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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Desejo um bom dia a cada uma e a cada um de vocês.
A presente reunião, consequência da aprovação do Requerimento nº 98, de 2022, de minha autoria, Deputada Erika Kokay, destina-se a debater políticas de reforma psiquiátrica e a defesa da luta antimanicomial no Brasil.
Esta audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm. Nela, teremos participações presenciais e por teleconferência. Nós vamos conceder o tempo de 7 minutos para nossos convidados e nossas convidadas.
Eu gostaria de chamar para compor a Mesa da nossa audiência a Sra. Fernanda Lou Sans Magano, representante do Conselho Nacional de Saúde (palmas); o Sr. Kleidson Oliveira, representante do Movimento Nacional de Usuários da Luta Antimanicomial — MONULA (palmas). De modo virtual, compõem nossa Mesa a Sra. Sandra Fagundes, psicanalista e mestra em educação, ex-Secretária Estadual de Saúde de Porto Alegre e fundadora do Fórum Gaúcho de Saúde Mental — é um prazer tê-la aqui, Sandra (palmas); a Sra. Mônica Vasconcellos Cruvinel, frequentadora do Serviço Substitutivos da RAPS de Campinas, militante da luta antimanicomial pela FASM e pela Conferência Livre de Mulheres e Saúde Mental Antimanicomial (palmas); o Sr. Roque Júnior, representante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial — RENILA (palmas); o Sr. André Ferreira, representante do Movimento da Luta Antimanicomial — MLA (palmas); o Sr. Marcelo Kimati, representante da Associação Brasileira de Saúde Mental — ABRASME (palmas); e a Sra. Lourdes Machado, representante do Conselho Federal de Psicologia (palmas).
Eu vou dar início às nossas considerações e ao nosso trabalho, num momento importante em que urge reconstruirmos os princípios da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial, abalados nesses últimos 4 anos, quando nós não tivemos o Saúde Mental em dados, o avanço da Rede de Atenção Psicossocial no nosso Brasil, pelo contrário. Nós tivemos várias construções e vários atos que reafirmam o passado que nós não admitimos que esteja no nosso presente porque, de toda sorte, há um grito que nos unifica, que nos mobiliza e que nos coloca em movimento: "Nenhum passo atrás: manicômio nunca mais". (Palmas.)
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Cumprimento nossa Deputada Federal reeleita, Erika Kokay. Sua reeleição, Deputada, nos dá a segurança da defesa da reforma psiquiátrica no Parlamento, que é necessária para a legitimidade, a legitimação e o avanço da reforma psiquiátrica que nós queremos, com cuidado e liberdade, e que reafirma a máxima Manicômio nunca mais!
Cumprimento, igualmente, os companheiros da Mesa aí presentes e os saúdo pela iniciativa de discutirmos este tema. Felizmente, no Governo eleito, que se inicia em 2023, e na transição, tem sido reafirmada a importância da área do campo da saúde mental.
Como já foi dito, o que nós temos sobre a reforma psiquiátrica? Nós temos os antecedentes da reforma que começaram, vamos situá-los, na década de 70, com movimentos populares, movimentos de base no Brasil inteiro, dos trabalhadores na saúde mental, que tiveram impulso na democratização do nosso País com processos instituintes conhecidos em Santos, desde a política de redução de danos, com nosso querido David Capristano, em relação ao HIV/AIDS.
Esta política serve de base justamente para a política de atenção integral a usuários de álcool e drogas, a política de cuidado no nosso País, o que se faz corajosamente com a intervenção, na nossa Casa Anchieta, na gestão de uma Prefeita e trabalhadora de saúde mental e por processos que são demarcadores da nossa história.
O encontro Por uma sociedade sem manicômios, acontecido em Bauru, que eu considero nossa certidão de batismo da reforma, inaugura o Movimento Popular de Saúde, transcende os trabalhadores, bem como os usuários e outras propostas instituintes, como os CAPS em São Paulo, em Luiz Cerqueira, como os outros CAIS Mental, no Rio Grande do Sul, a CERSAM, em Minas Gerais, enfim, experiências que eu considero instituintes, por quê? A partir destas experiências, já na Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde, com Domingos Sávio, se inauguram as primeiras portarias que criam os Serviços Substitutivos em Saúde Mental. Portanto, nossos conhecidos CAPS. A partir deles, como laboratórios sensíveis e conectados diretamente com a necessidade dos usuários como aposta ética e estética de que os usuários são sujeitos de direito e de desejos, foi-se criando autoria e protagonismo.
Este é o grande patrimônio, a construção de autoria e de emancipação no nosso País, que se sustentou agora neste período sombrio de retrocessos, que fez a resistência e soube reexistir a partir dos movimentos sociais, das conferências livres, dos coletivos criados, dos cuidados on-line e da ajuda mútua. Todos eles criaram esta resistência para manter a reforma psiquiátrica viva, em aliança com os trabalhadores de saúde.
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Há, portanto, dois grandes danos de retrocesso antes. Os avanços se deram pelo protagonismo de usuários, de trabalhadores, de movimentos sociais, de legislação e de legisladores criados, mesmo que nossa lei federal tenha levado 12 doze anos para ser aprovada. Em outros Estados, ela foi aprovada, anteriormente, como a do Ceará, e a do Rio Grande do Sul foi a primeira do nosso País.
Movimento social, criação de serviços, trabalhadores, formação em educação permanente, com várias modalidades criadas, pesquisas e editais de pesquisas desenvolvidos requerem recursos financeiros. Houve um aumento de recursos financeiros no período dos Governos Lula e Dilma, ainda insuficientes. O máximo a que nós chegamos foi 2,7%. O grande mérito, qualidade disso e o compromisso da reforma é que 2006 é um marco nosso, no qual — naquele tempo, foram criados dados que se estenderam até 2015 — nós podemos historicamente afirmar que, em 2006, foi revertida a curva de investimentos no serviço de saúde mental, na direção dos serviços substitutivos, em detrimento e na direção da extinção dos hospitais psiquiátricos e instituições violadoras dos direitos humanos, o que foi desmontado a partir de 2016 e do golpe. Esta é a questão que nós temos hoje e o máximo de recursos a que nós chegamos foi 2,7% para a saúde e para a saúde mental.
Na 4ª Conferência Nacional de Saúde Mental, há uma reivindicação para avançar, porque os usuários não são só sujeitos, mas também têm necessidades, desejos e direitos que hoje reivindicam. O que eles nos dizem? Felizmente, a partir da autoria construída e possibilitada pela democratização e agarrada com muita vida e muito vigor pelos próprios usuários: "Nada sobre nós sem nós". Qual é a reivindicação? Trabalho digno, direito à convivência, acesso e produção de arte e cultura, como produtoras de vida; ampliação de serviços 24 horas, 365 dias; diversificação de serviços; qualificação do cuidado na direção da população originária, da população privada de liberdade, muito especificamente dos usuários, particularmente de adolescentes e de crianças.
Há a necessidade de enfatizar e reforçar estes serviços e criar outros serviços, e o evento civilizatório, que trata do trabalho on-line e da sociabilidade que se cria com a conectividade. Aliás, uma das reivindicações é justamente o letramento e o acesso à conectividade hoje.
Sigo o pensamento de Silvio Almeida, que diz que nós queremos de volta o Brasil que nós nunca tivemos. O que é isso? Nós queremos aquilo em que já avançamos em relação à democracia, ao legado, reforçando o que já aconteceu e inovando nos novos desafios que surgiram nestes tempos, particularmente no que eu já disse: na diversidade de gênero, em relação aos adolescentes, em especial, superando a questão do patriarcado e do racismo no nosso País. Isso precisa estar presente tanto na condução e na elaboração das políticas, como na prática do cuidado em liberdade, que considere toda a diversidade.
A violência precisa ser enfrentada no cotidiano, nas instituições, na clínica e na nossa sociedade, na violência tanto contra a mulheres, contra a população em sofrimento psíquico, quanto contra a população negra, que foi negligenciada e continua sofrendo com isso.
É preciso haver uma ressignificação, sim, das nossas práticas.
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Hoje, há essa grande potência que são os movimentos sociais, as produções das conferências livres e, adiante e em curso, justamente em razão dessa resistência, a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que considero que pode ser um grande momento de reafirmação de uma política democrática, do cuidado em liberdade, contra qualquer tipo de violação de direitos humanos, tanto em hospitais psiquiátricos quanto em instituições que violem os direitos, como nós sabemos que ocorre em muitas comunidades terapêuticas, em presídios, nos manicômios judiciários. São muitos os aparatos hoje existentes de violação de direitos, e precisamos estar atentos e fortes.
Nesse sentido, a saúde mental precisa ocupar outro espaço, efetivamente, na política, e já está sendo anunciado que, sim, o ocupará na política do Governo, particularmente no Ministério da Saúde, em parceria com outros setores, em especial o de direitos humanos.
Contamos com outros Poderes, como Legislativo e Judiciário. Precisamos aumentar muito os recursos financeiros do Ministério da Saúde destinados à saúde. Hoje reivindicam-se de 5% até 10% do orçamento para a saúde. Ainda temos desafios provocados pelos desastres, pela pandemia. Aliás, ainda há os enlutados no Brasil, os órfãos em decorrência de violência, tanto a sanitária, como a que aconteceu; como a de Estado, da segurança, contra as mães órfãs, mães que têm seus filhos sequestrados por serem filhas e filhos de mulheres que vivem na rua; quanto a das nossas instituições.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Sandra Fagundes.
Na própria construção do GT da área de saúde, da equipe de transição, houve um espaço de escuta das entidades que constroem o movimento de saúde mental no Brasil. Penso que há a perspectiva de revogação do que foi feito, dos atos que atentam contra a lógica da reforma psiquiátrica. Mas também precisamos avançar nos dados; na recomposição da RAPS, dos serviços; no olhar sobre pessoas que estão em cumprimento de medida de segurança nas ATPs, nos manicômios judiciais e que estão, de certa forma, invisibilizadas — e onde o manicômio ainda existe de forma muito vigorosa; rever financiamentos das comunidades terapêuticas em detrimento da Rede de Atenção Psicossocial, que é preciso ser reforçada. Nós não podemos permitir que o conjunto da política de atenção à saúde mental seja sugado e dominado pelas comunidades terapêuticas, muitas vezes, sem atenção à saúde.
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A SRA. MÔNICA VASCONCELLOS CRUVINEL - Bom dia a todas as pessoas que estão participando desta audiência pública e também às que estão nos acompanhando.
Eu sou usuária da RAPS de Campinas. Hoje estou representando a FASM e também sou Coordenadora da Coletiva Livre Nacional de Mulheres e Saúde Mental Antimanicomial.
Acho importante lembrarmos que desde 2016 nós vivemos sob golpe e sob a suspensão do Estado de Direito. Foram anos em que assistimos atônitos a vários desmontes no País, como o congelamento dos gastos públicos; a reforma trabalhista, que golpeou fortemente a classe trabalhadora; a perda de vários direitos previdenciários; o desmonte do SUS e, consequentemente, o desmonte da Política de Saúde Mental Antimanicomial, que por anos garantiu o fechamento de leitos em manicômios e hospitais psiquiátricos e iniciou a implementação de serviços substitutivos que garantiram o cuidado em liberdade e a desinstitucionalização de milhares de pessoas.
Vivemos esses últimos anos horrorizados com as atrocidades e com a violência com que as políticas ultraliberais atingiram a população mais vulnerabilizada. Os nossos povos indígenas estão sendo dizimados pelo garimpo, pelo agronegócio, pelos grandes latifundiários e pelo próprio Estado. A população periférica, na sua grande maioria, preta e pobre, está passando fome, sem trabalho ou com trabalho precarizado. Essa mesma população está sendo vítima de violência policial, racismo, machismo, transfobia e tantas outras violências, às vezes inomináveis.
Estamos, ainda, vivenciando uma Política Nacional sobre Drogas como uma guerra às drogas que criminaliza os usuários de álcool e outras drogas, num processo perverso, que visa a higienização e o lucro a partir da criação de manicômios — que agora vêm com outros nomes e não têm nada que nos remeta ao sentido de comunidade, muito menos têm algum aspecto terapêutico. Afinal, como sabemos, trancar não é cuidar.
Assistimos à redução e à precarização de equipes de trabalhadores da saúde, ao corte de alimentação, à retirada da gratuidade dos transportes para os usuários, à privatização dos serviços de saúde, ao direcionamento para tratamento focado na medicalização e na internação, à revogação de portarias que garantiam cuidado em liberdade, ao corte do Farmácia Popular, à defesa de procedimentos violentos como supostos tratamentos com eletrochoque, a investimentos nas comunidades terapêuticas e nos hospitais especializados em psiquiatria, a partir de Ministérios supostamente da Cidadania ou da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Como se já não fosse bastante trágico termos vivido sob golpe, vivemos em pandemia, tempo em que perdemos mais de 700 mil brasileiros para a COVID-19. Muitas dessas mortes poderiam ter sido poupadas, se não fossem o negacionismo, a negligência e os crimes cometidos nesse período por muitos Governos.
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Nós, pessoas usuárias, ficamos desassistidas, com muitos serviços de saúde terceirizados ou fechados, com alta rotatividade da equipe, sem trabalho, sem benefícios, sem direito a transportes, sem moradia, sem remédio, sem comida — com fome! —, muitos de nós trancados em CTs, muitos de nós nas ruas, muitos de nós sem família, sem amparo.
Nesse período de golpe, a Frente Ampliada em Defesa da Saúde Mental, da Reforma Psiquiátrica e Luta Antimanicomial mobilizou centenas de pessoas na realização das conferências populares em todo o País. Foram espaços de vigorosos debates, luta e resistência. Houve a defesa da reforma psiquiátrica, a construção e a troca de saberes, arte e cultura. Esses espaços foram constituídos por pessoas usuárias, familiares, trabalhadores, estudantes, pesquisadores, entre outras pessoas.
Recentemente, tivemos uma grande vitória política com a eleição de Lula para Presidente. Sabemos que devemos continuar mobilizados e em luta para garantir a governabilidade e nos defender dos ataques da ultradireita.
Reconhecemos a importância de estarmos hoje reunidos para pensar a Política Nacional de Saúde Mental e a importância dos movimentos sociais do campo da saúde mental e da luta antiproibicionista.
Nesse sentido, a FASM destaca a importância da revogação dos decretos e portarias que são contrários à reforma psiquiátrica brasileira; reivindica o fim do financiamento e o fechamento progressivo das comunidades terapêuticas; e traz como proposta, no dia de hoje, que o Governo Lula invista na implementação e na potencialização dos Centros de Convivência de Arte e Cultura e nos projetos de economia solidária.
Lutamos por uma política de convivência baseada na experiência coletiva com o protagonismo de pessoas usuárias. Consideramos os Centros de Convivência de Arte e Cultura espaços estratégicos de inclusão social e acolhimento não centrados no diagnóstico e na patologização, além de serem espaços políticos relevantes na formação cidadã. Acreditamos que a produção da arte e da cultura também possa ressignificar as existências e promover autonomia.
Ressaltamos a importância de se criarem espaços societários que trabalhem a partir do comum — comum que é uma pré-condição para a existência desses espaços e também para a produção dos mesmos.
Por fim, propomos que as pessoas usuárias tenham autonomia para gerar a sua própria renda a partir da arte, da cultura e do conhecimento que produzem nos espaços comunitários.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço à Sra. Mônica.
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Com base nisso, pedimos mais verbas para os CAPS, para a RAPS, para os serviços residenciais terapêuticos, serviços substitutivos humanizados, de caráter intersetorial, com sua manutenção e ampliação, com cuidado em liberdade.
Pedimos a volta dos oficineiros nos CAPS, com música, instrumentos musicais, arte, teatro, preferencialmente para os usuários da saúde mental.
Pedimos materiais para as oficinas terapêuticas, que faltaram muito no período anterior, e o retorno de mais profissionais em serviços substitutivos: terapeutas ocupacionais, psicólogas, psiquiatras e outros profissionais.
É preciso ainda reestruturar o NASF, principalmente com psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras, nesse modelo no território.
Apoiamos projetos importantes como a Gestão Autônoma de Medicamentos — GAM, que teve origem no Canadá há mais de 3 décadas e existe há mais de 1 década no Brasil.
Também é importante cuidar da Redução de Danos, como já foi dito — lembro que na semana passada a Redução de Danos completou 33 anos como política pública no Brasil —, bem como voltar a ter um projeto terapêutico singular; avançar na legalização e regulamentação das drogas; reforçar a reversão da transferência do dinheiro das comunidades terapêuticas para o serviço substitutivo.
Lembro os gestores em geral, que estão nos acompanhando, que as comunidades terapêuticas custam muito mais, financeiramente, aos cofres públicos do que o serviço substitutivo dos CAPS. É só fazerem as contas.
O nosso Presidente eleito afirmou o fim dos manicômios, mas nós queremos propor o fim das comunidades terapêuticas também. Para tanto, é preciso que o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura — CNPCT, que, por muitos anos, teve assento na RENILA, auxilie na fiscalização de comunidades terapêuticas e manicômios, com vários relatórios amplamente publicados.
O CNPCT tem que voltar a ser atuante e ampliar os Comitês Estaduais de Prevenção e Combate à Tortura, para, juntos, fiscalizarem ainda mais as comunidades terapêuticas, para que a sociedade como um todo tenha acesso ao que se passa no interior desses manicômios com outra roupagem — e com verba pública, infelizmente. Estamos vendo, em muitos momentos de fiscalização e publicações nos meios de comunicação em geral, que muitos jovens trabalham como escravos nas comunidades terapêuticas, principalmente na construção civil, ampliando esse elefante negro que são as comunidades terapêuticas.
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E não falo só de estatísticas. Quero relatar também uma coisa que acontece aqui no meu território praticamente toda a semana: "internos" — entre aspas — vêm oferecer produtos para manutenção dessas comunidades terapêuticas.
Quero ainda enfatizar o cuidado de gênero, cor e raça, de igualdade social, garantindo nos dispositivos territoriais, como já foi falado, adolescentes, mulheres, indígenas, quilombolas e negros, LGBTQIA+, pessoas em situações de rua e população carcerária.
Como RENILA, no ano passado, em duas oportunidades, como eu disse, estive na audiência pública de julho aqui nesta Comissão, na ONU Brasil, no dia 25 de janeiro e no dia 26 de março. Lá, procuramos relatar, em âmbito internacional, essas questões da luta antimanicomial amplamente debatida dentro da RENILA.
Ampliação e fortalecimento do controle social. Não abrimos mão disso. E já temos um sinal; e, como a própria Deputada falou, isso está sendo amplamente trabalhado.
Quero reiterar a viabilização da 17ª Conferência Nacional de Saúde e da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, em especial com os movimentos sociais e conselhos de classe.
E também há a questão do "revogaço", em especial, em relação à técnica de eletrochoque e também à Emenda Constitucional nº 95, de 2016, a "PEC da Morte".
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer ao Roque Júnior a contribuição.
Quero agradecer à Deputada Erika Kokay a oportunidade e o pedido requerido de realização desta audiência pública.
Nós enquanto movimento ficamos sempre provocando esses momentos para que possamos ter esse debate, ter essa conversa. E acho que o momento é realmente para refletirmos muito, porque, de certo modo, não podemos ignorar essa mudança do contexto político que tivemos neste último mês. Então, acho que também podemos considerar aí uma grande oportunidade que estamos tendo nas mãos de mudança de rumo do que chamamos de Política Nacional de Saúde Mental baseada na reforma psiquiátrica.
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Temos que nos perguntar qual o tipo de política de saúde mental que queremos e temos que refletir muito sobre essa política de saúde mental que tem sido conduzida.
Observamos discursos de questões de dificuldade orçamentária e diversas outras que temos como resistência, quando somos escutados. Daí o valor de termos um momento como este.
E, no geral, temos observado a tendência de se colocar pessoas em hospitais psiquiátricos, colocar pessoas em mais vagas em hospitais gerais; em que setores estão sendo abertos e há um direcionamento orçamentário enorme para estruturas como as comunidades terapêuticas. E o que está acontecendo com a grande maioria das pessoas? O que está acontecendo com a baixa complexidade de atendimento? O que está acontecendo nas Unidades Básicas de Saúde? O que tem sido feito na política de saúde mental para reafirmar a vida e não fortalecer estigmas, não fortalecer questões que são barreiras, pelo fato de uma pessoa ter como uma das suas características alguma demanda em saúde mental.
Então, temos muita reflexão a ser feita pela frente e nós, enquanto movimento, vemos com bastante expectativa essa transição que temos observado que vem ocorrendo, porque voltamos a ter, de certo modo, uma voz. Antes, nós até tínhamos raros momentos, mas tínhamos, porém com pouca atuação prática, com pouca inserção no que realmente era conduzido pela Política Nacional de Saúde Mental.
Uma das nossas expectativas hoje é que a participação social seja fortalecida e que o protagonismo de usuários e familiares não passe apenas de um discurso. Temos fortes críticas a diversos níveis, a diversos entes de gestão de política de saúde mental, mas existem reflexões muito específicas sobre as diversas fases da vida, como crianças e adolescentes sendo institucionalizadas em unidades socioeducativas, a própria promoção de saúde, na falta da baixa complexidade, sendo direcionada, achando-se que saúde mental se resume a ter mais CAPS. Sabemos que os aparelhos da saúde mental são muito mais numerosos do que esses; e idosos, também, têm sido institucionalizados literalmente em massa.
E qual movimento tem sido feito em relação a isso? Nós temos muitas reflexões a serem feitas. Acho que uma audiência como esta serve para dar um pontapé inicial, sabendo que também tem havido reuniões das equipes de transição, mas precisamos refletir muito, neste momento transitório de gestão, transitório em termos de proposta de governo, sobre que política de saúde mental nós queremos, que política de saúde mental, na prática, será conduzida a partir de agora.
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Se queremos uma Política Nacional de Saúde Mental, baseada nos princípios da reforma psiquiátrica, que tantos debatemos e tanto tentamos preservar, enquanto Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, temos que ir tanto às estruturas públicas que têm sido disponibilizadas quanto até à própria clínica dos profissionais que estão nessa estrutura, inclusive combatendo a centralidade dos médicos. Sabemos que a pluralidade da vida pede também uma interdisciplinaridade no sentido de quem promove essa saúde mental e de quem atua nesses serviços.
Temos uma classe de profissionais extremamente fragilizados que precisam, além de ser preservados, ser fortalecidos, que resistiram nesta pandemia como heróis literalmente. Então, temos muitas questões a serem debatidas, inclusive a questionável presença e insistência no investimento em CTs na rede de saúde mental, que precisamos refletir agora para cometer menos erros e não repetir os mesmos erros.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, André, pela contribuição.
Quero agradecer, em nome da Associação Brasileira de Saúde Mental, o convite para estar aqui presente nesta audiência, que consideramos fundamental durante esse processo tanto de transição quanto na perspectiva de termos novos ares e retomada de uma política de saúde mental pautada na reforma psiquiátrica.
Nesta minha fala aproveito a ocasião para fazer a leitura de uma carta que a nossa associação fez ao Presidente eleito Lula. E gostaria ainda de entregar à senhora essa carta impressa, com o intuito de que ela seja levada ao Presidente Lula.
Eu acho que essa carta é importante porque procura, na verdade, reunir diversos aspectos de pontos que entendemos como centrais durante o processo de transição, assim como uma rápida análise de como é o cenário em que nos encontramos agora dentro das políticas de saúde mental, após todos esses anos de desconstrução.
Ao final da carta, como vai ser citado, existe um inventário de algumas portarias, de alguns decretos, de algumas decisões do Governo atual que contrariam a Política Nacional de Saúde Mental, contrariam a Lei da Reforma Psiquiátrica. Por esse motivo, pleiteamos, junto com outros movimentos sociais, a revogação imediata, assim que houver mudança de Governo.
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A Associação Brasileira de Saúde Mental é uma organização não governamental, fundada em 2007 e voltada para o fortalecimento de ações em prol da formação e disseminação de princípios da reforma psiquiátrica brasileira e do cuidado em saúde mental. Ela atua apoiando o protagonismo dos usuários da rede de saúde mental e seus familiares, incidindo em dispositivos de controle social, como o Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Conselho Nacional de Saúde, entre outras instâncias de controle social, além de realizar anualmente seminários, congressos e fóruns com o objetivo de organização e subsídio aos atores do campo da saúde mental antimanicomial no país, em parceria com conselhos profissionais, movimentos sociais, centros de treinamento, ensino e pesquisa. Nós nos dirigimos a Vossa Excelência com o objetivo de descrever o cenário de saúde mental no país e apontar elementos essenciais para a reconstrução das políticas no campo ao longo dos próximos anos.
A política do Estado Brasileiro no campo da saúde mental destaca-se como a única experiência de cuidado em liberdade num sistema público, universal e estruturado em serviços comunitários no mundo. O brasileiro pode orgulhar-se da grande expansão da rede de Centros de Atenção Psicossocial que aconteceu no país, ao longo especialmente dos governos Lula e Dilma. Em 2002, o país tinha 424 Centros de Atenção Psicossocial, sendo que em 2016 já eram 2.530 serviços em funcionamento. Esta construção foi acompanhada pelo fechamento de instituições asilares conhecidas pela violação dos direitos humanos, num redirecionamento dos recursos que transformaram a Reforma Psiquiátrica numa experiência única. Entretanto, ao longo dos últimos 20 anos houve um conjunto de mudanças no cenário da saúde mental no Brasil. Estas mudanças ficaram muito claras durante o período da pandemia, e gostaríamos de listar algumas destas transformações:
1. O brasileiro tem apresentado um grande sofrimento mental nos últimos anos. Este sofrimento está associado ao desemprego, à fome, à violência, à perda de direitos, à constante instabilidade política vivida nos últimos 4 anos. O brasileiro sofre pela desigualdade social, pela perda de amigos e familiares na epidemia, sofre pela fragmentação das famílias e de toda a sociedade brasileira. Alguns grupos são mais susceptíveis a este sofrimento, como populações indígenas, jovens e idosos. Nestes grupos encontramos taxas progressivamente maiores de suicídio nos últimos levantamentos. O número total de suicídios teve aumento de 43% no número anual de mortes, passando de 9.454 em 2010 para 13.523 em 2019. A taxa de suicídio entre jovens negros subiu 45% a mais do que para jovens brancos. A população idosa teve um aumento das taxas acima do restante da população, de 6,84 suicídios em 2010 para 8,14 a cada 100 mil habitantes, em 2018 entre pessoas com mais de 60 anos. Os dados são anteriores à pandemia, porque uma das características do atual governo é a restrição à captação e acesso à informação.
2. No SUS o sofrimento da população geral se reflete no aumento da procura de atendimentos na área, especialmente na atenção primária. Entretanto, a perda de recursos existentes para melhoria da assistência nas unidades básicas, que já eram escassos, inviabilizaram a manutenção de uma série de programas. A principal forma de alocação de profissionais de saúde mental na atenção primária era através dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF). O Governo Bolsonaro criou restrições à presença desses profissionais de saúde mental na atenção primária, através da diminuição de financiamento do NASF.
Em 2019, o número de equipes no país era de 5.886, sendo que em outubro de 2022 já tinha caído para 5.352. Na impossibilidade de realizar ofertas de acolhimento, cuidado e projetos de vida, o SUS oferece quase que exclusivamente medicamentos psiquiátricos, prescritos em muitas ocasiões sem a avaliação cuidadosa necessária. Isto tem criado uma imensa epidemia — na verdade, é uma pandemia, porque acontece em vários lugares do mundo, mas no Brasil é particularmente forte — de uso antidepressivos e ansiolíticos na atenção primária. Mais pessoas usam medicamentos psiquiátricos por mais tempo e em doses mais altas, sem plano de tratamento e desenvolvendo dependência a estas drogas, distribuídas com financiamento público.
3. Ao mesmo tempo que enfraquecia a saúde mental na atenção primária, o governo federal ampliou o financiamento para hospitais e para comunidades terapêuticas, em decisões que contrariam a política de Estado Brasileiro. Contrariam também qualquer racionalidade assistencial, uma vez que não só na saúde mental, mas em toda área da saúde, um sistema será melhor quanto menos internar. A internação é cara para o sistema, traz inúmeros problemas para o interno durante e após a internação, trazendo perdas — no caso da saúde mental — de difícil mensuração aos usuários da rede. No caso das comunidades terapêuticas, o amplo financiamento se alinha às diversas outras diretrizes assumidas por este governo de contrariar a ciência ao destinar a elas recursos muito superiores ao custeio de todos os CAPS.
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Eu acho que isso é muito importante de ser dito, porque, ao longo de mais de 10 anos, as associações de psiquiatria fizeram uma crítica às políticas de saúde mental baseadas na reforma psiquiátrica, com o argumento de que nós não tínhamos embasamento científico. Ao mesmo tempo que fazem isso, eles se aderem a um governo que financia basicamente instituições privadas, cuja ação não tem nenhum tipo de indicação de referenciação científica em relação à sua funcionalidade.
As comunidades terapêuticas são instituições privadas que encarceram seus usuários por períodos de até um ano, colecionam denúncias de violação de direitos humanos e, sobretudo, carecem de evidências de que ajudam usuários de drogas. O custo total destes serviços no país é de difícil dimensionamento, mas sabemos que em 2022 ultrapassou os 700 milhões de reais, ultrapassando em dezenas de vezes o custeio dos Centros de Atenção Psicossocial no orçamento de 2023. A adoção destes serviços privados como principal eixo da política do governo atual a aproxima da defesa da cloroquina, do questionamento das vacinas e do uso de máscaras durante a epidemia: todas estas decisões contrariam referências científicas e éticas. Da mesma forma que ocorreu por ocasião da adoção do negacionismo da pandemia, as entidades médicas, em particular as associações de psiquiatria, não só endossaram esta política como a apoiaram de forma irrestrita, sendo que a gestão da saúde mental foi realizada exclusivamente por indicados pela Associação Brasileira de Psiquiatria durante o período.
4. O crescimento das demandas da saúde mental no país exige um novo modelo de gestão e financiamento. Dados referenciados em boas experiências internacionais e em municípios do país mostram a necessidade de que seja destinado às ações em saúde mental o valor mínimo de 5% do orçamento total em saúde, sendo que nos últimos anos este valor não chegou a 2%.
A Sandra já referiu a isso. Nós chegamos, no ano passado, a 1,8% do orçamento total da saúde. Nos tempos em que essa política foi mais bem financiada, chegamos a quase 3%, mas nunca ultrapassamos isso.
A previsão orçamentária para 2023 aponta para a não viabilidade de custeio da rede já instalada de saúde mental — o valor utilizado na área em 2022 foi de 221 milhões de reais, sendo prevista a diminuição de 153.000.000 deste valor para 2023 com previsão de apenas 68 milhões de reais. No campo da gestão, ainda que o modelo assistencial para cuidado de usuários de droga tenha forte alinhamento com as políticas de saúde mental, os recursos para o financiamento da rede estão fragmentados em três diferentes ministérios. A diminuição proporcional do financiamento pelo governo federal obriga os municípios a adotarem formas de contratação precária para servidores, terceirizarem os serviços e estes terem equipes incompletas — o que fragiliza a rede como um todo, dificulta o acesso de usuários ao cuidado integral. Esse é um processo que vimos disseminado ao longo dos últimos anos.
5. A participação popular, da mesma forma que em outras áreas do atual governo, foi fragilizada, com a desconstrução de dispositivos de gestão participativa, conselhos, colegiados e inexistência de apoio para a V Conferência Nacional de Saúde Mental.
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6. Os últimos 5 anos foram marcados pela fragilização das políticas sociais e aumento da desigualdade, penalizando especialmente populações mais vulneráveis. Neste sentido, houve fragilização das políticas voltadas a pessoas com deficiência e aumento da exclusão social.
1) Revogação imediata das portarias publicadas no período entre 2016 e 2022 na área da saúde mental. Estas portarias, listadas em anexo, tiveram como finalidade o desmonte do modelo de atenção consolidada como política de Estado nas últimas três décadas.
2) Aumento global do financiamento da rede de saúde mental com a finalidade principal de ampliação das ações de cuidado na atenção primária e Centros de Atenção Psicossocial.
3) Ampliação da rede de atenção comunitária (CAPS), especialmente dos serviços de funcionamento sete dias por semana, como eixo de expansão da rede substitutiva, através da ampliação do número de serviços abertos 24 horas, os CAPS III, os CAPS ad III e Unidades de Acolhimento — justamente os serviços que tiveram menor expansão. Nos Municípios encontra-se muito frequentemente uma forte oposição das associações de psiquiatria em relação à abertura e funcionamento desses serviços.
5) Criação de um órgão que centralize a construção de políticas públicas de saúde mental no âmbito do planejamento, gerenciamento de recursos e fomento de ações estratégicas no Ministério da Saúde (que absorva também os recursos destinados às comunidades terapêuticas para que seja possível elaborar plano de substituição progressiva destes serviços por outros que sejam públicos, de caráter comunitário, não segregadores, laicos e que sigam os princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira).
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6) Retomada do programa de avaliação de hospitais psiquiátricos e continuidade do fechamento progressivo de leitos nestes serviços — com a realocação de recursos para os serviços comunitários, financiando e ampliando a rede de cuidado em liberdade.
7) Retomada do financiamento público para programas de geração de renda e atividades culturais de usuários da rede de saúde mental (...) — que estão congelados nos últimos anos não só Governo Federal, mas também em vários Governos Estaduais que tinham programas nesse sentido.
Não é possível que o Sistema Único de Saúde continue financiando, de forma crítica, uma epidemia de uso de psicotrópicos prescritos na atenção primária em outras instâncias. É importante salientar que os dispositivos propostos pela atual gestão, com a abertura de ambulatórios, não tendem a diminuir essa epidemia, mas agem muito no sentido de potencializá-la.
9) Retomada de uma política a usuários de droga voltada ao cuidado em liberdade, com ênfase em ações de promoção à saúde e redução de danos, como referencial ético e de práticas nos serviços da rede.
10) Inclusão do racismo e violência de gênero como pautas centrais e norteadoras das políticas de inclusão e cuidado em saúde mental.
As políticas de saúde mental têm que incluir essas pautas como centrais, não só norteadoras, mas também transversais a todas as ações que são realizadas na rede pública de saúde.
11) Fortalecimento das ações de cuidado à pessoa com deficiência através da implementação do Programa de Reabilitação com ênfase no território (...).
12) Elaboração e adoção pelo SUS de protocolos de cuidado ao envelhecimento das pessoas com deficiência.
13) Fortalecimento das ações de cuidado à pessoa com deficiência através da ampliação da tabela de órteses, próteses e meios auxiliares de locomoção, incluindo novas tecnologias e adequando os valores de repasse aos municípios.
Sr. Presidente, entendemos que estas ações constituem elementos fundamentais para a retomada de uma política nacional de saúde mental potente para lidar com os desafios presentes no processo de reconstrução nacional.
Então, repetindo aqui as palavras da Sandra Fagundes, nós temos desafios novos, dada à situação epidemiológica nova, mas nós temos de manter os princípios, referenciais e modelos dessa política, que se constituiu e se consolidou como uma política de Estado e que tem sido atacada pelo Governo atual nos últimos anos.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Marcelo.
Em nome do Conselho Federal de Psicologia, eu quero muito agradecer à nossa Deputada antimanicomial, reeleita, Erika Kokay, pelo convite para esta importante audiência, neste momento fundamental da retomada da democracia, da transição de Governo.
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As pessoas que me antecederam fizeram falas importantes contando a história, a retrospectiva da nossa luta. E eu vou me ater, então, um pouco mais ao momento atual. Nesses últimos 6 anos, precisamos ficar defendendo o óbvio o tempo todo.
Vou falar também sobre a defesa do SUS, porque sem o SUS não existe a nossa reforma psiquiátrica antimanicomial. A RAPS hoje não representa a política que defendemos. A RAPS hoje inclui no seu bojo hospital psiquiátrico e comunidade terapêutica. Então, preferimos falar em serviços substitutivos, porque esses, sim, fazem parte da reforma psiquiátrica antimanicomial.
Eu costumo dizer que, nos últimos 6 anos, desde 2016, fizemos uma trincheira de defesa, bélica. O que significa uma trincheira? É qualquer tipo de vedação, de obstáculo para que se proteja algo. Normalmente, fazem-se trincheiras com tábuas, sacos de areia, pedras, etc. Nós fizemos a trincheira na luta antimanicomial com resistência, com militância dos movimentos sociais, com controle social, com Parlamentares progressistas, com a criação de Frentes Parlamentares como esta que a Deputada Erika Kokay criou — tanto a Frente Parlamentar nacional como também as estaduais. Em Minas Gerais, existe a Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiátrica da Luta Antimanicomial também.
Estamos em época de conferências. Muitos Municípios e Estados realizaram as suas conferências e também os conselhos profissionais. E aqui eu quero destacar o papel importante, o protagonismo importante da psicologia por meio do Conselho Federal de Psicologia, dos Conselhos Regionais, e afirmar que defendemos a reforma psiquiátrica antimanicomial e a democracia, porque a democracia também é antimanicomial.
Nesse sentido, o Conselho Federal entregou ontem para o Governo de transição um documento intitulado Agenda Social da Psicologia para o Brasil da esperança e também apontou necessidades. É uma sistematização de informações do campo da psicologia. Nessa sistematização, estamos falando também da saúde mental. Essa agenda foi elaborada com áreas afins e a partir do acúmulo do projeto social da categoria para subsidiar a equipe de transição. Essa agenda social da psicologia traz, no seu bojo, na parte da saúde mental, a necessidade de revogação de medidas contra a reforma psiquiátrica brasileira, que não é atualmente antimanicomial. Essa agenda fala de medidas. Isso porque o Governo atual alocou recursos para instituições asilares, aumentou o valor das diárias de hospitais psiquiátricos, diminuiu os recursos dos serviços substitutivos de base comunitária, bloqueou repasses financeiros, ou seja, houve uma mudança estrutural na concepção do serviço afastando esse serviço da lógica do território. E mais: incluiu as comunidades terapêuticas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, criou uma política sobre drogas à parte da saúde, de caráter asilar. Essas medidas precisam ser revistas.
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Os demais desejos são os seguintes: a importância de um coordenador de saúde mental para discutir coletivamente com os movimentos e as entidades representativas da luta antimanicomial.
Temos a questão da população de rua, que precisa de cuidados físicos. Pessoas, principalmente após a pandemia neste Brasil, voltaram ao Mapa da Fome. Mas também precisamos colocar uma política de saúde mental para incluir essa população.
Queremos que haja a retomada do Colegiado Nacional de Saúde Mental, que há uns 6 anos não existe, e a promoção do cuidado integral à criança e adolescentes rompendo com a lógica da medicalização da infância e essa cultura do diagnóstico precoce. Devemos voltar a trabalhar com matriciamento. A Portaria nº 3.588 precisa ser revogada. Precisamos acabar com essa política do retrocesso que traz de volta o ambulatório e com isso despotencializamos a questão do matriciamento e da atenção primária.
Temos que retomar o fechamento dos hospitais psiquiátricos de custódia; excluir as comunidades terapêuticas da Rede de Atenção Psicossocial — RAP; promover a desinstitucionalização, por meio das residências terapêuticas, do Programa De Volta Para Casa; retomar também a questão do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares — PNASH, enfim, todos esses pontos que foram esquecidos, colocados na gaveta durante os últimos 6 anos.
Também precisamos propiciar um debate amplo e corajoso sobre a questão das drogas lícitas e ilícitas no Brasil; assegurar todos os Serviços Substitutivos em Saúde Mental por causa dos aumentos dos recursos financeiros federais que foram congelados desde 2011, e não temos um aumento de recursos para os serviços; instituir por meio de portarias o financiamento para a implantação e custeio também da Rede de Saúde Mental, que ainda não está contemplada na tabela SUS.
Temos que reformular o critério populacional. Nós estamos ainda usando um critério populacional de um caso para cada 100 mil habitantes. A distância territorial no Brasil é enorme e não conseguimos contemplar todas as regiões. Então, precisamos reformular esse critério populacional e também criar em âmbito nacional um plano de valorização para as trabalhadoras e para os trabalhadores da Rede de Atenção Psicossocial. Tudo isso seria no SUS em geral. Mas aqui estamos falando da saúde mental.
Então, precisamos requerer que o Ministério da Saúde também por meio de portaria regulamente a criação do financiamento para implantação dos centros de convivência e cultura porque sabemos que a saúde não dá conta só da saúde, ou seja, a saúde mental também não se inscreve só no âmbito da saúde. Precisamos envolver outros setores, e os Centros de Convivência fazem parte dessa rede além da saúde. Então, é necessário que o Ministério da Saúde tenha um olhar para isso.
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Enfim, são questões que precisamos garantir também às pessoas em situação de vulnerabilidade social, tais como a população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual, negra, indígena, como eu já disse, em situação de rua, em privação de liberdade, egresso no sistema penal, quilombola, cigana, imigrante. Nós precisamos pegar toda essa população que está em uma situação de vulnerabilidade e pensar em políticas públicas para essas pessoas.
Nesse sentido, o Conselho Federal de Psicologia traz a contribuição para esta audiência, para esta discussão, entendendo que é muito importante que nós incluamos novamente essa discussão coletiva, porque, quando da aprovação da Portaria nº 3.588, de 1988, o Presidente do Conselho Nacional de Saúde foi impedido de se posicionar e pediu a revogação imediata dessa portaria, e isso nunca foi respeitado.
Então, este Governo, que está acabando — e ainda bem que está acabando —, nunca reconheceu o papel importante do controle social, dos movimentos sociais.
E foi assim que nós construímos a nossa reforma psiquiátrica antimanicomial. Ela não veio de cima para baixo, ela foi construída com um movimento de trabalhadores e trabalhadoras, depois com a exceção de usuários e usuárias, para depois virar uma legislação.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Lourdes.
Falando de saúde mental, eu represento também os usuários. E hoje eu tenho uma visão diferente após eu fazer meu tratamento na rede substitutiva, que são os CAPS.
Eu me identifiquei muito com essas falas. Por exemplo, a Carta de Bauru foi escrita há 30 anos. Em 2016, eu participei da reunião do Encontro de Bauru, voltei de lá superfeliz, achando que as coisas iam melhorar mais ainda, e sofremos o golpe mais uma vez.
Diante disso, apareceram as oportunidades de brigar contra esses retrocessos de forma inteligente, que é como facilitador, ou seja, o usuário empoderado protagonizando e sendo uma referência para o serviço, porque, na realidade, esse facilitador vem para dizer o quanto o serviço é bom e funciona, para garantir que o serviço que é feito dentro de um CAPS tem resultado positivo.
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Então, hoje de posse da minha vida, eu comandando a minha vida, ninguém dizendo o que eu devo fazer ou para onde eu devo ir, eu resolvi retornar para o serviço, mas não como usuário — como apoiador. E o serviço me capacitou como facilitador. Passei um período lá, e há outros facilitadores aqui na sala também, que sabem o que eu estou dizendo.
Nós estamos dentro da conferência de saúde mental com essa pauta, porque o tratamento, em si, funciona, mas, no final do tratamento, na hora de soltarmos a mão dos profissionais que andaram lado a lado conosco naquele período de tratamento, não temos renda. E iremos retornar para o território sem renda, porque muitos não têm idade para o mercado de trabalho e existem ene preconceitos para quem faz tratamento em CAPS. E eu acredito que os usuários sabem muito bem disso porque já viveram isso.
Então os facilitadores vão sair do tratamento, virar apoiadores da rede e levar a informação para os territórios. Eles vão chegar no território e dizer que se trataram no CAPS, vão fazer rodas de conversa, lidar com os usuários onde eles moram, mostrar que existem alternativas humanizadas para o cuidado com pessoas que têm problema com o uso abusivo de álcool e droga.
Eu sou totalmente contra a comunidade terapêutica. Ela atualmente tem atrapalhado a implementação de mais CAPS na cidade, têm sido desviados recursos financeiros que poderiam melhorar nosso tratamento, que estão indo para as comunidades terapêuticas, mas não devolvem isso para nós.
Dentro de uma comunidade terapêutica, nós temos disciplina, religiosidade e trabalho. Tudo isso é de graça. Nós viramos crentes de graça, trabalhamos de graça para eles e nós temos ainda tem que respeitá-los, senão nós não ficamos no local.
Eles têm preconceito declarado contra a classe LGBTIQI+, não têm um local adequado para acolhimento de crianças e adolescentes, não têm um local adequado para um acolhimento de crise. Existe um último manicômio que nós vamos conseguir fechar, se tudo der certo, que é o Hospital São Vicente de Paula.
Os trabalhadores da Rede de Atenção Psicossocial não têm empatia nem sabem o que foram fazer naquele cargo ali, nos CAPS. Eles chegam lá, oprimem os trabalhadores, perseguem-nos e os botam para atender de acordo com o fluxo que seja bom para o gestor, para este ir lá tirar foto com o superintendente. E nós, usuários, vivemos de que nessa hora?
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Não queremos gestor em CAPS que venha por indicação política. Queremos trabalhadores capacitados, que trabalharam lá na ponta e que sabem de que precisamos. Essa é uma das nossas prioridades no tratamento.
E peço aos trabalhadores que, se não tiverem empatia, não vão para o CAPS e procurem outro trabalho, entendeu? Também pedimos a esses pastores de comunidades terapêuticas que saiam da linha do cuidado de pessoas, principalmente da população de rua, que eles usam como degrau para ganhar dinheiro. É isso o que eles fazem, e nós não queremos isso.
(Palmas.)
Este é um pedido que fazemos, Deputada, para a próxima gestão. Queremos o fim dos manicômios e o fim das comunidades terapêuticas. E, se eles quiserem insistir, que seja com recursos próprios, e não do Estado. O Estado tem que investir em CAPS, tratamento humanizado, leito em hospital geral e residência terapêutica.
A escolha dos CAPS hoje, a partir de agora, tem que ser feita pelos usuários. Nós conhecemos os trabalhadores que cuidam de nós com todo o carinho, eu conheço esses trabalhadores.
Então, faço uma homenagem a uma trabalhadora de CAPS que não está mais entre nós, a primeira pessoa que me acolheu em um CAPS, o CAPS do Guará, a psicóloga Andreia. Ela faleceu em um acidente de carro. Hoje eu queria dizer a ela: "Está aqui o resultado daquele acolhimento que você fez. Você se sentou no chão para conversar comigo, viu o mesmo horizonte e, olho no olho, me ouviu. Hoje estou aqui para brigar por uma saúde igual àquela que encontrei quando fui acolhido no CAPS".
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço ao Kleidson, que traz demandas a partir de sua própria experiência com o que representa, em grande medida, as comunidades terapêuticas.
É preciso fazer um processo de desfinanciamento, eu acho, das comunidades terapêuticas, para que se possa financiar a rede de atenção e os serviços substitutivos. É preciso também trabalhar na perspectiva de fechar os hospitais psiquiátricos. Não tem que haver hospital psiquiátrico. Existe o hospital São Vicente de Paula aqui, e em vários locais do Brasil ainda há hospital psiquiátrico. É preciso que as pessoas tenham uma rede fortalecida de CAPS III, que funcionem 24 horas por dia, e que nós também tenhamos um hospital geral atendendo as pessoas que precisam de atenção em saúde mental. É preciso avançar. É preciso avançar nas redes, que foram bastante comprimidas e bastante atacadas. Inexiste ampliação de CAPS. Portanto, é necessário fazer uma política de ampliação de CAPS. Ao mesmo tempo, é preciso que haja uma radicalidade democrática nos CAPS em todos os serviços, porque a essência da reforma psiquiátrica é a democracia; a essência da luta antimanicomial é a democracia, é o retorno da condição de protagonista, de sujeito das pessoas que estão sendo atendidas.
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Portanto, acho que são desafios que são postos. É preciso rever a política de drogas neste País, ao mesmo tempo em que não se pode ter esse nível de denúncias que há com as comunidades terapêuticas e um nível de flexibilidade grande na contratação de comunidades terapêuticas pelo poder público.
Eu penso que, se fosse a saúde a contratar, haveria mais rigor, mas, quando se contrata por secretarias sociais, secretarias de cidadania ou outras, acaba-se tendo uma elasticidade e uma ausência de rigor na fiscalização dessas comunidades terapêuticas. Precisamos avançar na perspectiva de construir uma política para que nós possamos, enfim, destinar os recursos públicos na integralidade para os serviços públicos, ou seja, para a rede e o serviço substitutivo.
Para enfrentar os hospitais psiquiátricos, o fortalecimento da rede, é preciso termos dados, porque não há dados. Os dados do Saúde Mental não têm funcionado. O Saúde Mental não tem dados e não tem também relatórios de fiscalização dos serviços que são postos. Portanto, nós precisamos levar os dados, fazer com que nós tenhamos uma fiscalização de todo o serviço, trabalhar na perspectiva de rever a política de enfrentamento ao uso abusivo de álcool e droga, fazer um processo em que os recursos públicos sejam destinados integralmente aos serviços substitutivos, à saúde pública e, ao mesmo tempo, ter uma política para fechar o conjunto dos hospitais psiquiátricos.
É óbvio que fechar os hospitais psiquiátricos pressupõe que você tenha serviços substitutivos, que você tenha os serviços de atendimento. Então, nós também entendemos que não é um processo que pode se dar de forma abrupta, se você não constrói as alternativas para as pessoas em crise, para as pessoas em surto. Então, é a mesma demanda das próprias comunidades terapêuticas. Em particular as famílias das pessoas que têm uso abusivo de álcool e droga ficam em um nível de angústia muito grande e acabam por reafirmar ou por fortalecer os serviços apresentados pelas comunidades terapêuticas, que não podem substituir os serviços cientificamente comprovados e que estão na própria reforma psiquiátrica
Além disso, é preciso que haja planos diretores. Todo Município tem que ter seu plano diretor, na lógica da reforma psiquiátrica antimanicomial. O Estado também tem que seu plano diretor de saúde mental. Então, há que se ter os planos de saúde mental a serem construídos, porque, como disse bem o Kleidson, não dá para pensar nenhuma política de atenção à saúde mental que não dialogue com outras políticas. Tem que dialogar com a política de geração de emprego e renda, tem que dialogar com a política de quem pensa a cidade, com a política de lazer, com a política de cultura.
Em praticamente todos os CAPS encontramos belíssimas manifestações culturais. As pessoas, quando vão se expressar, retornar à condição de protagonistas das suas próprias histórias, que foi tirada pela lógica manicomial, seja o manicômio visível, palpável, literal, seja o manicômio metafórico, muitas vezes se expressam por meio da própria cultura. Neste País da Nise da Silveira, não pode haver financiamento de choque elétrico, como está tendo agora.
Vamos escutar a Fernanda, que também vai falar sobre os retrocessos que se impuseram, neste momento, representando o Conselho Nacional. A Nise da Silveira mostrou como o inconsciente se expressa ou como é que vai, por meio das expressões artísticas, buscando as meadas da sua própria vida, o tecer da sua própria história.
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Então, a política de cultura precisa dialogar com a política de saúde mental. A polícia de saúde mental precisa dialogar com a política de cultura, com a política das cidades, com a política de mobilidade e com a política de geração de emprego e renda, como aqui foi dito pelo próprio Kleidson. Portanto, saúde mental tem que estar em todas as políticas, e a política de saúde mental tem que dialogar com o conjunto de outras políticas.
Acho que temos que exercer essa transversalidade, essa intersetorialidade, que é fundamental para assegurar a qualidade da própria política pública, porque política pública é enganchada uma na outra. Se ela não for enganchada, ela não é solitária. Política pública solitária, que não dialoga com outras políticas públicas, não cumpre a sua função na inteireza de um País tão marcado por senzalas e tão marcado por manicômios. Nós carregamos muitas marcas de manicômios neste País, muitas marcas. Pense que no século XX, havia os manicômios, e ainda há manicômios existindo hoje, no século XXI. Por exemplo, o Hospital de Colônia sobreviveu tantos anos, tantos anos, e matou tanta gente! Matou em vida e matou literalmente também.
Portanto, precisa-se fechar os ciclos dessa história desse Brasil, no que ela tem de traumático e no que ela tem de cruel, e não pegar pedaços e ir jogando na nossa contemporaneidade. Há uma tarefa imensa de reconstrução.
A conferência, a ser realizada no primeiro semestre do próximo ano, é fundamental. É importante assegurar que as resoluções da conferência tenham um prazo para serem efetivadas e, ao mesmo tempo, assegurar os instrumentos permanentes. Aqui a Karina falava que os gestores do serviço substitutivo têm que ser eleitos. Por que não podem ser eleitos? Têm que ser eleitos. Aqui o Kleidson falava que não tem perfil, que não tem isso e tal. Têm que ser eleitos. Quem sabe os gestores estão coadunados com o que representam os avanços que o Brasil teve na atenção à saúde mental, na legislação? São as pessoas que ali estão, são os frequentadores. Têm que ser eleitos.
Tínhamos que tentar perseguir esta proposição e, ao mesmo tempo, ter instrumentos. Eu penso que o Governo Federal contribui e vai contribuir neste sentido para trocarmos experiências também. Temos que ter fóruns em que saibamos exatamente o que está acontecendo em cada canto deste Brasil. Trabalhamos aqui e não conseguimos fazê-lo como queríamos.
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Agradeço muito à Erika a possibilidade de abrir este espaço no Parlamento na defesa das nossas políticas de saúde mental.
Eu vou tentar ser rápida na perspectiva da apresentação, porque várias coisas já foram faladas e nós estamos concorrendo com a fome e com o horário dos compromissos das pessoas. Então, eu vou tentar fazer isso bastante rapidamente, sem deixar de reconhecer a importância das falas que me antecederam, como a do Kleidson em especial, com a presença do movimento, nessa questão da transformação de usuário para apoiador e de todo esse caminho mesmo construído. Também quero agradecer à rede de apoio: aqui da Câmara, à Luiza, que está aqui pelo Conselho Nacional, à Ana Carolina, que é a nossa assessora na Comissão Intersetorial de Saúde Mental e na de Controle Social, e à Cléo, que está também aqui no apoio do CFP e que é uma grande parceira da construção.
(Segue-se exibição de imagens.)
Aqui estão algumas palavras que já foram ditas: defesa da saúde mental, cuidado e liberdade, redução de danos e a Carta de Bauru. Nós estamos caminhando para os 35 anos da Carta de Bauru, e nós precisamos lutar contra os retrocessos da desinstitucionalização e as violações frequentes de direitos humanos.
Este é o panorama do desmonte, como já foi dito aqui pelos nossos colegas que nos antecederam, quanto às portarias.
A Portaria nº 1.482, de 2016, fala da ida da comunidade terapêutica para o CNES para garantir esse financiamento de saúde. Depois, eu vou destacar especificamente a nova armadilha que está sendo formulada, do escoadouro de recursos financeiros também do público para o não público e para as comunidades terapêuticas na questão das políticas de assistência social.
A Portaria nº 3.588, de 2017, trata desse escárnio de inserir novamente o hospital psiquiátrico na RAPS e de toda a questão de violar toda a construção que havia sido feita antes na questão do cuidado em liberdade.
A Portaria nº 544, de 2018, fala da questão do CAPS AD IV e da questão disso no cadastro do CNES, criado com uma lógica manicomial, sem respeitar o matriciamento, a base territorial, a questão comunitária, o cuidado longitudinal.
A Portaria nº 2.434, de 2018, consolida várias portarias, mas reajusta o valor da internação hospitalar em 90 dias para a internação em hospitais psiquiátricos. Então, é aquilo que a Lu Machado dizia: desde 2011, não há reajuste para a questão do cuidado em liberdade, mas para o cuidado na lógica manicomial houve reajuste de valores e ampliação do período da internação.
Aqui, a questão da Lei Complementar nº 187, de 2001. Na calada do final do ano passado, no final de dezembro, aprova-se uma lei que favorece a comunidade terapêutica.
Percebendo os embates que nós íamos fazendo nas políticas de saúde para impedir que o financiamento saísse pelo CNES, denunciando todo o relatório do Conselho Federal de Psicologia junto com o movimento do mecanismo de combate à tortura, toda relação que denunciava as ações das comunidades terapêuticas, criou-se essa armadilha de uma lei que tenta fazer o credenciamento das comunidades terapêuticas nas políticas de assistência social, na CEBAS, que é uma certificação de filantropia na assistência social. Então, é uma armadilha, é um desmonte, é outra questão que nos preocupa muito. Por quê? Porque há o preconceito social com a saúde mental, há o preconceito com a questão da loucura.
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Na assistência social, nós, muitas vezes, nos rincões deste País, não temos o devido entendimento de quanto isso é contraditório. É recurso público para investir em entidade privada e é um escoadouro sem fim.
A Portaria nº 375, de 2022, vai acrescentar as clínicas psiquiátricas e as comunidades terapêuticas também na atenção psicossocial, contrariando tudo que nós construímos e tudo que há na Lei nº 10.216.
Aqui, os dados do desmonte em números. Nós temos esse crescimento gritante, aviltante, dos valores repassados, do dinheiro público para o não público e para entidades criminosas, que encarceram, que violam direitos. Passa-se, em 2017, de 44 bilhões de reais para, em 2020, 105 bilhões de reais. Então, vejam o tamanho dessa curva, o tamanho desse crescimento.
Aqui, temos a questão da não habilitação de unidades, o mapa da questão dos tipos de CAPS no decorrer dos anos. Se nós olharmos, em 2021, foram habilitados apenas 46 serviços no Brasil todo e incorporados apenas 32 pontos de atenção.
Nas unidades de acolhimento, também houve um decréscimo das unidades de acolhimento adulto. O gráfico mostra, então, o quanto é significativo esse recorte de um equipamento que era importante e que estava tendo um investimento interessante. Do golpe de 2016 em diante acontece essa questão.
Temos a questão dos leitos de saúde mental em hospitais gerais. Tínhamos apenas 8 leitos foram habilitados em 2021. Por quê? Porque se cria um monte de especificidades para ir para os hospitais psiquiátricos novamente.
Na questão dos leitos SUS de psiquiatria em hospital especializado, a armadilha está colocada. A questão da desabilitação de leitos foi tendo um decréscimo. Inclusive, em alguns Estados, como o de São Paulo, do qual eu sou oriunda, houve abertura de novos leitos em hospitais psiquiátricos, que é um contrassenso a tudo que nós construímos. Por isso, a importância do que defenderam antes de mim: a volta do PNASH, o fechamento dessas excrescências.
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E aí está um alerta em relação ao PLOA, que é o Projeto de Lei Orçamentária Anual, sobre o qual vocês estão ouvindo a mídia falar todo o tempo. Ele já deveria ter sido aprovado. Esse é um comparativo dos serviços especializados de saúde mental, os serviços específicos, que entraram no PLOA num ano e os que entraram no de 2023. Quero dizer que no PLOA, especificamente para saúde mental, existem apenas quatro itens, o que já é um problema. E nesses quatro itens, houve um decréscimo na casa de 153 milhões de reais em uma estrutura orçamentária de um ano para o outro. Isso é gravíssimo, é a demonstração em números daquilo que dissemos. É importante trazermos esses números porque senão fica a falácia de que nós só reclamamos, de que está acontecendo, e há uma valorização da comunidade terapêutica em detrimento daquilo que acreditamos e queremos. Então, eu queria dizer que houve essa redução.
Vemos aqui a necessidade do resgate das políticas de saúde mental. Assim foi o cartaz da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, com a questão dos pássaros. Eu vim com meu colar de pássaros também. Isso é uma homenagem ao Bispo do Rosário, que dizia que os pacientes de saúde mental, com sofrimento mental, são como pássaros, estão sempre a 2 metros do chão. Há a necessidade dessa imagem do beija-flor, do sofrimento de ter que bater as asas para sobreviver e se manter a 2 metros do chão. O tema central da conferência é a política de saúde mental, a reafirmação dos avanços e a reafirmação do cuidado em liberdade.
Esses são os subeixos. Todos que participaram das Conferências Estaduais de Saúde Mental os conhecem. É importante destacar que hoje termina a do Rio Grande do Norte e que falta apenas uma, a do Estado de São Paulo — há uma briga para acontecer, para variar, naquele Estado do retrocesso —, que acontecerá na virada do Natal, será quase uma conferência natalina, ou ficará para o ano que vem, e haverá um prejuízo no relatório. E temos também problema no financiamento para garantir essa conferência. Então, esta audiência é importante também para que, na hora de pensarem o orçamento, separarem o da conferência.
Fizemos reuniões com a comissão de transição especificamente sobre a pauta de saúde mental e com a comissão de transição da saúde sobre a questão da garantia do controle social, dessa participação que é tão necessária, e sobre os trabalhadores e trabalhadoras, para garantir condições de trabalho, condições de salário justo, jornada máxima de 30 horas para todas as categorias profissionais.
Esse é o calendário. A etapa nacional acontecerá de 16 a 19 de maio. Ainda estamos na briga por esse orçamento, como dissemos. O Coordenador-Geral de Saúde Mental, Rafael Bernardon, que defende eletrochoque, defende comunidade terapêutica, e o Sr. Quirino simplesmente não se incorporaram à comissão organizadora da conferência. Na Presidência da comissão organizadora está a Marisa Helena, que é do Conselho Federal de Psicologia, e na Vice-Presidência está o Vanilson Torres, que é do Movimento Nacional de População de Rua.
Nas considerações gerais e finais, eu quero dizer que a nossa luta é para garantir essa questão orçamentária para o trabalho do cuidado em liberdade acontecer. Nossa luta é contra o desmonte. Queremos fortalecer as políticas de saúde mental no cuidado em liberdade, ampliar as informações sobre saúde mental e, como diziam Marcelo Kimati e Sandra Fagundes, avançar na porcentagem do orçamento para a saúde mental, que ainda é mínima — o máximo a que chegou foi 3%.
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12:19
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer muito à Fernanda, que fez uma excelente apresentação, listando dados sobre a política de desmonte. Esses dados foram disponibilizados pela Comissão para as pessoas que queiram também ter acesso a eles.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Vamos ver quem quer se inscrever.
(Intervenções fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Juma, Eurides, João Paulo, Manuel e Karina. Com esses nomes, nós fechamos as inscrições, está certo?
A SRA. JUMA - Eu vou usar menos tempo do que isso. Só quero dizer que todos que me antecederam já me representam bastante. Em todas as conferências de saúde mental aqui do DF, acabei tendo que invadir as plenárias. Essa foi a primeira que eu não precisei invadir. Realmente todas as falas me representaram. Quero dizer que sou uma moradora de rua, sou uma mulher trans, sou uma profissional do sexo. Com muito orgulho, efetuo esse trabalho, que salvou a minha vida nas ruas. Ainda faço uso de drogas e estou aqui por essa reforma, exatamente contra o excesso de medicação dada às pessoas, especialmente as mulheres que estão em situação de rua.
Venho aqui falar muito da questão das casas de acolhimento, gente. Vamos trabalhar com essas casas de acolhimento, porque nós mulheres trans, moradoras de ruas e trabalhadoras sexuais somos impedidas de usar as nossas medicações. Isso nos coloca em extrema vulnerabilização. As casas de acolhimento são para dar continuidade ao tratamento que fazemos no CAPS. É muito importante pensar nisso.
Quero lembrar que atrás de cada cidadão existe uma profissão. Já que estamos fragmentando a saúde mental entre mulher negra, mulher trans, mulher moradora de rua, usuária — eu nem gosto da palavra "usuária", porque sou uma pessoa e faço uso de algumas unidades de saúde mental —, precisamos nos lembrar da profissional do sexo, que é rotulada e criminalizada.
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Juma.
Erika, nesta audiência, eu quero falar sobre a minha netinha. Juma, ela é igual a você. Só que eu já estou sendo bisavó pela segunda vez. Tentamos lutar para que ela tivesse uma cidadania, mas não conseguimos.
Eu venho pedir que olhem por essas crianças que vivem na rua, com essa profissão, para que elas sejam respeitadas nos hospitais. No Hospital de Santa Maria, para a minha neta ser respeitada esses dias, eu tive que ir com ela. Ela já perdeu o líquido da bolsa e tudo o mais, e eu tive que ir com ela, meia-noite, porque eles não queriam atendê-la.
Então, encarecidamente eu peço à Fernanda e à Kokay, que é a minha eterna embaixadora, que olhem pelo Distrito Federal, principalmente por essas crianças que vivem na rua e que não estão sendo atendidas com dignidade. Hoje o meu pedido se refere a isso.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Eurides.
Primeiramente, quero dizer que eu sou usuário de drogas há 16 anos. Só trago um detalhe. Eu queria que vocês fizessem o seguinte: em vez de o CAPS acolher a gente por 15 dias somente, a gente poderia ter a opção, se quisesse, de se internar, como eu quis me internar, pelo tempo preciso. Por exemplo, poderia ser 1 mês, 2 meses, 3 meses a mais, em vez de ser só 1 mês ou só 15 dias.
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, João Paulo, pela sugestão.
Kleidson, prazer em conhecer você. Eu me identifiquei muito com o seu depoimento. Também queria agradecer às pessoas que me ajudaram quando entrei no CAPS. Eu pensava que ia me sentir preso, mas foi um abraço forte o que eu tive. Tive um consolo, tive o reconhecimento de que eu era um adicto, eu era uma pessoa que não precisava mais de droga, mas, sim, de Jesus, de uma pessoa que me reconheceria pelas minhas qualidades. Se vocês estão sendo por nós, quem será contra nós?
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Eu quero que vocês entendam que nós adictos também temos uma vida para viver. Temos muitas coisas para viver. Eu quero criar uma família sem droga, quero respeitar as mulheres também, sem droga, quero curtir minha vida sem droga. Eu sou só um jovem que está tendo voz aqui e quero que muitos jovens também representem o Brasil aqui, representem a vida que estão tendo, para não sofrerem mais. Os pais sofrem, as mães sofrem, os primos e os filhos também. Todo mundo sofre quando uma pessoa é usuária de droga. Mas, quando a pessoa está na presença de Deus, quando quer melhorar, ela tem mais vida, não é?
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Manuel.
Fui bem contemplada pelas falas que me antecederam, mas eu queria trazer contribuições, Deputada Erika, porque acredito que você vai levá-las também para a comissão de transição que pensa as perspectivas para o governo Lula/Alckmin, que começa a partir do dia 1º de janeiro.
Algumas dimensões importantes já foram ponderadas aqui, mas eu acho que precisamos fortalecer a saúde mental infantojuvenil, porque criança e adolescente são prioridade absoluta por lei, e a saúde mental infantojuvenil é a mais fragilizada em todo o processo histórico da política de saúde mental. Então, eu acho que o Governo Lula/Alckmin precisa reparar isso. Precisamos fortalecer a saúde mental infantojuvenil, porque ela tem interlocução com várias outras pautas. Sabemos que agora o tema tem emergido de forma mais evidente com a pandemia e com várias outras questões. Então, isso é muito importante.
O segundo ponto, Deputada Erika, é a saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras. As equipes — e aí eu me coloco como trabalhadora de um CAPS AD aqui no Distrito Federal — estão extremamente adoecidas. Não existe um cuidado, não existe uma política de saúde mental do trabalhador e da trabalhadora. Então, eu não poderia deixar de falar também sobre esse ponto aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Antes de passarmos às considerações finais dos nossos convidados, por 2 minutos, para os que quiserem fazê-las, eu gostaria de dizer que foi publicado um extrato de convênio entre o Ministério da Cidadania e um hospital psiquiátrico de Anápolis, no valor de 300 mil reais, ou seja, são recursos para o hospital psiquiátrico. Quando você passa um recurso para um hospital psiquiátrico, para unidades terapêuticas, você fragiliza os mecanismos de controle social e também as instâncias em que se pactuam as políticas, as instâncias do próprio SUS. Portanto, o controle social tem que voltar a ter uma atuação muito intensa.
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Um dos primeiros atos deste Governo foi tentar desconstruir os conselhos. Os conselhos de defesa dos direitos passaram a existir, os que estão previstos em lei, mas, mesmo os que estão previstos em lei, tiveram muita dificuldade de funcionamento. Recentemente, nós tivemos uma reunião do Comitê de Combate à Tortura, e os representantes do Estado não foram, simplesmente não foram. A reunião não pôde acontecer, porque eles não foram.
Então, há um desprezo com os instrumentos de participação, de intersetorialidade, porque, via de regra, os comitês têm uma intersetorialidade. Há o Comitê dos Direitos da Criança, com várias políticas públicas.Também há a participação da própria sociedade civil e de outros órgãos do Estado que não são representantes do Executivo. Portanto, é importante retomar o controle social, retomar a existência fortalecida dos conselhos, e, ao mesmo tempo, as conferências.
Nós ouvimos aqui a Fernanda discorrer sobre as dificuldades de realização da conferência de saúde mental, que está prevista para se realizar em maio. Foi uma decisão do Conselho Nacional de Saúde fazer essa convocação. E, por algum tempo, o Governo disse que não iria se envolver. Depois, decidiu se envolver, mas não se envolveu de fato. Portanto, há riscos. As conferências precisam voltar como instrumentos de pactuação, de discussão. Penso eu que se deve estabelecer um prazo, para que as resoluções das conferências possam ser efetivadas.
Nós temos que ter um choque democrático neste País. Nós vivemos muitas ações arbitrárias, muitas ações antidemocráticas, e ainda vivenciamos. A ausência da democracia e o arbítrio estufaram o peito neste Governo que nós estamos vivenciando. Ele perdeu a modéstia, eu diria.
Portanto, é preciso reafirmar os instrumentos democráticos, ressignificar a nossa própria democracia. Por isso, eu penso que nós precisamos trabalhar e avançar na perspectiva de que haja eleições para os CAPS. Particularmente, a saúde mental é um processo em que a democracia faz parte da abordagem terapêutica. A reforma psiquiátrica antimanicomial depende de serviços substitutivos, ninguém tem dúvida disso. Nós vimos aqui também os dados trazidos pela Fernanda, que mostram que não houve aumento, houve um estacionamento. Não há mais fiscalização, não há mais dados sobre os instrumentos que atendem a saúde mental. Nós vimos que o Programa de Volta para Casa também está paralisado. Mas ela não precisa só de instrumentos ou de serviços substitutivos, que são fundamentais. Ela precisa de democracia. Ela precisa de espaço de fala. Os CAPS, como foram pensados, serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, pressupõem as assembleias para discutir o que fazer, como caminhar no CAPS, para que as pessoas tenham espaço de fala. Isso é fundamental para o resgate de identidade.
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Eu costumo lembrar o exemplo do livro Psicoterapia do Oprimido, de Alfredo Moffatt, em que ele conta a história de uma pessoa num hospital psiquiátrico, num manicômio, que pegou o bico de uma chaleira e transformou-o em um cachimbo. E diziam: "Mas que coisa! Como é que ele transforma isso?" Essa era a única coisa que era fruto da ação dele, inclusive. Ali ele via: "Eu construí esse cachimbo", e o cachimbo era algo que resgatava a sua própria identidade.
Pode-se passar muito tempo, mas eu nunca vou esquecer quando fechamos a Clínica Planalto, que era um manicômio em Brasília. Lembro-me muito da fala do Zé Alves, que é liderança do movimento de saúde mental. Zé Alves conta que passou 2 anos internado na Clínica Planalto. Ele disse: "Em 2 anos, eu morri muitas vezes". Ele dizia que, quando chegamos, com o Ministério Público, à Clínica Planalto — eu era da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa à época —, eles não sabiam o que estava acontecendo. Quando viram o burburinho, eles achavam que ia haver uma sessão de maus-tratos. Ele conta que eles ficaram num canto do quarto ou do que seria mais parecido com uma cela e se agarravam uns aos outros para tentar se proteger. Estávamos fechando aquele manicômio aqui no Distrito Federal. Lembro-me também de um senhor que tinha uma chinela Havaianas, e ele não a largava. Ele dormia com a chinela, ele levava-a para o almoço. Ele não largava a chinela. Essa era a única coisa que ele podia dizer: "Isso me pertence", era a única coisa que resgatava a sua própria identidade.
Resgata-se a identidade com espaço de fala, com espaço de decisão, com sentimento de pertencimento. Nos CAPS, na lógica antimanicomial, há sentimento de pertencimento de que se constrói aquela instância. Por isso, destaco a importância também das expressões culturais.
Vejam que há desafios para que se possa reafirmar e fortalecer. Os dados da Fernanda, eu repito, são importantes nessa perspectiva. Ela faz um traçado. É uma imagem, é um diagnóstico do desmonte, tanto no que diz respeito aos atos infralegais que ferem a própria lei quanto no que diz respeito aos dados da ausência de crescimento dos serviços substitutivos. Isso é absolutamente fundamental.
Como se constroem instrumentos de interseccionalidade permanentes e orgânicos e que tenham certa organicidade na estrutura do Estado? A estrutura do Governo tem que considerar a intersetorialidade e a interseccionalidade, o que é um desafio na própria estrutura do Estado, do Governo, dos órgãos do Governo. Deve haver também esse diálogo e esse sistema único de saúde mental ou alguma coisa que o valha, para que possa haver relação entre o Município, o Estado e a União. Ao mesmo tempo, o conjunto de políticas públicas precisa ser fortalecido e precisa ter mais organicidade, ter mais estrutura própria de Estado.
E como radicalizamos na democracia?
Os conselhos são uma forma, as conferências são uma forma imprescindível. Mas como se constroem fóruns e assembleias no território, sendo que em cada território deve haver assembleias e instrumentos democráticos de participação e, ao mesmo tempo, interseccionalidade? Que em cada território a saúde mental dialogue com a política de educação, com a política de cultura, com a política de geração de renda, e por aí vai.
Há desafios para darmos estrutura mais orgânica. Nós sofremos um golpe continuado desde 2016. Ele nos atingiu sobremaneira porque ele tem verdadeira ojeriza, como todo golpe, a qualquer democracia, a qualquer protagonismo, a qualquer nada de nós sem nós — nada de nós sem nós. Ele quer arrancar da população os instrumentos para o exercício do nada de nós sem nós.
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A imagem que eu faço, Deputada Erika e demais participantes, é de que nós precisamos manter uma vigília cívica e acompanhar todos esses processos, desde a questão do "revogaço" até a constituição da coordenação, e apoiar quem estiver no governo e na coordenação da saúde mental para dar consistência e legitimar esse processo participativo de modificação de proposta. O trabalho é gigante de revirar uma oposição, já foi citado aqui. E é preciso garantir a legitimidade das ações do povo brasileiro. Nós precisamos manter esta vigília cívica da democracia, da saúde e da saúde mental com talvez um fórum — eu imagino uma ágora — e reafirmá-la na conferência, sendo necessário acompanhar e dar subsídios necessários para as medidas que precisam ser tomadas na qualificação do cuidado intersetorial, interseccional e intergeracionais.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Sandra Fagundes, que é psicanalista, mestre em educação, ex-Secretária Estadual de Saúde de Porto Alegre e fundadora do Fórum Gaúcho de Saúde Mental.
Obrigada por sua contribuição, não apenas nesta audiência, mas em toda a construção da resistência e, agora, dos avanços que se fazem necessários.
Acho que é muito importante termos uma espécie de observatório, alguma coisa que possamos construir. A avaliação, a fiscalização e os relatórios periódicos são pontuados pelo Saúde Mental em Dados, mas poderíamos trabalhar também nessa perspectiva.
A SRA. MÔNICA VASCONCELLOS CRUVINEL - Eu só gostaria de agradecer a presença e a participação. Corroboro as falas de todos os que estavam presentes. Eu me emocionei muito com a fala dos outros usuários. É sempre bom ouvir o usuário.
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Somo nós que lhe agradecemos, Mônica.
O SR. ROQUE JÚNIOR - Eu quero informar aqui do Rio Grande do Sul, como a Sandra disse, que completou 30 anos da criação da primeira lei antimanicomial, a segunda da América Latina. Para comemorar e homenagear essa data, o Fórum Gaúcho de Saúde Mental, em parceria com a Assembleia Legislativa, a Frente Parlamentar em Defesa da Reforma Psiquiatra e da Luta Antimanicomial, do Rio Grande do Sul, confeccionou dois volumes de livros. Eles serão lançados ao vivo, dia 14, pelo Facebook do Fórum Gaúcho de Saúde Mental, e os PDFs vão ser distribuídos amplamente.
Essa lei é um tanto exemplar no âmbito da ampliação dos serviços substitutivos antimanicomiais e ajudou também a questão da lei nacional.
Quero fortalecer a necessidade da voz, vez e voto dos usuários, que é uma questão muito interessante. Temos muito a agradecer, somos sobreviventes de internações. Somos pessoas, não somos apenas números. Temos nome, temos RG, temos CPF e temos nossa história.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nada de nós sem nós. Nenhum passo atrás. Manicômio nunca mais!
O SR. ANDRÉ FERREIRA - Quero agradecer por este momento, por poder ter esta conversa para falar da complexidade do desafio que temos pela frente. Estamos falando de potências de vida que estão sendo cerceadas em sua existência nas suas diversas realidades. É um desafio muito complexo. São muitos debates que, em reuniões e em momentos tão breves, talvez não demos conta.
Quero deixar aqui, como representante do MNLA, a sugestão de uma agenda mesmo de pactuação e aproximação. Existem aqui profissionais, militantes, representantes da gestão, muita gente comprometida com essas questões. Nós precisamos também nos reaproximar como militantes do campo da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial para aproximar o debate e pactuar as ações nesse sentido.
Nós vemos muito além do que o Roque cita do necessário protagonismo dos usuários e familiares. Temos que ter um direcionamento e um debate mais aprofundado sobre questões que observamos serem, em alguns momentos, meio delicadas, como essa pactuação de gestões públicas com líderes religiosos e suas comunidades terapêuticas.
Sem a nossa aproximação, sem essa pactuação de uma agenda coletiva, vai ser muito difícil termos o êxito que esperamos, com toda a complexidade do que pretendemos fazer.
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12:47
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, André.
A política de saúde mental, pautada na reforma psiquiátrica, sempre teve um caráter muito emblemático, principalmente em relação à forma com que os movimentos sociais conseguem ocupar um lugar dentro das políticas públicas nacionais e criar toda uma legislação e todo um arcabouço no Estado brasileiro que acaba refletindo esses movimentos de uma certa forma. Justamente por conta desse caráter emblemático que tem, a reforma psiquiátrica foi particularmente atacada durante um período em que muitas políticas sociais foram bastante atacadas. Mas a reforma psiquiátrica teve algumas particularidades: contou com uma oposição sistemática de gestores em períodos anteriores à entrada deles no Governo e com um alinhamento, principalmente das corporações médicas, de forma incondicional com o Governo Federal.
Eu queria aproveitar este minuto para parabenizar e fazer um registro em relação à resiliência dos movimentos, dos trabalhadores em saúde mental e dos gestores que estavam alinhados às políticas de saúde mental pautadas na reforma psiquiátrica, porque, apesar de todo esse ataque, foram capazes de segurar o processo de regularização de portarias, trazer à tona e dar publicidade a todos esses movimentos de fragilização da rede pública que estavam ocorrendo propositalmente, mesmo em um momento em que nós tínhamos poucas informações, poucos dados e pouca interlocução por conta da pandemia, e sobreviveram a isso.
Acho que estarmos aqui fazendo esta discussão e pensando no futuro de uma forma positiva já é uma grande vitória.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Marcelo.
A SRA. LOURDES MACHADO - Erika, quero agradecer mais uma vez o convite e lembrar que precisamos acabar com o monstro da terceirização da saúde, especialmente da saúde mental, com o abismo que foi criado nestes últimos anos entre a política e o território, com a política de lucro das comunidades terapêuticas e com o retrocesso que nós tivemos em várias políticas públicas, que fizeram com que o Brasil inclusive voltasse ao Mapa da Fome. O desafio é grande, é gigante. Mas nós voltamos ao campo democrático. Devemos celebrar o retorno ao campo democrático.
Então sigamos na construção de um País mais inclusivo e humano. A psicologia brasileira se compromete a seguir, junto com o Brasil da esperança, os novos rumos das políticas públicas, inclusive as políticas antimanicomiais.
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Passo, então, a palavra para o Kleidson Oliveira, que aqui representa o Movimento Pró-Saúde Mental do Distrito Federal.
O SR. KLEIDSON OLIVEIRA - Eu não tenho muito a dizer, mas vou deixar uma dica aos brasileiros: não existe oração, deuses, métodos substitutos para lidar com problemas de saúde mental. O lugar exato para as vítimas de abuso sexual, de violência doméstica, pessoas com problemas de uso abusivo de álcool e droga tratarem dessas questões é o CAPS — Centro de Apoio Psicossocial, que é público e gratuito. Lá é onde essas pessoas irão realmente resolver esses problemas. Depois, se quiserem procurar qualquer religião, estão liberados. De antemão, digo que não há método mais eficaz do que esse.
Se vocês continuarem nessa linha de terceirizar o cuidado em vez de procurar o acesso, vocês vão ser enganados. Infelizmente é isso. Não procurem religião, procurem o CAPS. Depois do CAPS, se você quiser ir para a igreja, beleza. Eu fiz isso, deu muito certo. Essas pessoas que estão com problemas com drogas, com essas coisas, podem ir ao CAPS. Não tenham vergonha. Lá vocês não vão ficar presos, nem vão ser maltratados. Lá vocês vão encontrar uma equipe multiprofissional, que vai ser a sua segunda família, talvez você até a substitua. Existem pessoas que hoje não conseguem sair do CAPS. Quando falam em receber alta, elas ameaçam voltar a usar droga e álcool. Então, o lugar é bom. Eu não sou de dar conselhos, mas deixo essa dica.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Passo, então, a palavra para a Fernanda Magano, representante do Conselho Nacional de Saúde.
A SRA. FERNANDA LOU SANS MAGANO - Agradeço muitíssimo à Deputada Erika. Gostaria de dizer que o mandato dela é necessário para todos nós, para a saúde mental, para o cuidado da saúde em geral, para as políticas de direitos humanos, para a construção de habitação de qualidade, de moradia, enfim, para a perspectiva do cuidado de fato da população brasileira.
Nós do Conselho Nacional estamos em diálogo com a Letícia para fazermos uma agenda específica do orçamento da saúde com você, pela importância que a sua voz tem neste plenário.
Este momento é importante na defesa da saúde mental. Espero que cada um e cada uma se envolvam no controle social da saúde, na defesa do Conselho Nacional, dos Conselhos Estaduais e Municipais, conselhos gestores de unidades, e que sigamos na luta para garantir a realização da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço muito a presença de quem nos acompanhou de forma remota, de quem esteve aqui conosco, para que pudéssemos realizar esta audiência.
A frente parlamentar, que eu tenho a alegria de coordenar, vai se encerrar agora com o fim da Legislatura, e nós precisamos recompor a nova frente parlamentar para o próximo ano.
Para além disso, é muito importante tentar ver o fruto desta audiência, o extrato desta audiência, para levar ao Governo de Transição. Do ponto de vista de obtermos as notas taquigráficas, penso que não haverá tempo hábil para isso.
Mas era muito importante passar o relato desta audiência para a equipe de transição, que já realizou reuniões sobre saúde mental.
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Ao mesmo tempo, precisamos trabalhar em como construir essa vigilância, como dizia a Sandra, ou essa estrutura, esse observatório mais ou menos permanente, com a retomada dos dados, enfim, como construir essa intersetorialidade, como avançar na democratização da construção da política de saúde mental, como avançar nessa relação entre as esferas municipais, estaduais e federal, que é a própria União.
Esses são os desafios que estão postos. Nós não vamos resolvê-los todos de pronto, mas há algumas convicções que foram bastante reafirmadas aqui. Primeiro, os recursos públicos têm que ir para a política pública, eles não podem ser drenados para as comunidades terapêuticas, que, muitas vezes, não têm nem atuação ou atenção de saúde, a não ser o funcionamento. Segundo, é importante que nós possamos reafirmar e fortalecer a RAPS antimanicomial, que possa existir uma política para que possamos prescindir das comunidades terapêuticas, mas, ainda que isso seja paulatino, é importante haver fiscalização.
Penso que, se a contratação se der ou se os convênios se derem através da saúde, os mecanismos serão mais fortes, mais vigorosos para assegurar a qualidade do próprio atendimento.
Para além disso, como nós fechamos os hospitais psiquiátricos, nós tiramos isso como algo a ser perseguido. Ao se fechar hospitais psiquiátricos, deve-se reafirmar o serviço, particularmente o CAPS 24 horas, o CAPS para atendimento de crises, os hospitais gerais para atendimento de situações de crise, porque, ainda que o hospital geral atenda, quando há um hospital psiquiátrico, e o hospital geral direciona para o hospital psiquiátrico. Com isso, o hospital geral nunca se prepara, nunca se capacita, nunca se habilita de fato para atender às pessoas em situação de crise na saúde mental.
E nós vamos ver em vários locais as pessoas atadas, como vimos isso no hospital psiquiátrico aqui, ou seja, há uma contenção física das pessoas, pessoas sendo atadas no hospital geral para que possam sair da crise, e não há atendimento adequado.
Esses são os desafios que estão postos, e vamos dar conta deles, porque nós construímos neste País uma reforma psiquiátrica e nós elegemos o contraponto da barbárie no último dia 30 de outubro. O Brasil fez uma opção pela própria democracia, pelo cuidar em todas as esferas, e o cuidar só se faz em liberdade.
Por isso, neste momento, aprendemos e vivenciamos um golpe continuado que perpassou, eu diria, 6 anos da vida deste País, agudizado esse golpe no último período, com a ousadia de drenagem de recursos para as comunidades, de choque elétrico, enfim, a remuneração de leitos psiquiátricos, tudo isso que nós vimos e que a Fernanda conseguiu sintetizar.
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12:59
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Nós agradecemos muito a presença e a contribuição da Fernanda Magano, como também ao Kleidson Oliveira, à Sandra Fagundes, à Mônica Vasconcellos, ao Roque Júnior, ao André Ferreira, ao Marcelo Kimati, à Lourdes Machado, que contribuíram com essa discussão. Também agradecemos a contribuição da Juma, da Eurides, do João Paulo, do Manuel e da Karina.
Lembro que vamos ter, logo no começo do próximo ano, em fevereiro, a reconstrução, ou seja, a construção, a estruturação novamente da frente parlamentar, porque ela se extingue agora no final desta Legislatura.
Antes de encerrar, eu só vou fazer dois anúncios. Convoco audiência pública destinada a debater o Projeto de Lei nº 179, de 2003, que dispõe sobre o exercício da atividade policial, disciplinando o uso da força ou de arma de fogo, e dá outras providências, que ocorrerá no próximo dia 7 de dezembro, quarta-feira, às 14 horas, neste Plenário IX; e também convoco audiência pública destinada à apresentação e discussão dos dados obtidos por meio de pesquisas científicas sobre pessoas e famílias em situação de rua no Brasil e no Distrito Federal, que ocorrerá no próximo dia 8 de dezembro, quinta-feira, às 10 horas, no Plenário IX.
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