4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Fiscalização Financeira e Controle
(Audiência Pública Extraordinária (semipresencial))
Em 29 de Novembro de 2022 (Terça-Feira)
às 17 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Boa tarde a todos e todas.
Sejam bem-vindos à Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados.
Declaro abertos os trabalhos da reunião de audiência pública virtual e presencial para esclarecimentos sobre a possível instalação de termoelétrica a gás natural de grandes proporções no Município de Caçapava, no Estado de São Paulo.
A presente reunião tem amparo na aprovação do Requerimento nº 106, de 2022, de minha autoria, Deputado Ivan Valente.
Quero primeiro saudar todos os presentes. Sejam bem-vindos! Obrigado por terem acolhido o nosso convite.
Antes de chamar os convidados à Mesa, quero fazer uma pequena introdução sobre o porquê de estarmos fazendo esta audiência pública. O momento é de fim de mandato, nós vivemos um ano bastante turbulento com o processo eleitoral, e, mesmo assim, a realização desta audiência pública foi aprovada na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle.
Por isso, tivemos que arrumar um horário, que não é o mais adequado, porque há uma série de requerimentos de convocação de audiência pública feitos pela Comissão de Fiscalização Financeira e Controle. Nós tivemos que adequar o horário para viabilizar esta audiência antes do fim do ano, dada a emergência dela e a importância política desse processo que nós estamos vivendo aqui.
A segunda questão que eu queria esclarecer é que esta Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados é regida por uma direção bastante democrática. Geralmente, ela tem unanimidade na convocação de autoridades públicas, na fiscalização e no controle do Poder Executivo e na discussão de audiências públicas de importância nacional e até mesmo local.
Eu diria que a audiência também deveria ter acontecido na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, que seria um locus adequado para este debate, só que a Comissão de defesa do meio ambiente desta Casa é tocada por pessoas que mereceriam estar na "Comissão de destruição do meio ambiente" no nosso País. Evidentemente quem quer desmatamento, quem quer garimpo ilegal, perseguição política e a destruição do que representa a potência ambiental do Brasil acabou se alocando lá. Em vez de eles estarem num Ministério próprio deles, eles se alocaram no Ministério de defesa do meio ambiente. Então, peço desculpas a vocês por isso, mas nós vamos fazer de qualquer jeito este debate.
Nós acolhemos este pedido que foi feito por várias entidades do Vale do Paraíba, pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, por ambientalistas e também pela Vereadora do Município de Caçapava Dandara Gissoni, que está aqui e cuja presença agradecemos.
Também convidamos a Prefeita, a Sra. Pétala, que não pôde comparecer. Era do nosso interesse que houvesse um representante do Executivo Municipal nesta audiência pública.
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Nós entendemos que a discussão sobre a instalação de termelétrica na cidade de Caçapava, no Vale do Paraíba, é absolutamente imprópria nas proporções que estão colocadas, de 1.743 megawatts de potência total, o que, sem dúvida, tem um impacto monumental, pela queima de gás metano aos milhões de metros cúbicos e pelo consumo de água de 100 metros cúbicos por hora nessa eventualidade, e também porque tudo está transcorrendo com baixa transparência. Já existe terreno alocado pela holding Natural Energy, localizada na cidade do Rio de Janeiro, para a futura construção da usina termelétrica de nome São Paulo, na cidade de Caçapava, quase na divisa com Taubaté.
O que nós podemos estudar e pelas informações que nos chegaram... Quem conhece o Vale do Paraíba sabe que as cidades ali localizadas estão num vale em que duas regiões serranas se colocam e em que a dispersão de poluentes é algo muito difícil, além de ser uma região saturada por indústria pesada, por refinarias, por empresas de chumbo e tantas outras, além de outras explorações, como a de minérios no Vale do Rio Paraíba, que nós já conhecemos de longa data, e da retirada de areia. Então, existe lá uma imensa saturação, além de ser uma região que necessita de proteção, como nós vamos observar aqui com os nossos interlocutores, no que se refere à tensão climática na discussão mais do que momentosa dos efeitos causados pela pressão dos gases de efeito estufa, e a queima de combustíveis por parte de termelétricas está ligada a isso.
Em segundo lugar, quero dizer a vocês que nós acompanhamos aqui na Câmara dos Deputados a discussão da criminosa — criminosa — privatização da ELETROBRAS. E deriva daí, sim, um projeto de lucro privado que enevoou o debate sobre entregar para empresas privadas um patrimônio do tamanho da ELETROBRAS e, mais do que isso, a barganha que foi feita com o lobby do gás aqui na Câmara dos Deputados, duramente combatida, denunciada, porque atrás do lobby do gás não vêm só as termoelétricas: vêm os gasodutos, os dutos, os terminais e tantas outras questões que têm um imenso impacto ambiental.
Além disso, todos nós sabemos que no Brasil o sistema elétrico é interligado, e esse sistema elétrico tem 80% de matriz limpa. A energia termoelétrica — aqui nós tivemos que recorrer a ela, em momentos de seca etc. — é a energia mais suja e mais cara que há. Mesmo alguns colocando que o gás metano substitui com qualidade o carvão ou o combustível diesel, não é real, porque existe, na queima do gás metano, uma produção gigante de CO e CO2, caracterizando gás de efeito estufa. Então, isso nos interessou bastante, razão pela qual nós estamos aqui.
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Queremos agradecer também pelo IBAMA estar presente. Há uma questão essencial para o IBAMA responder hoje — Dr. Wagner, depois eu vou chamá-lo à Mesa — que é a seguinte: o órgão fiscalizador que vai liberar esse tipo de empreendimento, por razões de legislação, de mais de 300 megawatts, é o órgão federal. Então, essa é tarefa do IBAMA Federal. Por isso há o interesse de a Câmara dos Deputados também estar presente neste debate.
Nós agradecemos também ao pessoal do INPI e do ITA que deu colaborações e a todas as ONGs que estão fazendo uma movimentação da sociedade civil, que é muito importante.
Finalizo dizendo que não há justificativa técnica — na minha opinião, pelo que eu li até agora, eu quero ser convencido do contrário, se for o caso — para esse tipo de empreendimento sempre ser colocado como gerador de emprego e renda. Na verdade, essa é uma ideia falsa, porque o impacto que causa é muito pior. Se houver outras viabilizações para gerar emprego e renda, como preservação ambiental, turismo etc., compensa-se isso de longe.
Nós estamos falando aqui de saúde pública, de qualidade de vida para a população. Estamos falando de participação social e popular. Daí o chamado para esta audiência pública.
Sem mais delongas, então, eu vou trazer à Mesa a Vereadora Dandara Gissoni, da Câmara Municipal de Caçapava, que vai fazer uso, daqui a pouco, da palavra.
Convido também para tomar assento à Mesa o Sr. Eduardo Wagner da Silva é o Coordenador de Licenciamento Ambiental de Energia Nuclear, Térmica, Eólica e de Outras Fontes Alternativas — CENEF/IBAMA.
Depois, a Sra. Nicole também vai ser chamada. Nós vamos fazer um revezamento por causa do agravamento da COVID. Nós estamos tomando os cuidados necessários. Peço desculpas por isso, mas é uma prevenção necessária. Em seguida, terá a palavra a Sra. Nicole. Depois nós vamos ouvir virtualmente o Sr. Wilson Cabral, pesquisador e professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica — ITA, que já está on-line. Nós vamos chamá-lo no momento adequado. Também terá a palavra o Sr. Sullivan Morais Santos, Coordenador da ONG Associação Eco Vital. Outros que poderiam estar na lista da Comissão, se chegarem, e Parlamentares que estiverem presentes também farão uso da palavra. Neste momento, eu queria passar a palavra para a representante municipal da cidade de Caçapava, a Vereadora Dandara Gissoni.
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Obrigado pela presença, mais uma vez.
A SRA. DANDARA GISSONI - Boa tarde a todo o público presente.
Primeiramente, quero agradecer ao Deputado pela iniciativa, pelo acolhimento dessas denúncias que a sociedade civil — eu, enquanto Vereadora da Câmara Municipal — e organizações ambientais trouxeram ao senhor. Agradecemos muito.
É uma honra estar aqui representando a minha cidade, representando a Câmara Municipal, não só pelo meu mandato, mas por toda a população de Caçapava que em mim confiou para estar presente aqui, discutindo esta pauta. Quando chegou ao nosso conhecimento, em Caçapava, de imediato, muitas pessoas que compõem o Executivo e até mesmo outros colegas da base da Prefeita não deram tanta atenção, inclusive minimizavam as minhas denúncias, minimizavam as ações que eu estava apresentando, como se fosse histeria, como se estivesse aumentando a gravidade da situação. Com o passar do tempo, a ponto de nós chegarmos ao Congresso Nacional para discutir sobre isso, mostramos que não, não é histeria, não é populismo. É um assunto sério, é um assunto grave, que tem que ser debatido.
Eu fiz uma apresentação para falarmos rapidamente sobre o processo: como começou, quando aconteceram as coisas, a forma como isso chegou para nós, em Caçapava, e também até mesmo a própria omissão do poder público, que eu faço questão de destacar aqui.
(Segue-se exibição de imagens.)
No meio do ano, sociólogos buscaram a ONG Eco Vital, porque eles estavam fazendo um trabalho de estudo de impacto social na cidade, com possível empreendimento novo a ser instalado. E eu sou voluntária da ONG Eco Vital, desde 2017. É uma ONG voltada à defesa do meio ambiente, com diversos trabalhos sociais ambientais, com mais de 30 anos de história na cidade. Imediatamente o coordenador da ONG entrou em contato comigo passando a situação, essa possível instalação de termoelétrica. Mas, até então, nós não tínhamos noção do tamanho, da dimensão, de valores. Depois nós fomos conversar.
Aqui eu fiz um breve histórico, só para explicar, porque muitas pessoas não conhecem Caçapava. Inclusive muitos Deputados não conhecem Caçapava. No ano passado, pela primeira vez, eu vim aqui a Brasília buscar recursos para a cidade, falar de alguns projetos da cidade. Eu bati de porta em porta. Muitos Deputados, muitos chefes de gabinete diziam: "Onde fica Caçapava? É Caçapava do Sul?" E nós explicávamos. Caçapava é uma cidade pertencente ao Estado de São Paulo, localizada na Região Metropolitana do Vale do Paraíba, no eixo Rio-São Paulo, que beira a Dutra, entre São José dos Campos e Taubaté, duas grandes metrópoles do Vale do Paraíba. Consequentemente, Caçapava vem sendo esmagada cada vez mais pelas grandes cidades, como São José e Taubaté. Em relação ao número de habitantes, a expectativa que nós temos hoje, e isto não é nada oficial, é de que já passe dos 100 mil, porque no último censo foi levantado o número de 95 mil habitantes. Caçapava é banhada pelo Rio Paraíba do Sul, que, como muito bem nosso Deputado colocou aqui, já sofre muito com a exploração predatória de areia. Caçapava hoje está com mais de 50 cavas de areia. O nosso rio foi destruído pela mineração predatória.
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Assim como os demais Municípios do vale, nós temos um parque industrial razoável, temos um espaço para um parque industrial. Porém, esse parque cada vez mais vem fechando as portas, porque cada vez mais vêm oportunidades de empresas para a nossa cidade. A termoelétrica chegou, e foi muito bem recebida, por sinal, da mesma forma que a pedreira, que é uma outra luta que nós temos na cidade, entre outras coisas que acontecem lá. Somos a favor do empresário, queremos as indústrias lá, mas as boas, as que vão trazer emprego para o nosso público, para a nossa população, vão trazer orçamento para o Município, empresas e indústrias que não vão danificar, não vão destruir o pouco que nós temos no nosso meio ambiente, principalmente na nossa cidade, que é pequena e sem recursos.
Estamos entre São José e Taubaté. Os maiores empreendimentos buscam as maiores cidades. Consequentemente, Caçapava acaba ficando fora disso, e não só a população sofre, pela questão de emprego, pela falta de orçamento, mas também o nosso comércio, porque, quando a população quer alguma coisa, acaba buscando nas cidades vizinhas, não valorizando o nosso comércio. Isso faz a economia cada vez mais ficar parada.
Eu quero falar um pouco além desse problema de termoelétrica na nossa cidade, que é um problema sério. Estamos amedrontados por isso, como eu disse. Não é vitimismo, não é populismo nem sensacionalismo da parte do meu mandato, como tentaram dizer, infelizmente, outros colegas Parlamentares. É uma situação bem séria, até porque, em Caçapava, nós já temos diversos passivos ambientais. Eu fiz questão de trazer alguns aqui para vocês terem ciência do tamanho do problema que a cidade vem sofrendo. Essa empresa que buscou Caçapava procurou outras cidades do Vale do Paraíba, e todas as cidades negaram. Por sinal, essa é a sexta tentativa, Deputado, de instalação de termoelétricas no Vale do Paraíba. Todas fracassaram, por quê? Porque houve luta da população, houve apoio das entidades ambientais.
Os passivos ambientais, como já dissemos, são todo tipo de dano ao meio ambiente que é causado por atividades empresárias e que devem ser recompensados, recuperados. Mas em Caçapava não é bem assim. O mais grave, que inclusive é caso de estudos internacionais, é a questão do processamento de chumbo. Hoje, em Caçapava, existem toneladas e toneladas de chumbo, Deputado, a céu aberto, porque a massa falida FAE foi para Caçapava, instalou-se, gerou emprego, gerou renda naquele momento, mas, depois, acabou, foi embora e deixou lá não só as escórias de chumbo, que é um problema que nós temos até hoje na cidade, mas também o impacto na saúde pública, porque, através disso, o solo e as nascentes foram contaminados, muitas crianças nasceram com diversas deficiências, muitas nem chegaram a nascer, muitas mulheres tiveram outros problemas, o pequeno agricultor foi prejudicado, a água que o gado bebia no riacho foi prejudicada. Nós tivemos um problema gigante que até hoje não foi sanado e está lá a céu aberto. Um dos problemas mais recentes que nós temos é o aeroporto, o Aerovale. De início, nós conseguimos, com muita luta, embargar a obra do Aerovale, que depois foi abandonada. Não puderam construir, porém, devastaram um espaço gigante da natureza. Destruíram inclusive nascentes e o pequeno fragmento de Cerrado que temos em Caçapava. Nós estamos aqui em Brasília, no Distrito Federal, onde o bioma é o Cerrado. Em Caçapava, nós temos também um pouco de Cerrado, mas está sendo destruído. Ele foi muito destruído por essa empresa, pelo Aerovale.
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Como eu disse no início, nós temos mais de 50 cavas de areia só em Caçapava, no Rio Paraíba do Sul. E nós temos até hoje problemas com a questão do magnésio e do alumínio das empresas Tonolli e Italspeed. Elas tiraram tudo o que podiam, sugaram o que podiam e deixaram os resquícios para a nossa cidade. Temos também, na nossa cidade, a exploração imobiliária predatória. Hoje temos somente 6% de Zona Rural. Todo o restante é área de expansão urbana. Trata-se, portanto, de uma cidade que está favorecendo cada vez mais os empresários do mercado imobiliário, onde há cada vez mais loteamentos. É uma cidade que só tem 18 postos de saúde, mas tem centenas de loteamentos futuros e somente 6% de área rural.
Na nossa cidade não há mais drenagem, razão pela qual acontecem cada vez mais enchentes, e elas não acontecem só em beira de rio não, mas em diversos lugares. Por quê? Porque a cidade não consegue comportar isso. A cidade está avançando, porém não há planejamento social nem ambiental. Por exemplo, há diversos condomínios, diversos bairros novos, mas não há escola, não há ponto de ônibus, não há um posto de saúde, e os córregos estão cada vez mais obstruídos. Temos também problemas com a caça ilegal, entre outras coisas.
Eu vou falar rapidamente da ONG EcoVital, da qual eu faço parte, que ajudou a formular, junto com a sociedade civil, junto com esta Vereadora, as denúncias que nós temos feito ao Ministério Público Federal, à Defensoria Pública, à Câmara de Deputados, às outras ONGs socioambientais.
A ONG EcoVital é uma ONG, como eu disse, com mais de 30 anos de história na cidade de Caçapava. E aqui há fotos de algumas ações, como a compostagem. Aquelas imagens ali mostram o recebimento do certificado de honra ao mérito pelos 30 anos da ONG, as audiências públicas, a luta contra a implosão da pedreira. Caçapava tem um histórico em relação à implosão de pedreiras em área de preservação ambiental e em área de preservação permanente. E a ONG EcoVital está sempre ativa nessas lutas. Ali mostra a ONG EcoVital junto com a Defesa Civil, organizando o abafamento de incêndio na Serra do Palmital.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Quero só alertar que a senhora pode concluir seu raciocínio, mas o seu tempo já esgotou. Então, peço que conclua.
A SRA. DANDARA GISSONI - Peço desculpas. Eu não sabia que havia um tempo.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Todo mundo aqui é escravo do tempo de alguma forma, mas vamos ser tolerantes.
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A SRA. DANDARA GISSONI - Está certo.
Eu trabalhei nas bases da ONG EcoVital.
Vou me apressar aqui para não prejudicar os outros que estão participando. Se deixarem, eu fico falando até amanhã aqui, porque é muita coisa que temos para falar da nossa cidade.
Sobre essa possível instalação de termoelétrica em Caçapava, assim que ficamos sabendo dessa possibilidade, além de denunciar na Câmara Municipal, fizemos denúncia em tribuna, bem como fizemos um requerimento para a Prefeita, questionando o que seria isso, como foi essa agenda oficial, como foi essa conversa, como foi esse diálogo. A Prefeita me respondeu de forma muito crua, de forma muito seca. Foi bem enxuta a resposta ao requerimento, dizendo que o primeiro contato foi em 14 de setembro de 2021. Mas, em 14 de setembro, eu era a Presidente da Câmara Municipal e sequer fiquei sabendo disso. Eu fiquei sabendo disso em junho do ano sequente.
Ela alega aqui que não houve um contato formal, que não houve uma agenda oficial, e que essa empresa que a procurou já realiza trabalho em vários locais do País. Ela alega também que não foi aberto nenhum processo de intenção, visto que seria desnecessário, já que a referida empresa primeiro tinha que organizar com licenciamento e depois passar pela Câmara Municipal para uma consulta pública, pois não cabe ao Executivo instalação de termoelétrica. Após isso, nós ficamos sabendo por uma denúncia do jornal O Vale, numa reportagem, que a empresa já tinha até o licenciamento para uso e ocupação de solo. Eu acho que a Prefeita Municipal se esqueceu de falar aqui que a empresa já tinha isso.
Em seguida, fiz outro requerimento questionando a Prefeita. E ela informou novamente que não houve agendas oficiais e mandou a cópia aqui do uso e ocupação de solo, que foi no dia 29 de julho de 2022. Como não existe uma conversa formal, se já existe até o licenciamento para uso de ocupação de solo? E, como bem falado, a empresa já arrendou uma área de 250 mil metros para o período de 30 anos — por 30 anos foi arrendado esse terreno.
Nós fizemos pressão popular, saímos na rua, tivemos várias ações com a sociedade civil, com ONGs, durante o mandato, buscando conscientizar a população, porque em Caçapava, para serem instalados determinados tipos de indústria, é preciso passar por um plebiscito municipal, o que nunca houve na cidade antes.
Eu agradeço, inclusive, ao Vereador que, na época, nos anos 90, teve essa ideia: "Não, vamos pôr aqui alguns critérios para não ter problema", porque, senão, como diz, infelizmente, o Ministro do Meio Ambiente, a boiada ia passar muito mais na cidade de Caçapava, como nós vimos.
Posteriormente a isso, a Prefeita apresentou uma lei proibindo usinas termoelétricas na cidade. Todo mundo disse: "Que lindo! Que bom! Agora não temos mais problema nenhum". Na audiência pública, eu falei: "Opa, espera aí! Temos problema, sim". Ela proíbe a instalação de novas usinas termoelétricas, de instalações posteriores à lei, que é recente, de 16 de agosto. Antes disso, quem deu entrada no processo continua concorrendo, ou seja, com essa lei aqui, a partir de agora, a cidade está protegida de possíveis instalações de termoelétrica, porém, para quem já deu entrada, está tudo certo e não vai haver sequer concorrência.
Nosso mandato também oficiou à Câmara de Vereadores de todo o Vale do Paraíba e litoral norte, explicando a situação, o tamanho do impacto ambiental e social que seria causado não só na cidade de Caçapava, mas também no Vale do Paraíba. Então, essas foram as ações que o nosso mandato fez junto com a sociedade civil, buscando conscientizar a população. Houve algumas ações com cientistas do INPE e outros Vereadores, houve abaixo-assinados, nos quais buscamos tentar conscientizar a população, principalmente caso viesse a chegar — nós torcemos para que não — à fase de plebiscito, para que a população votasse se é a favor ou contra, mas ciente dos riscos técnicos, e para que não caísse nas promessas utópicas de geração de emprego, porque isso não é verdade.
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O número de empregos gerados, de acordo com o próprio responsável pela empresa — eu estive presente quando essa informação foi apresentada — é mínimo diante de todos os impactos sociais, ambientais e à saúde pública da nossa cidade, que já é totalmente precária, que está em um processo de desmonte. Aliás, todo o serviço público de Caçapava.
Para finalizar minha participação aqui, quero homenagear o nosso jogador Richarlison, que fez aquele gol bonito. Nós colocamos a hashtag xô, termoelétrica, com uma foto dele chutando bem longe. É isto o que Caçapava quer: a termoelétrica bem longe. Aliás, nem no Brasil queremos mais isso. Não precisamos de termoelétrica!
Somos a favor, sim, de indústrias, somos a favor, sim, do progresso, mas com energia limpa. E vamos apoiar qualquer projeto de iniciativa de energia limpa na nossa cidade.
Muito obrigada, senhores. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Agradeço à Vereadora Dandara Gissoni pelas palavras e pela presença aqui.
Já vou passar a palavra ao Sr. Eduardo Wagner da Silva, que é Coordenador de Licenciamento Ambiental do IBAMA. Inclusive ele também pode nos esclarecer sobre a questão do impacto de uma obra desse porte. Como está a solicitação que veio da empresa e o EIA/RIMA?
Eu acho que é preciso um estudo magno sobre a implantação de uma obra desse porte, ainda mais no momento que nós estamos vivendo.
Tem a palavra o Sr. Eduardo Wagner da Silva.
O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Primeiro, obrigado pelo convite para estar participando aqui hoje e expor o lado do IBAMA, do que nós temos feito. Para dar uma contextualização, vou falar sobre o licenciamento ambiental, como ele se dá; depois, vou fazer um histórico desse empreendimento no IBAMA.
Basicamente, para usinas termoelétricas acima de 100 megawatts, todos os empreendimentos submetidos ao licenciamento do IBAMA são requeridos através do licenciamento que chamamos de trifásico, ou seja, com licença prévia, licença de instalação e licença de operação através de EIA/RIMA. Então, não existe a possibilidade de licenciamento simplificado para termoelétricas acima de 100 megawatts.
Como o Deputado Ivan Valente colocou no início, para qualquer termoelétrica acima de 300 megawatts o licenciamento é de competência federal, dado pelo Decreto nº 8.437, de 2015. Alguns empreendimentos menores do que esses são licenciados pelo IBAMA quando atingem unidade de conservação, divisa de Estado, terras indígenas e divisas com outros países, mas há poucos. Dada a tecnologia hoje, o que aconteceu é que, a partir desse decreto, praticamente todas as termoelétricas no Brasil passam a ser licenciadas pelo IBAMA. Obviamente, há o instituto da delegação de competência para o Estado, mas isso acaba indo para o IBAMA. Hoje uma turbina ligada no ciclo combinado já está, automaticamente, acima de 300 megawatts de potência.
Então, o que é feito? Quando é aberto um processo desse, nós emitimos um termo de referência. O nosso termo de referência está no processo. Depois eu também vou falar sobre a disponibilidade de acesso a esse processo. Nosso termo de referência é robusto e pede várias informações dos meios biótico, socioeconômico e físico. Inclusive, em relação à emissão de gases de efeito estufa, ele pede que seja feita a modelagem matemática da dispersão dos poluentes na área do empreendimento e que seja considerado qualquer empreendimento que já esteja licenciado com licença prévia, licença de instalação ou licença de operação. A carga poluidora desses empreendimentos deve ser considerada nessa modelagem.
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É requerido que sejam feitas duas campanhas de fauna para a área do empreendimento, com a exceção de que, em áreas em que haja um licenciamento ambiental em até 5 anos, pode ser feita uma campanha complementada com as informações de fauna desse outro licenciamento, caso ele seja feito.
Como se dá o processo? O IBAMA emite o termo de referência, e um plano para o levantamento de dados é feito. Esse plano de trabalho deve ser aprovado pelo IBAMA. Em sendo aprovado pelo IBAMA, solicita-se a autorização de coleta, manuseio e transporte de fauna. Nós emitimos essa autorização, e o estudo de impacto ambiental é feito para o empreendimento. Pode levar de 6 a 18 meses a elaboração de um estudo desse. Depois disso, é apresentado o EIA. Nós fazemos uma conferência, um checklist, para ver se ele atende ao nosso termo de referência. Após isso, é dado o aceite, chamada a audiência pública e iniciada a análise. E a análise pode ser pela aprovação da viabilidade ambiental do empreendimento ou não.
Essa é apenas a licença prévia, que é a primeira. Ela não autoriza nada, só diz que é viável ambientalmente o empreendimento. Não se pode instalar o empreendimento com licença prévia. Após isso, deveria ser pedida a licença de instalação, mediante apresentação de planos e programas ambientais, e, depois da construção, a licença de operação.
Em que fase esse projeto está hoje no IBAMA? O primeiro processo foi aberto em agosto de 2020. Nós chegamos a fazer a análise de competência, que era nossa, e emitimos o termo de referência. O processo ficou parado por um tempo, e fomos comunicados, no fim de 2021, de que houve mudanças de projeto. Elas nos foram apresentadas. Então, nós solicitamos que fosse aberto outro processo para esse empreendimento com os dados atuais.
A abertura de um processo no IBAMA é feita através de uma ficha de caracterização de atividade. Ela deve descrever tudo que o empreendimento tem e os impactos que podem acontecer com terra indígena, unidade de conservação e o que mais se julgar necessário. Assim foi feito em 10 de março de 2022, quando foi aberto esse segundo processo. Ele já tinha o termo de referência do IBAMA emitido para o anterior. Então, algumas coisas já estavam sendo elaboradas.
Nós emitimos o parecer de competência em 11 de abril de 2022, e eles realizaram, logo após a abertura do processo, o pedido dessa bio já com a apresentação do plano de trabalho. Ela foi emitida no dia 20 de abril, com uma retificação em junho de 2022. Após isso, por parte do IBAMA, não houve outros andamentos. Há só o acompanhamento dessa bio de informações. Os senhores podem ter acesso ao processo. Depois eu explico como.
Há outros documentos, porque nós temos entes que dão anuência dentro desses projetos conforme o impacto. Pode ser uma unidade de conservação, inserindo-se o ICMBio. No caso, como não há unidade de conservação, o único de que deve haver uma informação é o IPHAN. Nós já temos uma documentação do IPHAN lá dentro, que também emite um termo de referência sobre as questões relacionadas ao patrimônio histórico do empreendimento. Basicamente, é isso.
Quais seriam os próximos passos? Eu não tenho informação de quando seria apresentado esse EIA/RIMA, de quando ele seria concluído. Nós emitimos essa bio em junho, a última versão dela, então imagino que eles ainda estejam fazendo algum tipo de levantamento de campo. Vamos supor que no mês de dezembro esse EIA/RIMA fosse apresentado ao IBAMA. Na melhor das hipóteses, considerando que ele atenda ao termo de referência, sua análise só seria iniciada em fevereiro ou março do próximo ano, pelo fato de que todas as nossas equipes trabalham com planejamento mensal. Aquilo que é colocado para este mês de novembro já está fechado. Para o mês de dezembro também já estão fechadas as demandas. E não há como passar um processo na frente do outro, porque tudo é feito através de um sistema. Então, a análise talvez começasse em março, para se chamar uma audiência pública entre março e abril. E, legalmente, nós teríamos de 6 a 12 meses para fazer a análise dos estudos ambientais, com pedido de complementação por parte do IBAMA, que quase todos esses empreendimentos têm. Acho que basicamente é isso. Fico aberto a eventuais questionamentos. Sobre o processo, ele é público, qualquer cidadão tem o direito de acessá-lo. Se você entrar na página do IBAMA hoje, vai conseguir, fazendo uma busca, entrar e olhar, mas você não vai ver o conteúdo do processo. Para ver o conteúdo do processo, é preciso mandar um e-mail para a nossa coordenação, cenef.sede@ibama.gov.br e pedir acesso ao processo da UTE São Paulo, assim nós liberamos o processo. Vocês recebem no e-mail as instruções, e com essa liberação já conseguem acessar todos os documentos que estão no processo. Às vezes há no processo documentos que contêm segredo industrial, ou alguma outra coisa, e, com o requisito, baseado em lei, nós podemos colocar uma "chavinha" apenas no documento. Mas, geralmente, nesses processos todos os documentos estão abertos a qualquer cidadão.
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Isso posto, eu acho muito importante a realização desta audiência pública, nesta esfera de debate. Hoje, na maioria dos licenciamentos de termelétricas e de outros empreendimentos que emitam gases de efeito estufa, não temos visto uma política expressiva em relação aos compromissos assumidos pelo Brasil perante o Acordo de Paris de redução de emissão de gases. O debate acaba ficando todo em cima do licenciamento ambiental, o que pressiona os técnicos de uma maneira que não deveria ocorrer. Se conseguíssemos fazer um debate amplo entre os setores da sociedade civil organizada e os entes públicos, em esferas anteriores ao licenciamento ambiental... Está até posto que caberia ao Ministério de Minas e Energia e ao Ministério de Meio Ambiente a realização de avaliação ambiental estratégica para a geração de energia, de forma que pudéssemos escolher determinadas áreas para fazer os estudos e dizer em quais áreas esses empreendimentos poderiam ser instalados, sob quais critérios de emissão, de abatimento e compensação de emissão de gases de efeito estufa. Isso vale não só para termelétrica, porque, em se tratando de qualquer empreendimento, se existe uma avaliação ambiental estratégica, ou instrumento semelhante, realizado previamente, resolvem-se 50% dos problemas que acabam no licenciamento ambiental. Acho até que a Arayara tem uma ação sobre um número grande de empreendimentos termelétricos na cidade de Macaé — cito isto apenas como exemplo —, um pedido de cancelamento de todos os licenciamentos ali.
E o que implica a falta de discussão anterior ao licenciamento ambiental? Nós licenciamos três empreendimentos termelétricos no Brasil nos últimos 6 ou 7 anos. Considerando tudo isso, temos um grande número. Cada empreendimento desses precisa de pelo menos três técnicos, um no meio físico, um no meio biótico e um no meio socioeconômico. E, quando a área é próxima ao mar, ainda é preciso alguém especialista na zona costeira. Então, três empreendimentos vezes, no mínimo, três pessoas, já são 39 homens/hora, vezes centenas ou milhares de horas que às vezes são gastas na instrução processual e análise de um processo desses. Assim, quando, por falta de planejamento, chega-se ao momento de ter que cancelar o processo, está faltando a boa gestão do recurso público, que são os técnicos que analisam esses empreendimentos. Estou citando um rebatimento lateral que isso causa. O senhor havia perguntado sobre os impactos ambientais de um empreendimento termelétrico. Os impactos ambientais de grandes empreendimentos se iniciam antes da obra. Isso que está acontecendo aqui hoje é um impacto ambiental do empreendimento, porque criam-se expectativas boas e expectativas ruins com a instalação de um empreendimento. Então, este já é o primeiro. O segundo impacto de uma usina termelétrica podemos dizer que são as emissões relativas a gases de efeito estufa. Os gases não têm particulado como o carvão, por exemplo, mas há muitos outros impactos relativos a essas emissões, que são a sinergia, a cumulatividade com outros empreendimentos da área, em que se acaba acumulando, e, em certos momentos, durante o dia, ou ao ano, há quebra dos limites impostos pelo CONAMA, que não são devidos a um único empreendimento em si, mas à sinergia de todos eles. Outros impactos. Geralmente, termelétricas utilizam muita água para resfriamento, quando se faz o resfriamento comum, caso da maioria das termelétricas instaladas no Brasil, o resfriamento úmido. Às vezes, são necessários milhares de metros cúbicos de água por dia para se fazer esse resfriamento. E, por falta de água — já temos crise hídrica ocorrendo —, muitos dos empreendimentos como esse que eu citei, como o de Macaé, têm utilizado o tal do resfriamento ACC, que é a seco, utiliza menos água, apenas 10% da água.
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E há também os impactos da construção, como o transporte de grandes cargas na rodovia, que acaba impactando na malha viária. Dependendo do local, há supressão de vegetação, afugentamento da fauna, de diversas espécies.
Basicamente, era isso. Estou aberto a perguntas. Eu só me esqueci de me apresentar, no começo. Eu quis ser rápido, e me esqueci. Como eu disse, sou o Eduardo Wagner. Sou engenheiro civil. Sou analista ambiental há 20 anos. Há 14 anos, trabalho na Diretoria de Licenciamento Ambiental, e, desde 2017, estou à frente dessa coordenação, que nem era uma coordenação, era uma divisão. Eu tinha, até janeiro do ano passado, apenas seis técnicos, sete comigo, para tratar de todo o licenciamento de geração de energia no Brasil que não envolvesse barramento de água, as usinas nucleares de Angra, termelétricas, fotovoltaicas, eólicas. Hoje temos uma coordenação. No meio do ano passado, o IBAMA passou por uma restruturação, e hoje, felizmente, eu tenho 14 pessoas trabalhando nessa área, para dar atenção sobretudo aos 70 projetos de eólica offshore que temos abertos hoje no IBAMA, propostos para o Brasil. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Obrigado, Eduardo Wagner.
Eu ia perguntar, mas o Eduardo acabou de esclarecer. Eu ia perguntar se ele é técnico de carreira do IBAMA, e ele acaba de dizer que é formado há 20 anos e que há 15 anos atua no licenciamento.
18:09
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O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Há 20 anos no IBAMA, há 14 anos no licenciamento.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Isso. E eu entendi que o senhor está nessa função desde 2017.
O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Exato.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Eu queria fazer uma observação sobre a política. Acho que vai haver uma mudança política. Quando se adota o modelo de termelétricas, faz-se uma escolha de governo. Quando eu me referi à privatização da ELETROBRAS — e eu vi o lobby funcionando aqui —, eu já sabia que isso iria acontecer. Esta é a primeira questão.
Segunda questão. Queremos crer que, apesar de tudo que aconteceu nesses últimos 4 anos de, na minha opinião destruição política do Estado brasileiro, servidores de carreira resistiram. O IBAMA foi, talvez, um dos órgãos mais atingidos pela política criminosa do Sr. Ricardo Salles, que eu conheço pessoalmente. Com isso, devemos separar a política pública das pessoas, dos servidores públicos federais que estão a serviço de cumprir suas tarefas com seriedade, com dignidade. Eu acho que esse conhecimento técnico que existe não pode ser menosprezado; pelo contrário, ele tem que ser visto. Veja que o conhecimento sobre as termelétricas vai ocupar um lugar de destaque, com tudo que estamos vendo aí, na discussão do papel do Brasil no mundo, na discussão dos gases de efeito estufa... O Brasil é uma potência ambiental. O case de Caçapava é exemplo disso. Quando se votou aqui a privatização da ELETROBRAS, falou-se de uma expansão de 9 gigawatts. Nesta aqui, há somente 1,7 gigawatt de potência total. Agora, com outra política, isso pode mudar, com mudança seja na política energética, seja na política ambiental, seja na política social. Espero que consigamos fazer isso.
Eu queria agradecer ao Wagner pelos esclarecimentos.
O timing que ele colocou para o EIA/RIMA, para o licenciamento, nos dá um tempo para mobilizar a sociedade civil e fazer o grande debate sobre o que é importante. Precisamos ter uma matriz energética de transição para a energia renovável, limpa. O Brasil já está caminhando para isso. Fora as hidrelétricas, temos a energia solar, a energia eólica, a biomassa, etc. Precisamos fugir das tendências em que o lucro privado esteja em primeiro lugar.
Agradeço a sua contribuição.
O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Eu só queria pontuar a respeito do plebiscito para autorizações municipais. A licença do IBAMA diz respeito apenas à viabilidade ambiental do projeto. Uma das nossas condicionantes, que está logo no início do corpo da licença, 1.2 ou 1.3, se não me engano, estabelece que a licença ambiental não exime o requerente do projeto de obter as outras licenças, de qualquer ente, em qualquer esfera. A licença prévia não significa que está autorizado o empreendimento.
18:13
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O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Certamente.
Pessoal, vamos prosseguir com a nossa atividade. Peço desculpas a quem está on-line. Nós estamos esticando um pouco. Todo mundo está fugindo do tempo, inclusive o Presidente da Mesa. (Risos.)
Eu vou chamar para compor a Mesa a Nicole. (Pausa.)
Tem a palavra a Nicole Oliveira, do Observatório de Petróleo e Gás.
A SRA. NICOLE OLIVEIRA - Boa tarde a todos, todas e todes.
Deputado Ivan Valente, antes de mais nada, eu queria agradecer por todos esses anos de luta e resistência do seu mandato nesta Casa. Reconhecemos todo o seu trabalho no setor de energia, transição justa, meio ambiente, a sua resistência. Imagino que esses últimos 4 anos não tenham sido fáceis. Expresso aqui a minha admiração pelo senhor.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Obrigado.
A SRA. NICOLE OLIVEIRA - Eu vou fazer a apresentação que o Juliano iria fazer. Ele está em outra reunião — chega daqui a pouco —, então trocamos um pouco os nossos papéis.
(Segue-se exibição de imagens.)
Sobre o Instituto Arayara, somos uma organização que atua há 30 anos em todo o território nacional. Somos especializados em energia, transição energética, meio ambiente, clima e direitos e temos feito uma resistência de litigância dessa expansão fóssil que tem acontecido no Brasil. Nós litigamos a lei da privatização da ELETROBRAS, que previa 8 gigas de termelétricas inflexíveis — já vou falar um pouco mais sobre o que isso significa —; litigamos o processo de contratação simplificada das termelétricas, feito quando aconteceu a crise hídrica que baixou o nível dos reservatórios e, por consequência, a geração de energia hidrelétrica; litigamos o complexo de termelétricas de Macaé — como o Eduardo falou, 12 termelétricas seriam instaladas num local que já não tem capacidade hídrica para duas —; litigamos o fracking, o fraturamento hidráulico; e fazemos advocacy apresentando projetos de lei tanto para proibição desses projetos tão danosos para os Municípios, para os Estados e para o País, quanto para promoção de uma transição energética justa.
Finalizando a apresentação sobre a Arayara, temos vários fóruns de transição energética justa espalhados pelo Brasil e estamos lançando no começo do ano que vem uma plataforma que acho que vai interessar a todos e todes aqui. Essa plataforma se chamará Monitor de Energia, Monitor Fóssil. Com inteligência artificial, nós vamos atualizar sempre essa plataforma de consulta. Pesquisadores, legisladores e todas as pessoas poderão acessar as informações de todos os projetos de energia e os conflitos socioambientais localizados em todo o território nacional, com vários filtros de pesquisa, e poderão saber, por exemplo, o que está em licenciamento no seu território. Então, uma Vereadora como a excelente Vereadora Dandara vai poder acessar a plataforma e fazer essa consulta antes mesmo de a informação chegar atravessada até ela.
18:17
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Eu queria mostrar o avanço da energia fóssil na matriz brasileira. Este é o avanço nós temos tido desde 1970, mostrado a cada 10 anos. As colunas em azul representam a energia hidrelétrica e as em preto, a energia a gás. Como vocês podem ver com este gráfico, a energia a gás, a energia fóssil, tem tomado um grande espaço na nossa matriz e tem reduzido a participação da hidrelétrica, mas também tem desidratado a geração solar e eólica. Se se seguir esta mesma projeção que está no plano decenal energético e o que tem acontecido nos últimos 10 anos, as energias renováveis vão crescer 3%, enquanto as fósseis vão crescer 42% na nossa matriz. Hoje as renováveis representam 20% da matriz energética e, daqui a 10 anos, vão presentar 26,5%. Esse crescimento é muito significativo, especialmente se pensando nas emissões de gás de efeito estufa e no impacto que isso tem para as mudanças climáticas.
Nós estamos enfrentando no Brasil uma clara e assustadora expansão fóssil. O que existe hoje no radar dos próximos anos para ser implantado? Eu imagino que o nosso colega do IBAMA também vai ficar assustado com esta informação. São 74 novas termelétricas a gás sendo planejadas; 19 novos terminais de GNL — Gás Natural Liquefeito; 2.040 novos blocos de petróleo e gás em oferta permanente; e 9.286 quilômetros de gasodutos. Se nós colocássemos essa quantidade de quilômetros numa linha reta, ela cruzaria do Rio de Janeiro até Paris. Então, é muito gasoduto, é uma quantidade absurda de gás.
Na lei de privatização da ELETROBRAS, foi incluído o que nós chamamos de jabuti, que é um item que não tem nada a ver com o conteúdo da lei. Prevê-se a construção de 8 gigawatts de termelétricas a gás no Brasil. E essas térmicas seriam inflexíveis. O que significa isso? Por 20 ou 30 anos, a energia que tem que ser gerada com essas termoelétricas será inflexível. Então, não importa o fato de os reservatórios estarem cheios, de haver energia solar crescendo, de haver energia eólica crescendo: a energia a gás será prioritária na compra, o que significa que nós vamos desidratar a geração solar e eólica. É por isto que a Arayara, a Coalização Energia Limpa e seus parceiros estão litigando: para conseguir o cancelamento desses jabutis na lei de privatização da ELETROBRAS.
É importante dizer que o Brasil é o quarto País em crescimento de produção de petróleo e gás do mundo. Fica atrás só dos Estados Unidos, Arábia Saudita e... Eu esqueci o terceiro, mas já vou lembrar — eu acho que é a emoção de estar aqui.
18:21
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Este mapa, que está pequenininho na tela, será depois disponibilizado para a Casa e para todos os que estiverem nos assistindo e demonstra exatamente onde está esse crescimento. Como vocês podem ver, há blocos de petróleo e gás sendo alocados em toda a costa brasileira, de norte a sul, em terra, onshore, principalmente em cima de reservatórios de gás de xisto não convencional, o que significa que o fracking está tendo um grande impulso de crescimento.
Tudo isso mostra que o gás não é um combustível de transição. Não podemos sair do que existe de energia de carvão, por exemplo, que não é grande parte da matriz brasileira, mas é uma parte dela, e passarmos a utilizar o gás para gerar essa energia. Por quê? Primeiro, porque o gás não é renovável. Quando falamos em gás natural, muitas pessoas acreditam que é algo bom, que não polui, que não gera nenhum tipo de dano à saúde. Mas, na verdade, é um combustível não renovável que contribui para as mudanças climáticas de forma significativa. Nacional ou importado, é problemático dos dois jeitos. Se for importado, é uma commodity precificada em dólar, o que significa que o custo da energia e a tarifa para o consumidor brasileiro já estão impactados por estarem diretamente vinculados à flutuação do dólar. E agora, com a invasão da Rússia na Ucrânia, ver a Europa numa corrida de busca pelo gás nos mostra que seria uma péssima ideia travarmos a nossa geração energética brasileira inteira, pelos próximos 20, 30 anos, no gás. E, quando é nacional, traz custos ao consumidor, porque a energia térmica é, em média, duas vezes mais cara que a renovável. Se hoje metade da população brasileira deixa de pagar duas ou três faturas e boletos de outras contas para pagar as contas de luz e de gás, se seguirmos esse caminho vamos agravar ainda mais a situação de injustiça social no País.
Convido todos a olhar esta foto e pergunto se acham que essa é uma energia limpa, renovável? É isso que vocês querem para Municípios como Caçapava, Macaé e vários outros do Brasil? Existem riscos tanto para o meio ambiente e para o clima quanto para a saúde.
Quais são os problemas que a geração termelétrica oferece? O primeiro ponto é a saúde. As termelétricas oferecem, sim, uma grande poluição atmosférica e hídrica, dependem de alto consumo de água, emitem metais pesados e favorecem o aparecimento de doenças respiratórias nas comunidades que vivem no seu entorno. Do ponto de vista da economia, como falei, as tarifas energéticas ficam muito mais caras para todos. Nós deixamos de cumprir os compromissos climáticos das NDCs.
Elaboramos, inclusive, alguns encaminhamentos, que vou ler no final, exatamente sobre as NDCs.
Temos que seguir o caminho da transição energética justa, com escolhas pela energia limpa.
Essa legislação diz que o IBAMA tem que licenciar 100 mega, porque 100 mega já geram impacto local, que precisa de uma avaliação consistente do órgão. Imaginem que 1.700 mega é o tamanho dessa termelétrica de Caçapava, em São Paulo. Ela é a maior do Brasil! Ela está sendo construída em um local no qual há 100 mil habitantes. Nós não sabemos, com a mudança do Censo, como vai ser, mas ela vai impactar não só esses 100 mil habitantes, como também, eu diria, toda a população da cidade de São Paulo e todas as pessoas que dependem do Sistema Cantareira para abastecimento. Por quê? O Rio Paraíba do Sul abastece esse sistema. Nos momentos de crise hídrica, foi esse rio que segurou as pontas. Lembro que uma termoelétrica, para gerar energia, precisa de água para resfriamento dos reatores, e o consumo de água é tão alto, que ela vai competir pelos recursos hídricos, não só da população de Caçapava, mas também de toda a população de São Paulo e das cidades do Estado de São Paulo que dependem do Sistema Cantareira.
18:25
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Bom, eu falei que essa energia é cara, que ela é suja e que sua localização significa que o terminal de GNL que vai abastecer essa térmica também vai impactar as outras cidades no entorno, pela construção dos gasodutos, pelo desmatamento, por todos os impactos que esse tipo de operação causa. Então, nós fazemos esta pergunta: "Queremos energia cara, queremos falta de água, queremos doenças para as nossas famílias? Compensa o câncer, compensa a doença respiratória?" As mudanças climáticas impactam todos, não conhecem fronteiras. Nós não estamos falando só de Caçapava, nós estamos falando do Brasil todo, especialmente. As mudanças climáticas agravam o racismo ambiental e energético no País, porque as comunidades periféricas e tradicionais são as mais impactadas pelas mudanças climáticas.
Finalizo dizendo que, junto com a ONG Eco Vital, o Subverta, a ONG Arayara e a Vereadora Dandara, nós escrevemos um manifesto contrário à instalação da termoelétrica. Pela questão do tempo, eu não vou ler o manifesto inteiro, mas o entrego para o Deputado Ivan Valente.
Eu queria dizer que esse manifesto propõe alguns encaminhamentos para a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle. Infelizmente, realmente não dá para ser a Comissão de Meio Ambiente. Primeiro, nós propomos a realização de uma audiência pública desta Comissão, mas organizada no Município de Caçapava, para que essa informação seja levada para a população local e para que as pessoas possam também contribuir e participar ativamente das discussões.
Nós sugerimos que a Câmara Municipal de Caçapava apresente um projeto de lei para proibir a instalação dessa termoelétrica em particular e a emissão de alvarás para empreendimentos termoelétricos fósseis, quaisquer que sejam — de gás natural, óleo ou carvão.
Nós solicitamos que a Comissão encaminhe para a ANEEL um pedido de cálculo das emissões de gás de efeito estufa e do plano de mitigação para alcançar as NDC. Um giga de gás não pode ser instalado sem esse cálculo. Considerando que a bacia hídrica do Vale do Paraíba já tem um grande consumo preferencial para humanos e que o rio está abastecendo o Sistema Cantareira, nós também recomendamos à CETESB e ao IBAMA que não licenciem empreendimentos termoelétricos de grande consumo hídrico naquele local.
Há um encaminhamento que não está aqui, mas eu gostaria de apresentá-lo também: que o Deputado proponha um projeto de lei para obrigar a realização de análise ambiental estratégica e ampla discussão social antes da concessão das termoelétricas. Como o Eduardo muito bem disse, a Coalizão Energia Limpa esteve na ANEEL, em reunião com a sua diretoria, e nos disseram: "Não, nós não fazemos uma análise de balanço hídrico ou balanço atmosférico antes de alocar, de conceder 12 termoelétricas num certo local, porque isso não é atribuição da ANEEL, isso faz parte do licenciamento do IBAMA". Aí acontece exatamente o que o Eduardo mencionou. Então, se houver uma legislação que obrigue a realização dessa análise ambiental estratégica antes mesmo da concessão, isso já resolveria uma série de questões, inclusive a de se colocar uma termoelétrica desse porte no local que abastece o Sistema Cantareira. Era isso. Fico à disposição também para esclarecer dúvidas.
18:29
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Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Obrigado, Nicole. Parabéns pela sua fala e pela contribuição sólida que dá a este debate sobre a questão energética aqui no Brasil! A sua fala e a de todos os outros reforçam a qualidade da nossa audiência pública.
Aliás, queria aproveitar este momento para dizer que a reunião está sendo transmitida pelo canal da Câmara no Youtube.
Agora eu vou chamar para fazer uso da palavra o Wilson Cabral, que está on-line.
O SR. WILSON CABRAL - Olá! Boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Está me ouvindo, Wilson? Tudo bem?
O SR. WILSON CABRAL - Eu estou ouvindo. Vocês me ouvem?
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Estamos ouvindo.
Wilson Cabral é pesquisador e professor do ITA — Instituto Tecnológico de Aeronáutica.
Agradecendo a sua presença aqui, eu vou usar um pouco de licenciosidade na condução da Mesa. Eu vi que chegou uma pergunta sua. Então, independentemente do seu tempo de exposição, porque mandou uma pergunta para o Eduardo Wagner, ele vai responder para você, e depois você começa a sua exposição. Tudo bem?
O SR. WILSON CABRAL - Tudo bem. São duas as perguntas que mandei.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - São duas. A primeira é a seguinte: "Qual é a possibilidade de que o IBAMA venha a outorgar à CETESB o licenciamento dessa UTE?"
Parece-me que ele já respondeu a essa questão. Se eu não me engano, foi nos seus esclarecimentos.
O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Nós nunca delegamos um empreendimento à revelia. Sempre, quando nós fazemos a delegação de competência, é por solicitação do dono do projeto, com a anuência do Estado. O Estado tem que aceitar. Além de o Estado ter que aceitar, tem que ser demonstrado ao IBAMA que o Estado tem capacidade técnica para realizar e tenha realizado licenciamentos de empreendimentos similares, como é o caso da CETESB.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Mas neste caso aqui...
O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Neste caso, não foi solicitado. Nós estamos tocando pelo IBAMA.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Mesmo que fosse solicitado, conforme a legislação que fala da potência maior de 100 megawatts ou de 300, isso não ficaria a cargo do IBAMA, de qualquer maneira?
O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Sim. O Decreto nº 8.437 regula a Lei Complementar nº 140, de 2011, que define as competências dos entes da União. Nós podemos delegar aquilo que é de competência nossa, conforme eu falei, mediante uma análise técnica. Depois vai para o setor que faz a delegação, que vai ver se foram cumpridos os requisitos legais. Em seguida, há uma análise jurídica. Só assim é que se delega.
No caso desse empreendimento, não houve pedido. Eles já estão elaborando o Estudo de Impacto Ambiental. Eu não imagino que seria pedida uma delegação de competência desse empreendimento em específico.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Obrigado, Eduardo.
18:33
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A segunda pergunta é a seguinte: "Tendo em vista a desatualização das normas de qualidade do ar do CONAMA em relação às mais novas orientações da OMS, como o IBAMA lida com isso no licenciamento?"
O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Hoje nós devemos agir conforme aquilo que a legislação impõe.
Eu vou colocar novamente: dê uma olhada no nosso Termo de Referência sobre os pontos que nós pedimos, em especial em relação à caracterização da bacia aérea e depois em relação à modelagem matemática da dispersão atmosférica, o que é bem complexo. Nós entendemos que não podemos pedir algo além da legislação. Por outro lado, hoje nós estamos num processo de atualização do Termo de Referência do IBAMA, para ajustar os critérios, algo que eu observei depois da audiência pública da UTE Nova Seival, no Rio Grande do Sul, na qual vários pontos foram levantados. Nós constatamos que precisávamos fazer uma atualização de pontos que são pedidos ali e em breve vamos colocar em consulta pública — já deixo aqui avisado —, provavelmente por 30 ou 60 dias, para que possamos ter a opinião de todos os interessados sobre o nosso Termo de Referência.
Enfim, só podemos agir conforme a legislação brasileira vigente hoje.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Perfeito. Obrigado, Eduardo.
Antes de passar a palavra ao Wilson, quero anunciar a presença aqui da Deputada Talíria Petrone, minha irmã, camarada, amiga, que vai falar daqui a pouco.
Tem a palavra o Sr. Wilson Cabral, do ITA.
O SR. WILSON CABRAL - Boa tarde a todas e a todos.
Eu queria só fazer uma consideração inicial. No requerimento da audiência, fui informado de que eu seria o representante do ITA. Até comentei com o pessoal da organização que eu não represento o ITA — e é bom deixar isso claro —, embora seja um professor do ITA. Gostaria de fazer esse primeiro...
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Só um instante, Wilson. Estamos analisando a qualidade do som. (Pausa.)
Pode prosseguir, Wilson.
O SR. WILSON CABRAL - O.k.
Na verdade, acho que quem me precedeu já abriu a discussão e já colocou alguns pontos que tínhamos aqui relacionados. Eu queria citar alguns aspectos gerais sobre a implantação de termelétricas no País.
Diria que três aspectos chamam muito a atenção. O primeiro deles é o do comprometimento com metas de redução de emissões. O mundo está discutindo essa questão das emissões de forma mais acirrada agora, precisando chegar a um acordo muito mais agressivo em torno da redução de emissões, e o País deve ser signatário desse acordo. A inserção de novas térmicas, especialmente com combustíveis fósseis, vai comprometer isso, certamente. Só nesta termelétrica de que estamos falando, quase 10% da capacidade do sistema hoje instalado é de termelétricas de origem fóssil. Então, não é uma porcentagem pequena, não é pouco. Isso certamente vai comprometer nossa política de redução de emissões.
18:37
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Outro aspecto que acho muito importante salientar é o de que essa tecnologia relativa a termelétricas é consolidada e tem baixo potencial de inovação, com um detalhe: nós temos dependência tecnológica. As turbinas utilizadas nessa geração são importadas. Então, isso implica dependência tecnológica e implica baixo potencial de geração de empregos. Só há um pico de geração de empregos na construção, na implantação do empreendimento, mas isso cai. Hoje a projeção para essa termelétrica específica é da ordem de 40 empregos diretos. Então, em uma termelétrica com um impacto desse tamanho, que seria talvez uma das maiores termelétricas a gás natural da América Latina, conforme se estima, nós teríamos 40 pessoas trabalhando diretamente. Isso é muito pouco. Outros modais — e estou falando especialmente de modais distribuídos —, como o da solar distribuída, por exemplo, têm uma capacidade de geração de empregos muito maior do que essa e uma capacidade de capilarização dessa geração de empregos, especialmente com capacitação local. Nós temos outros modais renováveis e com altíssima capacidade de geração de empregos. E mais: eles estão no limiar tecnológico que nos permite inclusive avançar, inovar, criar aplicativos, criar aplicativos de serviço e assim por diante, para uma área que é mais emergente do que essas termelétricas consolidadas.
Outra questão diz respeito inclusive à pergunta que fiz ao Eduardo Wagner, do IBAMA. Em tese, eu já sabia quais seriam as duas respostas. O que preocupa é o seguinte: nós estamos partindo para uma mudança política em âmbito federal e estadual, em São Paulo, e diante da possibilidade de que se recrudesça a proteção ambiental no Estado, a serem seguidas as orientações que nós imaginamos que venham do novo Governo. Bem possivelmente há interesse — e há rumores sobre isso inclusive — em que seja solicitado licenciamento para esse projeto, por exemplo, no âmbito do Estado, que tem, sim, capacidade para isso, em tese, a julgar pelo seu quadro técnico. Porém, pode haver uma condução política que preocupa, na questão da proteção ambiental. No caso dessas termelétricas, especialmente na esteira do que foi a privatização da ELETROBRAS, com a inserção daqueles jabutis, como foi comentado pelo pessoal do Arayara, nós temos um contexto em que se precariza a regulação ambiental. Essas termelétricas têm sido objeto do rótulo de emergenciais. Dizem: "Precisamos disso para gerar energia, para solucionar os problemas de crise hídrica e assim por diante".
Falando especialmente de impactos que afetam, no caso específico da termelétrica de Caçapava, nós temos a questão do alto consumo de água, que conflita com a crise hídrica. Então, a termelétrica não é a solução, diante do aumento do consumo que nós vivemos — até por isso. Se estamos abrindo termelétricas por conta de uma restrição hídrica, e as termelétricas também utilizam muita água, mesmo aquelas que trabalham com regime de torre seca e com alguma tecnologia um pouco mais avançada, que também demandam bastante água, esse é um problema, e nós precisamos lidar com isso.
18:41
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O outro item diz respeito aos impactos na qualidade do ar. Isso tem uma série de consequências e foi objeto inclusive da minha pergunta, da segunda pergunta que fiz para o representante do IBAMA, para o Dr. Eduardo Wagner. Vejam: a Organização Mundial da Saúde — OMS fez uma atualização em 2005. Ela faz uma compilação dos estudos mais modernos, vamos dizer assim, mais atuais, a cada ciclo de avaliação, e aponta as novas orientações e recomendações sobre parâmetros de qualidade do ar do mundo. A OMS fez isso em 2005 e passou muito tempo sem fazer uma nova revisão, por força inclusive de mercado, porque grandes poluidores, que são grandes multinacionais, fazem pressão para que não haja novas regulações que constranjam, que reprimam eventualmente a capacidade produtiva desses grandes conglomerados. O que acontece é que em 2021 foi lançada uma nova atualização da OMS. Curiosamente, no mesmo ano ou no ano anterior, a legislação brasileira, especialmente a do Estado de São Paulo, da CETESB, foi atualizada com base na orientação de 2005 da OMS, ou seja, praticamente 15 anos depois houve uma atualização no Estado de São Paulo. No entanto, essa atualização já sai desatualizada, porque a OMS, logo em seguida, lançou uma nova versão. Nessa nova versão, eu chamo a atenção, alguns parâmetros foram reduzidos à metade. É o caso, por exemplo, do material particulado com diâmetro inferior a 2 e meio. Isso aponta que a cada dia a ciência descobre efeitos danosos da atividade de termelétricas, especialmente atividades que poluem o ar, e termelétrica é intrinsecamente uma dessas atividades. Eu fiz a comparação com as emissões de uma térmica a gás natural, pegando uma térmica modelo, uma das mais avançadas do mundo, uma referência em termos de térmica avançada, e vi que a emissão é da ordem de 3,43 megatoneladas de CO2 equivalente por ano. Só para se ter uma ideia, hoje o Município de Caçapava, segundo o SEEG, o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, atualmente lança 200 mil toneladas de CO2 no ar. Todas as atividades implantadas naquele Município hoje emitem na atmosfera 200 mil toneladas/ano. Só esta usina emitiria 3,43 milhões de toneladas de gases, o que equivale a 17 vezes e meia a emissão atual do Município. Em termos de NOx, o óxido de nitrogênio, qual é o problema? O óxido de nitrogênio é um gás de efeito estufa que afeta a vida diretamente e indiretamente também, porque é um precursor de ozônio, parte da formação de ozônio troposférico. O ozônio, sim, é um agente oxidante de altíssima potência. Ao entrar na mucosa, quando o respiramos, ele praticamente vai deteriorando a mucosa, e aí temos todos os problemas associados à saúde, pela questão respiratória e cardíaca, naturalmente. Uma usina padrão, referência, emitiria em torno de 2.700 toneladas de NOx, óxido de nitrogênio, por ano — o Município de Caçapava inteiro, hoje, emite 750 toneladas, ou seja, essa usina emitiria da ordem de quatro vezes mais do que todo o Município já emite hoje —, e, em termos de SOx, óxido de enxofre, 47 toneladas por ano. Então, o contexto em que ela se insere é extremamente complicado, complexo. Nós temos um Município com em torno de 100 mil habitantes, porém estamos numa região extremamente conurbada, num vale, em que a velocidade média de dispersão de partículas é da ordem de 0,8 a 1 metro por segundo, muito baixa; os ventos são muito fracos. E há todo um outro contexto industrial, com outras indústrias poluentes, e população da ordem de mais de 1 milhão de habitantes na região, se pensarmos na conurbação — Caçapava, Taubaté, São José dos Campos, e assim por diante.
18:45
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Diante disso, nós temos uma desatualização das normas ambientais. Como eu falei, a OMS já preconizou uma mudança, e nossas normas, tanto nacionais, cito o CONAMA, quanto estaduais, aqui temos a CETESB, estão desatualizadas. Então, há uma necessidade urgente de atualização desses parâmetros indicadores da qualidade do ar. Só para termos uma ideia, a OMS preconiza que a degradação da qualidade do ar pode produzir 7 milhões de mortes por ano, ou seja, uma melhora na qualidade do ar evita morte e morbidade. A USP lançou recentemente um estudo que mostra que um aumento de 10% de emissões de material particulado e ozônio pode resultar, em 20 anos, em 64 mil mortes prematuras, 65 mil doenças crônicas e 37 milhões de faltas laborais, que são faltas ao trabalho. Isso tudo tem um custo muito alto, muito maior do que o custo de implantação ou o benefício que uma termelétrica como essa poderia trazer.
Essa é uma síntese do que eu queria apresentar. Eu acho que a sociedade local já deu sua orientação, ou seja, não quer a instalação de uma termelétrica por aqui. E, pelo que o IBAMA vem pronunciando, o processo ainda está em maturação, quer dizer, o licenciamento ainda está em maturação. Então, está mais do que na hora de nós mostrarmos qual é o custo, de fato, que uma termelétrica como essa pode trazer para a sociedade. E alguns deles são incalculáveis. Eu calculo que pode haver 64 mil mortes prematuras, por exemplo, com o aumento de 10% de emissões, que é o caso. Estamos falando aqui de um aumento de 10% de emissões atmosféricas. Então, precisamos considerar esse fator.
E fica uma orientação, uma recomendação para o Deputado, que, aliás, tem prestado enorme serviço à sociedade a partir da sua atuação. Quero parabenizá-lo, Deputado. Nós precisamos, urgentemente, revisar, atualizar nossas normas para a qualidade do ar. Eu encerro minha fala por aqui, e estou disponível para conversarmos um pouco. (Palmas.)
18:49
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O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Queria agradecer ao Wilson Cabral pela sua contribuição. Aliás, são particularmente impactantes as informações que trouxe sobre a qualidade do ar, sobre as emissões. Nem pensamos no veneno que nós estamos respirando e em como ele se multiplica com essa implantação da termelétrica.
Somos três os engenheiros aqui na Mesa: eu, o Eduardo e o Cabral. Há mais algum? O Juliano também é engenheiro? O Marighella também, foi engenheiro.
O SR. WILSON CABRAL - Deputado, faço uma retificação. Eu não sou engenheiro, embora dê aulas para engenheiros.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Você é do ITA e não é engenheiro?
O SR. WILSON CABRAL - Não, eu sou oceanógrafo de formação.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - É o quê?
O SR. WILSON CABRAL - Oceanógrafo.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Oceanógrafo. Nossa! Parabéns, pela sua intervenção!
Queria anunciar a presença do nosso amigo e companheiro Marquito, Deputado Estadual de Santa Catarina, pelo PSOL.
Obrigado pela presença aqui, junto com a Deputada Talíria. (Palmas.)
Nicole, quero dizer a você, que nos brindou agora há pouco com este manifesto das organizações Arayara, Eco Vital e Subverta, que assinamos embaixo e vamos divulgar o manifesto. E, quanto ao projeto de lei a que se referiu, como sugestão para o mandato, vocês poderiam mandar uma minuta para nós, para entregarmos à assessoria técnica da Câmara. Podemos fazer uma dobradinha aqui, eu e a Deputada Talíria Petrone, para assinar. Obrigado.
O Juliano chegou agora. Eu vou dar a palavra ao Sullivan, que está na fila há um tempão.
Depois eu darei a palavra a você, Juliano.
Tem a palavra o Sullivan Morais Santos — para terminarmos a lista dos que estão presentes aqui; depois falarão os Deputados. Ele é Coordenador da ONG Eco Vital. Tem 10 minutos, mais uma tolerância depois. Todos tiveram.
O SR. SULLIVAN MORAIS SANTOS - Boa noite, Deputado. Vamos ser justos. Não devo estourar o prazo, não.
Deputado, primeiro, quero agradecer a presença de todos aí no plenário e dos 105 pelo Youtube. Registro nossos agradecimentos à Deputada Talíria Petrone; ao Subverta, Vale do Paraíba; à Juventude pelo Clima; à ONG Arayara; ao Dr. Wagner Giron, Defensor Público, que infelizmente não está presente por motivo de agenda. E deixo aqui nossas condolências à Dra. Luciana Gatti pelo falecimento de sua mãe. Registro nossos agradecimentos ao Dr. Laerte, Promotor de Justiça do GAEMA, do Ministério Público do Estado de São Paulo; ao Ministério Público Federal em São José dos Campos pelo acolhimento, também, da nossa pauta; da nossa Vereadora presente, a Dandara; da nossa Presidente da Eco Vital, Andréia; todos aqui presentes, o Prof. Luiz Eduardo, ex-Vereador, Presidente da Câmara; Raquel Henrique, geógrafa; nossa advogada, Regiane.
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Deputado, a partir do dia 19 de maio deste ano, nós ficamos sabendo desse projeto aqui em Caçapava. Como a Vereadora bem colocou, sociólogos nos procuraram para a elaboração do estudo do impacto socioeconômico. A partir de então, nós estamos perdendo nosso sossego quanto a isso, até mesmo pela forma como o processo está se encaminhando em Caçapava. É uma forma esquisita, estranha. As tratativas junto ao poder público não são as mais transparentes. Não existe nenhuma agenda protocolar. As reuniões acontecem dentro do ambiente público, sem agenda alguma. Reúnem-se dentro da Câmara Municipal, com parte dos Vereadores apenas. Ficamos esperando a presença dos empresários. Enquanto isso, eles estavam reunidos com parte dos Vereadores, e a Vereadora Dandara estava junto conosco, aguardando. Então, o processo não é transparente aqui para a sociedade. A Prefeita não responde os questionamentos da Vereadora como se deve. Nós estamos numa situação bastante difícil.
Como os antecessores colocaram, trata-se de um projeto de magnitude relevante, a maior do Brasil: 1.743 megawatts. Diz o empresário que o processo de resfriamento da água é um processo muito moderno de usar pouca água. Mas é importante dizer que são 100 metros cúbicos de água por hora retirados do poço profundo, do mesmo sistema que abastece a população de Caçapava, que já sofre com problemas de desabastecimento.
Então, é um projeto temerário. A planta proposta nesta área quase na divisa com o Município de Taubaté fica a apenas 5 quilômetros de centro de Caçapava e do centro de Quiririm, distrito do Município de Taubaté, um distrito turístico por sinal. A forma como isso vem ocorrendo aqui não nos garante tranquilidade alguma.
O Eduardo, do IBAMA, colocou que são informações públicas que estão disponíveis no site. Nós não conseguimos acessar o site por diversos problemas, nem o Ministério Público Estadual, nem o Ministério Público Federal, nem a Defensoria Pública. Há uma instabilidade de acesso à plataforma quanto a informações também. Tudo isso é somado à questão de que o Vale do Paraíba não é uma região propensa para esse tipo de empreendimento, como foi bem colocado antes também, porque é a sexta tentativa de implantação de usinas térmicas, nenhuma nessa proporção.
Como o Prof. Wilson colocou, o Vale do Paraíba, pelo fato de estar entre as Serras do Mar e da Mantiqueira, como o senhor também bem colocou, a dispersão atmosférica aqui é baixíssima, é muito pouca. São ventos circulares, oceânicos de baixa intensidade. Já temos a REVAP, a refinaria da PETROBRAS aqui na divisa com Caçapava, no Município de São José dos Campos, que é a maior emissora da região. Some-se a isso todas as outras causas, a Rodovia Presidente Dutra, indústrias e tudo o mais, agravando-se o problema principalmente na época de estiagem, quando há inversões térmicas, o acréscimo das fuligens de incêndios e queimadas.
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Enfim, é tudo muito preocupante, pelo que estão pretendendo para o Vale do Paraíba e pela forma como pretendem fazer. O professor colocou bem essa questão da mudança de âmbito do projeto. Nós também já estamos prevendo, Deputado, essa manobra de tirar do IBAMA hoje e levar para a CETESB, aqui em São Paulo, devido ao resultado das eleições. Nós sabemos muito bem quem está por trás disso tudo também. Pode acontecer, de fato, isso.
Nós entendemos hoje, Deputado, que, por mais argumentos técnicos que nós tenhamos e os mais brilhantes especialistas da área venham a contestar isso, a decisão é puramente política, diante de um lobby bilionário referente ao gás que está nesse contexto todo, é uma decisão simplesmente política, é uma opção de quem está no poder.
Então, nós temos, sim, que provocar a sociedade, levar isso ao conhecimento dela e lembrar a ela que o Brasil é signatário do Protocolo de Kyoto e do Acordo de Paris. Nós estamos falando aqui de Caçapava, do Vale do Paraíba, mas qualquer projeto térmico no Brasil, como está acontecendo no Município de São Sebastião, aqui no litoral norte, com essa outra praga que está proliferando no País, que são os incineradores de lixo — nós sabemos que lixo não pega fogo, sabemos que lixo precisa de um acréscimo de combustível fóssil —, são formas mascaradas de colocarem termelétricas em todo lugar, sem terem capacidade de resolver a questão dos resíduos. Então, preferem a solução final, aproveitam para queimar esse gás nocivo, que é o gás metano.
Nós precisamos articular muito isso na sociedade, fazer esses alertas, que são muito importantes. E é interessante dizer que isso está sendo acompanhado pela PROAMB.
Em Angola, um país muito rico em petróleo, eles estão apostando na geração de energia fotovoltaica. No Brasil, que tem essa imensidade de território, que é servido de sol, bons ventos e muitas marés, só com essas três fontes de energia limpa e renovável, nós não precisamos falar em nada térmico. Nós precisamos mudar esse conceito e trabalhar mais essa questão agora, Deputado.
Não tenho muito o que dizer quanto a isso. Nossa fala é essa.
Reforço os nossos agradecimentos e deixo claro que a Eco Vital tem mais de 30 anos de atuação na região do Vale do Paraíba e que esse, certamente, é o maior desafio que nós temos na nossa história de resistência. O Prof. Luiz Eduardo é um dos fundadores da nossa ONG. Agradecemos demais esse apoio do senhor nessa iniciativa. Estamos à disposição para algum esclarecimento.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Obrigado, Sullivan.
Vamos bater palmas para o Sullivan, que é Coordenador da ONG Associação Eco Vital. (Palmas.)
Obrigado pela sua contribuição, amigo.
Passo rapidamente a palavra ao Sr. Juliano Araújo.
O SR. JULIANO ARAÚJO - Inicialmente, Deputado Ivan Valente, registro nossos agradecimentos, em nome do Instituto Internacional Arayara, da Coalizão Energia Limpa, da Coesus — Coalizão não Fracking Brasil.
19:01
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Eu peço desculpas pelo atraso. Eu estava numa reunião do governo de transição tratando exatamente sobre todas as questões ambientais e sociais que impactam o nosso País e, obviamente, tratando daquilo que importa e que é necessário para essa construção de reavermos a democracia, a pauta ambiental e a pauta energética como ponto central da nossa atuação.
A Dra. Nicole Oliveira já fez uma apresentação sobre a qual eu ia falar. Mas tenho aqui pontos importantes para tratar sobre Caçapava, sobre as termelétricas, sobre o Movimento Xô Termoelétricas.
Primeiro, uma de nossas preocupações: 74 termoelétricas a gás estão previstas no Brasil, o que significa um rombo nas contas públicas, um rombo na conta de cada um dos cidadãos brasileiros. Imaginem vocês que há a previsão do aumento da conta de luz de 156%. Isso significa a ampliação do racismo energético, a ampliação do racismo ambiental. Por quê? Porque a planta térmica é instalada nas cidades em que há fragilidade de licenciamento ou nas cidades em que há uma movimentação tal que a viabilize, como, por exemplo — está aqui a Deputada Talíria, que participou intensamente, ativamente nesta Casa Legislativa na questão do Xô Termoelétricas da Baía de Sepetiba e também de Macaé, que, juntas, são 18 termoelétricas.
A termelétrica de Caçapava, de 1,78 gigawatts, é como se fosse um monstrinho cuspindo fogo, porque nós estamos falando de uma megatermelétrica que sozinha emite quantidade de gases atmosféricos e de consumo de recursos hídricos inviáveis, de acordo com os estudos que foram realizados pela Arayara e pelo Observatório do Petróleo e Gás, da sua dispersão. O que isso vai significar? Isso vai significar que a saúde da população, que já tem hoje um problema grave de saúde por questões respiratórias, por uma série de outros contaminantes, se assevere.
Portanto, temos que lidar com a vida das pessoas, com a qualidade de vida, com a oportunidade de vida das pessoas com o devido cuidado. Então, os encaminhamentos, garantidamente, serão feitos para esta Mesa Legislativa, para esta Casa. O problema não ocorre só em Caçapava, ocorre em 17 Estados brasileiros e em alguns deles, de forma mais grave.
Quando falamos do Maranhão, quando falamos do Estado do Rio de Janeiro, quando falamos de São Paulo, vemos que esses três Estados são campeões no caos do seu processo de licenciamento e do interesse do setor privado de, literalmente, pensar exclusivamente no lucro mesmo que o Estado não necessite de energia.
Veja, nós temos que fazer uma escolha: queremos pagar uma energia elétrica, como a que foi imposta a todos nós no último leilão emergencial de energia, em que a ANEEL está comprando energia a 1.560 reais ou uma energia solar, eólica, a 260 reais? Essa é a imposição que foi feita com a sequência de projetos termelétricos.
Eu acho que temos que fazer os encaminhamentos. E aproveito aqui para dizer — e está aqui o Vereador de Florianópolis, recentemente eleito Deputado Estadual de Santa Catarina, e eu estava ali na mesa conversando com ele — que o Estado de Santa Catarina aprovou a lei da transição energética, que é uma transição injusta, é a apropriação de um nome, em que se diz que a transição energética é justa, mas que na verdade é uma transição injusta. Por quê? Porque vai financiar a queima de carvão em Santa Catarina até 2040, pagando-se pela energia mais cara e mais suja também do País.
19:05
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Então, temos que fazer essa discussão, Marquito, obviamente, de forma central — nesta audiência já foi tudo falado sobre Caçapava —, e falarmos que essa é uma problemática nacional. Se nós não resolvermos isso com seriedade, implantando uma nova política energética nacional, com energia limpa e barata para todos, de nada adianta termos uma energia cara que faça com que a Nação seja alijada do direito de ter a sua geladeira, a sua televisão, o seu aparelho de celular e o seu computador ligados na tomada.
Não queremos também uma energia cara. Queremos uma energia barata, uma energia limpa. Eu tenho certeza de que é possível equalizar energia limpa, com a Arayara e o Observatório do Clima. Todos nós estamos unidos nessa luta, nessa causa.
Obviamente, eu não poderia deixar de agradecer aos Deputados do PSOL e da REDE. O PSOL e a REDE foram, ao longo desses 4 anos, os dois partidos, as duas representações nesta Casa que mais acolheram a chamada à necessidade do povo, à necessidade dessa mudança e àquilo que precisa ainda ser feito pelos próximos anos.
Com isso, deixo aqui o meu muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Quero agradecer ao Juliano Araújo pelas suas palavras. Mais do que isso, eu digo que, se não mudarem o modelo de transição na transição, nós vamos invadir a transição. O.k.? (Risos.) (Palmas.)
Agora eu convido para vir à mesa, para ficar no meu lugar, a Deputada Talíria Petrone, que vai falar sobre essa questão da termoelétrica.
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Deputado, eu falarei daqui mesmo.
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Eu faço questão que V.Exa. venha, porque o povo quer vê-la.
O SR. JULIANO ARAÚJO - Deputada, V.Exa. é a Deputada grávida mais bonita e mais ativa deste Congresso.
A SRA. TALÍRIA PETRONE (PSOL - RJ) - Há gente brincando que esse bebê já tem 12 meses, porque passou a campanha, veio a eleição — o primeiro turno, o segundo turno —, e o bebê ainda está na minha barriga. (Risos.)
Rapidamente, quero saudar meu querido amigo e companheiro Deputado Ivan, um parceiro nas batalhas de enfrentamento a essa lógica desenvolvimentista, produtivista, que, ali na ponta, chega ao corpo periférico feminino, pobre, preto.
Saúdo também o querido Marquito, que é uma referência para nós no nosso horizonte do bem viver, e todos os que estão aqui.
Quero concordar que este é um debate nacional. Acho que muito já foi dito, tecnicamente, sobre o projeto. Mas é necessário que entendamos que estamos fazendo uma curva. Foram 4 anos de destruição, de fortalecimento de um modelo de desenvolvimento predatório, na contramão do que é esse horizonte do bem viver. Esse tempo precisa acabar de verdade. Temos que consolidar o fim desse tempo.
Acabou o Governo marcado pela lógica ecossuicida, o Governo que colocou o petróleo, o gás e o minério na mão dos capitalistas, o Governo que retrocedeu enormemente em demarcação de terras indígenas, que tenta, a todo custo, legalizar a grilagem, o Governo que ataca o que já é frágil, a legislação de licenciamento ambiental, que permitiu o acontecimento em Brumadinho e em Mariana. É essa legislação que tem sido atacada, inclusive ela vem retrocedendo.
Essa curva precisa, não tenho dúvida, de um novo horizonte. Infelizmente, o desmonte do Sistema Nacional do Meio Ambiente e o ataque a toda política climática, pela qual lutávamos para fazer avançar, está expresso nos 74 projetos em curso de termoelétricas implementados pelo Governo Bolsonaro.
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Mas também pensamos no que é a COP, Célia Xakriabá, Sônia Guajajara, no que é ter um presidente de um novo governo em que temos que disputar, sim, para esse horizonte do bem viver, que, de alguma maneira, apresentou um Brasil que vai retomar uma preocupação com o que é o cenário dramático ambiental mundial. Digo isso porque o tema da audiência não está descolado da necessidade de consolidar essa curva.
É lamentável o que vimos no Rio de Janeiro, quando chegamos à Baía de Sepetiba, a Nicole estava lá. Refiro-me ao projeto de 4 termoelétricas cuja instalação havia sido proibida pela Justiça. Apesar da proibição, a instalação estava em plena execução. Infelizmente agora foi derrubada. Não é razoável colocar o interesse do povo nas mãos das empresas.
Eu acredito que precisamos ter encaminhamentos explícitos, Deputado Ivan. Por exemplo: onde está a transparência das tratativas da holding Natural Energia, que inclusive tem sede no Rio de Janeiro? Eu não sei o que foi encaminhado, porque não ouvi algumas falas. Queremos informações da ENEL sobre o cálculo das emissões de GEE dessa térmica, bem como o plano de mitigação para alcance das NDCs.
Também acho que tínhamos que propor para a Comissão que aprovou esta audiência — não sei se podemos já da audiência tirar esses encaminhamentos — que a Agência Nacional de Águas traga um estudo dos impactos hídricos desse empreendimento na Bacia do Vale do Paraíba, porque não é possível. Pelo que me consta — Letícia, se eu estiver errada, você pode brigar comigo depois —, pelo que a assessoria me trouxe, estamos falando da queima de 6 milhões de metros cúbicos de gás por dia no Vale do Paraíba, uma região com poucos ventos, uma região rica ecologicamente.
O que é isso? Estamos falando de 100 metros cúbicos de água por hora, água que vai ser retirada de poços profundos, os mesmos que abastecem — não é, Vereadora? — a população da região.
Então, não dá. Isso num cenário em que nosso País, só em 2021, já emitiu mais de 2 bilhões de toneladas brutas de CO2. Estamos falando de uma alta de mais de 12% em relação ao último ano, de 9,5% em relação a 2019, num cenário de colapso climático. Podemos ver os extremos climáticos no mundo inteiro, mas, pensando no Brasil, vamos ao meu Estado, Rio de Janeiro, a Petrópolis. É lógico que há questões de política urbana! É claro que há, assim como há questões de moradia. Mas há um aumento de chuva concentrada. Isso vai cair na casa de quem? Alguém disse bem: é o racismo ambiental que está expresso no que são as termoelétricas, que vai cair na casa dos negros, pobres, periféricos das favelas, que são os mesmos que têm fome em um país onde tudo que se planta dá, mas em que há alteração das chuvas e da produção de alimento. Nós precisamos mudar esse modelo.
19:13
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Na contramão do que dizem, é falsa a ideia de que termoelétricas podem salvar o País num cenário de crise hídrica. As termoelétricas são causas, não solução, são uma das causas dos extremos climáticos dos quais as crises hídricas são consequências. Então, em vez de fortalecer os projetos de termoelétricas, como está em curso uma catástrofe climática, agora temos que fazer um esforço para fechá-las. É isso.
Faço uma saudação especial aos meus companheiros e companheiras do Subverta, que também constroem uma esquerda que precisa estar na contramão do que é a lógica desenvolvimentista que, infelizmente, está em curso há muito tempo e foi amplamente fortalecida pelo Governo ecossuicida de Bolsonaro.
Agora, eu devolvo a Presidência para o querido Deputado Ivan Valente.
Vamos seguir na audiência. Eu vou para outra reunião, mas estou com vocês e não abro. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Nós estamos nos aproximando do final da audiência. Há o Deputado Estadual eleito, o Marquito.
Foi pedida a palavra por duas pessoas da plateia: a Jen e o Cassio, do INESP. Há também o André.
Mais alguém quer falar?
Vou conceder 3 minutos para vocês se manifestarem.
Marquito, é um prazer estar com você. Faça uma saudação para nós sobre esse tema, já que você é um destacado defensor do meio ambiente.
O SR. MARQUITO - Quero agradecer sua gentileza por abrir este espaço. Parabenizo-o pela propositura desta audiência, deste debate.
Quero cumprimentar também os representantes da Arayara. Já fizemos alguns debates em Santa Catarina em relação à exploração do petróleo no litoral catarinense, no litoral brasileiro.
Eu queria muito rapidamente dizer que, conforme o Juliano já colocou, em Santa Catarina temos uma apropriação sobre o tema da transição energética muito perigosa. O Governo de Santa Catarina, os Parlamentares, levou, para a discussão na COP, uma proposta de transição energética baseada no carvão. Isso é terrível, é uma inversão completa.
Quero dizer também que o debate sobre transição energética, como foi colocado aqui, faz com que nos deparemos com toda a injustiça ambiental e social desse tema.
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Cada vez mais temos uma política energética baseada em alto custo de produção. A população mais pobre não vai ter acesso às tecnologias nem ao uso de tecnologias de produção de energia elétrica de baixo custo. Quem tem dinheiro hoje consegue se preparar para o uso de outras tecnologias e comprar energia barata, mas quem vai pagar a conta das energias caras de alto impacto será a população mais pobre, os trabalhadores de classe média baixa e os empobrecidos.
Essa é a realidade da construção da transição energética que se apresenta no País. É fundamental aprofundarmos este debate.
Vimos discutindo, em Santa Catarina, com o Deputado Pedro Uczai, na perspectiva das cooperativas e na relação campo/cidade/produção/consumo. Acho que vamos caminhar para a descentralização da produção e do consumo de energia.
A partir do ano que vem, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina, pela primeira vez, terá um representante do PSOL. Já houve mandatos de mudança partidária nas janelas, mas agora é a primeira vez que elegemos um mandato no processo eleitoral. Vamos discutir, com certeza, a questão ambiental profundamente, à luz da justiça ambiental e da justiça social.
Agradeço por este espaço para acompanhar este debate.
Obrigado, Deputado Ivan Valente, uma grande representação para nós.
Obrigado, Juliano.
Obrigado a todos os que estão aqui realizando este debate. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Obrigado, Deputado Marquito. Muito bem! Você vai ser um herói na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, porque não está mole em Santa Catarina. (Risos.)
Eu gostava muito de Santa Catarina. Tenho muitos amigos, mas temos que virar o jogo lá. O Marquito é o ponta de lança lá.
Passo a palavra para a Jen.
A SRA. JEN - Boa noite, gente. Obrigada pela oportunidade de falar aqui.
Eu sou de Caçapava. Acho que sou a única pessoa, além da Dandara e da assessora, de Caçapava. A população de Caçapava se recusa a receber a termoelétrica. A minha fala vai ser bastante direta e também vai ser uma provocação e uma indagação para todos os Parlamentares, para o IBAMA, para o corpo técnico do Estado, que tem que fiscalizar e regulamentar isso de alguma forma, através da seguinte pergunta: por que combustíveis fósseis?
Estamos vivendo a crise climática de forma desigual. Pessoas são "racializadas". Comunidades indígenas e tradicionais são as que mais sofrem, assim como a classe trabalhadora. Eu, assim como a população de Caçapava, tenho bronquite e asma desde a minha infância. Pessoas da minha família sofrem com crises respiratórias. Eu estou com bronquite, mas estou aqui falando com vocês para perguntar: por que combustíveis fósseis? Essa é a minha única pergunta.
O meu recado é: vamos continuar combatendo o consórcio das Prefeituras que estão se organizando no Vale do Paraíba e também em outros lugares do Brasil para continuar esse retrocesso socioambiental absurdo. Vamos continuar combatendo isso através de uma perspectiva do bem viver e da perspectiva ecossocialista. Estou aqui ao lado de um ecossocialista que me inspira muito, que é o Marquito. A Deputada Talíria acabou de falar também, e o Deputado Ivan, que combate o retrocesso socioambiental no Brasil.
Minha fala é bem clara e direta. A pergunta é: por quê? Nós vamos combatê-los. O recado é direto para todas as indústrias de energia fóssil do Brasil: nós vamos combater vocês na raiz do problema. Estamos aqui por transição energética justa e sustentável, verdadeiramente sustentável.
Vou passar a palavra para os jovens da juventude climática organizada que estão aqui. Eles vão saudar vocês também. Continuamos na luta. Contem conosco sempre.
19:21
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Então, para provocá-los mais uma vez, pergunto: por que estamos, em 2022, em meio a uma crise climática, tendo de combater combustíveis fósseis que vão levar à extinção de todas as vidas no planeta?
É isso. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Com a palavra o Cássio, do INESC.
O SR. CÁSSIO CARDOSO CARVALHO - Boa noite a todos e a todas.
Eu sou Cássio, do Instituto de Estudos Socioeconômicos — INESC. Eu queria agradecer a oportunidade de estar aqui, com todos da Mesa, o Juliano e a Nicole, da Arayara, o Eduardo Wagner e o Deputado Ivan, com quem eu convivi muito na minha infância lá em São Bernardo. Eu estou aqui representando, além do INESC, a Coalizão Energia Limpa.
Quero dizer, rapidamente, que os últimos 6 anos significaram um grande retrocesso para a política energética brasileira, com a privatização da ELETROBRAS e o aumento dos subsídios aos combustíveis fósseis, coisas que já foram citadas aqui. Nós publicamos um estudo, na semana passada, mostrando que, somente em 2021, 118 bilhões de reais foram destinados para ampliação dos combustíveis fósseis aqui no Brasil. É apenas um de uma série de retrocessos que já foram colocados aqui, que se apresentam agora na termelétrica de Caçapava.
Quero dizer que o próximo período significa para nós a reconstrução do País e também a recolocação de uma política energética pensando numa transição energética com justiça social e que leve energia democraticamente para todas as pessoas aqui no País. O esforço vai ser grande, a batalha vai ser ainda maior, mas enxergamos, para o próximo período, a chance de rever os retrocessos que vivemos nos últimos anos.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Obrigado, Cássio.
Com a palavra o André.
O SR. ANDRÉ DOZ - Boa noite, pessoal.
O meu nome é André Doz, sou estudante de história da Universidade de Brasília, faço parte do Centro Acadêmico de História da nossa universidade e também sou membro do Jovens pelo Clima e estou aqui representando o coletivo Juntos!
Primeiro, gostaria de agradecer imensamente à Mesa e a todos aqueles que estão hoje aqui presentes.
É necessário falar sobre a construção dessa termelétrica, mas é necessário colocá-la em uma perspectiva de todo o desmonte das políticas de preservação ambiental e socioambiental.
Acho que foi muito importante ter tratado também aqui nesta audiência do racismo ambiental e da vinculação que existe nessa discussão com a iniciativa privada. Sabemos que hoje a iniciativa privada avança em torno da pauta da construção de usinas termoelétricas porque o capital tem interesse no dinheiro do Estado para se autofinanciar. E percebemos que se constrói toda uma narrativa ao longo do tempo: há muito se fala da crise hídrica por que passa o nosso País. Mas acho que é necessário falarmos que essa crise hídrica também é fruto do avanço de um tipo de capitalismo que sempre tivemos na história deste País, que é um capitalismo predatório, um capitalismo que acredita que a única forma de conseguir se sustentar e crescer é a destruição mais ferrenha possível do nosso meio ambiente. Não à toa levamos o nome de Brasil — o nome do nosso País vem justamente desse tipo de desmatamento.
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E acho que é mais do que necessário que consigamos deixar clara a razão por que estamos aqui hoje. Estamos aqui hoje porque não aguentamos mais. A juventude se organiza cada vez mais em torno da pauta climática, justamente porque não consegue ver perspectiva de futuro, já que as lideranças que hoje tomam a frente das políticas públicas para o meio ambiente não têm interesse na preservação ambiental. Pelo contrário, na verdade, têm interesse na expansão dos seus capitais, na expansão dos seus negócios.
Mais do que nunca, precisamos deixar clara a necessidade de diálogo com a população, de trazer o tema do ecossocialismo para a mesa e de afirmar a importância de mudanças no sistema, por dentro e por fora, porque não aguentamos mais esse tipo de situação.
O Jovens pelo Clima está presente, o coletivo Juntos! está presente, para falarmos para toda a sociedade que essa termoelétrica não vai passar — nem nenhuma outra —, porque a juventude quer viver, a juventude quer futuro e a juventude está cansada daqueles lá de cima sempre quererem mandar em seu futuro.
Derrotamos o Bolsonaro e vamos derrotar todos os fascistas. Vamos prender Bolsonaro e seus filhos corruptos. Vamos colocar na prisão todos os ecocidas.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - O André Carvalho já falou. Depois dele, inscreveu-se a Betina, do Jovens pelo Clima.
Mais alguém ainda quer se inscrever? Eu vou encerrar a audiência. Já são 19h28min. Depois da fala da Betina, eu vou fazer o encerramento. (Pausa.)
Você quer falar um minutinho? Beleza. Qual é o seu nome? Akae? Vou chamar você assim, AKEE. (Risos.)
Fale, Betina.
A SRA. BETINA - Boa noite.
Queria começar agradecendo a presença do Jovens pelo Clima de São Paulo, nossos aliados de luta do Estado, que vieram especialmente para esta audiência.
Queria também expressar também gratidão ao Arayara. O Juliano já esteve conosco no debate sobre a Baía de Sepetiba, também sobre combustíveis fósseis.
E queria começar falando da importância de estabelecermos neste local a transição energética como uma pauta urgente. Nós sabemos que não basta só que essa termoelétrica não seja construída, como foi apontado mais cedo, pois existem 74 projetos para outros empreendimentos fósseis que vão ser colocados em pauta no nosso País. Portanto, precisamos levar isso à frente, não só fazendo o barramento desse empreendimento.
E esse debate gira muito em torno da questão do que é esse empreendimento, sempre colocado acima da vida, como algo a gerar lucro e emprego. Mas sabemos que, no fundo, não é só isso. Nós sabemos que há pessoas morrendo, nós sabemos que o racismo ambiental é algo presente no nosso País, nós sabemos que as maiores prejudicadas sempre são as pessoas marginalizadas, as pessoas que vivem à margem do sistema, nós sabemos do ecocídio que está em curso no nosso País nos últimos 4 anos, nós sabemos que os nossos biomas vêm sendo atacados.
19:29
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Na semana passada, o Jovens pelo Clima também estava nesta Câmara, para protestar contra o "saldão do desgoverno". Na ocasião, se eu não me engano, foram aprovados quatro PLs que favorecem o desmatamento da Mata Atlântica. E agora estamos falando de uma termoelétrica que está sendo construída em cima do mesmo bioma.
Nós sabemos como tem sido difícil para a pauta ambiental neste País, como tem sido difícil para os movimentos que estão aqui hoje resistirem. Então, faço um agradecimento a todo mundo que vem pautando essa luta no nosso País.
Nós sabemos também do grande número de empreendimentos fósseis no nosso País.
O papel da sociedade civil e dos movimentos ambientais que atuam aqui dentro é pautar o nosso compromisso com o tema socioambiental e levar para as pessoas esse debate, explicando por que a termoelétrica não pode ser construída e mostrando como seria prejudicial se todo esse desmatamento, necessário à construção da termoelétrica, fosse colocado em curso.
É isso.
Obrigada. (Palmas.)
O SR. AKAE - Eu me inscrevi para fazer uma fala no sentido da responsabilidade intergeracional, algo em que temos que pensar neste debate e que está de acordo com a fala da companheira Betina, que acabou de se manifestar.
Quero agradecer ao Jovens pelo Clima de Brasília a recepção. Foi uma caminhada de São Paulo para cá, mas é de extrema importância que estejamos aqui, para conseguir entoar nossa voz e fazer coro a falas como a da Talíria e a do Marquito e à declaração da Jen, deixando claro que vamos estar lá, que vamos estar presentes, que vamos estar no embate.
Eu queria reforçar essa ideia da intergeracionalidade e dizer que fiquei muito feliz que algumas falas tenham tratado do racismo ambiental, porque nós sabemos que corpos pagam a conta hoje. E quem vai pagar amanhã, quando essa conta não fechar, quando essa conta chegar à casa de todo mundo? A minha geração não tem opção — não tem opção de queimar gás, não tem opção de queimar combustível fóssil. Nós precisamos falar, para hoje, sobre uma transição energética sustentável, democrática, popular e, se depender de mim, ecossocialista. Eu estou viva e vou viver, várias pessoas da minha geração terão filhos, e nós vamos queimar o quê? O que vai sobrar? Nós vamos fazer uma transição energética à base de carvão, como o Marquito estava falando que foi proposto na COP? Isso é inaceitável. Nós não temos tempo para isso.
Eu entendo que, nas Casas Parlamentares, a média de idade seja muito mais alta e poucas pessoas façam o papel que o Ivan faz, de se renovar, de entender a juventude, de continuar vivo e aprendendo com as pautas novas. A água não está batendo na bunda dessas pessoas. Na minha, está.
Eu queria pensar nisso, eu queria solidariedade com as próximas gerações.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Tem a palavra o Eduardo Wagner.
Fique à vontade, Eduardo.
O SR. EDUARDO WAGNER DA SILVA - Obrigado.
Quero apenas trazer algumas informações. Mais cedo, falaram sobre os padrões de qualidade do ar. A Resolução CONAMA nº 491, de 2018, que define esses padrões, foi objeto de uma ADI, e o Plenário do STF, em maio de 2022, estabeleceu o prazo de 24 meses para a sua atualização, para que sejam considerados os padrões estabelecidos pela OMS.
19:33
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O outro ponto é sobre a representante do Município de Caçapava. Eu já havia dito que o processo é aberto e público. Ele é aberto para recepcionar documentos de qualquer interessado no processo de licenciamento. Então, se vocês têm informações adicionais que sejam relevantes para o processo de licenciamento ambiental, o processo está aberto para vocês mesmos protocolarem lá essas informações, e elas serão consideradas sim. Assim como no processo de licenciamento da UTE Nova Seival, que foi paralisado por conta do posicionamento da população, nós consideraremos.
Falando de energia fotovoltaica, vou falar um pouquinho do lado bom. Este ano, a CENEF, coordenação da qual eu sou chefe, licenciou 2,2 gigas de energia fotovoltaica. E estão abertos também, em fase inicial de processo, 70 projetos no IBAMA que propõem 170 gigawatts de energia eólica offshore.
Por último, eu só queria falar sobre a questão da transição energética. Quando se fala de transição energética, não é só substituir por matriz e fonte energética, mas rever padrões de consumo e de desenvolvimento que queremos aqui dentro. Então, não adianta apenas falarmos que vamos substituir nosso carro à combustão por um carro elétrico, porque assim só vamos estar seguindo a lógica do mercado. Portanto, precisamos revisar, ter transporte público de qualidade e diversos outros pontos relativos a mudanças da consciência do consumo. Eu acho que essa é uma coisa essencial e primordial do debate da transição energética.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - O Juliano pediu mais 1 minuto. Em seguida, nós encerraremos.
O SR. JULIANO ARAÚJO - Agradeço à Letícia Camargo pela luta e pelo trabalho técnico que desempenha no PSOL. Tem que ter coragem para fazer o que ela faz. Muita gente não sabe, mas ela é a última a dormir, a primeira a acordar, sempre atendendo os movimentos sociais e ambientais. Então, não poderíamos deixar de registrar isso nesse final de mandato.
Agradeço também a você, Ivens, que trabalha não só pela Arayara, mas por todas as outras organizações.
Obrigado a todos os jovens do Jovens pelo Clima. Vocês sabem que a nossa instituição, ao longo deste ano, treinou mais de 3 mil jovens e, no ano que vem, de novo, renovaremos os nossos compromissos com os Jovens pelo Clima de todo o Brasil e de alguns países da América Latina com os quais trabalhamos. E há a chamada, é óbvio, do abraço ao povo de Caçapava, como de outros Municípios que já fizemos na mesma situação de crise, não só de projetos de termoelétricas, mas de gasodutos, oleodutos, dos pescadores e pescadoras, das quebradeiras, de todos os povos indígenas, quilombolas, com os quais nós temos um compromisso renovado.
Ao longo deste ano, foram mais de 20 ações civis públicas de ADIs desenvolvidas em conjunto com partidos políticos sérios desta Casa Legislativa, como PSOL, REDE, PT, PSDB, PSB, que acolheram pautas ambientais e sociais importantes na luta que continuamos a fazer no novo Governo.
Obviamente, a chamada a todos vocês é para uma transição energética justa e sustentável para todos, o que deve incluir os trabalhadores do setor das energias fósseis, mas também é uma oportunidade para darmos energia limpa e barata para a casa de cada um dos brasileiros.
19:37
RF
Deputado Ivan, uma das falas de hoje nesta reunião da transição foi de um programa de solarização. Pelo menos 20 milhões de brasileiros, nos próximos 4 anos, deverão receber esse programa. Como dito aqui pelo Marquito, pela Deputada Talíria e pelo Deputado Ivan, esse programa vai viabilizar energia limpa e barata na casa de quem? Daquele brasileiro de classe média baixa ou empobrecido, que vai ter o direito também de gerar sua energia e não ter mais aquela despesa de 200 reais, de 300 reais por mês. Isso significa 3.600 reais ao ano de retorno no seu consumo, na melhoria, na qualidade de vida dessa população. E isso é justiça social, isso é justiça energética, isso é retirarmos uma população da crise e também do empobrecimento, porque o custo da energia só sobe.
Então, Vereadora Nicole Oliveira, tem que ter coragem no Município de Caçapava para fazer esse enfrentamento. Nós nos solidarizamos com a senhora, até porque não é só uma ação civil pública, não é só a legislação que precisa ser modificada, é um trabalho para o qual a população precisa se mobilizar. E a população precisa ser informada sobre a verdade.
Deputado Ivan, nós nos sentimos num momento quase que de despedida, mas de agradecimento aos seus duros anos de luta e de trabalho árduo e democrático nesta Casa. (Palmas.)
O senhor representa não só aquilo que entendemos como justo, mas o trabalho de um homem digno que dedicou a sua vida ao bem de todos nós.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Ivan Valente. PSOL - SP) - Eu que agradeço. Obrigado.
Bem, pessoal, eu queria, primeiramente, neste momento final de encerramento da nossa audiência, agradecer a todos os componentes da Mesa pela qualidade da intervenção. Agradeço também aos que estiveram on-line conosco, pela contribuição valiosa que deram, não só em relação ao motivo desta audiência, que é a instalação dessa hidrelétrica em Caçapava, mas também porque discutimos muitas coisas a mais: modelo energético, como melhorar a qualidade de vida, como trabalhar a questão ambiental como uma questão revolucionária, ou seja, isso tudo nos enaltece. E eu queria dizer a vocês da satisfação de ter me colocado à disposição deste momento.
Quero relembrar a vocês que sou Parlamentar de alguns mandatos. Fui Deputado Estadual também por duas vezes. Eu comecei lá na Assembleia Legislativa como Constituinte Estadual e não se falava muito em meio ambiente. Só conhecíamos alguns sábios do meio ambiente, como Aziz Ab'Saber e outros professores famosos, pessoas que eram pioneiras, vanguardistas na questão ambiental.
Eu me lembro de que eu aprovei uma emenda constitucional estadual em defesa das cavernas. A primeira vez que ouvi a palavra espeleologia foi na Constituinte de 1989, em São Paulo. Posteriormente, aqui na Câmara dos Deputados, também fomos pioneiros na luta ambiental e, particularmente, na luta contra a reforma do Código Florestal.
Eu estou me lembrando disso aqui porque hoje eu estava lendo um artigo, Letícia, no Valor Econômico, que dizia que se está pensando em um nome para o Ministério da Agricultura, que é o de Nilson Leitão, do PSDB de Mato Grosso, com quem só travamos batalhas campais em relação à PEC 215. E fiquei pasmo. Eu lembro que quase passei um carnaval aqui em Brasília, ao obstruir a PEC 215. A PEC 215 era aquela que dava à Câmara dos Deputados poder de decisão sobre o que seria ou não demarcação de terra indígena, e a matéria foi brecada aqui na Casa. Nós passamos o dia inteiro obstruindo, e todos perderam todos os voos, porque eu fiz 10 requerimentos, 15 requerimentos de obstrução. (Palmas.)
19:41
RF
Perdemos todos os voos, e era carnaval. Agora, eu vejo que o indivíduo está se insinuando para ser...
Eu falei isso por uma razão muito simples. Quando vejo a questão da transição energética, muito bem colocada pelo nosso amigo do IBAMA, eu concluo que o modelo não significa apenas melhorar a eficiência energética; acho que nós devemos ter um modelo de sociedade, um modelo de consumo, um modelo de vida — é mais do que isso.
Eu fico refletindo o seguinte: em Santa Catarina, eles pensaram no que? Na economia. "Como tem carvão em Santa Catarina, vamos torrar o carvão." Quando eu tinha 20 anos, 30 anos, as pessoas falavam assim. Por isso eu falo aqui, em nome dos velhos, pelo clima. Vocês falam, pelos jovens, do clima. E eu bato palma para vocês. (Palmas.)
Diziam o seguinte: "O petróleo só vai durar mais 20 ou 30 anos, e acabou". Nós ouvimos falar: "Vai acabar. Vai acabar". E a energia fóssil está aí. O indivíduo faz o franqueamento do petróleo lá nos Estados Unidos, o fracking do petróleo; ou se descobrem novas jazidas do pré-sal; países que são ditaduras, como a Arábia Saudita, têm a maior fonte de petróleo do mundo; e assim por diante. Enquanto houver petróleo, eles vão fazer...
O que está escrito nas estrelas é o seguinte: ou nós mudamos o modelo... O lucro não deve ser o condutor da vida em sociedade, mas, sim, o bem-estar da população. Então, todo modelo de produção, todo modelo de eficiência energética tem que estar voltado para o bem-estar da sociedade. É lógico que a energia limpa, a energia renovável é muito superior. Já existe o aproveitamento de energia eólica em parques no mar, existe fazenda solar, etc. Mas tudo isso também tem o seu custo. Não pensem que não tem — tudo tem um custo. E nós vamos ter que trabalhar todas essas questões. Agora, nós temos que trabalhar com a correlação de forças.
É por isso que, o que houve no Brasil no dia 30 de outubro, com todas as dificuldades, foi a virada para o fim do retrocesso civilizatório que nós estávamos vivendo. E eu falo aqui como fundador do PT, em 1980, depois de 10 anos de cadeia e clandestinidade: tem muita coisa errada por lá ainda.
Nós estávamos vivendo um retrocesso civilizatório no País. E nós temos muito trabalho pela frente. Talvez na questão ambiental seja onde o País mais possa se firmar como potência — essa é a questão. Digo isso pelo que nós temos, pela nossa biodiversidade, pelo acesso à água potável, pelo nosso território, pela beleza natural, por tudo o que o País tem. E como ele é importante para a vida no planeta, o Brasil deveria se afirmar, em vez de poluir, jogar mercúrio nos rios e nas terras indígenas, patrocinar a pistolagem no campo, patrocinar o desmatamento no campo, tudo isso que nós vivemos, ou esse modelo energético das termelétricas, etc.
19:45
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Então, tudo isso faz parte de uma grande luta política por outro modelo mais justo, mais igualitário, mais humanista. É por isso que nós vamos até o fim, para conter essas mudanças climáticas, que podem causar, sim, uma verdadeira hecatombe em determinado momento — isso é científico, inclusive.
Eu queria agradecer a vocês o momento que nós vivemos aqui e pedir, como esse material está no Youtube, que vocês o ofereçam às autoridades de Caçapava, para ver se elas mudam de ideia, pelo menos por lá. Nós conseguimos mudar essa visão que foi aprovada aqui na Câmara dos Deputados, com a privatização da ELETROBRAS. Eu acho que isso vai reverter, e nós temos tudo para conquistar um avanço significativo nessa área.
Muito obrigado a todos vocês pela presença.
Um grande abraço a todos! (Palmas.)
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos.
Obrigado, pessoal.
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