4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Conjunta das Comissões CDHM e CINDRA (semipresencial))
Em 6 de Dezembro de 2022 (Terça-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:21
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A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Boa tarde a todos e todas.
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública conjunta da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia e da Comissão de Diretos Humanos e Minorias para debater os impactos da Ferrovia Ferrogrão, EF-170, em atendimento ao Requerimento nº 21/2022, da CINDRA, de minha autoria e dos Deputados Joenia Wapichana, Túlio Gadêlha, José Ricardo, subscrito pelo Deputado João Daniel, e ao Requerimento nº 44/2022, da CDHM, de autoria dos Deputados Joenia Wapichana, José Ricardo, Túlio Gadêlha e Vivi Reis, subscrito pelos Deputados Frei Anastacio Ribeiro e Helder Salomão.
Inicialmente, gostaria de agradecer a presença dos Srs. e Sras. Parlamentares, convidados e participantes desta audiência.
Como regra geral, peço que todos e todas mantenham seus microfones desligados e os abram apenas quando forem usar da palavra. Para que não haja interferência sonora, os Deputados que estiverem presentes fisicamente neste plenário não deverão usar o aplicativo de videoconferência.
Esclareço que os Deputados que quiserem usar da palavra deverão fazer sua inscrição por meio do aplicativo Infoleg, por meio do seu celular, na lista de debates que foi aberta para a reunião.
Informo ainda que cada convidado terá o tempo de 10 minutos para sua exposição e, durante esse tempo, não pode ser aparteado. Somente após encerrada a exposição, os Deputados poderão fazer interpelações, tendo cada Deputado o prazo de 3 minutos, e o interpelado terá igual tempo para responder, facultadas as réplicas e tréplicas pelo mesmo prazo. As interpelações deverão ser feitas estritamente quanto ao assunto objeto da audiência pública, nos termos regimentais.
Será lançada a presença do Parlamentar que, pela plataforma de videoconferência, usar da palavra nesta audiência.
Esclareço aos Parlamentares e aos expositores que a reunião está sendo gravada e transmitida ao vivo pela Internet e todo o conteúdo permanecerá disponível na página da Comissão e poderá ser utilizado pelos serviços de comunicação da Câmara na sua íntegra ou em partes para a produção de reportagens, documentários e outros.
Desde já, com a participação neste evento, os convidados e convidadas autorizam a Câmara de Deputados a, nos termos do art. 5º da Constituição Federal e da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, divulgar e publicar seus pronunciamentos e as imagens pertinentes à participação neste debate, por qualquer meio e em qualquer formato, inclusive mediante a transmissão ao vivo ou gravada pela Internet e meios de comunicação da Câmara e por tempo indeterminado. O direito à divulgação e publicação acima declarado ocorrerá sem qualquer ônus para a Câmara de Deputados, que se encontra isenta de qualquer responsabilidade material.
Neste momento, informo o nome dos convidados que participarão desta audiência pública de forma remota.
14:25
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Nós temos aqui a substituição do Sr. André Luiz Ludolfo da Silva, que é Diretor do Transporte Ferroviário, do Ministério da Infraestrutura, pela Sra. Juliana Ribeiro, que é da Subsecretaria de Sustentabilidade, do Ministério da Infraestrutura. Estamos aguardando a entrada virtualmente do Sr. Elcio Severino da Silva Machineri, que é Coordenador-Geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira — COIAB.
Passaremos à composição da Mesa.
Antes de mais nada, eu gostaria de chamar a Deputada Joenia Wapichana, que está presente conosco no plenário, para se somar conosco a esta Mesa.
Eu passo à composição da Mesa. Logo em seguida, eu passarei a palavra à Deputada Joenia Wapichana, para que faça uma fala de abertura nesta presente audiência pública, da qual ela também é coautora.
Eu convido, neste momento, para compor a Mesa a Sra. Alessandra Korap Silva, Coordenadora da Associação Indígena Munduruku. (Palmas.) Seja bem-vinda, Alessandra.
Vamos chamar também o Sr. Doto Takak-Ire, que é representante das Relações Públicas do Instituto Kabu e liderança caiapó. (Palmas.) Seja bem-vindo, Doto.
Chamo também para participar e contribuir com a nossa audiência pública o Sr. Melillo Dinis, que é advogado do Instituto Kabu, que está aqui conosco. (Palmas.) Muito obrigada.
Informo que a Agência Nacional de Transportes Terrestres — ANTT, convidada, não indicou nenhum representante para participar desta audiência pública.
Informo também que o Sr. Claudio Frischtak, economista e consultor do Banco Mundial da área de integridade do setor público e ambiente de negócios, convidado por meio do requerimento, não participará da nossa audiência pública.
Além disso, o Sr. André Luiz Ludolfo da Silva, que é Diretor do Transporte Ferroviário, do Ministério da Infraestrutura, havia confirmado sua participação, mas não se faz presente ainda na nossa audiência pública.
Eu passo a palavra para a Deputada Joenia Wapichana.
A SRA. JOENIA WAPICHANA (REDE - RR) - Muito obrigada, Deputada Vivi Reis, a quem parabenizo pela condução dos trabalhos.
Cumprimento o Doto, a Alessandra e as demais lideranças que participam desta audiência pública.
O tema desta audiência pública é bastante importante e relevante: o impacto da Ferrovia Ferrogrão.
Por meio da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas e do meu gabinete, tínhamos nos debruçado sobre o tema em 2019 — pensem, em 2019! —, quando fizemos uma primeira audiência para tratar desse assunto. E, pelo que o Doto está me falando aqui, os encaminhamentos relacionados ao tema pouco avançaram. Acho que talvez hoje vamos atualizar essa demanda.
14:29
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Deixo aqui a minha solidariedade ao povo indígena, que está sendo impactado, para com uma primeira regra, que sempre colocamos, que é a questão dos princípios e direitos fundamentais que a nossa Constituição traz, como a questão do respeito à organização social, ao usufruto exclusivo e a tudo o que já é garantido em lei. Inclusive a própria Convenção nº 169 da OIT fala da questão do direito à consulta prévia, livre e informada, em que o Instituto Kabu e as lideranças caiapó já têm avançado em termos de regulamentação de protocolos de consulta. Para mim, parece bem claro o que o povo diz: como quer ser consultado, por que, quando e como proceder. Então, não é nenhum mistério esse tipo de diálogo.
Devemos considerar também que cada impacto merece ter uma análise e passar pelo crivo dos procedimentos legais, além da consulta, que é o primeiro passo. Espero que esta audiência pública realmente avance no que se refere aos encaminhamentos.
Já adianto à Alessandra e ao Doto que estamos vivendo uma fase de transição. Vou pedir licença à Presidente da Mesa, a Deputada Vivi, porque estou indo agora ao CCBB justamente para trabalhar em alguns pontos de alerta. Eu creio que essa questão da ausência de consulta prévia, livre e informada em um monte de empreendimentos que impactam os povos indígenas também merece atenção.
Boa audiência a todos! Espero que consigamos avançar nesses encaminhamentos.
Obrigada. E parabéns, Deputada Vivi! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Deputada Joenia Wapichana, nossa Deputada Federal, coautora deste requerimento junto com um conjunto de Deputados e Deputadas do PSOL, da REDE e do PT.
Gostaria de informar que o Sr. André Ludolfo, que é Diretor de Transporte Ferroviário do Ministério da Infraestrutura, já está presente conosco virtualmente nesta audiência pública.
Para iniciar os trabalhos de nossa audiência, pelo tempo de 10 minutos, gostaria de passar a palavra à querida Alessandra Korap Munduruku, que está aqui hoje para dar suas contribuições. Ela está com a agenda cheia em Brasília. E nós sabemos que muita coisa está acontecendo nessa reta final, nesse período de transição.
Sem mais delongas, passo a palavra à Alessandra. Depois, todos do plenário se manifestarão e, por fim, ouviremos os que estão presentes virtualmente.
Com a palavra a grande liderança Alessandra Korap.
A SRA. ALESSANDRA KORAP SILVA - Boa tarde a todos.
Primeiramente, eu queria ouvir os outros interessados. Acho que, como nós indígenas, eles já sabem da nossa posição. Então, venho aqui mais para ouvir e, só depois, falar e debater em cima dessas falas.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Perfeito. Você é quem manda. O que você quiser nós faremos aqui.
Passo agora a palavra ao Sr. Doto Takak-Ire, que é das Relações Públicas do Instituto Kabu e liderança caiapó, que está aqui presente e vai também trazer suas contribuições, que, certamente, têm novos elementos a respeito do tema, diferente de 2019, mas há muita coisa que ainda segue acontecendo desde 2019.
14:33
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Ele agora vai usar da palavra pelo tempo de 10 minutos. Em seguida, nós teremos outros convidados e convidadas, que farão a sua fala.
O SR. DOTO TAKAK-IRE - Boa tarde, participantes e pessoal que está nos acompanhando virtualmente.
Só queria falar uma frase aqui: a gente não é contra desenvolvimento do Brasil. Isso a gente deixa bem claro. Mas o próprio branco faz uma lei e não cumpre a lei. Isso está acontecendo nesse Governo atual, que continua atuando aqui. A gente não é contra a Ferrogrão, a gente só quer que a lei seja cumprida.
Eu lembro o nome do Senador, à época, era o Blairo Maggi. Ele que apresentou o traçado da ferrovia. E, dali, a gente veio falando. Depois, a ANTT fez audiência pública — não foi nem consulta, foi audiência pública, como a gente está fazendo aqui. Fizeram a audiência pública. Os mundurucus fecharam a sede, o local onde eles iam fazer a audiência pública. Eles não fizeram a audiência em Novo Progresso, sabendo que o cayapó ia fazer a mesma coisa, eles fizeram a audiência em Sinop.
E, dali, um dos grupos foi lá, prometeram que iam ouvi-los, mas, depois, vieram para cá, para Brasília, e, aí, um da comitiva também veio. Inclusive, existe uma carta assinada por Alexandre Porto, que é o diretor da ANTT — a carta é assinada pelo Alexandre Porto. Dali, eles vêm enganando, vêm falando, e até agora não cumpriram o que prometeram.
A gente sabe que esse Governo — já está acabando o tempo dele — fez um monte de coisas, foi inimigo de alguns povos, da maioria dos povos indígenas que estão defendendo a floresta. Ele influenciou muitos brancos para desmatar, para destruir. Isso todo mundo reconhece pela mídia.
A gente não é contra desenvolvimento, a gente é a favor. A gente só precisa que o Governo cumpra a lei. A gente tem um protocolo de consulta, e ele tem que ser respeitado, tem que ser consultado.
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Então, eu queria falar isto para vocês: até agora a ANTT e o TCU não responderam. Até agora ninguém respondeu. O processo está no Supremo para ser julgado. Nós estamos aqui. Eu vou distribuir um protocolo desse aqui para cada pessoa que tenha competência, que tenha conhecimento e que possa ajudar na questão desse Pi'ôk.
Era isso que eu tinha para falar sobre a questão da Ferrogrão.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada por suas contribuições.
Antes de mais nada, quero dizer que a ANTT respondeu o e-mail da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia dizendo que não poderia enviar nenhum representante para esta audiência pública, em razão de impossibilidade de conciliação de agendas. É muito ruim não termos ninguém da ANTT nesta audiência pública até para reafirmar o que já falaram, como o Doto nos trouxe aqui. A nossa audiência fica até prejudicada em termos de alguns questionamentos que nós teríamos a fazer para a ANTT.
Quero aqui também, em nome da Comissão da Amazônia, como Vice-Presidenta, falar da nossa insatisfação de não termos nenhum representante que possa, de fato, trazer as suas considerações, o que eles têm a debater sobre o assunto e também para tirar algumas dúvidas. Em geral, essas audiências são muito importantes para fazermos essa troca. No entanto, infelizmente, não estão presentes.
Eu queria também informar que o PSOL, depois vou falar detalhadamente sobre isso, tem uma ação perante o STF que conseguiu suspender o projeto em decisão liminar. Essa ação do PSOL conta também com o Instituto Kabu e a APIB, como amicus curiae nessa ADIN no STF. Por ora, a última decisão era que fosse suspensa a Ferrogrão. Essa luta é constante. Inclusive, Deputados do meu Estado do Pará já se organizaram para fazer uma pressão para que o STF se posicione a favor da construção da Ferrogrão.
Essas são algumas das movimentações que já acontecem, das quais precisamos estar cientes neste momento de audiência pública.
Agora eu gostaria de passar a palavra ao Sr. Melillo Dinis, advogado do Instituto Kabu, que vai usar o tempo de 10 minutos para suas considerações. Ele está aqui conosco no plenário.
O SR. MELILLO DINIS - Muito obrigado, Deputada Vivi Reis. Em nome do Instituto Kabu eu quero agradecer pela oportunidade desta audiência. Eu sei do compromisso da senhora, da bancada e das Comissões, que estão mobilizadas com o tema da proteção ambiental, da proteção dos direitos humanos e da proteção dos povos indígenas.
14:41
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Quero saudar o mebenadjwyre Doto Takak-Ire, a Alessandra Munduruku e todos os que acompanham esta audiência pública.
Esse tema da Ferrogrão já é muito discutido pelos povos indígenas da região ali do Pará, especialmente, e também do Mato Grosso. Eu acompanho a questão como advogado do Instituto Kabu e quero primeiro destacar três elementos.
O primeiro elemento que me parece muito importante é que não é de hoje que nós brancos impomos modelos e projetos de desenvolvimento completamente desassociados da vida das populações que estão naquele local. Na maioria das vezes, nós temos uma longa tradição de fazer, como governo e sociedade, projetos sem dialogar fundamentalmente com aqueles povos e populações que são impactados.
Nós do Kabu temos discutido isso há muito tempo. E temos estudos aqui com várias tensões e tentações que demonstram que mais de 19 povos indígenas estão impactados pelo trajeto proposto pela Ferrogrão.
Não houve nenhum tipo de diálogo. O diálogo sempre foi feito de maneira impositiva, de maneira supressiva da boa-fé necessária, tampouco houve o que chamamos de consulta e consentimento livre, prévio e informado. Tanto o Instituto Kabu como as organizações e comunidades têm um protocolo de consulta. O Dr. Takak-Ire, nosso relações públicas, vai depois distribuir esse protocolo a todo mundo aqui presente. Esse protocolo é conhecido do Governo. Aonde nós vamos levamos esse documento. Nós o enviamos por meio eletrônico, dizemos que há um roteiro que segue a lei e a Convenção nº 169, da OIT, mas geralmente não se dá a menor pelota. Um exemplo, quero dizer de maneira muito grave, é a ausência da ANTT neste debate. A ANTT tem um documento firmado em 12 de dezembro 2017, que diz: "Olhem, a gente tem o compromisso". Qual é esse compromisso? "Vamos fazer a consulta e o consentimento livre, prévio e informado." Não deram a menor pelota para isso e mandaram o projeto de desestatização para o Tribunal de Contas da União sem nenhum tipo de consulta.
O projeto, além de não ter substância nesse aspecto institucional e de diálogo com os povos indígenas, além dos demais povos impactados, como quilombolas e populações ribeirinhas, especialmente do Estado do Pará, tem outro grande problema: é um projeto que não fica em pé sob o ponto de vista econômico e de modal ferroviário.
Eu lamento a ausência do Cláudio Frischtak, que tem feito importantes estudos sobre isso.
Esse projeto não fica em pé sob o ângulo econômico, sob o tempo de construção, sob os valores que estão consolidados, ou seja, é mais um desses projetos que eu chamo de corrupção das prioridades. É um projeto desprovido de consistência técnica, econômica e de modelo, que poderia até ser importante. Os caiapós, mebêngôkre, sempre dizem: "Nós não somos contra o desenvolvimento, mas nós somos a favor de que esse desenvolvimento funcione de acordo com as leis e as normas do kuben, respeitando as leis e os direitos dos povos indígenas, especialmente daqueles impactados".
14:45
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E o mais grave é que nesse processo, Deputada Vivi Reis, nós descobrimos que o trajeto tinha sido resultado da Medida Provisória nº 758, de 2016, que passou aqui no Congresso Nacional e depois alterou os limites do Parque Nacional do Jamanxim para passar o traçado.
Os caiapós, o Kabu, especialmente, dialogando com vários partidos políticos, teve a felicidade de ter a parceria do partido de V.Exa., Deputada, o PSOL, que propôs uma ação direta de inconstitucionalidade. Eu tenho a alegria de ter assinado essa ação junto com o André Maymone, advogado nacional do PSOL. Eu sou um dos advogados que assinou a ação e também represento o Kabu como amicus curiae. Há outros amicus curiae, dentre eles a APIB que está lá presente dentro dessa discussão no Supremo Tribunal Federal.
E, para não tomar muito mais tempo, o que está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal é se se pode modificar uma área protegida ambientalmente, aprovada por lei normalmente, por uma medida provisória. E por que medida provisória não tem o mesmo peso de lei, de acordo com o que está escrito na Constituição, uma regra dos kuben, de nós, brancos, e no entendimento já tradicional, já consolidado dentro do Supremo? Por que é preciso passar integralmente pelo processo legislativo, por debates nas Comissões, pela aprovação, depois ir para o plenário, e a medida provisória não é esse instrumento.
E a tese que está em discussão no Supremo é: as medidas provisórias não podem veicular norma que altere espaços territoriais especialmente protegidos, porque se viola o art. 216, o art. 225 e, no caso dos povos indígenas, o art. 231, da Constituição Federal, além dos princípios da reserva legal e da proibição do retrocesso ambiental. É nesse quadro que nós temos lutado.
O Kabu também mobilizou o Ministério Público Federal e diversas organizações. Eu vou só citar isso aqui porque é muito importante essa discussão com o Tribunal de Contas da União. O Tribunal de Contas da União, que é um órgão auxiliar do Poder Legislativo, geralmente não dá a menor pelota para os povos indígenas, mas, dessa feita, em uma articulação inédita, 16 membros do Ministério Público Federal dos Estados do Pará e Mato Grosso, em conjunto com organizações indígenas — vou listá-las: Instituto Kabu, Instituto Raoni, Associação Terra Indígena do Xingu, ATIX, Associação Iakiô, Instituto Socioambiental, Rede Xingu+ —, com entidades da sociedade civil e também com o Ministério Público Federal, conseguiram estabelecer uma relação do Ministério Público com o Tribunal de Contas, e participamos como representante dessa discussão no TC 025756, que é o processo de desestatização que está proposto em relação à Ferrogrão no TCU. Vejam que os povos indígenas e suas organizações estão se mobilizando nesses diversos espaços institucionais de defesa de direitos, mas essa resistência precisa do apoio dos Parlamentares, como tem sido feito pela Deputada Vivi Reis — não é a primeira vez que nos encontramos e falamos sobre isso — e pelos demais membros desta Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia e também da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal.
14:49
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Essa luta tem que continuar, independentemente de quem esteja do outro lado, de qual seja o Governo, que não tenha muita atenção aos temas indígenas, e, mais ainda, diante dos interesses que existem associados a isso.
Então, eu quero dizer que nós, organizações indígenas, que estamos nessa disputa, precisamos do apoio de mais pessoas e também do apoio do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados, para que não seja transformada esta proposta em um trem-bala da devastação.
Muito obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Sr. Melillo.
Como bem disse, não é a primeira vez que nós fazemos esse debate. A Deputada Joenia fez um resgate e observou que, desde o início desta legislatura, muitos Deputados estão trazendo o debate da Ferrogrão. E, neste momento de transição de Governo, essa é uma preocupação que nós temos. E o senhor inclusive demarcou muito bem que, independentemente de Governo, nós temos que estar atentos a todas as movimentações que vão ser tomadas em relação à questão dos territórios indígenas. Ninguém é contra o desenvolvimento, nós apenas precisamos que isso seja conectado também, tendo como prioridade a defesa dos territórios, a defesa dos povos que vivem nesses territórios.
Eu quero passar a palavra agora ao Sr. André Luís Ludolfo da Silva, Diretor do Departamento de Transporte Ferroviário do Ministério de Infraestrutura, que participará virtualmente.
O SR. ANDRÉ LUÍS LUDOLFO DA SILVA - Muito obrigado, Deputada.
Boa tarde a todos.
Na pessoa da Deputada Vivi Reis, eu quero cumprimentar todos os participantes, tanto os que estão participando presencialmente quantos os que estão virtualmente.
Para nós, Ministério da Infraestrutura, é uma satisfação estar aqui. Nós agradecemos o convite e a oportunidade do diálogo, da conversa com representantes, com a sociedade, que é o que, de fato, enobrece o processo da Ferrogrão como um todo.
Como já foi muito bem colocado, o processo da Ferrogrão não é novo. Imaginamos que não seja um processo desconhecido de todos os interessados, é um processo que remonta desde meados de 2012, da época do PIL, quando se começou a pensar em Ferrogrão. E nós temos um histórico longo de marcos importantes, como a publicação do edital do chamamento, a entrega dos estudos, a qualificação no PPI, de 2016. De fato, como já foi mencionado, há as questões relacionadas à medida provisória e à sua respectiva conversão em lei, o trâmite do processo em si, as audiências públicas que foram realizadas e que culminaram no envio do processo ao Tribunal de Contas da União.
14:53
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No momento, nós temos o fato de que todos os processos relacionados à Ferrogrão, como já mencionado pela Deputada, estão suspensos, paralisados, em função da ação direta de inconstitucionalidade que foi apresentada junto ao Supremo Tribunal Federal. Isso resultou no sobrestamento de toda e qualquer análise do processo da Ferrogrão.
Então, isso gera essa situação de não termos nenhuma novidade, nenhum grande elemento novo, haja vista que não conseguimos avançar na discussão do processo da Ferrogrão. A nossa função aqui enquanto Ministério da Infraestrutura e enquanto formulador de política pública é exatamente aproveitar o espaço, agradecer novamente e coletar as contribuições daquilo que é importante para reflexão.
Como já foi também muito bem colocado, nós vivenciamos um momento de transição. Da nossa parte, enquanto departamento, enquanto área técnica, em uma das reuniões de que já participamos junto com a equipe de transição, já foi colocado como ponto de atenção exatamente a necessidade de se debruçar sobre o projeto da Ferrogrão para discutirmos questões relacionadas à continuidade, quais seriam as diretrizes, quais seriam os próximos passos que tecnicamente deveríamos adotar do ponto de vista da concessão da Ferrogrão.
De fato, aqui é um momento muito oportuno para revisitarmos as diretrizes, para revisitarmos quais são os comandos que serão adotados junto ao novo Governo. Do nosso ponto de vista, enquanto área técnica, enquanto Ministério da Infraestrutura e Departamento de Transporte Ferroviário, nós nos colocamos à disposição. Tomei nota dos aspectos que já foram colocados nas falas dos colegas que me antecederam e por certo, oportunamente, vamos tomar as devidas atitudes, as devidas respostas necessárias dentro do processo da Ferrogrão.
Então, Deputada, nós nos colocamos à disposição e continuaremos o nosso trabalho. Fico feliz em ouvir a fala dos colegas e coadunamos o espírito e a necessidade do desenvolvimento do setor ferroviário da maneira correta, como deve ser, ouvindo as entidades, ouvindo as representações. A área técnica do Ministério da Infraestrutura se pauta também muito por essa premissa e da mesma forma se coloca à disposição para dar continuidade a esse diálogo, tomando nota e dando oportunamente as respostas necessárias para o processo.
Evitei entrar em questões eminentemente técnicas, pelo fato de já ser um processo muito conhecido em termos de extensão, em termos dos desafios por termos que mitigar eventuais questões ambientais. Como já foi comentado também, um dos desafios seria o financiamento do projeto em si, razão pela qual se torna desnecessário entrar nessas questões novamente.
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Esta é a nossa postura, enquanto Ministério, na participação desta audiência pública: escutá-los, tomar pé da situação, ouvi-los. Oportunamente, nós daremos a resposta necessária a todos os pleitos, à sociedade e ao Congresso também, certamente.
Muito obrigado pela oportunidade, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Sr. André Ludolfo.
Eu gostaria agora de chamar para fazer a sua fala a Sra. Alessandra Korap Munduruku, Coordenadora da Associação Indígena Pariri Munduruku, que está presente na nossa Mesa.
A SRA. ALESSANDRA KORAP SILVA - Boa tarde a todos.
Sou Coordenadora da Associação Indígena Pariri, mas também sou Vice-Coordenadora da Federação dos Povos indígenas do Estado do Pará — FEPIPA.
Falar um pouco da Ferrogrão é falar do conjunto de infraestrutura que vai para o nosso território, em cima das nossas cabeças, porque não é apenas uma ferrovia, é a hidrovia, são os portos, são as hidrelétricas, é a mineração, é a concessão florestal. A gente sabe da Hidrovia Teles Pires, do Rio Teles Pires e do Rio Tapajós. A gente também acompanha isso.
Quando a gente fala da ferrovia, imagine só: criar uma medida provisória para cortar, matar floresta, para construir ferrovia é o mesmo que matar a nossa mãe Terra. Não é o desenvolvimento, de que tanto se fala, que vai salvar a vida do nosso planeta, dos nossos filhos, do nosso rio.
Quero dizer que nós estamos numa luta pela demarcação. Negam esse direito à nossa terra, à nossa vida, negam o nosso direito de vivermos no território, mas não negam o grande desenvolvimento, que vai matar e tirar sonho dos nossos filhos, vai matar nossos locais sagrados, vai matar cada vez mais a nossa floresta.
O mundo todo fala da mudança climática, mas o mundo todo também está envolvido em matar a nossa floresta, porque são eles que incentivam essa violência contra o nosso corpo, contra a nossa terra. Falam da mudança climática, mas estão comprando quantidade de soja, quantidade grande de milho. Aqueles portos que estão lá em Itaituba estão contaminando o nosso peixe com o agrotóxico que cai no Rio Tapajós.
Quando a gente vai à beira do rio, é muito fácil ver que a gente não pode mais caçar, que a gente não pode mais pescar. Isso não é desenvolvimento, isso é morte, porque no lugar em que nós andávamos por todo o canto de munduruku hoje nós estamos sendo proibidos de pescar e de caçar. Eu vejo isso quando eu pego uma canoa e ando pelo meu rio. Semana passada, a embaixada foi à nossa região. Eu mostrei: isto é o desenvolvimento, isto é vocês comprando a soja, que está acabando com o nosso rio, com o nosso peixe.
A ferrovia que vai atravessar do Mato Grosso até o Pará vai rasgar a Amazônia, porque vai aumentar o desmatamento — e vai aumentar também o uso de agrotóxico. Nós sabemos que estamos numa luta muito grande para demarcar a nossa terra. Temos esse sonho. Os mais velhos dizem: "Eu vou morrer. Será que eu vou ver a minha terra demarcada? Eu vou morrer. Será que vão tirar o meu sonho, o dos meus netos, dos meus bisnetos?" Mas o desenvolvimento cada vez mais está avançando.
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Quero dizer que nós mulheres mundurukus nunca vamos desistir de lutar pela terra, pelo nosso território, pelo nosso rio, porque sabemos que tudo que estão discutindo aqui em Brasília está afetando a nossa casa, está afetando a minha casa, o meu corpo, porque não é só uma ferrovia; é o aumento do desmatamento, é o aumento do uso de agrotóxicos, são os portos e a hidrovia do Brasil cada vez mais avançando.
Cargill fala sobre o REDD. Todo mundo quer falar sobre meio ambiente, mas não fala de nós, não fala do protocolo dos povos indígenas, não fala que nós temos o direito de viver no território e não fala que nós também temos poder de decisão. O nosso poder de decisão também é sobre estar na nossa casa, no nosso território. Não é à toa que temos que sair da nossa casa e chegar até aqui, para vocês ouvirem que nós estamos lá.
Nós estamos sofrendo com garimpo, com mercúrio. Nós estamos sofrendo porque o leite que está amamentando nossos filhos está envenenado por conta da contaminação da mineração. Eu não vi nenhum governo dizer: "Vamos fiscalizar esses territórios, vamos demarcar o território, vamos consultar os povos indígenas". Eu quero ver qual é o governo que vai demarcar o nosso território, todos os territórios indígenas! Eu quero ver quem é que vai tirar os invasores de terras indígenas, que cada vez mais estão entrando nas terras dos ianomâmis, caiapós, mundurucus e de outros povos também, que estão sofrendo com as invasões.
Querem falar de desenvolvimento, mas em cima da nossa morte! Nós mulheres, caciques e pajés mundurucus nunca vamos aceitar um desenvolvimento que cause a morte de rios, das nossas crianças e da nossa vida. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Estou arrepiada aqui com essa fala.
Vamos passar para o nosso último convidado. Tem a palavra o Sr. Elcio Severino da Silva Machineri, que é Coordenador-Geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira — COIAB e participará virtualmente. (Pausa.)
Ele não chegou? (Pausa.)
Não há ninguém da COIAB participando virtualmente? (Pausa.)
Então, eu vou continuar passando a palavra.
Houve uma substituição na Mesa. Eu estava confusa, porque seria a Juliana, mas o André já falou.
Mais alguém deseja fazer alguma contribuição?
15:05
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Eu posso também falar um pouquinho aqui enquanto os demais Deputados vêm até o plenário e enquanto o Seu Élcio entra. Vamos dar uns minutinhos para ver se dá tempo de ele entrar.
Primeiro quero destacar como a Ferrogrão vai impactar diretamente nos territórios. Imaginem só passar por dentro de territórios indígenas e de territórios de diversos povos tradicionais que serão afetados. Tudo isso, em nome de uma política de desenvolvimento. Para quem? Para quem será implementada a Ferrogrão?
É importante debatermos sobre esse processo que nós vivemos nos últimos anos, como a Rodovia Transamazônica e a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Inclusive, a minha militância política se iniciou na luta contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.
São diversos os projetos. A Alessandra citou muito bem essa questão das hidrovias, das hidrelétricas, das rodovias e agora da Ferrovia Ferrogrão, que vão trazer impactos ambientais irreversíveis, que vão atingir diretamente toda uma biodiversidade e vão atingir em especial a vida de povos que estão ali localizados. Nós do PSOL entramos com essa ação perante o STF.
Como foi apresentado aqui pelas falas, está tudo parado, em termos de implementação, em termos de avanços sobre este projeto, mas existe uma pressão muito grande. Eu, como Deputada paraense, vejo muito isto pela bancada paraense: Deputados que têm interesse na construção da Ferrogrão e que estão querendo fazer essa pressão no STF para colocar os seus interesses econômicos acima dos territórios e acima das vidas ali presentes. Isso é muito preocupante.
Por isso, é importante que tragamos este debate agora, atualizemos este debate. Mesmo vendo que por enquanto o STF conseguiu frear a Ferrogrão, neste momento que nós vivemos — o término de um Governo que é contra os povos amazônidas e que mostrou uma política genocida e ecocida —, nesta reta final, eles podem querer ir para cima e fazer pressões para que esses projetos, não só o da Ferrogrão, mas outros tantos, tragam a flexibilização das leis.
Essa é uma preocupação que nós temos aqui enquanto Parlamentares. Nós precisamos estar sempre atentos e sempre vigilantes para não deixar que interesses fiquem acima do verdadeiro interesse que este País deve ter, que é o interesse de lutar contra o racismo ambiental, contra as mudanças climáticas, em defesa de uma justiça climática de fato.
Mas isso não vai ser feito por quem acha que ter desenvolvimento é só pensar nesse modelo e reafirmar esse modelo agroexportador, que visa lucro. Temos que entender que nós precisamos olhar para este País, que com certeza estará nos próximos anos no foco da política internacional. Não é à toa que o futuro Presidente e diversos Governadores foram para a COP para debater sobre essa política internacional em relação à Amazônia e às mudanças climáticas.
15:09
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Nós temos uma riqueza de biodiversidade, de espécies e de cultura que não pode ser ignorada. E não podemos aceitar que essa política que foi feita ao longo dos anos, de passar a boiada, continue acontecendo no nosso País.
Esta audiência é parte de um ciclo de debates sobre diversos temas. Nós já falamos aqui nesta Comissão da Amazônia sobre a privatização do Jalapão, já falamos aqui na Comissão da Amazônia sobre o Abrace o Marajó — inclusive, teremos nesta semana uma diligência. Aqui na Comissão da Amazônia também já falamos sobre os impactos das mineradoras e sobre os impactos das usinas hidrelétricas. Semana passada debatemos sobre aquela questão da exploração de petróleo na costa brasileira.
Então, estamos fazendo com que esta Comissão também seja um espaço de poder fazer ecoar essas lutas e essas vozes e de trazer sempre esses temas que não são de interesse apenas de povos indígenas, mas também devem ser de interesse da Nação brasileira. Essa precisa ser a prioridade do Parlamento, do futuro Governo e de todos aqueles e aquelas que se importam e que têm compromisso com o futuro do nosso País.
O Sr. Elcio entrou? (Pausa.)
Como não entrou, eu vou conceder agora o tempo de 3 minutos para quem quiser fazer o fechamento desta discussão, para quem quiser trazer outras informações ou deixar algum informe que seja relacionado com o tema.
Tem agora a palavra, por 3 minutos, o Sr. André Ludolfo, para fazer sua conclusão, suas considerações finais na nossa audiência pública.
O SR. ANDRÉ LUÍS LUDOLFO DA SILVA - Muito obrigado, Deputada, pelas palavras, pela oportunidade novamente.
Do nosso ponto de vista, enquanto Departamento de Transporte Ferroviário, nós reiteramos que temos algumas necessidades do ponto de vista do Brasil, que é um país de dimensões continentais. Então, uma das formas de encurtarmos essas distâncias e de atendermos a demanda por transporte de carga é com a construção de ferrovias. Logicamente, essa construção de ferrovias deve ser pautada respeitando a legislação, ouvindo as representações, a sociedade de maneira geral, para que assim possamos ter um desenvolvimento sustentável.
Essa é a mensagem que nós podemos deixar aqui enquanto departamento. Reiteramos novamente, do ponto de vista do Ministério, a abertura ao diálogo para que essa construção e o desenvolvimento sejam pautados de maneira transparente. Que possamos desenvolver o Brasil construindo ferrovias também de maneira sustentável.
Novamente, agradeço a oportunidade. Enquanto Ministério, nós nos colocamos à disposição para eventuais esclarecimentos. Que possamos evoluir nesse debate, nessa conversa e nesse diálogo da maneira que já tem sido pautada aqui nesta audiência pública.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada.
Passo a palavra ao Sr. Doto Takak-Ire para fazer suas considerações finais.
O SR. DOTO TAKAK-IRE - Volto a falar mais uma vez.
15:13
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Sabemos que esse Governo está acabando agora, no dia 1º de janeiro. Espero que o Governo Lula faça o seu trabalho. Espero que as pessoas, tanto no Ministério quanto na Secretaria, que estão trabalhando e que vão trabalhar cumpram a lei, façam a consulta livre, prévia e informada, conforme o nosso protocolo de consulta. Espero que as pessoas que olharem para isso façam o trabalho dentro da lei, não fora da lei, porque nós indígenas sofremos bastante.
Existe uma lei que é para ser cumprida, e o Governo não está cumprindo a lei. Inclusive o nosso PBA da BR-163 está parado por causa do Governo, de gente que não quer ajudar a fazer o estudo. E isso está causando problema.
Eu espero que esse Governo faça um bom trabalho e atenda a todo mundo de forma igual.
Era isso que eu queria falar para vocês.
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada.
Passo a palavra agora ao Sr. Melillo Dinis, para fazer suas considerações finais.
O SR. MELILLO DINIS - Mais uma vez, muito obrigado pelo espaço. Quero agradecer à Câmara como um todo, mas especialmente aos Parlamentares, como a Deputada Vivi Reis, que compraram não uma briga em torno de um interesse, mas uma briga em torno de um projeto de Nação.
Nação nenhuma pode ser desenvolvida, pode ser sustentável se não partir do respeito pela Constituição — o que não aconteceu nesse episódio da Ferrogrão —, do respeito pelas normas, pelas leis, mas, acima de tudo, do respeito pela Casa comum, do respeito pelo centro dos grandes responsáveis, as nações indígenas, os povos indígenas, como os mundurucus, os caiapós, os meus parentes mebêngôkres, que se colocaram e se colocam como polo de resistência.
Se não fosse a luta desses personagens, desses protagonistas, nós não estaríamos aqui, Deputada Vivi, o TCU já teria aprovado, ninguém teria levado isso para o Supremo, mesmo com toda a capacidade de luta de alguns partidos como PSOL, REDE, PT e outros. Tivemos muita dificuldade. E, se não fosse esse espírito guerreiro dos povos indígenas, nós não estaríamos aqui.
É claro que contamos com a presença e a participação de organizações indígenas, de vários grupos, mas, essencialmente, com a força de ter barrado, segurado e mantido até agora essa situação de impedir que um projeto completamente desarrumado, sem pé nem cabeça, pudesse, sob a lógica bacana de se ter modal ferroviário como forma de transporte e de logística no Brasil, é uma ideia ótima. O problema é que de ideia ótima o inferno está cheio. E aí foi exatamente a luta desses povos, especialmente dos caiapós, os mebêngôkres, que conseguiu mobilizar o País inteiro.
15:17
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Então, Doto, mais uma vez, em nome de todos que compõem a área técnica do Instituto Kabu, e eu me inscrevo entre eles, parabéns pela luta!
Alessandra, parabéns também, porque sei que os mundurukus estão comprometidos com isso há muito. E os mundurukus estão submetidos a muito mais pressões, infelizmente, que os caiapós.
A luta não é fácil. Mas quero dizer que se nós não estivermos unidos enquanto povos indígenas e também com Parlamentares comprometidos como a Deputada Vivi Reis e outros setores, o Poder Executivo não terá a atenção devida. Não é ponto de atenção apenas, é momento de construção de um país e de projetos de desenvolvimento que se sustentem sob todos os aspectos, mas que respeitem a Constituição, as regras, as normas, a Convenção 169.
Veja, Doto, que coisa, vamos chamar de maluca. Nós é que estamos aqui defendendo a lei ante o Governo, nós é que estamos defendendo a Constituição ante o Governo. Antigamente era o contrário. Esse período sombrio eu espero que consigamos superar e iniciar tempos em que o diálogo seja de verdade, com boa-fé, e que a consulta e o consentimento livre, prévio e informado seja o modo de relação com todos os povos indígenas.
Muito obrigado e uma boa tarde. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - O Doto vai fazer um informe aqui.
O SR. DOTO TAKAK-IRE - Eu só queria, como representante que está participando, deixar um recado aqui. Sabemos que o processo está no Supremo e caso Alexandre de Moraes dê o parecer para a Ferrogrão andar, a gente vai criar uma aldeia na linha que vai passar a Ferrogrão. A gente vai criar uma aldeia, porque a gente está defendendo a lei, a gente está querendo que o Governo cumpra a lei. Então esse é o meu recado.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada.
Eu gostaria de passar a fala agora para a Sra. Alessandra Munduruku.
A SRA. ALESSANDRA KORAP SILVA - Quero dizer que toda essa luta que a gente vem travando nunca parou, a gente nunca desistiu. A gente tem um protocolo de consulta, sempre dizemos que não é uma associação, que não é uma liderança que decide, mas, sim, o povo. Nós somos aproximadamente 14 mil mundurukus, envolvendo mulheres, crianças, pajé, caciques, guerreiros, enfermeiros, professores e tantas outras lideranças. Essa luta que a gente vem travando sempre foi pela vida. A gente sabe do direito que a gente tem à educação, à saúde. A gente está buscando infraestrutura para ter água limpa, porque os próprios garimpeiros estão acabando com o nosso rio, com os igarapés. E muitas vezes as portas são fechadas para a infraestrutura e o direito à água. E a gente vai buscando esse direito à água para nossas crianças, para nós podermos beber água limpa.
15:21
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A Ferrogrão e outros projetos grandes que vêm sendo construídos ou um projeto que querem construir não é um projeto de vida, é um projeto de morte, sem o direito de viver.
Quero dizer que nós sempre discutimos o nosso território e nunca deixamos de falar do rio que é sagrado, do nosso território que é sagrado. E sempre vamos falar e vamos continuar. Até mesmo nós vamos morrer, mas os nossos espíritos vão falar pela vida, pelo sagrado.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Alessandra.
Foi dado o recado: é preciso que se cumpra com os protocolos de consulta prévia, livre, esclarecida.
O Doto já me entregou o protocolo da consulta dos caiapós, que foi coordenada pelo Instituto Kabu, e para quem quiser receber nós temos algumas unidades para serem distribuídas aqui. Eu já peguei, porque já me pediram, o pessoal lá de Belém já falou: "Traz para a gente!" Então, é importante que tenhamos ciência desses protocolos e que sejam devidamente respeitados.
E que o nosso País tenha como direcionamento para uma política de desenvolvimento a prioridade do cumprimento da Convenção 169 e também de legislações e não permita que legislações danosas ao ambiente e aos povos indígenas sejam aprovadas. Este ano, na Câmara dos Deputados, nós tivemos diversos exemplos, como foi o caso do PL do Veneno, que passou aqui de uma forma recorde e já foi para o Senado. Nós já temos um compromisso do Senado de não votar este ano o PL do Veneno, e essa foi uma vitória conquistada com muita pressão política. Mas nós temos outros projetos, como a lei de licenciamento ambiental, a lei da grilagem, o PL 490/2007, o PL 191/2020, que trata da questão de demarcação de terras indígenas, de mineração em terras indígenas. Se não ficarmos atentos à luta, na linha de frente dessa resistência, com certeza, como a Alessandra falou bem, vão passar por cima dos corpos, por cima dos territórios, por cima da cabeça daqueles que estão resistindo. E os primeiros a estarem nessa linha de frente serão os povos indígenas, em especial as mulheres indígenas.
Quero aqui encerrar esta explanação saudando todos os povos indígenas do nosso País, em especial as mulheres indígenas que lutam, que resistem e que vão continuar escrevendo essa história do nosso País, uma história de um país que não vai deixar que seja feito nenhum retrocesso. Daqui para frente, vamos seguir mostrando a importância de se reconstruir o Brasil e de entender que ele também é reconstruído pelas mãos daqueles que lutam, e não só pela política institucional.
15:25
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Eu quero encerrar a exposição desta audiência pública agradecendo a valiosa contribuição e as devidas informações trazidas pelos expositores. Agradeço ainda a presença de quem nos acompanhou virtualmente, seja pelo nosso link, seja pela TV Câmara. Agradeço a todos que estiveram conosco aqui neste plenário.
Estamos com o plenário lotado. Quero pedir que seja mostrado o nosso plenário lotado da CINDRA, para que todos que estão on-line vejam que nós temos diversas pessoas com interesse de ouvir, de debater, de participar dessa discussão.
Quero informar que a CINDRA realizará, nos próximos dias 8 e 9 de dezembro, uma mesa redonda para discutir o Programa Abrace o Marajó, conforme pauta divulgada na Internet. Eu, juntamente com o Deputado João Daniel, Presidente da Comissão, e um conjunto de Parlamentares Federais e do Estado do Pará, estaremos em Belém e em Soure realizando uma diligência sobre o Abrace Marajó.
Essa foi mais uma política que em nada favoreceu a população marajoara, e, sim, foi usada apenas como um espaço para dar visibilidade política para a Ministra, para um Governo que nada fez pelo povo, ao contrário, aplicou uma política de miséria, de fome e de violência contra os povos.
Declaro encerrada a reunião de audiência pública.
Muito obrigada. (Palmas.)
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