4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Saúde
(Audiência Pública Ordinária (semipresencial))
Em 14 de Junho de 2022 (Terça-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Eduardo Barbosa. PSDB - MG) - Declaro aberta a presente reunião.
Informo aos Srs. Parlamentares que esta reunião está sendo transmitida ao vivo pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube e no portal e-Democracia, para ampliar a participação social por meio da interação digital.
O registro de presença do Parlamentar será dado tanto pela aposição da sua digital nos coletores existentes no plenário quanto pelo uso da palavra na plataforma de videoconferência.
As inscrições para o uso da palavra serão feitas por meio do menu Reações, do aplicativo Zoom, ou por solicitação verbal dos Parlamentares presentes no plenário.
Esta reunião de audiência pública foi convocada nos termos dos Requerimentos nº 15/2022 e nº 71/2022, de autoria da Deputada Tereza Nelma, e do Requerimento nº 73/2022, da Deputada Dra. Soraya Manato, aprovados por esta Comissão, para debater o Projeto de Lei nº 4.364, de 2020, que institui a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com a Doença de Alzheimer e Outras Demências.
Com alegria, recebemos os nossos convidados e lhes agradecemos terem aceitado o convite desta Comissão para trazer sua visão qualificada sobre a questão, já que todos eles são pesquisadores experientes dentro do tema. Com isso, teremos nesta Comissão a oportunidade de ouvi-los, de assimilar e absorver conhecimento para a nossa posição junto ao projeto de lei citado.
Anuncio a presença dos seguintes convidados: Sr. Rodrigo Schultz, Presidente da Associação Brasileira de Alzheimer — ABRAZ; Sra. Elaine Mateus, Presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer — FEBRAZ; Sr. Otávio Nóbrega, especialista em gerontologia da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia — SBGG; Sra. Lina Menezes, coordenadora do Projeto Tudo sobre Alzheimer; Sra. Walquiria Alves, Conselheira do Conselho Nacional de Saúde; Sr. Leandro Minozzo, geriatra; Sr. Gustavo San Martin, fundador e Diretor da Associação Crônicos do Dia a Dia — CDD e da Associação Amigos Múltiplos pela Esclerose — AME.
Comunico aos membros desta Comissão que o tempo destinado a cada convidado para fazer sua exposição será de 15 minutos, não podendo ser aparteado. Os Deputados inscritos para interpelar os convidados poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de 3 minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo, não sendo permitido ao orador interpelar quaisquer dos presentes.
Dando início aos trabalhos, passo a palavra por até 15 minutos ao Sr. Rodrigo Schultz, Presidente da ABRAZ.
O SR. RODRIGO SCHULTZ - Bom dia a todos.
Obrigado, Deputado Eduardo Barbosa e Deputada Tereza Nelma, pelo convite para falar nesta oportunidade.
Agradeço à Câmara dos Deputados e à Comissão de Seguridade Social e Família.
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Cumprimento os amigos, os colegas de trabalho de muitos anos e todas as pessoas que estão nos ouvindo. Vamos conversar e dividir informações e experiências nesta área, para contribuir com o Projeto de Lei nº 4.364.
Atualmente, sou Presidente da ABRAZ Nacional, estou na minha segunda gestão, desde 2017. Antes, fui Diretor Científico. Estou na ABRAZ desde o ano 2000, quando entrei como tesoureiro da ABRAZ Regional São Paulo, na Presidência da Enfermeira Ceres Ferretti. Também trabalho como titular de neurologia da Universidade de Santo Amaro. Trabalho há alguns anos com a Elaine Mateus, que é Presidente da FEBRAZ e faz um bom trabalho frente à Federação Brasileira das Associações de Alzheimer, onde trabalho na Vice-Presidência atualmente.
Sem dúvida alguma, esta oportunidade de falarmos mais sobre esse tema tem extrema importância. Estamos todos trabalhando para que seja possível avançar muito nessa área. Como todos sabemos, o Brasil envelhece, e há uma necessidade enorme de todos colaborarem, trabalhando juntos.
Antes da pandemia, estive presente pessoalmente no Congresso Nacional, em algumas audiências. Em outros momentos ao longo da pandemia, estive on-line para falar deste importante assunto.
Vou trazer um pouco da questão da jornada do paciente desde o diagnóstico até o tratamento. Como profissional da saúde, lembro que devemos pensar sempre no sistema público, no nosso SUS, que todos conhecemos, no sistema privado, porque há pessoas que não procuram o SUS, e na saúde suplementar. É importante lembrarmos que existe uma estrutura grande e robusta de saúde suplementar, com quase 50 mil pessoas. Nesse processo desde o diagnóstico até o tratamento, é importante pensarmos em todas essas esferas.
Como profissional, eu gostaria de falar sobre o que senti e o que fiz ao longo desses anos, em relação ao diagnóstico de Alzheimer, das demências e dos transtornos cognitivos. Posteriormente, falarei sobre o tratamento.
Hoje, não devemos falar exclusivamente em demência. Devemos falar em transtornos cognitivos. Indivíduos com comprometimento cognitivo leve, que se queixam de memória, já poderiam ter algum sinal de demência bem incipiente, e isso deve ser bem explorado. Então, essa visão é fundamental para que seja feito um diagnóstico o mais precocemente possível.
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É evidente que nós queremos um dia que esse diagnóstico venha através de marcadores, como nós temos para alguns tipos de neoplasias, de tumores, por exemplo, e de algumas doenças infecciosas. Exames de rastreio, de sangue, de urina e de imagem fazem com que o diagnóstico seja feito muito precocemente, para que você consiga intervir, seja clinicamente, seja através de um procedimento cirúrgico.
Portanto, chegaremos a esse ponto, a esse nível um dia. O mundo vem, evidentemente, em relação às demências, em relação a esses transtornos, na maioria das vezes degenerativos, caminhando para os exames dos marcadores, testes que poderão ser feitos através de exames de sangue, por exemplo.
O que temos hoje é uma boa história, uma boa conversa e algumas avaliações, testes — chamamos de avaliação cognitiva breve — neuropsicológicos. Essa é uma forma de avaliar, de acessar a memória, a linguagem, a orientação e a atenção. Da mesma maneira que o paciente se queixa de fraqueza e é examinado para saber qual é o grau da fraqueza, há necessidade de se ter acesso a isso.
Na jornada há necessidade de a população estar bem informada. Esse é um ponto fundamental. Nós sabemos, a população sabe que uma dor no peito pode ser um enfarte do coração, como diziam antigamente. Hoje se fala "infarto do coração". Um dor no peito, uma dor precordial é sinal de que pode ser um infarto. E as pessoas procuram... No caso do acidente vascular cerebral, as pessoas já entenderam um pouco que, no caso de uma paralisia, de uma fraqueza, é necessário procurar um serviço médico, porque pode ser um acidente vascular cerebral. Antigamente falavam derrame — termo que não se usa mais.
Então, a população deve ser informada, e os profissionais devem ser capacitados para receber os pacientes e diagnosticá-los. Há necessidade de as duas pontas, de esses dois lados estarem atentos. Por que atentos? O informante, a pessoa, a população deve pensar: "Poxa, isso vai além do que deveria acontecer. Essa perda de memória não é o que pode acontecer com a idade, o que se espera". É algo bem questionável esperar perda de memória com a idade. Esse é um termo também que já ficou há mais de 10 anos, 15 anos. E os profissionais da rede de atenção básica e os médicos de família devem estar atentos, devem ter uma boa formação para, ao ouvirem esse tipo de queixa, pensar: "Opa, isso aqui vai além, quanto a isso eu tenho que estar atento, eu tenho que me aprofundar aqui e examinar melhor o paciente".
Feito isso, após uma boa história — aprender a ouvir a pessoa é fundamental —, é preciso fazer as perguntas certas, o que exige capacitação. E as pessoas precisam pensar: "Poxa, isso aqui não pode acontecer com o meu pai, com o meu marido, com a minha mulher". Caso isso aconteça, já se tem um bom começo. A partir da avaliação, como eu disse, há a necessidade de alguns poucos exames, como de neuroimagem, de tomografia, de ressonância, laboratorial. Então, há a necessidade de pensarmos em estruturas, em centros, não apenas nos grandes centros, mas nós precisamos de centros no Brasil inteiro. Nós discutimos e falamos muito sobre isso. O Brasil inteiro precisa de centros que estejam preparados, capacitados, com profissionais bem formados para receberem essas pessoas.
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Então, qualquer projeto de lei, iniciativa, deve contemplar o Brasil, evidentemente, como um todo. Então, sairmos dos grandes centros, não fazermos apenas isso nas cidades grandes, como aqui em São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro. Precisamos fazer algo que seja multiplicado.
Acho que é fundamental sempre lembrarmos que há um tratamento não farmacológico e um farmacológico, que há muito a ser feito — muito! De fato, as pessoas têm nos dito que não há o que fazer. Falava-se mais nisso, e muito até entre os profissionais da saúde. Eu gostaria de dar este destaque aqui: há muito a ser feito de maneira não medicamentosa, não farmacológica e farmacológica.
Então, precisarmos trabalhar, desenvolver meios para que as pessoas tenham acesso com mais facilidade aos remédios. Há maneiras de as medicações chegarem aos grandes centros, mas também aos pequenos centros. Há uma questão necessária aí a ser sempre feita em qualquer projeto de lei, iniciativa, que as medicações cheguem a qualquer lugar, que não faltem, isso é muito importante. Nós teremos medicamentos cada vez melhores e dirigidos. Qualquer iniciativa deve pensar que teremos medicamentos dirigidos, específicos para as demências, para as doenças, mesmo sem demência, para a doença de Alzheimer sem demência.
E, finalizando, há o não farmacológico. Precisamos lembrar a necessidade de haver equipes preparadas: fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, musicoterapeutas, enfim. É evidente que o paciente não precisa de tudo isso. Não estou dizendo que há necessidade de todos terem acesso a todos os profissionais, mas, com muita frequência, há a necessidade de um segundo profissional. Então, que haja um processo, uma discussão, uma dinâmica que permita que essas pessoas sejam acompanhadas. O tratamento vai muito, muito, muito, muito além da medicação, e nós precisamos avançar muito, muito nesse sentido.
Finalizo mencionando a necessidade de também trabalharmos e discutirmos mais, como vem acontecendo. Ficamos felizes em ver pessoas sendo premiadas com iniciativas, tratando das instituições de longa permanência, como se deve. Esse é algum assunto grande, extenso, merece aqui que eu diga isso, porque é tratamento também, e nós temos avançado.
Então, agradeço a atenção de todos e a oportunidade.
Muito obrigado a todos.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Barbosa. PSDB - MG) - Obrigado, Dr. Rodrigo.
Passo agora a palavra à Sra. Elaine Mateus, Presidente da FEBRAZ.
V.Sa. dispõe de até 15 minutos para sua exposição.
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A SRA. ELAINE MATEUS - Obrigada, Deputado Eduardo Barbosa.
Bom dia a todos que estão presentes aqui e aos que nos acompanham também. Quero agradecer imensamente a oportunidade deste convite. Agradeço às Deputadas Tereza Nelma e Dra. Soraya Manato, que apresentaram requerimentos para que pudéssemos ter este espaço de discussão tão importante.
Meu nome é Elaine Mateus. Eu sou universitária por carreira. Tenho já uma longa caminhada na área da formação de professores e na área da pesquisa no campo da linguística aplicada e me envolvi com a causa. Faço um trabalho voluntário no campo das demências desde 2012, quando minha mãe foi diagnosticada com a doença de Alzheimer.
A minha história, minha trajetória, meu movimento é muito similar ao de muitas pessoas que recebem o diagnóstico e sentem-se desamparadas, sem suporte, e vão em busca de informação. Algumas delas transformam esse processo num processo de partilha também e de advocacy. No meu caso, isso tem sido profundamente terapêutico inclusive.
Como já foi dito, eu sou a atual Presidente da FEBRAZ. Sou também fundadora e Presidente do Instituto Não Me Esqueças, que é uma associação com sede e atuação em Londrina, onde eu resido. Sou membro da Diretoria da Alzheimer Iberoamerica, da qual a FEBRAZ é filiada, e líder no Projeto STRIDE, sobre o qual eu vou falar um pouco rapidamente. Alguns de vocês devem conhecer esse projeto. Em português, ele foi traduzido como: fortalecendo respostas à demência em países de baixo e médio poder econômico. Ele foi lançado em 2018. Além do Brasil, participam desse projeto outros seis países: México, Jamaica, África do Sul, Quênia, Índia e Indonésia, cuja coordenação é da London School of Economics.
Em junho de 2018, exatamente há 4 anos, portanto, cerca de 40 pessoas aproximadamente estavam reunidas em São Paulo como parte do primeiro módulo de atividades desse projeto. Naquela ocasião, era um grupo grande, com médicos especialistas, representantes do Ministério da Saúde, do Ministério da Cidadania, da OPAS, Secretaria de Saúde, com assistência e apoio das próprias associações de Alzheimer — o Rodrigo estava lá, eu estava lá —, cuidadores também, uma pessoa com diagnóstico de demência.
Esse grupo construiu um mapa do que seria esse trabalho ao longo dos 4 anos, e um dos pontos de chegada desse mapa ou parte do percurso desse mapa passava pela criação de um Plano Nacional de Demência, e aqui eu abro aspas, "desenvolvido coletivamente por diferentes atores", incluindo Governo, sociedade civil, pesquisadores e pesquisadoras; adequadamente financiado; responsivo à diversidade das necessidades de cuidado das pessoas, e implementado; audacioso, com uma meta corajosa para o tempo em que se pretendia concluí-la.
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O momento atual é especialmente emblemático para mim — e acho que para muitos que acompanham esse trabalho. Eu estou precisamente reunida para o encerramento desse projeto aqui na Inglaterra. Então, é o momento de ticar as caixinhas das realizações, marcar aquelas que também não foram contempladas ainda e de planejar ações futuras. Amanhã vai ser feito o lançamento da rede mundial de sustentabilidade e continuidade dessa iniciativa.
A riqueza desse trabalho, dentre outras que o STRIDE pode trazer, está principalmente no trabalho conjunto de pesquisa e ação entre as instituições de pesquisa e as associações de Alzheimer em todos esses sete países. Isso traz uma dimensão diferente para aquilo que as pesquisas olham e os modos como os resultados são também analisados e depois disseminados.
Então, ter as pessoas com demência, ter os familiares que cuidam de pessoas com demência, ter as associações que advogam em favor dos direitos das pessoas com demência envolvidas nesses trabalhos traz novas dimensões e um olhar diferenciado para aquilo que se pode encontrar.
Bom, a proposta que nós estamos discutindo aqui hoje, que é a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências, não foi construída como nós havíamos planejado em 2018, mas, paralelamente a ela e ao processo menos participativo do que aquele desejado, caminhou esse grupo. Esse grupo está fortalecido, consolidado, muitas vezes ampliado, ouvindo muitas outras vozes, conhecendo outras experiências, produzindo novas evidências.
Então, hoje eu chego aqui carregando todo esse percurso, percurso múltiplo, plural, muito mais amadurecido também do que no início dessa caminhada, há 4 anos. A minha voz é um eco de todas essas vozes, muito mais no sentido de que elas hoje me constituem de um modo diferente, como há bastante tempo. Quatro anos nem é tanto tempo, mas parece muito mais, também em razão de tudo que experimentamos com a pandemia.
Eu vou apresentar alguns dados. Eu vou procurar ser o mais breve possível. Eu trouxe alguns eslaides muito mais na intenção de ajudar pessoas que, como eu, são mais visuais. Eu espero não cansá-los com números, mas acho importante que olhemos um pouco para isso.
(Segue-se exibição de imagens.)
Esta é a visão da FEBRAZ: um país inclusivo das pessoas com demência, livre de estigmas, com práticas de redução de risco, diagnóstico, cuidado, atenção e qualidade de vida, disponíveis a todas as pessoas indistintamente.
Portanto, participar deste momento parte de todo o nosso trabalho e de certa maneira coroa muitas dessas ações que nós vimos realizando.
Como eu disse, eu não vou me deter muito a alguns números.
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Eu acho que é importante nos lembrarmos do enorme contingente de pessoas estimadas a viverem com demência hoje no Brasil: cerca de 1 milhão e 800 mil pessoas. A estimativa é de 5,7 milhões de pessoas em 2050. Dessas, somente três recebem o diagnóstico formal. Então, existe um enorme contingente de pessoas que hoje sofrem nas suas relações cotidianas sem sequer saber que suas alterações de humor e de comportamento são algo que é uma doença, uma patologia, e não algo natural e normal de envelhecimento.
Este é um dado interessante porque as políticas de redução de risco são fundamentais nos planos e programas estratégicos no campo das demências. A OMS recomenda fortemente a atuação nas políticas de redução risco. Tem-se, nesse estudo, que, de 12 fatores de risco, há redução em 10 prevalências da demência. Em 20% dos casos, por década, poderia potencialmente se reduzir a prevalência da demência. E, em 2050, a redução da prevalência da demência está fixada em 8,7% e 16,2%, respectivamente, no Brasil. Aquele número de 5,7 milhões de pessoas com demência poderia ser bastante reduzido com políticas que trabalhassem na área da prevenção.
Sabe-se que a demência é a sétima causa de morte no mundo. Estudo recente, de 2016, mostrou que no Brasil a demência é a segunda principal causa de morte entre pessoas com 70 anos ou mais. O custo estimado é de 17 mil dólares por ano. E 2% desse custo corresponde ao cuidado informal oferecido pela família.
Então, quando pensamos também na demência, precisamos entender que essa não é uma doença de um indivíduo, mas uma doença de toda a sociedade. Ela impacta sobre as famílias e sobre as pessoas que realizam os cuidados. Sabe-se que 90% dos cuidadores informais no Brasil não são remunerados, não recebem qualquer tipo de ajuda financeira. Então, é fundamental que políticas olhem para isso e cuidem do cuidador. E 44% abandonaram o emprego para realizar os cuidados.
Temos um estudo da VEJA, comissionado pela BIOGEN, da qual a FEBRAZ e outras entidades são parceiras, que vai ser lançado recentemente. Ontem nós vimos, em primeira mão, os resultados que vão confirmar esses dados e dizer o número de pessoas que deixam o cargo ou são demitidas, porque, ao atrasarem, acabam correspondendo à expectativa daquele que o contratou. Menos de 7% dos cuidadores no Brasil recebem treinamento para cuidar de pessoas idosas, sequer de pessoas com demência.
Então, isso vai desde a dificuldade de interação na rotina e nos cuidados diários até questões muito mais complexas nos cuidados de vida. E isso tem uma relação também com o gênero. É preciso fazer esse recorte de gênero porque nós mulheres somos as que mais cuidamos. Somos as que recebemos menos apoio e as que mais somos também afetadas pela demência. Há mais mulheres com demência do que homens.
Esses dois estudos falam sobre o estigma, que é algo que impede inclusive a busca pelo diagnóstico e também, muitas vezes, a realização do diagnóstico, porque o estigma atravessa também as práticas dos profissionais da área da saúde.
Um dado que é alarmante, que eu acho que precisa ser mantido no horizonte, é que, nos dois últimos estudos que foram feitos para analisar quão preparado estava o Brasil para lidar com as questões da demência, nós não ficamos bem, vamos dizer assim. O Brasil, comparado com a Argentina, China, Índia e Arábia Saudita, teve o menor score. E, quando o estudo é feito comparando as 30 maiores cidades do mundo, São Paulo também foi a cidade que teve o menor score. Ou seja, São Paulo foi a menos preparada comparada às demais cidades brasileiras, e o Brasil foi o menos preparado comparado aos demais países.
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Sabemos — isso consta do texto da própria da lei — que o Brasil é signatário do compromisso de implementar ações dentro dessas sete áreas no campo das demências, em resposta às demências. Esses compromissos são atravessados por sete princípios. Três deles são de fundamental importância para nós que representamos as pessoas com demência e seus familiares, que são os seus direitos humanos, o empoderamento e o engajamento dessas pessoas e as questões também, nesse caso, de equidade de gênero.
Como um dos resultados do nosso trabalho junto ao STRIDE, nós estamos construindo um documento. Esse material que vocês estão vendo é provisório ainda, eu não o chamo ainda nem de uma primeira versão, porque ele ainda está em processo de reflexão e de discussão. O documento é para que se consiga estabelecer esses direitos que hoje não estão sequer colocados de forma clara para nós no Brasil.
Como essas pessoas não estão presentes, e eu acho que elas são as vozes mais importantes nesse processo de discussão sobre políticas para as pessoas com demência e seus familiares, eu trouxe a voz da Célia Maria de Oliveira, que tem o diagnóstico de Alzheimer há 11 anos. Ela diz: "Viver com Alzheimer traz muitos desafios. Mas nenhum é maior do que a falta de informação que leva as pessoas a pensarem que não temos mais condição de falar com nós mesmas. Nada por nós sem nós". Esse é um tema daqueles que advogam em favor da sua participação nos espaços públicos e de discussão de políticas.
Renné também tem a doença de Alzheimer há 10 anos. Ela diz, embora essa tenha sido uma fala que ela me mandou ontem para vocês ouvirem: "O diagnóstico não me define. Eu sou quem eu sou e sempre fui. Eu não sou diferente hoje porque eu tenho um diagnóstico".
Há uma voz também fundamental, que é sempre do familiar, da família, da pessoa que cuida, como eu já disse, da maioria de nós mulheres: "Às vezes eu me sinto muito cansada(...), que na realidade é eu, e eu só mesmo".
Essas eram as minhas contribuições. Espero não ter avançado no meu tempo. Desculpe se eu o fiz, perdi um pouco aqui o cronômetro.
De certa maneira, junto com esses dados e elementos, eu deixo aqui o apelo para que esse documento, que agora está sob discussão e revisão na Câmara dos Deputados, seja cuidadosamente desenhado, levando-se em consideração as necessidades das pessoas que vivem com demência, e que haja, de fato, uma política centrada nas pessoas muito mais do que na doença.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Barbosa. PSDB - MG) - Obrigado, Elaine.
Esta é também uma contribuição muito rica para o nosso debate e para a construção do nosso pensamento.
Você ficou rigorosamente dentro do tempo, e eu lhe agradeço também por isso.
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Agora, vou passar a palavra à Lina Menezes, Coordenadora do Projeto Tudo sobre Alzheimer, por 15 minutos.
A SRA. LINA MENEZES - Muito obrigada, Deputado Eduardo Barbosa. Eu quero aproveitar e agradecer muito também o convite e a oportunidade de estar nesta importante audiência pública, para discutir e tentar aprimorar o PL 5.364/20.
Como disse Elaine Mateus, a quem quero cumprimentar também, felizmente estamos no decorrer do processo, alcançando o que almejamos desde o início, que ele seja realizado de forma ampla e extremamente participativa, ouvindo todas as vozes e todos os atores. Sem o envolvimento de todos os atores, não conseguiremos, de fato, a transformação social que almejamos com esse projeto de lei. Esperamos que realmente que ele se torne lei efetivamente no Brasil.
Eu agradeço em nome do Projeto Tudo Sobre Alzheimer e também agradeço em nome do GRAZ, o qual represento aqui. Trata-se do Grupo de Referência em Alzheimer, que ajudou a elaborar e a aprovar a Lei Alzheimer em São Paulo, e já está em implementação.
Quero aproveitar para agradecer rapidamente ao autor do projeto, o Senador Paulo Paim, pela sua importante atuação em prol das pessoas idosas. Agradeço também ao Senador Romário, à Deputada Tereza Nelma, ao Deputado Eduardo Barbosa, que propôs esta audiência, e ao também Relator Deputado Alexandre Padilha, desta Comissão de Seguridade Social e Família. Agradeço a todos os colegas presentes.
Gostaria de reforçar também que eu, Lila Menezes, sou jornalista, especializada na área de comunicação e educação e saúde. Tive oportunidade, há mais de 20 anos, de realizar o primeiro documentário educativo sobre a doença de Alzheimer no Brasil e na América Latina. Desde então, depois de ouvir tantos especialistas médicos, equipes multidisciplinares, principalmente depois de entrar na casa das pessoas de todas as condições econômicas e sociais que vivenciam a doença de Alzheimer no seu dia a dia, alijados de todo o processo de acolhimento, vivenciando efetivamente a exclusão social que a demência, infelizmente, causa no Brasil, eu nunca mais consegui abandonar a causa. Fui tocada pela importância de incluirmos, de criarmos um novo olhar em relação à doença de Alzheimer e de outras demências.
Atualmente, tenho a felicidade também de participar do Conselho Consultivo do Projeto STRIDE. A Elaine Mateus acabou de nos presentear com uma série de informações em primeira mão. Eu também já fui Diretora de Comunicação da Associação Brasileira de Alzheimer, Regional de São Paulo, e sou coautora do primeiro livro sobre direitos da pessoa idosa no universo do Alzheimer e de outras demências.
Então, em nome do Projeto Tudo sobre Alzheimer, das pessoas com Alzheimer e do próprio GRAZ, eu quero destacar aqui três pontos cruciais: cuidar da pessoa com Alzheimer e outras demências, cuidar de quem cuida e investir na prevenção.
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Todos nós sabemos, vimos aqui os dados do Rodrigo Schultz e da Elaine Mateus, como é alto o custo financeiro, econômico, que o Alzheimer e demais demências causam no Brasil, por não afetar somente o indivíduo em si, mas a família inteira e a sua comunidade, o entorno da comunidade na qual ele está inserido. Além do impacto financeiro, como já vimos com alguns números, há também o impacto emocional, que afeta e causa o estresse do cuidador, o familiar. Muitas vezes esse familiar abandona o seu trabalho para exercer a função de cuidar e acaba também causando um estresse emocional, já que muitas vezes, inclusive após a partida do familiar com Alzheimer, se vê desamparado para retomar a sua jornada, a sua trajetória.
Isso tudo acaba estimulando e potencializando muito a questão do estigma social, que traz tragédias e prejuízos imensos, que só mesmo quem convive com esse universo sabe mensurar.
Nós propomos a inclusão de familiares e cuidadores na nomenclatura desse projeto de lei. Nós já havíamos solicitado isso em outra ocasião, em outra discussão deste PL. Nós julgamos de extrema importância que desde a nomenclatura até todas as ações deste projeto de lei constem a inclusão de familiares e cuidadores, já que essa doença não atinge apenas o indivíduo acometido.
Ficaria assim: política nacional de cuidado integral às pessoas com doença de Alzheimer e outras demências e a seus familiares e cuidadores.
Cuidar de quem cuida é o nosso segundo fator preponderante. É preciso qualificar, portanto, esse cuidador familiar, principalmente quanto aos manejos não farmacológicos. Como demonstraram os dados apresentados pela Elaine, Presidente da FEBRAZ, vimos que apenas 7% dos cuidadores recebem instruções para que saibam manejar os cuidados diários. Nós sabemos o quanto esse manejo não adequado dos cuidados diários compromete e causa a evolução mais rápida dos quadros de Alzheimer. Essa evolução destrói a possibilidade de autonomia por mais tempo desse indivíduo acometido pela doença de Alzheimer e outras demências e, portanto, a qualidade de vida de todas as pessoas envolvidas.
Nós gostaríamos de incluir nas campanhas e nas ações a questão dos direitos das pessoas idosas e dos direitos das pessoas idosas com demências. Há uma série de benefícios totalmente desconhecidos. Depois que nós lançamos esse livro sobre direitos no universo do Alzheimer e demências, nós já conversamos com pessoas que mais necessitam, que são as pessoas e familiares acometidos, e vimos o tamanho da desinformação que existe no Brasil. Há uma série de direitos, e nem precisaria de novos projetos de lei. Portanto, são benefícios que infelizmente estão ainda no papel, por falta de conhecimento de quem poderia requerê-los.
O terceiro item trata da prevenção. A Elaine também nos mostrou parte desse estudo sensacional do STRIDE que levanta números efetivos, de acordo com evidências científicas, sobre como a adoção de medidas preventivas em relação aos fatores protetores da doença de Alzheimer e outras demências podem rever esse quadro no futuro. Nós sabemos que, com relação às demências, infelizmente, nós não temos estrutura no SUS, no nosso ótimo SUS, no nosso Sistema Único de Saúde e nos nossos serviços de assistência social, para conseguir atender a toda a demanda crescente em função da inversão da pirâmide populacional que nós temos tido no Brasil. E somente investindo em prevenção podemos almejar que no futuro nós não tenhamos esse gargalo, esses gaps que hoje enfrentamos com esses 2,5 milhões de pessoas com doença de Alzheimer e outras demências aqui no Brasil. Isso, lógico, contabilizando inclusive as 800 mil, 900 mil ou mais pessoas que hoje têm quadro de demência, mas que não sabem, porque nem diagnósticos foram feitos ainda.
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Nós esperamos, trabalhando inclusive com dados do próprio PL, ter no mundo, em 2050, 130 milhões de pessoas com quadros de demência, sendo que entre 60% e 70% desses serão casos de doença de Alzheimer.
No Brasil, nós já temos gerenciamento desses 2,5 milhões de pessoas. E o que fazer, quando pensamos no futuro, com os números que o Projeto STRIDE já nos apresenta e que nos atemorizam? O que podemos esperar para o futuro, como disse o próprio Rodrigo? Talvez não tenhamos tão rapidamente medicamentos capazes de curar ou de retardar de maneira tão eficaz assim a doença de Alzheimer.
Acreditamos, tanto por parte do Tudo sobre Alzheimer quanto por parte do GRAZ, que investir em prevenção não só vai nos ajudar a reverter quadros de demências futuras, mas também vai nos ajudar inclusive na parte econômica nas várias Pastas, especialmente na Pasta da Saúde no Brasil. E é óbvio que nós precisamos investir nisso, porque não temos a cultura de prevenção no Brasil. Aliás, não temos essa cultura em quase nenhuma das outras enfermidades. Então temos que investir na divulgação para a população brasileira do que é o Alzheimer, do que são as demências e como podemos prevenir esses quadros.
Nesse caso, nós estamos falando dos fatores modificáveis. Hoje, nós temos estudos com evidências científicas que comprovam que, com atividade física, combate à má alimentação e ao colesterol alto, controle de doenças como hipertensão, diabetes e tantos outros fatores, nós temos condições efetivas de prevenir quadros de demência.
Nós estamos falando que nós vamos acabar com a demência no Brasil, acabar com os quadros de Alzheimer? Não. Mas imaginem vocês uma pessoa que teria demência, teria um quadro de Alzheimer aos 65 anos, mas, em função da adoção de hábitos saudáveis, com modificação desses fatores de risco, aumentando os fatores protetores, desenvolva a demência aos 85 anos. Nesse caso, nós temos outra realidade. E a pessoa que teria, porventura, um quadro de Alzheimer aos 85 anos, quiçá nem desenvolva esse quadro de Alzheimer nesta vida. Quando nós falamos também de prevenção, nós acreditamos que abarcamos absolutamente todas as idades, inclusive no planejamento familiar, no pré e no pós-parto. Há estudos que comprovam que, se alguns testes pudessem ser aplicados, a partir desses hábitos, todos preventivos, nos primeiros mil dias de vida de um indivíduo no Brasil, nós teríamos condições de observar o tamanho do risco de essa pessoa desenvolver um quadro de demência no futuro. Então, há uma série de intervenções que poderiam ser feitas, a partir do momento em que se desenvolva a cultura de prevenção. É claro que, quando falamos de cultura prevenção, nós estamos falando de todos os atores envolvidos nesse processo de uma maneira ampla e participativa e estamos falando do Plano Nacional de Demência. Todas essas questões estão de acordo com o plano de ação global de saúde da Organização Mundial da Saúde em resposta à demência.
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Esse Plano Nacional de Demência, que nós sabemos que se tenta discutir há mais de 4 anos, nós não temos ainda. Vários países, inclusive países da América, já o têm implementado, como o Chile, a Costa Rica e o México. E o Brasil, que tanto avança em pesquisas — com a própria ABRAZ, com tantos núcleos que nós temos da USP, da UNIFESP e vários outros espalhados pelo Brasil no campo de pesquisas, na área de neurologia, dos transtornos cognitivos, com uma federação brasileira como a FEBRAZ, tão atuante —, ainda não tem um Plano Nacional de Demência que respeite inclusive as regionalidades de um Brasil assim tão grande.
Nós acreditamos que a aprovação deste PL para que se torne lei, é claro, é extremamente importante e é o início dessa trajetória que nós queremos de implementação do Plano Nacional de Demência.
Para terminar, quero dizer que nós queremos que este projeto de lei vire lei. Nós nos colocamos inteiramente à disposição, porque nós falamos inclusive pela voz das pessoas acometidas de Alzheimer. Inclusive, queremos que esse Plano Nacional de Demência venha, Deputado Eduardo, com um compromisso de ser realizado, que ele seja incluído neste projeto de lei, contemplando ações com as quais possamos criar e trazer e incluir nos nossos serviços de saúde, com assistência multissetorial, o que envolve educação, tecnologia, assistência social, inclusive para as pessoas idosas com quadros de demência e extremamente vulneráveis, pessoas que estão à margem da sociedade.
Nós estamos, inclusive, nessa implementação da lei do Alzheimer em São Paulo, observando, tentando triar, e estamos descobrindo um contingente de pessoas idosas com demência que estão à margem da sociedade, inclusive não atendidas pelo próprio Sistema Único de Saúde.
Eu agradeço pela oportunidade e parabenizo todos. Cumprimento por esta importante discussão todos os meus colegas que já falaram aqui, assim como os próximos que falarão. E que esse projeto de lei realmente seja efetivo e seja o melhor para todos nós. Muito obrigada. (Pausa.)
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O Deputado Eduardo Barbosa está sem áudio.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Barbosa. PSDB - MG) - Eu havia desligado o microfone aqui. Obrigado, Sra. Lina, pela sua rica contribuição também.
A SRA. LINA MENEZES - Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Barbosa. PSDB - MG) - Eu vou passar a palavra agora para o Sr. Otávio Nóbrega, Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia — SBGG.
Sr. Otávio, o senhor tem a palavra por 15 minutos.
O SR. OTÁVIO NÓBREGA - Perfeito.
Bom dia a todos! Bom dia, Excelências, Srs. Deputados e Srs. Senadores, a quem cumprimento, na figura do Deputado Eduardo Barbosa, e demais membros participantes desta audiência pública, que objetiva a discussão do importante PL 4.364/20.
Inicialmente, eu me apresento: meu nome é Otávio Nóbrega, sou professor da Universidade de Brasília, bolsista de produtividade do CNPq em áreas de pesquisa que envolvem demências, especialista em gerontologia pela SBGG, atualmente respondendo pela Presidência do Departamento de Gerontologia da SBGG na seccional do DF e atuando também como Conselheiro Titular do Conselho dos Direitos do Idoso do DF e membro do Fórum Distrital da Sociedade Civil em Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa. De todas essas atuações, ressalto o fato de participar do Fórum e ser membro da SBGG/DF, pois essas duas prerrogativas foram muito importantes no sentido de dar apoio e contribuir, tanto por parte da SBGG, quanto por parte do Fórum, para a aprovação da lei distrital que institui a política distrital de prevenção da demência de Alzheimer e outras demências, de tratamento das pessoas com a demência e de apoio a elas, aos seus familiares e aos cuidadores.
A nós compete iniciar dizendo que a SBGG entende como bastante salutar e desejável que a sociedade brasileira discuta e aprimore mecanismos para a promoção de um envelhecimento bem-sucedido e saudável — isso é certo — e, neste caso concreto, enfatizando a criação de uma proposição nacional para o cuidado integral das pessoas com demências. A América Latina vive um momento crucial na formulação de uma estratégia de cuidados e de combate ao estigma, com o desenvolvimento de novas ferramentas, novas abordagens para mitigar os desafios vivenciados pelas famílias e pelos profissionais envolvidos nesse ecossistema das demências, que envolve tanto o sistema de saúde como o sistema de assistência social.
Estudos projetam a maior prevalência de demências principalmente na América Latina em relação ao restante do mundo. Isso faz com que precisemos trabalhar de forma mais célere e mais assertiva no que diz respeito a como enfrentar essas condições. É imprescindível que iniciativas como essa sejam aprovadas, aplicadas e disseminadas, assim impulsionando e replicando modelos e políticas públicas mais inclusivas Brasil afora.
Compete também informar que a SBGG se preocupou em se debruçar sobre a atual redação do PL por entender que os termos e as expressões ali utilizadas, as ideias ali contidas e expressas, é o que de fato dará concretude à política nacional de enfrentamento às demências. Assim, na nossa percepção, a atual redação do PL é passível de melhoramentos e parece permitir aperfeiçoamento especialmente em questões relativas a abarcar a atenção a cuidadores familiares, bem como a instituições que cuidam de pessoas com demência, como bem abordado pela Dra. Lina, que me antecedeu em sua fala.
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Por exemplo, o art. 5º diz que caberá ao poder público realizar a orientação e a conscientização dos prestadores de serviços de saúde públicos e privados acerca das doenças que ocasionam perda de funções cognitivas associadas ao comprometimento da funcionalidade, que caracteriza as demências. Nós entendemos que talvez seja impróprio que o Estado oriente e conscientize. Afinal de contas, os prestadores de serviço, em muitos casos, ao atuarem proximamente dos transtornos demenciais, possuem a capacidade técnica de entender o impacto e como se faz o diagnóstico desses transtornos demenciais, já que isso é uma atribuição do profissional de saúde, principalmente do médico, forjado ao longo de um treinamento médico, durante anos de formação. Dessa forma, compete ao médico a capacidade de realizar diagnósticos de doenças desse espectro.
Talvez, quando muito, ao Estado competisse proporcionar uma educação permanente e continuada dos profissionais de saúde para a identificação dos transtornos demenciais, incluindo a conformação de equipes estruturadas, instrumentalizadas, aparelhadas e qualificadas para uma atenção psicossocial e de saúde que seja efetiva e resolutiva, conforme o nível de atenção que se pretende, para dar atenção às demandas do paciente demencial e dos seus familiares, que nem sempre são da seara médica. Em muitos casos, inúmeras vezes, as famílias são privadas de uma assistência social adequada por não terem com quem deixar um ente querido ou são privadas de apoio por uma assistência mais adequada ao portador de demência enquanto, por exemplo, trabalham. Há uma absoluta ausência de centros-dia qualificados ou instituições de longa permanência de grau III na localidade em que se mora. Então, talvez o projeto devesse se estender mais sobre essa seara, dando ao Estado não tanto a competência ou a atribuição de conscientizar equipes — já que muitos são conscientes desses dilemas e desafios —, mas, sim, de instrumentalizar, criar estruturas de fato.
Da mesma forma, parece-nos passível de melhoramento a redação que se pretende dar ao acréscimo proposto no art. 23 da Lei nº 8.742, de 1993. Afinal de contas, o PL se propõe a acrescentar um item sobre a lei que rege a organização da assistência social brasileira. No § 2º desse art. 23, que é o objeto da alteração proposta, é dito que serão criados programas de amparo. Há dois itens já existentes na lei, que são de amparo a crianças e adolescentes, bem como a pessoas que vivem em situação de rua. Nesse caso, pretende-se criar o inciso III, que seria de atenção aos idosos carentes residentes em entidades de longa permanência. A redação dada — "idosos carentes" — já é algo talvez bastante equivocado, já que a qualificação como carente traz à mente a ideia de um Estado benevolente, paternalista, bondoso, que, com base num princípio de caridade, socorre os mais necessitados. Mas o Estado de Bem-Estar Social implantado no Brasil, com o SUAS e com o SUS, pressupõe assistência universal, igualitária e integral, independentemente do status ou do nível socioeconômico da pessoa a ser assistida. Então, talvez seja o caso de se retirar do projeto essa ideia de idoso carente, pelo simples fato de estar residindo em instituição de longa permanência, o que se quer enfatizar, o idoso mereceria atenção, independentemente da sua condição socioeconômica. Ademais, o projeto de lei, na sua forma atual, com a sua redação atual, passa ao largo de importantes questões para a concretização de um apoio e de uma assistência integral às famílias que hoje padecem e pelejam com entes queridos acometidos pela doença de Alzheimer e outras demências. E eu uso o termo "peleja" de propósito. É um termo coloquial, mas que reflete bem o amadorismo com que, eventualmente, família, sociedade e Estado conseguem atender às grandes necessidades dessa pandemia mundial de demências que nós temos. O fato é que essa situação toda precisa e merece uma atenção diferenciada.
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Primeiramente, o projeto parece passar ao largo e não mencionar a possibilidade do atendimento em domicílio de que muitos pacientes que são acometidos por Alzheimer ou outras demências ou cuidadores necessitam para que se beneficiem dos serviços prestados pelas Secretarias de Saúde ou de Assistência e Desenvolvimento ou de Ação Social, a depender do nome que o órgão tem em cada Estado. Tudo bem, é mencionado no texto o princípio da descentralização, segundo o qual cada unidade da Federação teria a prerrogativa de assumir a estratégia que melhor lhe conviesse, que julgasse mais eficiente para a sua realidade local. Mas o receio da SBGG é que o atendimento domiciliar não seja sequer mencionado como possibilidade no texto da política nacional e isso passe como uma omissão que induza Estados e Municípios a não enxergar essa modalidade de serviço como parte da estratégia.
É importante também frisar outro importante aspecto: qualquer política de enfrentamento às demências deve ter foco em cuidadores, nas famílias, pessoas que, na maioria esmagadora das vezes, como já bem dito anteriormente, abdicam, abnegam da sua vida pessoal, afetiva, profissional e da sua saúde para se dedicar integralmente ao cuidado de uma pessoa. O falecimento do ente querido, que, muitas vezes, é o beneficiário único do sustento da família, faz com que o cuidador se veja sem propósito e também sem renda. Portanto, quando falamos de uma Política Pública com "P" maiúsculo para apoio a pacientes com demências, precisamos discutir um eventual subsídio mensal para as famílias que são responsáveis pelo cuidado desses pacientes. Também precisamos proporcionar a reinserção desse cuidador na sociedade, no mercado de trabalho. Esse cuidador, muitas vezes cansado, exaurido, depois de anos no exercício de cuidados contínuos, ou desatualizado, afastado de um convívio social e profissional mais amiúde, vai necessitar de apoio para se reposicionar, para retomar um trabalho em sociedade. Talvez esteja aí a necessidade de se discutir um benefício de prestação, se não continuada, pelo menos temporária, de 1 a 2 anos, que o legislador julgue por bem, para que esse cuidador não se veja na rua da amargura logo após o falecimento do seu ente querido que dispunha da renda que os sustentava. Outro aspecto sobre o mesmo PL é que, por ser igualmente oportuno e desejável, talvez seja interessante discutir benefícios fiscais às famílias com membros portadores de alguma forma de demência. Pessoas diagnosticadas com Alzheimer e outras demências poderiam, por exemplo, ficar isentas do pagamento de Imposto de Renda Pessoa Física, dada a enormidade de gastos com saúde e suporte a que as famílias são submetidas diariamente, com esse benefício extensivo talvez ao cuidador principal. Da mesma forma que o PL pretende modificar o trecho da lei de assistência social, como mencionado anteriormente, assegurando uma atenção diferenciada ao portador de demência em ILPI, essa nova lei talvez pudesse se propor alterar a Lei nº 7.713, de 1988, para estender às pessoas com Alzheimer e outras demências a isenção do Imposto de Renda, que já é concedido, por exemplo, a quem tem moléstia profissional ou doença grave.
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Já me encaminhando para uma observação final, há ainda a questão de uma proatividade por parte do nosso Legislativo, por parte das Casas do nosso Congresso Nacional. Nós precisaríamos analisar com bastante calma até mesmo eventuais vetos que viessem a ocorrer futuramente por ocasião de uma sanção presidencial. O projeto de lei de regulamentação da profissão de cuidadores de idosos, por exemplo, tramitou durante anos no Congresso Nacional, e, ao ser votado em 2019, acabou por ser integralmente vetado pela Presidência da República, sob a alegação de que iria impor a necessidade de requisitos e qualificação para o exercício da profissão. Se nós queremos uma profissão bem exercida, nada mais natural do que exigir uma qualificação. Isso chega a ser um contrassenso.
Enfim, o Congresso Nacional, na época, não se mostrou articulado ao ponto de derrubar o veto, e assim condenou o País a ainda continuar dependente de uma força de trabalho informal, que muitas vezes depende de profissionais que, por mais bem intencionados que sejam, não possuem o preparo e a formação necessária para o exercício das atividades básicas e instrumentais da vida diária de que uma pessoa com demência necessita.
Por todo o exposto, a SBGG se coloca à disposição para contribuir com a redação do projeto de lei, entendendo que as inconsistências e as limitações apontadas de forma alguma são deméritos, mas são para que se pense em uma política efetiva. A lei contribuirá sobremaneira para a elaboração de um plano nacional de enfrentamento das demências, ao prover uma moldura jurídica e uma disposição legal que seja bem mais do que uma carta de intenções, mas que seja de fato algo legislativo de protagonismo e com um verdadeiro peso de um marco legal que a área merece.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Eduardo Barbosa. PSDB - MG) - Otávio, nós é que agradecemos a sua contribuição, que foi extremamente positiva. Quero comunicar-lhe que o nosso Relator, o Deputado Alexandre Padilha, teve a oportunidade de ouvi-lo, porque S.Exa. também já se acha presente na nossa Comissão. Foi fundamental que S.Exa. tenha ouvido também algumas pontuações feitas para o processo de aprimoramento do relatório. Com certeza, ele vai ter a oportunidade de falar com vocês.
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Eu vou, inclusive, passar agora a Presidência para o Deputado Alexandre Padilha. Já que o Deputado é o responsável por apresentar para nós o relatório a ser apreciado, com certeza coordenar o restante dos trabalhos vai ter para nós um significado importante, porque S.Exa. vai absorver concepções aqui colocadas e também já expressar a sua visão sobre o relatório previsto pelo Deputado.
Então, Deputado Alexandre Padilha, assuma a Presidência. Nós tivemos a oportunidade de ouvir, até então, o Presidente da Associação Brasileira de Alzheimer, o Dr. Rodrigo Schultz; a Sra. Elaine, que é Presidente da Federação Brasileira das Associações de Alzheimer — FEBRAZ; o Sr. Otávio, que V.Exa. ouviu; e a Sra. Lina Menezes, que é Coordenadora do Projeto Tudo sobre Alzheimer. Agora faltam os outros convidados.
Deputado Padilha, ocorreu aqui uma linha de raciocínio muito bem construída, iniciada pelo Dr. Otávio, que não só mostra para nós a necessidade de uma evolução cada vez maior para um diagnóstico cada vez mais precoce, mas também identifica a necessidade de um atendimento integral, que vá além do medicamentoso e possa chegar a cada paciente.
Tivemos a participação da Elaine, que tem todo um envolvimento na construção de um debate de discussão de políticas públicas, mostrando quanto é importante nós caminharmos no sentido de pensar uma política na esfera nacional, já que há uma incidência significativa e uma projeção de aumento significativo no número de casos ao longo dos anos futuros, tendo o País que se preparar para essa questão.
Eu estou identificando alguns pontos fundamentais para o Deputado Padilha assumir a Presidência.
A própria Sra. Lina dá uma ênfase muito importante aos cuidadores. Nós precisamos estar atentos à saúde desses cuidadores em todos os aspectos, tanto nos aspectos psicológicos como nos aspectos sociais que envolvem esses cuidadores. Além disso, ela trouxe aspectos relativos às necessidades de apoio ao Alzheimer.
O Sr. Otávio, V.Exa. o ouviu. Ele pontuou algumas questões que entende que podem ser aprimoradas, dando-nos uma reflexão sobre o atendimento domiciliar, sobre a atenção integral a essas pessoas, independentemente da sua condição econômica, e assim por diante. V.Exa. teve oportunidade de ouvi-lo.
Para terminar, antes de passar a Presidência ao Deputado Padilha, eu só gostaria de dizer que, infelizmente, no nosso País, nós temos que trabalhar um processo de legislação para aquilo que já deveria ser natural e óbvio, que é a articulação de políticas públicas para atendimento de forma integral às pessoas nas suas necessidades. Infelizmente, na nossa construção de políticas, e da forma como nós organizamos as estruturas governamentais, muitas vezes os diversos órgãos não conversam entre si. Deveria haver uma articulação constante e permanente das políticas públicas visando ao interesse da pessoa, do cidadão. Muitas vezes, é uma lei que estabelece esse processo de articulação. É lógico que, dessa forma, a lei às vezes não consegue absorver todos os pontos, mas identifica aquilo que é fundamental, sempre tendo que deixar algo que possa ser aprimorado, a partir da absorção de novos conhecimentos, de novas informações que a própria ciência produz ao longo dos anos. Por isso, a contribuição dos senhores é fundamental, já que nos dá uma visão ampla, para podermos trabalhar pela dignidade das pessoas com demência. Desde já, nós que somos militantes na área da pessoa com deficiência gostaríamos muito de refletir, como o próprio Rodrigo colocou, se de fato temos que manter dentro do projeto de lei a terminologia "demência". Acredito que isso possa ser um pouco impactante para a população. Contrapõe-se, inclusive, Elaine, com as vozes que você trouxe daquelas pessoas com Alzheimer, que talvez não gostariam de ser vistas de uma forma tão discriminatória e diferenciada. Não sei se nós podemos transpor isso, já que são os termos técnicos utilizados nos dias de hoje, mas talvez "demência" seja uma palavra extremamente estigmatizante. Poderíamos trabalhar o conceito. Depois, vocês podem emitir opinião sobre isso. Já houve esses termos, termos que às vezes fortalecem estigmas.
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Obrigado pela participação e pela oportunidade de estar com vocês. Um abraço!
Tem a palavra o Deputado Alexandre Padilha, que assume os nossos trabalhos.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, nobre e querido Deputado Eduardo Barbosa, nosso grande colega e defensor não só do SUS, mas também do SUAS e das pessoas com deficiência. V.Exa. trouxe essa preocupação muito importante em relação ao estigma, que certamente é um dos pontos que eu já havia registrado aqui para considerarmos na elaboração do nosso relatório.
Ouvi remotamente as palavras do Rodrigo Schultz, nosso colega Presidente da Associação Brasileira de Alzheimer, da Elaine Mateus e do Dr. Otávio Nóbrega. Certamente, serão grandes contribuições para a composição do relatório.
Antes de passar a palavra para a querida Walquiria Alves, que representa o Conselho Nacional de Saúde, eu gostaria de citar a presença da Sra. Betânia Jatobá, assistente social, Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Idosa de Alagoas, representante da ABRAZ e militante desde 2002, pelo Estado do Amazonas, que agora está em Alagoas.
Um grande abraço, Betânia! Minha mãe é alagoana. Certamente, será muito bem-vinda no Estado de Alagoas agora, Sra. Betânia!
A querida Walquiria Alves, nossa grande colega, que sempre tem um papel muito ativo no debate do Conselho Nacional de Saúde, tem a palavra por 15 minutos, para dar suas contribuições para esse projeto de lei do qual sou Relator.
A SRA. WALQUIRIA ALVES - Bom dia a todos e a todas!
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Sou a Profa. Walquiria Alves. Eu também, Otávio, sou titular em gerontologia pela SBGG, sou associada da SBGG Pará e sou voluntária da ABRAZ Pará. Represento a ABRAZ Nacional no Conselho Nacional de Saúde, onde tivemos oportunidade de criar, a pedido do Dr. Rodrigo, que é nosso Presidente, um trabalho de políticas públicas e controle social.
A ABRAZ está em quase todos os Estados, tem 30 anos de existência e tem várias representações. (Falha na transmissão) que representa a ABRAZ, atualmente está na Presidência do Conselho Estadual do Idoso de Alagoas e também nos Conselhos Municipais do Idoso. Então, a proposta (falha na transmissão) é justamente definir quais são as nossas prioridades, quais são nossos pontos de pauta, qual é o papel do conselheiro não governamental, o que é controle social, para que a participação da ABRAZ seja mais coesa.
Dentro desse nosso grupo de trabalho, uma das prioridades é a aprovação deste projeto de lei, pois é importantíssima a questão do diagnóstico precoce. Normalmente, o diagnóstico é feito entre a fase moderada e a fase severa da doença de Alzheimer, o que causa um grande impacto na qualidade de vida, tanto da pessoa idosa quanto do cuidador familiar daquela família.
Temos como proposta o uso de uma ficha de notificação compulsória de demências, para ser utilizada nas unidades básicas de saúde. Poderiam ser feitos testes cognitivos pelos profissionais de saúde para descobrir indícios de que a pessoa possa ter um tipo de demência. Se houver indício, ela deve ser encaminhada para um médico neurologista ou um geriatra, para que seja feito o diagnóstico.
Além disso, temos que trabalhar também a questão da prevenção. É importantíssima essa questão da prevenção. Inclusive, a ABRAZ faz esse papel, em consonância com o art. 22 do Estatuto do Idoso, que diz que se deve inserir a temática do envelhecimento no ensino formal, a fim de produzir conhecimento e diminuir a discriminação. A ABRAZ Pará faz um trabalho nas escolas mostrando para a criança, para o adolescente, para o jovem que envelhecer é um processo natural do ser humano. Só não vai ser velho quem morrer antes. É importante refletir como se quer envelhecer, como está sendo o seu envelhecimento. Este é o grande nó crítico: aumentou a expectativa de vida, mas nem sempre com qualidade de vida. É importante trabalhar essa questão desde o ensino infantil até o ensino superior, e a ABRAZ Pará tem feito constantemente esse trabalho, em conjunto com a SBGG. Está sendo lançado um concurso de redação para que os alunos do ensino médio escrevam sobre o envelhecimento, levando essa temática para dentro da escola.
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Então, pensamos que é importantíssimo garantir essa questão do diagnóstico precoce e da prevenção. Dessa forma, digamos assim, estaremos respeitando o art. 230 da Constituição Federal, que trata das garantias fundamentais: saúde, justiça e direitos humanos.
Como muitas vezes as pessoas não são diagnosticadas, às vezes elas são discriminadas. "Olhe aquela velha gagá. Ela já não se lembra de mais de nada." Então, é importante nós desmistificarmos.
A demência é uma doença que precisa de tratamento. Quanto mais cedo, mais precocemente for feita a intervenção, garante-se uma qualidade de vida. Para isso, tem que haver uma intervenção tanto medicamentosa como não medicamentosa. É por isso que é importante o trabalho interdisciplinar e integrado.
Eu gostei muito da fala do Deputado Eduardo Barbosa, quando ele falou da questão do trabalho integrado da rede. É esta a proposta da ABRAZ: fazer a articulação da saúde com a educação, com a Justiça e com os direitos humanos. É nesta perspectiva que nós trabalhamos: fazer a articulação das políticas públicas. As políticas precisam trabalhar de forma conjunta. Inclusive, este foi tema da 1ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Construindo a Rede Nacional de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa. Mas, na prática, nós sabemos que isso não acontece. Não acontece esse trabalho de forma integrada. Estamos aqui justamente nesse esforço para que isto aconteça, para que as políticas conversem entre si.
Então, é nessa perspectiva que a ABRAZ, participando do controle social... Como o Dr. Alexandre Padilha comentou, eu faço parte do Conselho Nacional de Saúde, representando a Associação Brasileira de Alzheimer, justamente para trabalharmos a perspectiva de políticas públicas voltadas tanto para as pessoas com demências, com Alzheimer, quanto para seus familiares e seus cuidadores.
É isso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Walquiria.
Passo a palavra agora para o Dr. Leandro Minozzo, que terá o tempo de 15 minutos.
O SR. LEANDRO MINOZZO - É uma satisfação falar com o senhor, colega e Dr. Alexandre Padilha. Caro Deputado Eduardo Barbosa, agradeço os trabalhos. Agradeço também à Deputada Tereza Nelma e à Deputada Dra. Soraya Manato pela oportunidade. Agradeço ainda à Walquiria por ter proposto esta audiência pública.
Também é um momento de celebração para todos aqueles que pensam em um Brasil capacitado, para que consigamos superar alguns desafios e cuidar melhor das pessoas. É um momento de discussão, de ouvir as pessoas sob diversas perspectivas diferentes, mas também de celebrar um avanço importante.
No ano passado, tivemos a aprovação do PL no Senado, e, agora, ele está em tramitação na Câmara dos Deputados.
Até agora, com certeza, as contribuições foram de muito valor. Inclusive, o momento é bem oportuno, porque amanhã é o Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa. De certa forma, não podemos achar que não tratar bem essas pessoas, não fazer o diagnóstico também não é uma forma de violência, afinal de contas as pessoas com demência, quando não têm um diagnóstico, têm sua dignidade frontalmente prejudicada.
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Sobre o PL e o que foi comentado, eu vejo que questões como, por exemplo, cuidado e atenção ao cuidador familiar estão contempladas no texto da lei. Acho que vamos ter outros momentos de reuniões técnicas, inclusive com o gabinete do senhor, Deputado Padilha, para que possamos, de repente, ponto a ponto, mostrar onde esses elementos estão incluídos no texto. Até agora, o que eu pude escutar é que, sim, o PL contempla a imensa maioria das demandas trazidas por todos. Fala-se em cuidados familiares, e é uma das diretrizes inclusive do PL seguir o plano da OMS, que fala dos familiares. Depois, temos o art. 4º, que fala dos princípios de uma política de cuidado. Vemos também que ali, nos incisos II, III e IV, fala-se diretamente dos familiares e dos cuidadores.
Quanto ao aspecto de prevenção, para mim é muito caro esse assunto da prevenção de Alzheimer. Meu primeiro livro foi sobre Alzheimer, escrito em 2012, que se chama Doença de Alzheimer: como se prevenir. Com certeza, temos muitos idosos e pessoas de meia idade com hipertensão e diabetes sem tratamento adequado, sem tratamento adequado para depressão também, que, junto com diabetes, é um superfator de risco para a doença de Alzheimer. Eu fico muito feliz em ver que o PL se comunica diretamente com essas demandas.
Sobre a necessidade de conscientização, como foi trazido pela FEBRAZ, pela Elaine e pela Lina, eu concordo, sim.
Por outro lado, sobre a construção de uma linha de cuidado, acho interessante a leitura a fundo do PL, porque ele foi construído pensando também no SUS. O SUS é articulado numa rede de cuidado. Existe o Programa Saúde da Família, que seria o modelo ideal. Não há como pensar em uma política de cuidado sem colocarmos a Estratégia Saúde da Família, que o Deputado Padilha conhece muito bem. Esperamos que no futuro consigamos colocar uma linha de cuidado em transtornos neurocognitivos ou em transtornos de memória para idosos. Então, vamos começar a organizar todo esse cuidado, que vai desde a promoção da saúde ao diagnóstico no tempo correto, ao tratamento, até mesmo passando pelos cuidados paliativos, que é outra demanda muito significativa do cuidado em demência.
Por outro lado, quando falamos em equidade, eu considero muito importante que, desde o início dessa proposta legislativa, no fim de 2009, no gabinete do Senador Paim, fosse colocado também algo que desse conta dessas centenas de milhares — não estou exagerando o número — de pessoas idosas, que são, sim, carentes. São carentes em termos de políticas públicas. Podemos dizer que são aquelas pessoas que não têm recursos financeiros para conseguir se bancar. Nossa ideia era colocar na lei algum dispositivo que olhasse para as instituições de longa permanência e para essas pessoas que muitas vezes ficam abandonadas, pois as próprias instituições ficam sem recursos para cuidar delas. Então, eu considero muito importante o art. 9º, que fala em criar um programa de amparo para idosos carentes que residem nas ILPIs. Acho que pensar em Alzheimer também é pensar nisso. Hoje a maior parte das pessoas que residem em uma ILPI têm transtorno neurocognitivo, muitas vezes têm um diagnóstico, e precisam não só de cuidados médicos e de cuidados de enfermagem, de cuidados das pessoas que ali trabalham, mas também do olhar da assistência social, do SUAS. Considero importante, quando falamos em equidade, olhar para essas pessoas. Dificilmente essas pessoas e essas famílias vão conseguir ter voz. Então, é bem interessante discutirmos esse artigo e quiçá melhorá-lo, porque eu o vejo como importante.
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Creio que, sim, é importante ouvir as pessoas. Desde o começo da tramitação do PL, fizemos audiências, também por vídeo. Na época, o Presidente da FEBRAZ era o Rodrigo. Procuramos a ABRAZ também. Recentemente, no final do ano passado, junto com o gabinete do Senador Paim, escutamos o GRAZ. Não só o escutamos, mas também modificamos todos os pedidos, porque eles foram muito construtivos. Inclusive, o nome do PL foi mudado, deixou de ser "enfrentamento da Doença de Alzheimer" para ser "cuidado integral às pessoas com Doença de Alzheimer". Então, vimos que as contribuições foram muito boas.
Havia, sim, um cacoete linguístico de falar em pacientes ali. A Elaine, dentro da competência dela, pôde chamar atenção para isso, e nós modificamos no que pudemos. Eu vi ainda, Elaine, que sobrou um "paciente" na história aqui para termos que modificar. Ali modificamos tudo o que considerávamos possível. Apenas o art. 5º, que falava da realização de campanhas de conscientização, achamos melhor não mudar por questões de técnica legislativa. No relatório do Senador Romário, viu-se que seria mais bem escrito dessa maneira.
Esse PL vem em um momento bem interessante porque ele vai dar sustentação para o Plano Nacional de Demência, que queremos que seja criado, que queremos, com certeza, que seja plural. A vantagem de termos uma lei é que, na eventual mudança de Ministro da Saúde, na mudança de Presidência, a lei vai tornar a causa do Alzheimer uma causa perene. Esse é um ponto importante de se ter uma lei. Então, dificilmente vamos ter uma construção segura de um plano que vai ter sustentação se ele não tiver algum elemento legal.
Eu vejo que as coisas se casam. Elas não são convergentes. A construção do plano vai precisar ser feita pela iniciativa do Poder Executivo, e, com certeza, ele só vai poder construir uma política preferencialmente na forma de plano. É isso que queremos, porque isso envolve as boas legislações. Vai ter meta, começo, fim, governança, participação. Esse é o jeito correto. É assim que a OMS também deseja.
11:30
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Vemos que o momento do plano só vai acontecer no Brasil se houver uma lei indicando. E mostra o art. 8º que esse plano será construído com a participação de instituições de pesquisa, da comunidade acadêmica e científica, de pessoas da sociedade civil e de ONGs tão importantes quanto a FEBRAZ e a ABRAZ, das quais eu me orgulho muito de fazer parte.
Desde 2016, tenho uma atuação junto à ABRAZ. Inclusive, essa participação virando lei é algo que vai ter que ser cumprido. Essa é a importância de se ter um marco legal. Como o Deputado Eduardo falou, temos que construir isso no Brasil. É o jeito! A sociedade vai evoluindo, os novos desafios sociais vão surgindo, e precisamos ter essas leis para tornar o acesso aos direitos, para conseguirmos efetivar o direito dessas pessoas.
De novo: vejo, com muitos bons olhos, o grosso do texto do PL para as demandas aqui trazidas. Há muita gente para participar no futuro, quando tivermos um plano. E espero que consigamos aprová-lo e sancioná-lo. Esse é um ponto importante.
Eu tenho percebido que, nesses anos todos em que penso em políticas públicas para Alzheimer — inclusive, conseguimos aprovar, no Rio Grande do Sul, em março, a lei estadual do Alzheimer, a Lei nº 15.820, de 2020, cuja tramitação começou em 2018. Conseguimos aprovar uma lei estadual, que foi sancionada agora no final do mês de março —, essa discussão toda também representa um momento importante para que diversos atores consigam se unir, consigam chegar a um mesmo caminho, para que avancemos. Demorou muito? Com certeza. Demorou muito para chegarmos aonde chegamos. Felizmente, os passos foram dados, e estamos aqui agora. Se tudo der certo, vamos conseguir, até 2025, como recomenda a OMS, ter o esboço de um plano ou um plano já em ação.
Então, o objetivo desse PL não é ir ao encontro de iniciativas de plano, mas dar sustentação legal da maneira como, pelo que eu ouvi e anotei, deseja-se. O foco no cuidador está no texto — ele está bem escrito —, foco na prevenção, no diagnóstico, no uso de tecnologia, com uma abordagem multissetorial, falando no cuidado de pessoas.
O colega havia comentado que, quando falamos em saúde da família, falamos em cuidar em casa. Faz parte da saúde da família a atenção domiciliar das pessoas que residem naquele território. E também temos, no inciso II do art. 4º, o oferecimento de um sistema de apoio para ajudar a família a lidar com a doença do paciente no seu próprio ambiente. Isso também foi colocado.
Acho que haverá outros momentos para nos debruçarmos sobre o texto, artigo por artigo, inciso por inciso. Considero isso extremamente necessário e fico à disposição para esse tipo de discussão.
Quero agradecer, de novo, a oportunidade à Câmara dos Deputados e a esta Comissão, bem como o aceite do Deputado Padilha em entrar nessa causa dessa forma, como Relator.
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Acho que temos hoje esse momento de celebração e até que enfim as coisas estão andando para essas pessoas que precisam tanto desse nosso desprendimento para, voluntariamente, voltarmos a falar de uma causa tão importante.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Dr. Leandro Minozzo, nosso colega. Quero agradecer muito a V.Sa. as palavras e as orientações.
Quero reafirmar que esse relatório será construído por todos nós, de forma conjunta. Um dos encaminhamentos que eu quero tirar desta audiência é que possamos estabelecer uma reunião técnica, como disse o Dr. Leandro, para vermos artigo por artigo, numa construção conjunta de todos nós para que possamos apresentar o mais rápido possível também o relatório no âmbito da CSSF e das Comissões da Casa. Faço parte da Comissão de Seguridade Social e Família e da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa, que certamente são duas Comissões temáticas muito importantes para tratar desse tema.
Vamos passar a palavra para o Sr. Gustavo San Martin, Fundador e Diretor da Associação Crônicos do Dia a Dia e da Associação Amigos Múltiplos pela Esclerose.
O SR. GUSTAVO SAN MARTIN - Deputado Alexandre Padilha, bom dia. Agradeço a V.Exa. por nos receber, enquanto sociedade civil organizada, para falar de uma temática tão importante para a sociedade e muito cara também para mim enquanto pessoa.
Logo iremos falar um pouquinho sobre isso. Peço licença para compartilhar a minha tela e peço a confirmação de que vocês estão vendo a minha apresentação, por favor.
(Segue-se exibição de imagens.)
Viemos aqui falar do Projeto de Lei nº 4.364, de 2020, que institui a Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doenças de Alzheimer e Outras Demências. É importante dar destaque a uma fala que me antecedeu do cuidado integral — e aí olhamos para outras esferas também diretamente impactadas por um diagnóstico.
Quero agradecer a V.Exa., Deputado Alexandre Padilha, por ser Relator de um PL que pode influenciar muito na melhora da qualidade de vida das pessoas com Alzheimer, à Deputada Tereza Nelma que solicitou esta audiência pública, à Deputada Dra. Soraya Manato que solicitou a inclusão da CDD, associação que represento aqui, para falar um pouquinho sobre o assunto, ao Deputado Eduardo Barbosa que até pouco tempo moderava e presidia essa nossa Mesa, com uma menção muito positiva a tudo que ele fez por pessoas que, assim como eu, convivem com esclerose múltipla e que desde 2015 tem proximidade muito grande conosco e com a causa, à ABRAZ, Dr. Rodrigo Schultz e Walquiria, colega da Vitória, nossa representante da instituição primeira que eu fundei, Amigos Múltiplos pela Esclerose, lá no Conselho Nacional de Saúde, e à FEBRAZ representada pela querida Elaine, sempre muito competente e precisa nas suas falas.
Muito rapidamente, a Associação Crônicos do Dia a Dia defende o poder da informação para que influencie políticas públicas que impactem positivamente na vida de pessoas diagnosticadas com alguma condição crônica de doença, sempre associado aos nossos pilares que tem a ver com promover qualidade de vida, desenvolver política pública, a partir do desenvolvimento de dados influenciar essas políticas públicas para que as pessoas não sejam definidas pelos seus diagnósticos, algo muito comum nas demências em geral. Nós trabalhamos sempre a partir da produção de conteúdo e diálogo com a sociedade civil para junto da sociedade propor e para liderar iniciativas que aprimorem a qualidade de vida das pessoas com diagnósticos.
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Este é um rápido resumo do que fazemos e como isso se reverte em números. Já há mais de 90 projetos produzidos neste ano e há 11 mil pessoas acolhidas todos os meses, e essas 11 mil pessoas trazem pelo menos 11 mil demandas para nós, que vamos tentar abarcar e propor melhorias para elas.
Aqui é um grande recorte da associação que eu represento. Passamos a nos preocupar muito com o envelhecimento bem-sucedido, como um todo.
Eu sou fundador da Federação Brasileira das Associações de Doenças Raras, da Biored Brasil e também participo do Fórum DCNTs — Doenças Crônicas Não-Transmissíveis, um movimento de doenças crônicas não transmissíveis que busca a melhora de uma atenção primária, enfim, chave e futuro para a nossa saúde no Brasil, que passa também pela forma como nós estamos envelhecendo. E é por isso que na CDD — Crônicos do Dia a Dia passamos a falar então de envelhecimento bem-sucedido.
Eu não vou sobrecarregá-los de dados, até porque quem me antecedeu já fez isso muito bem. Mas temos como destaque que existem 1 bilhão de pessoas afetadas já por doenças neurológicas — 13% da população mundial. Essa população afetada por causas neurológicas já representa a principal causa de incapacidade entre a população global e a segunda principal causa de morte em todo o mundo.
Atualmente, há 50 milhões de pessoas acometidas por demência. Em 2030, estimamos que haverá 82 milhões de pessoas; em 2050, esse número vai para 150 milhões de pessoas.
Eu destaco a interação do impacto das demências no ambiente familiar, em que pelo menos outras quatro pessoas são diretamente impactadas. Então, há mais de 600 milhões de pessoas diretamente impactadas por um diagnóstico de demência, grande parte delas estará locada nas regiões de baixa e de média renda no Brasil, por exemplo.
A demência é uma das doenças mais caras do mundo. O custo global está na ordem de um 1 trilhão de dólares — isso em 2018. Estima-se que, até 2030, daqui a 5 anos, esse custo dobre e chegue a 2 trilhões de dólares. Se esses custos fossem uma economia, eles representariam a 18ª maior economia global, algo muito próximo dos Países Baixos e da Turquia.
Então, de fato, é urgente e necessário não só falarmos das demências, mas também olharmos para o espectro saúde no Brasil e entendermos as correlações, as intersecções que fazem essa discussão extremamente urgente e necessária, porque nós estamos envelhecendo e, junto com isso, estamos carregando as nossas outras condições, como já foi muito bem dito, como obesidade, como estilo de vida, uma série de questões associadas ao diagnóstico.
Em 2043, Deputado, um quarto da população brasileira deverá ter mais de 60 anos. Isso significa que vamos ter em torno de 55 mil novos casos por ano.
Uma coisa que eu destaco é que, assim como eu fui impactado pelo diagnóstico da minha avó e vi isso na minha família, os custos indiretos do manejo da doença representam até 170% da renda familiar dos brasileiros, brasileiros esses que perderam, nos últimos anos, poder de compra. Então, fala-se muito do preço da carne no mercado, e imaginem quando temos um diagnóstico de Alzheimer dentro de casa e tudo que é preciso ser feito.
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A seguir, um overview, um mapa muito rápido de como se dá, em tese, a evolução da doença.
Há uma fase pré-clínica em que é muito importante começar a olhar para o estilo de vida.
O Dr. Rodrigo Schultz traz a questão do comprometimento cognitivo leve, quando começamos a observar o esquecimento de conversas recentes, um pouco de perda da noção do tempo, a dificuldade de manejar as finanças pessoais. Percebemos sim um declínio cognitivo, mas as atividades diárias são pouco afetadas. Essa fase pode durar em torno de 4 anos. Obviamente, isso aqui é uma generalização. Depende de caso a caso, até porque precisamos aprimorar a forma como acompanhamos essas pessoas nos sistemas de saúde.
Uma demência leve dura em torno de 3 anos. Há uma confusão sobre onde se está, o dia que é hoje, perde-se ao caminhar. Certa vez, minha avó, ainda não diagnosticada, foi parar num bairro a quase 10 quilômetros da minha casa e ela jurava — eu estou no Brasil — que ela estava na Espanha, chegando em Santiago de Compostela. Ela estava vestindo pijama. Há um declínio cognitivo mais pronunciado e dependência do cuidador, essa profissão não regulamentada no Brasil, que acaba impactando diretamente o familiar. A minha mãe, no caso. E numa demência mais moderada há comportamentos atípicos, declínio cognitivo, incapacidade de realizar atividades básicas diárias. E mais 3 anos aí na conta. De novo, de forma genérica. Até que eu experienciei isso com a minha avó, o meu avô, esposo dela, que também faleceu com Alzheimer, mas ele teve dois AVCs e terminou ali perto de uma demência moderada. A minha avó foi até o final e precisava 100% do tempo de um cuidador, a dependência era completa. Minha avó chegou ao ponto de não se alimentar mais durante uma semana, sondagem, infecção. Vivemos tudo isso dentro de casa.
Olhando essa linha do tempo, Deputado, são quase 10 anos: quase 10 anos de uma pessoa que passa a depender de outras pessoas, o que impacta economicamente a dinâmica familiar, impacta também aqueles dados de aposentadoria que eu trago.
E nos últimos 6 minutos que me restam eu queria falar um pouquinho da minha avó. Felizmente, compusemos uma Mesa muito eficiente a ponto de trazer todas as necessidades que esse PL pode em si direcionar, não necessariamente resolver 100% delas, mas acho que a política pública é dinâmica, ela é parte viva da nossa sociedade e nós vamos aprimorando, para isso precisamos começar. E eu quero fazer então essa menção à minha avó, D. Isaura, uma espanhola imigrante que chegou na década de 60 ao Brasil e construiu, à custa de muito trabalho, uma empresa que cresceu. E ela me permitiu, quando fui diagnosticado com esclerose múltipla, tirar 2 anos sabáticos da minha vida e fundar a primeira associação de pacientes: Amigos Múltiplos pela Esclerose. Na ocasião, minha avó me deu um escritório, ela conseguiu me dar uma impressora. Eu lembro muito da impressora, porque foi algo marcante para mim quando eu pensei em me mobilizar por políticas públicas em saúde. Essa mesma senhora D. Isaura, na época, assim como está representada na foto, supersorridente e cheia de vida, depois de pouco mais de 8 anos se encontrava assim: com Alzheimer avançado, uma pessoa, como vemos aqui na foto, com uma lesão ocasionada pela diabetes não controlada. Essa lesão a acompanhou durante quase 8 anos. Havia uma dinâmica familiar em que, aos finais de semana, essa senhora aqui, que é a minha querida mãe, minha amada mãe, cuidava dela todo santo dia e noite. Ela teve que se afastar do trabalho. E no final de semana, como filhos, nos revezávamos com a minha mãe, mas acabou que a minha avó teve a minha mãe como a última pessoa que ela esqueceu. Ela sofria muito com essas mudanças e acabava que demandava, ainda que nos finais de semana, da minha própria mãe.
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Eu digo e cito a minha mãe porque o PL pode abarcar essas questões de cuidadores, como já foi dito. E reforço que ele é uma iniciativa viva da sociedade. Podemos e devemos aprimorá-lo, em especial para as pessoas que ficam depois do diagnóstico, como a minha mãe, que, ao final de 8 anos cuidando dessa senhora aqui, Deputado, desenvolveu depressão com ideação suicida. A minha mãe, que agora não sabe muito bem qual é o lugar dela na sociedade porque ela deixou de trabalhar, ao mesmo tempo ela tinha alguém para cuidar. Os filhos dela eram já todos casados, estavam fora de casa. E a minha mãe passa por uma situação, agora, de dependência dos filhos, porque ela já não se vê em nenhum outro lugar da sociedade. E é por isso que eu queria trazer uma visão de intersecção aqui que é muito importante.
Esse PL pode e deve seguir sendo apreciado. Temos outras etapas. Esse PL pode começar a ajudar muito pessoas que, como eu, foram acometidas pelo Alzheimer, porque no topo ali temos as pessoas com demências, mas nós temos essa relação de cuidadores. Nós temos, como tínhamos na minha casa e temos até hoje, pessoas dentro da família que convivem com outros diagnósticos de doenças raras, como, por exemplo, eu: esclerose múltipla; a minha irmã com asma; a minha mãe com ideação suicida e depressão; e todos nós nos revezando para cuidar da minha irmã. Minha mãe, que acabou se aposentando precocemente, não teve nenhuma garantia previdenciária, porque se aposentou para ser uma cuidadora informal. O impacto na vida e no trabalho das pessoas, como meu pai, por exemplo, que tinha ali que lidar com a minha avó dentro de casa e todas as adequações e cuidados.
Eu só queria trazer essa reflexão final de que caminhamos para uma necessária discussão de como os sistemas de saúde no Brasil vão suportar essa população que está envelhecendo, uma população que tem recebido diagnóstico de doenças raras, uma população informada que busca cada vez mais melhores tratamentos. E eu, como representante de uma instituição que figura dentro do Conselho Nacional de Saúde, não posso deixar de falar que hoje nós temos aí limitações em razão do desfinanciamento da saúde no Brasil oriundo da Emenda Constitucional 95/16. Temos muito a fazer pela saúde no Brasil, Deputado Alexandre Padilha. E se pensamos em sustentabilidade do sistema de saúde, se pensamos que ele deve ser perene e para todos, precisamos olhar para as intersecções, porque eu tenho esclerose múltipla hoje e um histórico muito grande e agravado de demência e pode ser que eu seja um daqueles demenciados, pessoa muito provável com Alzheimer, com esclerose múltipla. E pergunto: quem vai cuidar de mim quando eu sou hoje o provedor da minha própria família?
E é com essa tônica que eu gostaria de pedir então que olhemos para encaminhamentos simples. Já foram destacadas aqui questões importantes de aprimoramento do próprio PL, que, reforço, é um organismo vivo de promoção de qualidade de vida para as pessoas atingidas pelas demências, mas nós o temos hoje abarcado pela Comissão de Seguridade Social e Família, ainda vamos passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania — CCJC e depois pelo Plenário da Câmara dos Deputados. É muito importante que nós não deixemos esse assunto marginalizado, como deixamos, por muitos anos, esses idosos, que agora percebemos. Muito obrigado.
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Deixo aqui os meus contatos, rapidamente. É um prazer compor, mais uma vez, esta Mesa.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Muito obrigado, Sr. Gustavo.
Terei aqui a honra — já anunciei a Sra. Betânia Jatobá e a convidei para estar aqui à Mesa —, daqui a pouco, de lhe passar a palavra.
Antes eu vou ler as contribuições feitas através do nosso canal permanente. O pessoal postou várias contribuições, e eu faço questão de lê-las aqui. Sempre são contribuições importantes, inclusive para o nosso relatório. O Jairo de Souza Júnior disse: "Bom dia! O Fórum Distrital da Sociedade Civil em Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa está presente". O pessoal é aqui de Brasília.
A Cláudia de Souza Oliveira também está dando bom dia. "Representamos os familiares e cuidadores de pacientes portadores de doença de Huntington." A Cosette Castro é do Coletivo Filhas da Mãe, que apoia cuidadoras e cuidadores de pacientes com demências. Ela está dizendo inclusive que, em novembro de 2021, o Coletivo Filhas da Mãe publicou em seu blog, no Correio Braziliense, dez sugestões para a política nacional de cuidado às pessoas com demências. Nós vamos lê-las, Cosette. Vamos atrás dessas sugestões do Coletivo Filhas da Mãe. Ela está dizendo que é essencial pensar não apenas nos doentes de vários tipos de demência, mas também incluir os familiares que cuidam deles. E ela também defende que mudar o título é um primeiro passo. Acho que a preocupação que todos nós estamos tendo é em relação ao estigma no título do projeto de lei.
A Célia Maria Oliveira está dizendo: "Eu tenho Alzheimer e me preocupo muito com pessoas que abandonam a vida própria para cuidar e não recebem nenhuma ajuda do Governo. Elas deveriam receber durante e após, pois, se fosse para o Governo cuidar do doente nessa situação, quanto iria gastar?" Ela está sugerindo que haja algum tipo de apoio financeiro aos cuidadores.
O Jairo de Souza Júnior está lembrando aqui que, em Brasília, já temos a Lei nº 6.926, de 2021, que institui a política distrital para prevenção, tratamento e apoio às pessoas com doença de Alzheimer e outras demências, aos seus familiares e aos cuidadores. "Conseguimos incluir na lei o apoio e a formação para cuidadores e familiares, informais e formais." Vamos atrás dessa lei, Jairo.
A Taís Saraiva está dando bom dia. "Como ficam as famílias que não têm um profissional na cidade que venham a dar um diagnóstico ou prescrever um remédio a pessoas com demência? E quando essas famílias não têm condições de buscar esse tratamento em outro local, fora da cidade?" Acontece. De fato, a Taís Saraiva está trazendo essa situação, que é um problema da grande maioria das cidades do nosso País.
A Cláudia de Souza Oliveira diz: "Exija a fiscalização do serviço prestado por empresas de home care. Desenvolvam programas de capacitação para profissionais de saúde que atuem com pacientes demenciados".
Passo agora a palavra para a Sra. Betânia Jatobá, que terá o tempo de 3 minutos. Quero fazer uma saudação a ela, que é assistente social, Presidente do Conselho Estadual de Alagoas, representante da ABRAZ e militante, desde 2002, pelo Estado do Amazonas. Agora ela está em Alagoas, mas foi Coordenadora do Projeto Rondon e está me contando toda a história dela aqui.
Tem a palavra a Sra. Betânia Jatobá, para trazer contribuições para a nossa audiência pública.
A SRA. BETÂNIA JATOBÁ - Bom dia a todos.
É um prazer muito grande. Eu me sinto honrada com o convite, Deputado Alexandre Padilha. Quero dizer que estou muito feliz e emocionada. Eu sou sua fã!
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Obrigado.
A SRA. BETÂNIA JATOBÁ - Inclusive, quero cumprimentá-lo, em nome de todos os representantes da ABRAZ, na pessoa do Dr. Rodrigo, que é um grande Presidente.
Estamos superfelizes e emocionados de ter a oportunidade de estarmos aqui.
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Quero agradecer a oportunidade de estar aqui e dizer que estamos certos de que esse projeto, mais cedo ou mais tarde, deverá ser aprovado. Eu sempre digo que temos que fazer esse trabalho nos Estados, com a nossas bancadas, fazer o nosso abaixo-assinado. Eu, como representante da ABRAZ, comecei a trabalhar na ABRAZ do Amazonas em 2022. Dessa forma, sinto-me, então legitimada, Deputado, de estar aqui. Há 15 anos, voltei para a minha cidade de Manaus e ajudei nos cuidados da minha mãe, que teve a doença instalada, durante o período. Minha mãe já partiu. Mas posso dizer que só quem cuida, só quem conhece essa doença, sabe da importância de termos conhecimento, de termos capacidade e o apoio do Governo. Um dos grandes problemas da doença de Alzheimer é que ela precisa da equipe multidisciplinar, e as pessoas que cuidam precisam compreender a doença. Às vezes, de forma involuntária, Deputado, as pessoas maltratam as pessoas idosas por não saber como lidar com a doença. Essa é a grande dificuldade. As pessoas precisam ser capacitadas, precisam ser qualificadas. E mais, precisamos do apoio do Governo para que possamos ter equipes de profissionais qualificados para ajudar nos cuidados, porque quem está em casa, as pessoas humildes, que são a grande maioria, não têm condições de contratar um cuidador. O cuidado é um dos papéis da família.
Então, é muito importante que todos tenhamos esse apoio.
Estamos muito certos de que vamos ter esse projeto de lei aprovado. Obrigada, Deputado, por esse reconhecimento. E continuamos nessa militância pelo período que precisar.
O SR. PRESIDENTE (Alexandre Padilha. PT - SP) - Eu que agradeço, querida Betânia Jatobá. É muito importante a voz, a participação de quem está na ponta, de todos aqueles e aquelas que contribuem, ou no cuidado, ou na pesquisa, ou na gestão, ou na defesa desse tema, ou no envolvimento do conjunto da sociedade. Conseguimos ouvir todas as nossas convidadas e convidados. Estamos caminhando aqui para o encerramento porque daqui a pouco este auditório será utilizado para outras audiências públicas.
Eu quero só reforçar, na condição de Relator, que, em primeiro lugar, estou absolutamente aberto, à disposição para o conjunto das sugestões trazidas aqui. Como disse, queremos construir esse relatório a várias mãos. Nós já vínhamos construindo uma parte do texto. Mas espero que, a cada exposição, possamos continuar construindo.
À nossa equipe técnica quero agradecer muito, em especial ao nosso colega Florentino, que trabalhou conosco no Ministério da Saúde, um sanitarista que está dedicando às pessoas dos diversos segmentos que participaram desta audiência. Eu tenho um método de mandato participativo. Então, no nosso mandato, como Deputado Federal, temos um conselho participativo, que é um grupo temático que trata da defesa dos direitos da população idosa que também está colaborando. Além disso, faço parte da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa, onde temos dialogado com os colegas também.
Em primeiro lugar, quero reafirmar que a nossa disposição é construir a várias mãos esse relatório e, ao mesmo tempo, a nossa vontade é apresentá-lo o mais rápido possível para que ele possa ser votado na Comissão de Seguridade Social e Família antes do recesso. Essa é a minha meta. Vamos ver se conseguimos fazer isso, porque depois do período do recesso, agosto e setembro, quando haverá as eleições, ficará mais difícil garantir quórum e aí acabaremos colocando o projeto para votação só em novembro. Então, queremos fazer um esforço para apresentá-lo ao longo deste mês, no máximo, no começo do mês de julho.
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Em segundo lugar, devemos assumir o debate tanto aqui na Comissão de Seguridade Social e Família, que tem a ver com a nossa trajetória, quanto na Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa. O debate deve abranger aquele conceito de envelhecimento que, para nós, envelhecer não é uma perda, envelhecer é um ganho de experiência, é uma conquista, são ensinamentos, são tradições, são estímulos e respeito para outras gerações que ficam na nossa sociedade. O conceito que trabalhamos é o do envelhecimento ativo, é o de podemos contribuir com uma política de prevenção, desde o começo. E reafirmar os direitos da população é fundamental para todos nós. Então, vamos combater qualquer tipo de estigma no nosso texto final.
Em terceiro lugar, a importância da estratégia do diagnóstico precoce, como foi dito aqui por vários e várias. Tudo o que pudermos fazer para formar profissionais de saúde, investir em tecnologias lá na ponta na atenção primária à saúde, investir nas ações de divulgação para a sociedade, por meio de campanhas de orientação que levem ao diagnóstico precoce, faremos para cuidar melhor das pessoas, evitar os impasses que possam existir, garantir melhor qualidade de vida e reduzir custos também para o próprio sistema de saúde, para o próprio sistema da proteção social. Então, precisamos trabalhar com essas diretrizes do diagnóstico precoce.
Em quarto lugar, a rede de proteção, como foi dito aqui. Todo o cuidado à saúde, o cuidado à vida exigem uma articulação de uma rede de proteção, que parte da área da saúde, parte do Sistema Único de Saúde, mas também é preciso envolver as outras políticas, sobretudo no território, as políticas sociais, educação, assistência social, os mecanismos da assistência social da rede de proteção social, os mecanismos de políticas públicas de inclusão no mercado de trabalho, de qualificação profissional, de combate ao desrespeito aos direitos humanos e a importância da mobilização dessa rede de proteção.
E, por último, a importância de garantirmos o acesso a tudo que tiver de melhor com embasamento científico em relação a tecnologias, tratamentos, incorporação tecnológica, incorporação de diagnóstico, capacidade de análise de dados, na base de dados enorme que o SUS promove. E o Brasil, quando assume esse compromisso de ter um Sistema Único de Saúde para mais de 200 milhões de habitantes, também cria um grande potencial, por ter que atender tanta gente, ser muito atrativo para a incorporação tecnológica, para o desenvolvimento tecnológico, para a geração de emprego e renda, pesquisa e tecnologia aqui no nosso País.
Quero agradecer a todas e a todos.
Estamos encerrando esta audiência. Quero agradecer muito a todas as convidadas e convidados que estavam aqui junto conosco a participação. Vou fazer aqui o encerramento oficial, agradecendo às Sras. convidadas, aos Srs. convidados e aos Srs. Parlamentares as ilustres presenças.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente reunião, antes convocando Reunião Deliberativa Extraordinária para hoje, terça-feira, dia 14 de junho de 2022, às 13 horas, neste mesmo plenário.
Declaro encerrada a presente audiência pública.
Muito obrigado.
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