4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Grupo de Trabalho (GTJOVENS) destinado ao estudo sobre o aumento de suicídio, automutilação e problemas psicológicos entre os jovens brasileiros
(Audiência Pública Conjunta das Comissões CE e GTJOVENS (semipresencial))
Em 11 de Julho de 2022 (Segunda-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Bom dia a todas e a todos os que estão nos acompanhando.
Declaro aberta a presente reunião extraordinária de audiência pública da Comissão de Educação com a participação do Grupo de Trabalho Problemas Psicológicos nos Jovens Brasileiros, atendendo ao Requerimento nº 25, de 2022, da Comissão de Educação, aprovado em 18 de maio de 2022, e ao Requerimento nº 7, de 2021, do GT Jovens, aprovado em 17 de maio de 2022, ambos de minha autoria, para debater sobre as evidências científicas para qualificação das políticas públicas de prevenção de transtornos mentais entre jovens.
A Mesa de debates será composta pelos seguintes convidados: Luciana Rossi Barrancos, Gerente Geral Executiva do Instituto Cactus; Matías Mrejen, pesquisador de economia da saúde no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde; Laura dos Santos Boeira, Diretora Executiva do Instituto Veredas; e Carolina Campos, fundadora e Diretora Executiva da consultoria Vozes da Educação.
Inicialmente, cumprimento a todos e, de forma muito especial, faço um agradecimento aos senhores expositores.
Como regra geral, peço que todos mantenham seus microfones desligados e os abram apenas quando forem usar a palavra. As câmeras devem sempre estar ligadas, na medida do possível.
Informo que a reunião está sendo gravada para posterior transcrição.
Para melhor ordenamento dos trabalhos adotaremos os seguintes critérios: será concedida a palavra aos nossos expositores convidados por até 10 minutos, prorrogáveis por até mais 3 minutos. O debate será aberto ao final da última palestra, e as perguntas deverão se restringir ao assunto da exposição. Os Deputados inscritos poderão falar por até 3 minutos. Oportunamente será concedida a palavra aos expositores para respostas e considerações finais.
Os Deputados que quiserem usar da palavra poderão fazê-lo, inscrevendo-se na lista de debates que está disponibilizada no Infoleg ou utilizando um recurso de levantar a mão do aplicativo Zoom.
Esta audiência é interativa e está sendo transmitida ao vivo pela Internet, tendo sido aberto um chat para participação dos internautas, que poderão enviar suas perguntas aos palestrantes também pelo e-Democracia. Os internautas podem votar nas perguntas, e as que forem mais bem ranqueadas, a depender do tempo disponível, também serão apresentadas aos palestrantes.
Antes de passar a palavra a vocês que, de forma tão gentil e generosa, toparam participar desta conversa e ao Presidente desta Comissão, o Deputado Kim Kataguiri, eu queria trazer alguns breves comunicados.
Talvez vocês já tenham se deparado com uma pesquisa feita pelo UNICEF e pela Viração Educomunicação sobre o assunto que debateremos hoje. Essa pesquisa tem dados que vêm me angustiando bastante: 35% dos jovens no Brasil se dizem ansiosos; 11% estão preocupados consigo mesmos; 9% se autointitulam indiferentes; e 8% se consideram deprimidos.
Não foi suficiente nós termos uma pesquisa em São Paulo que mostrou que a maioria dos jovens relatam sintomas associados a doenças de natureza mental. Lá, 70% dos estudantes, do 5º ao 9º ano do ensino fundamental e do 3º ano do ensino médio relataram sintomas de depressão e ansiedade.
Essa questão também afeta professores e demais profissionais da educação. Inclusive, tramita no Parlamento um projeto apresentado pelo Deputado Professor Israel Batista, do qual eu fui Relatora. Ele foi aprovado na Câmara e aguarda agora a tramitação no Senado. Esse projeto busca justamente dar uma resposta a isso, chamando as secretarias municipais e estaduais de educação para, em parceria com o MEC, estabelecerem planos visando ao bem-estar da comunidade escolar.
Para finalizar, eu queria apenas trazer alguns comentários que foram levantados no último relatório da Comissão Externa de Acompanhamento do MEC, da qual eu também sou Relatora.
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Uma das coisas que mais nos angustiou foi olhar para essa situação e entender que a saúde mental é uma questão antiga dentro do ambiente escolar, mas que, com toda a certeza, foi aprofundada e se tornou ainda mais complexa e presente por causa da pandemia.
No levantamento que incluiu requerimento de informações, audiências públicas, questionamentos, análise dos programas do MEC, nós não pudemos encontrar nenhum diagnóstico sobre a saúde mental, nem de professores, nem de alunos, tampouco nenhuma política estruturante nesse sentido. O único programa apontado pelo MEC visa ao desenvolvimento de habilidades socioemocionais, mas ele não trata da questão da saúde mental.
Outro tema que também levantamos nesse relatório — inclusive eu tive a oportunidade de questionar o Ministro Victor Godoy pessoalmente sobre isso — foi acerca da Lei nº 13.395, de 2019, que trata da necessidade de termos psicólogos e assistentes sociais presentes nas escolas. Um percentual baixíssimo das escolas brasileiras está cumprindo essa lei, e o MEC também não se manifestou em relação a isso. E, quando eu questionei o Ministro presencialmente sobre o tema, ele demonstrou certo desconhecimento sobre essa situação.
Por último, nós também temos o Comitê Gestor da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio para regulamentação da Lei Vovó Rose, mas infelizmente o MEC nem sequer está participando dessas reuniões, que têm uma taxa de presença muito baixa.
Para finalizar, quero dizer que acredito que todos os que estão aqui presentes, assim como eu, entendem que esta é uma das questões mais urgentes que deve ser encarada. Nós sabemos que a evasão e o abandono escolar mais do que dobraram durante a pandemia. E, se não olharmos para essa questão com urgência, tenho muito receio dos impactos que isso vai ter a longo prazo também na inserção desses jovens na sociedade como um todo.
Estou aqui junto com o Deputado Kim Kataguiri, a quem vou conceder a palavra em 1 minuto, não só para ouvir sobre as evidências nos estudos que vocês já levantaram, mas também para me comprometer a fazer avançar esta pauta no Congresso.
Como eu mencionei, nós temos um projeto que está no Senado e que olha para a saúde mental dos profissionais da educação e temos também o PL 3.383/21, de autoria do Senador Alessandro Vieira, do qual sou Relatora agora na Câmara. Esse projeto trata justamente sobre a questão da saúde mental nas escolas.
Dito isso, convido o nosso Presidente, Deputado Kim Kataguiri, para fazer uso da palavra. Na sequência, vou chamar os senhores expositores.
Muito obrigada.
O SR. KIM KATAGUIRI (UNIÃO - SP) - Obrigado, Deputada Tabata. Quero cumprimentá-la e parabenizá-la por ter requerido a realização desta audiência pública, que, de fato, vai discutir um tema importantíssimo.
Cumprimento a Sra. Luciana, a Sra. Laura, o Sr. Matías e a Sra. Carolina pela participação nesta audiência.
Pessoalmente, Deputada Tabata, faço parte desses 39% de jovens com problemas. Tenho ansiedade, tenho insônia e passo por um tratamento já há alguns anos. A minha criação foi como a criação dada de maneira geral aos homens, que são incentivados a não revelarem os seus problemas, a terem certo tipo de orgulho ou a se concentrarem nos próprios problemas e nos problemas da família em si e não se abrirem nem com os amigos. E numa criação de um pai filho de japonês isso fica ainda mais rigoroso. Mas o que eu aprendi durante todo esse processo foi que uma das coisas mais importantes é primeiro você contar com a sua família, você contar com os seus amigos, mostrar aquilo que está sentindo, mostrar por que está sofrendo, mostrar quais são as angústias pelas quais está passando, para então solucionar o problema. É da natureza humana, quando alguém lida com um perigo, ou ficar paralisado, ou se esconder, ou enfrentar o problema.
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Acho que a melhor maneira de lidar com um problema é, de fato, reconhecer a existência do problema, compartilhar esse problema e não ter nenhuma vergonha disso, porque não é vergonha, não é frescura. De fato, é um problema. Doenças mentais são doenças como quaisquer outras. Isso não é motivo de vexame para aqueles que sofrem desse tipo de problema. O que tem me ajudado muito é o estoicismo, que está até na moda hoje em dia. Eu li recentemente A Arte de Viver, de Epicteto. Recomendo a leitura.
Basicamente, há duas máximas que eu tenho trazido para a minha vida. A primeira é a de que existem problemas sobre os quais você pode fazer alguma coisa na sua vida, quaisquer que seja a área: profissional, pessoal, etc. Com isso você não precisa se preocupar, porque você pode agir, pode solucionar o problema, pode fazer alguma coisa. A segunda é que há aqueles problemas sobre os quais não se pode fazer nada. Com esses problemas a respeito dos quais você não pode fazer nada, você também não deve se preocupar, exatamente porque você não pode fazer nada quanto a eles. Isso se conecta com outra máxima do estoicismo: nada na vida é capaz de afetar você ou de afligir você, mas a maneira como você lida com as coisas que acontecem a você durante a vida, sim, é capaz de abalá-lo. Por isso é tão importante ter consciência do problema, se abrir, contar com as pessoas que você ama e que o amam também para lidar com esse tipo de situação, que é muito complicada.
Apesar de eu ter superado, pela trajetória política, um pouco da timidez, eu sou tímido até hoje. Isso é uma coisa que nunca passa. Justamente neste exato momento em que eu estou falando, tenho palpitação. Sinto o meu coração batendo mais forte. Faz parte, acontece. É uma coisa com a qual preciso aprender a lidar. Às vezes, um psiquiatra vai recomendar um medicamento, mas medicamento é uma coisa passageira, é um amuleto, por assim dizer. A melhor coisa é lidar com o problema, é estar bem consigo mesmo, é estar bem com a sua vida e não ter vergonha, de nenhuma maneira, de compartilhar isso com as pessoas que estão no seu círculo próximo.
Com isso, eu finalizo a minha deferência ao requerimento de V.Exa., Deputada Tabata, e desejo um excelente debate para todos nós.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Muito obrigada, Presidente Kim Kataguiri. Obrigada também pelo seu relato e pela coragem. Quando falamos de saúde mental, com toda a certeza, o estigma, o preconceito, o silenciamento que se tem sobre esse tema causam muitas mortes que precisamos evitar.
Dito isso, gostaria, agora sim, de iniciar os nossos trabalhos de forma oficial, mais uma vez agradecendo a todos a presença.
Em primeiro lugar, concedo a palavra à Sra. Luciana Barrancos para sua exposição.
Seja muito bem-vinda!
A SRA. LUCIANA BARRANCOS - Bom dia a todos e a todas. Obrigada pelo convite.
Quero saudar todos os presentes e começar a apresentação. Eu vou compartilhar minha tela, se me permitem.
(Segue-se exibição de imagens.)
O assunto de hoje é bastante relevante: as evidências científicas para podermos qualificar esse debate tão importante sobre a saúde mental de adolescentes.
Quero trazer aqui um pouquinho do contexto do tema. Isso já foi apontado no início pela Deputada Tabata Amaral, mas é muito importante entendemos por que precisamos agir, por que precisamos incidir sobre este tema. Para isso, trago quatro pontos principais.
O primeiro deles é que, no Brasil, hoje temos a maior população jovem da história. O segundo é que os nossos jovens estão adoecidos. O terceiro é que precisamos prevenir esse mal, pois cuidar mais tarde custa mais caro. E o quarto é que existe uma grande oportunidade de ação porque prevenir na adolescência é uma questão-chave.
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Temos hoje a maior geração de jovens da história. São 50 milhões de pessoas, quase 25% da população. E esse bônus demográfico representa janelas de oportunidade tanto de crescimento econômico quanto de progresso social. Sabemos que esse bônus já está acabando — a população jovem já chegou ao seu auge —, e isso torna ainda mais urgente nossa ação. Precisamos olhar para os jovens e garantir que tenham pleno desenvolvimento.
No entanto, sabemos que os nossos jovens estão adoecidos. Não precisamos procurar muito para achar manchetes mais recentes sobre o tema, mostrando como isso está chegando às escolas e a outros fóruns. Sabemos que a pandemia agravou muito esses casos. Os alunos estão enfrentando crises de ansiedade, inclusive coletivas, casos de automutilação. Uma reportagem da semana passada da Piauí mostra que as internações de brasileiros de 10 a 14 anos por lesões autoprovocadas cresceram 34% em 1 ano. Então, o problema está instalado, e olhar para ele é urgente. Sabemos que precisamos cuidar, precisamos prevenir. Sabemos que não cuidar agora custa mais caro. As intervenções que se voltam para o público adolescente podem influenciar tanto a vida presente quanto o futuro e as próximas gerações. Para ilustrar isso, trago números de um estudo da London School of Economics and Political Science que revelam que os custos do não cuidado chegam a quase 400 bilhões de dólares por ano.
No Brasil, temos estudos que mostram quanto custa uma criança com questões de saúde mental ao sistema de assistência social. Sabemos que esse custo é mais do que 2 vezes mais alto do que o de uma criança sem essas questões. Na Grã-Bretanha, um estudo que estima o custo social de uma criança ou de um adolescente com questões de saúde mental em comparação aos seus pares sem essas questões mostra que esse custo chega a ser 15 vezes maior para o sistema público.
A boa notícia é que existe uma grande oportunidade. A adolescência é um momento-chave para a prevenção. Metade das condições de saúde mental começa até os 14 anos de idade, e 75%, até os 24 anos. Então, se quisermos prevenir, precisamos começar cedo. Mas 80% disso, ou seja, 8 a cada 10 casos, hoje passam sem diagnóstico ou tratamento, ou seja, não estamos incidindo na prevenção, não estamos sendo proativos ao evitar que isso aconteça nos momentos-chave.
A adolescência é um importante período de mudanças. A OPAS e a OMS colocam a adolescência como um período de importantes transformações biopsicossociais. É um período de construção de identidade, o que, muitas vezes, é negligenciado. Isso gera custos que vão ser carregados até a vida adulta. Então, precisamos agir agora. Mais do que apontar problemas, precisamos pensar em como agir. Quais são os caminhos de atuação? O que podemos fazer a respeito?
Eu queria ilustrar e dividir esse debate em quatro pontos.
A princípio, faço uma tentativa de entender o que afeta a saúde mental dos jovens — quais são os fatores de risco e os fatores de proteção. E, nesse sentido, trato de três eixos de prevenção: relações parentais, relações entre pares e ambientes de aprendizado, relação entre saúde mental e educação, que é um ganha-ganha. Por fim, trago possíveis encaminhamentos para políticas públicas com base na Agenda Mais SUS e também no PL 3.383/21, que a Deputada Tabata Amaral já trouxe no início de sua fala.
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Olhando para crianças e jovens, precisamos entender que existem três esferas que influenciam a qualidade ou a não qualidade de sua saúde mental. Existe um mundo de forma mais ampla, representado por determinantes sociais como a pobreza, a discriminação e a própria pandemia. Existe um mundo um pouquinho mais fechado, que está ao redor da criança e do adolescente, que tem a ver com estabilidade e com vínculos saudáveis nas escolas e nas comunidades. Por fim, existe o mundo da criança ou do adolescente, que tem a ver com os pais, as mães, os cuidadores e os lares em que estão inseridos.
Quando pensamos nos eixos de prevenção, temos que levar isso em conta e entender que uma grande oportunidade, uma grande janela que temos é que a saúde mental, em sua maior parte, não é biológica. Então, nós temos o que fazer, nós conseguimos incidir sobre os fatores de risco e proteção, que nada mais são do que determinantes que conseguimos influenciar para diminuir as chances de uma condição de saúde mental se materializar ou para fazer com que ela se agrave menos. Com isso, nós conseguimos fazer a prevenção.
Sabemos que na adolescência os principais fatores de risco e de proteção, aqueles que mais influenciam, têm a ver com relacionamentos e amizades, situações de bullying, violências, muitas vezes do parceiro íntimo, peso, atividade física, álcool e drogas e também relação educação/emprego. Então, quando pensamos em eixos de prevenção para a saúde mental de adolescentes, costumamos olhar para as relações parentais, para as relações entre os pares e também para os ambientes de aprendizado.
Eu não quero deixar que essa questão pareça simples demais. Estamos diante de um problema complexo. Sabemos que a prevenção precisa ser intersetorial e multifacetada. Eu queria me aprofundar um pouquinho no eixo da educação e falar como a saúde mental e a educação estão intimamente relacionadas e como atuar em uma delas gera ganhos para a outra e vice-versa.
Sabemos que a evasão escolar, tema que a Deputada Tabata trouxe no início da sua fala, está bastante alta. Sabemos também que isso tem muita relação com as condições de saúde mental, como demonstram alguns estudos. Um estudo do Canadá, por exemplo, coloca que estudantes com sintomas depressivos têm duas vezes mais chance de estar fora da escola se comparados aos pares sem quadros depressivos. Ao mesmo tempo, sabemos que o investimento em saúde mental nas escolas dá retorno. As intervenções que endereçam ansiedade, depressão e suicídio nas escolas mostram que, a cada 1 dólar investido, mais de 20 dólares são retornados, ou seja, esse é um investimento que retorna 20 vezes em 80 anos. Quando pensamos em países de baixa e média renda, vemos que o retorno é ainda maior — chega a quase 90 dólares. Que investimento dá quase cem vezes de retorno?
Eu queria trazer um artigo que foi recentemente publicado no jornal O Globo, que o Instituto Cactus assinou junto com o IEPS e o CENPEC, que traz justamente essas evidências e caminhos de atuação.
Por fim, pensando em boas práticas, mostro como olhamos para a educação, como inserimos isso na escola de forma efetiva e o que as evidências nos trazem. Sabemos que as intervenções efetivas têm a ver com uma atenção individualizada, uma variedade de materiais, leituras interativas, salas organizadas, ambientes escolares e não escolares seguros e ao mesmo tempo previsíveis. Eles são fatores que ajudam a promover a resiliência em jovens. Não podemos pensar em soluções prontas. Não basta simplesmente pegar um modelo e aplicá-lo Brasil afora. Precisamos ter essa adaptabilidade à cultura e à linguagem local, sermos específicos em cada contexto. Uma noção muito importante que não podemos perder de vista é essa noção do olhar global para as escolas, que, na literatura, chama-se whole-school approach, que é olhar não só para os alunos, mas para toda a comunidade escolar, para os pais, para os educadores, para os funcionários, para a direção escolar.
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Por fim, deve haver intersetorialidade. Precisamos nos articular com a assistência social, com a saúde, com a educação e também termos sempre uma estrutura de encaminhamento para os casos que precisarem desse encaminhamento intersetorial.
Agora eu queria trazer as propostas políticas mais concretas que desenhamos. Junto com o IEPS, que também está aqui presente, na figura do Matías, nós construímos uma agenda, que se chama Agenda Mais SUS, e construímos o eixo de saúde mental, que é basicamente um documento que traz propostas bem concretas para a saúde, para fortalecer o SUS. Olhando especificamente para a saúde mental de jovens, nós delineamos algumas propostas que servem para pautar as próximas eleições e também o próximo mandato do Executivo, para fortalecermos essa política pública.
A primeira premissa é que nós precisamos entender a saúde mental como um fenômeno multicausal. As crianças e os adolescentes precisam entrar na sistematização e no monitoramento. A vigilância epidemiológica, muitas vezes, não olha para as crianças e para os jovens, e isso tem que estar incluído. Nós precisamos monitorar e, idealmente, integrar isso nas escolas. Nós precisamos pensar em políticas específicas para esse público. Sabemos que não existe uma receita de bolo para a saúde mental. Precisamos de soluções específicas e olhares segmentados, entendendo as especificidades de cada público. Precisamos olhar com atenção e cuidado para os adolescentes, envolver esse público na formulação das políticas públicas. Nós precisamos construir e aprovar políticas nacionais estruturantes que incidam nesse tema.
E aqui eu quero destacar novamente o Projeto de Lei nº 3.383, de 2021, que contou com o apoio técnico do Instituto Cactus e do IEPS. Esse projeto, que tem como autor o Senador Alessandro Vieira e como Relatora a Deputada Tabata Amaral, tramita agora na Câmara dos Deputados e visa justamente criar essa Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares.
Precisamos agir e temos como agir. Só precisamos começar.
Obrigada.
Fico à disposição.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Muitíssimo obrigada, Luciana, pela sua apresentação.
Gostaria de conceder a palavra, também por 10 minutos, ao Sr. Matías Mrejen, para a sua exposição. Seja muito bem-vindo!
O SR. MATÍAS MREJEN - Obrigado.
Bom dia a todos e a todas. Primeiramente, eu gostaria de cumprimentar todos os Parlamentares, na figura da Deputada Tabata Amaral, e agradecer o convite para participar desta audiência tão importante para o debate sobre políticas públicas de prevenção de transtornos mentais entre os jovens no Brasil.
Posso compartilhar a tela?
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Sim, por favor.
O SR. MATÍAS MREJEN - Vocês estão vendo a apresentação?
(Segue-se exibição de imagens.)
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Sim. Agora saiu, mas eu estava vendo direitinho.
O SR. MATÍAS MREJEN - Ótimo.
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Então, eu vou apresentar um resumo de mensagens-chave relacionadas às nossas pesquisas sobre saúde mental. A ideia desta apresentação é passar mensagens que têm sustento na literatura e pontos de conexão com as pesquisas que temos desenvolvido no IEPS. Não vamos falar dos detalhes das pesquisas. Somente vamos ressaltar cinco mensagens e trazer alguns dados das nossas pesquisas que sustentam ou se vinculam a essas mensagens.
Essas cinco mensagens são:
1. A saúde mental precisa ser uma prioridade para as políticas de saúde.
2. Existem desigualdades significativas na saúde mental no Brasil.
3. A saúde mental é um fenômeno multicausal. Olhar para crianças e adolescentes é essencial.
4. A pandemia pode ter piorado a situação.
5. Avaliar o impacto das políticas públicas é essencial, mas dados mais detalhados são necessários.
Nós vamos exemplificar cada uma dessas cinco mensagens com os resultados concretos das nossas pesquisas.
A primeira mensagem é a de que a saúde mental precisa ser uma prioridade. Nós olhamos para um transtorno específico, a depressão, para o qual temos dados representativos das pesquisas nacionais de saúde sobre a prevalência estimada, independentemente do acesso ao diagnóstico médico. A prevalência da depressão estava em aumento no Brasil mesmo antes da pandemia e, em 2019, atingia mais de 10% dos adultos do Brasil. Enquanto em 2013, a prevalência era de 7,9%; em 2019, havia alcançado 10,8%. Esse aumento foi mais pronunciado entre jovens de 18 anos a 24 anos: passou de 5,6% para 11,1%; praticamente dobrou.
Nesse período prévio à pandemia, entre 2013 e 2019, houve uma pequena melhora na porcentagem de indivíduos com depressão que não recebem nenhum tratamento. Mas essa porcentagem é muito elevada no Brasil, ainda é superior a 70%. Em 2019, 71,2% dos adultos com depressão não recebiam nenhum tipo de tratamento. Esses resultados são fruto de uma pesquisa feita com o Rudi Rocha, que é Diretor de Pesquisa do IEPS, e estão disponíveis no nosso site. Os links estão na apresentação para quem quiser conferir a pesquisa completa.
A segunda mensagem é a de que as desigualdades importam. As desigualdades em relação à saúde mental no Brasil são significativas. A depressão é mais prevalente entre a população de menor renda e as mulheres. Em 2019, por exemplo, entre os 20% da população de menor renda, a prevalência de depressão era de 12,8%, um percentual 50% maior do que os 20% da população de renda mais elevada, que era de 8,2%. Ao mesmo tempo, a prevalência da depressão é de mais do que o dobro entre mulheres do que entre homens: é de 15% entre as mulheres e de 6,1% entre os homens.
Além das desigualdades socioeconômicas e das desigualdades segundo o sexo na prevalência da depressão, existem as desigualdades sociais no acesso ao tratamento. A lacuna de tratamento — isto é, a parcela de indivíduos com depressão que não recebem nenhum tipo de tratamento — é maior entre indivíduos negros do que entre indivíduos brancos. Em 2019, 67,2% dos indivíduos brancos com depressão não recebiam nenhum tipo de tratamento. Essa porcentagem era de 73,2% entre pardos e 76,4% entre pretos.
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A terceira mensagem é a de que a saúde mental é um fenômeno multicausal — olhar para crianças e adolescentes é necessário —, que tem como resultado a interação entre fatores genéticos e ambientais. Mundialmente, um terço dos casos de transtornos mentais se manifesta pela primeira vez antes dos 14 anos de idade. E, aproximadamente, a metade se manifesta pela primeira vez antes dos 18 anos de idade.
Fizemos uma pesquisa observando uma questão específica: o efeito da perda de emprego de um dos pais sobre a saúde mental das crianças. Nós usamos dados muito ricos e detalhados de um estudo de coorte, coordenado por psiquiatras da Universidade Federal de São Paulo — UNIFESP e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul — UFRGS, desde 2010, com aproximadamente 2.500 crianças de escolas públicas de São Paulo e Porto Alegre.
Nós medimos o impacto da perda de emprego de um dos pais sobre a saúde mental das crianças, e observamos que esse fator aumenta a probabilidade de a criança ser diagnosticada com algum transtorno mental em 6,8%, o que corresponde a mais de 28% do que no grupo de referência. Observamos que um possível mecanismo de conexão da perda de emprego dos pais com os transtornos mentais das crianças se dá por meio de maior exposição a práticas parentais abusivas e negligentes de crianças que residem em domicílios em que um dos pais havia perdido o emprego.
Os resultados da nossa pesquisa ressaltam que os contextos de crises econômicas, como a atual, podem ser potencialmente prejudiciais para a saúde mental de crianças e adolescentes e podem demandar mecanismos de proteção específicos.
Informo, de novo, que a pesquisa completa está disponível no site. Ela é fruto de uma parceria com Rudi Rocha, que é o nosso Diretor de Pesquisa, Beatriz Rache, pesquisadora do IEPS, e Luiz Felipe Fontes, pesquisador do INSPER.
A quarta mensagem é a de que a pandemia pode ter piorado a situação. Existe, hoje em dia, ampla literatura mostrando que a pandemia teve impacto sobre a saúde mental da população não só no Brasil, mas também no mundo inteiro, por diversos motivos, como, por exemplo, pelo estresse próprio da pandemia, pelas dificuldades criadas para as restrições necessárias para contê-la.
No ano passado, nós elaboramos uma nota técnica mostrando que nos momentos em que a pandemia piorava, aumentava o número de pessoas reportando sintomas de ansiedade e depressão no Brasil. Em momentos nos quais a média móvel de óbitos na semana imediatamente anterior aumentava, aumentava o número de pessoas no Brasil reportando sintomas de ansiedade e depressão.
Ao mesmo tempo, nessa mesma nota técnica, nós mostramos que, no primeiro ano da pandemia, em 2020, caíram os pedidos de auxílio-doença do INSS em relação ao ano prévio, mas os pedidos de auxílio-doença por transtornos mentais aumentaram aproximadamente 25% em relação ao ano prévio, e foi a categoria que mais aumentou, depois de doenças respiratórias.
Novamente, informo que o estudo por inteiro está disponível no nosso site, e o link está na apresentação para quem quiser conferir.
A mensagem final lembra que é essencial avaliar-se o impacto das políticas públicas destinadas à saúde mental, mas que dados mais detalhados são necessários. Políticas que visam melhorar a saúde mental e os serviços de atenção à saúde mental da população precisam ser avaliadas. Mas, para isso, necessitamos de dados mais detalhados. No Brasil, existe uma ampla disponibilidade de dados de saúde. Mas a saúde mental tem algumas especificidades que precisam ser levadas em conta.
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Dou um exemplo: nós realizamos uma pesquisa para avaliar o impacto dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, uma política implementada em 2008 para aumentar a oferta de especialistas na atenção primária. A política tinha um componente forte de saúde mental. Vimos que ela foi bem-sucedida em aumentar, nos Municípios brasileiros, a oferta de profissionais da área, principalmente psicólogos. Mas não conseguimos avaliar nenhum impacto sobre hospitalizações ou óbitos relacionados à saúde mental.
Os desfechos são extremos. E há outras dimensões relevantes para a saúde mental, como a prevalência de transtornos mentais ou quão agudos são os sintomas que a população está experimentando, dentre outros. No entanto, nós não temos disponíveis dados desagregados, e com frequência anual, sobre essas dimensões, o que seria muito relevante para avaliar o impacto de qualquer política pública destinada à saúde mental.
Novamente, os resultados da pesquisa por inteiro estão disponíveis no nosso site.
Baseados nas cinco mensagens, nós do IEPS acreditamos na importância da evidência, como insumo, para o desenho, para a implementação e para o monitoramento de políticas públicas. Portanto, a instituição, em parceria com a UMANE, elaborou a Agenda Mais SUS: Evidências e caminhos para fortalecer a saúde pública no Brasil, um documento programático que contém diagnósticos e propostas com o objetivo de contribuir para o debate público eleitoral e subsidiar o poder público para o aprimoramento do SUS.
Na agenda, são identificados seis caminhos para fortalecer a saúde pública no Brasil. E um deles — a Luciana Barrancos, do Instituto Cactus, já comentou sobre isso — é valorizar e promover a saúde mental. Na agenda, são detalhadas propostas concretas de políticas públicas relacionadas com a saúde mental. Essas propostas, elaboradas pelo IEPS, tiveram o apoio do Instituto Cactus.
Esse documento, por inteiro, está disponível no site para quem quiser conferir.
Mais uma vez, obrigado, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Muitíssimo obrigada, Matías, por sua apresentação.
Gostaria de convidar agora a Sra. Laura dos Santos Boeira para fazer a sua exposição também por 10 minutos.
Seja muito bem-vinda.
A SRA. LAURA DOS SANTOS BOEIRA - Bom dia a todas e a todos.
Traz-me muita alegria estar aqui em boa companhia, com colegas e vozes do IEPS e do Instituto Cactus. Tenho uma grande emoção ao debater o uso de evidências para informar políticas públicas.
Agradeço muito à Deputada por esta iniciativa, e a parabenizo.
Imagino que vocês já estejam enxergando a apresentação.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Sim.
A SRA. LAURA DOS SANTOS BOEIRA - Perfeito.
(Segue-se exibição de imagens.)
Meu nome é Laura Boeira. E eu estou aqui representando o Instituto Veredas.
Eu queria começar falando sobre o tópico Lacuna de evidências, tema que, acredito, o Luciano e o Matías já deixaram bastante nítido. Quando nós falamos que a saúde mental é multifatorial, significa que não estamos olhando só uma questão de saúde pública, mas também uma questão que perpassa, sim, oportunidades de educação, oportunidades de trabalho.
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Quando falamos especificamente em saúde mental de jovens, estamos falando de um público de 15 a 29 anos, que é um grupo extenso, diverso, e estamos falando, portanto, que a grande desatualização — que talvez seja a maior mácula que temos hoje no Brasil do censo demográfico — não nos permite, às vezes, enxergar quais fatores estão causando mais prejuízo na vida de jovens, porque não conseguimos enxergar a diversidade das juventudes e das oportunidades que estão se inserindo.
Quanto aos dados estratificados, como já foi dito, há necessidade de se enxergar as diferentes faixas etárias. Quando falamos de juventude, não podemos esquecer a juventude mais velha de 24 a 29 anos, a fim de entendermos que diferentes fases trazem desafios. As regiões, os gêneros, entre outras dimensões estratificadas, são muito necessários.
Como dizíamos, a Pesquisa Nacional de Saúde, que, talvez, seja o insumo mais relevante para a área da saúde que temos realizado em 2013 e 2019, aborda como tema específico, mais relacionado à saúde mental, a depressão e o uso de álcool apenas, sem estratificação. Todavia, ela aborda o tema via faixa etária. E o Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico — VIGITEL, que é outro inquérito populacional, esse, sim, é realizado de forma anual pelo Ministério da Saúde, também olha exclusivamente para a proporção de uso de álcool. E, nisso, a juventude, infelizmente, figura com algumas das maiores taxas.
Não conseguir enxergar exatamente quem são essas juventudes, onde estão, a quais condições de vida e de saúde estão relacionadas a sua existência, torna muito difícil, às vezes, poder customizar os programas como deveriam ser feitos.
Houve uma tentativa de resposta no ano passado, com o site https://atlasdasjuventudes.com.br, que hoje é a plataforma mais detalhada de dados e evidências. Ela não produziu nenhum dado primário, mas bebeu de todas as fontes que havia disponíveis sobre evidências na juventude do Brasil. E aí é possível tirar um pouco desse retrato da diversidade.
Então, a maioria da juventude hoje é preta e parda, vive nas Regiões Norte e Nordeste, com presença massiva em áreas urbanas, embora, durante a pandemia, tenhamos observado um processo de saída das grandes capitais. E, com esse tamanho de diversidade, o principal elemento que vale a pena frisar é que não existe uma solução única para o desafio da saúde mental de jovens. Precisamos realmente de soluções que estejam desenhadas, levando-se em conta essas especificidades.
Quanto ao impacto da pandemia, que também é outra iniciativa via sociedade civil, coordenada pelo Conselho Juventudes, temos a pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus, com uma edição em 2020; e outra, em 2021. Foram ouvidos, na segunda edição, 68 mil jovens.
Observou-se, nessa perspectiva multifatorial, aumento do número de jovens fora de oportunidades de estudo e sem oportunidades de emprego também entre 2020 e 2021, numa tendência crescente assustadora.
Além disso, quanto à pergunta específica, qualitativa, sobre Como os jovens classificavam o seu estado emocional, 36% o classificaram como ruim e péssimo. Se incluirmos a perspectiva regular, chega-se à maior parte das respostas. E especialmente as mulheres vivenciam essa dificuldade.
Também, conforme aponta a pesquisa, os jovens trouxeram uma demanda por atendimento psicológico especializado em juventudes. Portanto, houve uma demanda por capacitação para que os profissionais de saúde pudessem atender de forma atenta às juventudes, considerando os vários desafios que a faixa etária de 15 a 29 anos apresenta; e 37% demandaram justamente acompanhamento psicológico nas escolas. Isso foi divulgado na edição de 2021.
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Muito rapidamente, eu trago aqui um gráfico da pesquisa Juventudes e a Pandemia do Coronavírus para mostrar que há uma porcentagem bem assustadora relacionada a quanto, durante a pandemia, jovens vivenciaram pensamentos de suicídio e práticas de automutilação — são 10% —, fatores que se apresentaram com maior frequência na faixa etária de 15 a 17 anos. Porém, quando olhamos os dados sobre ansiedade e depressão, verificamos que a faixa etária mais afetada são os jovens de 25 a 29 anos.
Isso demonstra a importância de se entender que a saúde mental vai estar se manifestando de formas distintas nessas faixas etárias e também entre os gêneros. As mulheres, em geral, apresentam porcentagem maior também de ansiedade, de automutilação e de pensamento suicida.
No mês passado, foi divulgado um documento muito importante da Organização Mundial da Saúde, que é o Relatório Global sobre Saúde Mental. Ele traz frases e afirmações muito contundentes. Entre elas, o fato de que a forma como estamos lidando com a saúde mental até agora é insuficiente — essa é a frase de abertura do relatório.
Especialmente para o público de adolescentes, que é um grupo de grande importância nesse relatório e de grande preocupação também para Organização Mundial da Saúde, há quatro iniciativas destacadas relacionadas a: afirmar políticas e leis que promovam e protejam a saúde mental; apoiar justamente cuidadores e cuidadoras de adolescentes para oferecer suporte adequado em saúde mental; implementar programas de saúde mental na escola, incluindo tanto a dimensão de atenção a práticas antibullying quanto a promoção de aprendizagem social e emocional entre esses jovens; e melhorar a qualidade e a proteção das relações na comunidade e nos ambientes digitais. Esse também é um desafio bem grande para enfrentarmos nos próximos anos.
Uma parte essencial no sentido de desenharmos intervenções na área de saúde mental, ainda mais em âmbito de política pública, é justamente conhecer o que funciona e sabendo-se já, como colocamos, que não vai funcionar a mesma coisa para todas as pessoas.
Temos hoje o desafio de que na saúde mental algumas intervenções sociais se mostram promissoras, sim, mas temos ainda um grande grau de incerteza que demanda mais pesquisa sobre o tema.
Eu trago aqui algumas pesquisas da Cochrane, que é uma das instituições de saúde mais reconhecidas, que faz o levantamento de todos os estudos pelo mundo afora para produzir revisões temáticas sobre eles.
As revisões vêm mostrando, então, que temos ganhos interessantes de efetividade, quando nos dirigimos a grupos de maior risco. Mas, para isso, precisamos conhecer e saber quais são os grupos de maior risco em termos de saúde mental na juventude brasileira. Também temos alguns ganhos de efetividade, quando entendemos que intervenções preventivas em saúde mental podem ser realizadas não só por profissionais de saúde mental, mas também por outros profissionais de âmbito comunitário, como os assistentes sociais, que podem se beneficiar de treinamento. Esses profissionais podem ser multiplicadores dessas ações de promoção e prevenção no território.
Há estudos também relacionados a esse tema, que nos preocupam muito, que são os suicídios e a automutilação. Há grandes estudos recentes também da Cochrane, em que conseguimos enxergar uma efetividade de curto prazo. Ou seja, depois de feita a intervenção por alguns meses, colhem-se os benefícios. Também quando oferecemos orientações em sala de aula e políticas institucionais de proteção, tanto em universidades quanto em escolas, e treinamento para os profissionais identificarem situações de risco e abordarem jovens. Mas, quando começamos a observar durante mais meses e anos, vemos que, ao longo do tempo, os efeitos vão se dissipando, o que sugere, provavelmente, que não é possível fazer uma intervenção pontual em saúde mental. É preciso que seja repetida ao longo do tempo, para que efeitos sigam sendo colhidos. Em relação à automutilação, alguns tipos de psicoterapia dão resultados interessantes, mas são necessários mais estudos tanto com adolescentes quanto com jovens adultos. Com esse grau de incerteza sobre o que funciona ou não, a área clama por mais investimentos em pesquisas acerca de diferentes tipos de intervenções para esse público. Assim entenderemos o que vai funcionar melhor aqui no Brasil.
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Falamos muito do quão indissociáveis são as questões da saúde, da educação, do trabalho e de vários outros direitos que precisam estar intercalados.
Nós enfrentamos hoje algumas barreiras de implementação da promoção da saúde mental que já são conhecidas e outras que ainda precisam ser mapeadas nas diferentes Regiões do Brasil. Hoje mesmo saiu uma reportagem do Correio Braziliense sobre a situação dos Centros de Atenção Psicossocial — CAPS no Distrito Federal, que estão com uma sobrecarga de demanda relacionada ao número de serviços. A baixa cobertura de serviços de saúde mental e a baixa disponibilidade de profissionais treinados é uma barreira muito comum. A oferta inadequada de treinamento, especialmente quando pensamos num treinamento focado no público jovem, é outra barreira. O estigma em relação ao tema, como já foi mencionado hoje muito bem pelos Parlamentares, também constitui uma barreira que precisa ser enfrentada. E há algumas dificuldades de colaboração intersetorial.
Criar soluções só para a educação ou só para a saúde não se faz efetivo justamente porque, quando temos um programa em escola, especialmente um programa de prevenção, assim que situações sejam identificadas, elas vão precisar ser encaminhadas para serviços da rede de saúde, desde a atenção primária. Para isso, é preciso fortalecer a rede de atenção psicossocial com mais serviços, mais cobertura nos territórios. Nós temos a figura do CAPSI, um CAPS específico para infância e adolescência, que precisa ser fortalecido para poder haver essa linha de cuidado garantida. Não vale a pena investirmos em situações de identificação se não tivermos como, depois da identificação, encaminhar a pessoa para o cuidado adequado que ela merece.
Por fim, como já foi mencionado pelo Matías, há a perspectiva das desigualdades. Nós trabalhamos muito com o pensamento de que, sem atenção à equidade, não vai existir saúde mental. O que isso significa? É normal que a juventude seja diversa, é normal que existam diferenças entre jovens de diferentes faixas etárias, raças, gêneros no Brasil. O que não pode acontecer é que a diferença se torne uma desigualdade.
O IPEA lançou recentemente uma ferramenta muito interessante chamada Inclua, que é justamente destinada a garantir que toda política, toda intervenção social desenhada tenha essa dimensão da equidade.
Nós destacamos especialmente algumas dimensões que frequentemente não são consideradas, mas que deveriam ser quando do desenho de políticas e intervenções em saúde mental. Uma delas diz respeito às diferenças entre locais de moradia. A juventude rural e a juventude urbana têm diferenças. Como podemos prover um cuidado mais adequado? Destacamos também as dimensões de raça e etnia, ocupação no mercado de trabalho — estar ou não ocupado —, gêneros, religiões e culturas, nível educacional e socioeconômico e outros marcadores sociais. Por exemplo, a questão das deficiências e mesmo das diferentes faixas etárias são elementos-chave que precisam ser considerados na hora de desenhar a política.
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Então, minha mensagem final hoje passa pela compreensão das frentes em que temos que atuar. A primeira delas é a da lacuna de evidências, em que precisamos tanto melhorar os nossos dados nacionais, em termos de estratificação e de regularidade de coleta, quanto entender quais são as intervenções mais efetivas. Devemos investir numa linha de pesquisa específica em saúde mental no Brasil, para conseguir testar diferentes intervenções, em diferentes contextos, e entender o que está funcionando melhor e quais são as barreiras. Essa implementação de soluções na saúde e na educação exige uma rede intersetorial integrada e forte. Então, investir em capacitação e provimento adequado de serviços profissionais é chave, especialmente com essa especificidade da juventude.
E, por fim, ressalto que a diversidade da juventude precisa ser apoiada por políticas e programas de saúde mental equitativos. Precisamos garantir que os grupos-chave sejam visíveis — que nós enxerguemos quem está em maior risco — e que as pessoas não tenham barreiras que promovam a exclusão ou a dificuldade de acessar as ações.
Essas são as minhas mensagens por hoje.
Agradeço muito.
Esse é meu e-mail, caso queiram entrar em contato.
Estou curiosa para ouvir a Carolina.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Muito obrigada, Sra. Laura.
Concedo a palavra agora, também por 10 minutos, à Sra. Carolina Campos, para a sua exposição.
Seja muito bem-vinda.
A SRA. CAROLINA CAMPOS - Muito obrigada, Deputada, pelo seu requerimento e também pelo convite feito pela Comissão de Educação. É um prazer estar aqui com vocês.
Darei um olhar da educação um pouco mais de dentro das escolas, mas minha fala é muito parecida com o que os meus colegas já disseram. Acho que estamos muito alinhados não só no propósito, mas no que dissemos também.
Quero mostrar algo para vocês rapidamente. O Vozes da Educação elaborou, em novembro do ano passado, um levantamento internacional para olhar como o Brasil e outros países desenvolviam atividades de saúde mental nas escolas. E me deu uma sensação de que nós aqui no Brasil ainda temos um longo caminho a construir. O que me parece é que outros países já estão muito mais estruturados do que nós, até mesmo do ponto de vista de políticas públicas, muito antes da pandemia, inclusive.
Fizemos um levantamento e usamos o mesmo documento estruturador demonstrado na fala da Luciana. Conseguimos ver claramente que, no mundo da criança, está o MEC, porque o MEC está entrando nas escolas. No mundo ao redor da criança, entra essa rede intersetorial de que a Laura falou tão bem. E, no mundo em geral, acredito ser o lugar do Legislativo, o lugar de vocês que estão no Congresso e que podem nos ajudar, porque é onde ocorre a estruturação das políticas públicas.
Se fôssemos dizer de quem é o lugar em cada um desses eixos, eu diria que o eixo do Legislativo é o mundo geral; o eixo intersetorial, da assistência social, da saúde, da segurança pública, da própria sociedade civil, com ONGs e com universidades, é o mundo ao redor da criança; e o mundo da criança é o MEC, porque estamos falando mesmo da escola, da família, do pai, da mãe.
Nesse mesmo levantamento, nós trouxemos dez fatores de sucesso em iniciativas de saúde mental. Basicamente, o que fizemos foi: ao olhar para todos os 11 territórios, entendemos que alguns fatores eram essenciais. Quais seriam esses fatores? Que territórios estariam lidando com cada um desses fatores?
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O primeiro fator de sucesso é ter ancoragem legal e orçamento específico para esses programas. Então, não adianta nada ser uma política de Governo e não uma política de Estado. Mas precisamos que haja ancoragem legal e orçamento específico para essas políticas de saúde mental que forem criadas. Depois, temos a intersetorialidade, como muito bem disse a Laura. Não dá para fazermos nada sozinhos. Comunicação e combate ao estigma são essenciais. Inclusive, se alguém me perguntar por onde começaríamos, acho que seria por aqui.
Precisamos dizer que não está tudo bem. Aproveito para saudar o Deputado Kim por ter aberto sua vida pessoal, pois precisamos dizer que não está tudo bem, não só com os jovens, mas também com as nossas crianças. É importante que a equipe seja dedicada, é muito importante e essencial formar os envolvidos, ter material estruturado e integrá-lo ao currículo.
E aqui quero dizer que é diferente a integração que a BNCC está fazendo em relação ao que estamos propondo aqui. Já, já explico melhor.
Sobre a intervenção precoce, quanto mais rápido fizermos a intervenção e os profissionais da educação sejam capazes de perceber que há algo errado, mais rápido conseguiremos ofertar socorro e maiores são as chances de salvarmos a vida dessa criança ou desse adolescente. É muito importante termos processos claros de encaminhamento, além do envolvimento de toda a comunidade. Inclusive, esses dez fatores de sucesso estão listados no Projeto de Lei nº 1.215, de 2022, de autoria do Deputado Idilvan Alencar, que está apenso ao Projeto de Lei nº 3.383, de 2021, cuja relatoria é da Deputada Tabata Amaral. Não me recordo direito, mas o Vozes também apoiou no sentido de ajudarmos os senhores a refletir um pouco sobre o que está sendo debatido naquele PL.
Um ponto que acho importante levantar aqui é o papel da escola na saúde mental. Antes da pandemia, a saúde mental dos meninos já não estava bem, e é claro que a pandemia a piorou. Só que eu vou fazer coro com todos os meus colegas e dizer: nós precisamos de dados. Não temos informação.
Quando olhamos os dados dos Estados Unidos, temos o relatório da CDC dizendo, por exemplo, que as tentativas de suicídio aumentaram 50% entre os jovens, especialmente entre as meninas. Mas, quando olhamos o mesmo CDC, vemos que 1 em cada 450 crianças perdeu o pai ou a mãe ou a avó, o cuidador direto, na pandemia. Se olharmos os dados de Nova York, veremos que esse número é de 1 para cada 200 crianças. Hoje, na escola, não sabemos dizer se aquele aluno tem um pai ou uma mãe viva, por causa da COVID-19. Não sabemos. Então, nós precisamos saber quantas crianças perderam o seu cuidador direto: a mãe, o pai, a avó. Quantas perderam? Quem são essas crianças? Na escola, ficamos sabendo que a criança, por exemplo, está comemorando o aniversário da morte da mãe. Gente, como o professor trabalha se não tem essa informação? Então, é muito importante sabermos quem são essas 670 mil vítimas que deixaram suas crianças, deixaram sua prole. E, dessas pessoas que morreram de COVID, quem deixou prole e como estão essas crianças?
Além disso, uma informação da OCDE que surgiu hoje de manhã é a de que alunos vulneráveis e de condição socioeconômica mais baixa tendem a ter menos tolerância, menos empatia e assertividade. Essa mesma pesquisa mostra que alunos de 10 anos costumam ter mais social skills do que alunos de 15 anos. Então, parece que vai diminuindo. À medida que a pessoa vai crescendo, nós vamos diminuindo essa condição.
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Há uma diferença importante de ser feita sobre o que são competências socioemocionais e o que é saúde mental. Eu tenho ouvido muita gente falando: "Ah, na minha escola, a gente está trabalhando competências socioemocionais". Gente, as competências socioemocionais estão previstas na BNCC. São habilidades que precisamos de trabalhar. Elas podem ser desenvolvidas: autogestão, assertividade, empatia, resiliência. Nós conseguimos desenvolver essas competências socioemocionais, mas isso não é suficiente, porque as competências socioemocionais fazem parte da promoção da saúde mental. Nós estamos falando de gente que já está adoecida.
A escola precisa ser vista como um espaço de cura. Hoje a escola não está sendo vista assim. Ela está sendo vista como um espaço de adoecimento. Então, é muito importante fazermos essa separação. E, para isso, precisamos entender que há um continuum de bem-estar.
Dentro de uma escola, eu tenho crianças, adolescentes e adultos que estão bem ou que estão lidando. Para essas pessoas, trabalhar competências socioemocionais funciona, mas eu tenho gente que está lutando e que está mal. Para essas pessoas, o que vai resolver é tratamento e recuperação. Para isso, o que o Estado pode fazer? Já existem muitas leis. Há a Lei da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, que é a Lei Vovó Rose. Essa lei institui o comitê gestor da política nacional que a Deputada Tabata mencionou. Inclusive, Deputada, uma das nossas recomendações é que o MEC, de fato, como V.Exa. disse, esteja mais presente. Hoje é dia de reunião. Há reunião do comitê prevista para hoje. Não sei se o MEC vai participar, mas é importante que participe.
Além disso, o MEC tem que saber e tem que instruir as escolas de que cabe a elas, em casos suspeitos ou confirmados de suicídio ou de violência autoprovocada, comunicar o Conselho Tutelar em até 24 horas. É obrigação da escola, e o MEC precisa informar que a escola tem que fazer esse comunicado.
Nós também temos uma outra lei que fala sobre os psicólogos e assistentes sociais nas escolas. Esses profissionais precisam ser contratados pelas redes, mas temos um problema de orçamento aqui.
Há a lei que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, que é a Lei de Combate ao Bullying. Essa lei também traz recomendações para a escola, que precisa saber o que é para ser feito a partir dessa lei. E existe a Lei Lucas, que é uma lei que obriga a capacitação de noções básicas de primeiros socorros para professores.
Inclusive há o caso daquela criança que morreu recentemente com um pedaço de maçã. Ela poderia ter sido salva se os profissionais tivessem recebido capacitação nesses primeiros socorros. Isso é importante porque, em uma situação de emergência, em uma situação em que haja alguém sangrando na escola, nós temos como apoiar, se os profissionais tiverem essa formação.
Por fim, é necessária a implementação das leis de saúde mental nas escolas. O que o Estado pode fazer? Por Estado, entenda-se MEC, todos os órgãos de apoio e Legislativo. É preciso criar grupos de trabalho em cada escola. Cada escola tem que ter um GTzinho para saber como é que nós vamos encaminhar os processos. O PDDE Interativo, por exemplo, pode servir como suporte na implementação desses times.
Então, o PDDE Interativo é um sistema que o MEC usa para uma série de coisas. O MEC pode falar: "Olha, coloca aqui no PDDE Interativo o nome dos profissionais que vão trabalhar nesse time, nesse GT da escola". As escolas precisam ter protocolos específicos. Precisamos aproveitar o que a pandemia nos ensinou. A pandemia nos ensinou a trabalhar com protocolos. Então, a escola precisa ter protocolo específico para caso de violência, assalto, furto, tentativa de suicídio, casos emergenciais de saúde mental, casos não emergenciais de saúde mental. Esses protocolos precisam existir.
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Existe um material criado pela UniverSUS que pode ser aproveitado na AVAMEC. Por que essa interlocução ainda não aconteceu entre os órgãos? Se o Ministério da Saúde está produzindo conteúdo e se esse conteúdo pode ser aproveitado pelo Ministério da Educação, precisamos de fazer essa interconexão entre os órgãos.
O Disque 196, que é a Linha Vida, precisa não só ser iniciada — ela teria início agora em Brasília —, mas validada, para que, no futuro, seja ampliada.
As cartilhas que já foram produzidas pelo Ministério da Saúde podem ser distribuídas nas escolas. Uma coisa muito importante que a Laura disse é que nós precisamos capacitar a rede de atendimento ambulatorial — CAPS, CAPSi. Toda a rede de atendimento ambulatorial precisa ser formada e ampliada. Além disso, nós precisamos trabalhar com os Conselhos Tutelares. É urgente apoiá-los.
Precisamos de recursos para pagar os profissionais de saúde mental nas redes de ensino. O FUNDEB 30 não vai ser suficiente.
Precisamos compartilhar boas práticas no Brasil e no exterior. O Censo Escolar pode incluir dados sobre a saúde mental de alunos e de educadores. Se está todo mundo falando que é preciso haver evidências, o Censo Escolar pode ser uma alternativa para incluir perguntas sobre isso. Além disso, precisamos fazer campanhas nacionais de combate ao estigma nas escolas. Isso também é urgente. Nós temos campanhas nas escolas — Maria da Penha vai à Escola, DETRAN nas Escolas. Temos que ter uma campanha de saúde mental nas escolas.
Por fim, temos que estimular a participação do MEC nas ações do Comitê Gestor Intersetorial, como a Deputada já bem disse.
Sobre os educadores, eles precisam observar, refletir e identificar. Educador não diagnostica. Educador apenas percebe que há algo errado. Fui professora por 7 anos e cansei de viver situações com alunos meus que davam sinais. Eu só não sabia o que fazer. Se há algum sintoma muito claro, visível, o fluxo é: o educador percebe os sinais, aciona o time responsável na escola — por isso, esse time precisa existir —, e esse time identifica se é emergencial ou não emergencial. Sendo emergencial, aciona-se o contato emergencial. Sendo não emergencial, aciona-se o contato não emergencial. E só depois de acionar o socorro é que nós acionamos os familiares. Por fim, nós fazemos um acompanhamento dos estudantes.
Eu agradeço muito. Estou absolutamente à disposição.
Muito obrigada a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Muito obrigada, Carol.
Mais uma vez, muito obrigada a todos os nossos expositores.
Eu queria trazer duas perguntas e convidá-los, inclusive tentando respeitar o tempo de todo mundo por causa do atraso que nós tivemos, para fazerem as considerações finais junto com a resposta às perguntas.
Então, peço que aguardem um segundo. (Pausa.)
Perfeito.
Nós temos aqui uma pergunta que foi feita no e-Democracia. Se puderem, peço que tomem nota, mas eu também não tenho o menor problema em repetir. A Dayana Rosa Duarte Morais perguntou: "O que o Poder Legislativo pode fazer para evitar que casos como o surto coletivo em escolas de São Paulo e Recife não se repitam?" E eu queria trazer uma segunda pergunta.
Vocês todos falaram da legislação já existente. A Carol trouxe um gráfico com tudo que já temos de amparo legal para podermos agir, e a minha angústia — talvez seja a angústia de todos os Parlamentares que trabalham com educação — é justamente a falta de fiscalização e implementação dessas legislações.
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Fico com o sentimento de que, apesar de termos ali dois projetos que eu mencionei e que vocês mencionaram, que eu acredito que vão dar um direcionamento, que vão nos ajudar a avançar, nós ficamos no lugar de ter leis que, se fossem implementadas, dariam respostas excelentes a esse problema, mas que estão completamente paralisadas. Nós dependemos de mais de 5 mil redes municipais e de 27 redes estaduais para que, individualmente, possam fazer esse trabalho.
Como alguém que também tem o papel de fiscalizar o MEC e de propor outros mecanismos de fiscalização ao TCU, por exemplo, eu queria trazer a seguinte pergunta: como vocês acham que nós podemos avançar na implementação da Lei 13.935, de 2019, com serviços de psicólogos e assistentes sociais, e da Lei Vovó Rose, a fim de garantirmos que elas estão sendo implementadas e que essa fiscalização por parte do MEC está existindo?
Nós chegamos a um limite, trazendo até uma fala mais da luta pela educação, de nós não conseguirmos mais avançar com o MEC e de estarmos encaminhando muitas questões judicialmente, porque entendemos que há ausência legal do papel do MEC na implementação dessas leis.
Se eu pudesse ouvir vocês sobre quaisquer outros mecanismos que podemos utilizar para que essas leis que já foram aprovadas sejam implementadas, para nós, na Câmara, seria extremamente rico. E aqui eu também falo como Relatora da Comissão que fiscaliza o MEC, como uma das coordenadoras da nossa bancada da educação, que é liderada pelo Deputado Professor Israel.
Então, deixo essa pergunta e também a questão dos surtos coletivos. Se puderem fazer as considerações finais, nós iremos chamar na mesma ordem. Agora o tempo de cada orador será de 3 minutos, mas poderemos prorrogá-lo por mais 2 minutos, se acharem necessário.
Vou passar a palavra agora aos senhores, para que façam as suas considerações finais.
Tem a palavra a Luciana Barrancos.
A SRA. LUCIANA BARRANCOS - Eu queria agradecer a V.Exa. novamente pelo convite para estar aqui e também dar os parabéns pelas falas dos colegas debatedores. Eles enriqueceram bastante a compreensão do debate e caminharam na mesma direção. Até a própria audiência sobre as evidências reforça o papel das evidências nesse debate.
Respondendo um pouco as perguntas, eu entendo que o papel do Legislativo deve ser justamente o de criar essas políticas estruturantes, de conseguir entender quais são as lacunas, o que, de fato, vai fazer virar essa engrenagem, vai mudar estruturalmente a saúde mental nas escolas, a saúde mental dos adolescentes e transformar isso em uma legislação, em uma política pública que depois, obviamente, precisará do apoio de outros órgãos fiscalizadores, como o MEC.
E aqui eu vejo um papel bastante relevante da sociedade civil, o papel de advocacy, o papel de conseguir colocar essa pauta como prioritária no debate. Nós temos muitas questões sendo debatidas. É quase um apagar de incêndios o tempo inteiro, mas nós precisamos conseguir dar centralidade à saúde mental, e isso passa por comunicação, por informação, por trazer os dados do quanto a saúde mental, de fato, impacta a sociedade.
Nós costumamos ouvir que não há saúde sem saúde mental, mas, no Instituto Cactus, dizemos que não há desenvolvimento social e econômico sem saúde mental. E eu acho que, muitas vezes, falta essa compreensão da sociedade, dos órgãos públicos, do quanto nós precisamos incidir. Não é uma questão secundária em que nós incidimos quando deu errado. Se agirmos preventivamente, os números vão mostrar que há menos evasão, que a qualidade de vida aumenta, que a economia se desenvolve. Então, nós precisamos entender e pautar essa centralidade, construir evidências em torno do tema, olhar para a prevenção como chave.
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É claro que há problemas já instalados para os quais temos que olhar e dar algum encaminhamento, mas precisamos mudar a lógica, precisamos entender que, se agirmos precocemente, vamos ter um futuro bem diferente, vamos poder direcionar nossa atenção de uma forma diferente. Precisamos entender que olhar para os adolescentes é central e que precisamos continuar sempre pautando o debate público em evidências, observando o que funciona e o que não funciona, porque só assim vamos conseguir avançar nas políticas públicas.
Eu também queria me colocar à disposição, colocar o Instituto Cactus à disposição para contribuir com este debate, para fortalecer o advocacy, para garantir que seja pautada a discussão de saúde mental nas políticas públicas, o que, para nós, é fundamental. A saúde mental impacta e é impactada por todos os setores. Não dá para deixarmos isso para amanhã.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Muito obrigada, Luciana.
Gostaria de convidar agora o Matías, para as suas considerações finais.
O SR. MATÍAS MREJEN - Obrigado. Mais uma vez, gostaria de agradecer a possibilidade de participar desta audiência.
Eu acho que um ponto que tem que ser reforçado é a necessidade de haver mecanismos de monitoramento e avaliação das políticas públicas. Eu acredito que os instrumentos de controle são muito importantes para fiscalizar a efetiva implementação das leis pelas redes municipais e pelas redes estaduais.
Nesse sentido, são necessários dados desagregados que permitam avaliar não só o impacto das políticas públicas — os dados sobre a saúde mental dos estudantes, como eles estão, etc. —, mas também sua implementação. Então, se são políticas públicas que pretendem promover a incorporação de alguns profissionais, como psicólogos ou assistentes sociais nas escolas, precisamos de dados que nos permitam ver se efetivamente esses profissionais foram contratados e de dados que nos permitam ver o tipo de protocolo, de mecanismo que esses profissionais estão colocando em ação nas escolas. Acredito que esse tipo de informação pode permitir fiscalizar, de forma mais eficiente, se o MEC está, de fato, implementando as leis aprovadas. Eu acho que esse ponto reforça a necessidade de dados e informações o mais desagregado possível e com a maior frequência possível para a avaliação de políticas públicas.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Muito obrigada, Matías.
Gostaria de convidar agora a Laura, para as suas considerações finais.
A SRA. LAURA DOS SANTOS BOEIRA - Muito obrigada, pessoal.
As perguntas me parecem bem desafiadoras. Na verdade, o que o Legislativo pode fazer, na prática, é oferecer bons exemplos. Primeiro de tudo, se nós estamos falando da importância de informar políticas por evidências, isso começa, com certeza, em informar a proposição legislativa por evidências, garantindo que isso seja uma prática corrente na Casa, neste Poder tão importante. Esse já me parece um bom começo. Em geral, fazemos isso, como o Matías falava, fortalecendo o papel das universidades.
É preciso entender que, quanto mais pessoas estiverem olhando para os dados produzidos pelo Legislativo e pelo Executivo, maior será a chance de garantir a efetividade e de entender onde estão as barreiras de implementação.
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Então, tanto no que diz respeito ao Legislativo, por exemplo, a ter emendas parlamentares que se destinem a promover este tipo de estudo, quanto ao fortalecimento e à garantia de que, já que saúde mental é multifatorial, não aprovemos, dentro do Legislativo, proposições que possam incidir negativamente na saúde mental das pessoas, especialmente dos jovens. Isso é algo que me parece bem chave para como o Legislativo pode atuar nesse sentido.
Acima de tudo, eu entendo que nem sempre isso é fácil. Mas a linha entre uma proposição legislativa e o trabalho do Executivo tem que ser fluida. São Poderes que têm que atuar em colaboração. Obviamente nós fazemos críticas, e é oportuno que se faça, ao trabalho do Ministério da Educação. Mas ele é também uma instância muito plural, com vários servidores e servidoras comprometidos com esta pauta. Muitas vezes, acredito que, quanto mais o Legislativo trabalhar em colaboração com o Executivo, será possível entendermos os caminhos por onde algumas vontades políticas podem ser dribladas para atingir um objetivo comum, que é o que estamos debatendo aqui: a maior efetividade nas políticas de saúde mental para as juventudes, entendendo a repercussão que isso vai ter para todos os lados. Não é um caminho simples. Como nós mencionamos, há vários desafios possíveis. Mas se tem muito poder de indução através do exemplo na Casa do Poder Legislativo e de aproximação com a sociedade civil também.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Perfeito! Muito obrigada, Laura!
Agora, eu queria convidar a Sra. Carolina Campos, para poder também fazer as suas considerações finais.
A SRA. CAROLINA CAMPOS - Obrigada, Deputada! Dando coro ao que todos falaram, gente, o Brasil tem um problema crônico de implementação de política pública. Não é só nesta seara. Nós temos um problema crônico, em muitas searas, para implementar a política.
No caso específico de saúde mental, eu acho que isso se agrava, porque nós estamos falando, necessariamente, de intersetorialidade. Nós já temos um arcabouço legislativo importante da parte de saúde mental nas escolas. É claro que termos uma política nacional psicossocial também vai agregar a isso. Mas, se nós formos olhar o que já temos, já há política de combate ao suicídio e à autolesão, já há política de combate a bullying, já há determinação para contratação de profissionais para colocar na escola.
O que nós precisamos é que os Ministérios que estão envolvidos, efetivamente, se juntem e coloquem isso na agenda para que isso comece a acontecer. Sobre o como, nós já trouxemos algumas ideias. Eu posso pegar o que o Ministério da Saúde está produzindo e colocar, por exemplo, no AVAMEC. Mas não adianta só botar no AVAMEC e não comunicar, não dar formação, não apoiar. É preciso um trabalho intenso de ofertar a formação para todas as pessoas envolvidas. E aí nós entramos de novo no desafio da educação. Não é só na educação básica, é na educação em todos os níveis. Eu sei que o Brasil é um País enorme e gigantesco, mas eu também acredito que, no momento em que nós temos as determinações que vêm de cima para baixo e que você ajuda a escola a saber o que ela tem que fazer, a escola tem condição e ela faz muito direitinho.
Então, precisamos ter uma rede de apoio que efetivamente ajude a escola. Quando nós conversamos com psicólogos e assistentes sociais, eles nos falam: "Mas demora, Carol, o atendimento demora!" E, às vezes, a gente precisa que este atendimento seja emergencial. Quando nós vamos para a ponta e vemos o que está acontecendo, sabemos que precisamos ampliar a rede ambulatorial, mas que precisamos sobretudo formar os conselheiros tutelares.
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Gente, eu sou ex-gestora municipal de educação e vivi uma situação em que uma menina engravidou porque foi estuprada pelo padrasto. Na mesma semana em que estávamos encaminhando o caso para o Conselho Tutelar, que nem tinha respondido ainda, a irmã apareceu grávida do mesmo padrasto.
Então, temos que ter muita agilidade porque esses casos vão se empilhando no dia a dia do Conselho Tutelar. E acho que a forma como podemos agir é essa, pensando sempre em avaliação e monitoramento. E, é óbvio, nós precisamos de dados.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Tabata Amaral. PSB - SP) - Perfeito. Muito obrigada.
Agradeço pelas respostas de vocês. Estou devendo uma resposta em relação à questão de dados.
No último relatório da Comissão Externa de Acompanhamento dos Trabalhos do MEC, que foi aprovado na semana passada, nós dedicamos um capítulo inteiro à saúde mental e identificamos o mesmo problema. Aqui nós esbarramos numa questão legislativa, pois não cabe ao Congresso criar ou indicar uma avaliação. E o que fizemos foi justamente dar uma sugestão, que vamos encaminhar, para além do relatório, como ofício ao MEC, para que o Ministério, junto com o INEP e com o Ministério da Saúde, possa conduzir uma avaliação em âmbito nacional, seja uma avaliação dentro do Censo ou do SAEB, seja uma avaliação independente. E aí o que nos cabe? Cabe-nos, junto com vocês da sociedade civil, continuar pressionando.
Se alguém não tiver o relatório da Comissão Externa, eu vou pedir a ajuda da Elizabeth ou do time da Comissão de Educação para que possamos enviá-lo, porque queremos encaminhar esse ofício ao MEC ainda nesta semana.
Mais uma vez, muito obrigada não só pelas contribuições, por todos os aprendizados que vocês compartilharam aqui hoje, mas principalmente pela luta individual de cada um, que eu tenho a alegria de acompanhar, e também das instituições que vocês representam. Tanto a Comissão de Educação quanto a Comissão Externa de Acompanhamento dos Trabalhos do MEC e a bancada da educação estão inteiramente à disposição.
Às vezes, há um limite do que podemos fazer enquanto Poder Legislativo, mas queremos garantir que estamos batendo nesse limite e fazendo tudo que podemos, também fiscalizando e pressionando junto com a sociedade. Essa foi uma conversa inicial, mas espero que ela possa continuar. Estou inteiramente à disposição do trabalho de vocês.
Agora vou passar para o encerramento oficial. Por se tratar de uma reunião conjunta da Comissão de Educação e do Grupo de Trabalho Problemas Psicológicos Jovens Brasileiros, indago aos senhores se podemos dar a ata por aprovada, uma vez que será redigida pela Secretaria da Comissão de Educação conforme os registros de áudio da reunião. (Pausa.)
Não havendo discordância, fica aprovada a ata.
Antes de encerrar os trabalhos, agradeço aos senhores palestrantes pela brilhante contribuição dada a esta audiência pública, assim como agradeço pela presença de todos e os convido para a reunião extraordinária deliberativa amanhã, dia 12 de julho de 2022, às 13 horas, para apreciação dos itens da pauta.
Boa segunda-feira para todos vocês e boa semana.
Está encerrada a presente reunião.
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