão de licença para me matricular em programa de Mestrado Acadêmico em Ciências Jurídicas e Sociais com enfoque em Sociologia da Violência e Criminologia. Meu pedido de licença feito em 2018 foi negado, enquanto dezenas de outros policiais recebiam licenças para fazer cursinhos online de informática, excel, espanhol, inglês, ou qualquer outro curso usado como desculpa para não trabalhar.
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Na realidade, meu pedido de licença — não foi negado — foi "engavetado", uma das táticas mais abusivas e ilegais usadas pelos gestores para humilhar os policiais. Essa tática é conhecida no jargão jurídico como "Silêncio Administrativo" e consiste simplesmente em — abre aspas — "opor resistência injustificada ao andamento de documento e processo", uma violação de dever funcional do servidor público prevista na lei 8.112/90 art. 117, IV. Contudo, nenhum gestor jamais foi punido por engavetar pedidos e processos. Isso se deve a uma corregedoria frouxa, que somente serve apenas para perseguir os policiais e a um Ministério Público Federal omisso em seu papel de controle externo.
Defendi minha dissertação e me tornei Mestre em maio de 2021, trabalhando, estudando e realizando minha pesquisa ao mesmo tempo. Até hoje o processo que enviei para a Administração Pública pedindo licença para o Mestrado se encontra parado nos labirintos burocráticos.
Contudo, foi no Ano de 2020 que as violências institucionais tomaram contornos de extremo sadismo. Fui enganada e usada pela Administração para construir uma Divisão de Pesquisa Desenvolvimento e Inovação (DPDI) dentro da Academia da Polícia Rodoviária Federal sob a promessa de que teríamos um local para produzir conhecimento científico de ponta sobre segurança pública e poderíamos realizar eventos de extensão para aproximar a polícia das Universidades Públicas e da sociedade. Trabalhei durante 1 ano inteiro sob uma promessa constante de que seria transferida para a Academia da Polícia Rodoviária Federal em Santa Catarina. Toda semana ouvia que a transferência ocorreria no mês seguinte, e assim entreguei meu apartamento alugado e passei a morar em uma sala comercial com minha companheira — que está aqui me dando força —, meu labrador e meu gato, amontoadas entre caixas de papelão que guardavam meus pertences e que assim ficaram por 1 ano, em regime de incerteza permanente. Contudo, continuei trabalhando remotamente para construir a DPDI, laborando em regime muito superior a jornada de 40 horas semanais determinada pela lei que regula nossa carreira.
Apenas em agosto de 2021 fui finalmente removida para a Academia da Polícia Rodoviária Federal. Ali o meu trabalho avançou e junto com uma equipe de excelentes profissionais produzimos um sistema para publicação periódica de artigos científicos com padrões de revisão duplo cego, elaboramos o regulamento e o projeto executivo para um congresso internacional de segurança pública, obtivemos o reconhecimento do CNPq para que a Academia da Polícia Rodoviária Federal passasse a ter o status de Instituição de Ciência e Tecnologia, Organizamos 7 grupos de pesquisa em diferentes áreas: Segurança Pública, Saúde, Direitos Humanos, Gestão, Tecnologia, Educação e Trânsito que foram registrados e certificados junto ao Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, programamos uma agenda de seminários com cientistas reconhecidos em suas áreas, elaboramos projetos de pesquisa em convênio com universidades públicas para avaliar os impactos do curso de formação profissional na saúde mental dos novos policiais.
Infelizmente, neste ano, perdemos um colega, que se suicidou 30 dias após terminar o curso de formação. Essa pesquisa poderia prevenir esse tipo de acontecimento.
Todos estes projetos estavam prontos para serem executados, mas foram destruídos sem nenhum deles chegar a ser implementado! Foram anos de trabalho perdido. Finalmente eu entendi que a intenção da gestão nunca foi produzir ciência, mas sim controlar o discurso científico sobre a atuação policial.
Existe um desejo dos gestores atuais de "disputar" com os cientistas aquilo que eles entendem como autoridade sobre o tema da segurança pública. Isso foi declarado em público diversas vezes pelo Diretor-Geral Silvinei Vasques a um auditório lotado da Academia da Polícia Rodoviária Federal onde ele dizia: "Precisamos combater a ideologia que vem das universidades públicas". Dizia também: "Quem entende de segurança pública é o policial!"
Ao perceberem que a Divisão de Pesquisa gozava agora do prestígio junto ao CNPq, nossa equipe, que tanto trabalhou para a sua construção, se tornou dispensável e todos os seus membros foram banidos e substituídos. Alguns conseguiram uma saída honrosa, através de licença para obter seus títulos de mestre. Eu, contudo, fui, mais uma vez, preterida no meu pedido de licença para obter meu título de doutora. Meu processo encontra-se novamente engavetado desde o mês de maio de 2022, por omissão do policial Wilmen Silva, e eu sigo estudando e trabalhando ao mesmo tempo. Além disso, todas as horas extras em que trabalhei para construir os projetos da Divisão de Pesquisa foram desconsideradas, mesmo estando eu exercendo o cargo de chefe da Divisão de Pesquisa, portanto estando à disposição da gestão praticamente em tempo integral.
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Na minha saída da chefia da Divisão de Pesquisa fui surpreendida com o saldo de horas negativo, mais de 200 horas, as quais agora sou cobrada a cumprir.
Meu banimento da universidade da Polícia Rodoviária Federal ocorreu no mês de agosto de 2022, no dia seguinte a uma ligação que eu recebi do atual Coordenador da Academia da Polícia Rodoviária Federal, Marcelo Vinícius. Durante a ligação, ele me disse que era contra o meu pedido de licença para o doutorado, apesar de a decisão não caber a ele e sim ao Ministro da Justiça e que ele manifestaria a sua opinião no processo, ainda que legalmente não lhe coubesse opinar. Acrescentou ainda que não poderia dar licença para mais ninguém, já que tinha problemas de efetivo na Academia da Polícia e que por isso ninguém poderia sair.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Pode, sim. Sinta-se à vontade.
O policial Marcelo Vinícius, hoje à frente da Coordenação da Academia da Polícia Rodoviária Federal, me ligou e disse que não poderia abrir mão de mais ninguém porque tinha problema de efetivo dentro da Academia da Polícia Rodoviária Federal e, por isso, ninguém poderia sair.
A justificativa de problema de efetivo era uma mentira, pois no dia seguinte a essa ligação eu fui banida de forma surpresa junto com outros cinco colegas para trabalhar na atividade operacional ordinária, na Delegacia de São José, em Santa Catarina. Em menos de 24 horas o meu banimento foi mais uma vez modificado. O Superintendente da Polícia Rodoviária Federal de Santa Catarina, André Saul, determinou que eu não fosse para a atividade operacional. Ao invés disso ele me alocou na central telefônica, do Centro de Comando e Controle para realizar atendimento das pessoas que ligam para o número de emergência da polícia 191.
Demorei 2 meses para entender por que eu tinha ido parar nesse local e não na atividade operacional como os outros colegas que tinham sido banidos. Apenas em outubro eu descobri, por meio de outros policiais, que o Superintendente André Saul justificou minha lotação como atendente na central telefônica para "não expor a imagem pública da Polícia Rodoviária Federal a ter um traveco na atividade operacional".
Meu processo de licença para doutorado se encontra hoje escondido na gaveta do Superintendente André Saul. O Presidente do sindicato de Santa Catarina, Paulo Roberto Coelho, foi interceder a meu favor junto ao Superintendente André Saul na última semana de novembro de 2022 para verificar a possibilidade de dar andamento no meu processo de licença. Segundo o presidente do sindicato, André Saul “não quis nem conversar quando ouviu o meu nome”. Simplesmente se manifestou contrário a minha licença e informou que meu processo não sairá da gaveta enquanto ele for o Superintendente.
Não é possível esgotar nestas páginas tudo o que sofri e sofro por ser mulher, bissexual transexual e marxista. É difícil explicar o quanto o fato de eu, uma mulher transexual, estar cursando um doutorado atiça a raiva em pessoas ignorantes e anti-intelectuais.
Mas quero terminar este relato contando o motivo pelo qual neste mês de novembro de 2022 atingi meu limite e solicitei uma licença de saúde. Estou sofrendo crises de ansiedade intensas. A função para a qual fui designada, de atendente telefônica, foi, sem dúvida, o ato de violência mais cruel que um superior hierárquico já cometeu contra mim.
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Falar no telefone com pessoas desconhecidas sempre é pra mim razão de angústia e sofrimento psíquico, porque a pessoa que está do outro lado da linha não sabe que sou uma mulher. Ao ouvir minha voz, deformada pela testosterona de uma puberdade forçada, as pessoas automaticamente passam a me tratar com pronomes masculinos e a me chamar de "Senhor". São dezenas, às vezes centenas de ligações atendidas durante um plantão de 24 horas. Eu saio daquele local, todos os dias, emocionalmente destruída.
Este é um apelo para que seja instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito, a fim de analisar as várias denúncias de assédio moral, sexual, punições geográficas, silêncios administrativos, perseguições políticas e todo tipo de preconceito praticado, principalmente contra as policiais mulheres, que se intensificaram durante a gestão Bolsonaro. É também um pedido de socorro, pois neste momento minha própria vida está em risco.
A Polícia Rodoviária Federal se tornou nesta gestão uma máquina de guerra, com equipes de operações especiais dedicadas a matar e que respondem diretamente ao Diretor-Geral. Com um serviço de inteligência altamente equipado e financiado, que usa de subterfúgios jurídicos e mentiras para espionar servidores e a sociedade. Um verdadeiro serviço de espionagem que não se submete ao controle do Ministério Público Federal.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada pelo depoimento, Páris.
A SRA. LETÍCIA OLIVEIRA PAIVA - Bom dia a todos e a todas. Peço perdão pelo improvisado da câmera. Agradeço enormemente à Sra. Deputada por nos dar esta oportunidade.
Eu me chamo Letícia Oliveira Paiva. Tenho quase 49 anos. Estou na polícia desde 2005. Portanto, já se vão 17 anos de trabalho pela PRF. Tenho um mestrado cursado na Universidade Pablo Olavide pelo qual tive que lutar, inclusive na Justiça, pelo direito de fazê-lo. Na época, o Juiz Federal que deu a sentença, que me permitiu fazer o meu curso na Espanha, que foi em 2011, disse que, naquele momento, eu seria a única policial federal, incluindo as duas forças, a ter um mestrado em direitos humanos. Por isso ele concedeu a minha licença.
Desde então, tenho lutado nessa seara de direitos humanos para que façamos uma polícia humana, uma polícia que faça, sim, o devido combate à criminalidade, mas uma polícia totalmente oposta à polícia que utiliza câmeras de gás.
Essa tem sido a minha luta, Sra. Deputada e demais participantes desta reunião, já há 11 anos, pela qual já me afastei de minhas filhas por muitas vezes.
Virei várias noites presenciando situações desumanas, totalmente deploráveis, mas é uma luta pela qual somos apaixonados, é uma luta também para que o trabalho policial seja direcionado à defesa da população, e não para que seja direcionado à defesa de um ou outro posicionamento ideológico.
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Em 2014, eu fiz o curso de formação de docentes. Eu me tornei docente da Polícia Rodoviária Federal e fui convidada a compor a equipe da atual UniPRF, à época, ANPRF, a associação nacional. Eu fui convidada a compor os quadros da Polícia Rodoviária Federal. E eu estava na UniPRF desde então, desde 2014.
Surpreendentemente, em 2021, por discordarmos de posicionamentos totalmente contrários, os quais nós estudamos e com os quais trabalhamos... Além de ter mestrado em direitos humanos, eu sou pós-graduada em educação pela PUC do Rio Grande do Sul. Eu e outros 200 colegas do curso de formação éramos totalmente contrários às regras do que seria razoável para a formação de um cidadão que trabalha na polícia. É importante frisarmos que somos pessoas que trabalhamos com o serviço policial, mas parece que se esquecem disso muitas vezes.
Quando eu fui banida da UniPRF — tudo isso está documentado —, no documento do Sr. Wilmen Silva dizia que, apesar de a UniPRF estar precisando compor seu efetivo, era importante compor o efetivo com pessoas mais qualificadas.
Ora, uma vez que ele disse que só pode compor o quadro com pessoas mais qualificadas, então, a partir daquele momento, só poderiam ser lotadas na UniPRF pessoas que fossem mais qualificadas do que eu, ou seja, pessoas que tivessem um mestrado, pessoas que tivessem duas especializações, pessoas que tivessem experiência na área de ensino, já que estamos falando da universidade, do local de capacitação.
Ressalto, Sra. Deputada, que, nesses anos que estive na PRF, eu fui coordenadora de diversos cursos, coordenadora administrativa, coordenadora pedagógica. Destaco que, em 2019 e 2020, trabalhei na construção de um projeto de renovação de todo o quadro de instrutores da Polícia Rodoviária Federal. Depois de ser expulsa da UniPRF e ir para a superintendência, eu pude perceber que pessoas com 3 meses de polícia, tendo somente o nível superior... Eu não desprezo isso, mas estava escrito no documento que me expulsou de lá que se precisava de pessoas mais qualificadas. Então, as pessoas que entraram deveriam ter um currículo melhor do que o meu, porque isso foi dito no documento que me expulsou da UniPRF.
Além disso, ressalto a rapidez, também citada pelo colega. Em menos de 24 horas, o meu processo foi assinado, em Brasília, pelo Diretor de Gestão de Pessoas e desceu para a superintendência, que me mandou para a delegacia. Foi um processo totalmente forjado, totalmente forjado, uma situação que não existe na PRF. A remoção ex officio começa com um pedido da unidade: "Preciso de um policial aqui que tenha tal qualificação".
Processos não começam com expulsões. Isso nunca foi visto na PRF — nunca foi visto.
Ressalto: punições geográficas, expulsões e banimentos, que são as situações que estamos debatendo aqui, nunca foram vistos na PRF.
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Além disso, ressalto a negativa do sindicato de Santa Catarina em me apoiar. Procurei o sindicato de Santa Catarina, fiz uma reunião com a advogada do sindicato, que disse que nada poderia fazer porque o Vasquez, Diretor-Geral da PRF, o Wilmen, então coordenador da UniPRF, o André Saul, Superintendente da PRF, todos eles eram sindicalizados. Então, ela não poderia propor uma ação contra o Governo Federal, contra a União, simplesmente citando os atos desses agentes, que eram sindicalizados. Foi um absurdo jurídico jamais visto.
Ressalto também, Sra. Deputada, que passei os últimos dez dias pedindo ao sindicato de Santa Catarina que pagasse a minha passagem para que eu pudesse estar presente nesta reunião, que o sindicato de Santa Catarina me enrolou, levava dias para responder e, por fim, não comprou a passagem simplesmente. E eles não têm sequer a hombridade, a lisura e a coragem de dizer: "Olhe, Sra. Letícia, não compraremos a sua passagem". Enfim, há um silêncio, uma enrolação.
É importante também dizer, Sra. Deputada, que esta minha fala, com esta respiração, parece que eu estou subindo uma escada, é devido à crise de ansiedade que eu desenvolvi desde então. A minha história é mais cumprida. A minha história tem muitos detalhes sórdidos de perseguição no dia a dia. Eu estava trabalhando na delegacia, no setor administrativo da delegacia, depois que fui expulsa, porque precisavam do meu trabalho. Até do trabalho da delegacia fui expulsa, porque eles entendem, Sra. Deputada, que o trabalho na pista é punição.
Ressalto que eu tenho uma filha pequena e que não tenho família aqui, toda a minha família está no Rio de Janeiro, e eu não tenho como passar 24 horas trabalhando. Há outra coisa: eu já galguei, eu já estive na pista, eu já trabalhei em diversas situações. Fui lotada inicialmente em Rondônia, trabalhei em postos fronteiriços, trabalhei em um posto que era o último posto policial do Brasil antes de chegarmos à Bolívia. Nunca reclamei disso. Acontece, Sra. Deputada, que é normal que, em qualquer carreira, com o passar do tempo, o servidor vá galgando espaços. E a punição é esta: é fazer você voltar para o estágio inicial da carreira, o que não é nenhuma humilhação. No entanto, expulsar uma pessoa do seu trabalho, onde ela está há quase 10 anos, sem motivo, do dia para noite, colocando-me para trabalhar a quase 50 quilômetros da minha casa, tudo isso é de uma maldade, Sra. Deputada, é de uma crueldade!
Fui até o Sr. Superintendente me humilhar e dizer para ele que eu precisava cuidar da minha filha, trabalhar, que essas condições de trabalho para mim seriam impossíveis. Implorei a ele que me desse o direito de ser mãe, o que ele negou dizendo que nada poderia fazer, que, na verdade, ele estava esvaziando a superintendência porque a delegacia precisava de policiais. Resignada, fui para a delegacia. Qual não foi minha surpresa quando eu vi, depois, diversas pessoas sendo lotadas na superintendência? É lógico que isso se tornou uma prática constante nesta administração.
Então, isso se tornou constante nesta administração.
Para os amigos do rei tudo é possível.
Devido a tudo isso — há outros assédios verbais, mas o tempo me rouba a oportunidade de falar sobre eles —, eu estou afastada desde abril das atuações da Polícia Rodoviária Federal. Eu desenvolvi, inclusive, uma fibromialgia, por conta de toda essa situação. Estou melhorando das diversas dores físicas que eu sentia, mas as crises de ansiedade não param. A senhora veja que eu não consigo nem falar tranquilamente nesta reunião. Estou tomando antidepressivos, remédios para dormir, remédios para ansiedade, enfim, estou fazendo uso de diversas terapias para ver se consigo, de verdade, superar tudo isso.
E volto a pedir, com todas as forças do meu coração, da minha alma e da minha luta: algo precisa ser feito. Eu fui expulsa simplesmente pelo fato de ser mulher, de ser de esquerda e de querer que a Polícia Rodoviária Federal tivesse um trabalho sério, e não o trabalho achincalhado — com o perdão da palavra — que tem sido feito nos últimos tempos.
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Sra. Deputada, ao ver a situação da câmara de gás, ao ver os assassinatos cometidos pela Polícia Rodoviária Federal, eu passava mal e ia às lágrimas, ao ponto de minha filha mais velha uma vez pedir para eu não olhar mais o celular e desligar a televisão quando passasse notícias sobre a Polícia Rodoviária Federal, uma instituição pela qual eu lutei, Sra. Deputada, durante anos, para ser uma polícia digna, para ser a polícia que era conhecida como polícia cidadã, a única polícia deste País que não participou dos porões da ditadura. Agora, estou nesta situação, aos 49 anos de idade. Eu nunca tinha tomado remédios para depressão na vida e agora estou tomando remédios antidepressivos por causa da atuação covarde, canalha desta gestão.
O Ministério Público Federal, Sra. Deputada, virou-me as costas. Inclusive, disseram-me sorrindo que eu deveria estar feliz, porque a Polícia Rodoviária Federal poderia ter me mandado para o Acre. A Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal transformou o processo de investigação de atos de assédio moral em um processo de investigação sobre mim, que era a denunciante dos fatos. A divisão de gestão de pessoas da Polícia Rodoviária Federal deu um despacho para a minha remoção em que parecia que nem sequer tinha lido o que eu escrevi no processo. O sindicato da Polícia Rodoviária Federal me deu as costas, Sra. Deputada, e não comprou uma passagem para eu que pudesse participar desta audiência.
Sra. Deputada, vejo sua ação e a possibilidade de instauração de uma investigação séria sobre os atos cometidos pela Polícia Rodoviária Federal como a última tábua de salvação.
E última coisa, para encerrar, Sra. Deputada: eu não recorri ao Judiciário porque eu falei para minha amiga Páris, para a minha amiga Laura e para minha família que, se eu tivesse mais uma negativa neste País como eu tive do Ministério Público Federal, da Corregedoria da Polícia Rodoviária Federal, dos colegas da Polícia Rodoviária Federal, da divisão de gestão de pessoas, eu não sei o que seria de mim. Tive medo de me enterrar em um buraco sem fundo.
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Eu relutei em participar desse momento, mas depois fui convencida e estou aqui com muito orgulho, Sra. Deputada, com muito orgulho, pedindo à senhora que seja, de verdade, essa tábua de salvação de pessoas que, como eu, a Páris e os demais colegas presentes, sofreram na mão dessas pessoas que se assenhorearam da Polícia Rodoviária Federal brasileira.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Letícia, pelo depoimento.
O SR. JOÃO RODRIGUES BONFIM NETO - Bom dia a todos. Bom dia a todos que estão on-line. Agradeço à nossa Deputada.
Esta reunião é uma construção que vem sendo tratada desde o fim de junho, meados de julho. Pela questão das eleições, ela foi postergada, mas estamos neste momento e ela faz valer o peso que o sindicato tem que ter para dar voz aos seus filiados quando eles estão sofrendo dentro do seu ambiente de trabalho.
O que o sindicato tem a dizer em relação a tudo isso é que a situação atual por que o nosso órgão vem passando é em decorrência de uma construção de gestões — não dessa agora, mas, estimamos, das duas últimas gestões, como o colega Nimer falou —, da mudança do direcionamento do órgão, que é a visão estratégica. Essa mudança de visão estratégica leva a um desconhecimento do que o órgão vai tratar diante da sociedade, do que ele vai entregar. A nossa instituição vem crescendo com os grandes eventos. Vale lembrar que, desde 2006, com os Jogos Pan-Americanos, nossa instituição vem crescendo, graças à ação de cada servidor dela.
Essa construção teve incremento de orçamento, teve incremento de estrutura, teve desenvolvimento de tecnologia, teve desenvolvimento de pessoas. E nós chegamos ao ponto-chave: atender o crescimento e atender os servidores. Nós temos que zelar pelo nosso material, que é o servidor. Essa é a nossa primeira gestão no sindicato, é o primeiro ano que nós estamos no sindicato. Nós assumimos em janeiro, com a postura de mudar, de receber aquilo que o servidor trazia para o sindicato, para poder dialogar com a administração e rever posicionamentos, promover melhorias e condições para os nossos servidores. E essas melhorias esbarram na questão legislativa, Deputada.
Nós temos hoje a seguinte situação: o nosso servidor, que não é militar, é civil, tem uma legislação totalmente voltada para servidores que trabalham no administrativo no dia a dia, de segunda-feira a sexta-feira. O servidor da escala sofre hoje. Ele tem uma restrição de direitos. Eu cito como exemplo a doação de sangue. Hoje, nossa doação de sangue foi regulamentada pelo órgão. Isso é um absurdo! Nas palavras no sindicato, isso é um absurdo!
E outros direitos estão sendo tolhidos.
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Então, nós temos uma estrutura que não atende o servidor que trabalha em escala, deixando margem para a gestão delimitar aquilo que ela entende por bem para prover a segurança pública. Nós não somos militares — reforço a ideia — e temos hoje uma cobrança como se militares fôssemos. Essa mudança de paradigma nessa cobrança gera na cabeça do servidor problemas, problemas como os que colegas trouxeram aqui para esta audiência, problemas como os que os colegas nos levam ao sindicato no dia a dia ou nos relatam em diálogo quando nos encontramos no corredor do órgão. Há pessoas que querem abandonar o órgão pela pressão hoje exercida.
Vou usar algumas palavras que o nosso colega Fabrício Rosa usou em uma reunião que nós tivemos, em que ele disse que a polícia hoje age como uma empresa, com metas, com cobranças, mas o nosso servidor não está ali sendo atendido nos seus direitos, no seu descanso, na sua remuneração. Há o impedimento de fazer um serviço a mais fora do órgão. Temos hoje uma limitação de trabalho, que é exagerada, conforme alguns que já mencionaram nas reuniões com a federação. Isso impacta a cabeça de cada servidor.
O nosso servidor trouxe o órgão até a presente data. Foi o servidor da Polícia Rodoviária Federal que a manteve em pé e desenvolveu tudo que há, mas o órgão está doente. Nós temos perspectivas, temos muitas pessoas boas dentro do órgão, que trabalham, que querem o engrandecimento da corporação, mas hoje vivemos uma situação de direcionamento que a gestão deu.
Em relação aos processos trazidos, o que eu tenho identificado no órgão é que a maioria dos processos que eram para ser públicos no seu cerne hoje são restritos. Nós temos hoje uma falta de controle social em cima dos processos, porque as pessoas não querem responder a alguma indagação feita para o servidor, já que aquele processo é público. Nós temos restrições de processo dentro do órgão que fazem a perda do controle social diante daquilo que a gestão está trabalhando.
Temos hoje a criação do Conselho Superior, que não está previsto no nosso organograma. Esse Conselho Superior atende o viés do diretor máximo, do gestor máximo, o Diretor-Geral, e não leva em frente o que os servidores estão trazendo para os sindicatos. Os sindicatos não tiveram voz perante esse conselho. Chegamos a ser convidado para tratar o que esse conselho trabalhou o ano inteiro, com várias resoluções publicadas. Resoluções essas que limitam direitos, repito, como o da doação de sangue, que é o caso mais crasso que eu vejo, que está no mesmo artigo da licença nojo, da licença gala. Ficamos até na expectativa de quando eles iriam regulamentar a licença nojo e a licença gala, porque, se regulamentaram a doação de sangue, é um passo para regulamentarem os outros dois incisos.
Para aqueles que não acreditam na COVID, ela matou muita gente.
Trago um histórico sobre o órgão no atual Governo. O nosso primeiro gestor saiu porque foi divulgada a morte de um servidor em Santa Catarina em decorrência da COVID. O órgão foi proibido de citar o termo "COVID". Ficou insustentável dizer que existia COVID. A gestão anterior fez uma série de operações desconsiderando a COVID à época, em que mais dois servidores da sede nacional morreram em decorrência da COVID, servidores esses que lá estavam cumprindo missão — esse é o jargão militar —, porque a segurança pública não para.
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Nós, como servidores civis, atendemos o pedido da segurança pública e o fazemos, mas tivemos perdas. Essas perdas estão trazendo mais esse embate hoje no órgão, a respeito de como crescer e atender os direitos dos servidores. O órgão ganhou em visibilidade, em publicidade. Está no Instagram e em outras mídias a PRF, sempre bem cotada. A população gosta da polícia. Ela tem uma aceitação. Mas como trabalhar essa aceitação com o crescimento do órgão e a defesa do nosso servidor? É um papel difícil para o sindicato hoje o de defender um servidor. É muito difícil, porque tem que conversar com o gestor, ver o que ele quer e ver o que dá para fazer com o efetivo que possui.
Houve neste Governo uma proximidade exagerada, para que um órgão de Estado fosse transformado em órgão de governo. Nós não somos órgão de governo. Somos órgão de Estado. Todos os servidores desse órgão dão o sangue, porque gostam do serviço. Prestam o seu serviço não por obrigação, mas sim por dever. Sabem o dever que têm e o alcance que eles têm perante a população.
Eu entrei na polícia humanizada, entrei em 2006. Sou do meio e sou contemporâneo da nossa colega Letícia. A Páris entrou por concurso após o meu. Sou oriundo do concurso de segundo grau e me especializei dentro do órgão. Cada servidor corre atrás do seu e faz muito bem o seu papel. O órgão cresceu e vem crescendo graças a esse servidor dedicado. Temos como construir um melhor órgão usando o nosso efetivo. Os nossos colegas sabem da dificuldade de cada um, sabem das restrições orçamentárias.
O colega Nimer mencionou o fato que ensejou esta reunião: a falta de coletes, a falta destes dispositivos elétricos, a Taser, a Spark, no caso. Estou citando marcas, mas se trata do dispositivo elétrico condutor de energia. A portaria ministerial nos garante isto, prevê que temos de ter dois dispositivos não letais, e hoje há falta deles. Falta capacitação anual, o que é previsto na mesma portaria. O órgão pegou uma decisão de gestão e focou aquilo que ele queria fazer no que se refere à mudança da diretriz do órgão, àquela mudança de visão estratégica. Nós passamos por um período de transformação em polícia de pronta resposta federal.
Passada essa fase, frisou-se o combate ao crime, o que nós já fazíamos sem toda essa mídia. A Polícia Rodoviária é a que mais apreende drogas no mundo.
Antes dessas duas gestões, já fazíamos isso com excelência. Com a tecnologia desenvolvida dentro do próprio órgão, ela só cresceu. Mas isso foi sequestrado pelo atual Governo. Ele sequestrou os nossos ganhos para potencializar o dele. Eu faço a defesa dos nossos servidores, filiados ou não, aqueles doentes e aqueles que sofreram com tudo o que já passamos nesses 3 anos.
(O orador se emociona.)
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O que me leva a extrapolar o tempo é que precisamos melhorar a legislação para o nosso servidor. Hoje temos a garantia de um decreto, decreto esse que é atacado por uma associação de delegados. Esse decreto estendeu a ação da polícia, houve uma extensão trágica, mas é um alcance que o órgão pode ter, e os servidores aceitam aquela definição de atender ao público fazendo segurança pública.
Apesar de nosso cargo ser único, vivemos crises dentro do órgão em relação a isso. É uma polícia de ciclo completo, de certa forma, na questão de trânsito, mas gera dificuldades com outras instituições, a ponto de nos apagarem as luzes. Não é por aí. Conseguimos conviver com isso até hoje. Fazemos muito bem o que fazemos, mas estamos com o efetivo adoecido. Eu estou doente. O efetivo está doente.
Agradeço mais uma vez a oportunidade que a senhora nos deu. Espero que nossos Deputados olhem para essas pessoas, que são servidores públicos federais, trabalham por escala e não têm seus direitos totalmente acolhidos. Nós não temos adicional noturno. A polícia cresceu, e hoje seus servidores são alcançados por algumas resoluções criadas pelo órgão que estão tolhendo direitos. É um absurdo que um colega tenha 10 dias de férias no mês e deva horas porque a escala não acompanhou aqueles dias de férias dele.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço o depoimento de João Rodrigues Bonfim Neto.
O SR. SANDERSON (PL - RS) - Bom dia, Deputada Erika Kokay e aqueles que nos assistem hoje, numa segunda-feira, dia de jogo da Seleção Brasileira. Nós aqui estamos. V.Exa. é sempre muito efetiva e responsável quanto ao interesse público.
Os senhores sabem que sou oriundo da Polícia Federal, coirmã da PRF. Digo que PF e PRF são irmãs siamesas. Para que o sistema policial federal evolua, isso tem que ser feito necessariamente na próxima legislatura. Considerando que está findando esta legislatura, não haverá mais tempo para se fazer isso neste ano.
É preciso tratar das leis orgânicas da Polícia Rodoviária Federal e da Polícia Federal. A PRF pode imaginar que a Polícia Federal tenha toda uma proteção jurídica. Mas não tem nenhuma proteção jurídica também. Precisamos de uma lei orgânica da PRF e da PF.
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Inclusive, na semana passada, ao conversarmos com o Presidente da Câmara, o Deputado Arthur Lira, sobre a Lei Orgânica da Polícia Militar — pretendíamos votar ainda neste ano essa matéria, cujo Relator é o Deputado Capitão Augusto —, apalavramos com ele a votação dessas leis orgânicas no ano que vem. Assim, daremos proteção jurídica integral a esses servidores de carreira que, como muito bem disse o Presidente João Rodrigues, prestam serviços ao País e não ao Governo A, B, C ou D.
Quero deixar registrado o meu inteiro interesse em continuar fazendo aquilo que fiz neste meu primeiro mandato: proteger sempre os policiais da União, os policiais federais e policiais rodoviários federais.
Todos sabemos do nosso esforço, no ano passado e neste ano, para que fosse feita a reestruturação salarial das três polícias da União, a Polícia Penal Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal. Aprovamos na Comissão Mista de Orçamento um recurso suficiente para se fazer essa reestruturação salarial. Não se trata de aumento, muito menos de reajuste, mas sim de nova matriz salarial para os policiais da União. A matéria foi aprovada no plenário da Câmara, foi aprovada no Senado e foi sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro. Mas, na hora de acontecer a efetivação, isso não aconteceu, por uma série de razões. Foram considerados a questão da pandemia, os gastos públicos e a não aceitação, por outras categorias, de que apenas as polícias da União conseguissem a restruturação. Assim, não conseguimos levar adiante a reestruturação, apesar do interesse e do esforço do Presidente Bolsonaro. Eu sou testemunha disso. Nós, na Comissão de Orçamento, não íamos conseguir aprovar a matéria, mas ele entrou no circuito e, à época, disse ao Ministro da Economia: "Olhe, vamos fazer isso, precisamos fazer". Nós a aprovamos, mas depois, no momento seguinte, não conseguimos efetivá-la.
Deputada Erika Kokay, estou à inteira disposição para ajudar na próxima legislatura. Confesso que não sabia desta audiência pública. Estou no gabinete desde cedo, e não sabia desta audiência pública. Conversei com outros Deputados. Só da Polícia Federal, somos seis Deputados Federais na próxima legislatura. E ninguém sabia. Há três da PRF, e também não sabiam. Nós estamos aqui para ajudar. Não há outro objetivo a não ser o de ajudar as polícias da União.
A Polícia Rodoviária Federal faz um belíssimo trabalho, um trabalho excepcional! Tive inúmeras oportunidades de trabalhar com a Polícia Rodoviária em várias operações. Semana passada, numa audiência na Comissão de Segurança Pública da Câmara, houve críticas a uma ou duas ocorrências relativas à Polícia Rodoviária Federal.
A Polícia Rodoviária Federal atende mil ocorrências por dia. Então, em 1 ano, em 365 dias, são milhares e milhares de ocorrências, todas elas complexas. É óbvio que ninguém quer isso, mas, quando acontece alguma intercorrência, algum acidente, como aconteceu nos últimos anos, a Polícia Rodoviária Federal não pode ser atingida, não pode ter o seu prestígio diminuído por uma ocorrência que é da vida. No âmbito da Polícia Federal também acontecem incidentes. Ninguém quer incidentes, nós queremos sempre entregar à sociedade brasileira resultados positivos. Passamos por momentos críticos, passamos por momentos muito difíceis, enfrentamos o período da pandemia, e tivemos força para superar todos esses desafios.
Mais uma vez, Deputada Erika Kokay, digo que, havendo essas audiências, contem conosco. Não sei se o Diretor-Geral da PRF ou um representante da administração da PRF tomou conhecimento da audiência e se foi convidado a participar deste evento. Estou falando aqui como Deputado Federal pela Liderança do Governo Bolsonaro na Câmara, mas é importante que todos sejam ouvidos para que injustiças não aconteçam. Eu estava lá dentro do Palácio do Planalto quando vi a disposição, o denodo do Presidente Bolsonaro quanto a fazer da Polícia Rodoviária Federal uma polícia exemplar, uma polícia com alto nível profissional. Algumas coisas aconteceram, ninguém esperava uma pandemia, que acabou sugando do Orçamento da União 800 bilhões de reais.
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11:33
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João Rodrigues, senhores da PRF, precisaríamos, para fazer essa chamada reestruturação salarial, de 2,5 bilhões de reais, mas com 1,7 bilhão nós a faríamos. Só para o combate à pandemia foram 800 bilhões de reais, algo que ninguém poderia prever. Tivemos que enfrentar a pandemia, e a enfrentamos. Então, acho que não é justo colocar toda a culpa em cima do Governo atual, do Governo Bolsonaro.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Deputado Sanderson, conclua, por favor.
O SR. SANDERSON (PL - RS) - Eu me coloco à disposição para ajudar naquilo que estiver ao nosso alcance e for de interesse da Polícia Rodoviária Federal.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Deputado Sanderson, o anúncio desta audiência está no site da Comissão desde a semana passada e também está no sistema da Câmara.
O SR. SANDERSON (PL - RS) - Mas a própria administração da CTASP nos faz o comunicado, e isso não aconteceu. Isso diminui o tamanho da audiência.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Os Parlamentares têm que acompanhar o site, o Infoleg para saberem da agenda da Casa. O anúncio desta audiência, como o de todas as outras, foi divulgado pelo site da Comissão e também pelo sistema, pelo Infoleg. O requerimento relativo a esta audiência foi aprovado por esta Comissão. V.Exa. poderia ter incluído nomes, se o desejasse, e não o fez. Esta Comissão é, no caso, um espaço de escuta de servidores e de servidoras da Polícia Rodoviária Federal relativamente a todos esses fatos, que nos entristecem bastante. E nos entristece chamar morte de incidente. Isso nos entristece.
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11:37
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Tive oportunidade de presidir uma CPI sobre investigação de violência sexual contra crianças e adolescentes. Em todos os lugares a que fomos, nós procuramos a Polícia Rodoviária Federal, porque ela tem o mapeamento dos locais de vulnerabilidade, tem uma atuação bastante cidadã de combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, em particular nas rodovias. Mas não é só isso. Ela é uma polícia que não carrega as marcas da ditadura, como aqui também já foi dito. Ela vem depois disso. Também é uma polícia muito associada à proteção. As pessoas, quando estão nas rodovias, procuram a Polícia Rodoviária Federal para saber do estado das rodovias, como proteção. Então, ela tem uma lógica de polícia de proteção e de cidadania bem marcante. Ao mesmo tempo é a polícia de ciclo completo no que diz respeito ao trânsito, e há uma discussão nesta Casa acerca de outras polícias. Ela é de carreira única. Esse tema também é discutido em relação a outras polícias, sejam federais, sejam estaduais. É uma polícia de que precisamos cuidar, para que não seja vilipendiada e não seja utilizada, como foi, como instrumento de propaganda eleitoral, porque ela não é uma polícia do governante, não é uma polícia de governo, é uma polícia de Estado.
Nós estamos aqui discutindo e ouvindo relatos de muito sofrimento porque, no Brasil, o Estado foi encarcerado. A lógica de que o Estado pertence ao povo brasileiro foi muito ferida nesse período. Há várias expressões de assédio, como o assédio institucional. Esse órgão está sendo assediado. Existe assédio ao próprio órgão, mas não existe apenas isso. Ocorre assédio organizacional e, ao mesmo tempo, assédio interpessoal, como se houvesse autorização para se normalizar o assédio, para se normalizar o silenciamento, não apenas o silenciamento da administração, mas também o silenciamento dos próprios servidores e servidoras.
Nós realmente achamos que tem de ser investigado tudo que aconteceu na Polícia Rodoviária Federal. Há denúncias de que houve bloqueios para impedir que pessoas em determinada região do Brasil tivessem acesso ao local de votação. Há vídeos — não são denúncias, são fatos — que o titular maior da estrutura da Polícia Rodoviária Federal atuou de maneira muito aberta para o Presidente da República, convocando servidores e servidoras para ali fazerem campanha. Isso não é admissível. A República não pode permitir isso. Como também a República não pode achar que é mero incidente uma morte numa espécie de câmara de gás. Aquilo era uma câmara de gás. As viaturas da Polícia Rodoviária Federal não podem ser utilizadas como instrumento de morte ou como câmara de gás, como vimos recentemente. O próprio Diretor-Geral da Polícia Rodoviária Federal esteve aqui, foi convocado por este Parlamento.
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11:41
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O SR. MARCO ELIAS DE OLIVEIRA NIMER - Quero apenas ratificar aqui as palavras da nobre Deputada. Faço aqui uma saudação à Polícia Federal, uma grande parceira e coirmã nossa. Fizemos muitas operações em conjunto, com muito sucesso, e eu acredito que nesse próximo mandato teremos, ainda mais, grandes operações e grandes relações com a Polícia Federal.
Mas digo ao nobre Deputado que nunca esteve em pauta aqui a questão da restruturação. O que nós colocamos e queremos debater são justamente as situações de assédio moral que aconteceram em nossa instituição. E não ocorreram apenas em nossa instituição, mas na Caixa Econômica, no IBAMA, na própria Polícia Federal. Porém, na Polícia Rodoviária Federal a situação foi muito mais latente. Podem não ter ocorrido a dinâmica e a divulgação que está tendo agora a situação da Polícia Rodoviária Federal, mas, como falou a nobre Deputada, as instituições não podem ser capturadas por um Governo, elas devem pertencer ao Estado, e assim elas devem continuar.
A nossa proposta, a nossa dinâmica, é devolver a Polícia Rodoviária Federal ao seio da Constituição, de onde nunca deveria ter saído. E o que aconteceu aqui, na verdade, foi uma ação de pessoas pontuais na nossa instituição, mas não da nossa instituição como um todo. Porque nós defendemos ainda a ação institucional da Polícia Rodoviária Federal.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Agradeço ao Sr. Marco Elias.
Eu vou me apresentar, porque eu acho que o Deputado chegou um pouquinho após o início. Eu entendi a situação de não ter tido tempo suficiente para estar aqui no início. Mas, apresento-me: eu sou Páris Borges Barbosa, policial rodoviária federal há 10 anos. Sou mestre e doutoranda em ciências jurídicas e sociais.
Como o colega Nimer colocou aqui, nós não estamos debatendo questões orçamentárias ou questões que digam respeito a demandas da categoria, que são demandas justas, inclusive. São demandas justas, mas nós estamos aqui debatendo a respeito da forma como esta administração humilhou, destratou, assediou moral e sexualmente as mulheres, principalmente as mulheres. Foram as mais ofendidas. Praticou perseguições políticas de todos os tipos, punições geográficas, o silêncio administrativo, como colocamos aqui, que é provavelmente uma das formas mais cruéis de ofender um servidor público, impossibilitando que suas demandas vão adiante.
Mas, como o Deputado chegou aqui um pouquinho depois, eu gostaria, se o Deputado tiver interesse, de encaminhar o meu depoimento por escrito, para que ele possa uma vez se inteirar a respeito do que nós estávamos falando aqui antes.
Vou usar os últimos 30 segundos para agradecer mais uma vez, Deputada Erika. Eu quero dizer que me preocupa muito a situação da Polícia Rodoviária Federal, não só por causa de uma gestão. Eu acho que nós nos encontramos num divisor de águas. Nós precisamos de mecanismos que impeçam que novamente uma gestão como a que assumiu a Polícia Rodoviária Federal, daqui a mais 8, 12, 16, 20 anos, venha a assumir de novo. A Polícia Rodoviária Federal precisa de mecanismos que proíbam, que impeçam que o que aconteceu aconteça novamente, independentemente de quem esteja na gestão.
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11:45
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Sra. Páris.
Quero apenas corrigir, ou melhor, colaborar com o debate, já que o Deputado Sanderson, que é daqui do Rio Grande do Sul, trouxe a questão da restruturação. Ele mesmo, junto com outro Parlamentar, o Deputado Nicoletti, trabalharam e conseguiram colocar na emenda que isso fosse aprovado no Orçamento e tudo o mais. Então, na verdade, a responsabilidade de a restruturação não ter saído é exclusivamente do Presidente Bolsonaro. Como ele mesmo falou, foram gastos 800 bilhões de reais, justamente, para combater a pandemia. E isso foi correto. O valor de 1,7 bilhão de reais não faria cócegas no Orçamento da União. Então, foi uma decisão política do próprio Presidente.
Fazendo essa consideração final, de fato, nós precisamos criar mecanismos para que nenhum outro Diretor da Polícia Rodoviária Federal, de qualquer espectro político que seja, possa rifar a nossa reputação de polícia cidadã, de uma polícia que tem 94 anos de história ao lado da sociedade. Eu, enquanto representante sindical, além de primar e lutar pelos direitos dos policiais e defender os seus interesses, em última instância defendo também a institucionalidade da Polícia Rodoviária Federal como uma polícia de Estado, republicana, de uma república democrática de direito.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - A título de informe, Deputado Sanderson, a Secretaria da Comissão mostra a comunicação via Infoleg, uma comunicação que foi encaminhada para todos os Parlamentares e também para as Lideranças dos partidos que estão representados nesta Comissão. A comunicação foi encaminhada no dia 1º de dezembro, às 15h41min — dia 1º foi quinta-feira —, chamando a esta reunião. Esse requerimento foi aprovado aqui na Casa, sem que houvesse qualquer sugestão de acréscimo de qualquer nome para a audiência que está em curso.
Eu gostaria de reiterar as palavras ditas, principalmente as ditas pela colega Páris. É preciso haver algum instrumento para que o que aconteceu comigo, essa violência que eu sofri por parte dessa gestão da PRF e por parte de outros órgãos e o silêncio do Ministério Público Federal, nunca mais ocorra, para que nunca mais alguém passe pelo que eu passei.
E também é importante que essas pessoas sejam punidas, Sra. Deputada. Isso é fundamental, porque, se essas pessoas saírem ilesas, depois de tudo o que fizeram, nós corremos o risco de que essa violência ocorra novamente.
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11:49
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Sra. Letícia.
Nobre Deputado, não viemos aqui discutir reestruturação. Agradeço a lembrança do apoio que o senhor deu ao nosso pedido, ao nosso trâmite orçamentário e tudo o mais, mas o que nós estamos botando aqui na mesa é o quanto o efetivo está carente de legislação em apoio a ele. Essa lei orgânica, por exemplo, está parada há anos. Eu tive notícias dela em 2012 ou 2011, e até hoje não saiu.
Os servidores que trabalham em escala precisam de um arcabouço melhor. Temos que dar aos servidores não uma segurança jurídica para fazerem o errado — viu, nobre Deputada? Não é para fazerem o errado. É preciso dar a entender à população que nós somos trabalhadores também. Nós temos família, nós temos que conviver com essa família, nós temos que ter tempo para estar com a família. E isso passa pela revisão desta Casa. Esta Casa tem que agir.
Nós pedimos, em nome dos filiados, de todos os policiais que estão aqui e dos que estão nos assistindo, que vejam o lado do servidor. O servidor faz o órgão, e o órgão faz muito bem a segurança pública, como foi elogiado por V.Exa. Então, conto com o senhor nesse sentido.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Estamos chegando ao fim da nossa audiência. Quero apenas dizer que nós fizemos um requerimento de informação sobre a questão dos EPIs, dos coletes, do material necessário para o bom funcionamento da Polícia Rodoviária Federal. A resposta que nos foi encaminhada sempre foi uma resposta de que estava em processo de licitação, de que estava em processo. O fato é que os coletes estão vencidos. O fato é que não há os equipamentos necessários para que os policiais e as policiais que estão protegendo as nossas rodovias possam ter condições de trabalho e possam ter a sua segurança física contemplada e preservada.
Nós, portanto, devemos fazer um novo requerimento de informação. As respostas foram evasivas, e todas elas são no sentido de "estamos em processo de", mas, objetivamente, os coletes estão vencidos. Não se pode permitir naturalizar isso. Vai-se naturalizando a precarização das condições de trabalho.
Há também denúncias que nos chegam de que há restrições para que se multem caminhoneiros na estrada porque são considerados como uma base de apoio do Presidente da República. Então, são denúncias que precisam ser investigadas, todas elas.
Mas há um sofrimento que é concreto. As pessoas estão sendo assediadas, assediadas moralmente. Em função das suas opções ou dos seus posicionamentos pessoais em redes, as pessoas estão sendo punidas, preteridas, e não estão sendo respaldadas por um Regimento que deve atingir a todas, todos e todes, de forma absolutamente igual.
Não se pode vasculhar as redes sociais de um policial ou de um servidor ou servidora da Polícia Rodoviária Federal para que a partir daí se determine se vai ou não se atender a uma solicitação que é prevista no próprio Regimento. Isso é inadmissível. Alguns acham que isso é normal. Isso não é normal. Isso é instrumento ditatorial, é instrumento da ditadura, é um instrumento de cercear, de tentar controlar a consciência, controlar as opções políticas, controlar a forma de analisar o mundo e os fenômenos humanos, do próprio servidor. Isso é um assédio à Polícia Rodoviária Federal.
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É por isso que eu digo que são três níveis de assédio. Há o assédio institucional. E uma instituição como a Polícia Rodoviária Federal merece respeito de todos os governantes. Você não pode convocar funcionários, apresentar camisetas com o número 22 e dizer que Lula, aliás, que o candidato que não é o candidato do Governo provoca, que faz isso e faz aquilo. Inclusive, propalam-se fake news, mentiras! Como é possível se ter um órgão como a Polícia Rodoviária Federal com o seu titular máximo nas estruturas do próprio órgão propalando fake news, de forma oficial, transformando a instituição em palanque eleitoral?! É inadmissível que isso tenha acontecido no Brasil! Mas aconteceu e precisa ser investigado.
Por isso, nós queremos marcar com o Governo de transição. Eu solicito a quem fez o pronunciamento que o disponibilize por escrito, para que nós possamos encaminhá-lo ao Governo de transição, para que seja feita uma investigação. Isso não é mais possível de ser admitido e não deveria nunca ter sido admitido.
Isso aconteceu na Polícia Rodoviária Federal e aconteceu na Caixa, inclusive quanto a assédio sexual. Eu venho da Caixa, e nós estamos vendo o sofrimento dos empregados da Caixa. Há empregados sendo obrigados a comer pimenta, empregado negro e gay sendo obrigado a comer pimenta! Há empregados que receberam café quente no rosto, porque a foto que saiu no Instagram, ou não sei onde, a foto do Presidente da empresa, não era uma boa foto.
É inadmissível essa captura que foi feita do Estado. O Estado não pertence ao governante. A lógica republicana diz que o Estado tem que servir para enfrentar os problemas do Brasil, os problemas deste País. Ele não pode estar à mercê da iniciativa privada, nem tampouco à mercê do governante, porque aí é polícia política. Minimizaram o que aconteceu com a morte de uma pessoa que foi assassinada em função de estar dirigindo um veículo sem o capacete, enquanto o Presidente da República fez inúmeras vezes essas "motociatas" ou essas manifestações, sem capacete também.
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Portanto, vasculhar as redes sociais é inadmissível. Isso nunca tinha acontecido no Brasil, desde a democratização. Isso era norma durante a ditadura. Cada órgão público tinha um setor que investigava a vida dos servidores e das servidoras. Enfim, na época da ditadura isso existia. Desde o processo de democratização, nós nunca vimos tantos ataques à lógica republicana neste País, como vemos agora.
É por isso que nós temos a representante dos trabalhadores ou dos empregados e empregadas no Conselho de Administração da EBC, eleita, com a deliberação de um PAD para demiti-la, porque ela denunciou um assédio moral, que foi constatado pela Justiça. Nós já fizemos essa discussão aqui, sobre o nível de assédio moral que os servidores e as servidoras vivenciaram.
E é um assédio também às próprias instituições. Os servidores, ao tentarem manter a função da instituição, a sua lógica precípua, republicana e democrática, torna-se mais assediado ainda. Então, ele sofre um assédio institucional, um assédio organizacional, porque se organiza o serviço para que se assedie quem eles acham que não coaduna com as ideias que estão na Presidência da República. Então, há um assédio organizacional também, que é independente de relações interpessoais, mas que também é um assédio interpessoal, porque há uma autorização para assediar, há uma autorização para expulsar o outro, há uma autorização para silenciar, há uma autorização para calar.
Por isso, lembro de Pedro Aleixo, que, quando surgiu o AI-5 no Brasil, disse que tinha medo do guarda da esquina, porque há uma autorização. É como se houvesse uma salvaguarda a partir de quem ocupa a Presidência da República, ou a Presidência do órgão, ou a Direção-Geral da Polícia Rodoviária Federal, uma autorização para que os assédios interpessoais se concretizem e se agudizem.
Tudo isso, por amor à Polícia Rodoviária Federal?! O que nós vimos aqui? Vimos as falas de quem está sofrendo, e está sofrendo pelo respeito que tem ao próprio órgão. E o órgão não pode ser vilipendiado.
Nós queremos encaminhar, ainda esta semana, esses relatos, um resumo desta audiência, e anexar as falas de quem leu os pronunciamentos. Que possamos anexá-los para entregá-las à coordenação do grupo de transição que diz respeito à segurança e à justiça.
Assim que marcarmos essa reunião, se conseguirmos marcá-la, nós queremos convidar os representantes das entidades da categoria para estarem conosco na entrega dessas denúncias, que saíram nas páginas de jornais. Não ficaram só no universo da Polícia Rodoviária Federal, o Brasil inteiro viu isso. O Brasil inteiro viu as estradas sendo bloqueadas no dia da eleição, na Região Nordeste, que deu a vitória para Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil inteiro viu a camisa 22, as convocações, a confusão, a promiscuidade entre o órgão de Estado e as intenções eleitorais da Presidência da República.
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Acho que o Brasil nunca vivenciou isso, desde a redemocratização. Esse nível de ataque, esse Estado de República Velha, esse Estado coronelista, esse Estado de jagunços, o Brasil não vivenciou isso desde a redemocratização, mas vivenciou de forma muito intensa este processo de clientelismo, coronelismo, lógica de jagunço, lógica de exército próprio, de grupos armados próprios, tudo isso que nós vimos nesse período que o povo brasileiro decidiu encerrar no próximo dia 31 de dezembro. O povo brasileiro decidiu encerrar esse período. Apesar da compra institucional de votos, da utilização da máquina pública, apesar dos assédios eleitorais, de tudo isso, o povo brasileiro decidiu que o Brasil não vivenciará mais esse tipo de atentado contra a democracia e a lógica republicana.
Por isso, um dos encaminhamentos nossos é levar essas denúncias para o governo de transição e acompanhar a investigação de tudo isso que ocorreu durante esse período na Polícia Rodoviária Federal, para que nós possamos, inclusive, dar condições de trabalho para que os servidores e servidoras exerçam a função precípua do próprio órgão, função que está encarcerada. Nós temos no Ministério do Meio Ambiente uma política antiambientalista; na Fundação Palmares, uma política racista; no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, uma política antifeminista. E nós vamos tendo essa corrosão do Estado democrático e do Estado republicano.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Pode falar por 2 minutos. Peço que se identifique também.
A SRA. PAULA PIMENTA - Sim, é claro. O meu nome é Paula Pimenta, sou professora de Ciência Política na UFSC — Universidade Federal de Santa Catarina.
Eu queria oferecer uma resposta à perplexidade do Deputado, porque ela conteve, a meu ver, um tom de intimidação, que se ficar sem resposta vai me incomodar um pouco depois. E porque eu reputo relativamente importante assinalar — e acredito que eu partilho isto com qualquer cidadão brasileiro — que toda vez que o Presidente Bolsonaro ou qualquer um de seus representantes recorre a argumentos de desobrigação para lidar com as vezes em que são responsabilizados por aquilo que, finalmente, são responsáveis, isso me causa espanto. Acredito que cause espanto a todo mundo toda vez que ouvimos que não é justo responsabilizar o Governo por aquilo que é responsabilidade do governante. Se não é responsabilidade dele, vai ser responsabilidade de quem?
No entanto, isso não é motivo para sorrir, o que foi um pouco a causa da perplexidade do Deputado. Isso é motivo para lamentar profundamente. O que é motivo para sorrir, a meu ver, é a diligência desses representantes da gestão Bolsonaro, a diligência da sua desfaçatez. E há uma lição a aprender com isto: que a nossa resistência também seja tão diligente. Daí o meu sorriso. Mas é uma pena que ele não esteja aqui para nós conversarmos.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada pelo esclarecimento.
Quero apenas dizer o seguinte: quanto vale uma vida? Você conta uma vida do ponto de vista da quantidade?
"Ah! são mil ocorrências e apenas tantas mortes." Nós estamos falando de uma morte. Nós estamos falando de alguém que foi vítima de uma câmara de gás. Não é um incidente! Precisa haver seriedade ao se apurar. Foi um crime que o Estado cometeu contra uma pessoa. Não se pode simplesmente dizer ou reafirmar que são poucas ocorrências ou poucos "incidentes", entre aspas, referentes a milhares de ocorrências. Não se pode banalizar a vida dessa forma. Não importa se é uma morte ou se são duas mortes, três mortes, quatro mortes. Quem banaliza a vida não pode representar o povo brasileiro em nenhum lugar, porque desrespeita a própria Constituição.
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O SR. MARCO ELIAS DE OLIVEIRA NIMER - Para encerrar, Deputada, quero dizer que, quando eu falei de casos de assédio na Polícia Federal, o nobre Deputado fez um sinal negativo. Quero lembrar a ele o caso do Delegado Saraiva, Superintendente do Estado do Amazonas que foi tirado do cargo em virtude de debates e de investigações pelo Ministério do Meio Ambiente.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - É sempre bom lembrar que, quando o então Ministro do Meio Ambiente saiu do Ministério, no discurso do Presidente da República foi dito que ele tinha feito uma boa gestão porque tinha anulado 80% das multas dos criminosos ambientais no Ministério. Esse foi o motivo que fez o Presidente da República dizer que havia acontecido uma boa gestão.
É bom lembrar que o Delegado Saraiva estava no exercício da função no seu órgão, combatendo o crime, e constatou relações entre o Ministro do Meio Ambiente, esse que o Presidente da República disse que fez uma excelente gestão porque eliminou 80% das multas dos criminosos ambientais, e madeireiros que exerciam a extração e a comercialização ilegal de madeiras. O Delegado Saraiva esteve aqui prestando todos os esclarecimentos. Ele foi arrancado da sua função porque estava exercendo bem a sua missão.
É bom lembrar, de forma muito doída, o que aconteceu com o Bruno, que saiu do seu órgão porque estava exercendo a função do órgão.
O Estado foi muito capturado. Isso provocou muito sofrimento. Nunca tivemos tantos casos de sofrimento psíquico em vários órgãos. Em qualquer órgão, em quase todos os órgãos, foi assim. O Estado inteiro foi assediado. A tentativa de constitucionalizar esse assédio veio através da PEC 32, que nós conseguimos impedir. O objetivo era constitucionalizar o assédio. É o Estado a serviço do governante e da iniciativa privada.
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O fato de o Diretor-Geral da Polícia Rodoviária Federal, com todos esses crimes, agora assumir ou ter a perspectiva de assumir a função de Secretário não impede que ele responda pelos crimes que cometeu. Vai ter que responder por todos os crimes. Vão ter que ficar explícitos os crimes que foram cometidos.
Eu tenho a convicção de que nós não podemos simplesmente achar que, daqui em diante, vamos partir e deixar tudo isso. Nós vimos que havia um subterrâneo, um processo de ódio, de assédio, de mentiras, tudo muito subterranizado. Quando há rompimentos democráticos, quaisquer que sejam eles — nós sofremos um rompimento democrático e estamos sofrendo um golpe continuado desde 2016 —, isso irrompe.
É preciso que o Estado volte a sua função para a lógica republicana e democrática. Não é possível achar que tudo isso que aconteceu neste período no Brasil pode simplesmente ser esquecido, porque tudo isso é guardado no corpo, é guardado nas vidas, é guardado na alma deste País e, particularmente, de servidores e servidoras.
Antes de encerrar esta audiência, mais uma vez, agradeço a participação do Marco Elias de Oliveira Nimer, policial rodoviário federal; do Pedro Guimarães, Diretor Jurídico da Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais e do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais no Rio Grande do Sul; da Páris Borges Barbosa, mestra e doutoranda em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal Fluminense; do João Rodrigues Bonfim Neto, Presidente do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais no Distrito Federal; da Letícia Oliveira Paiva, mestre em direitos humanos pela Universidade Pablo de Olavide, da Espanha.
Agradeço muito as contribuições e solicito que nos sejam encaminhadas as falas, se elas estiverem organizadas, escritas. Peço ao Pedro Guimarães que encaminhe a sua exposição para a Comissão para que nós possamos encaminhá-la para o grupo de transição de governo.
Esperamos que, no próximo Governo, haja uma apuração absolutamente rigorosa de tudo o que aconteceu neste País, que não pode ficar no subterrâneo, porque os subterrâneos fomentam ovos de serpente. Aprendi na minha história que nunca ignoramos ovos de serpente, porque, se ignorarmos, acordamos cheio de serpentes. Portanto, esperamos que haja investigação e justiça de transição, pois este País todos os dias é atacado, com salas escuras de tortura, literais e metafóricas.
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Com gratidão pelo momento, tenho certeza de que nós vamos dar prosseguimento a tudo que aqui escutamos, porque o sofrimento não pode ser em vão. Ele tem que se transformar em resoluções, em ações, em estruturas de democratização, para reafirmar o caráter republicano do Estado. Esse sofrimento que nós vimos aqui não pode ser em vão.
Por isso, assumimos o compromisso de acompanhar o tema na próxima legislatura. Nesta legislatura, não temos mais como fazê-lo, porque os trabalhos devem se encerrar no próximo dia 23, o mais tardar. Poderemos criar, na Comissão do Trabalho, uma Subcomissão para acompanhar os desdobramentos das investigações e as apurações sobre as várias denúncias de assédio moral que nós tivemos durante esse período, que foi e será superado pelo povo brasileiro, porque assim o povo deliberou no último dia 30 de outubro.
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