Horário | (Texto com redação final.) |
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16:09
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O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Boa tarde a todos e a todas. Bem-vindos a mais uma audiência pública da Comissão de Legislação Participativa.
Declaro aberta a reunião de audiência pública na tarde de hoje, com o tema Carestia, fome e segurança alimentar e nutricional no Brasil.
Parabéns a todos os Deputados e assessores desta Comissão que participaram da indicação das diferentes representações e lideranças que partilham hoje à tarde o tema da carestia, o tema da fome, que é muito mais que um tema, é realidade vivida, experimentada e sentida por milhões e milhões de brasileiros e brasileiras, que se coloca como um tema central e estratégico em qualquer política pública, principalmente se referindo ao nosso País chamado Brasil. Vamos discutir carestia, discutir a fome e a segurança alimentar e nutricional. Mas, como discutir hoje alimento, segurança, nutrição e qualidade nutricional quando milhões não têm o que comer?
Por isso, muito obrigado a Santiago Matos, que aceitou o convite, e a Renato Sérgio Jamil Maluf pela disposição generosa de partilhar com esta audiência pública da Comissão de Legislação Participativa. Muito obrigado à Ana Paula Pinto de Souza, à Bruna Matos de Carvalho, ao Alexandre Conceição, a José Graciano da Silva, pela sua generosa disposição e experiência neste tema, a Jean Pierre Tertuliano Câmara, a Edgard Amaral, sempre presente neste debate tão estratégico, à Mariana Menezes Santarelli Roversi, a Pedro Vasconcelos, a Aristides Veras dos Santos, à Josana Lima, a Juarez Calil Alexandre, à Juliana Gonçalves, à Laura Soares, à Susana Prizendt, à Terezinha Baldacini, à Tatiana Scalco e à Tereza Campello. Muito obrigado a todos pelas presenças e disposição. Que enriqueçam esta audiência com experiências, vivências e posições claras sobre o tema Carestia, fome e segurança alimentar e nutricional no Brasil.
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16:13
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O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - Deputado Pedro Uczai...
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - O Deputado Rogério está aqui?
O SR. ROGÉRIO CORREIA (PT - MG) - Estou aqui, Pedro.
O SR. PRESIDENTE (Pedro Uczai. PT - SC) - Passo a palavra a V.Exa., Rogério, um grande Deputado, comprometido com este tema, para conduzir esta extraordinária Comissão de Legislação Participativa, que vai discutir este tema. Muito obrigado, Deputado Rogério.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Obrigado, Presidente, Deputado Pedro Uczai, que preside esta importante Comissão de Legislação Participativa.
Deputado Pedro Uczai, eu pedi para falar, porque nós temos uma ordem que foi construída coletivamente com as entidades. Então, eu estou aqui com essa ordem e, a partir dela, vamos chamar todos os que vieram debater este importante tema. E são muitos, viu? Muitos companheiros e companheiras, assim como o Brasil inteiro, estão preocupados com este tema, que é o retorno da fome no Brasil.
Então, esta audiência pública, conforme disse o nosso Presidente Pedro Uczai, foi fruto de um requerimento de minha autoria, mas construída em conjunto com o Presidente Pedro Uczai e também com o Deputado Padre João, a quem mando um abraço, que está em Minas Gerais também, mas participando ativamente desta reunião.
Conosco aqui presencialmente já está a Deputada Maria do Rosário. Obrigado pela presença, Deputada. Daqui a pouco vamos ouvi-la também.
Esta audiência é para debater a situação da carestia, da fome e da segurança alimentar e nutricional no Brasil. Portanto, é um tema muito atual. Trinta e três milhões de pessoas passaram novamente a sentir fome no Brasil. Há muito não se via tanta carestia, e ela atinge principalmente os mais pobres, que são aqueles que sentem o preço dos alimentos. Além do combustível e da energia, o alimento está muito caro. O preço do feijão está pela hora da morte. As pessoas namoram a carne e levam um osso ou, às vezes, ovo para casa. Essa é a triste realidade que nós temos visto em todo o País, nas regiões das periferias dos grandes centros, pelo interior dos Estados.
Os produtos de segurança alimentar, produzidos pelos nossos agricultores familiares e agroecológicos, estão também sofrendo com o privilégio dado pelo Governo à política do agronegócio. Tudo é feito para exportação a preço de dólar, e a produção do alimento, daquele que vai para mesa do povo brasileiro, não tem da parte do Governo nenhuma política pública digna do nome. E o Governo busca agora fazer demagogia, sentida já por quase 70% do povo brasileiro, uma mera demagogia, que é tentar estender o auxílio emergencial até o fim do ano com mais 200 reais, o que não dialoga com as políticas sociais, com o combate à fome e com a construção de uma política em que as pessoas, os nossos jovens que moram na periferia e o povo brasileiro tenham condições de sair da fome e da miséria e de conquistar o seu direito ao trabalho, ao emprego, à segurança alimentar com dignidade, enfim, de ter uma política pública no seu conjunto, que é o que nós vamos debater aqui.
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Então, permito-me cumprimentar: o Aristides, Presidente da CONTAG, que está aqui conosco e que daqui a pouco vai falar; a Laura, nossa Vereadora de Porto Alegre, combativa, mulher negra, guerreira; a Bruna, de Minas Gerais, que aqui representa a Articulação pela Economia de Francisco; o Alexandre Conceição; e a Deputada Maria do Rosário, cuja presença já relatei aqui. Muito obrigado a todos pela presença.
Então, pessoal, eu não vou fazer um pronunciamento, porque a minha função aqui é fazer mesmo apenas a condução dos trabalhos, pois já temos muita gente entendida no assunto. Temos ex-Ministra, temos ex-Ministro; a nossa Mesa de trabalho está muito boa. Com certeza, será uma belíssima discussão.
Agradeço, finalmente, ao Deputado Pedro Uczai, nosso Presidente da Comissão, por ter marcado esta audiência, através de requerimento de minha autoria, para este momento tão decisivo. É um momento em que todos nós estamos com outras tarefas na atual conjuntura, e uma dessas tarefas para acabar com a fome é derrotar o Governo Bolsonaro. Estamos todos, portanto, imbuídos desse espírito. Mas não podemos derrotá-lo sem discutir com o povo o que nós vamos construir para o futuro. E construir para o futuro é construir um País mais justo, mais igual, um País sem fome, um País com emprego, um País sem carestia. É esse o País que queremos construir.
Vou passar então a ordem que nós discutimos aqui coletivamente, pedindo aos expositores que se mantenham no prazo de 5 minutos. Como vocês poderão ver, há uma marcação do tempo. Os Deputados e Deputadas já estão acostumados, mas, às vezes, os nossos convidados, não. Então, marcamos o tempo de 5 minutos, que peço que respeitem, porque infelizmente são muitos a falar. Infelizmente, não. Digo infelizmente porque não vamos poder escutar cada um pelo tempo que gostaríamos, pois felizmente são muitos os expositores. Temos vinte expositores e expositoras presentes e, se não espeitarmos o tempo, vamos estender em demasia a nossa reunião, e eu gostaria que todos escutassem a todos e todas. Pode ser?
(Pausa.)
O SR. FÁBIO PAES - Olá! Em nome de todas as autoridades, gostaria de saudar a Mesa, esta iniciativa e a Deputada Maria do Rosário, que está aqui ao meu lado e participou muito desse processo que vou apresentar para provocar todos os presentes.
Nós, da Frente Nacional contra a Fome e Sede, não surgimos como uma iniciativa meramente abstrata de uma ideia, nós nascemos de uma força de solidariedade existente no País. Eu sou de uma organização chamada SEFRAS, que é uma ação franciscana social, assim como temos também o Movimento Sem Terra, o MPA, a CONTAG, o Periferia Viva, o Movimento Fé e Política, o Coalizão Negra por Direitos, o Ação da Cidadania, a Conferência Popular de SAN, a Associação Nacional da Pastoral de Negros, a Articulação Brasileira de Francisco e, claro, várias organizações.
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Com a pandemia, tivemos que enfrentar filas e filas, e ainda estamos enfrentando um grande número de pessoas que buscam um prato de comida diariamente. E, a partir dessa rede de solidariedade, percebemos que essas organizações, que têm um compromisso com o povo e estão diretamente ligadas a essas pessoas, não poderiam ficar meramente fazendo entrega de marmita ou de cesta básica. É preciso fazer uma convocação, como fez o Frei Beto numa publicação junto com os franciscanos onde ele dizia: "É preciso fazer uma convocação popular. As forças têm que se organizar, porque o projeto da fome não é o projeto meramente de um prato, é um projeto político e econômico do País". Então, a Frente Nacional contra a Fome surge com esse objetivo de organizar as iniciativas populares, os movimentos e as coalizões para o enfrentamento da fome, mas não com caráter somente solidário, sendo porém uma solidariedade ativa e de pressão política.
Hoje, a Frente é composta de quatro eixos: dos territórios, organização da base a partir da produção e do acesso à comida; da comunicação ativa e de pressão popular; do levantamento de evidências e produções, a partir de formação; e de uma agenda de incidência política. Com isso, evidenciamos uma situação, nos últimos meses, e até mesmo nos últimos anos: não dá para falar de fome sem falar de projeto de país; não dá para falar de projeto de país sem falar de democracia — democracia! Um país que passa fome nunca será democrata ou nunca terá uma perspectiva de democracia. Nós sabemos que temos que falar da fome, mas temos também que falar do projeto econômico, que explora, que mata a mãe terra, assim como mata, explora e cria genocídio contra os povos originários, em especial, contra o povo negro deste País. Por isso, a Coalizão Negra por Direitos compõe a Frente Nacional contra a Fome e Sede.
Nesse sentido, no momento que nós estamos vivendo, entrando em agosto, o grande chamado das forças de inteligência, de mobilização e de força popular é: "Chega de poderes que não governam para as pessoas ou para a vida! Chega! Chega! Não dá mais!" Esse é o recado da Frente Nacional contra a Fome e Sede.
Lançamos, há duas semanas, a campanha Eu Voto contra a Fome e contra a Sede. Não podemos votar em candidatos que almejam estar em lugar de poder e que não pensam no prato de comida.
A Deputada Maria do Rosário está aqui ao meu do lado; nós já debatemos nesta sala os indicadores para o desenvolvimento sustentável e hoje temos que ficar debatendo algo tão básico, que tem matado e violentado a vida centenas de milhares de crianças, de adolescentes e de famílias. Por isso, esse voto contra a fome.
Queremos convocar, para uma manifestação no dia 3 de setembro, a sociedade civil, aqueles que estão interessados em mudar o voto consciente em favor do povo, da democracia, contra a fome e contra a sede. Vamos ocupar as ruas no dia 3 de setembro. Para isso, há materiais acessíveis de comunicação para panfletagem, adesivaço, marmitaço, banquetaço, compostaço. Enfim, tudo o que for necessário para chamar a atenção.
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16:25
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Eu não poderia fazer essa fala sem dizer que as urnas, em outubro, são o nosso grande chamado popular e o nosso grande compromisso.
Não adianta falar de segurança alimentar nem de direitos humanos se não falarmos sobre a perspectiva da democracia, que não está nem em risco. Ela tem um projeto de morte, e tem causado isso. E, quanto à fome, lamentavelmente, estamos voltando a números piores de quando o Betinho denunciou ao mundo inteiro. Temos aqui conosco a companheira Ana, da Ação da Cidadania, que o sabe.
Por isso, temos que priorizar a vida. Pensar no poder da democracia é pensar no poder da alimentação, mas, acima de tudo, no poder da vida, contra qualquer projeto econômico e político que não favoreça a vida. Gente, não dá mais tempo para pensar em outra solução.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Muito obrigado, Fábio.
O Fábio lembrou do nosso Betinho, e o Betinho nos lembra também a nossa querida Bocaiuva, lá em Minas Gerais.
Por falar em Minas Gerais, já está presente conosco também o Deputado Padre João, que está na sala virtual. Daqui a pouco, ele também terá a palavra e vai nos ajudar a conduzir os trabalhos.
Deputada Maria do Rosário, V.Exa. poderia se sentar aqui à mesa conosco, por favor, para me ajudar na direção dos trabalhos?
Quando os Deputados quiserem, podem solicitar a palavra. Explico aos senhores que temos também a sessão plenária. Então, por vezes, nós temos que nos ausentar para ir até o plenário. Por isso, às vezes, quando o Deputado ou a Deputada pede a palavra, nós fazemos questão de concedê-la de forma mais imediata, para que possa também participar da nossa audiência.
Nas pessoas dos Deputados Pedro e Rogério, eu agradeço a oportunidade. Envio um abraço ao Deputado Padre João, que coordena a Frente Parlamentar em Defesa da Segurança Alimentar e Nutricional, à Deputada Maria do Rosário e aos demais companheiros e companheiras que estão aqui conosco.
Entendo que há um grande número de pessoas inscritas para falar. Por isso, em nome da coordenação da Rede PENSSAN, vou concentrar a minha intervenção no inquérito que a Rede realizou recentemente.
A Rede PENSSAN foi criada como um dos subprodutos do nosso saudoso Conselho Nacional de Segurança Alimentar Nutricional — CONSEA, que reúne pesquisadoras e pesquisadores de todo o Brasil. E, em face da inexistência de dados oficiais sobre a segurança alimentar no Brasil, nós decidimos, com o apoio de parceiros que foram fundamentais para realização desse inquérito, realizar dois inquéritos sobre insegurança alimentar no contexto da COVID.
Os dados do inquérito e o trabalho de campo foi realizado pelo Instituto Vox Populi, que tem recebido o apoio da ActionAid Brasil, da Oxfam Brasil, do Instituto Ibirapitanga, da Ação da Cidadania, da Fundação Friedrich Ebert Brasil, do SESC São Paulo. Enfim, tivemos uma rede de apoio muito importante. Os dados do primeiro inquérito foram coletados em dezembro de 2020, e os dados do segundo inquérito, que recém divulgamos, foram incluídos pelo Deputado Rogério Correia na sua justificativa para realização desta audiência e foram coletados no período de dezembro de 2021 a início de abril de 2022.
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O inquérito utiliza a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar — EBIA, que é uma medida que nós consagramos no Brasil, ainda em 2003. É uma medida da percepção das famílias sobre a sua condição. Portanto, ela é muito importante nesse sentido. A EBIA classifica os domicílios em duas condições principais: os domicílios que estão em segurança alimentar e os domicílios que estão em insegurança alimentar, sendo que a insegurança tem três graus.
A insegurança alimentar leve é quando a família tem o seu padrão alimentar usual comprometido no aspecto da qualidade. Isto é, a primeira reação das famílias a constrangimentos do acesso à alimentação é comer pior.
A insegurança alimentar moderada é quando já há o comprometimento da quantidade da alimentação. Isto é, famílias que comem menos do que comeriam se tivessem acesso aos alimentos.
E, por fim, a insegurança alimentar grave é aquela onde ao menos um integrante daquele domicílio passou fome, ficou um dia todo sem comer, teve fome e não comeu, porque não tinha alimento, saltou refeições. Obviamente esse é o dado, digamos, que mais chama a atenção, justamente por ser a condição mais grave.
No inquérito de 2020, nós adotamos uma metodologia que permite comparar os nossos dados com os resultados aferidos pelo IBGE, usando a mesma escala.
O IBGE começou a aferir a insegurança alimentar em 2004, e assim a cada 4 anos. Quando foi feito o último levantamento do IBGE, em 2017 e 2018, já se notava a reversão de uma tendência que o Brasil vinha tendo de aumento sucessivo e permanente da segurança alimentar. Nós chegamos a ter, na aferição de 2014, 75% dos domicílios com segurança alimentar.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Na verdade, acabou, sim.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Já, mas pode falar por mais 2 minutos para concluir, por favor.
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Em 2017 e 2018, aquela tendência virtuosa, vamos dizer assim, já estava começando a reverter. Ela foi muito agravada no período dos dois inquéritos no contexto da pandemia, de tal modo que chegamos, em 2022, a ter menos de 45% dos domicílios que podiam ser considerados em segurança alimentar, ao mesmo tempo em que todas as formas de insegurança alimentar cresceram.
O que os nossos inquéritos fizeram foi dar número e rosto à fome, que já estava em debate nacional. Esses números revelaram, no inquérito deste ano, que chegamos a 33 milhões de pessoas que vivenciaram a fome. Esse número foi de 19 milhões em dezembro de 2020, o que já era muito. Só que, entre dezembro de 2020 e abril 2022, esse número cresceu em 14 milhões de pessoas. Quatorze milhões de pessoas são mais do que a população da cidade São Paulo e mais do que o dobro da população da cidade do Rio de Janeiro, as duas maiores cidades do Brasil. Isso em 1 ano.
Se compararmos com os números do passado, vamos ver que, já em 2017 e 2018, tínhamos retrocedido 15 anos, porque o grau de insegurança alimentar era comparado ao de 2004. A aferição de agora, embora os indicadores não sejam os mesmos, é comparada à do início dos anos 90.
Além de mostrar essa situação completamente assombrosa, o nosso inquérito também identificou os fatores de vulnerabilidade. Então, são mais vulneráveis os domicílios cujo responsável é uma mulher, portanto a fome tem gênero. São mais vulneráveis os domicílios cujo chefe é uma pessoa que se declara da cor parda ou preta, portanto a fome tem raça e cor. São mais vulneráveis os domicílios em que o responsável tem baixa escolaridade. E são mais vulneráveis os domicílios que estão localizados no meio rural, um dos paradoxos do Brasil, porque famílias que deveriam ao menos ser capazes de produzir o seu alimento estão em insegurança alimentar maior, assim como o maior produtor e exportador de alimentos do mundo não consegue alimentar sua população.
Então, o nosso papel como rede foi o de mobilizar o conhecimento técnico que temos para suprir a necessidade de dados oficiais. Não queremos, em hipótese alguma, substituir os institutos oficiais de pesquisa. Ao contrário. Quero aproveitar esta audiência para reafirmar a demanda que a Rede vem fazendo para que o IBGE retome, e com mais frequência do que fazia no passado, a aferição da insegurança alimentar. Mas acreditamos ter dado uma importante contribuição para o debate nacional deste tema.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Nós é que agradecemos a sua contribuição, Renato Sérgio Jamil Maluf, que representa aqui a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
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Estou aqui representando José Graziano, que está em Guaribas, a primeira cidade a ser implantado o Programa Fome Zero. Ele está lá para gravar um programa, relembrando as ações do Programa Fome Zero, criado em 2003. Não tenho muito a falar porque o Renato abordou todas as questões importantes. Nós identificamos que a fome é um problema prioritário, e poucas políticas públicas ainda restam para combater a fome no Brasil. Há uma prioridade zero de acabar com a fome.
Este é o momento mais importante dessa luta. Nós teremos uma eleição pela frente, em que se apresentam dois projetos: um, liberal, e outro, que pretende combater, como prioridade, a fome. Nós viemos a esta audiência para dar apoio e mostrar a importância do combate à fome no Brasil, que voltou como menos esperávamos.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Flávio, nós lhe agradecemos. Mande um abraço para José Graziano. A importância do Instituto Fome Zero é por todos nós conhecida.
Eu vou passar a Presidência dos trabalhos, no nosso rodízio, para a Deputada Maria do Rosário, porque eu preciso comparecer a uma audiência, que foi marcada no mesmo horário e não dependia de mim, no Tribunal de Contas da União. É outro processo em que, infelizmente, atua também o Governo da fome e do genocídio: nas privatizações. Em Minas Gerais, ameaça-se agora privatizar a Refinaria Gabriel Passos — REGAP, da PETROBRAS. Para nós, a REGAP é muito cara e muito querida. Privatizá-la significa uma facada no coração dos mineiros. Eles estão ameaçando com essa privatização, como fizeram com a refinaria na Bahia, por preços absurdos e por uma política de morte, porque é passada para a iniciativa privada, com certeza, o aumento do combustível. Isso faz com que prevaleça o aumento da fome e da carestia.
Essa reunião é agora, com o Ministro, no Tribunal de Contas da União. Nós estamos lutando como leões e leoas para evitar as privatizações no Brasil. Antes de sair, eu faço questão de assinar o documento. Nós combinamos de fazê-lo agora. Eu e a Deputada Maria do Rosário faremos a assinatura da nossa carta-compromisso. Em seguida, passarei a Presidência à Deputada para que continue dirigindo os trabalhos.
A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Como os colegas Parlamentares estão chegando, poderia fazer a pergunta a eles.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Ótimo.
A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Eu queria pedir ao Deputado Rogério Correia a licenciosidade para convidar a Sra. Laura Sito para assinar conosco o documento, porque é uma mulher lutadora contra a fome e, agora, também candidata a Deputada Estadual, porque já houve a convenção.
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Candidata, porque já houve convenção.
A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Quem vai à luta tem que estar aqui junto.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Muito bem, Deputada Maria do Rosário.
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Candidata e candidato comprometida e comprometido com o direito à alimentação e o combate à insegurança alimentar e nutricional, à fome e à sede.
Eu, candidata ou candidato, no Estado .........................., comprometo-me, no caso de ser eleita ou eleito, a construir, com o conjunto da sociedade civil organizada, de movimentos sociais e dos conselhos de políticas públicas, ações legislativas e/ou executivas e a mobilização social necessária para concretizar as propostas encampadas pela Frente Nacional contra a Fome e a Sede como plataforma política, apresentadas no documento Agenda Betinho 2022.
(Manifestação na plateia: Lula Presidente!)
(Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Então, passo agora a Presidência para a querida Deputada Maria do Rosário.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Está bem.
Cumprimento os prezados colegas. Há Parlamentares já compondo a Mesa, como a Deputada Erika Kokay e o Deputado Bohn Gass. Também estamos acompanhados da querida Laura Sito, Vereadora em Porto Alegre, que assinou a carta conosco. S.Exa. tem um trabalho belíssimo, sendo representante dessa causa junto às Nações Unidas. Registro todo o nosso reconhecimento à luta de S.Exa.
Aqui, lado a lado com o Deputado Bohn Gass e a Deputada Erika Kokay, quero agradecer ao Deputado Rogério Correia. Agradeço também ao Deputado Padre João, que, em seguida, estará também no comando da audiência. O Deputado Padre João é o Coordenador da Frente Parlamentar. S.Exa. é que nos tem mobilizado. Então, são mandatos de muita presença pública e social, de muito compromisso.
Nós ouvimos aqui o Fábio Paes, que fez um pronunciamento muito importante, como representante da Frente Nacional contra a Fome e a Sede. Agradecemos.
Também ouvimos o Sr. Renato Sérgio Jamil Maluf, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar, a Rede PENSSAN; e o Sr. Flávio Botelho, do Instituto Fome Zero. Agora vamos ouvir a Sra. Susana Prizendt, do Movimento Banquetaço, que está on-line e quer falar conosco.
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Todas essas organizações fortalecem essa reunião, que está sendo um grito de indignação. Esse grito demonstra que a fome, para os que atualmente governam o Brasil, é um projeto político, um projeto em que eles pensam que, mais uma vez, enganarão o povo. Mas, assim como o Betinho certa vez deixou-nos como legado a luta contra a fome, os movimentos sociais do campo e da cidade têm um projeto de vida, um projeto de soberania alimentar e nutricional para o Brasil, um projeto de autonomia do nosso País.
Nós queremos agradecer, e muito, à CONTAG, ao MST e às organizações que estão aqui, porque quem tem tido a atitude política de lutar contra a fome e de lutar pela vida e a atitude da solidariedade são as organizações do campo e da cidade. E quem tem imposto a fome é o Governo do neoliberalismo e do ódio.
Portanto, ao passar a palavra para a Susana, a Presidente do Banquetaço, deixo também a nossa saudação. Registro a nossa saudação a todos os que lutam no campo e na cidade e que se organizam para derrotar a fome e o ódio que estão representados em quem se encontra na Presidência da República neste momento, para a tristeza do Brasil, mas que passará, porque, assim como eles têm um projeto de fome, nós temos um projeto de vida. Tal projeto de vida disputa as consciências e o coração do Brasil e está apresentando a este País propostas concretas para a superação desse momento tão difícil que passam também a política e a economia.
Eu agradeço, então, em nome do Banquetaço e da Campanha Gente é pra Brilhar, Não pra Morrer de Fome, que eu também estou aqui representando, a oportunidade de participar desse encontro tão essencial.
Eu vou começar trazendo uma pergunta absolutamente direta: por que a fome está fazendo esses 33 milhões de brasileiros e brasileiras sofrerem se nós somos o País que tem o famoso agro, que diz que alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo?
Então, se há uma crise planetária devido à pandemia, à emergência climática e à guerra, dá para entender que os países que não têm um solo amplo e um solo fértil, como é o nosso, tenham dificuldades para alimentar a sua população. Mas esse não é o nosso caso, porque, no ano passado, nós produzimos uma quantidade equivalente a cerca de 1 tonelada de grãos por habitante no País. Eu acho importante repetir: produzimos o equivalente a 1 tonelada, que são 1.000 quilos, de grãos por habitante no País.
Só que aí está o problema, porque esses grãos, que são produzidos com a nossa água, com a fertilidade do nosso solo e com os recursos financeiros dos nossos impostos, são destinados ao grande agronegócio, que produz mercadorias, commodities para serem comercializadas no mercado internacional e não produz alimentos.
Então, eles estão engordando os bolsos de uma minoria e esvaziando a barriga de uma parte cada vez maior da nossa população.
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16:49
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Nós da Gente é pra Brilhar, Não pra Morrer de Fome surgimos para denunciar e repudiar esse sistema produtivo, que suga o que há de melhor no nosso País para nos dar em troca os pratos vazios na mesa das casas brasileiras; surgimos para protestar contra o crescente boicote que o atual Governo tem feito à agricultura familiar, desde que ele assumiu o Poder, destruindo as políticas públicas de apoio à produção de comida e estimulando o avanço das monoculturas produtoras de bens para exportação; surgimos para expor que o resultado dessa ação inaceitável não é somente a fome, que segue devorando até a própria população do campo, mas é também o cenário em que o nosso solo está sendo empobrecido, nossa água está sendo contaminada, envenenada, e a natureza está sendo destruída em níveis dramáticos, o que vai comprometer a vida de gerações e gerações de brasileiros; surgimos para denunciar essa situação abusiva e cruel, mas esse não é o nosso principal objetivo.
O que nos prontificamos a fazer e estamos fazendo desde 2020 é agir: agir com vigor para mobilizar a sociedade para socorrer as pessoas que acordam todos os dias sem saber se vão ter um prato de comida. Fazemos isso principalmente através do que chamamos de Marmitaços, que podem ser entendidos como mutirões de produção de refeições que envolvem centenas de organizações sociais em diversas localidades.
Além dos Marmitaços e de outras ações em rede, nós incentivamos a união dos movimentos do campo, da cidade, das florestas e das águas para que o alimento nutritivo, produzido com justiça social e integração com a natureza, possa chegar à mesa da população vulnerável.
Se essa rede solidária está nutrindo milhares de crianças, mulheres e homens, ela nutre muito mais do que isso. Ela nutre, sobretudo, a criação de um País mais vivo, saudável e inclusivo, em que todos os seres são considerados em sua integridade.
Então, mais que para denunciar, surgimos para anunciar que podemos plantar as sementes de um novo sistema alimentar, em que a produção camponesa seja apoiada para gerar os frutos que nutrem o nosso povo; em que a ganância de uma minoria não esteja acima da vida dos seres humanos nem da preservação da natureza; em que o Poder Executivo e o Poder Legislativo atuem para garantir a justiça e a dignidade da população e não para permitir que o nosso território seja explorado por interesses financeiros.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Belíssimo pronunciamento!
Quero também pedir licença para dizer que toda vez que os Deputados olham para o telefone deles aqui é porque eles estão votando no que está ocorrendo no plenário grande, que está funcionando. Nós estamos cuidando das votações lá. Então, isso é uma forma de explicar que não estamos mexendo no telefone por qualquer coisa, estamos mexendo no telefone porque o voto acontece lá ao mesmo tempo em que estamos na luta aqui para ouvir vocês, para anotar e para fazer um programa importante para transformar o Brasil.
O SR. BOHN GASS (PT - RS) - Quero saudar a nossa Deputada Maria do Rosário, saudar todos vocês, saudar a Deputada Erika, saudar a nossa querida Vereadora Laura Sito, de Porto Alegre, saudar cada entidade que está aqui.
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Nós precisamos falar isso, que parece óbvio, mas tem que ser dito: não precisava existir gente passando fome! Já existia no Brasil. Nós tiramos o Brasil do Mapa da Fome. Foram as políticas públicas, as compras públicas, o PNAE, o PAE. Aristides, Alexandre, todos os nossos companheiros dos movimentos sociais, o que aconteceu? Deem dinheiro, política pública, financiamento, crédito e assistência técnica para a nossa agricultura familiar, e nós poderemos produzir o suficiente — o suficiente! Então, fome é opção de Governo, é ausência de política pública.
Fazer as pessoas passarem fome é uma opção de Governo. O Lula disse: "Minha alegria é eu chegar no final do meu Governo e cada um fizer o seu café, seu almoço e sua janta". Parece uma coisa tão simples, mas não é tão simples. Ver cada um se alimentar — e se alimentar bem — é fundamental.
Quero concluir a minha fala dizendo apenas uma coisa de uma tarefa que, a partir de agora, nós temos que trabalhar. Não é cobrado de uma Prefeitura que ela tenha um departamento no fundo de uma secretaria que esteja preocupado com a alimentação, assim como não é cobrado de um Governo Estadual que ele tenha uma secretaria nem do Governo Federal que ele tenha um Ministério ou departamento para isso. Nós temos que ter o tema da alimentação como um programa intersetorial e interministerial, com uma ideia que dialoga com todos os setores de conceito territorial, vamos dizer assim, em que vão se alocar recursos e programas. Então, o Ministério da Educação vai falar, sim, de alimentação. O Ministério da Ciência e Tecnologia vai falar de um programa que é intersetorial de alimentação. A pesquisa vai falar de alimentação, como a assistência técnica, todas as áreas, todos os setores. A gravidade exige esta ação.
Aprendi, Deputada Maria do Rosário, que foste Ministra no Governo quando Mauro Morelli era integrante do Conselho de Segurança Alimentar, ele me disse assim: "Bohn Gass, não é só Conselho de Segurança Alimentar, é também nutricional".
Aqui vai outro recado, Deputada Erika Kokay, da qualidade alimentar e nutricional, contra os venenos, contra esses pacotes que se distanciam do ambiente, destroem o ambiente, que não fazem exatamente a integração das pessoas com o ambiente. Essa é a minha mensagem: programas intersetoriais como principalidade de todas as ações, senão nós não vamos combater a fome, e, ao mesmo tempo, respeito aos outros valores que são os ambientais, enfim, os da vida, das pessoas e do ambiente.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muito bem, Deputado Elvino Bohn Gass, um grande lutador. Se tiver que ir e voltar, todo mundo já está entendendo qual é a dinâmica.
Tenho a honra também, Laura, de poder anunciar a presença do Vereador Marlon e do Vereador Dajulia, de Bagé, no Rio Grande do Sul, que nos acompanham nesse momento, que são lutadores. Para nós, é muito importante a presença de vocês que acompanham esta audiência pública.
Fará uso da palavra o Sr. Jean Pierre Tertuliano Câmara, representante do Colegiado de Presidentes e Presidentas dos Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional.
Nessa semana inclusive nós tivemos, no Rio Grande do Sul, uma grande e importante conferência de segurança alimentar e nutricional, com a presença de vários Estados que até mesmo foram acompanhar.
Quero abraçar o CONSEA no Rio Grande do Sul, mas também dizer que esses representantes do Colegiado de Presidentes e Presidentas dos Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional sempre carregam a pauta da recuperação do CONSEA Nacional, que foi o primeiro Conselho que este Governo do ódio e da fome atacou, foi o primeiro para a liberação dos venenos, sem nenhum critério, para realmente atacar a soberania alimentar e nutricional. E, como disse o Deputado Elvino, isso é um projeto. Por isso, mostrou-se que o primeiro Conselho a ser atacado foi aquele que tinha representação do povo para garantir o alimento, o direito à alimentação como soberania e como direito humano.
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16:57
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Quero saudar a Deputada Maria do Rosário, com quem tive o prazer de ter compartilhado a Conferência Estadual no Rio Grande do Sul nesses dias, o Deputado Padre João, todos que estão aqui neste plenário nos assistindo e todos que compõem essa Frente Parlamentar.
Este é um momento muito importante, ao estarmos unidos e manifestarmos a nossa participação social neste momento, reunindo as forças populares, no sentido de construir um mundo melhor, de construir uma agenda ativa. Como a Deputada falou, um dos símbolos desse ataque e desse projeto de fome foi o ataque ao CONSEA Nacional. Quando nós, reunidos num espaço plural, pluriétnico, capaz de articular as forças da sociedade civil organizadas, somos desmantelados, assim como todos os sistemas — os sistemas de proteção social, como o SUAS e o SISAN — que vêm sofrendo gradativamente ataques com desmantelamento para desconstruir todos os passos importantes na construção dos direitos neste País. A participação social foi um dos pontos principais do ataque do então Presidente Jair Bolsonaro à participação popular.
Hoje, ao olharmos para esse processo em que o CONSEA Nacional foi destituído, mais de 20 conferências estaduais foram realizadas, porque o CONSEA Nacional tinha deflagrado um processo de criação das conferências estaduais e da nacional. Esse processo foi interrompido, e nós conseguimos, por meio da participação nos conselhos estaduais, criar mais de 20 conferências estaduais, que colocaram no seu escopo a questão da fome, dos retrocessos e das inúmeras moções que colocavam o retorno da agenda do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
A CPCE tem hoje esse espaço constituído por representantes dos Conselhos Estaduais. Digo ainda que esses representantes estaduais são representantes da sociedade civil porque os seus Presidentes ainda são da sociedade civil, num esforço conjunto de garantir a participação das forças da sociedade civil nesse processo. Essas conferências e os Estados têm atuado no sentido de mostrar os alertas do retrocesso, os alertas da fome, os alertas daquilo que ameaça o povo tanto nas questões ambientais, que se conectam com a dimensão da fome, como com a ausência e com a grande lacuna do desmantelamento e da falta de políticas públicas.
Sofremos o ataque do Bolsa Família, que foi descaracterizado; do PAA; e de tantos outros programas que surgiram do diálogo com a sociedade civil. Esses programas foram desestruturados e desmantelados. O que eu quero dizer é que esse espaço da participação do CONSEA precisa ser retomado, mas precisa ser retomado na sua originalidade, com a representação dos dois terços da sociedade civil, com a representação da sua Presidência pela sociedade civil e com todo o conjunto de diretrizes que nós construímos contra a fome.
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17:01
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Nós aqui nos Estados conhecemos e vivemos na pele junto com os Municípios o endereço da fome. Sabemos que o endereço da fome está no que o Maluf colocou: nas mulheres, na população negra, nas famílias com mais crianças. São nesses espaços que sentimos os alertas para denúncias de violação desse direito humano. Vemos crianças desmaiando por fome nas salas de aula e pessoas criando filas para conseguir garantir uma cesta básica.
Neste momento é oportuno construir um Brasil diferente, pensando nessa agenda. Nesse sentido, a CPCE tem colocado uma agenda à disposição para os candidatos ao Executivo e ao Legislativo no sentido de pensar políticas públicas para a segurança alimentar e nutricional e tem dialogado para interagir em uma agenda conjunta pela superação da fome.
Antes de encerrar, nestes 6 meses em que haverá a posse de um futuro Presidente, nós ainda temos muito o que fazer. Temos que estar atentos a quem vamos colocar nesta Casa Legislativa, a quem vamos colocar no Senado, a quem vamos colocar na Presidência da República, porque existem neste País, neste momento, dois projetos: um de vida, que pensa no futuro, articula com a agricultura familiar, pensa nos povos e comunidades tradicionais e na população de uma forma geral; e outro de morte, que é esse projeto que está ganhando força no sentido de ampliar veneno, de colocar veneno na mesa, de construir conflitos e de matar lideranças.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muito obrigada, Jean Pierre, representante dos Presidentes e Presidentas dos Conselhos Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional.
Quero convidar para comporem a Mesa o Deputado Nilto Tatto, do PT de São Paulo, e o Deputado Paulo Pimenta, que é Presidente do PT do Rio Grande do Sul.
Antes de passar a palavra ao próximo orador, queria pedir ao Vereador Marlon e à Vereadora Laura, que já veio aqui, para que assinem essa carta conosco. S.Exas. são Parlamentares também — não são candidatos, mas são Parlamentares. Então, venham até aqui! O Deputado Paulo Pimenta vai trazer a carta assinada pelo Deputado Nilto Tatto também. Vamos fazer uma foto com a carta!
(Palmas.)
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17:05
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A próxima inscrita é a Mariana Santarelli, e está aqui o Pedro Vasconcelos, representante da FIAN Brasil, organização pelo direito humano à alimentação e nutrição adequadas. Vamos deixar registrado que a ordem dos inscritos foi organizada pelo Deputado Rogério Correia com as entidades.
Quero agradecer e saudar toda a Mesa e todos os Parlamentares em nome da FIAN Brasil, que estou representando hoje.
O direito humano à alimentação e nutrição adequadas é um pilar da nossa atuação e da de muitos colegas da sociedade civil, organizações, entidades e Parlamentares aqui reunidos. Na FIAN temos uma atuação em diferentes níveis de governo e de sociedade, aos quais levamos a preocupação com a qualidade da alimentação, com os territórios, com os povos responsáveis pela alimentação, pela produção, pela distribuição e pelo consumo, e acompanhamos casos em que esse direito humano tão fundamental para o exercício efetivo de outros direitos é violado. Acompanhamos casos como, por exemplo, os que o Deputado Padre João sempre nos auxilia, o do Vale das Cancelas, em Minas Gerais, e o dos guarani kaiowás, no Mato Grosso do Sul.
Também temos uma atuação aqui no Congresso Nacional, para o qual quero chamar a atenção nesta breve fala — chamo a atenção de Parlamentares que estão aqui presentes. Nós vemos na questão dos agrotóxicos uma grande ameaça e uma grande violação a esse direito humano à alimentação e nutrição adequadas. Convidamos Parlamentares a se somarem à luta que está acontecendo ainda hoje no Senado por meio do Projeto de Lei nº 6.299, que infelizmente passou na Câmara e está lá no Senado como o Projeto de Lei nº 1.459, conhecido como o PL do pacote do veneno. Somamo-nos a várias entidades e Parlamentares que estão lá tentando combater e pedir para que esse projeto tramite por outras Comissões.
Mas eu queria chamar a atenção aqui na Câmara dos Deputados, aproveitando que estamos discutindo a questão da fome, para a importância de um programa que foi citado rapidamente, mas que precisa ser mais valorizado e mais conhecido em todo o Brasil, porque é uma das políticas públicas mais antigas e eficientes que nós temos. Trata-se do PNAE — Programa Nacional de Alimentação Escolar. A sociedade civil está mobilizada em defesa do PNAE, que está com os valores do seu orçamento muito defasados. Não temos reajustes adequados pela inflação desde 2010. Com muita luta, muita garra e muito apoio de alguns Parlamentares desta Casa, conseguimos aprovar uma emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias agora em julho, mas precisamos do apoio de Parlamentares para garantir que ela seja sancionada com garantia de reajuste pelo menos desde 2017.
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17:09
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Os valores defasados impedem a garantia do direito humano à alimentação para crianças e adolescentes em todo o Brasil. Se formos dialogar, por exemplo, com os dados do VIGISAN, que foram colocados pelo companheiro Renato, nós teremos o terrível número de que a insegurança alimentar grave dobrou entre crianças de até 10 anos entre 2020 e 2022. Estamos falando de 9,4%, em 2020, para 18,1%, em 2022. Estamos falando, como o colega do CONSEA falou, de crianças e adolescentes que estão passando mal, desmaiando porque não têm alimentação e nutrição adequadas. Muitas famílias contavam com as escolas — e contam ainda — para poder receber essa alimentação. O valor é muito insuficiente, tanto que foi considerado na LDO, e nós queremos ajuda para que esse aumento de orçamento seja sancionado.
Também queremos o auxílio dos Parlamentares para prestar atenção, entendendo esse lugar do PNAE no combate à fome, à importância de protegermos o PNAE contra algumas tentativas de sequestro do programa para fins escusos, por exemplo, fins de reserva de mercado. Estava hoje na pauta do plenário um projeto relacionado à questão do leite, um projeto bom inclusive, do Deputado Reginaldo e da Líder, mas veio um apensado que trouxe a obrigação de inserção permanente da compra de leite no PNAE. Então, todo mundo aqui tem que estar atento para esse tipo de ameaça que a indústria e o agro têm colocado contra um programa que funciona muito bem com o seu marco legal.
Quero me solidarizar também com as lutas de todos os colegas aqui, que possamos fazer essa frente e colocar nela Parlamentares que estejam sensíveis a isso em todos os níveis de Governo — inclusive eu estou aqui com a Vereadora e futura Deputada Laura — e que isso seja sensível também nos Estados. Mas precisamos da força do Governo Federal para fortalecermos esse programa.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muito obrigada, Pedro Vasconcelos, que falou aqui pela FIAN Brasil, Organização pelo Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas.
Agora tem a palavra a Sra. Mariana Santarelli, representante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.
Deputado Pimenta, se V.Exa. ou a Deputada Erika quiserem usar da palavra antes de terem outro compromisso... Eu apenas estou acelerando aqui porque são muitas entidades, e a Deputada Erika Kokay me disse para ouvirmos primeiro elas. Mas, se o Parlamentar tiver um compromisso, é só dizer — não é, Deputado Padre João? — que concederemos a palavra para não perdermos o pronunciamento.
A SRA. MARIANA MENEZES SANTARELLI ROVERSI - Boa tarde, Deputada Maria do Rosário. Boa tarde, demais Deputados presentes, Deputado Pedro Uczai, Deputado Padre João, dentre outros da nossa querida Frente Parlamentar da Segurança Alimentar e Nutricional, com a qual temos colaborado muito nos últimos anos, como em várias frentes muito importantes, dentre as quais eu destaco a Frente da Alimentação Escolar, que é um programa que o Fórum acompanha muito de perto através do Observatório da Alimentação Escolar — e temos podido contar com todo o apoio da Frente Parlamentar nessa iniciativa.
Em nome do Fórum, eu acabo aqui também representando a Conferência Popular por Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, que é um movimento de resistência à extinção do CONSEA Nacional, um movimento formado pelo conjunto de 22 organizações e movimentos sociais que historicamente têm se engajado com o tema da soberania alimentar, com a construção da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
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17:13
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Eu vou aproveitar esses 5 minutinhos que eu tenho aqui para rapidamente falar de um documento elaborado pela Conferência, que é o Manifesto pela Soberania Alimentar e Superação da Fome. Trata-se de um movimento que fizemos direcionado aos candidatos e candidatas às eleições de 2022, tanto ao Executivo quanto ao Legislativo.
Elaboramos esse documento num momento de muitas expectativas de que, de fato, entremos em um novo momento político em que seja possível revertermos os desmontes que vimos acontecer nos últimos anos, essa terra arrasada que estamos vendo nos últimos 6 anos, que possamos retomar esse espírito de participação social e de diálogo frutífero que sempre tivemos na formulação das políticas públicas.
Começo a minha fala reforçando que tivemos a oportunidade, na semana passada, de ter um diálogo com as pessoas que estão engajadas na elaboração do documento de governo do Partido dos Trabalhadores. Muito nos surpreendeu não ter visto nesse documento menção ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional — SISAN, que é o sistema que organiza as nossas políticas públicas de forma intersetorial para garantir o direito humano à alimentação. Foi um processo muito importante colocar esse sistema de pé desde os primeiros anos do Governo Lula. Essa foi a maneira de materializar o nosso Fome Zero, e vimos que ele está ausente do programa de governo. Gostaríamos muito da oportunidade de ter esse instrumento de políticas públicas vivo, com todas as suas instâncias — o CONSEA nacional, os CONSEAs estaduais, a câmara interministerial — e com a elaboração a cada 4 anos de um Plano Nacional de Segurança Alimentar. Entendemos que isso é fundamental para que possamos dar as devidas respostas ao enfrentamento da fome.
Essa carta está organizada em quatro eixos. No primeiro eixo, trazemos um conjunto de propostas relacionadas à proteção social, à melhoria da renda e ao acesso aos alimentos. No segundo eixo, falamos do acesso à terra, à água, à biodiversidade, à defesa dos bens comuns. No terceiro eixo, falamos da produção e do consumo de alimentos saudáveis na agricultura familiar. E, no quarto eixo, falamos do abastecimento alimentar por meio de cadeias curtas de comercialização.
Acho que a fala da Susana foi muito importante. Temos visto no Brasil a perda de terras historicamente cultivadas pela agricultura familiar, pelos povos e comunidades tradicionais. Cada vez mais essas terras são destinadas para a produção do agronegócio, para a exportação, em detrimento da produção para o consumo nacional.
Eu chamo a atenção para algumas das propostas que estão colocadas nessa carta que dizem respeito especificamente ao papel do Congresso Nacional. A primeira delas é a revogação do teto imposto pela Emenda Constitucional nº 95. Achamos muito importante que o teto de gastos seja derrubado nessa Casa. Vemos como muito relevante a retomada do Programa Bolsa Família no seu desenho original. Isso certamente vai exigir rever os marcos legais desse programa, voltar a ter o Bolsa Família no lugar do Auxílio Brasil, tendo o CadÚnico das políticas sociais como o cadastro em que essas famílias acessam o programa, retomando o papel do SUAS. É importante também fazer a revisão da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. Quando houve a aprovação dessa Lei Orgânica em 2006, a alimentação ainda não era um direito na Constituição Federal. Conseguimos assegurar esse direito na Constituição Federal, e isso traz novas possibilidades que precisamos rever na nossa LOSAN e que podem potencializar o SISAN.
Este pode vir a ser também um sistema de comando único, como é o caso do SUS, e ainda se tornar mais potente, com um fundo por meio do qual possamos descentralizar recursos para a execução das políticas nas esferas estaduais e municipais.
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17:17
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Nós avaliamos como muito importante também o papel do Congresso Nacional na regulamentação do aumento da tributação dos alimentos ultraprocessados por um lado e, por outro, da desoneração dos alimentos básicos e in natura.
Claro, também é preciso impedir essa onda de passar a boiada em projetos de lei, como é o caso do PL da mineração em terras indígenas, o PL do marco temporal, o PL da grilagem, entre tantos outros. Também é importante a instituição do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos — PRONARA.
Nós percebemos ainda o papel fundamental que esta Casa tem em assegurar anualmente, na votação da Lei Orçamentária Anual, o orçamento de programas estratégicos. Como o Pedro já colocou, tivemos recentemente uma conquista muito importante na LDO com um artigo que possibilita que o orçamento do PNAE seja aumentado em 36%. A LDO ainda está para ser sancionada pelo "despresidente" da República, e nós esperamos que isso seja garantido e que esse direito possa ser assegurado também na votação da LOA, com o devido papel que os senhores têm de guardiões do direito humano à alimentação.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muito obrigada, Mariana. Meus cumprimentos.
Eu vou me permitir fazer uma observação. A ata desta reunião será muito importante para todos e para todas que tiverem compromisso com os direitos humanos e com aquilo que está na Constituição. Aliás, isso não vem de 1988. Foi ao longo dos governos democráticos que, nesta Casa, nós aprovamos uma emenda constitucional que instituiu o direito à alimentação como direito humano e como direito fundamental.
Então, eu creio que a Mariana trouxe, de forma muito importante, o papel do Congresso e trouxe também uma avaliação acerca de um documento no qual eu tenho tido a responsabilidade de trabalhar, em conjunto com muitos, e muitos que aqui se encontram no campo democrático, que querem a liberdade no Brasil e a derrota dos que promovem a fome. Eu me refiro ao programa de governo do Presidente Lula e do Vice-Presidente Alckmin.
Eu já anotei a sua observação aqui, já que represento o meu partido, o nosso, o do Deputado Nilto Tatto, o da Deputada Erika Kokay na mesa de diálogo dos partidos. Pode ter certeza, Mariana, que o programa de governo proposto pelo Presidente Lula será comprometido com o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, com a reorganização dando poder real ao Conselho Nacional e aos conselhos estaduais, com o plano e as conferências, com a participação da sociedade e com o orçamento público, que faz a democracia — e não um orçamento secreto. Então, pode ter certeza de que as anotações estão feitas.
E todos os candidatos e candidatas que quiserem ver esta audiência pública anotem também. Nesta Casa, eu não vejo representantes do atual Governo vindo participar. Tomara que venham ouvir o que a sociedade tem a dizer sobre o enfrentamento à fome e à violência.
Inclusive, eu quero me somar ao que a Mariana falou, Deputado Nilto Tatto, sobre a revogação do teto de gastos, algo que também é programático na candidatura do Presidente Lula e que nós levaremos adiante.
Agora, eu quero fazer uma combinação aqui. O Deputado Nilto Tatto vai ficar aqui onde estou, como coordenador, mas o Deputado Padre João vai coordenar os trabalhos lá de Minas, porque é justo e adequado que o Coordenador da Frente Parlamentar, que tem levantado a causa, que é o próprio Deputado Padre João, coordene lá de Minas esta reunião.
Mas esta mesa não vai ficar vazia, porque vamos ter aqui um companheiro, ao lado de quem vou me sentar, e seguiremos na luta. Pode ser?
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17:21
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O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Deputada Rosário, é muito justo que quem está presente tenha a preferência.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - É que eu fico com vergonha.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - V.Exas. vão revezando. E, depois, eu faço uma fala ao final.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Então, V.Exa. pode se inscrever, porque eu não vou brigar com padre. Não é bom, não é prudente, ainda mais com um companheiro de luta como V.Exa., meu querido companheiro.
Estou representando aqui a Ação da Cidadania, fundada pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, em 1993, quando o IPEA lançou os dados da fome no Brasil mostrando que 32 milhões de brasileiros passavam fome naquele ano. E hoje, em 2022, deparamo-nos com dados que mostram que 33 milhões de brasileiros estão passando fome em nosso País, após termos saído do Mapa da Fome em 2014. Isso quer dizer que a luta que o Betinho começou no País, toda a mobilização que foi realizada, toda a participação popular em parceria com o poder público e com todos os setores sociais, só apresentou resultado em 2014, quando conseguimos que menos de 5% da população estivesse abaixo da linha da pobreza. Mesmo assim, ainda tínhamos um longo caminho a ser percorrido, porque o objetivo do ODS 2, de combate à fome, era de que, em 2030, chegássemos à fome zero em nosso País, com nenhum brasileiro passando fome. Então, em 2014, nós provamos ao mundo que somos capazes e viramos referência mundial. Nossos programas e nossas políticas públicas foram visitadas e levadas a outros países como referência.
Podemos pensar agora o que o Betinho diria neste momento. Acredito que ele diria que o Brasil fracassou como país, fracassou como economia, fracassou como política. Foi um fracasso. Um país que permite que 33 milhões de brasileiros voltem a sofrer a indignidade da fome fracassou. Foi uma tragédia!
Então, nós criamos a Agenda Betinho, com 92 propostas de políticas públicas, para tirar o Brasil do Mapa da Fome. Precisamos de uma força-tarefa de Municípios, de Estados, do Governo Federal, da sociedade civil, do poder público para que todos se engajem nessa reconstrução e consigamos de fato dar dignidade ao povo brasileiro.
Infelizmente, quem passa fome tem vergonha dessa situação e, além de ter vergonha, sente-se culpado. São famílias, mulheres e homens que se sentem culpados por não terem o que dar de comer aos seus filhos. Esse não é um problema pessoal. A fome é um problema social. Essas pessoas precisam entender — e nós estamos na ponta conversando e dialogando com elas — que elas não são culpadas e que precisam se organizar e se apropriar também das políticas públicas de combate à fome, para que, juntos, possamos exigir o cumprimento desse direito humano à alimentação adequada, que é um direito constitucional.
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17:25
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Então, além de cestas básicas, o Ação da Cidadania está distribuindo toneladas de alimentos, pois quem tem fome tem pressa, como dizia o Betinho. A sociedade civil organizada também está sendo referência nessa questão ao impedir que muitas pessoas morram de fome, pois ela está lá na ponta levando o alimento. Estamos provando que precisamos de ações imediatas, urgentes. Todos precisamos nos unir para levar o alimento. Estamos vendo que, por mais campanhas que façamos pelo País, não conseguiremos dar conta de alimentar diariamente esses 33 milhões de brasileiros. Precisamos de políticas públicas, precisamos reconstruir essas políticas públicas.
Estamos levando esse diálogo à sociedade. Estamos não só levando cestas básicas de alimentos, mas também, através de rodas de conversa e de criação de comitês, realizando esse diálogo a respeito do combate à fome. Como dizia Betinho: "A alma da fome é política". E é através da política que vamos conseguir resgatar a dignidade do nosso povo. O povo precisa participar. Estamos muito solidários com essas pessoas que estão vivenciando essa tragédia; estamos com elas. A Ação da Cidadania, as frentes de ação e os comitês populares estão levando o máximo de informações para essas pessoas somarem-se à luta. E o voto contra a fome está sendo uma campanha muito fundamental neste momento, porque essas pessoas e a sociedade civil precisam entender que, através do voto, vamos conseguir também combater a fome.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muitíssimo obrigada!
Como não agradecer, através da Ana Paula Pinto de Souza, a todas as pessoas que integram a Ação da Cidadania contra a Fome, ao longo de toda a vida? E como não agradecer ao próprio Betinho, que nos deixou um legado de resistência e emoção de gente que se importa com gente?
Antes de passar a palavra ao Alexandre Conceição, que representa aqui o MST, peço que o Fábio entregue à Leda e à candidatura coletiva do DF a carta-compromisso. Vamos pedir a todos os candidatos, candidatas e candidates que vierem por aqui que a assinem, pois ela tem um posicionamento contra a fome.
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17:29
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Boa tarde, querida Deputada Erika Kokay, Deputada Maria do Rosário, Deputado Padre João, que está escondido atrás da telinha, meu querido Deputado Nilto Tatto e demais colegas que estão aqui.
Eu queria fazer uma fala muito breve. Quando a gente fala de fome, a gente se remete ao nosso próprio passado. Quem já sentiu fome, quem já passou fome sabe que a fome não é só uma questão social, é uma opção de governo. Como é uma opção de governo, a ditadura militar que nós vivemos nos impôs a fome, o Império português nos impôs a fome, nos proibiu de produzir alimentos para produzir cana-de-açúcar e para produzir minério para mandar para fora.
Marx dizia que a história se repete. Quando ela se repete, ou é uma farsa, ou é uma tragédia. De fato, nós estamos repetindo uma tragédia da nossa história, que é a tragédia da fome, por conta de um governo, não por conta meramente da própria fome.
Maria do Rosário, querida Deputada, a fome tem uma raiz profunda no latifúndio. A base fundamental da fome no Brasil e no mundo é o latifúndio. Portanto, para combatermos a fome, temos que combater o latifúndio. Nós temos que retomar as grandes jornadas de demarcação de terras indígenas e desapropriação de terras no Brasil. Sem combater o latifúndio, não há o combate efetivo da fome no Brasil.
Quem está no poder é um Governo de natureza e raiz latifundiária. Foi por isso que o Brasil voltou ao Mapa da Fome. Portanto, não basta combater o latifúndio, é preciso combater também este Governo.
Nós estamos engajadíssimos na vitória do Presidente Lula, para derrotar, nas urnas, no campo e nas redes, este Governo latifundiário, este Governo que promove a fome no Brasil.
A segunda constatação que eu quero trazer é sobre o que nós precisamos nestes 62 dias que faltam para as eleições. Vocês assinaram, todos os Parlamentares assinaram esse compromisso. Vocês que estão aqui conosco nem precisariam assinar, por causa da raiz de vocês, da natureza de vocês, do compromisso que vocês têm conosco há anos nas suas vidas. Essas assinaturas são simbólicas, porque vocês têm compromisso com o combate à fome e não precisariam assinar.
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17:33
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Por isso, também é necessário o compromisso de vocês e o nosso com o próximo governo, de Luiz Inácio Lula da Silva. De imediato, ele ganhando e assumindo, que façamos um "revogaço" de toda essa canalhice que o Bolsonaro fez contra os movimentos populares que lutam pela terra e contra a agricultura familiar, destruindo não só as instituições como todo o orçamento da reforma agrária, da defesa do meio ambiente e da produção de alimentos saudáveis. Portanto, é urgente e necessário que se faça um "revogaço" de imediato.
Também será necessário fazer a recriação de Ministérios, Aristides, porque não basta a gente fazer uma ampla, grande e belíssima campanha se não houver um Ministério que possa conduzir o programa de combate à fome e o programa de combate ao latifúndio. Portanto, a criação do Ministério da agricultura familiar, da reforma agrária e do alimento é necessária para que a gente possa avançar cada vez mais nesse processo.
Termino dizendo, nos meus últimos 30 segundos, que também é necessário conduzir bem essa política de combate à fome e ter cuidado, Deputada Maria do Rosário, porque alguns pensam que a fome é um tema ligado à falta de renda. É também ligado ao tema da falta de renda, mas a fome é efetivamente a falta de apoio à agricultura familiar. Portanto, não basta entregar às pessoas um cartão para alimentação, porque esse cartão vai abastecer os supermercados, e não a agricultura familiar. Não vai organizar o campo, não vai organizar aquele que defende a natureza e produz alimento saudável, mas vai dar dinheiro para supermercados como o Carrefour, que mata negro sufocado nos seus estacionamentos. Nós não podemos pegar recurso público e transferi-lo por meio de um cartão para suprir supermercados. Nós temos que dar um apoio total e inconteste à agricultura familiar e à reforma agrária para que possamos avançar.
Eu quero finalizar parabenizando todos e todas que estão conduzindo essa belíssima campanha. Nós vamos difundi-la e divulgá-la para que possamos cada vez mais conscientizar o nosso povo de que um alimento saudável é fundamental para o nosso País — e alimento saudável sem combater o latifúndio é impossível.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muito obrigada, Alexandre Conceição.
Precisamos registrar a importância do MST e fazer um reconhecimento ao MST e a todos os movimentos do campo. Quero destacar um aspecto antes de passar a palavra para o Aristides.
O Alexandre trouxe a necessidade de alteração do modelo econômico e do modelo de produção no Brasil quando disse que não bastam o cartão e a renda. O fundamental é renda com cidadania, como ocorria com o Bolsa Família. A Ação da Cidadania também trouxe isso aqui, assim como várias organizações trouxeram, como a FIAN. Nós tínhamos esse modelo, mas foi destruído junto com o programa.
O que o Alexandre nos traz, o MST está nos apresentando e certamente o Aristides vai agora desenvolver é um alerta em relação ao modelo que acabou com a CONAB; modelo que se voltou exclusivamente para a monocultura; modelo que não se importa com o que há no prato; modelo que transformou comida em commodities.
Esse é o modelo do latifúndio, é o modelo deste Governo.
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17:37
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Então, nós devemos realmente estar preparados para defender a reforma agrária, para trabalhar em prol da produção de alimentos pela agricultura familiar. Nós precisamos de soberania. Defender a soberania não é defender apenas o patrimônio público das estatais, é defender a dimensão ambiental, é defender também a produção de alimentos saudáveis a partir da agricultura familiar.
O SR. ARISTIDES VERAS DOS SANTOS - Boa tarde a todas as pessoas que estão aqui presentes e a todos que estão nos acompanhando pelo meio virtual.
Cumprimento a Deputada Maria do Rosário, a Deputada Erika Kokay, o Deputado Nilto Tatto, o Deputado Padre João, que está nos acompanhando. Cumprimento todos os Parlamentares desta Casa que já passaram por aqui e os Vereadores e as Vereadoras que estão com a gente.
É um prazer para a CONTAG estar aqui. Agradeço o convite e faço deferência ao Deputado Rogério Correia pelo requerimento para participarmos desta audiência da Comissão de Legislação Participativa.
Aqui muitos já falaram, e o nosso tempo é bastante resumido. Por isso, nós queremos dizer, primeiro, que todo esse debate em relação à fome está vinculado ao que já foi dito aqui: à democracia, à soberania nacional, ao modelo de desenvolvimento, à opção que um governo faz de produzir commodities e não alimentos. Tudo isso já foi dito aqui.
Disse Dom Hélder Câmara: "Se dou pão aos pobres, me chamam de santo. Se pergunto por que falta pão para os pobres, me chamam de comunista e subversivo". Isso é a prova de que o tema da fome e da exclusão é muito importante, porque é político, é econômico e tem uma força muito grande.
Este debate é importante para que a gente entenda sobre as benesses que aparecem em época de eleição de certos governos que passam 4 anos aumentando a fome e a miséria do povo. Temos que nos conscientizar disso, e a sociedade como um todo tem que enfrentar essa situação para não cair nas armadilhas de quem tem muita perversidade e trata o povo sem ouvir a ciência, como fez na época da pandemia.
Eu queria rapidamente dizer que nós estamos aqui como representação da agricultura familiar e camponesa, que produz alimentos, a maioria dos alimentos que chegam à mesa da população brasileira. Nesse período, a fome aumentou também porque não houve investimentos em nosso setor. Na época da pandemia, nesses 2 anos, o orçamento foi perto de zero. Basta pegar o exemplo da assistência técnica.
Se qualquer negócio precisa de orientação técnica, imagine uma atividade agrícola de custeio de investimento numa unidade produtiva.
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17:41
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Nós já tivemos no Brasil, Deputada Erika, em torno de 600 milhões de reais para a assistência técnica no Orçamento da União. Hoje temos menos de 40 milhões de reais. Isso é a prova de que se acabou com todo o apoio à agricultura familiar.
Nós passamos 24 anos com um Plano Safra específico da agricultura familiar, para dar visibilidade e para mostrar para a sociedade quanto realmente era investido, qual era a forma, a política de juros, a política de assistência, a política de abastecimento, a política de comercialização. Agora temos apenas um Plano Safra, que mistura tudo e não deixa clareza para a sociedade como um todo.
Nós temos hoje um PNAE com quase zero de recursos neste ano. Na prática, não temos recursos, não é, Alexandre? O PNAE está sendo atacado, está com dificuldades. Agora estão tentando fazer uma retórica para botar a culpa nas Prefeituras quando o problema não é dos Prefeitos. Enfim, nós precisamos trabalhar.
O exemplo maior, Deputado Nilto Tatto, foi com os Projetos Assis Carvalho I e II. As duas Casas, Câmara e Senado, aprovaram os dois projetos de lei. O Presidente da República Bolsonaro os vetou por duas vezes. Este Congresso derrubou o veto, e o Governo ainda não os sancionou. Nós não fomos beneficiados por esse projeto ainda para a agricultura familiar, um projeto de fomento, algo importante que nos ajudaria a enfrentar inclusive os efeitos da pandemia. Isso não aconteceu.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu vou passar agora a palavra a Sra. Laura Soares Sito Silveira, representante da Frente Parlamentar contra a Fome da América Latina e do Caribe. É uma alegria imensa tê-la aqui!
A SRA. LAURA SOARES SITO SILVEIRA - Muito obrigada, Deputada Erika Kokay e Deputado Nilto Tatto. Eu queria também fazer um registro dos Deputados que passaram por aqui: o Deputado Rogério Correia, que foi o proponente aqui deste espaço; a minha conterrânea, a querida Deputada Maria do Rosário; e o Deputado Paulo Pimenta, que também passou por aqui. Gostaria de cumprimentar todas as entidades. É uma alegria podermos reencontrar tantos lutadores e lutadoras pela dignidade humana neste espaço num momento extremamente crucial do nosso País.
Fica evidente, a partir das nossas falas, que a fome não é resultado da escassez de alimentos ou da restrição produtiva no Brasil. A fome é uma questão política. Como dizia Josué de Castro, a fome é a expressão biológica dos males sociológicos. Isso talvez é o que compreendemos da forma mais expressa no Governo Bolsonaro, porque isso se debate agora e se relaciona, portanto, aqui no nosso debate, com as escolhas, os caminhos e os modelos de desenvolvimento.
Ficam aqui algumas perguntas para nós: Qual sociedade nós queremos construir? Qual será o papel do Estado na garantia da alimentação? Como o crescimento econômico e a ampliação produtiva beneficiarão o povo pobre e o mercado interno? Esses são desafios que são colocados para nós com a retomada democrática do nosso País e com a fome como imperativo primário a ser enfrentado.
Essas são perguntas que todos os países devem fazer, mas especialmente os países latino-americanos. Aqui, como bem a Deputada Erika citou, falo como representante — assim como o Deputado Padre João, que está aqui também — da Frente Parlamentar de Combate à Fome da FAO, da ONU. Essas perguntas devem feitas especialmente nos países latino-americanos, onde a insegurança alimentar moderada e grave atingiu mais de 40% da população no ano passado, mesmo com a produção de alimentos da nossa região sendo suficiente para alimentar o dobro da população — aqui no Brasil, inclusive, dando para alimentar seis vezes a população que nós temos.
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Eu penso que isso indica a falência dos modelos que limitam a atuação do Estado na redução das desigualdades e na promoção do desenvolvimento econômico. A fome não é uma condição humana, e a fome tem solução. Isso perpassa pela garantia do emprego e da renda na mão dos trabalhadores, pela reforma agrária, pelo fomento à agricultura familiar, pelo fortalecimento dos programas de alimentação escolar — o Brasil, inclusive, é referência no mundo —, cozinhas comunitárias, assim como diversas iniciativas.
Lá em Porto Alegre, nós temos uma rede de mais de 14 cozinhas comunitárias. Acabei de receber uma notícia ótima do Vereador Flavius D’ajulia, de Bagé, da nossa rainha da fronteira, de que também vão abrir uma cozinha comunitária lá. Essas são iniciativas importantes da sociedade civil.
Mas é necessário que nós tenhamos políticas integradas de compras públicas, de estoques públicos na distribuição de alimentos, infelizmente um conjunto de iniciativas que estão na contramão daquelas adotadas pelo Governo Bolsonaro. Hoje o teto de gastos desidrata todas as políticas de segurança alimentar. O CONSEA Nacional foi totalmente desestruturado — como aqui bem foi dito em várias falas —, o PAA foi praticamente extinto, e o salário mínimo tem uma perda de poder de compra profunda.
É claro que a pandemia agravou a crise que nós já vivíamos no Brasil, mas o fato é que ela encontrou um País sem estrutura para fazer um enfrentamento real aos problemas sociais que temos. É por isso que, hoje, apenas 41% dos domicílios brasileiros estão em situação de segurança alimentar assegurada. Vejam só a gravidade deste número: 60% dos lares estão com prejuízo na qualidade da alimentação do seu povo, das suas famílias. São 33 milhões de pessoas passando fome. É insustentável e generalizada a precariedade para os trabalhadores e trabalhadoras do nosso País, uma realidade que tem raça e que tem gênero: são os lares chefiados por mulheres, é a maioria dos lares negros do País que sofre com essa realidade.
Não há alternativa senão o pacto para se repensar o nosso modelo de desenvolvimento de reduzir as desigualdades e de pôr fim à fome. O único número aceitável para a fome é o zero. Ele deve ser a nossa prioridade. Por isso, devemos envolver todo o aparato institucional, reunindo Executivo, Câmaras, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, mas também é fundamental que possamos reunir os movimentos sociais, a comunidade, o campo. Nós devemos chamar também setores do empresariado que tenham a responsabilidade de compreender que enfrentar a fome é uma responsabilidade de todos e todas.
O lado bom é que o nosso País sabe os caminhos para reduzir a pobreza e a fome. Fomos nós o País que elaborou exemplos como o PNAE, como o Fome Zero, como o PAA, como o Bolsa Família. Somos o País que, em 2014, havia saído do Mapa da Fome graças ao conjunto de políticas públicas que se inter-relacionaram e criaram condições para garantir dignidade ao povo.
Por fim, é preciso que nós consigamos ter políticas muito firmes, como bem aqui o Alexandre Conceição falou, da revogação das contrarreformas que essa agenda ultraliberal apresentou para o Brasil, que nós consigamos ter políticas firmes de transferência de renda e fortalecer o CONAB, a implementação da Lei Assis Carvalho prevê a liberação de 2,5 milhões de reais para camponeses afetados pela pandemia cuja situação seja de pobreza ou extrema pobreza, o pagamento de 3 mil reais para núcleos liderados por mulheres, além da possibilidade de renegociar suas dívidas e financiar as suas próximas safras.
Só é possível sair desse mapa se nós tivermos políticas muito claras, muito firmes, tendo o Estado como indutor.
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Por fim, é preciso reestruturar e adaptar políticas de sucesso, como o Programa de Aquisição de Alimentos, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, políticas que completam circuitos curtos e incentivam a produção e, ao mesmo tempo, garantam o fornecimento de alimentos a quem mais precisa.
Mas, como o Governo Federal não encabeça a luta contra a fome, as iniciativas do nosso povo são pilares de cidadania e de dignidade. Aqui, mais uma vez, faço referência às cozinhas comunitárias, às redes de solidariedade, às doações que se espalham e que não deixam que o nosso colapso seja ainda maior. Nessa luta, eu destaco o papel das mulheres, que têm sido protagonistas nessa intensa rede de combate à fome que assola o nosso País. São medidas paliativas, mas merecem todo o respeito.
Por isso, deixo uma mensagem final a todas e a todos: que resistam à inação do nosso Governo, para que nós tenhamos a certeza de que cada dia que lutamos contra a fome e garantimos a dignidade a alguém para que possa dormir com dignidade também é um processo de acúmulo de forças para que possamos chegar a 1º de janeiro e ter forças para debater outra concepção de gestão do Estado que garanta a vida das pessoas e a sua dignidade em princípio.
Antes de finalizar, queria mais uma vez parabenizar a Comissão pelo espaço. É fundamental continuarmos articulando os atores e atrizes pelo País que lutam contra a fome e pela dignidade do povo, denunciando a calamidade em que o Brasil se encontra, para que nós possamos mobilizar a sociedade e, assim, dar muita força a um governo popular que vem aí, para que ele tenha muita força social para enfrentar as grandes barreiras que nós vamos ter no Poder Executivo, e também aqui no Poder Legislativo, para poder criar as condições objetivas para tirar o Brasil mais uma vez do Mapa da Fome.
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Laura.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Tem a palavra a Deputada Erika Kokay.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Eu começo saudando o Coletivo Chão, aqui presente, que tem o compromisso de combate à fome e, ao mesmo tempo, o compromisso pela reforma agrária, para devolver o Brasil ao povo brasileiro.
Penso que a fome, durante muito tempo, na nossa história, foi naturalizada, foi considerada como algo inerente à própria vida, como também foi naturalizada a desigualdade, como também foi naturalizada a pobreza. Enfim, houve uma naturalização do que não é natural. E nós tivemos uma experiência no Brasil que desnaturalizou a fome, que disse: "A fome não é natural". O Brasil viveu a experiência — isso foi realçado por várias pessoas que aqui falaram — de se livrar da própria fome. A fome é construída por um projeto. Eu diria que ela não é derivada de uma incompetência; ela é uma construção de um projeto que acha que a sociedade tem que ter a sua riqueza e as suas terras concentradas.
Quando nós falamos de fome e do enfrentamento da fome, estamos falando também de soberania nacional, porque um povo com fome é um povo com o corpo machucado, com a vida machucada. Um corpo machucado e uma vida machucada são mais fáceis de serem dominados. A fome, portanto, vai corroendo as entranhas de um país, vai rompendo a sua capacidade de vivenciar uma democracia e, ao mesmo tempo, vai corroendo a humanidade.
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Por isso, Betinho tinha tanta razão — e aqui também vi a Ana falar: "Quem tem fome tem pressa". Betinho dizia: "É preciso eliminar a fome". Desenvolveu um sentimento de pulsar a solidariedade, a solidariedade no sentido não apenas de enfrentar a fome de forma muito imediata, mas também de construir estruturas para que o Brasil possa vivenciar a sua grandeza, possa ter um projeto de desenvolvimento nacional, inclusive com geração de emprego, porque uma das formas mais estruturantes de eliminar a fome é o emprego, é ter um país onde não tenhamos quase metade da população economicamente ativa na informalidade ou tantas pessoas desempregadas ou desalentadas.
Mas a Ana argumentava e dizia de outro elemento de corrosão da cidadania e da condição humana que pressupõe a condição de sujeito. Por isso, o ser humano tem a possibilidade de ter consciência da vida, de pegar a vida pelas mãos e transformá-la. Por isso, a luta nos faz humanos, como a diversidade nos faz humanos, como a afetividade nos faz humanos, como a alteridade nos faz humanos. E dizia a Ana que há um sentimento de culpabilização das vítimas pela própria fome. É como se as pessoas se sentissem culpadas por estarem com fome e não conseguirem alimentar as suas próprias famílias.
Vejam como é cruel esse processo, que, para além de naturalizar a fome e dizer: "Essa é a parte que te cabe deste latifúndio", as covas rasas, como dizia João Cabral de Melo Neto, ou a fome é a parte que te cabe nesse latifúndio, ainda culpabiliza as pessoas, que são vítimas de um processo e de uma estrutura extremamente desigual. E a culpa corrói, a culpa domina, a culpa se entranha nos corpos e nas vidas e vai destruindo uma autoestima que é fundamental para a noção de autonomia e de transformação da própria sociedade.
Portanto, nós estamos vivenciando neste momento a fome. O ser humano não tem só fome de pão. Nós temos fome de amor, nós temos fome de afeto, nós temos fome de beleza. Temos tantas fomes; são tantas fomes que o ser humano tem, mas nós temos aqui uma fome de pão, uma fome que dilacera as entranhas desta Nação. E temos a destruição de uma série de programas. Quando se fala em Fome Zero, fala-se também em capacitação, em PRONATEC, fala-se em priorização nas políticas públicas, fala-se em PNAE, em PAA, fala-se, aqui no Distrito Federal, em PAPA, fala-se em distribuição da terra, em repartir a terra, fala-se em ter projetos de desenvolvimento que não sejam concentrados na produção do que não é consumido pelo povo brasileiro. Não é consumido pelo povo brasileiro e vai envolto de veneno.
Nós estamos falando da segurança alimentar e nutricional e estamos falando do alimento que tem que estar na mesa sem veneno. Nós não podemos continuar carregando a Bandeira Nacional, arrancada do povo brasileiro, com um cheiro tão forte de veneno, ou um cheiro tão forte de morte, ou crivada de balas, ou utilizada para ornamentar as salas escuras de tortura. A Bandeira Nacional tem que envolver a construção de um País que tem um projeto de desenvolvimento nacional que gere emprego e que restabeleça os espaços necessários para o desenvolvimento e o despertar humano.
Quando falamos de combate à fome, nós estamos falando também de educação, educação pública de qualidade.
Quando estamos falando de combate à fome, nós estamos falando de políticas de emprego; nós estamos falando de produção no campo; nós estamos falando de agricultura familiar; nós estamos falando de política de estoque, inclusive de alimentos, porque a monocultura e a produção para exportação que fazem com que nós tenhamos também a inflação. Também quando falamos de combate à fome, temos que falar de combate à inflação, porque não temos mais os armazéns de estoques. Há uma precarização da CONAB e há uma apropriação do Estado pelo seu contrário.
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Chega! Chega! O Estado não pode estar em posse daqueles que acham que ele tem que servir à iniciativa privada ou servir aos governantes. Nós não podemos mais continuar tendo ausência de políticas efetivas para o desenvolvimento deste País. Nós não podemos mais ter na FUNAI uma política anti-indigenista; na Fundação Palmares, uma política racista; no Ministério do Meio Ambiente, uma política antiambientalista.
Como disse Darcy Ribeiro, isso não é consequência de uma crise, é um projeto de destruição, de dominação do povo brasileiro para que este País não vivencie os ares livres e puros que vêm dos quilombos, mas continuem se remoendo nas casas-grandes e senzalas ou revivendo as neocolonialidades, com suas novas e com suas velhas formas. O colonialismo está se expressando neste País com as suas velhas formas. A tortura se expressa neste País com as suas velhas formas.
Aqui dizia o Alexandre Conceição, lembrando Marx, que a história se repete como farsa ou como tragédia. E aqui nós estamos vivenciando uma tragédia que também é uma farsa, porque é uma negação da própria realidade, é uma negação da existência do outro. As botas e baionetas, literais e metafóricas, estão esmagando a condição de um povo ser efetivamente livre.
Por isso, a Agenda Betinho esteve aqui, sendo lançada na própria Câmara. Mas essa agenda, que propõe tudo isso, diz que é preciso que não choremos mais e não estejamos aqui desejando a volta do que representa Betinho, que está entre nós. Betinho dizia: "Quem tem fome tem pressa". Mas também dizia — e, com isso, eu me calo — que, quando não conseguimos mais ver uma criança numa criança é porque ela foi vítima de tantas violações que só conseguimos ver o que fizeram com ela.
Espero que nós nunca deixemos de ver a humanidade que pulsa em cada corpo, porque não há corpos dissidentes. E eles querem que haja corpos que sejam hierarquizados, que sejam negados e que não possam vivenciar a plenitude humana.
Por isso, quem tem fome tem pressa, e nós temos absoluta convicção de que esse Brasil está prenho ou está grávido do seu contrário. Isso aqui é a gravidez, um útero grávido do contrário do que nós estamos vivenciando. É o Betinho, são as cordas e as linhas onde vamos nos equilibrando e traçando a necessidade de um país sem fome de pão, mas também sem fome de cultura, sem fome de educação, sem fome de beleza, um país onde possamos dizer: "Ah, enfim, essa humanidade represada, ferida e machucada se recompõe.
E nós não aceitamos mais na nossa pele as marcas da fome e nem as marcas de tantas desigualdades".
Sabe o que nós aceitamos na nossa pele, Deputado Tatto? São as tatuagens, que a canção diz que nos dão coragem de seguir viagem.
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A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - O comando da reunião agora é com o Deputado Nilto Tatto. Agora falará a Bruna. Depois, o Deputado Nilto já segue no comando aqui da nossa reunião.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Convido agora a Sra. Bruna Matos de Carvalho, da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.
A SRA. BRUNA MATOS DE CARVALHO - Boa tarde, companheiros. Cumprimento a Mesa em nome do Deputado Nilto Tatto e da Deputada Maria do Rosário, uma mulher sempre importante para a nossa representatividade, e, em especial, é claro, o Deputado Rogério Correia, de Minas Gerais, que propôs esta audiência aqui hoje e acolheu o pedido da Frente Nacional contra a Fome, e também contra a sede, assim como o Deputado Padre João — construímos tudo em conjunto — e o Deputado Pedro Uczai especialmente.
Vou pedir desculpas pela voz um pouco embargada. É difícil não se emocionar diante de tantas falas dos companheiros, diante da fala que foi tão potente da Deputada Erika agora. Ela relembrava João Cabral de Melo Neto, e é também com ele que eu quero começar aqui, que dizia:
E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). Somos muito Severinos iguais em tudo e na sina.
Esse trecho é de João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina, em 1954, mas poderia ser em 2022. É de quem diz da fome de hoje, é de quem diz do assassinato da juventude hoje, daqueles que nem sequer chegam à primeira infância — a Laura está aqui, é mãe. Então, é muito cara para nós a pauta da fome.
Hoje eu dizia o quanto eu estava ansiosa, porque, certa vez, eu ouvi de uma pessoa que eu amo muito: "Da memória da fome não se esquece". E nós não conseguimos esquecer esse assunto quando se ouve sobre isso. Isso é muito importante, porque, se o capitalismo, da forma como está construído, se o modo de produção, como está construído, desumaniza-nos, a grande tarefa daqueles que defendem a vida é lutar para que volte a haver de fato um processo de humanização, de humanidade.
Nesse sentido, como Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara, nós viemos — não só de agora — pautar que a fome é um projeto político. Nós falamos disso aqui algumas vezes. A fome é uma escolha política, é um projeto político de medo, é um projeto político de dominação, é um projeto de classe, porque há aqueles que acabam tendo que se submeter ao subemprego, que aumentou, à subutilização, que também aumentou em nosso País, nome usado pelos economistas — eu me esqueci de falar que sou economista —, um nome tão bonito para dizer daqueles que têm que fazer bico no fim de semana quando conseguem, e o tamanho do desemprego. Não é à toa que falamos que é de um projeto, porque há gente que lucra com o desemprego.
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Nós ouvimos, nos nossos territórios, nas ruas, para além de todas as paredes, de todos os espaços que está tudo bem. Então, se você não aceita esse emprego, vai ter quem aceite. Se você não aceita um salário de miséria, se você não aceita o assédio moral, se você não aceita o assédio sexual, há pessoas que vão se submeter a isso, porque têm medo de morrer de fome, têm medo que seus filhos morram de fome. Então, é nesse sentido que trazemos alguns elementos fundamentais: o desemprego aumentou enormemente no nosso País; o Real é a moeda mais desvalorizada entre as 30 moedas mais comercializadas, mais que o peso argentino. Isso não é à toa. Isso é um projeto.
Muitos comemoram que o agronegócio teve um lucro recorde. Esse lucro se deu devido ao alimento, que está mais caro — e eu poderia falar que está mais caro na mesa, mas, infelizmente, falta na mesa das pessoas no Brasil. A inflação recorde citada aqui nos últimos 12 meses foi de quase 12%, foi de 11,92%. A inflação não é um nome difícil. Ela é muito conhecida pelo povo brasileiro. O óleo de soja encareceu 180%, o gás encareceu mais de 70% e está fazendo com que hoje mais gente cozinhe com lenha do que com gás de cozinha, causando acidentes. A política não é distante. Ela é concreta, ela está na nossa vida. A perda do poder de compra, com esse salário que só diminui e que, na hora dos acordos coletivos, com a reforma trabalhista, com a reforma da Previdência, com a terceirização irrestrita, de longe, se, em 2014, nós comemorávamos que 90% das negociações ficavam acima da inflação, hoje não chegam a 30%.
Eu queria colocar ainda a questão do desmonte dos estoques públicos. Nossos companheiros aqui já falaram e muito das políticas públicas, e não vou repetir, mas os estoques públicos, para falarmos de coração para coração, é aquele feijão, por exemplo, que está com um aumento de mais de 100%. Quando havia estoque público, era possível regular o preço. Quando o Governo escolhia — porque é uma escolha política, e faço questão de reafirmar isso diversas vezes — ter um estoque para regular o preço, isso era possível e, obviamente, como trouxemos a questão nutricional, permitia que não houvesse tantas doenças, inclusive. Enfim, houve um desmonte geral.
Se a fonte da fome é política, a solução é política. Por isso essa carta hoje. Por isso esperamos, quem sabe, que o primeiro ato do próximo Governo, do Governo Lula, seja voltar com o CONSEA. Se o primeiro ato do Governo Bolsonaro foi acabar com o CONSEA, que o primeiro ato do Governo Lula seja retomá-lo.
Para nós, é impossível ouvir as seguintes palavras dos nossos representantes: "Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira". "Quem recebe 400 reais não passa fome", entre aspas, exatamente essas palavras. Quero saber quem dorme tranquilo, porque eu não durmo. Eu não consigo passar numa rua, em um sinal, e ver crianças com fome e dormir tranquila, não consigo ver pais com crianças nos ombros pedindo ajuda, por favor, vendo o constrangimento que passam. Eu não consigo dormir tranquila. Eu não consigo não me emocionar, não consigo não chorar. Eu fico pensando se os Deputados que não estiveram aqui conosco hoje, se o Presidente da República, se o Sr. Jair Bolsonaro coloca a cabeça dele tranquila no travesseiro, sem pensar naquelas crianças ou achando que elas não sejam mais crianças, como a Deputada Erika Kokay falou.
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Como organização ecumênica — a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara é ecumênica —, quero terminar dizendo que há muitos que querem tomar Deus para si, querem sequestrar Deus. Eu aprendi com a minha mãe, desde pequena, a seguinte oração: "Dai pão a quem tem fome, e fome de justiça a quem tem pão". Por isso, estamos aqui hoje com a nossa agenda, da Economia de Francisco e Clara, temos a Agenda Betinho, que há compromissos concretos, propostas.
Se não há competência, se não há competência e vontade para acabar com a fome, saiam da frente, porque, se o agronegócio não tem competência para acabar com a fome, a agricultura familiar tem, as universidades têm, as universidades públicas têm, os políticos comprometidos têm. Então, há quem tenha a competência. Nós já fizemos isso e nós faremos isso novamente.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Bruna. Inspirado até na sua fala, você que veio aqui falar pela Economia de Francisco e Clara, e inspirado também no Papa Francisco, quero aproveitar a Deputada Maria do Rosário e também fazer a minha fala.
Quero já chamar para compor a Mesa o autor do requerimento desta audiência pública, o Deputado Rogério Correia. Eu quero aqui já cumprimentá-lo e parabenizá-lo por essa iniciativa. Quero cumprimentar a Deputada Maria do Rosário, que estava presidindo aqui, a Deputada Erika Kokay. Quero cumprimentar o Deputado Padre João, que coordena e mantém vivo o debate, não só dentro do Parlamento, mas também de forma articulada com a sociedade civil, com os movimentos populares. Ele mantém vivo o debate sobre a segurança alimentar. Quero também fazer um cumprimento e parabenizar os estudantes da Escola da Vila, de São Paulo, que estão aqui. Quero parabenizá-los, porque, neste momento, estão acontecendo diversos eventos aqui dentro da Câmara. As escolas vêm para cá para conhecer como funciona o Parlamento e acompanhar determinadas audiências públicas, e é uma atitude, é uma ação política escolher este evento aqui para acompanhar este debate.
Mas eu queria aqui, como eu disse, inspirado na fala anterior, dizer primeiro que eu, ainda na época da criação da Ação pela Cidadania, eu estava no CEDI e participei daquela mobilização. Toda aquela mobilização pegou amplos setores da sociedade, igrejas, movimentos, academias e assim por diante e produziu um conjunto de políticas públicas que depois resultou talvez em um feito extraordinário, histórico de quando o Brasil teve o reconhecimento de ter saído do Mapa da Fome, podemos dizer assim.
Mas de uma coisa precisamos também ter clareza: precisamos ter ações emergenciais para o enfrentamento da fome, porque quem tem fome tem pressa, precisamos também ter ações estruturantes, para que o Brasil um dia saia do Mapa da Fome novamente e não volte nunca mais, mas não há possibilidade disso acontecer se não trabalharmos na perspectiva neste momento e derrotarmos este Governo da fome. Então, eu acho que precisamos ter clareza, do ponto de vista da emergência.
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Quero parabenizar os que mobilizam, em especial os mais pobres, os brasileiros mais pobres, que partilham o pouco que têm num movimento bonito de coleta e distribuição de alimentos. Por causa isso não há muita gente morrendo de fome, apesar de muitos estarem passando fome neste momento.
A Deputada Maria do Rosário está aqui, assim como companheiros e companheiras de movimentos e de entidades que contribuem para a elaboração do programa de governo do Lula. Nós também estamos nessa toada. Está lá a perspectiva de resolver estruturalmente o problema da fome e de enfrentar a desigualdade neste País. Necessariamente, isso passa por rever e rediscutir o próprio modelo de produção da agricultura e o modelo de distribuição da terra. Não há possibilidade de enfrentarmos a fome de forma estrutural sem a reforma agrária, sem a valorização da agricultura familiar.
Do ponto de vista conceitual, nós estamos falando também da agrobiodiversidade. Num país tão diverso como o nosso do ponto de vista étnico-cultural, tão diverso do ponto de vista das variedades da agricultura e da biodiversidade, precisamos incorporar a potencialidade que temos, essa riqueza que temos, a sociobiodiversidade do País.
Neste País, é necessário repensar a indústria, é necessário reindustrializar e parar de exportar simbolicamente o pau-brasil como se exporta hoje boi vivo, minério de ferro e soja em grãos. É preciso reindustrializar, a partir de toda a potencialidade que temos, da agrobiodiversidade e da própria biodiversidade, é preciso agregar valor. Qualquer cidadão que tem condições de entrar num supermercado e comprar um produto que vem da agropecuária da Europa e da Ásia compra com valor agregado. No entanto, aqui se bate recorde de produção na agricultura todos os anos, e há 33 milhões de pessoas passando fome e mais de 100 milhões de pessoas com insegurança alimentar.
Do ponto de vista estrutural, necessariamente temos que repensar o modelo da agricultura, colocar no centro do debate a crise climática, que precisa ser enfrentada. Só é possível enfrentá-la conceitualmente com aquilo que representa a agricultura familiar e com aquilo que conceitualmente representa a sociobiodiversidade deste País. Se nós não cuidarmos do solo, se não cuidarmos da biodiversidade, se não cuidarmos de ter água, não haverá possibilidade de produzirmos alimentos saudáveis. Por isso, também precisamos enfrentar a química, esse modelo que depende da química para produzir mercadoria, commodities, e que gera fome e que concentra a renda e que só se mantém porque também há concentração de terra.
São essas as questões englobadas que temos necessidade de colocar em perspectiva, para trabalharmos, que precisamos enfrentar de imediato, porque quem tem fome tem pressa. Precisamos avançar, inspirados em Betinho, para enfrentar a fome no momento.
Nós precisamos da inspiração, da mobilização que ele conseguiu produzir na sociedade. Precisamos ganhar na sociedade a tese de que temos que enfrentar estruturalmente a desigualdade, senão não vamos eliminar a fome, no futuro, de uma vez por todas.
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18:17
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Acho que este é um período propício para debatermos. Sabemos que precisamos derrotar este Governo para criar as bases do enfrentamento definitivo da desigualdade e da fome. Isso passa, necessariamente, por ganharmos esse debate na sociedade de forma diferente, com mais profundidade e com mais perspectiva de futuro sobre o que nós já experimentamos e fizemos. Nós já fomos de certa forma vitoriosos naquilo que se iniciou pela Ação da Cidadania, mas precisamos avançar mais. De certa forma, boa parte dessas teses está incorporada no documento, na própria Agenda Betinho 2022. Esses são o caminho e o desafio que estão colocados para cada um de nós.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Antes de conceder a palavra à Sra. Juliana Machado, representante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos — MTD, pergunto ao Deputado Padre João se já quer fazer uso da palavra agora ou se posso passar a palavra antes para a Juliana.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Sr. Presidente, se eu puder falar agora, falarei rapidamente, muito rapidamente.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Deputado Padre João, é uma honra escutá-lo. Por favor. Estamos ansiosos por ouvir suas palavras. V.Exa. coordena o Núcleo do PT.
O SR. PADRE JOÃO (PT - MG) - Obrigado. Desculpe-me, mas eu tenho um compromisso agendado.
Deputado Rogério Correia, nós temos que ter lucidez neste momento, devido à situação que vivemos e aos números aqui colocados — e não são números, são pessoas. Tudo foi uma ação política. Desde o Governo Dilma essas políticas são atacadas por uma elite que já estava no Congresso Nacional, por certa elite que estava no Poder Judiciário também. Agricultores familiares foram presos.
Permita-me citar Silvio Porto e servidores da CONAB que foram criminalizados, num ataque às políticas que estavam empoderando os mais pobres, empoderando os quilombolas, os pescadores, as comunidades indígenas, as comunidades tradicionais como um todo, para resumir. Isso foi agravado de fato com o golpe, e Bolsonaro optou por gerar miséria e pobreza.
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18:21
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Eu digo, Deputado Rogério, que a primeira assinatura do Bolsonaro foi quando tomou posse; a segunda assinatura, quando extinguiu o CONSEA, no dia 1º de janeiro de 2019, dia da posse dele. Ele elegeu como inimigos todos aqueles e todas aquelas que lutavam, combatiam as desigualdades, a fome, a miséria, empoderavam todos os povos de comunidades tradicionais.
A fome e a miséria têm origem no Governo Bolsonaro, quando são agravadas. Este ano é decisivo! "Ah, vamos ter que votar com Ministério, votar com isso, votar com aquilo". Nós temos que mudar a política, o rumo da política. Nós temos que retomar o Estado brasileiro. Por quê? Porque, ao extinguir o CONSEA, foram esvaziando todas as outras políticas. Com todo o respeito aos outros conselhos, às conselheiras e aos conselheiros, o CONSEA era o órgão que mais tinha a cara do Brasil. A plenária do CONSEA era para enxergar o Brasil reunido, com toda sua diversidade.
Ele foi à raiz e cortou toda a articulação do combate à fome e à miséria, com respeito a todas as outras entidades parceiras. Ele nega o território — não avançamos — para quilombolas, a reforma agrária para os geraizeiros, as terras da União. Ele desarticula tudo! Nega o território! E aqueles que tinham o território foram também atacados. Foram atacados, atormentados, o tempo todo, com atividade minerária, sempre ameaçados com veneno, com agrotóxico.
Duas atividades econômicas atormentaram o nosso povo, o tempo todo, agravaram a fome e a miséria: a minerária, de um lado; e o agronegócio, do outro. Essas atacaram o povo, gerando fome, miséria e insegurança alimentar.
Quanto às terras plantadas, avança a substituição de áreas plantadas, áreas de arroz e feijão, algo que agrava a fome e estende ainda a miséria. Até em outros Governos, mesmo que sejam populares, isso não se reverte de uma vez.
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18:25
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No 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar da Rede PENSSAN, fica muito claro que, naquelas famílias que têm um baixo grau de escolaridade, a fome se faz mais presente. E ele revela também a quantidade de alunos que tiveram de interromper os seus cursos nos institutos federais e nas universidades.
Então, esse ataque à educação vai adiar, em muitos lares, o combate à fome e à miséria. Essa situação, neste momento, é desestruturante.
E isso acontece também com o PAA — Programa de Aquisição de Alimentos, na modalidade de compra com doação simultânea e na de apoio à formação de estoques, e com o PNAE — Programa Nacional de Alimentação Escolar.
A única comida que muitas crianças têm é na escola. O orçamento do PNAE deste ano é o mesmo de 2017.
Anunciam os valores do PRONAF — Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, mas ninguém está tendo acesso ao ele, nem ao Plano Safra. O pequeno produtor não tem esse acesso.
Então, para resumir, já vou encerrar a minha fala, pessoal, nós temos de discutir política, e esta é uma Casa política. Esse projeto político é a negação da política na verdade. Ele é a negação da política, porque a política é o cuidado com a vida, é o cuidado com o bem comum. E eles retiram o bem comum e o concentram para alguns.
É uma vergonha termos um custo de produção tão alto. É uma vergonha a situação que nós temos, porque o tema aqui é a carestia também.
A conversão de proteína vegetal em proteína animal é um escândalo! Nunca tivemos isto na história: tanta fome no país que é o maior produtor de soja! O que resolve, então, num país que é o maior produtor de soja, num país que tem com certeza a maior orla marítima e o maior volume de água doce?
Quando a Rede PENSSAN traz os dados, vemos que a zona rural também está sendo atacada pela fome e pela miséria. Não há água! Cadê a política de acesso à água? Cadê as cisternas? Acabaram com o programa de acesso à água!
Nesse sentido, se queremos atacar, como Bolsonaro fez — eles atacaram e desmontaram a política de segurança alimentar —, se queremos resolver o problema na raiz, temos que colocar para fora Bolsonaro e toda a corja que está também nesta Casa, que é cúmplice do desmonte das políticas de segurança alimentar e de todos os programas. Temos aqui no Congresso, sobretudo na Câmara, muitos cúmplices.
E é fundamental vermos a história: como votaram no teto de gastos? Como votaram na reforma da Previdência? Como votaram no Pacote do Veneno? E temos que dar um basta aos que promoveram a fome e a miséria no nosso País. É um escândalo para um país que produz de tudo, que tem uma diversidade e uma riqueza que nenhum outro país tem, ter 33 milhões de brasileiros passando fome. São 125 milhões de brasileiros em insegurança alimentar.
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18:29
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O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Obrigado, Deputado Padre João.
É um prazer ouvi-lo, Deputado Padre João. Muito obrigado pela parceria de realizarmos esta audiência pública. Agradeço também ao Deputado Pedro Uczai.
Pessoal, nós ainda temos alguns inscritos e inscritas. Nós precisamos terminar a audiência até às 19 horas, e já são 18h30min. Eu vou pedir a todos que se atenham, então, no máximo, a 5 minutos.
Parabenizo pela resistência todos e todas aqui, pesquisadores, pesquisadoras, militantes e Parlamentares que vão contra essa corrente perversa que vivemos. E nós nos somamos a isso, porque, enquanto uma pessoa estiver passando fome, nós não vamos ter evoluído, não vamos ter o Brasil evoluído, o Brasil que nós queremos e do qual precisamos.
Eu sou Juliana. Sou nutricionista e estou na Coordenação do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direito — MTD.
O MTD está há 22 anos organizando a população em defesa da vida e a conquista dos nossos direitos. O nosso sonho, que há de ser realizado, é ver o Brasil ser regido com a voz do povo, seguindo o projeto popular de Nação. Mas, para o povo se organizar, precisa estar de barriga cheia, coisa que não está acontecendo, como já foi exposto aqui.
Os dados, que já foram falados, repetidos e discutidos, são alarmantes. Quando pensamos que somos o celeiro do mundo, estamos entre as dez maiores economias mundiais, nós ficamos estarrecidos e nos sentimos fracassados, como já foi dito aqui.
O que temos hoje não é negligência, e sim o resultado de um projeto político contra o povo. É um projeto que dá migalhas às mães pretas das periferias enquanto perdoa dívidas milionárias de empresas caloteiras — esse é o nome! É um projeto que exaure a trabalhadora e o trabalhador periféricos enquanto novos bilionários aparecem na revista Forbes. Isso ocorre porque os grandões têm medo de que o povo, de bucho mais cheio, comece a falar; que nós nos organizando possamos desorganizar — Chico Science e Nação Zumbi.
Nossas ações como movimento são de organização popular, são baseadas nas necessidades do povo mais próximo da gente.
Nessa pandemia, o nosso princípio de solidariedade e amor pelo povo nos fortaleceu para realizarmos organizações emergenciais em todo o País.
Convivemos todo dia com a situação de vulnerabilidade de nossas militantes — a maioria é composta por mulheres negras, chefes de família da periferia.
A insegurança alimentar e nutricional é o que está no cardápio de todo dia, como as pesquisas mostram, como já foi falado. E as pessoas só não estão em situação pior por causa da solidariedade na própria comunidade, como também já foi falado.
A fome é uma questão complexa e não vai ser resolvida nunca com cesta básica e com vale-gás, especialmente em período eleitoral!
Precisamos que o direito à alimentação adequada e saudável e à água venha de forma estrutural e digna para os cidadãos e as cidadãs brasileiras. Temos de garantir que nossas crianças recebam comida de verdade e água potável sem veneno, agrotóxico, do agronegócio, em casa e na escola.
Nós queremos dormir sem nos preocupar com o que vamos dar de comer às nossas famílias.
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18:33
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O MTD definiu dez pontos prioritários para que nossa luta prossiga em direção ao exercício de todos os direitos plenamente. A essência dos pontos passa pela garantia do acesso à comida de verdade, de base agroecológica, do direito à educação de qualidade, do direito ao trabalho, a um salário digno e justo, do direito de viver uma cultura de paz.
Eu não vou me alongar, mas queria ressaltar que todos estes fatores interferem, direta ou indiretamente, no que a pessoa vai comer ou beber no fim do dia.
Não queremos carestia. Queremos que o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional pare de ser desmantelado, asfixiado. Queremos que ele seja fortalecido política e financeiramente. Queremos políticas de Estado duradouras, com a participação social. Neste ano teremos eleição. Temos esperança, mas vai ser um governo muito difícil. No entanto, quem estiver para, pelo e com o povo, nós estaremos juntos. Nós vamos apoiar vocês que estão do nosso lado e cobrar medidas do Estado que também sejam justas.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Muito bem, Juliana! Agradeço as suas palavras e a representatividade do MTD.
Em nome do Presidente do Conselho Federal de Nutricionistas — CFN, Élido Bonomo, cumprimento o Presidente da Comissão, o Deputado Pedro Uczai, e todos os Deputados e as Deputadas aqui presentes.
Eu expresso que a missão do Conselho Federal de Nutricionistas, uma autarquia federal de interesse público, é contribuir para a garantia do direito humano à alimentação adequada, fiscalizando, normatizando e disciplinando o exercício profissional dos nutricionistas e dos técnicos em nutrição e dietética para uma prática pautada na ética e comprometida com a segurança alimentar em benefício da sociedade.
Tendo esta missão em vista, eu agradeço e saúdo esta audiência pública pela realização deste debate de um tema tão caro, tão crucial, tão importante, que precisa ser desnaturalizado, denunciado e amplamente debatido com as entidades, com todas as pessoas envolvidas e com toda a sociedade brasileira.
Saúdo este compromisso assinado hoje e solicito, em nome do CFN, um compromisso político para a reversão desta situação tão grave e sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis.
Hoje somos 208.102 nutricionistas e técnicos em nutrição e dietética e estamos consternados com a situação alimentar e nutricional no País e pelo retorno do Brasil ao Mapa da Fome, depois de dele ter saído, de ter sido referência nesta área e de implementar políticas públicas de segurança alimentar que foram desenvolvidas à época.
Nós estamos consternados, também, com a extinção do CONSEA, com a extinção dos espaços de participação e controle social e com a desestruturação das políticas públicas de segurança alimentar, fundamentais para o direito humano à alimentação adequada.
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18:37
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Hoje, eu venho trazer, para além dos números da fome, que são muito graves, números também de outras formas de má nutrição e da obesidade. Hoje 57,2% da população brasileira maior de 18 anos, ou seja, mais da metade, estão com excesso de peso, e 22,4%, com obesidade. Também 7% das crianças brasileiras com até 5 anos apresentam baixa estatura para a idade. Há, portanto, uma desnutrição crônica, porque elas tiveram restrições que prejudicaram seu crescimento e desenvolvimento. Ressalte-se que 54,7% dos óbitos registrados no Brasil em 2019 foram causados pelas doenças crônicas não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares, cânceres, diabetes, hipertensão, e 11,5% por outros agravos.
Além disso, o desmatamento, que cresce em todos os biomas, aumentou 20% no Brasil. Nós estamos perdendo em biodiversidade, em nutrientes, em nutrição, enfim, em inúmeros aspectos. O cenário é devastador. Trata-se de um sistema agroalimentar que está doente, que está em crise.
Neste aspecto da má nutrição em todas as suas formas, a obesidade, a desnutrição e as mudanças climáticas são pandemias. A coexistência destas pandemias, como vivenciamos hoje a pandemia da COVID-19, mostra que vivemos num sistema em crise. Estas pandemias se dão numa sindemia global vivenciada e compartilham determinantes e soluções que são comuns. Isso nos mostra que há questões estruturantes de que se precisa cuidar por meio de políticas públicas e de ações de regulação, para que possamos reverter este quadro pandêmico.
As soluções devem ser consideradas de forma conjunta, de forma intersetorial, com urgência. Neste contexto, o CFN se envolve com estas questões, promove campanhas e ações sobre o tema com profissionais e entidades, em prol de toda a sociedade. Coloca-se à disposição de outras entidades para promover outras ações, pensar caminhos e respostas que quebrem a inércia política, a inação, diante do que nós estamos falando aqui, ou seja, que existe uma ação, um compromisso, às vezes, para garantir um sistema alimentar que promove doenças.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Muito obrigado. A Luiza falou em nome do Conselho Federal de Nutricionistas.
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18:41
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É uma benção para nós estarmos presentes aqui nesta terça-feira. Eu sou do candomblé, e terça-feira é dia de Ogum, um orixá guerreiro. Por coincidência, numa audiência como esta, que fala da terra, do território, da agricultura, Ogum realmente é o orixá, o dono das ferramentas da agricultura. Há várias itãs interessantes sobre isso. Portanto, este é um dia propício para este debate.
Meu nome é Edgar Moura, e meu apelido, Amaral. Quero parabenizar o Deputado Padre João, esse guerreiro desta Frente Parlamentar fantástica; a Deputada Erika Kokay, a Deputada Maria do Rosário, o Deputado Pedro Uczai, o Deputado Rogério Correia e meu amigo Deputado Nilto Tatto. Hoje eu estou morando em Salvador, mas, em São Paulo, nós fizemos muita coisa juntos. Ele é um grande Parlamentar de São Paulo.
Eu estou aqui falando um pouquinho pela Conferência Popular de Segurança Alimentar, que nasceu com várias organizações após a entrada de Bolsonaro, que extinguiu o CONSEA. Várias organizações se reuniram e já passaram por aqui algumas, como a Nação Cidadania; a Mariana, do Fórum Brasileiro; o próprio Jean, da CTCE; e tantas outras.
Quero destacar que faço parte de uma Comissão Nacional dos Agentes de Pastoral Negros do Brasil, uma organização que tem 39 anos de vida no combate ao racismo, ao genocídio e à fome. Nós fazemos parte da operativa Coalizão Negra por Direitos, da Convergência Negra, organizações que têm como foco principal o combate ao racismo estrutural e institucional.
Eu mandei para a equipe do evento o manifesto que a conferência preparou, como a Mariana mencionou. Eu quero reforçar o eixo da proteção social, a melhora de renda, o acesso aos alimentos. Em uma parte deste eixo, fala-se sobre assegurar a implementação da política de promoção da qualidade racial e de políticas e programas de proteção de culturas e tradições alimentares dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, dos povos tradicionais de matriz africana, dos ciganos e das comunidades de agricultura familiar e camponesa, respeitando as questões regionais. Há no eixo dois o acesso à terra, à água, à biodiversidade e à defesa dos bens comuns.
Eu quero destacar a garantia do direito à consulta prévia, livre e informada aos povos e às comunidades tradicionais segundo a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho — OIT, e retirar da pauta o Projeto de Decreto Legislativo nº 177, de 2021, que ameaça esta efetivação. Portanto, é preciso que os Parlamentares desta Casa tenham muita atenção a este decreto legislativo.
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18:45
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Deve-se ainda garantir a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. — Decreto n° 6.040, de 2007 — mais do que nunca; a aprovação do Estatuto dos Povos Ciganos; e o Projeto de Lei nº 1.279, de 2022, Makota Valdina, que está circulando aí e que prevê o Marco Legal dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana.
Há o Eixo 3, que trata da produção e consumo de alimentos saudáveis da cultura familiar, e o Eixo 4, que traz o abastecimento alimentar por meio de cadeias curtas e comercialização.
Eu quis chamar a atenção para esses eixos, porque a Mariana falou do manifesto, e eu os passei para a equipe também. Esses são eixos importantes e, dentro deles, está esse ponto de debate que vai fundamentar a minha fala.
Nós vimos todo esse desenho colocado, e o Renato apresentou essa pesquisa. Realmente é cruel o que está acontecendo no Brasil. Eu sou ex-conselheiro nacional do CONSEA.
Há um detalhe importante, precisamos acabar, no Brasil, com o racismo institucional e com o racismo estrutural, que existem aqui. Falamos de várias questões. Eu estou com a Agenda Betinho, tenho aqui vários materiais, estamos juntos com a Ação Cidadania, estamos dentro da Frente Nacional Contra a Fome e a Sede. Agora, precisamos do apoio desta Casa, mesmo com o atual Presidente e com o futuro Presidente.
O Estado brasileiro é responsável pela situação de fome neste País. O Estado brasileiro é responsável por nós, negros e negras, comunidades tradicionais, povos indígenas, que estamos entre 60% desses que estão com fome e desses que estão morrendo de fome.
O Brasil é realmente racista. Precisamos mudar a figura do poder, mesmo dentro do espaço legislativo. Se observarmos aqui mesmo, desde as 4 horas, apenas uma mulher negra passou por aqui.
Então, precisamos mudar a fotografia do poder e trazer as mulheres negras, trazer os homens negros, trazer essa diversidade que é o Brasil para dentro da Casa de Leis, para dentro do espaço do Poder Legislativo.
Esse desenho da PENSSAN nos apresenta todo esse processo de colonialidade que se vive até hoje, mesmo após o fim da escravatura. Nós não temos moradia, não temos água, não temos direito a uma escola digna, não temos direito à educação, não temos direito à saúde. Nós, negros e negras e comunidades tradicionais, temos que defender isso.
Os APNs fizerem um grande seminário no mês passado, que era o Seminário Internacional de Segurança e Soberania Alimentar e Saúde: comunidades tradicionais, população negra africana e diaspórica.
Nós precisamos defender o SUS, nós precisamos defender o SUAS, nós precisamos defender o SISAN, que é o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.
Se queremos erradicar a fome, se a fome é uma questão política — já dissemos que é uma decisão política, que é uma falta de política pública —, nós precisamos também enfrentar o racismo dentro dessa questão da fome.
É importante termos, dentro desse enfrentamento, as pessoas não negras, os homens brancos, as mulheres brancas, que são aliadas e que estão juntas conosco nessa trincheira.
Destaco essa grande campanha que fez a CUFA mais essa grande campanha, magnífica, que fez a Coalizão Negra. É a primeira vez que se tem uma campanha de negros para negros pensando a fome neste Brasil todo, aliada com outra grande campanha da Ação da Cidadania Quem tem fome, tem pressa, feita pelo Betinho.
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18:49
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Está presente a minha amiga Ana, assim como está presente o Fábio Paes, representando a Frente Nacional Contra a Fome e a Sede.
É importante falar isso para vocês, porque temos várias organizações atuando nessa trincheira. Há a Incubadora Azeviche, na Bahia, de jovens negros, que luta contra a fome; a Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada, da qual se falou aqui; o Banquetaço; a Conferência Popular. Se o Bolsonaro pensou que, acabando com o CONSEA, iria acabar com o direito humano em seu local adequado — e que está previsto na Constituição —, ele errou. Não acabou com o nosso direito constitucional e não acabou com a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional — LOSAN. O CONSEA foi extinto, mas a defesa daquele conselho continua viva dentro de nós e conosco, por meio de todos os militantes e todas as militantes, as universidades, os ativistas, os Deputados e as Deputadas comprometidos com a causa, como é o caso de vocês que estão conosco aqui hoje.
Amanhã é o Dia do Capoeirista, que é outro espaço de resistência. Lá atrás na história do Brasil, à época do escravismo criminoso, a capoeira ocupou um espaço para desenvolver a resistência do povo negro e também, em muitos momentos, trazer a cultura do povo negro e fazer o debate da fome.
Parece que estamos falando de uma fome que tem nome e endereço. E foi colocado que o nome e o endereço coincidem com o nome e endereço dos mais pobres, negros ou brancos, sendo a maioria não branca.
Carolina de Jesus, lá nos anos 60, em seu livro Quarto de Despejo, já falava sobre as várias acepções da fome. E ela dizia o seguinte: "Eu sou negra; a fome é amarela e dói muito. A fome é amarela da cor da bile que se vomita quando o estômago está vazio; amarela como quando seu mundo é embaçado pela tortura". E eu aqui acrescento: quando é embaçado pela tortura, pelo fascismo, pelo racismo, pela cultura de ódio colocada pelo Governo atual — em especial o ódio religioso e o fascismo desse Governo.
Quando se diz que o povo só é feliz quando dorme, essa é outra fala da Carolina de Jesus, eu lembro, dos anos 60. Isso é o que vemos em várias falas, ou seja, que as pessoas esquecem a fome quando vão dormir. E há relatos de pessoas que fazem de tudo para que crianças — e elas próprias — durmam, para esquecerem a fome. Carolina de Jesus já falava disso em 1960: "A escravatura atual é a fome". E é o que estamos vivendo hoje. Então, são falas que ouvimos há 60 anos e que servem para hoje, em 2022.
Tenho que chamar a atenção para isso, mas dizer também que estamos firmes na luta. É possível, sim, virarmos esse jogo, assim como é possível continuarmos vigilantes e acertarmos na votação, para mudarmos o Legislativo e o Executivo, mas continuarmos firmes na trincheira da causa e do direito. Não é possível! Enquanto houver racismo, não haverá democracia neste Brasil.
Devemos ter isto muito explícito: não haverá democracia com esse racismo que vemos até os dias de hoje no Brasil. Então, temos que lutar pela reforma agrária, por uma política de agricultura urbana e rural e pela demarcação de terras quilombolas e de terras indígenas. Não podemos esperar — e não sei mais por quantos anos — para acabar com esse conflito no campo e com essa questão da briga pela terra. Esse é um direito nosso.
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18:53
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Como dizia Nilton Santos: "Existem apenas duas classes sociais: a dos que não comem e a dos que não dormem, com medo da revolução dos que não comem". É assim que estamos aqui no Brasil nos dias de hoje.
Então, quero agradecer esta oportunidade e dizer que a Conferência Popular de SAN está firme nessa luta. Eu gostaria que vocês, realmente, tivessem acesso ao nosso manifesto, como já foi falado aqui. E quero dizer que vou mandar ao Deputado Padre João a carta do último encontro que fizemos aqui na Bahia, na ILAB, quando de um evento internacional que também discutiu a importância do SUS, do SISAN e do SUAS para combater e erradicar a fome neste Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Muito obrigado, Edgard, pela sua fala e também pela sua representatividade pelos Agentes de Pastoral Negros.
Primeiro, eu queria agradecer o convite, saudar o senhor e todos os que estão na Mesa. Meu nome é Tatiana Scalco, sou da Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada.
Pegando um pouco o gancho do que o Edgard falou, a Ciranda foi criada um pouco antes do I Fórum Social Mundial, para apoiar e articular essa comunicação contra-hegemônica e atuar nessa disputa de diversas lutas e defesas. Então, fizemos também 22 anos este ano. E devo dizer que participamos da Frente contra a Fome, da Conferência Popular, de diversas ações, e entendemos a importância e a necessidade fundamental que é pautar a mídia sobre a luta contra a carestia e a fome.
Esse tema muitas vezes é tratado em decorrência da pandemia, que é um fator muito grave, ou da guerra na Ucrânia. E vou pegar também um gancho das falas de todos os companheiros que já fizeram comentários: não podemos ignorar a responsabilidade do Governo atual, que demorou a conceder o auxílio emergencial no início da crise, que extinguiu o CONSEA e potencializou, ampliou muito — na medida em que fez um sistemático desmonte do Estado brasileiro e das políticas públicas — as causas da insegurança alimentar que assola o povo brasileiro.
A mídia teve um papel importante nisso naquele momento da Lava-Jato. Principalmente a mídia corporativa influenciou muito os brasileiros e as brasileiras no voto. E aí também pego o gancho no que muitos companheiros falaram sobre como é fundamental nos posicionarmos e buscarmos, de um lado, fazer pressão e, de outro, avaliar bem quem são os Parlamentares que queremos que legislem e que façam a nossa defesa no Parlamento e também os governantes nos Executivos.
É fundamental — e não podemos nos esquecer — não deixarmos de pautar a disputa do que a Susana falou em relação à produção de alimentos. O agro não é tão pop. Então, precisamos sempre lembrar e retomar a importância da produção da agricultura familiar camponesa, que ocupa um importante percentual de trabalhadores brasileiros de um lado, mas produz alimento de maior qualidade.
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18:57
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Os movimentos de agricultura familiar no Brasil nesse tempo de pandemia foram sensacionais, inclusive estiveram em articulação com a Ação da Cidadania para a distribuição de cestas básicas. Isso é um pouco do que a Ciranda coloca nos espaços de que participa, como o Conselho Internacional do Fórum Social Mundial e diversas redes que têm relação com direitos de mulheres, questões ambientais, lutas populares de mobilização e enfrentamento à carestia e à fome. Não podemos esquecer isso. Isso é muito importante.
Precisamos cada vez mais trazer esta pauta da fome: alternativas, combate e enfrentamento. Defendemos demais o direito humano a alimentação e a nutrição adequadas.
Eu vou encerrar minha fala agora porque estamos muito cansados, mas vou aproveitar o exemplo da Bruna.
Eu me lembrei de um poeta nordestino. Eu sou de Recife e estou em Salvador, mas vou falar de um poeta cearense, que é o Patativa do Assaré. Eu queria encerrar minha fala recitando o Patativa. Nesse desafio importante nosso, que é lutar contra a fome, temos que falar em todos os espaços, mas temos que lembrar que:
Portanto, precisamos nos desafiar a votar bem, a eleger Lula Presidente. Ele é uma pessoa que se preocupa com a situação do povo brasileiro. Precisamos entender que a fome, como todos colocaram anteriormente, é uma questão política e tem que estar no centro da agenda do debate. A segurança alimentar, os sistemas alimentares e a forma como produzimos o alimento têm que estar no centro do debate.
Eu queria agradecer aos Deputados que desta audiência participaram on-line ou presencialmente, aos companheiros também, e dizer que a Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada movimenta suas redes e faz articulações em defesa dessas pautas. Nós também atuamos em parceria com Jornalistas Livres e diversas mídias alternativas e estamos cada vez mais preocupados em informar à população que há alternativas e de que podemos comer melhor também. Isso é fundamental. Temos que discutir o que comemos, até porque — eu aprendi muito com o Amaral — temos que defender a soberania alimentar do povo.
O SR. PRESIDENTE (Rogério Correia. PT - MG) - Tatiana, muito obrigado.
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19:01
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Quando esse Presidente assumiu, nas suas palavras iniciais, disse claramente que veio para desconstruir. Ele não veio para colocar algo no lugar, para construir uma política, mas para desconstruir o que estava sendo feito. O que estava sendo feito, em sua imensa maioria, eram políticas públicas que tinham o sentido do combate à fome, do combate à miséria, da geração de empregos, da geração de renda, da agricultura familiar, da agroecologia. Estavam sendo construídas vagas para estudantes de escolas públicas nas universidades, para os negros e as negras, para os quilombolas, para os assentados de reforma agrária. Estavam sendo construídas políticas para as mulheres, para ressaltar a importância do feminismo. Estava sendo construído um Brasil popular e, portanto, com uma presença social muito forte. O símbolo do Governo Bolsonaro é a desconstrução. A desconstrução do CONSEA talvez seja a cara do Governo Bolsonaro.
Agora, a desconstrução do CONSEA termina em fome: 33 milhões de pessoas passam fome, sendo 10 milhões de crianças. É isso que esse Governo entrega para o Brasil depois de míseros 4 anos.
Aliás, parece que são 50 anos. Ele é o inverso de Juscelino Kubitschek. Em 4 anos, ele destruiu 50 anos. É impressionante, parece que ele está aí há 50 anos. É doloroso ter que conviver com esse Governo.
Ele também destrói e desconstrói a democracia. Hoje, na Comissão de Trabalho e Administração Pública, nós conseguimos aprovar um requerimento para convocar — fizemos um acordo para convidar — três Ministros que participaram daquele ato patético do Presidente da República anunciando para 70 embaixadores que ia dar um golpe no Brasil, ou que pretendia dar um golpe no Brasil, porque tem medo de ser preso, como hoje está claro. Os jornais hoje estampam: "Bolsonaro tem medo de ser preso". Disse que, quando for dada ordem de prisão, ele vai reagir e vai atirar. Imagine o medo que esse senhor tem de ser preso. É o medo de quem fez um genocídio no Brasil, é o medo de quem destruiu universidades.
É bom lembrar também o índice de evasão escolar, porque os estudantes não têm mais políticas públicas de assistência estudantil para ficar na cidade onde está o campus universitário. É o que acontece, por exemplo, em Diamantina, no nosso Vale do Jequitinhonha. A cidade universitária, o campus de Diamantina à noite parece um campus de cidade fantasma, porque os estudantes, principalmente os mais carentes, não conseguem permanecer na universidade, porque não têm dinheiro para moradia. Ele cortou, e as famílias não têm como bancar moradia com essa carestia. Os estudantes não têm alimento, porque não há restaurante universitário, e a reitoria não tem condição de dar alimentação a preço subsidiado. Eles não têm sequer dinheiro para o transporte, para aqueles que se encontram lá se deslocarem para o campus universitário. Isso esvaziou as universidades.
Tudo isso é de propósito, é a desconstrução que esse Governo está fazendo em todos os sentidos. Desconstrói o SUS, fazendo opções para uma política privatista.
E só não foi mais à frente, porque nós não permitimos que fosse aprovada aqui a PEC 32, da "deforma" administrativa, que era a desconstrução completa da prestação do serviço público. Imaginem um povo que passa fome, que não tem emprego e que não tem acesso à educação pública, à saúde pública e à moradia.
Então, este Governo, pessoal, já passou da hora. Bolsonaro irá preso pela soma dos seus efeitos negativos. E é disso que ele tem medo. Fora a corrupção, que é endêmica: no FNDE, na CODEVASF. Vive aparecendo corrupção. E ele alardeia. Como se a mentira repetida milhares de vezes virasse verdade. Como Goebbels, do nazismo na Alemanha, repete que no Governo dele não tem corrupção, e a corrupção enlameando todo o palácio e o seu redor, inclusive a família, que participa desse processo. Esse é o Governo Bolsonaro.
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19:05
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Então, este ato aqui, hoje, é um ato contra a fome e a sede. É, portanto, um ato contra este Governo.
Esses Ministros que foram convocados para vir aqui terão que responder por que começaram a executar uma política de combater o voto, de combater a urna eletrônica. Querem combater a democracia e querem fazer com que o Governo Bolsonaro se perpetue não pelo voto popular, porque ele não tem chance, mas pelo arbítrio. E, portanto, é um Governo que quer também desconstruir a democracia. E a democracia e a liberdade são essenciais para que se tenham políticas públicas, para que a fome termine, para que a sede termine, para que se tenha emprego e assim por diante.
Pessoal, foi muito bom estar aqui esta tarde com vocês! Foi muito útil, foi muito bom ao povo brasileiro que assistiu a isso e às entidades representativas que aqui estiveram.
Eu termino, como encaminhamento, reforçando, pedindo que todos votem naqueles que se comprometam e que assinem: eu voto contra a fome e a sede, a carta-compromisso. Deputado e Deputada, Senador e Senadora, governantes, candidatos ao Governo, candidatos à Presidência da República que não assinarem uma carta-compromisso contra a fome e a miséria não merecem o nosso voto. Nós queremos ter, na próxima Legislatura, a bancada contra a fome e a sede, a bancada por justiça social. Nós não queremos bancada da bala, bancada do boi e bancada da falsa Bíblia. Nós queremos a bancada daqueles que façam justiça social no Brasil. Essa é a bancada que precisa ser eleita. Derrotar Bolsonaro é uma tarefa de todo o povo brasileiro. Mas derrotar aqueles que sustentam o bolsonarismo na Câmara é também tarefa do povo. Portanto, vincular os votos é tarefa do povo brasileiro.
Pessoal, vejo aqui os companheiros de Furnas, e eu estive também agora com os companheiros da REGAP, a nossa refinaria. Furnas, privatizada, acham que estará. Mas nós ainda vamos reagir. E agora querem privatizar a REGAP. A desconstrução das empresas públicas também colabora com a fome, porque aumenta o preço e a carestia. Portanto, reestatização da ELETROBRAS, defesa da PETROBRAS, defesa das estatais fazem parte do combate à fome e à sede.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar a presente reunião. Antes, porém, gostaria de convocar as Deputadas e os Deputados membros deste colegiado para o Seminário que debaterá os 43 anos da Lei de Anistia, que será realizado amanhã, dia 3 de agosto, às 13h30min, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados.
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