4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher
(Audiência Pública Extraordinária (semipresencial))
Em 24 de Agosto de 2022 (Quarta-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Bom dia a todas e a todos.
Sou a Deputada Tereza Nelma, Procuradora da Mulher da Câmara dos Deputados, e irei coordenar o presente evento.
Este evento integra a programação do calendário Agosto Lilás, promovido pela Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados em parceria com a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher.
Declaro aberta a presente reunião de audiência pública da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher em parceria com a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados para tratar do tema Agosto Lilás — Os Desafios da Aplicação da Lei Maria da Penha. O evento comemora os 16 anos da aplicação dessa legislação.
Esta audiência é resultado da aprovação do Requerimento nº 23, de 2022, de nossa autoria, juntamente com a Deputada Vivi Reis.
Inicialmente, tenho a satisfação de apresentar as nossas convidadas para o debate: Beatriz Accioly, Coordenadora de Violência contra Mulheres, Pesquisa e Impacto no Instituto Avon; Leila Brant Assaf, Coordenadora-Geral de Dados, Informações e Combate, do Departamento de Políticas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; Juliana Martins, Coordenadora Institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; Debora Albu, Representante da ONU Mulheres; e Dra. Maria Domitila Manssur, Juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e Diretora da Associação dos Magistrados Brasileiros — AMB Mulheres.
Esclareço às Sras. Parlamentares, aos Srs. Parlamentares e às convidadas que esta audiência pública interativa está sendo transmitida pelo portal e-Democracia e pela Internet, no canal do Youtube da Câmara dos Deputados.
Antes iniciar as exposições, comunico a todas e a todos que o tempo previsto para exposição de cada palestrante será de 10 minutos. Após a exposição das senhoras convidadas, passaremos ao debate. Os Deputados e as Deputadas disporão de 3 minutos. Para responder cada interpelação, cada convidada disporá de igual tempo.
Neste momento, vou fazer a nossa fala como Procuradora da Mulher da Câmara dos Deputados.
Neste ano, comemoramos 16 anos da Lei Maria da Penha, uma legislação pragmática. Essa lei trouxe inúmeras garantias para meninas e mulheres em nosso País. A violência doméstica deve ser combatida em todas as frentes de atuação dos homens e das mulheres, em nosso País e no mundo.
Há também o flagelo terrível da violência física, tantas vezes fatal. É um fenômeno gravíssimo que assume caráter epidêmico em nosso País. A cada 2 horas, uma a mulher é assassinada no Brasil, a maior parte delas vítimas de pessoas com quem privam a intimidade, com quem partilham a vida afetiva e sexual dentro do próprio lar.
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Esse flagelo, senhoras e senhores, ao invés de decrescer, está aumentando entre nós, o que é extremamente preocupante. Os dados que serão apresentados aqui pelas expositoras estampam o triste retrato de uma sociedade na qual as mulheres não têm assegurado nem esse valor fundamental que é a vida.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, o Brasil é o quinto país do mundo com maior taxa de feminicídio entre 84 nações pesquisadas.
Sabemos bem, como aponta estudo do Poder Judiciário sobre o enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, que a violência doméstica e familiar contra as mulheres vitima pessoas de todas as idades e inserções sociais no Brasil. Em geral, quando as mulheres denunciam seus agressores, já sofreram outras violências e, mesmo com os processos em curso, o risco de novas agressões e até mesmo de feminicídio permanece, o que evidencia a importância de uma resposta rápida por parte do Judiciário.
Pela Justiça, em números do ano de 2020, tivemos 25.803.671 novos casos ingressando no Poder Judiciário. Desses, 558.971 tratam de violência doméstica — 2,15% do total dos processos — e 1.596 tratam de feminicídio. Foram emitidas 399.547 medidas protetivas. No entanto, ainda contamos com apenas 145 varas exclusivas de violência doméstica (Painel do CNJ, posição de 2021).
Eu sempre me questiono: como um país que tem 5.570 Municípios vai combater essa violência, hoje, só com 145 varas judiciais especializadas em mulher? O Estado está preparado para o atendimento a essas vítimas?
O cumprimento da lei e a prevenção desses crimes são essenciais. O aumento das varas especializadas, a implementação efetiva das medidas protetivas, a construção de políticas públicas que tenham a perspectiva de gênero e raça incluída em seu desenho são medidas essenciais. Pensar no orçamento público com esse enfoque é responsabilidade de todas e de todos.
Todos os países do mundo estão debruçados em estruturar alternativas de superação do quadro social e econômico pelo qual estão passando. A disparidade salarial, a subocupação, a dupla jornada e a desvalorização do trabalho doméstico são formas de violência, um ranço da nossa cultura patriarcal, que deve ser combatido sem tréguas em todas as instâncias da vida social.
Essa saída tem que ser pensada a partir de novos pressupostos, com a construção de políticas públicas que levem em conta a equidade, a definição de um modelo econômico mais justo e a garantia dos direitos humanos para todos os brasileiros e para todas as brasileiras. Ademais, os Governos e os Parlamentos no Brasil devem se colocar como elaboradores e formuladores de caminhos para sairmos dessa crise econômica e social.
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Assim, precisamos de políticas públicas para garantir a efetiva aplicação da Lei Maria da Penha, bem como a aplicação das demais legislações de defesa da mulher.
Sou obrigada a tratar, neste espaço qualificado e no ano eleitoral, da lei de combate à violência política contra a mulher, Lei nº 14.192, de 2021, que fez 1 ano agora, em agosto — em alusão à data, realizaremos na semana que vem, no dia 30 de agosto, o II Seminário de Combate à Violência Política contra a Mulher: um ano da lei de enfrentamento à violência política contra a mulher (Lei nº 14.192/2021).
Temos a obrigação de publicizar, neste ano, todos os mecanismos e as instituições que estão organizados para defender as mulheres e a democracia, Afinal, como pensar em políticas públicas com recorte de gênero e raça, se temos um número tão pequeno de mulheres nos Parlamentos e nos cargos de alta direção? A violência política contra a mulher é a ferramenta mais usada pelos candidatos, titulares de mandato político e partidos políticos, que têm medo de perder seus espaços na disputa democrática — fake news, ausência de repasse de fundo eleitoral, ausência de disposição dos 30% do horário eleitoral para as mulheres, boicote à ascensão das mulheres à condição de lideranças partidárias. As práticas são inúmeras e recorrentes.
Sou obrigada a comentar recente violência a que, na condição de Procuradora da Mulher da Câmara dos Deputados, assisti. O fato ocorreu no meu Estado de Alagoas durante a inauguração de um comitê do candidato a cargo majoritário — Governo do Estado. Falarei sobre esse episódio no final desta audiência.
Neste momento, concedo a palavra à Sra. Leila Brant Assaf, da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Seja bem-vinda, Leila.
A SRA. LEILA BRANT ASSAF - Bom dia, Deputada.
Senhoras e senhores, bom dia.
Primeiramente, quero trazer meus cordiais cumprimentos à Deputada Tereza Nelma e também à Deputada Vivi Reis, que oportunizaram a presente audiência pública.
Quero também parabenizar V.Exa., que sempre esteve engajada nessa causa da Lei Maria da Penha e nos proporciona hoje um debate com diversos atores da rede para tratar dessa lei, que requer constante aprimoramento.
Aproveito, ainda, a oportunidade para cumprimentar as demais participantes e o público que nos acompanha on-line.
Eu me chamo Leila Brant Assaf. Sou Coordenadora de Articulação Nacional, na Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, e estou representando o Poder Executivo Federal nesta oportunidade, o que muito me honra e o que agradeço.
Em respeito às políticas de inclusão, eu peço licença para realizar minha audiodescrição. Eu sou uma mulher branca, tenho olhos castanhos, cabelos castanhos na altura do ombro e estou usando hoje uma blusa verde.
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Como bem ressaltou a Deputada Tereza Nelma, os dados ainda são assustadores, mesmo depois de 16 anos de publicação da Lei Maria da Penha, infelizmente. Diante desse contexto, eu queria aproveitar também para trazer alguns dados sobre a violência doméstica familiar e relativos ao feminicídio, tema que bem pontuou a Deputada Tereza Nelma.
O Brasil, infelizmente, hoje, ostenta o 5º lugar no ranking de feminicídio. Além disso, nós temos dados informando que 70% das mulheres vítimas desse crime nem sequer procuraram registrar ocorrência ou ingressar na rede de atendimento ou na rede de proteção. Segundo a pesquisa, de forma visível ou invisível, no ano de 2020, 45% dessas mulheres não fizeram nada em relação à agressão. Nós temos aqui que apenas 12% das mulheres procuraram uma delegacia da mulher e 7% denunciaram em delegacias comuns. Nós temos aqui também o dado de que 16,8% das mulheres não julgaram importante procurar a polícia.
Uma pesquisa sobre feminicídio no Estado do Mato Grosso do Sul aponta que 93,33% das mulheres vitimadas nem sequer possuíam medidas protetivas. No mesmo sentido, após a publicação da Lei do Feminicídio, o Ministério Público de São Paulo divulgou que, entre os anos de 2016 e 2017, apenas 3% possuíam medidas protetivas.
O que este dado nos mostra? Este dado nos mostra que precisamos que a mulher confie no Estado e busque a sua proteção. Para nós, que atuamos diariamente com a pauta da violência doméstica, a palavra que nós mais utilizamos é "rede".
Então, eu acredito que hoje um dos maiores desafios da Lei Maria da Penha seja fazer com que a mulher conheça essa rede de proteção que está disponível para ela.
Daí, entretanto, surgem diversos desafios quanto à rede de proteção. O primeiro diz respeito ao seu fortalecimento, e, neste ponto, nós sabemos também que a promulgação de leis e de dados estatísticos não são fins em si mesmos, mas meios para que possamos combater — esta é a finalidade — e reduzir a violência doméstica familiar.
Aqui, neste ponto da questão da rede, eu gostaria também de trazer à baila alguns desafios que nós temos encontrado em diversos diálogos com outros atores fora do Poder Executivo — no âmbito do Poder Legislativo, no âmbito do Poder Judiciário e na sociedade civil estadual e municipal. Há alguns desafios que são encontrados para que essa mulher conheça e, de fato, tenha acesso à rede.
Como bem pontuou a Deputada Tereza Nelma, hoje, infelizmente, nós temos só 145 varas especializadas. Eu posso destacar que os Estados do Acre, de Alagoas, do Piauí, de Sergipe e de Santa Catarina possuem apenas uma vara especializada. Infelizmente, nós temos, também, no sistema de Justiça, alguns desafios que precisamos enfrentar, quais sejam, a pouca quantidade de varas especializadas e também a falta de equipes multidisciplinares. Além disso, algumas das Coordenadorias da Mulher dos Tribunais de Justiça nem sequer possuem orçamento próprio para desenvolver as políticas judiciárias adequadas para essas mulheres.
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Aqui, o lado outro, gostaria também de enfatizar alguns problemas pelos quais a segurança pública tem passado: a falta de efetivo, a falta de estrutura física, a falta de capacitação para quem atua na segurança pública.
Sabemos que hoje uma das principais causas de chamadas para o 190 é a violência doméstica e familiar — em alguns Estados, inclusive, o 190 tem ostentado, os casos de violência doméstica e familiar como o primeiro lugar em número de chamadas; em outros Estados, as chamadas que tratam desse assunto só perdem para as de perturbação da ordem e sossego.
Falta-nos, entretanto, capacitação para os que atuam na segurança pública, porque nós sabemos que a violência doméstica precisa de um olhar mais especial, mais humanizado para fazer o tipo de atendimento de que essa mulher necessita. Inclusive, aqui, na Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres — SNPM, nós temos desenvolvido campanhas e cursos de capacitação específica para os que atuam na segurança pública. Infelizmente, trago um dado que constata que a maioria dos cursos de formação dos atores da segurança pública nem sequer têm disciplinas específicas sobre a violência contra a mulher, em especial, disciplinas sobre a violência doméstica e familiar. Geralmente, essas disciplinas são incluídas como disciplinas de direitos humanos, cujo conteúdo programático é gigantesco.
Além disso, eu gostaria também de destacar a baixa quantidade de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
Trago ainda esses desafios à justiça e segurança pública, que envolvem a questão do orçamento e a falta de estrutura.
Como bem disse a Deputada, nós precisamos de políticas públicas assertivas. Só que, para isso, nós precisamos, de fato, reconhecer o que seria a violência doméstica e familiar. E para isso nós precisamos ter dados concretos, uniformizados e padronizados. Hoje, infelizmente, nós não temos uma base de dados unificada nacionalmente com todas essas informações. Além de não termos essa base de dados padronizada, nem sequer temos bases de dados em que constem todos os tipos de violência que estão na Lei Maria da Penha. Aqui ressalto e excetuo o Poder Judiciário, que tem uma belíssima base de dados, o painel de monitoramento da política judiciária, mas são dados relativos à própria Justiça... (falha na transmissão)... à concessão de medidas protetivas de urgência, à estrutura, mas não temos aqui uma base de dados sobre a violência doméstica. Geralmente, temos que recorrer à base de dados de alguns Estados que, infelizmente, nem sequer fazem essa divisão.
Novamente ressalto a lei da PNAINFO, a política que instituiu a unificação desses dados. Nós precisamos ter um olhar sensível quanto ao amadurecimento das instituições sobre o fenômeno, que foi justamente instituído pela Lei nº 14.232, de 2021.
Atenta a essa lei, gostaria também de dizer que a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres tem desenvolvido pesquisas junto à Universidade Federal de Viçosa e à Universidade de Brasília para um diagnóstico da (falha na transmissão) importante, porque nós conseguimos, a partir dos dados, fazer um recorte específico para traçar políticas públicas relativas à raça, sexo, idade e, assim, atingir essa mulher lá na ponta. Assim, nós conseguimos realmente criar uma política pública específica para mulheres com recorte para as ribeirinhas, para as mulheres que vivem na zona rural etc. Essa é a importância desses dados. Além disso, também gostaria de ressaltar as políticas de prevenção.
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Eu sei que meu tempo está se esgotando, Deputada, mas já estou encerrando a minha fala.
São necessárias políticas de prevenção, campanhas para que essa mulher seja instigada a denunciar, para que ela conheça a rede de atendimento que está disponível para ela. Infelizmente, nós temos ainda muitos desafios relacionados ao cumprimento da Lei Maria da Penha, mas conseguimos ver avanços.
Outro ponto importante que trago aqui é a questão de fazer com que essa rede chegue ao interior. Eu acho que uma das principais questões é que efetivamente essa rede seja proliferada no interior e que a mulher tenha conhecimento disso.
O meu tempo já se encerrou, mas gostaria de dizer que, para que possamos viver num Estado democrático e livre, precisamos que o Estado possa acolher essa vítima e também oferecer o máximo possível para que ela tenha condições psicológicas e econômicas de desenvolver sua total autonomia.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Leila. Você traz dados, e nós nos perguntamos de quem será a responsabilidade sobre essa política pública, sobre a preservação da vida dessa mulher. A Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres não tem como trazer todos os dados, monitorar recursos financeiros, o orçamento para essa prevenção, para esse combate, para esse trabalho.
Então, Leila, este é um grande desafio para nós que estamos envolvidas, que estamos trabalhando, mas nós precisamos imediatamente de uma resposta e, muito mais, de execução efetiva. Se você fala em delegacias, eu vou ao Ministério da Justiça, e ele diz que é o Estado. Se eu vou ao Estado, ele diz que não tem recursos. Se eu falo sobre as varas judiciais, dizem que é competência do CNJ. Mas o CNJ diz que não tem recursos, não tem como fazer.
Nós moramos num País que tem 5.570 Municípios. Que política é essa? Que rede é essa de proteção à mulher? Nós temos que nos fortalecer mais, nos unir mais e traçar metas mais exequíveis e que venham a dar mais resultado no combate a essa calamidade pública, assim eu posso dizer, com essa violência que abate a mulher, com essa violência que parte dos lares.
Leila, muito obrigada. Eu me coloco à disposição para que, logo após o período eleitoral, em outubro, novembro, nós possamos nos sentar e chamar grandes parceiros para discutir mais efetivamente. O que nós temos?
Você diz uma coisa muito importante: o interior está desassistido. Como resolver isso num País continental como o nosso? Como trabalhar essa questão, para que essa mulher lá do interior, lá do povoado, lá das grotas, das comunidades se sinta protegida?
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Agora eu passo a palavra para a Sra. Debora Albu, representante da ONU Mulheres.
A SRA. DEBORA ALBU - Bom dia a todas as pessoas presentes e às que acompanham esta reunião.
Muito obrigada, Deputada. Eu gostaria de agradecer e cumprimentar V.Exa. e também a Deputada Vivi Reis pela criação deste espaço de debate e pela possibilidade de endereçar o tema, representando a ONU Mulheres.
Eu sou Debora Albu. Sou Gerente de Projetos na área de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Eu saúdo também as demais participantes convidadas: Leila, Juliana, Beatriz, Maria Domitila. É um prazer compartilhar este espaço com vocês.
Sinto-me privilegiada por estar hoje aqui para celebrar o 16º aniversário da Lei Maria da Penha no âmbito da campanha Agosto Lilás, visando conscientizar sobre sua estrutura, divulgar informações sobre serviços essenciais e mobilizar a sociedade em torno da meta de eliminar a violência doméstica intrafamiliar contra a mulher. Desde a sua criação, a campanha atingiu o nível nacional e foi adotada por diversas partes, incluindo autoridades subnacionais em nível estadual e municipal, empresas e universidades.
A Lei Maria da Penha não é apenas uma lei. Para milhões de mulheres e meninas em todo o Brasil, a Lei Maria da Penha representa a diferença entre a vida e a morte. Para o Brasil, a sua adoção foi um marco histórico glorioso, sendo conhecida pela população brasileira e sendo alvo de esforços do poder público para a sua implementação por diferentes agentes do Estado brasileiro, o que representa salvar a vida de mulheres.
Para o movimento feminista, a Lei Maria da Penha é uma vitória memorável, um ganho normativo precioso e um enorme passo no sentido do avanço dos direitos das mulheres. Ela é resultado de uma decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, e, portanto, nós devemos lembrar que é fruto da ação incansável do movimento feminista junto a mecanismos regionais e internacionais de direitos humanos.
A sua implementação, contudo, não é sem desafios. Eu vou destacar três deles. Primeiro, a violência contra mulheres e meninas é uma violação de direitos humanos. Ela afeta o gozo pleno desse direito das meninas e mulheres. Todas as meninas e as mulheres têm o direito a uma vida livre de violência. Nesse sentido, é necessário avançar, enquanto sociedade, na compreensão do que é a violência com base em gênero.
Além de termos leis que protejam integralmente a vida e os direitos das meninas e mulheres contra a violência, é fundamental investir em processos de transformação social daqueles comportamentos, crenças, estereótipos negativos e prejudiciais em relação a mulheres e meninas. Homens e meninos, nesse sentido, têm um papel fundamental a desempenhar nessa mudança.
Precisamos também de políticas públicas de qualidade, baseadas em evidência, mas com orçamento adequado e sua efetiva execução, para que haja políticas de enfrentamento à violência, inclusive, conforme aquilo que foi previsto dentro da Lei Maria da Penha.
Direitos humanos são indivisíveis e interdependentes. Avanços para as mulheres e meninas só serão possíveis enfrentando violações de direitos humanos que estão nas causas, na raiz da violência contra meninas e mulheres. Isso inclui, por exemplo, o combate à fome, a garantia do trabalho decente, a eliminação do uso excessivo da força, a participação política, a garantia do direito a terra e a bens naturais pelas populações do campo, quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais. Em segundo lugar, as mulheres não são um conjunto homogêneo. Sendo assim, a violência que afeta meninas e mulheres as afeta de maneiras diferentes, a partir de suas identidades, experiências e oportunidades.
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Segundo o IPEA, nos últimos 11 anos, a taxa de mortalidade de mulheres negras cresceu 48,5%, para se tornar 65,8% superior à taxa de mortalidade de mulheres não negras. Em 2021, mulheres negras foram 62% das vítimas de feminicídio, contra 37,5% das brancas, e 70,7% das vítimas de mortes violentas intencionais, contra 28,6% das brancas.
Em relação à idade, são alarmantes os níveis de violência sexual contra meninas. Em 2020, houve um aumento geral nas taxas de estupro, provocadas, em especial, pelo aumento de casos de estupro de vulneráveis, que representam mais de 75% dos casos de estupro no Brasil. Estatisticamente, a faixa etária de 10 a 13 anos é a que tem maior risco de sofrer estupro.
Para determinados grupos de mulheres, como indígenas, quilombolas, mulheres trans e travestis das periferias urbanas, violências com base em gênero estão interligadas a contextos de violações sistemáticas de direitos humanos, vivenciadas inclusive coletivamente.
Raça, etnia, classe, deficiência, território, orientação sexual e identidade de gênero, todos são elementos muito importantes na produção do modo, com e contra quem a violência se manifesta na sociedade. Por isso é tão importante haver diagnósticos, planos e políticas públicas que incorporem esses elementos com a devida centralidade.
A partir disso, a implementação integral dessa lei só vai acontecer quando houver uma abordagem interseccional sobre ela, considerando que as formas como a violência se manifesta e afeta as vidas e os direitos de mulheres e meninas são múltiplas. Entender a interseccionalidade e a complexidade dos contextos da violência contra meninas e mulheres é fundamental para desenhar estratégias centradas na proteção e defesa (falha na transmissão).
Por fim, é por isso que se torna fundamental ampliar o olhar sobre as formas, espaços e tipos de violência que acometem essas diferentes brasileiras. Infelizmente, elas não se esgotam em violência doméstica, intrafamiliar ou sexual. Mulheres e meninas sofrem violência por causa do seu gênero nos mais diversos espaços. Muitas formas de violência contra meninas e mulheres não são contadas e permanecem subnotificadas, invisibilizadas ou sequer são reconhecidas como formas de violência com base em gênero. Em diversos casos, a diferença é feita por iniciativas pioneiras e inovadoras, como as de pesquisadoras feministas, de jornalismo investigativo ou mesmo de organizações da sociedade civil, que jogam luz sobre determinados contextos de violência contra meninas e mulheres.
A ABRAJI — Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo contou 1 ataque a cada 3 dias a mulheres jornalistas durante o ano de 2021, 38% deles contendo elementos de gênero. Esses ataques eram, em especial, ataques à moral e à reputação de jornalistas.
Em relação à violência política, já que estamos em período eleitoral, as organizações da sociedade civil Terra de Direitos e Justiça Global identificaram que as mulheres estão mais sujeitas a sofrer ofensas do que os homens na política.
Entre 2011 e 2020, a CPT — Comissão Pastoral da Terra registrou 1.814 incidentes de violência contra mulheres no contexto de conflitos por terra e pelo meio ambiente, incluindo assassinatos, ameaças de morte, estupros de trabalhadoras rurais, sem terra, quilombolas e indígenas. Nós temos acompanhado diversos casos que evidenciam como a degradação do meio ambiente, economias ilegais em torno de bens naturais e disputas por terra estão intimamente relacionadas com violência sexual, exploração sexual e feminicídio de meninas e mulheres indígenas.
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A última edição da pesquisa Visível e Invisível — tenho certeza de que Juliana vai abordá-la ainda em profundidade — indicou que as formas de violência mais reportadas pelas mulheres no ano de 2020 foram as ofensas verbais, ameaças de violência física, intimidação ou perseguição, violência física e violência sexual.
Dessa forma, é necessário avançar na direção de uma lei que aborde as diferentes manifestações de violência baseada em gênero que vitimam as brasileiras, uma lei geral que dê conta dessas inúmeras formas de violência, que proteja as meninas e as mulheres brasileiras.
Nós acompanhamos e registramos as mudanças transformadoras que a adoção da aplicação da Lei Maria da Penha tem feito ao longo dos últimos 16 anos. Gostaríamos de continuar trabalhando lado a lado com todas vocês, com todos vocês e com muitos mais parceiros, para fazer de uma vida livre de violência uma realidade para cada menina e mulher indígena, negra, branca, jovem, idosa, trans, lésbica, todas elas, no Brasil.
Comemorando o 16º aniversário da lei, eu gostaria de agradecer mais uma vez às Deputadas pela convocação desta audiência pública e às demais participantes por partilharem suas opiniões, seu trabalho, suas pesquisas na direção da eliminação da violência contra meninas e mulheres no Brasil.
Viva a Lei Maria da Penha!
Todos aqueles que estão assistindo, por favor, juntem-se a nós no Agosto Lilás e eliminem a violência contra meninas e mulheres.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Debora.
Agradeço à ONU Mulheres pela contribuição, pela participação. Queremos que a ONU participe cada vez mais da vida das mulheres brasileiras, esteja mais próxima, porque vocês têm um papel muito importante diante de todos os órgãos e diante de nossas vidas.
Quero registrar a presença da nossa querida Deputada Federal Erika Kokay, outra Deputada muito combativa de todas essas questões.
Passo a palavra agora a Beatriz Accioly, Coordenadora de Violência contra Mulheres, Pesquisa e Impacto no Instituto Avon.
Seja bem-vinda, Beatriz!
A SRA. BEATRIZ ACCIOLY - Muito obrigada.
Bom dia.
Eu gostaria de cumprimentar todas as autoridades aqui presentes, saudando em especial as Sras. Deputadas Tereza Nelma e Vivi Reis e também a Sra. Deputada Erika Kokay, as minhas colegas de Mesa, bem como todas e todos que nos acompanham nesta manhã.
Eu aproveito o ensejo para agradecer o convite para esta audiência, em nome do Instituto Avon, braço de responsabilidade da empresa Avon que há 19 anos se dedica, como organização da sociedade civil, às causas da atenção ao câncer de mama e ao enfrentamento da violência contra meninas e mulheres no Brasil.
O título do encontro de hoje é Os Desafios da Aplicação da Lei Maria da Penha, nossa festejada norma jurídica que completa 16 anos neste mês. Esse é um tema bastante amplo, complexo e passível de ser abordado a partir de variadas vertentes.
Sem a pretensão de esgotar todos esses caminhos, eu vou falar um pouco de um grande desafio que nós encontramos na implementação da Lei Maria da Penha e que tem guiado algumas das atuações estratégicas do Instituto Avon, em especial nos últimos 2 anos, que é a necessidade, como já mencionado inclusive pela Leila, da existência de dados de qualidade, periódicos e centralizados, em especial dados de fontes administrativas.
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O tema, inclusive, está atualmente no topo da agenda global, tendo sido destaque em uma das últimas publicações da ONU Mulheres internacional, lançado em maio deste ano. Dados administrativos sobre violência contra a mulher são produzidos a partir da interação entre cidadãs e cidadãos, como polícias, tribunais, centros de assistência social, equipamentos de saúde, abrigos e outros serviços. A organização e o uso desses dados administrativos de alta qualidade são cruciais para que nós consigamos compreender quais mulheres estão buscando os serviços por causa das violências, quais serviços elas estão buscando, estimar a necessidade de cada serviço e os seus custos, compreender a necessidade de formação e treinamento entre profissionais que estão lidando com essas demandas, e monitorar e avaliar a prestação desses serviços para melhorar a sua qualidade e identificar déficits e problemas.
Sem esse trabalho, que não é simples, de organizar e disponibilizar de forma transparente e acessível os dados administrativos, nós ficamos falando de forma retórica e muito superficial sobre como pensar a execução e a melhora das nossas políticas públicas. Esses dados administrativos também podem fornecer informações sobre quem não está acessando os serviços, ajudando na tomada de decisões e no planejamento.
A produção de estatísticas confiáveis e periódicas que viabilizem tomadas de decisão embasadas em evidências é fundamental para que as nossas políticas públicas de prevenção, intervenção e posvenção sejam cada vez mais precisas e eficazes. Afinal, estamos falando de recursos quase sempre escassos e insuficientes, quando muito não executados, e precisamos alocá-los de maneira cada vez mais eficiente. No Brasil atual, nós estamos diante da ausência de dados nacionais centralizados, criteriosos e produzidos com regularidade temporal. Esse cenário inviabiliza comparações longitudinais e análises de transformação ou mudança. É muito bonito dizer que nós precisamos transformar e mudar as mentalidades, mas temos muito poucas pistas empíricas de como fazê-lo.
Lidamos quotidianamente com uma série de limites na identificação de padrões de vitimização, vivendo a impossibilidade de construir uma série histórica comparativa nacional consistente e não conseguindo monitorar e avaliar as nossas políticas públicas. Em outras palavras, para desviar do tom formal e solene, nós precisamos saber: o que funciona? O que não funciona? O que funciona melhor e de maneira mais efetiva? Qual o impacto, por exemplo, das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher quando comparadas com delegacias comuns? E as medidas protetivas de urgência são eficazes na mitigação do agravamento da violência doméstica, por exemplo? Como tem sido manuseada a nova tipificação penal da violência psicológica? Quais os principais gargalos e entraves que as mulheres encontram ao tentar acionar a rede de acolhimento e enfrentamento? E aquelas que não conseguem acioná-la, por que não o fazem? Estamos melhorando ou piorando os nossos indicadores? Quais são os exemplos de medidas eficazes? Afinal, quais são mesmo os nossos indicadores periódicos, comparáveis e oficiais? Qual o tamanho do fenômeno com o qual estamos lidando? Quais as nossas estimativas de prevalência e incidência? Qual é o percentual de subnotificação de cada subtipo de violência contra mulheres? Quantas dessas mulheres que têm a sua vida atravessada ou ceifada por violências baseadas no gênero passaram pela rede de atendimento? O que aconteceu com elas? Que jornadas e caminhos tiveram dentro dessas políticas públicas? Essa é uma agenda emergencial, pois estamos diante simultaneamente de números cada vez mais alarmantes de violências cometidas contra meninas e mulheres e ao mesmo tempo dessa ausência sistemática de entes responsáveis pela produção, padronização, periodização e sistematização de dados centralizados. Graças muitas vezes a esforços acadêmicos de institutos de pesquisa do terceiro setor — eu destaco aqui o trabalho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, do Instituto Patrícia Galvão, do DataSenado, até mesmo do Instituto Avon —, nós possuímos alguns levantamentos fragmentados e episódicos que têm uma importância para eliminar a temática, mas que produzem visões fotográficas. Como, então, nós transformamos essas fotografias em imagens em movimento para que possamos ver processos de monitoramento e avaliação das nossas políticas públicas e leis?
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Uma cartografia e um acompanhamento rigoroso da jornada das mulheres em situação de violência por entre os serviços públicos nos ajudariam a entender melhor as maneiras pelas quais as desigualdades de gênero se manifestam em violações. Aquilo que não é acompanhado e medido com rigor não pode ser monitorado, avaliado, planejado ou bem executado, utilizando metas e métricas mensuráveis, comparáveis e confiáveis. Por isso, indicadores são pontos-chaves para avanços. O que nós não acompanhamos não conhecemos.
Não bastam também informações apenas sobre o sistema de justiça ou segurança pública. São necessários dados multi-intersetoriais referentes à assistência social, à saúde, à educação, ao transporte. Dados de qualidade devem trazer com maior precisão os tipos de violência, informações sociodemográficas das vítimas e prováveis agressores, dados territoriais, quantidades e detalhes a respeito dos atendimentos e encaminhamentos feitos pelos diferentes entes da rede, sobretudo aqueles mais invisibilizados, como centros de referência e assistência social e as Unidades Básicas de Saúde. Dados são tão mais úteis quanto mais podem ser desagregados, trazendo informações detalhadas sobre as partes, como raça, cor, etnia, renda, escolaridade, relação com o agressor, local de domicílio, orientação sexual, identidade de gênero.
Faz-se fundamental também que sejam registrados detalhamentos a respeito do histórico de ocorrências envolvendo essas partes. Já foram feitos registros por órgãos policiais? Já foram abertos inquéritos e encaminhamentos? Quantas medidas protetivas foram requeridas, concedidas ou denegadas? Quantos processos foram julgados? Quais os prazos de julgamentos? Quais as sentenças proferidas? Quais as medidas de reeducação e ressocialização de agressor foram adotadas, bem como quais os atendimentos foram prestados a essa mulher pelos órgãos de saúde, da assistência social e da segurança pública, pelo sistema de justiça ou por outros serviços especializados de atendimentos às mulheres em situação de violência?
Tudo isso deve ser feito, claro, em observância à Lei Geral de Proteção de Dados — LGPD, que, embora traga desafios, faz-se indispensável à garantia do direito constitucional à privacidade por meio da preservação dos dados pessoais, em especial dados considerados sensíveis. A LGPD não é um obstáculo. Ela é uma aliada.
Eu lembro ainda que o texto da Lei Maria da Penha em seu art. 38 traz a seguinte citação:
Art. 38. As estatísticas sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher serão incluídas nas bases de dados dos órgãos oficiais do Sistema de Justiça e Segurança a fim de subsidiar o sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres.
Na prática, que sistema nacional de dados e informações relativo às mulheres? Nunca vimos isso acontecer de forma integral. Na esfera federal, recentemente foi sancionada a já mencionada Política Nacional de Dados e Informações relacionadas à Violência contra as Mulheres — PNAINFO, através da Lei nº 14.232, de 2021. No entanto, para que leis se transformem em realidade, elas precisam ser executadas, ser postas em prática por pessoas e instituições, saindo da esfera de jure para a esfera de facto. Há uma série de desafios na produção da gestão transparente de informações sobre a situação da violência contra mulheres no Brasil, que não são fáceis de serem superados por meio de canetadas legislativas, sanções executivas ou discursos bem-intencionados e inspirados.
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O primeiro grande desafio é: como integrar as bases de dados dos órgãos de atendimento à mulher no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário? Como articular os dados de esferas federal, estaduais e municipais? Como articular dados da saúde, da assistência social, da segurança pública e do sistema de justiça? Como fazê-los conversar em concordância com a LGPD?
O gargalo principal é unir elos de produção de dados e conectá-los de modo a fazê-los atuar em conjunto. É necessário trabalhar melhor levantamentos e iniciativas já existentes com a cooperação entre Poderes, esferas e setores. Parece simples, mas não é.
Eu acho que já esgotei o meu tempo. Então, vou pular uma parte e vou...
(Intervenção fora do microfone.)
A SRA. BEATRIZ ACCIOLY - Posso ficar? Então, eu agradeço.
Outro desafio que enfrentamos é a qualidade dos dados das bases que existem. Sabemos que as bases de dados existentes são frequentemente mal preenchidas ou nem sequer preenchidas. Não há padronização, verificação de consistência e higienização desses dados na maior parte dos casos. Trago como exemplo o relatório A dor e a luta: números do feminicídio, da Rede de Observatórios da Segurança, iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania — CESEC, da Universidade Candido Mendes, que analisou dados sobre violência de gênero em cinco Estados — Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo — em 2020, tendo como base o monitoramento do que circula nos meios de comunicação e nas redes sociais. Em três Estados monitorados, houve discrepância entre os números fornecidos pelas Secretarias de Segurança Pública e os encontrados na mídia. Em São Paulo, no Ceará e em Pernambuco, os dados gerados pelas pesquisadoras do CESEC foram maiores que os números oficiais. No Ceará, por exemplo, foram localizados 74% mais feminicídios do que os reportados pelas autoridades do Estado.
Um terceiro desafio vai além das pesquisas de opinião, percepção e vitimização, que lançam mão majoritariamente de abordagens quantitativas. Nós precisamos conseguir analisar simultaneamente discurso e prática de profissionais que atuam em diferentes elos da rede. O olhar qualitativo também é condição sine qua non para iluminar aquilo que os números podem esconder.
Ontem, o Instituto Avon esteve na 16ª Jornada da Lei Maria da Penha, organizada pelo Conselho Nacional de Justiça, para lançar um estudo inédito de diagnóstico das medidas protetivas de urgência concedidas de acordo com a Lei Maria da Penha. Eu vou trazer aqui para vocês alguns dos resultados que apresentamos ontem.
Desenvolvido em parceria com o Conselho Nacional de Justiça e o Consórcio Lei Maria da Penha, o levantamento foi realizado com base nos já mencionados dados armazenados na Base Nacional de Dados do Poder Judiciário — DATAJUD. A principal constatação foi de que a DATAJUD peca em qualidade. Há baixa adesão dos tribunais locais, baixa qualidade das informações preenchidas e uma série de dados em branco, em especial os dados referentes à identidade étnico-racial, o que impediu que fizéssemos recortes raciais.
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Nos dados em que conseguimos achar algum tipo de indício de qualidade, foi possível traçar o seguinte diagnóstico: embora nove de cada dez pedidos de medidas protetivas registrados no banco nacional do DATAJUD tenham sido deferidos, o que demonstra uma adesão do sistema judiciário ao instrumento das medidas protetivas de urgência, a maioria dos tribunais possui uma considerável parcela desses processos em atraso. Cerca de 30% dos pedidos são concedidos após o período definido pela legislação, que é de 48 horas. Em alguns Estados, o volume de processos em atraso é superior a 40%. Aqui eu destaco a Bahia, o Ceará e Minas Gerais, que chegam a 50% de solicitações sem resposta até o prazo-limite de 48 horas, e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o de Pernambuco, que têm média superior a 45%.
Há uma série de pistas em potencial de estudos de monitoramento e avaliação mostrando como eles podem ser usados para as políticas públicas. Neste ano, um estudo divulgado pelo INSPER, de São Paulo, analisou dados de 2004 a 2018 e demonstrou que as delegacias especializadas no atendimento a mulheres em situação de violência são responsáveis pela redução de até 13% nas taxas de mortes violentas de mulheres. Esses efeitos são especialmente concentrados entre mulheres brancas, o que demonstra dificuldade desses equipamentos atenderem mulheres atravessadas por outros marcadores sociais da diferença, como mulheres negras, mulheres trans, mulheres indígenas, quilombolas.
Chegamos, então, a um quarto desafio, já mencionado pela Deputada Tereza Nelma. Quem vai se responsabilizar por custear essa empreitada? É um pulo do gato, muitas vezes escondido nas entrelinhas das leis sancionadas. Sem alocação orçamentária, não há forma de fazer existir uma política pública. Lugar de prioridade é no Orçamento, não só no discurso e na moralidade. Lugar de prioridade é em políticas públicas executadas com orçamento adequado, com atenção, com monitoramento e avaliação, porque é uma obrigação do Estado garantir o bem-estar e a integridade de suas cidadãs. E também é função de redes e iniciativas encabeçadas pela sociedade civil organizada, seja no setor privado, seja no terceiro setor, atuar no auxílio a essa empreitada. A responsabilidade é de todos e todas nós.
Por isso, o Instituto Avon tem se dedicado cada vez mais a criar e manter elos de cooperação para a produção de abordagem de dados científicos, rigorosos, periódicos, unificados, centralizados e que permitam insights acionáveis, para que as nossas políticas públicas sejam cada vez mais acessadas, acessíveis, de qualidade e eficientes.
Esse é um trabalho robusto, crítico, rigoroso, preciso e propositivo que busca pavimentar um caminho longo e árduo no monitoramento e avaliação das nossas políticas, caminho esse que ainda precisamos desbravar, sem dúvida, mas que a cada passo nos deixa mais perto de onde queremos chegar.
Muito obrigada. (Palmas.)
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Nós ficamos muito entusiasmadas com essa fala, não é, Deputada Erika Kokay? Uma fala muito lúcida e clara, de quem acompanha esse processo. Nós continuamos a fazer a mesma indagação: de quem será a responsabilidade? Nós sabemos. E por que não executa, por que não assume esse papel? Como é que nós podemos discutir e falar sempre sobre o combate à violência se não há investimento, se não há recursos, se não há prioridade? Quando nós mulheres vamos ser prioridade num País tão injusto, que tem uma desigualdade social brutal?
Eu quero lembrar o Ministro da Justiça e fazer um apelo a ele, com quem estive rapidamente durante o tempo em que sou Deputada Federal. Desde 2021, eu solicito uma audiência pública com o Ministro para discutir a Lei nº 14.316, de 29 de março de 2022. Isso agora, em 2022. Mas também está na minha pauta a Lei Complementar nº 119, de 19 de outubro de 2005.
O que dizem essas leis? A de 2005, no seu art. 10, inciso XIV, diz o seguinte:
................................................................................................................................................
XIV - manutenção de casas de abrigo destinadas a acolher vítimas de violência doméstica.
Isso é para ser trabalhado dentro do Fundo Penitenciário Nacional — FUNPEN. Cadê? Onde essa política está sendo realizada? Que recurso financeiro é esse que o Fundo Penitenciário tem quanto a esse valor? O que eu sei é da realidade triste — eu vou falar do meu Estado, que é uma vergonha — do Estado de Alagoas. Lá só existe uma casa abrigo, municipal, inóspita, sem nenhuma condição de acolhimento para a mulher e sua família. A mulher não vai sozinha para a casa abrigo; ela vai com seus filhos.
Então, mais uma vez, eu faço um apelo ao Ministro da Justiça para que a Lei Complementar nº 119, de 19 de outubro de 2005, que acrescenta o inciso XIV ao art. 3º da Lei Complementar nº 79, de 7 de janeiro de 1994, que cria o Fundo Penitenciário Nacional — FUNPEN, que estabelece a manutenção de casas de abrigo... Nada disso tem acontecido. Isso aqui é lei. Isso aqui não é uma conversa, não é uma discussão.
A outra lei é a Lei nº 14.316, de 29 de março de 2022, que no § 4º do art. 2º diz que no mínimo 5% dos recursos empenhados pelo Fundo Nacional de Segurança Pública devem ser destinados a ações de enfrentamento da violência contra a mulher.
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Cadê, Sr. Ministro? Quanto valem estes 5% do fundo de segurança pública? Nós precisamos saber. Eu, mulher, cidadã, Deputada Federal e hoje Procuradora da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, preciso saber disso. Vamos discutir! Qual será a prioridade para estes 5%? Vamos aplicá-los no aparelhamento das delegacias no Brasil? Quais são as prioridades? Vamos aplicá-los nas casas de abrigo? Vamos, com o Poder Judiciário, criar escolas para a reeducação de agressores?
Beatriz, desculpe-me se me refiro a você desta forma — você fez uma fala muito coerente, muito consistente. Nós temos instrumentos. Por que não agem? Vamos lá, vamos nos unir! Vamos, Ministério da Mulher, Secretaria Nacional da Mulher, Conselho Nacional de Justiça, Ouvidoria da Mulher, todos os órgãos, junto com a sociedade civil, que tem dado uma grande contribuição. A Avon firmou um convênio com a rede Accor para acolher, por 15 dias, as mulheres vítimas de violência. Isso é pensado para que o poder público tenha uma estrutura para acolher essas mulheres. Este não é o papel da Avon, nem da Accor. Nelas, temos mais um braço de parceiras. É assim que nós compreendemos esta realidade.
Este é o momento. Nós estamos no mês de agosto, e o que estamos fazendo? É apenas mais um discurso?! Eu sempre digo que não estou na política para discursar e discutir apenas desejos. Eu estou na política para discutir e para realizar. Eu quero muito, na condição de Deputada Federal que sou, dar uma contribuição, ao lado de todos os órgãos e todos os movimentos. Muito já se fez, mas é preciso fazer mais.
Nós precisamos dar efetividade ao discurso da rede de proteção à mulher. Que rede é esta? Onde ela se encontra? Como nós podemos dizer: "Mulher, você sofreu uma violência, procure a delegacia". Como dizer isso, se ontem saiu na imprensa que a mulher vai a uma delegacia e não é bem acolhida! A mulher ainda é questionada, porque quem aborda o problema ainda lhe pergunta se ela não é a culpada. O que ela fez para seu companheiro agir assim?
Eu trago, portanto, estas indagações.
Nós estamos no mês de agosto, um mês não só de discussões, mas para dizer que nós queremos viver, sim! Todas as mulheres: de todas as raças e de todas as cores! De outro lado, nós precisamos fazer com que essas leis... Eu tenho à minha frente uma mulher por quem eu tenho o maior respeito e a maior admiração, nossa querida Deputada Erika Kokay, uma mulher combativa, uma mulher que ainda tem na sua fala a doçura de ser uma poetisa, de trazer sempre um alento nas suas palavras. Quanto nós corremos nesta Casa para construir leis, trazer mais direitos e dizer que estamos aqui! Porém, quem tem a caneta, quem tem o poder de fazer? Não fazem! Como se não bastasse isso, jogam, para mostrar que não há como monitorar. Quem vai monitorar os dados? Quem vai fornecer dados fidedignos para o desenvolvimento de uma política pública?
11:09
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Agradeço muito, Beatriz, toda a sua fala.
Antes de ouvirmos a Juliana Martins, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública — FBSP, quero dizer que, na única audiência em que estive com o Ministro da Justiça, Anderson Torres, ele fez uma crítica de que o Brasil está como está porque os dados vêm de uma estrutura não governamental. Por que a estrutura governamental não assume seu papel de ter os dados?
Eu quero parabenizar o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Continuem! São vocês que nos dão luz, que nos dão direção, que nos trazem dados mais fidedignos. No entanto, se nós fizermos uma troca ou um enfrentamento destes dados, não sei a que resultados chegaremos.
Tem a palavra a Sra. Juliana Martins, Coordenadora Institucional do Fórum Brasileiro de Segurança Pública — FBSP.
A SRA. JULIANA MARTINS - Obrigada, Deputada.
Eu queria agradecer, mais uma vez, o convite. É um prazer estar aqui com vocês de novo. Agradeço à Deputada Tereza Nelma, à Deputada Vivi Reis e à Deputada Erika Kokay. É importantíssimo nós estarmos aqui para falar sobre os desafios que há na implantação da Lei Maria da Penha.
Queria cumprimentar minhas colegas que estão trazendo contribuições nesta manhã: a Leila, a Debora, a Beatriz, a Domitila, bem como todos aqueles que estão nos acompanhando.
Eu queria agradecer à Deputada a menção ao trabalho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Eu sou coordenadora institucional do fórum, uma organização não governamental com 16 anos de existência, assim como a Lei Maria da Penha. O fórum foi criado em março de 2006 com o objetivo de ser uma instituição que promova o diálogo, o encontro de setores que, historicamente, não dialogavam, não sentavam juntos para pensar numa cooperação técnica na área da segurança pública. Nós somos uma organização integrada por pesquisadores, por cientistas sociais, por gestores públicos, por policiais federais, civis, militares, por operadores da Justiça, por profissionais de outras entidades da sociedade civil, e, juntos, pretendemos contribuir para dar transparência às informações sobre violência e políticas de segurança e encontrar soluções baseadas em evidências.
Nos últimos 16 anos, o principal produto institucional do fórum é o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que, todos os anos, traz dados, informações e análises sobre violência, crime e segurança pública no País. Também temos o Atlas da Violência, publicação realizada em parceria com o IPEA, que também foi mencionado hoje.
Eu queria trazer para vocês um pouco dos dados do nosso último anuário e uma pesquisa sobre vitimização que o fórum fez em 2021 e ressaltar que nós estamos falando, nos últimos anos, de um contexto de pandemia no qual a violência contra meninas e mulheres vem se agravando não só no Brasil, mas também em outros países. O fórum tem sido uma fonte de informação e de dados bastante relevantes para o enfrentamento destas violências e traz luz e transparência às informações, muitas vezes invisibilizadas, que têm contribuído para a criação de políticas, discussões e projetos na área da segurança pública para o enfrentamento das violências.
11:13
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Eu queria frisar que, no Anuário de 2021, que traz dados de 2020, nós vimos observando, nos últimos anos, o aumento da violência contra a mulher. Embora tenha havido uma pequena redução no número de feminicídios, nós percebemos aumento nas agressões por violência doméstica e nas ameaças. Há algo importante no contexto da pandemia, ou seja, o aumento das chamadas ao Disque 190, número de emergência das Polícias Militares, e o aumento das medidas protetivas de urgência concedidas nos últimos anos.
Já foi mencionada aqui a questão da violência sexual. Dos estupros registrados em 2020, nós temos que 75,5% das vítimas eram vulneráveis, ou seja, incapazes de consentir, e que, de todas as vítimas, 61,3% tinham até 13 anos, quando o autor da violência, na maioria dos casos, em quase 80% deles, era alguém conhecido da vítima, alguém com quem ela mantinha algum tipo de vínculo. Nós podemos falar a mesma coisa em relação aos casos de feminicídio e de violência doméstica, que têm como autor da violência alguém conhecido das vítimas.
A pesquisa que nós fizemos, mencionada pela Debora, é sobre a forma visível e invisível da vitimização de mulheres no Brasil — nós a realizamos desde 2017. Ela foi feita em 2017, em 2019 e em 2021, quando nós escutamos várias mulheres em vários lugares do País sobre as violências que elas tenham sofrido no ano anterior. Fazendo periodicamente esta pesquisa, nós conseguimos comparar um ano com o outro para ver como os contextos vão se modificando ou não, o que vem se repetindo. Infelizmente, nós temos percebido um quadro, já até mencionado aqui, que mostra o aumento destas violências sofridas pelas mulheres.
Em 2021, com base nestes relatos, nós tivemos como resultado que 8 mulheres foram agredidas fisicamente por minuto durante a pandemia. A pesquisa de 2021 joga luz no ano de 2020, primeiro ano da pandemia aqui no Brasil. Uma em cada 4 mulheres de 16 anos ou mais foi vítima de algum tipo de violência nos últimos 12 meses anteriores à realização da pesquisa, também referente a 2020.
Trata-se de mulheres que, por conta da pandemia, tiveram suas vidas fortemente afetadas, permaneceram mais tempo em casa devido à pandemia, viram a renda da família diminuir, viveram momentos de mais estresse em casa, os filhos tiveram as aulas presenciais interrompidas, perderam o emprego ou tiveram medo de perder o emprego e a renda. Com isso, em casa aumenta o estresse e, muitas vezes, o consumo de bebidas alcoólicas, o que faz com que as situações de violência fiquem mais agravadas neste contexto. O fato é que nós vemos que houve, no período da pandemia, diante dos relatos das próprias mulheres, uma precarização das condições de vida, e isso faz com que o desafio para o enfrentamento destas violências vá aumentando. Em 7 de cada 10 casos de violência, o autor era alguém conhecido da vítima, ou companheiro, ou namorado, ou ex-companheiro, ou ex-namorado. A maior parte das violências praticadas contra as mulheres nesse período da pandemia aconteceu dentro de casa; também aconteceu no trabalho e na rua, como nos anos anteriores, mas há um aumento de casos de violência nas residências, por conta de as mulheres estarem mais tempo dentro de casa.
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O que essas mulheres fizeram em relação às violências que elas sofreram nesse período? Quarenta e cinco por cento delas não fizeram nada. Várias relatam que não fizeram nada porque acharam que poderiam resolver sozinhas o problema, ou não julgaram que era tão importante a ponto de acionarem a polícia, por exemplo, ou não quiseram envolver a polícia, pois tinham medo de represálias por parte do autor da violência. Uma pequena parte delas relata que teve o deslocamento dificultado por conta da pandemia. Esta informação, de que a maior parte das mulheres decidiu não fazer nada em relação à violência sofrida, se repetiu nos anos anteriores da pesquisa. Por diversos motivos, as mulheres resolvem não fazer nada, resolvem não procurar ajuda, nem a ajuda de amigos, nem a ajuda da família. Isso mostra para nós o tamanho do desafio no enfrentamento deste problema.
Eu acho que já foi dito aqui, mas eu ressalto que este é um tipo de violência muito complexo, porque, do ponto de vista da segurança pública e da Justiça criminal, ocorre principalmente dentro de casa, como eu já disse, por autores conhecidos, num contexto em que, muitas vezes, a própria mulher demora a identificar as violências sofridas como violências. Além disso, há uma subnotificação dos casos por conta disso.
As mulheres, especialmente, foram impactadas durante a pandemia por conta das medidas de isolamento social, como o fechamento das escolas, a descontinuidade de um trabalho em rede ou de equipamentos que estavam a serviço do atendimento e do acolhimento delas. Nós ainda presenciamos um tabu cultural em torno deste tema, pois existe a naturalização das violências de gênero. O perfil do agressor é, como eu disse, o de alguém com quem elas têm um vínculo e, muitas vezes, um vínculo afetivo.
Meu tempo está acabando, mas eu queria trazer e ressaltar para todos é que a Lei Maria da Penha tem um aspecto muito positivo, que não é apenas o de prever a punição de agressores ou de violadores de direitos, mas também ações de prevenção, como colocar estas ações de prevenção em prática. Trata-se, como mencionamos aqui, da integração não só dos atores da rede de proteção, especialmente a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, com as áreas de segurança, de assistência social, saúde, educação, trabalho, habitação. Não basta existir uma rede de proteção: esta rede precisa se articular e precisa que um ator da rede conheça os trabalhos e os objetivos de outros atores dela, para que ela possa se articular, de fato, e funcionar.
11:21
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A questão dos dados é extremamente importante, mas é igualmente importante ressaltar que ela não é apenas uma produção técnica, mas, sim, uma produção político-institucional. Então, é importante criar regras de accountability para a produção destes dados, para que nós não fiquemos apenas na esfera de que o importante é capacitar as instituições, porque isso é só uma parte do processo de transformação. Isso é importante, sim, mas é uma parte do processo de transformação.
É preciso que as instituições se comprometam com esta transformação, no sentido de assumirem a produção e a divulgação de dados como algo relevante, como na hora de registrar o homicídio contra uma mulher — registrar isso como homicídio doloso, e não como feminicídio. Esta é uma opção político-institucional que precisa responder a regras de accountability para que ela possa, de fato, demonstrar a realidade fiel do que está acontecendo em determinado Estado ou em determinado Município.
Eu queria, para finalizar, se me permitem mais um minuto, dizer um pouco de um trabalho que o fórum faz, o Selo de Práticas Inovadoras do Fórum Brasileiro de Segurança Pública no Enfrentamento à Violência contra a Mulher, que, neste ano, está na quarta edição. Ele retrata, especialmente, as experiências desenvolvidas no âmbito das instituições de segurança pública e justiça criminal que aconteceram durante a pandemia da COVID-19 e o que estas instituições trouxeram como experiências para enfrentar a pandemia.
Neste ano, nós vamos premiar oito iniciativas. Eu vou citar apenas duas, mas eu poderia falar das oito. Na Patrulha Maria da Penha Itinerante, por exemplo, a Polícia Militar do Acre, percebendo a dificuldade das mulheres de chegarem aos equipamentos públicos, pedirem ajuda e fazerem a denúncia, criou um ônibus itinerante para estar nas regiões em que há mais mulheres em situações de violência em locais com altos índices de violência. Esses ônibus itinerantes contam não só com um espaço em que a mulher possa buscar ajuda, mas também com ações de conscientização, de prevenção e de monitoramento da violência contra mulheres em lugares onde, muitas vezes, não existe um equipamento.
A outra experiência é a da Polícia Civil de São Paulo. A Delegacia de Defesa da Mulher On-line criou o Boletim de Ocorrência On-line para os crimes relacionados à violência contra meninas e mulheres, com equipes especializadas para este atendimento. Juntamente, criou uma delegacia virtual para que mulheres, no interior de São Paulo, onde não há uma delegacia especializada no atendimento, ao chegarem a esta delegacia, sejam conectadas, através de uma videoconferência, com a delegacia especializada em São Paulo, a delegacia on-line. Esta delegacia faz um atendimento mais especializado a estas mulheres, volta para elas um olhar mais atento às violências que elas estão sofrendo e minimiza o que já foi mencionado: os riscos de revitimizar estas mulheres ou de fazer algum julgamento a respeito da violência que elas sofreram. Nós sabemos que, muitas vezes, acaba acontecendo que a própria mulher é responsabilizada pela violência sofrida.
Finalizo, pedindo desculpa por ter extrapolado o tempo.
Eu me coloco à disposição para discutirmos.
Muito obrigada.
11:25
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Juliana. Nós precisamos de mais informações, sempre.
Eu gostaria de passar para a Leila, Diretora da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, uma informação que recebi lá de Alagoas sobre uma lei estadual. A Leila disse que Alagoas tem uma vara judicial, mas eu tive uma informação de que agora tem 12.
Eu gostaria de ouvir a Juliana, a Leila e a Dra. Domitila, que já se encontra aqui.
Seja muito bem-vinda, juíza querida e atuante!
Trata-se da Lei nº 8.580, de 2022, que entrou em vigor agora em março, que amplia a competência dos juizados especiais de sete comarcas, direcionando-lhes todos os processos de violência doméstica. Essas sete comarcas perfazem um total de dez varas.
Eu faço uma pergunta às senhoras especialistas: vai ser considerado que Alagoas, agora, de uma, passou a ter 11 varas especializadas da mulher? Eles ampliaram varas já existentes.
É importante se debruçar sobre essa Lei nº 8.580, de 19 e janeiro de 2022. Ela altera a competência material e a denominação dos juizados especiais cíveis e criminais das comarcas de Delmiro Gouveia, Palmeira dos Índios, Penedo, Rio Largo, Santana do Ipanema, São Miguel dos Campos e União dos Palmares; e, aí, acrescentam-se Porto Calvo, Coruripe e Marechal Deodoro.
Essa é a nossa realidade. Eu não sou da área jurídica, mas eu gostaria de entender: hoje Alagoas tem quantas varas especializadas na questão da mulher? Essa é uma indagação que eu faço.
Daqui a pouquinho, Leila, você vai responder. A Dra. Domitila também, daqui a pouco, vai fazer uso da palavra.
Agora eu quero passar para minha queridíssima Deputada Vivi Reis, que, lá de longe, está lutando pela sua reeleição. Gostaria que a Deputada Vivi, como coautora, junto comigo, do requerimento para esta audiência, fizesse uso da palavra, por 3 minutos.
A SRA. VIVI REIS (PSOL - PA) - Olá a todos e a todas.
Primeiro, quero saudá-la, querida Deputada Federal Tereza Nelma. Desejo-lhe toda sorte do mundo! Espero que, na próxima Legislatura, V.Exa. continue forte na Câmara dos Deputados, sendo nossa referência na política para as mulheres. Muito obrigada, Deputada Tereza Nelma, por toda sua luta.
Estou aqui em Belém do Pará, nesta correria de campanha, mas faço questão de, neste momento, acompanhar as atividades desta audiência pública tão importante, neste mês de agosto, que faz alusão também à Lei Maria da Penha. São 16 anos de história, fazendo diferença para as mulheres.
11:29
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Estou aqui na Amazônia defendendo o quanto se trata de uma lei que atua também sobre um processo educativo importante. Temos que entender que, quando falamos de amparo às mulheres, de políticas públicas para as mulheres e combate à violência doméstica, não dá para falarmos apenas sobre métodos punitivos. Precisamos falar também sobre a segurança, a rede de apoio, a condição dessa mulher de poder, de fato, romper esse ciclo de violência. Às vezes, pode parecer que denunciar é suficiente, mas não é. É preciso garantir uma política para que as mulheres possam ter empregabilidade, segurança sobre a sua própria vida, garantia de educação para os seus filhos, e tudo isso já vem sendo previsto na lei.
Agora, nós estamos avançando num debate muito importante, a respeito de leis que possam também respaldar mulheres que sofreram agressão, como o caso sobre o qual nós conversamos há pouco, da Gabriela, que sofreu agressão no próprio espaço de trabalho, de um colega de trabalho. Nós, no âmbito da Câmara dos Deputados, estamos construindo legislações e pautando matérias sobre a necessidade de termos outras políticas referentes ao amparo à mulher vítima de violência também em outros ambientes, além do ambiente doméstico.
Além disso, nós, mulheres, Deputadas, temos que estar nessa linha de frente da defesa da vida. Pelas nossas vidas, precisamos seguir construindo espaços de escuta, de entendimento sobre as realidades das mulheres. Aqui na Amazônia, nós temos um debate muito forte a respeito do cuidado e da vida das mulheres, em todas as faixas etárias, em especial sobre as meninas que são vítimas de violência sexual nas beiras de rios, em espaços onde existe uma necessidade econômica tão forte, que as meninas acabam virando moeda de troca. É um verdadeiro absurdo essa mercantilização de corpo da criança!. Eu queria trazer um pouco dessa realidade para cá, falar sobre isso, sobre a necessidade de combater essa política de exploração sexual e de abuso de crianças e adolescentes na Amazônia.
Nós teríamos muita coisa para falar, mas acredito que, neste momento, é preciso encontrar forças, é necessário seguir fortalecendo as políticas públicas e, para isso, sabemos bem que quem está na linha de frente dessa defesa são as mulheres, e as mulheres conscientes do que é prioridade de fato, porque não adianta ser mulher, tem que estar na linha de frente, tem que construir política, tem que estar nos territórios, tem que estar atuando, de fato, em defesa das mulheres. Então, eu, mulher feminista, defensora dos direitos humanos, sigo nessa luta aqui no Pará, buscando que essa luta seja prioridade para o nosso País como um todo.
Sigamos juntas!
Um beijo, querida Deputada Tereza Nelma, um beijo a todas, às nossas queridas e aos nossos queridos assessores, consultores, equipe da Secretaria da Mulher e da Comissão da Mulher, que estão aí, incansáveis, não deixando que nem este momento de eleição possa apagar a importância de termos espaços como esse.
Muito obrigada a todas as nossas convidadas. Com certeza teremos muitas propostas importantíssimas para construirmos políticas para o futuro das mulheres e pelas nossas filhas.
Obrigada.
11:33
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, minha querida companheira da Câmara, Vivi Reis, que faz uma grande diferença na Câmara trazendo Belém do Pará, um Estado também muito sofrido com a violência, e que está sempre atuante e lutando agora pela reeleição. Vamos juntas! Espero em Deus que retornemos a esta Casa. Muito obrigada, Vivi.
Eu quero, Dra. Domitila, antes de passar a palavra para a senhora, fazer um esclarecimento sobre o caso de Arapiraca.
Leila, responderam-me que já existe o Juizado Especial Criminal da Violência Doméstica em Arapiraca, que é a segunda maior cidade de Alagoas, e o 4º Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Capital, de Maceió. Foi aprovada a Lei nº 8.580, em janeiro, e em março foram lançadas mais dez varas voltadas para a questão da mulher. Dez varas judiciais do interior receberão competência para a violência contra a mulher. Já recebem, já é um fato, em mais dez Municípios. Então Arapiraca passa a ter 12 varas especializadas da mulher? É uma pergunta que eu estou fazendo às senhoras que são da área jurídica.
Eu quero dizer para todos que eu sou uma pessoa muito feliz de poder estar realizando essa audiência pública sobre a Lei Maria da Penha em pleno Agosto Lilás e receber no nosso Plenário 14 um grupo de jovens, de estudantes do Rio de Janeiro, do Centro Educacional Espaço Integrado — CEI da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. (Palmas.)
Muito obrigada por vocês estarem aqui. Vocês são a grande esperança que nós temos para mudar essa nossa realidade de tantas injustiças!
Professor e coordenador André Cirilo, sejam bem-vindos! Gostaria de aproveitar, professor, e informar para todas e todos vocês que anualmente a Câmara dos Deputados lança o concurso Maria da Penha para os jovens do ensino médio. Este ano nós fizemos vídeos de 1 minuto para que os jovens do nosso País leiam, vejam, conheçam a Lei Maria da Penha e no dia a dia façam um vídeo.
A cada ano, a Avon, cuja representante está aqui do meu lado, é uma parceira. Este ano a Avon e o Facebook foram nossos parceiros. São distribuídos prêmios, convites, faz-se uma solenidade na Câmara com os cinco melhores trabalhos apresentados. Então é uma grande oportunidade. No ano de 2021, já fizemos. Ainda não lançamos o de 2022 porque esse período eleitoral é um pouco atípico. Mas logo após as eleições nós vamos ver uma data. Nós precisamos, cada vez mais, que a escola discuta a Lei Maria da Penha, que a escola cada vez mais mostre que homens e mulheres podem — e devem — conviver, sendo iguais, tendo os mesmos direitos.
11:37
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Então eu agradeço muito por vocês estarem aqui. Que outros colégios particulares, privados e públicos tenham também essa iniciativa! Vocês são o presente e a esperança de novos líderes de que o nosso País precisa tanto.
Quero agora passar a palavra para a nossa querida Juíza Domitila Mansur, que também está trabalhando, mas arrumou um tempinho para participar desta nossa audiência.
Seja bem-vinda, Dra. Domitila!
A SRA. DOMITILA MANSUR - Muito obrigada, Deputada Tereza Nelma. É sempre um prazer estar não só na Câmara dos Deputados, mas em presença da senhora, uma representante belíssima e competentíssima no Parlamento. Cumprimento todos e todas na sua pessoa. Cumprimento também a Deputada Federal Erika Kokay, a Deputada Federal Vivi Reis e também as demais participantes desta Mesa virtual, as colegas juristas e especialistas na área, Leila Brant, Juliana Martins, Debora Albu e Beatriz Accioly.
São 16 anos da Lei Maria da Penha, e eu agradeço o convite para falar um pouco sobre os nossos desafios. A Lei Maria da Penha ingressou no panorama legislativo para permanecer de forma provisória, e nós estamos há 16 anos recebendo constantes alterações. Essa lei tem servido como fundamento para a elaboração de outros textos legislativos, por uma razão óbvia.
E é bom que nós tenhamos aqui estudantes presentes. Eu aproveito para cumprimentar os professores, na pessoa do professor presente, que fazem uma grande diferença na educação dos jovens, na educação da nossa geração próxima que vai, sim, enfrentar a violência contra as mulheres, as meninas também e as populações mais vulneráveis com outro olhar.
Voltando, a violência contra a mulher não diminuiu nesses 16 anos, aumentou. Nós não atingimos o objetivo da Lei Maria da Penha, que é o de erradicar a violência contra a mulher.
Gostaria de citar algumas alterações legislativas de conhecimento nosso para nós vermos que a Lei Maria da Penha, ainda não tendo permanecido de forma provisória no nosso ordenamento legislativo, ensejou, fundamentou outras legislações: delito de feminicídio, Lei nº 13.104, de 2015; violência psicológica, art. 147-B do Código Penal; stalking, 147-A do Código Penal; lesão corporal qualificada. Então a Lei Maria da Penha, que deveria ter permanecido na nossa legislação, e teve até, de início, a constitucionalidade questionada, serve hoje como fundamento para uma legislação protetiva dos direitos humanos das mulheres mais robusta.
E refletindo sobre os nossos desafios, Deputada Tereza, eu entendo, no sistema de justiça — aproveito para agradecer por esse espaço de fala —, que é importantíssimo nós entendermos a Lei Maria da Penha como parte de um sistema global protetivo de pessoa vulnerável, que é a mulher vítima de violência em razão do gênero.
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Nós mulheres não somos vulneráveis, mas estamos vulneráveis quando somos vítimas de violência em razão do gênero. E essa violência de gênero é presumida, como reafirmou a brilhante Ministra Nancy Andrighi, recentemente, no dia 18 de maio de 2022. Essa vulnerabilidade decorrente da violência de gênero é presumida. E por que destacar isso é importante — agora que falamos sobre os desafios? Para afastar qualquer tese que venha a restringir a aplicação da Lei Maria da Penha. E aqui eu falo sobre a aplicação da Lei Maria da Penha às mulheres trans, lembrando que o Brasil, além de ter a vergonhosa posição de quinto país do mundo que mais mata mulheres, é o primeiro país do mundo que mais mata a população trans.
A vulnerabilidade que caracteriza a mulher vítima de violência de gênero justifica um tratamento diferenciado pelo Estado e deve impactar a compreensão das normas que orientam não só o procedimento na primeira fase da persecução penal — e aqui falo sobre o processo criminal, que é o mais recorrente na nossa fala —, mas também no processo de conhecimento e de execução. As hipóteses previstas na Lei Maria da Penha por si só ensejam o reconhecimento da hipossuficiência, da vulnerabilidade da mulher. É uma diretriz política, é uma diretriz que foi escolhida pelo Parlamento quando da edição da Lei Maria da Penha, sancionada pelo Presidente da República. Se há violência em razão do gênero, deve ser reconhecida a vulnerabilidade da mulher.
E por que é importante que a Lei Maria da Penha seja reconhecida como integrante de um sistema global protetivo dos direitos humanos? Para que não se questione a possibilidade da decretação de prisão preventiva de ofício, de concessão de medidas protetivas de urgência de ofício e outras cautelares. Eu falo isso diante de questionamento atual que tem surgido em razão de o Código de Processo Penal colocar como medida excepcional a prisão preventiva. E eu concordo com esse posicionamento, mas a Lei Maria da Penha traz uma exceção no seu art. 20, permitindo ao magistrado e à magistrada a decretação da prisão preventiva de ofício, se não forem suficientes as medidas protetivas de urgência para a contenção da escalada de violência.
E aqui eu repito: as medidas protetivas de urgência são o coração da Lei Maria da Penha. A Deputada Tereza Nelma e a Deputada Erika Kokay já me ouviram falar sobre isso. Nós temos que insistir na fiscalização — esse é um desafio também — das medidas protetivas de urgência, porque elas impedem a escalada da violência e o pior resultado, o feminicídio. Aproveito para parabenizar o trabalho do Parlamento, que editou a Lei nº 14.149, de 2021, tornando necessário, imprescindível o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, que deve ser apresentado à vítima de violência, preferencialmente pela Polícia Civil, pelo Ministério Público ou pelo Poder Judiciário. O preenchimento do Formulário Nacional de Avaliação de Risco permite ao magistrado e à magistrada o conhecimento da situação da vítima.
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Eu gostaria de me colocar próxima da população, alinhar-me aos Poderes, alinhar-me à iniciativa privada, alinhar-me ao terceiro setor, porque só assim nós iremos erradicar a violência contra a mulher.
Também há uma importância muito grande na resposta ao Formulário Nacional de Avaliação de Risco. Esse é o momento em que a mulher pode dizer, informalmente, se ela tem conhecimento de que o agressor possui ou mantém, na residência ou em qualquer outro lugar, uma arma de fogo, permitindo a imediata ordem de busca e apreensão pelo magistrado ou pela magistrada, de acordo com o art. 18, inciso IV, da Lei Maria da Penha — uma nova alteração legal que vem em benefício da mulher. Evidentemente, a posse de arma de fogo pelo agressor aumenta em demasia o risco da mulher vítima de violência. Claro, aumenta o risco de qualquer pessoa em situação de vulnerabilidade, mas, no caso da mulher, a manutenção da arma de fogo aumenta, e muito, o seu risco.
Eu gostaria de citar também, Deputadas, a importância da Delegacia Eletrônica. Vamos trabalhar nas Delegacias Eletrônicas, que permitem a confecção do boletim on-line, a possibilidade da concessão das medidas protetivas on-line.
Cumprimento o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que faz um trabalho brilhante com relação a essa apreciação e concessão das medidas protetivas de urgência.
A Deputada Vivi Reis falou da necessidade de nós nos aproximarmos das mulheres que estão territorialmente afastadas do sistema de justiça. Essa é uma obrigação nossa.
Agora eu me dirijo aos estudantes. Fiquei muito feliz com a palavra da Deputada Tereza Nelma. Eu sou juíza há 24 anos. Eu me sinto uma pessoa privilegiada, porque eu estou em uma posição que, tenho certeza, muitas mulheres e muitas meninas almejam. Eu estudei muito, eu me sinto uma pessoa vitoriosa, eu realizei um grande sonho, mas eu tenho a responsabilidade diária de retribuir ao Brasil, de retribuir à Pátria toda essa satisfação e todo esse orgulho que tenho de ser magistrada.
Entre essas minhas obrigações está a necessidade de me aproximar dessas mulheres que estão invisíveis e que estão distantes do sistema de justiça. Eu cito as mulheres indígenas, as mulheres campesinas, as mulheres migrantes, as mulheres que estão no sistema carcerário, as mulheres que por situações sociais, culturais e econômicas estão afastadas do sistema de justiça.
Deputada Tereza Nelma, Deputada Vivi Reis, Deputada Erika Kokay, espero vê-las conversando sobre a execução penal, sobre a fiscalização das saídas temporárias — se é que eles devem sair — dos agressores, dos condenados por prática de violência contra a mulher em razão do gênero. Por quê? Porque eles tendem a procurar as vítimas. Daí a necessidade de comunicação às vítimas das saídas. Eu cito que uma grande vitória é a possibilidade de comunicar as vítimas por WhatsApp.
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Eu falo também da necessidade de falarmos sobre a reparação integral da vítima de violência em razão do gênero. Não falo em indenização, mas em reparação integral, que está de acordo com os documentos e tratados internacionais assinados pelo Brasil.
A previsão de reparação, com a condenação já na sentença condenatória, está no art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, mas há de haver um pedido expresso do Ministério Público ou da vítima no momento da denúncia. Eu também acredito no empenho do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário no sentido de que as vítimas alcancem essa reparação integral, o que é muito importante.
Saliento que está em processo legislativo o Estatuto da Vítima — e eu cumprimento a colega Celeste, do Ministério Público, pelo excelente trabalho e os demais Parlamentares envolvidos —, que traz a necessidade e a previsão da reparação integral às vítimas de crimes praticados em razão do gênero. Isso diz respeito à devida diligência do Estado. O Estado está obrigado a atuar para que as vítimas sejam ressarcidas em caso de comprovação do dano.
Resumindo, deve haver essa aproximação do Poder Legislativo, do Poder Executivo, do Poder Judiciário, da sociedade civil, do terceiro setor, da comunidade internacional e de todos que entendem a erradicação da violência.
Por fim, mas não menos importante — aliás, acho que este é o maior desafio —, deve-se incorporar a perspectiva de gênero no procedimento, no processo e no julgamento, atuar com perspectiva de gênero, aplicar o que dispõe art. 4º da Lei Maria da Penha, no sentido de que deverão ser considerados os fins sociais a que a lei se destina e as condições das mulheres. Quais são as condições atuais das nossas mulheres? Quais são as situações peculiares das mulheres? Quais são os valores? Quais são os fatos que ensejaram uma perspectiva diferente no dia a dia das nossas mulheres? Já citei as mulheres indígenas, as mulheres campesinas, as mulheres migrantes.
E, claro, não posso deixar de falar da violência política, porque estamos diante de um processo eleitoral que vai demandar muito a nossa atenção.
São essas as minhas palavras. Corri um pouco porque eu tinha e tenho muito a falar, sempre muito feliz e agradecida por compartilhar todos esses ensinamentos que me são apresentados e também um pouco da minha experiência.
Eu gostaria muito de agradecer também a todos que me ouviram e de me colocar sempre à disposição.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Dra. Domitila. A senhora nos dá um reforço muito grande para que continuemos, para que nos unamos e para que nos fortaleçamos cada vez mais.
Leila e Juliana, eu quero pedir a vocês que fiquem mais um pouquinho, porque eu quero uma orientação, para saber como nós vamos considerar essa situação lá em Alagoas.
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Os jovens que estão aqui, acredito que pela primeira vez assistem a uma audiência pública. É aqui que discutimos, formulamos leis, buscamos justiça, buscamos fazer com que o nosso País seja mais justo com todos os brasileiros e brasileiras. E esta audiência é sobre a Lei Maria da Penha, é sobre a violência contra a mulher. Aqui é a Casa das Leis, é a Casa que pode e deve, sempre, estar na defesa dos direitos humanos do nosso povo.
Agora já terminaram as falas das nossas convidadas. Como eu disse no início, peço licença a todos e a todas, pois quero falar de um acontecido na sexta-feira, em Alagoas, de onde estou Deputada Federal.
Imaginem vocês, sou a única Deputada Federal de um Estado que tem 12 Parlamentares, 3 no Senado e 8 na Câmara dos Deputados — e apenas uma Deputada.
Na sexta-feira, a Vereadora Teca Nelma e eu estávamos num ato público, uma inauguração de um comitê de um candidato majoritário ao Governo do Estado. E, sem motivo nenhum, o Deputado Estadual Antonio Albuquerque, conhecido por AA — ele diz que é sigla de "Ama Alagoas", mas isso não é bem verdade —, dirigiu-se à Vereadora Teca Nelma e teceu comentários inverídicos. Ele mentiu. Ele encenou um discurso de ódio e tentou colocar as pessoas ali presentes contra a Vereadora Teca Nelma e contra mim, que, claro, naquele momento estava ali como Deputada Federal.
Chegou a dizer que a Vereadora não respeitava a família e que não gostava de Deus. E aqui eu quero ler para todas e todos, em âmbito nacional, os comentários que, na ocasião, o Deputado teceu, dirigindo-se à Vereadora. Disse ele:
Quem não respeita a família, Vereadora Teca, quem não defende os costumes cristãos, quem não tem responsabilidade com esses princípios morais não pode sequer ter a ousadia de querer se tornar representante do povo. A família está acima de tudo, e eu lamento, Vereadora, que você ache que alguém que não representa a família, que não respeita a família, que não respeita a Deus e os seus costumes, possa... E eu não sabia, Vereadora, que a senhora não gostava de Deus e não respeitava a família.
A Vereadora não tinha falado nada. Não fez nenhum discurso dessa natureza, muito menos se dirigiu ao Deputado.
Nós ficamos numa situação muito constrangedora e vexatória, porque ele começou a gritar. E apareceu do lado dele outro candidato a Deputado, pedindo para o povo gritar e dizendo: "Quem é a favor da família e de Deus bata palmas!"
A maioria dos que estavam nesse local eram homens. Era um local apertado. Eu estava lá como Deputada, mulher e mãe.
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A Vereadora Teca Nelma se elegeu Vereadora aos 21 anos. Hoje ela tem 23 anos e defende, assim como eu, os direitos humanos. Nós defendemos a vida, não importa de quem seja, não importa a cor, a orientação sexual, a forma que cada um escolha viver. Nós defendemos a vida. Nós somos pelo bem. Nós defendemos as pessoas.
Eu fui candidata a Vereadora por Alagoas, na Capital, eleita quatro vezes. Agora fui eleita Deputada Federal e nunca me envolvi em nenhuma situação dessa natureza. Esse é meu histórico.
E este Deputado eu conhecia en passant: "Tudo bem, como vai?" Não havia nenhuma relação maior, nunca tinha estado, em nenhum momento das nossas vidas, em ambiente político, público com ele. Foi muito difícil para nós. Ele, após 48 horas praticamente, publicizou alguns trechos, porque a equipe dele estava lá para filmar. Nós não filmamos. Ele está propagando, nas redes sociais, trechos em que condena a Vereadora Teca Nelma. Isso é um discurso de ódio. Isso é uma atitude machista, pensada para que as mulheres se intimidem, para que as mulheres não tenham a ousadia, como eles dizem, de serem candidatas e de participarem do espaço político.
Eu tenho passado esses dias, Deputada Erika Kokay, pensando em como nós iremos nos comportar. Olha, nós viajamos de manhã, de tarde, de noite, de madrugada, nós não andamos com seguranças, nós não andamos com ninguém. A maioria são mulheres pelas brenhas, pelos interiores, sempre pela paz — sempre. Nunca ninguém ouviu falar que a Deputada Tereza Nelma tenha agredido ou tenha praticado qualquer violência. E nós sofremos essa violência.
O mais contraditório, talvez, é que hoje estou Deputada e sou Procuradora eleita por uma bancada feminina legítima aqui da Câmara em âmbito nacional. Fico pensando muito que aqui não é mi-mi-mi de mulher, não. Eu não estou me fazendo de vítima, nem eu, nem a Vereadora. Eu estou dizendo que isso não pode continuar. Nós somos livres, e não é com esse discurso que nós vamos parar. Nós vamos continuar. Nós queremos, sim, mais mulheres na política. Não é um discurso desses, machista, de ódio que vai nos parar. É assim que esses políticos querem se perpetuar na política. Como ele falou: "Tenho 28 anos de mandato". Para nós política não é profissão. Eu sou professora e psicóloga. Política, para nós, não tem que levar lucro. Política é a ciência de transformar a sociedade, e é isso o que eu tenho feito.
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Tenho levado o melhor para o meu Estado: um hospital para o combate ao câncer, a construção de um centro de reabilitação, a luta por mais justiça em todos os ambientes.
Eu quero, sim, neste momento, com este meu pronunciamento, dizer que muito nos preocupam as manifestações machistas, agressivas e violentas que continuam acontecendo contra mulheres que ocupam cargos públicos e eletivos, mas nós não vamos parar. Estou voltando para o meu Estado e vou continuar. Eu quero, sim, lutar pela minha reeleição. Eu quero voltar para construir o bem. Eu quero voltar para fazer políticas públicas do bem para o nosso País e para o nosso Estado de Alagoas. Ele é o menor, e dizem que é o mais pobre, mas nele há pessoas de bem. É um Estado muito rico não só em belezas naturais, mas nas pessoas que o compõem também.
Então, eu trouxe esse fato aqui porque ele está se vangloriando, mentindo para uma população que muitas vezes não teve a informação e não assistiu ao vídeo como um todo, quando ele indaga para a Vereadora, e a Vereadora, calada. Isso é uma ação premeditada, quando você chega a um ambiente em que ninguém tinha mais espaço para entrar, Erika. Só havia o povo dele, e a maioria era homem, mais de 90%, homens de vários interiores, e nós estávamos em Arapiraca.
Eu e a Vereadora Teca Nelma estamos recebendo várias mensagens de apoio e de solidariedade em nível nacional e em nível local. Eu quero agradecer a todas as pessoas que têm a sensibilidade e o compromisso pela vida. Nós vamos continuar nessa luta. Nós queremos, sim, participar. Nós queremos ocupar o espaço político, sim. Nós vamos continuar e não vamos nos intimidar. Não fazemos parte de nenhum grupo. Não somos financiadas. Nós trabalhamos pelo bem. Fazemos uma campanha do bem.
Então, eu quero deixar isso aqui registrado para que se diminua toda essa violência não só física, mas psicológica, institucional e política que acontece. Nós somos livres e vamos continuar livres.
Quero agora passar a palavra para a Deputada Federal Erika Kokay.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Deputada Tereza Nelma, eu começo prestando a minha solidariedade contra a agressão, que não pode ficar impune, que V.Exa. sofreu e também a Vereadora Teca Nelma, que vêm sofrendo muitas expressões de violência política de gênero.
A violência política de gênero vai se expressando na medida em que nós temos uma sub-representação no Parlamento com relação às mulheres. Nós só temos por volta de 15% de mulheres aqui na Câmara, que é um percentual de participação parlamentar parecido com o de países onde as mulheres usam burca.
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E nós temos também a violência política, expressa quando se tenta calar os mandatos das mulheres. Quando as mulheres superam todo o nível de sexismo, de machismo dessa construção de gênero que reserva às mulheres apenas os espaços domésticos, e não os espaços públicos, os espaços de poder, quando as mulheres superam tudo isso e adquirem um mandato eleito pelo povo, pela vontade da população, sofrem a violência política na tentativa de adestrá-las, calá-las e acorrentá-las e de impedir a liberdade do seu mandato.
Portanto, essa violência política de gênero que V.Exa. e a Vereadora Teca Nelma sofreram no Estado de Alagoas, na cidade de Arapiraca, precisa ter uma posição da Procuradoria da Mulher. V.Exa. é nossa Procuradora, tem feito um trabalho absolutamente irretocável em defesa dos direitos das mulheres, em defesa inclusive de uma sociedade onde não haja dor em sermos mulheres. Lembro todas as ações, os observatórios que estão sendo criados na Secretaria da Mulher a partir da iniciativa da Procuradoria da Mulher aqui da Câmara Federal.
E lembro uma reunião que fizemos com o Instituto Marielle Franco, em que trouxeram uma série de denúncias de violência política de gênero e em que uma Vereadora negra – acho que a primeira Vereadora negra eleita na sua cidade – dizia: "Às vezes, eu tenho vontade de dizer, se é o meu mandato que vocês querem, tomem, para que eu possa ter direito de viver".
Então, vimos aqui expressões de abuso, de violência de forma tão desnuda, sem nenhuma modéstia, sem nenhum tipo de enredo, sem nenhuma tentativa de esconder a violência pulsante que sempre atingiu as mulheres neste País, onde não se fez o luto do colonialismo, onde os donos da terra também se sentem donos das mulheres.
V.Exa. provocou esta reunião e tantas discussões aqui, para que pudéssemos avançar na legislação e caracterizar a violência institucional de gênero e a violência política de gênero, que não eram percebidas enquanto tal. E a partir daí, ao não se perceber a violência enquanto tal, ela foi se naturalizando e se entranhando nos tecidos sociais, nos tecidos institucionais inclusive, como se fosse normal, e não é. A violência precisa ser identificada e enfrentada.
Por isso, a Secretaria da Mulher tem que ter um posicionamento de solidariedade à violência que a Vereadora e V.Exa. sofreram no Estado de Alagoas. E, ao mesmo tempo, em função do direcionamento da violência, com todo o seu furor, para o seu mandado e para a sua participação, eu tenho a convicção de que devemos — eu vou fazer esta sugestão também à nossa Secretaria ou à Procuradoria, através das procuradoras adjuntas — encaminhar uma manifestação à Presidência da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, para que esse Deputado possa responder por quebra de decoro.
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Não se pode permitir, primeiro, que se utilize a mentira como instrumento de estímulo ao ódio, que se utilize a mentira e o ódio como metodologias de atuação política. Não é possível que se possa permitir isso. Aliás, quando se nega a realidade e se impõe a mentira como se verdade fosse, fere-se a própria democracia, porque se fere o direito à informação, o debate livre de ideias.
V.Exa., que tem posturas nesta Casa de defesa da democracia e dos direitos das mulheres irretocáveis, como disse, não pode ser acusada nem a Vereadora de algo que não defendem. A discussão tem que se dar no debate de ideias. Que venham eles e digam que são sexistas, que estão se utilizando de uma violência política na perspectiva de impedir a participação livre das mulheres no Parlamento e aí nós fazemos a discussão clara. Não venham com subterfúgios e mentiras, para tentar justificar o que não pode ser justificado, que é o ódio e a violência política de gênero.
Por isso, cabe à Secretaria da Mulher enviar uma correspondência para o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, para que esse Deputado possa responder pelos seus atos.
Eu sugiro uma moção de solidariedade, uma moção de repúdio às atitudes das instâncias de defesa dos direitos das mulheres da própria Câmara Federal e uma correspondência ao Presidente ou à Presidenta da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás...
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - De Alagoas.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - De Alagoas. Mas, em Goiás, também há muita violência, não é? Aliás, nas discussões que a Deputada Tereza Nelma organizou, nós vimos tantas violências políticas de gênero no Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Pernambuco, Goiás.
Eu espero que o Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas possa tomar as providências necessárias, para que esse Deputado possa responder pelos seus atos. Não podemos, tendo conhecimento desse nível de violência — e, aqui, V.Exa. chegou a reproduzir a fala na sua literalidade, portanto não há dúvidas da violência que foi sofrida —, não termos ações na perspectiva de combate a esse tipo de comportamento.
Por fim, quando nós começamos a discutir e a identificar as diversas violências escondidas pela sua naturalização e pela subalternização naturalizada das mulheres no processo aberto pela Lei Maria da Penha, que tipificou violências que não deixam marca na pele, como a violência patrimonial, violência sexual, violência moral, violência psíquica. Penso eu que todas as violências de gênero carregam uma violência psíquica. Qualquer forma de violência de gênero, seja a política, a institucional, a obstétrica, carrega uma violência psíquica. Todas as formas de violência construídas também carregam um recrudescimento da violência de gênero.
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Vejam que na ditadura havia todas as formas de violência — a ditadura já é uma violência por si só —, inclusive a violência política de gênero, a violência de gênero.
Portanto, as violências que não deixam marca na pele, tipificadas na Lei Maria da Penha, que trata de violência doméstica, abriram caminho para que nós pudéssemos detectar outras violências que foram se entranhando e se naturalizando em uma sociedade que tem um pacto letal do sexismo, do patriarcalismo e do racismo, nas suas estruturas de funcionamento e nas suas estruturas sociais.
Portanto, a importância da Lei Maria da Penha é, primeiro, a de tipificar outras formas de violência, abrir caminhos para que tipifiquemos outras violências de gênero até então não tão recortadas. Elas são sentidas sem nenhuma dúvida, mas não são expressas na nossa própria legislação. Penso que a própria lei do feminicídio é consequência dos caminhos abertos pela Lei Maria da Penha. A lei do feminicídio dizia que, sim, há mulheres que morrem, porque são mulheres, pessoas do gênero feminino, ainda que a palavra "gênero" tenha sido retirada da própria legislação. Há violências que são construídas. Há violências e atentados contra a vida e a favor da morte de mulheres, simplesmente porque são mulheres — simplesmente porque são mulheres.
A própria Lei Maria da Penha veio na perspectiva de impedir o feminicídio simbólico, porque as mulheres que sofrem violência doméstica vivem um feminicídio simbólico: o impedimento de serem donas do seu corpo, donas da sua fala, donas do seu pensamento, do seu sentimento. Ou seja, é arrancada de nós mulheres a condição de sermos protagonistas das nossas próprias vidas. Isso atenta contra a existência. Isso é uma forma de morte simbólica, eu diria, porque elimina a condição de sermos plenamente humanos, que pressupõe a condição de sermos protagonistas da nossa vida. É uma prerrogativa e peculiaridade humana a possibilidade de termos consciência da vida e de transformá-la, quando ela é doída.
Vejam, nós temos milhões de mulheres no Brasil que têm medo de voltar para casa, porque, ao chegarem a casa, serão arrancadas delas mesmas. Ali se constroem os terrenos para que haja o feminicídio literal, a partir do feminicídio simbólico. Grande parte das vítimas de feminicídio no nosso País carregam uma história de violência doméstica intensa — intensa.
Portanto, a Lei Maria da Penha abre espaço para que avancemos na construção da lei do feminicídio, de legislações para enfrentar outros tipos de violência de gênero que de tão naturalizadas não eram percebidas, e, ao mesmo tempo, provoca uma discussão na sociedade sobre isso, porque é uma das leis mais conhecidas no Brasil. Então, ela provoca uma reflexão. Agora, já diz Drummond que as leis só não bastam, porque os livros não nascem delas. Eu diria que, com a lei por si só, você não acaba com a violência doméstica; você adquire instrumentos para enfrentá-la. Ela é uma violência que tem uma crueldade imensa, porque o objeto do desejo e do amor da vítima é o autor da violência contra ela. Então, isso provoca uma confusão entre amor e ódio ou uma tentativa de suportar o sofrimento para preservar as relações amorosas. Aí há uma associação do amor e do afeto ao sofrimento, o que não poderia existir.
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Nesse sentido, a Lei Maria da Penha é fundamental, mas é óbvio — a Deputada Tereza Nelma já argumentava sobre isso — que é preciso que ela se transforme em realidade. Essa lei tem uma inteireza, que pontua as relações sociais que foram construídas sob a égide do patriarcalismo e do sexismo, porque ela fala de promoção de um país sem violência, fala de proteção às vítimas de violência, fala de responsabilização dos agressores — ela não considera essa violência como de menor potencial ofensivo —, fala de políticas públicas. Ela tem uma inteireza, porque fala de prevenção, de promoção. Quando você fala de políticas públicas, você fala também de prevenção. Quando você fala de políticas públicas para as mulheres vítimas de violência, você dialoga com a necessidade de prevenção da violência doméstica, que não fica no universo doméstico. Ela caminha. Ela vai se espraiando-se pelo conjunto da sociedade.
E essa inteireza imensa, a prevenção, as políticas públicas, as medidas de proteção, tudo, se dá pelo reconhecimento de que há uma lógica sexista no nosso País. O fato de as mulheres terem direito de serem acompanhadas pela defensoria... Se você reconhece que nós mulheres temos uma relação de vulnerabilidade construída — construída, porque nós mulheres não somos vulneráveis; tem razão a nossa juíza — e imposta pelo próprio sexismo, você reconhece que há uma estrutura sexista e patriarcalista no nosso País, que precisa ser enfrentada.
Vejam, essa lei de defesa dos direitos das mulheres vítimas de violência, de combate a essa violência, remonta ao reconhecimento de que há uma sociedade desigual, em que não se asseguram às mulheres direitos iguais aos dos homens, em que não há equidade de gênero. Portanto, é uma lei que precisa ser acarinhada e efetivada — efetivada em instrumentos, em delegacias de proteção das mulheres, para que você tenha respostas do próprio Estado. Inclusive, quando você combate a violência doméstica, como eu disse, a partir da Lei Maria da Penha, você também previne o feminicídio, porque você interrompe a trajetória de violência doméstica, que é sempre crescente, porque você vai arrancando a pessoa dela mesma, a mulher dela mesma. Então, você vai tomando posse da vida da mulher e ela vai ficando cada dia mais associada a uma coisa e a uma propriedade. Por fim, quero dizer que eu escutava a fala da Juíza Domitila Manssur, e existem elementos que são absolutamente fundamentais. A delegacia eletrônica eu acho que é algo em que nós devemos trabalhar com essa perspectiva de fazer uns recortes diferenciados para poder eliminar a desigualdade de mulheres no acesso à Justiça. E aqui dizia-se dos recortes das mulheres privadas de liberdade, das mulheres indígenas e das mulheres quilombolas, ou seja, de mulheres que estão em locais onde o acesso à Justiça é mais difícil de ser efetivado do que em outros locais. Fazer esse recorte eu acho que é absolutamente fundamental. Na questão do porte de armas, Deputada Tereza Nelma, se há violência doméstica, o agressor, ainda que esteja sob um processo de verificação, se há denúncia de violência doméstica, preventivamente, tem que ser retirado o porte de arma daquela pessoa, do agressor. Eu tenho um projeto aqui que estabelece ações preventivas para o profissional, particularmente de segurança, que seja autor de violência doméstica. Ele não pode prestar determinados atendimentos se ele é autor da própria violência doméstica, ele não pode atender ou representar o Estado no atendimento às mulheres vítimas de violência.
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Então, eu penso que esta audiência, ao constatar e ao trabalhar com os desafios que estão postos — que são imensos — e que dizem respeito a como o Estado, na sua globalidade, faz valer e transforma em realidade a Lei Maria da Penha, ela também nos remonta ao que representou e ao que representa a Lei Maria da Penha na nossa realidade do ponto de vista de criar condições para o avanço legislativo em outras proposições, porque o processo é dialético e contínuo.
Todas as vezes que nós avançamos para caracterizar uma violência que não era caracterizada como tal, como a violência política, como a violência institucional, como a própria violência obstétrica e tantas outras formas de violência, nós estamos criando mecanismos para que tenhamos a exata noção de que há muitas violências que foram invisibilizadas pela lógica sexista e patriarcalista no nosso País, que precisam ser enfrentadas em todas as políticas públicas. Em todas elas, é preciso enfrentar essa lógica patriarcal, essa lógica sexista.
Deputada Tereza Nelma, eu queria, mais uma vez, parabenizá-la pela realização desta audiência em que se discutem os desafios, mas inevitavelmente também se discutem os avanços e os desafios que a Lei Maria da Penha busca enfrentar, com todo o seu arcabouço e com toda a sua inteireza, em uma série de políticas públicas. Não se limita apenas uma lei à responsabilização, porque é importante a responsabilização — tirar de menor potencial ofensivo —, mas a lei vai para além disso. Esta é uma das melhores legislações que nós produzimos e é considerada a terceira melhor de todo o mundo.
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Quero dizer que nós não podemos permitir — e assim me calo — que essa violência sofrida pela Vereadora não tenha respostas nesta Casa.
A senhora é Procuradora e foi eleita com muita convicção da bancada feminina. Então, todos os Parlamentares do Estado de Alagoas deveriam estar aplaudindo o seu mandato. Nós aqui agradecemos ao povo de Alagoas o seu mandato, porque o povo de Alagoas ofertou a esta Casa um mandato com muita determinação, com muita firmeza, mas, como diz o poeta, com firmeza e muita ternura, mostrando que firmeza não colide com ternura.
Portanto, Deputada Tereza Nelma, V.Exa. é uma das Parlamentares que tem o reconhecimento mais largo nesta Casa, que extrapola inclusive as opções partidárias, ou seja, os limites partidários. E nós não podemos permitir que a senhora sofra essa violência.
Quando se pratica esse tipo de violência pautada na mentira, essa violência política de gênero tão desnuda, eu diria que, como o discurso que V.Exa. leu aqui, na verdade, está sendo agredida esta Casa, está sendo agredida a Procuradoria desta Casa, está sendo agredida a bancada feminina desta Casa. Se a bancada feminina é agredida com a tentativa de silenciamento e de controle sexista dos mandatos, está sendo agredido o próprio Parlamento, está sendo agredida também a democracia. Por isso a nossa solidariedade. E vamos traçar os encaminhamentos.
Se V.Exa. sofreu o nível de ataque político de gênero que a Vereadora Teca Nelma sofreu, nós podemos, a partir das Procuradoras Adjuntas, estabelecer a discussão e os encaminhamentos. E os farei dirigidos à Secretaria da Mulher aqui desta Câmara, com as seguintes sugestões: moção de solidariedade, moção de repúdio e, ao mesmo tempo, a correspondência ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas para que tome providências com relação a essa postura do Parlamentar.
Quando o Parlamentar fere o decoro, não há uma discussão individual de que ele feriu o decoro. Ele fere o decoro do Parlamento. Um Parlamentar que se comporta dessa forma fere o decoro do Parlamento. Ele fere a função precípua de um parlamento que, como disse V.Exa., é o exercício da política como uma construção do bem viver, uma construção generosa.
Como diz o Papa Francisco, a política é um exercício de caridade e deve ser considerada assim, não o exercício de profusão do ódio, de anulação do outro, de atentado contra a democracia, de enriquecimento próprio, de construção de benesses individuais ou ser encarada como se fosse uma profissão. Ela não é uma profissão, é uma representação para que tenhamos instrumentos coletivos de transformação da sociedade, para que a sociedade seja uma sociedade do bem viver, para que todas as pessoas possam ser respeitadas. Esta é a concepção que tem sido expressa no seu mandato, a política como exercício de defesa da vida.
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Isso mesmo. Obrigada, Deputada Erika, pela sua solidariedade e compromisso neste Parlamento. Eu me coloco sempre assim: eu só estou numa função pública. Pode ser que, agora, dia 2 de outubro, eu não seja reeleita e volte a ser uma cidadã. Isso é bem encarado. Mas vou continuar trabalhando sempre pela vida e pelos direitos humanos.
Não havendo mais Deputadas ou Deputados inscritos, passaremos à apreciação das questões enviadas por meio do e-Democracia. Quero agradecer às pessoas que estão participando pelo e-Democracia. Muito obrigada. É dessa interatividade que tanto precisamos. São várias as perguntas, mas não vamos ter condições de responder todas elas.
Leila e Debora, esperem um pouco, eu tenho um ritual a seguir, do qual minha querida Valéria, Secretária aqui da Comissão, sempre está me orientando. Neste momento abordaremos as perguntas que chegaram do e-Democracia.
O Tiago Moreira nos pergunta: “De qual forma a Câmara tem trabalhado internamente para evitar que casos de abusos, conforme ocorreu na Caixa Econômica Federal, não ocorram mais?”
Foram oficiados todos os órgãos competentes, a Secretaria da Mulher. Eu como Procuradora e a Secretária e Deputada Federal Celina Leão oficiamos todos os órgãos competentes. E nós estamos acompanhando e também debatendo a questão do assédio no trabalho e articulando para o Brasil homologar a Convenção nº 190, da OIT, que foi aprovada em 2019, mas o Brasil ainda não ratificou. Já tivemos reuniões com o Ministério do Trabalho, estamos juntos com a Associação Nacional dos Juízes de Trabalho — ANAMATRA e com todos os órgãos relacionados a essa pauta.
O Miguel Moraes nos diz assim: “A Lei Maria da Penha teve um grande avanço, mas ainda tem muitas falhas. Por exemplo, depois da denúncia contra o seu cônjuge e depois do BO lavrado, a mulher fica vulnerável. O que fazer para que isso não ocorra? Os pedidos de proteção existem, mas não funcionam. O que fazer nesse sentido?"
É preciso garantir recursos humanos, tecnológicos e orçamentário em todos os Municípios. É essa a nossa luta, bem como o número de delegacias especializadas, como também das varas judiciais. Temos conversado com o Ministério da Justiça, com o CNJ, com todos os órgãos competentes para fazer valer as leis já existentes, que já preconizam toda essa estrutura tão necessária à rede de proteção à mulher.
E. por último, o Eduardo Luiz Barbosa nos pergunta: “Qual abrangência da lei Maria da Penha para as mulheres transsexuais? A violência contra essa população está contemplada?" Está contemplada sim. Já houve processos onde é enquadrada a violência que ocorreu com essa mulher trans dentro da Lei Maria da Penha.
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Agora passarei a palavra à Beatriz Accioly, que vai complementar sua fala.
E quero dizer aos internautas que a Comissão da Mulher logo mais passará as respostas dos outros internautas, porque são várias, e não temos muito tempo hábil aqui para este momento.
A palavra é sua, Beatriz.
A SRA. BEATRIZ ACCIOLY - Muito obrigada, Deputada.
Eu quero começar também expressando a minha solidariedade à senhora e à Vereadora Teca Nelma. Infelizmente, nós vivemos num país onde a violência contra as mulheres atravessa uma série de contextos, o contexto familiar e doméstico, com o qual estamos nos havendo aqui com a lei Maria da Penha, mas também o contexto da representatividade, da representação política. E nós temos um compromisso como sociedade de erradicar qualquer forma de discriminação e ataque a mulheres, seja no seu exercício da cidadania dentro do Parlamento, dentro das Casas Legislativas, seja dentro das suas próprias casas. Quando meninas, aprendemos que a casa é um lugar seguro para as mulheres, e a rua é um lugar perigoso. Infelizmente, os dados mostram que a casa também é um lugar bastante perigoso, embora a rua seja também um lugar considerado inóspito para as mulheres. E a política pensada como um espaço público por definição faz o possível para nos expurgar. Mas nós não vamos sair dessa esfera.
E eu fico muito orgulhosa e contente de ter a Deputada Tereza Nelma e a Vereadora Teca Nelma nos representando, no caso, no Estado do Alagoas.
Eu queria responder ao Miguel e à Camile, que também mandaram uma pergunta semelhante, a respeito das mulheres que buscam o sistema de Justiça, que registram boletim de ocorrência ou pedem uma medida protetiva, se isso as colocam em maior vulnerabilidade. Na verdade, há uma grande percepção, uma espécie de um senso comum social, de que, quando a mulher busca ajuda, ela vai se colocar num risco maior. E, de fato, embora esse seja um momento de atenção, o que temos, por exemplo, em alguns dos dados produzidos — vou citar dados produzidos pelos Estados: Distrito Federal, São Paulo e Minas Gerais —, é que a maior parte das vítimas da violência fatal dentro do contexto de violência doméstica não tinham denunciado nem tinham acessado, por exemplo, as medidas protetivas de urgências.
No Distrito Federal, cerca de 70% das mulheres assassinadas jamais tinham buscado algum tipo de ajuda. Em São Paulo, só 3% das mulheres assassinadas tinham medida protetiva de urgência. E, em Minas Gerais, 90% não tinha medida protetiva de urgência.
E o que esses números nos dizem do ponto de vista de uma política pública baseada em evidência? Primeiro, que as mulheres em grande risco, talvez, as mulheres em maior risco, não consigam chegar ao sistema de Justiça e acessar as políticas públicas. Mas essas que acessam, embora sejam minoria, na sua maioria, não encontram a violência fatal ou mesmo o agravamento da violência cometida contra elas. Então, temos um forte indício que tem que ser mais investigado, sim. Mas como a Juíza Dra. Domitila nos disse, a medida protetiva é o coração da lei Maria da Penha, é um instrumento muito importante que temos.
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E temos de atravessar este discurso de que buscar ajuda é se colocar em um risco maior do que não ter ajuda. O silêncio é o risco maior, o continuar em uma situação de risco é o que coloca a mulher em uma possibilidade maior de um agravamento de violência.
Com relação à pergunta da Flávia sobre a execução do Poder Executivo dos orçamentos destinados às políticas de enfrentamento às violências contra meninas e mulheres, eu só gostaria de lembrar que, em 2020, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos gastou apenas 53% do orçamento que já estava aprovado para o enfrentamento à violência contra meninas e mulheres. Isso são números da Gênero e Número, baseadas no Portal de Transparência. Há também um levantamento feito pela consultoria da Câmara dos Deputados que levantou que apenas 5,6 milhões de um total de 126,4 milhões previstos foram alocados pelo mesmo Ministério — novamente, no tema do enfrentamento às violências contra meninas e mulheres.
Então, não somente temos que lutar por um orçamento disputado por outras áreas. Por isso a importância do monitoramento da avaliação como forma de gerir recursos. Quando conseguimos perceber o resultado, o impacto de determinada política, de determinada lei, conseguimos disputar recursos de maneira mais precisa, uma vez que os recursos não são infinitos, são bastante limitados — e os disputamos com outras áreas também centrais e emergenciais. Além disso, temos recursos aprovados que não são executados.
Como bem disse a Juliana do Fórum Brasileiro de Segurança — faço minhas as palavras dela —, os números servem para um accountability, para que forcemos as autoridades e os nossos representantes, as pessoas que colocamos aqui na Casa do Povo para nos representar, a cumprirem sua palavra, cumprirem o combinado e os pactos sociais que defendemos. E um deles é a proteção das mulheres e das meninas do Brasil.
Por fim, há uma pergunta sobre a questão da Internet. Novamente, a Deputada Erika Kokay e a Dra. Domitila mencionaram a importância da expansão do acesso a direitos para canais digitais, como o Boletim Online. Acho que a Juliana também mencionou a experiência da Polícia Civil paulista. Sem dúvidas, são boas práticas, são momentos que em devemos nos inspirar e tentar replicar em outros contextos — e eu como alguém que também trabalha com questões relacionadas a desigualdades digitais, tanto no que respeito ao acesso quanto no que diz respeito à destreza do uso das tecnologias, o que chamamos de letramento digital —, mas é fundamental que a tecnologia seja mais uma porta, mais um caminho para a garantia ou acesso a direitos, e não o único. Afinal de contas, o acesso à tecnologia de qualidade, seja do ponto de vista da rede ou até mesmo do ponto de vista do próprio equipamento — e a pandemia evidenciou as desigualdades educacionais, os números evidenciaram isso —, não pode ser o único caminho para buscar algum tipo de direito e proteção do Estado, senão ela vai excluir muito mais pessoas do que as que já são normalmente excluídas.
Gostaria também de deixar meu agradecimento à Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres, na figura da Procuradora, a Deputada Tereza Nelma. Quero deixar as portas do Instituto Avon, enquanto a organização da sociedade civil organizada, abertas sempre para todo tipo de diálogo, troca, cooperação, cocriação.
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Quero agradecer às colegas da Mesa e dizer que todas me inspiram e sempre trazem referências para que o meu trabalho possa ser cada vez melhor, cada vez mais preciso e acurado com as necessidades dos diferentes grupos de mulheres brasileiras.
Também agradeço a esta Casa por sediar um evento tão importante como este de hoje, em homenagem a uma lei que é fruto de tanta luta, é fruto de tanto sofrimento, de tanta injustiça, mas que nos inspira a ser um País mais seguro, mais justo, mais equânime para as suas cidadãs.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Beatriz.
Agora, quero passar a palavra a Leila, já aproveitando para as considerações finais.
Leila, aqui há uma pergunta que eu gostaria que você respondesse, se possível, da Andressa Santos Pereira de Amorim: "Bom dia, gostaria de perguntar como está sendo utilizado o orçamento público para a criação e a manutenção das políticas públicas de proteção e enfretamento da violência doméstica contra as mulheres. Obrigada".
Houve também outras perguntas aqui relacionadas ao orçamento das mulheres.
A SRA. LEILA BRANT ASSAF - Prezada Deputada Tereza Nelma, referente a como está sendo utilizado o orçamento do Ministério, informo sobre o Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, que prevê em 55 ações mães e em mais de 60 ações filhas, no total de 100 ações desenvolvidas em prol de políticas públicas voltadas ao eixo da prevenção, articulação, combate, dados, informações, assistência e garantia de direitos, com cinco Ministérios envolvidos, da Cidadania, da Saúde, da Educação, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e da Justiça e Segurança Pública.
Esta política está em torno de 500 milhões de reais, em parceria — cada um com suas responsabilidades orçamentárias. Além do Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, posso destacar ainda diversos convênios para a instalação de políticas públicas. Cito os Núcleos Integrados de Atendimento à Mulher — NUIAM, que são espaços próprios dentro das delegacias comuns para essa mulher ser atendida de uma forma humanizada. Também a Central de Monitoramento de Violência Doméstica Familiar, sendo a primeira inaugurada no Estado de Minas Gerais, no valor de 1,2 milhão de reais, central que trará dados e georreferenciamento. Além disso, há a equipagem de delegacias e a equipagem da Patrulha Maria da Penha.
Destaco também a importante política pública Casa da Mulher Brasileira, que está sendo implementada agora em diversos Estados. E o financiamento de campanhas no eixo da prevenção e capacitações.
É assim que está sendo utilizado o orçamento.
Outra pergunta, que foi até um pouco da fala da Beatriz, é sobre a execução do nosso orçamento. Infelizmente, no Portal da Transparência, nossa participação é de apenas 53%. Existe uma diferença entre o empenho e a execução da política pública. E de taxa de empenho, há mais de 90%. Infelizmente, para que de fato a política seja executada, há vários trâmites a seguir. Por exemplo: quando é firmado um convênio aqui, não depende só da nossa vontade a execução, depende da questão da licitação. Geralmente, os projetos não conseguem ser executados de uma forma tão rápida, em apenas 1 ano.
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Por isso, por conta desses trâmites, geralmente é divulgada essa taxa de execução. Mas nós estamos caminhando para terminar diversos projetos aqui. E ressalto também que a nossa taxa de empenho, aquele dinheiro que é recebido por nós aqui, está sendo utilizada em quase sua totalidade. Os projetos estão em execução. Todos os projetos que já foram empenhados estão em execução, só que, infelizmente, eles passam por esses trâmites burocráticos de licitação, de assinatura de convênios, de entrega dos bens, de totalidade das capacitações, das campanhas.
São essas as minhas considerações relativas a orçamento.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Leila.
Juliana Martins, eu gostaria que você fizesse as considerações finais e nos falasse sobre o porquê de, no Portal da Transparência, aparecer que o Ministério só desenvolveu 53% do orçamento.
A Leila nos passou que isso não é bem verdade — há toda uma burocracia —, que já há mais de 90% empenhados. Como é que nós podemos fazer para unir essas informações a fim de termos mais clareza de como está sendo essa aplicabilidade?
A SRA. JULIANA MARTINS - Obrigada, Deputada.
Primeiro, eu quero agradecer mais uma vez pelo convite e também me solidarizar com a violência sofrida. Acho que falarmos de violência política neste momento, no qual as mulheres estão às vésperas de mais um pleito eleitoral, é muito importante para o nosso País.
De fato, quando uma mulher sofre uma violência, todas nós sofremos. Temos que nos posicionar fortemente contra esse tipo de violência. Então, fica aqui a minha solidariedade e a do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Antes de responder a sua pergunta, também quero falar da minha alegria de ver jovens acompanhando a audiência pública. Quando falamos dos desafios da implantação da Lei Maria da Penha, um deles é a questão da prevenção. E a prevenção da violência contra meninas e mulheres no nosso País passa necessariamente por podermos falar sobre violência de gênero em todos os espaços. Esse não pode ser um debate interditado, especialmente nas escolas.
Então, é importante que os estudantes, desde muito cedo, possam falar sobre igualdade de gênero, sobre violência de gênero, para que possam aprender a desconstruir aspectos culturais e sociais que vamos aprendendo desde muito cedo. E isso vai nos ajudar, como sociedade, a enfrentar esse tipo de violência. Não resolve o problema como um todo, mas é um fator fundamental para que ocorra a transformação.
Fico muito feliz de vê-los aí. Estou vendo aqui, de longe, mas fico feliz de saber que estão acompanhando uma audiência pública com um tema tão importante como este.
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Sobre a questão do orçamento, eu acho que termos um Ministério tão importante... Inclusive a Beatriz aponta a gravidade de não termos o orçamento destinado, que já é um tema. Vemos políticas públicas de violência contra a mulher ou ações de violência contra mulheres em outras Pastas, e estamos falando da necessidade de políticas integradas, de ações integradas. Temos visto no Brasil, nos últimos anos, uma redução dos espaços institucionais de enfrentamento à violência contra a mulher.
Então, é importante sabermos exatamente como se está destinando o dinheiro para o enfrentamento desse tipo de violência. Não se trata de estar empenhado por si só, mas como é que ele vai ser gasto e em que ele vai ser gasto. A Beatriz traz a importância de conhecermos esse problema. Que problema é esse? Os dados são importantes por causa disso. Não conseguimos pensar políticas públicas de enfrentamento se não sabemos o tamanho e a complexidade do problema que temos que enfrentar.
A questão dos dados — e é a isso que o fórum tem se dedicado nos últimos anos, desde a sua existência praticamente — é poder sistematizá-los para que tenhamos uma ideia de qual é a gravidade e o tamanho do problema que temos que enfrentar, de modo que isso possa auxiliar a construção das políticas e dos projetos de enfrentamento. Se estamos falando de um órgão oficial federal responsável por uma política nacional, haveria aí uma grande capacidade e uma potencialidade de enfrentar isso de um lugar muito privilegiado, de inclusive induzir Estados para que possam enfrentar conjuntamente o problema da violência contra meninas e mulheres no nosso País, que, como dito por todas nós, é uma violência que não diminui, ela vem crescendo. Então, temos que unir esforços para poder enfrentá-la adequadamente.
Saber qual é o dinheiro disponível e para que ações ele será destinado é fundamental. Além de sabermos qual é o problema, é preciso saber como é que esse problema vai ser enfrentado e como vamos gastar o dinheiro que temos disponível para fazer esse enfrentamento.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Juliana. É isto mesmo que nós precisamos fazer: um planejamento. Precisamos aproximar todas essas forças, para que tenhamos muito claros os investimentos e como podemos, a cada ano, melhorar.
E aí, Leila, deixo um grande desafio para você pós-eleições: fazermos uma reunião. Eu me coloco à disposição — e acredito que outros órgãos e outros parceiros como sociedade civil também se colocam à disposição — para pensarmos, dentro do plano do feminicídio, como vamos aplicar 500 milhões de reais dentro do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Como vamos aplicar e que investimento é tão necessário?
Acho que temos que ter esse canal de comunicação aberto. E, tirando todas as ideologias, tudo, vamos defender a vida e a preservação dessa vida.
12:53
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Quero agora passar a palavra a nossa querida Juíza, a Dra. Domitila, que eu sei que está superatarefada também. Mas houve uma pergunta que eu gostaria que ela respondesse: "Qual a abrangência da lei Maria da Penha para as mulheres Transexuais? A violência contra esta população está contemplada?"
Eu respondi, mas acho que a senhora tem mais propriedade para responder sobre a abrangência da lei para as mulheres trans. Eu tenho quase certeza de que este ano, nas eleições de 2022, nós vamos ter uma, duas ou mais mulheres trans aqui nos corredores como Deputadas Federais. E aí nós temos que estar preparadas para a convivência e para o acolhimento dessas mulheres.
A SRA. DOMITILA MANSSUR - Muito obrigada, Deputada Tereza Nelma.
A Lei Maria da Penha não faz qualquer restrição. Ela é direcionada a todas as mulheres: às mulheres que nasceram mulheres, se falarmos no sentido biológico; e às mulheres que, no decorrer da sua existência, se entenderam mulheres. Não existe essa restrição de direitos. Essa interpretação restritiva da Lei Maria da Penha é — respeitosamente aos que entendem em sentido contrário — equivocada. Essa lei está de acordo com os tratados internacionais e com a Constituição Federal.
A Lei Maria da Penha é bastante clara no seu texto. Nós nem precisaríamos nos socorrer de qualquer outro instrumento legal para interpretá-la. Ela diz que a violência contra a mulher é em razão do gênero e não restringe isso à mulher biológica. Portanto, é totalmente adequada a aplicação da Lei Maria da Penha a transexuais. Não há essa interpretação restritiva.
E até na minha fala, um dos pontos que eu quis trazer... É claro que o tempo é curto, nós temos tantas experiências hoje a compartilhar, eu só quis deixar algumas ideias, mas estou totalmente à disposição até para passar o texto se houver interesse. Um dos nossos desafios é evitar a interpretação restritiva de direitos da Lei Maria da Penha, principalmente os direitos constitucionalmente assegurados. De acordo com a nossa Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é princípio fundamental, é direito fundamental, que deve ser garantido por todos os nossos diplomas legais. E aqui nós citamos a Lei Maria da Penha. Nós temos, sim, alguns julgamentos que não reconheceram os estudos da Lei Maria da Penha à mulher trans. Mas tivemos também julgamentos em superior instância que reformaram essas decisões e tivemos ainda decisões, desde o início, favoráveis às mulheres trans, que foram confirmadas até o último grau de jurisdição.
Então, aqui, eu gostaria de me unir a todas e a todos que estão presentes nessa força para aplicarmos de forma cada vez mais ampla a Lei Maria da Penha, que deve ser empregada para a garantia de direitos, e não para a restrição de direitos. Vou repetir uma vez mais e não quero me tornar repetitiva, mas isso deve ser destacado: o Brasil é o País número um do mundo em mortes no que diz respeito à população trans. E isso é gravíssimo — é gravíssimo. E, nesse panorama, restringir a aplicação de um diploma tão moderno, eficaz, reconhecido como pioneiro, como efetivo, como interdisciplinar — e, por isso, possível de conhecimento por todos os profissionais que lidam com a matéria — é um retrocesso inadmissível. Portanto, é uma necessidade nossa não dar uma aplicação restritiva à Lei Maria da Penha.
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Passou o tempo disso, Deputada Tereza. Nós estamos numa fase de ampliar direitos, de dar à nossa população uma vida mais confortável, uma vida com os direitos garantidos. Esses questionamentos devem ficar no lugar de onde nunca deveriam ter saído. Devem ser esquecidos, sequer pensados. Não tem o porquê desta discussão. A meu ver — e, é claro, sempre respeitando as decisões em sentido contrário —, essa restrição está totalmente em desacordo com a legislação.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Dra. Domitila.
A SRA. DOMITILA MANSSUR - Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Eu acho que essa pergunta a senhora respondeu com muita propriedade, com muita segurança.
Quero dizer para todos os brasileiros e brasileiras: a Lei Maria da Penha é para defender a mulher contra a violência, não importa a questão de gênero. Se é mulher, ou foi, estamos juntas. Todas.
Quero agora passar a palavra para a Flávia, aliás, desculpe-me, é Debora Albu, da ONU, para as considerações finais.
Antes, quero registrar que a nossa querida Deputada Flávia Morais, de Goiás, está também participando da nossa reunião.
A SRA. DEBORA ALBU - Muito obrigada, Deputada.
Primeiramente, eu queria me solidarizar com a senhora pelo caso de violência que sofreu. Infelizmente, os relatos são muitos em relação à violência política contra mulheres, estejam elas já em seus cargos, eleitas, ou sejam apenas candidatas. A importância e a relevância da lei de violência política, aprovada no ano passado, ficam cada vez mais tristemente reiteradas. Então, eu me solidarizo e também saúdo o Congresso pela sanção da lei.
Quero fazer apenas uma última consideração. O Estado brasileiro assumiu diversos compromissos através da ratificação de tratados internacionais, como é o caso da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher — CEDAW. Assim como nesse, em diversos outros tratados estão dispostos os direitos humanos das mulheres, estão dispostas essas ideias de garantia de uma vida livre de violência. Nesse sentido, a ONU Mulheres também trabalha para apoiar tecnicamente os órgãos do Governo nas suas diversidades a aplicar e a cumprir tudo aquilo que está descrito e disposto em todos esses tratados.
Então, eu reitero a nossa posição de apoiar tecnicamente o Estado brasileiro a fazer cumprir aquilo que ele mesmo ratificou, assinou, e que, portanto, deve garantir.
Novamente, saúdo a senhora e a Deputada Vivi Reis pela criação deste espaço de audiência pública para este debate tão relevante durante o contexto do Agosto Lilás. Que isso não fique apenas neste mês, mas seja sempre um debate constante para o avanço dos direitos das mulheres.
Obrigada.
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A SRA. PRESIDENTE (Tereza Nelma. PSD - AL) - Obrigada, Debora.
Agradeço muito a participação de todas vocês fortalecendo este debate.
Quero reafirmar que na próxima semana, no dia 30 de agosto, vamos promover o segundo seminário sobre o combate à violência política contra a mulher, em alusão ao primeiro aniversário da lei. Convidamos todos e todas a participarem desse debate, seja presencialmente, seja de forma virtual. Temos a obrigação de publicizar todos os mecanismos e instituições que estão mobilizados para defender as mulheres e a democracia.
Já estamos nos encaminhando para o final desta sessão e quero agradecer a presença das nossas convidadas, das Parlamentares que aqui participaram do evento, e ao público em geral. Sigam todos em paz e que Deus nos proteja.
Quero ainda agradecer à equipe da Comissão da Mulher, na pessoa da Valéria, sempre muito atenciosa e competente com toda a sua equipe, como também à minha equipe do gabinete e à equipe da Secretaria da Mulher, que tem nos dado um suporte da melhor qualidade. Muito obrigada.
Está encerrada a audiência pública.
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