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O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, destinada a tratar das recomendações recebidas pelo Brasil no âmbito da Revisão Periódica Universal sobre os direitos da população em situação de rua.
Este evento é consequência da aprovação do Requerimento nº 2, de 2022, de minha autoria, subscrito pelos Deputados Abílio Santana, Helder Salomão, Joenia Wapichana, Marcon, Roberto de Lucena, Talíria Petrone e Vivi Reis. Trata-se de uma audiência pública do observatório da RPU, sediado nesta Comissão, fruto de parceria entre a Câmara dos Deputados e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
A RPU é uma avaliação mútua entre países que compõem as Nações Unidas quanto à situação de direitos humanos. A metodologia detalhada e mais informações podem ser encontradas no portal www.camara.leg.br/observatoriorpu.
Agradeço à consultora Simone Maria Machado Bonfim, servidora pública da Câmara, que elaborou o relatório preliminar que será debatido aqui hoje.
Esta audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm, pelo perfil da CDHM no Facebook @cdhm.camara e pelo Youtube da Câmara dos Deputados. Os senhores também podem acompanhar as nossas notícias pelo Instagram, no @cdhm.cd.
Os cidadãos podem apresentar contribuições através do portal e-Democracia. Os expositores falarão por 5 minutos.
Convido para comporem a Mesa: o Sr. Ronan Ferreira Figueiredo, Defensor Público do Distrito Federal e membro da Comissão de População em Situação de Rua da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos — ANADEP, seja bem-vindo; o Sr. Mário Henrique Nunes, Presidente da Comissão de Políticas Sociais e Desenvolvimento do Cidadão e Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça; a Sra. Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni, Juíza Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, integrante da Comissão de Políticas Sociais e Desenvolvimento do Cidadão, do Conselho Nacional de Justiça; a Sra. Thaís Urias Senra Michel, do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS — UNAIDS.
Registro que, em ambiente de teleconferência, participarão: a Sra. Paula Simas Magalhães, Oficial de Direitos Humanos do Escritório Regional do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos para América do Sul; o Sr. Carlos Alberto Ricardo Junior, Coordenador-Geral de Direitos de Minorias Sociais e População em Situação de Risco do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos; o Sr. Renan Sotto Mayor, Defensor Público da União; o Sr. Eduardo de Carvalho Mota, Coordenador da Comissão Permanente de Direitos da População em Situação de Rua do CNDH; o Sr. Markinhus Souza, do Movimento de Meninos e Meninas de Rua; o Sr. Darcy da Silva Costa, do Movimento Nacional da População em Situação de Rua; a Sra. Ivone Maria Perassa, da Pastoral do Povo de Rua; o Sr. André Luiz Freitas Dias, Coordenador dos Polos de Cidadania, da Universidade Federal de Minas Gerais; e o Sr. Antonio Vitor Barbosa de Almeida, Defensor Público do Estado do Paraná.
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Eu agradeço a presença de cada um e de cada uma dos que participam presencialmente e dos que participam virtualmente desta reunião e agradeço, sobretudo, a audiência daqueles que nos acompanham nas redes sociais da Câmara dos Deputados e através do site e-Democracia, onde estamos à disposição para colher contribuições e questionamentos que possam ser oferecidos aos nossos convidados durante este painel.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Meu caro, como vai? Tudo bem?
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - É uma alegria enorme ter sua presença, Markinhus. É um prazer vê-lo. Você dispõe de até 5 minutos, por favor.
Para nós, as questões fundamentais de observação integram um dado levantado há um tempo pelas organizações que tratam de crianças e adolescentes no que se refere à exposição em que se encontra a infância, especialmente a infância em situação de rua. E uma das questões importantes é a falta de políticas, que afeta diretamente essa população, especialmente no que se refere à violência física, chegando inclusive à letalidade.
Mas eu queria dedicar essa revisão a um tema, que, para nós da área da infância e da área das crianças de rua, é muito caro, que é o impacto violento da invisibilidade. Acho que não há violação maior de direitos humanos do que a da invisibilidade. E eu estou tratando aqui de um dos pontos referentes às diretrizes nacionais de atendimento à criança e ao adolescente em situação de rua por conta dessa violência, que é a questão dos filhos de encarcerados. A América Latina, em especial, o Brasil, entrou na luta contra as drogas. Isso teve um impacto no encarceramento em massa, especialmente no crescimento do encarceramento de mulheres, como também de jovens e de pais bastante jovens no cárcere brasileiro. Um reflexo social, inclusive étnico-racial, dessa política é a invisibilidade causada a essas crianças e adolescentes quando seu familiar é encarcerado.
Há pouquíssimos estudos sobre esse tema, que foi referendado pela ONU somente em 2011, quando houve o primeiro encontro da ONU para tratar desse assunto no Alto Comissariado que trata dos direitos da infância. É um impacto violento, porque, à medida que se encarcera um familiar, toda a reorganização da família gira em torno da pessoa que passa por esse processo. E o impacto na criança e no adolescente simplesmente é desconhecido das autoridades, tanto das autoridades do Executivo, quanto as do Judiciário e do Legislativo, e há também um impacto na parte técnica, na hora do atendimento.
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Os primeiros levantamentos feitos aqui na América Latina e no Brasil, que temos acompanhado, identificam como um dos primeiros impactos a questão econômica. Toda a família se reorganiza economicamente para tentar dar conta dessa situação, depois, há o impacto na escola: a criança regride nos seus estudos, para de estudar, fica mais agressiva ou muito tímida. Em seguida, identifica-se o estigma por trás dessa criança ou adolescente. E os levantamentos que fizemos quando andamos pelo Brasil para definir as diretrizes de atenção nos colocam essa violação. Qual é essa violação significativa? Uma parte importante dessas crianças termina assumindo algumas das atividades que são feitas pelos adultos, como ir para as ruas trabalhar para ajudar no orçamento familiar. Esse impacto é uma das questões que levam as crianças para as ruas.
Isso, para nós, tem sido um tema bastante agressivo. E, mesmo considerando as diretrizes do CONANDA — Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, do CNAS — Conselho Nacional de Assistência Social e da Resolução nº 40 do Conselho Nacional de Direitos Humanos, percebemos ainda que, com todas essas diretrizes e ações propostas de políticas públicas, as crianças e adolescentes sofrem violações, principalmente as crianças em situação de rua, por essa dificuldade de implementação de políticas que tratam desse tema.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Obrigado, Markinhus. Receba o meu reconhecimento, porque tive o privilégio de estar com você há pouco tempo. É muito importante o trabalho que você lidera.
O SR. MÁRIO HENRIQUE NUNES - Primeiramente, quero agradecer ao Deputado Orlando Silva e registrar o orgulho que tenho de compor esta Mesa, em nome do CNJ, sendo indicado pela Câmara, o que me faz detentor de grande orgulho e de grande independência naquela casa.
Vou abordar a importância do trabalho em rede entre o Parlamento e o CNJ para a implementação da política pública judiciária de atenção às pessoas em situação de rua.
O número de pessoas em situação de rua aumenta cada vez mais e pode também ser verificado pela ausência de dados nacionais recentes e oficiais, que serão incluídos apenas no Censo que será realizado neste ano de 2022. É o que se espera. A estimativa do número total de pessoas em situação de rua no Brasil é de aproximadamente 221.869 pessoas. Acredito que esse número seja maior e aumente a cada dia, de acordo com pesquisa, publicada em março de 2020, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA. Esses dados mostram uma realidade nada animadora em relação ao progresso das políticas públicas destinadas à população em situação de rua no Brasil, que costumo chamar de "população invisível".
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As pesquisas disponíveis apontam o aumento na quantidade de mulheres, crianças e adolescentes em situação de rua. Ou seja, a população de rua que antes era formada por homens ou mulheres agora é composta por famílias. Há ausência de lei federal em sentido estrito. No entanto, essa ausência levou à iniciativa, a partir de 15 de junho de 2021, da Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência de aprovar projeto que prevê direitos e define a Política Nacional para a População em Situação de Rua. Isso demonstra a preocupação do Parlamento e a sensibilidade para com essas pessoas. O texto assegura o acesso a ações desenvolvidas no âmbito de políticas públicas de saúde e de assistência social, entre outras.
Na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 5.740, de 2016, que institui políticas nacionais para as populações em situação de rua ou errância, estabelece que nenhum atendimento de saúde ou assistência social poderá ser negado por falta de comprovante de residência. Isso, para mim, soa como um absurdo! Como você vai requerer um comprovante de residência de um morador de rua, ainda mais de um errante?
O texto foi aprovado na forma do substitutivo elaborado pelo Relator, o Deputado José Ricardo, do PT do Amazonas. Ele ampliou o escopo do projeto original do Deputado Nilton Tato, também do PT de São Paulo, analisando ainda cinco apensados. As pessoas em situação de rua gozam dos mesmos direitos constitucionais e legais. Isso decorre, logicamente, da dignidade da pessoa humana, que é um fundamento basilar do nosso Estado, do Estado Constitucional de Direito, como costuma se referir Ferrajoli, que vai além do Estado Democrático de Direito, quer queiram, quer não queiram. Essa é a realidade.
O Decreto Federal nº 7.053, de 2009, institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento, e dá outras providências.
A importante Resolução nº 425, de 2021, institui, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades. O processo de elaboração e aprovação é precedido de amplo debate público, da escuta ativa das pessoas em situação de rua, de movimentos sociais, de atores do sistema de justiça e de importantes órgãos de defesa dos direitos humanos.
Aqui, eu quero ressaltar que os atores do sistema de justiça envolvem Defensoria Pública, juízes, advogados, toda a sociedade civil. Esse é um problema que converge para todos nós. Forte ideia de trabalho em rede, colaborativo e de criação, o CNJ se propõe a colaborar como agente. Como costumo citar, eu acho que o CNJ tem que ser uma ponte entre o Parlamento e a sociedade. Não se pode construir um diálogo com a sociedade sem a participação do Parlamento para atender à urgência do número crescente de pessoas em situação de rua e às realizações de mutirões, com toda a rede de assistência, os órgãos de expedição de documentos, os órgãos administrativos de concessão de benefícios e todo o sistema de justiça.
A questão da expedição dos documentos passa principalmente pela questão da cidadania. O título de eleitor e a carteira de identidade fazem a pessoa sentir-se inserida num contexto, ou seja, fazem-na sentir o pertencimento como cidadão. Mutirões já foram realizados pelo TJDFT, pelo TRF da 3ª Região e irão ocorrer também em Rondônia e no Rio de Janeiro.
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No âmbito do CNJ, para promover a implementação da política, em 1º de junho foi publicada a Portaria nº 180, de 2022, que institui o Comitê Nacional PopRuaJud, composto por 26 integrantes: magistrados, servidores de diversos ramos do Judiciário, membros e servidores do Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública da União e dos Estados, Advocacia-Geral da União, organismos internacionais e nacionais de direitos humanos, universidades e associações representativas das pessoas em situações de rua.
As universidades, que fazem estudos e pesquisas, têm um papel importantíssimo no desenvolvimento tanto da ciência quanto das políticas públicas e sociais. Nas universidades estão as pessoas comprometidas com os estudos e com o desenvolvimento da ciência. Embora a resolução tenha previsto a constituição de comitê intersetoriais com faculdade aos tribunais, é importante para o avanço da política a instituição dos comitês intersetoriais regionais, a fim de dar direcionamento aos órgãos acerca da implementação dessa humanitária política.
Reafirmo: é necessária uma fiscalização do Parlamento e do Conselho Nacional de Justiça, para que nossas propostas, Deputado Orlando Silva, saiam do papel e alcancem os destinatários reais dessas políticas, que são os moradores de rua.
Nesse sentido, nossa missão agora é atuar na sensibilização e na mobilização dos tribunais quanto à importância dessa política, especialmente na capacitação de magistrados e servidores na temática, para realização das ações itinerantes para atendimento à população em situação de rua.
Queremos agradecer o convite ao Deputado Orlando Silva, que sempre se mostrou muito sensível a essa temática tão importante e que tem nos assolado de forma — dramática ainda é pouco — triste. Quando andamos pelas ruas, não precisamos de estudos, projetos, estatísticas. Basta baixarmos os vidros dos carros para ver a realidade.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Agradeço muito ao Conselheiro Mário Henrique Nunes, que honra a Câmara dos Deputados ao representar os Parlamentares no Conselho Nacional de Justiça.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Pela ordem, Presidente. V.Exa. me concederia 2 minutos para uma breve fala?
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Dois minutos, se V.Exa. considerar esse tempo adequado. Pela capacidade de liderança, talento, trabalho, brilhantismo e história, V.Exa. tem o microfone livre para manifestar a sua posição. Peço desculpas aos inscritos para falar nesta audiência pública. Saibam os que não estão no plenário que vão ouvir agora o brilhante Deputado Paulo Teixeira, do PT de São Paulo.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Obrigado.
Inicialmente, eu quero dizer que, se todas as Comissões tivessem um Presidente como o Deputado Orlando Silva, este Parlamento seria muito melhor. Parabéns, Deputado Orlando Silva, pelas temáticas que tem levado a debate nesta Comissão, que não são apenas debates.
Esta Comissão promove oportunidade para a construção de políticas públicas para que esses direitos cheguem ao povo brasileiro. Parabéns por esta audiência!
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Quero cumprimentar os convidados e começo pelo Dr. Mário Henrique Nunes, que tão bem representa esta Casa no Conselho Nacional de Justiça. Quero cumprimentar a Dra. Luciana Ortiz Zanoni; a Sra. Thaís Senra, que representa o UNAIDS; e o Sr. Ronan Figueiredo, Defensor Público do Distrito Federal.
O número de pessoas que moram nas ruas e o número de famílias que moram nas ruas brasileiras representa a falta de política econômica, de um lado, e, de outro lado, de política habitacional. São famílias que recentemente foram morar nas ruas. São pessoas que poderiam morar em casa, bastaria haver uma política habitacional.
Eu tive oportunidade de ser Secretário de Habitação de São Paulo. Havia pessoas morando nas ruas que foram para hotéis. Alugamos hotéis, no centro da cidade de São Paulo, e as pessoas passaram a morar em hotéis. Eu me lembro de um depoimento lindo de uma senhora que falou: "Eu nunca na vida pude deitar no travesseiro". Eles tinham uma televisão.
Aqueles donos de hotéis fizeram um trabalho social incrível com essas pessoas, arrumando emprego para elas. Um ano depois, a Rede Globo quis um depoimento. Eu não encontrei uma pessoa que quisesse fazer o depoimento, porque nenhuma queria mais se vincular ao passado dela, pois já estava em outro momento da vida.
Eu me lembro de que fui à inauguração de um empreendimento da Prefeitura, na antiga Favela do Gato, no Conjunto Habitacional do Gato, e fui abordado por algumas pessoas que diziam: "Olhe, você foi aquela pessoa que foi ao viaduto que queimou. Depois do viaduto, eu fui para o hotel e, de lá, fui para o empreendimento habitacional". É isso o que está faltando. Eu acho que a Defensoria Pública deveria mover ação na Justiça contra os Governos, para exigir programas de moradia para essas pessoas. Elas não deveriam estar na rua.
Quem aqui não se condói de ver uma criança na rua? Quem teve filhos ou tem sobrinhos ou qualquer pessoa que tenha humanidade sabe que nunca uma criança pode estar na rua, ainda menos nesse frio que nós estamos passando, porque essas crianças vão ter pneumonia e todo tipo de problemas.
Eu quero saudar o Deputado Orlando Silva, um gigante Deputado que faz falta ao Brasil. Nós somos do mesmo Estado. Eu sou torcedor deste Deputado, até porque aqui podemos fazer parcerias incríveis. S.Exa. é uma pessoa que tem os pés de algodão, transita com leveza. É por isso que nós queremos que continue nesta Casa para contribuir para o Brasil.
Parabéns, Deputado Orlando! Vamos fazer uma corrente para que toda pessoa que more na rua deixe de fazê-lo, porque serão concedidos um trabalho e uma moradia para ela. Eu não sou mais favorável a albergues. Elas não querem ir para albergue, querem ir para uma moradia individualizada, onde elas possam ter endereço, como o senhor bem colocou. Nós vamos chegar lá.
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O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Agradeço ao Deputado Paulo Teixeira. Como ele próprio lembrou, foi um extraordinário Secretário de Habitação no tempo em que havia políticas de habitação em cidades do Brasil, como na cidade de São Paulo. Agradeço muito a sua presença nesta audiência pública.
Eu gostaria de cumprimentar a Mesa e todos os participantes. É realmente uma honra estar aqui para compartilhar um pouco sobre essa temática tão importante, que são os direitos da população em situação de rua.
Sendo do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, a minha ideia era falar um pouco sobre os padrões internacionais que tratam dessa temática, as obrigações que os Estados que subscrevem os diferentes tratados têm em relação à população em situação de rua. Antes disso, é importante lembrar que, quando falamos sobre as pessoas em situação de rua, pensamos muito no direito à moradia. Na verdade, essa população é extremamente vulnerável a todo tipo de violações, como os intervenientes anteriores falaram. Nós estamos falando do direito à vida, comida, água, saneamento, saúde física e mental, não discriminação, ou seja, quase todos os direitos dessa população são afetados. Então, qualquer política ou intervenção tem que ir muito além da questão de moradia em si.
Em termos de Direito Internacional, os comitês responsáveis por interpretar esses tratados, assim como a jurisprudência desses comitês, têm uma coisa em comum: sabem que a obrigação do Estado não é construir casa para toda a população. O importante é criar as condições mínimas para que as pessoas, sobretudo as mais vulneráveis, tenham acesso ao básico de abrigo e de moradia. Quando uma porção significativa da população tem dificuldade de acesso, é obrigação do Estado realmente prover. Quando isso não é realizado, considera-se prima facie que o Estado está em contravenção dos tratados, sobretudo pensando no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. É importante lembrar que a população em situação de rua é a população mais vulnerável agora, que tem menos acesso a esses direitos de abrigo e moradia. Então, a prioridade do investimento dos recursos do Estado tem que ser direcionada para primeiro garantir o mínimo a todos e depois para investir em outros tipos de programas de habitação e de moradia. Isso mostra a urgência de intervenção em prol da população em situação de rua.
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O Direito e o Comitê DESC têm sido muito claros sobre isso. Independentemente de o despejo ser feito por um ente privado ou pelo Estado, isso não deveria levar as pessoas à situação de rua. Na verdade, o Estado tem que tomar todas as providências, é claro, dentro de suas capacidades, para garantir acomodações alternativas em processos de despejo de pessoas, entidades ou comunidades vulneráveis, reassentamento ou acesso a terras. Aliás, o próprio comitê enviou ao Governo brasileiro, no ano passado, uma lista de perguntas sobre a implementação do pacto internacional, e uma delas é justamente esta: quais são as medidas alternativas adotadas em processo de despejo, para garantir moradia às pessoas e evitar justamente essa situação vulnerável e extrema de pessoas em situação de rua?
Eu queria fazer pequenas considerações sobre o contexto brasileira à luz do Direito Internacional. Não tenho, neste momento, possibilidade de compartilhar estes dados, mas, se olharmos o Cadastro Único, que estava associado ao Bolsa Família, dos últimos 10 anos — os dados que temos disponíveis vão até 2020, logo antes da pandemia —, encontramos um gráfico com uma progressão exponencial do número de famílias em situação de rua no Brasil. Admito que isso é algo extremamente chocante, porque, se em qualquer problemática nacional há um gráfico exponencial, isso demonstra a urgência da questão e a necessidade de operação emergencial e humanitária. Não é só uma questão de desenvolvimento, mas de urgência.
Quando pensamos na situação da população de rua no Brasil, claramente vemos que as políticas atuais não têm atendido a essa população. Mais tem que ser feito para cumprir os compromissos internacionais, dentre os quais sugerimos melhor coleta de dados no âmbito federal, melhoria do quadro legal, o quadro protetivo, investimento em proteção social e moradia específico para a população de rua. Essa política tem que ser ainda mais específica no que se refere a grupos, como os de jovens LGBTQIA+, crianças e dependentes químicos. A face do Estado com relação à população de rua não pode ser só a de segurança. Aliás, não deveria ser a de segurança, deveria ser a social. Por isso, é muito importante pensarmos na realização dos direitos.
Por fim, devemos reconhecer que temos que nos adaptar às mudanças climáticas e às demandas dos desastres. O apoio à população de rua no Brasil também está mudando. O Deputado Paulo Teixeira mencionou a questão do frio, e várias pessoas morreram na rua recentemente. Essa situação muda também o tipo de programa e apoio que tem que ser prestado.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Muito obrigado, Sra. Paula Simas Magalhães, pela contribuição.
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Inicialmente, eu gostaria de destacar que a importância do Judiciário em relação a essa política é incomensurável, porque as pessoas em situação de rua têm uma situação bastante extrema de não exercício de direitos na via administrativa. Essas pessoas não conseguem adentrar os prédios públicos por questões de higiene, de vestimenta, de possibilidade de deslocamento.
Essas pessoas não têm acesso à documentação civil, Deputado Orlando Silva, porque nós temos, no nosso País, um problema realmente estrutural em relação à identificação da nossa população. Quando as pessoas se deslocam de um Estado a outro e passam a viver em situação de rua, elas não têm acesso à sua certidão de nascimento — e não me diga que o CRC funciona, porque ele não funciona e ele não é usado para identificar as pessoas. Elas não conseguem obter o RG quando não são nascidas no mesmo Estado e já, por algum momento, passaram ou retiraram o RG. Isso tudo são obstáculos que as impedem de adentrar e de requerer um benefício junto aos órgãos da administração.
Então, o que nós temos são garantias constitucionais e legais para que as pessoas tenham acesso a rendas sociais, mas elas estão longe de conseguir chegar perto dessas rendas. O Judiciário tem a função essencial de atuar dentro dessa situação de conflito, seja no âmbito pré-processual, seja no âmbito processual. Ocorre que isso tudo deságua no Judiciário. Portanto, nós temos que ter uma atuação forte, em rede, colaborando, como agentes integradores de formação dessa rede, com fluxos processuais, para que nós possamos fazer com que as pessoas tenham condições de acessar a Justiça.
Também é dramática a situação de previsão legal de que as pessoas tenham o CadÚnico para obter o benefício assistencial e a renda social. Dados que provavelmente serão expostos pelo Prof. André Luiz, da UFMG — eu vi que ele está inscrito —, demonstram que a nossa população não tem acesso ao CadÚnico. Por meio do CNJ, do Gabinete do Conselheiro Maia, temos feito reuniões com o Ministério da Cidadania, porque tudo isso deságua no Judiciário. Os assistentes sociais não dão conta de fazer o CadÚnico da nossa população. Nós fizemos um mutirão de atendimento na Praça da Sé com mais de 40 instituições. A Prefeitura fez 40 cadastros por dia. Nós tínhamos 3 mil pessoas na praça, Deputado. As pessoas não conseguem ter o CadÚnico para que elas possam requerer o benefício assistencial e a renda social.
Tudo isso deságua no Judiciário. E, quando deságua no Judiciário — daí a importância da Resolução nº 425 —, nós temos esta previsão na resolução: o juiz não pode extinguir o processo sem julgamento do mérito.
Ele precisa construir uma rede para que essas pessoas possam adquirir a documentação necessária, seja em termos de identificação civil, seja na obtenção de documentos públicos e privados. Não é possível que nós passemos para as pessoas a obrigação de ir até o INSS ou à Caixa Econômica Federal buscar documentos, prontuários.
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Então, a resolução traz esse lado humano e sensível do juiz para que essas deficiências sejam superadas, esse processo tenha continuidade e essas pessoas tenham os seus direitos garantidos. Isso precisa ser legislado, Deputado. Nós temos uma matéria de repercussão geral no Supremo Tribunal Federal que preconiza que nós devemos exigir o requerimento administrativo até de pessoas em situação de rua. Se uma pessoa não consegue fazer o requerimento administrativo porque ela não tem CadÚnico e não tem documento civil, ela também não tem acesso à Justiça? Então, são mazelas em relação às quais a Resolução nº 425 busca sensibilizar a magistratura, para que se construam pontes interinstitucionais com todos os órgãos e, com isso, se resolvam todos os problemas.
Eu sei que meu tempo acabou. Há outras questões gravíssimas que nós identificamos, como a da não criminalização das pessoas em situação de rua e questões atinentes ao egresso do sistema de Justiça. Muitas vezes, quem já cumpriu a pena privativa de liberdade acaba indo para as ruas por conta da fragilidade da sua situação familiar e, por isso, fica com uma pena de multa pendente. Essa é uma situação criminógena, porque ou ele come ou ele paga multa. Não pagando a multa, ele já está numa situação de marginalidade total, porque vai ser preso ao tentar se colocar no mercado de trabalho ou retirar novos documentos.
Então, essa é uma questão que foi já enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça, citando a Resolução nº 425, no sentido de que os juízes têm que ter sensibilidade e extinguir a punibilidade.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Eu agradeço à Dra. Luciana Ortiz Tavares Costa Zanoni, que é membro da Comissão de Políticas Sociais e de Desenvolvimento do Cidadão do CNJ e juíza federal.
Eu já quero, antecipadamente, Dra. Luciana, propor tanto a V.Sa. quanto ao nosso Conselheiro Mário Henrique Nunes que nós organizemos um encontro da Comissão de Direitos Humanos — eu convidarei outros Parlamentares — para que possamos receber o CNJ e firmar um pacto, um entendimento, uma agenda de trabalho que repercuta no Poder Legislativo e que, eventualmente, sirva de instrução, de base para resoluções no ambiente do CNJ. Essa já deve ser, na minha percepção, uma das conclusões desta nossa audiência pública. Peço a colaboração de V.Sa., assim como a do nosso Conselheiro Mário Henrique Nunes.
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O SR. CARLOS ALBERTO RICARDO JUNIOR - Eu quero agradecer o convite ao Deputado Orlando Silva e saudar todos os Parlamentares que estão presentes, as pessoas que nos acompanham de casa, os Parlamentares da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua, todas as pessoas em situação de rua e os representantes do movimento de população de rua que nos acompanham.
Como o tempo é curto, eu vou direto ao assunto. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos tem um papel importantíssimo de articulação, de coordenação da política e de produção de orientações para a promoção e a defesa de direitos humanos.
Queria registrar que seria muito importante que nós tivéssemos aqui também a participação dos Ministérios da Cidadania e do Desenvolvimento Regional, em especial no que se refere às políticas relacionadas ao combate à pobreza, às políticas de assistência social e de habitação.
No âmbito do nosso Ministério, dentro das nossas competências, no trabalho de articulação para a execução da política junto com o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua — CIAMP-RUA, nós desenvolvemos várias ações de orientações para acesso a direitos, orientações para o atendimento dessa população relacionadas ao período da pandemia, às frentes frias que nós tivemos e estamos tendo agora com a chegada do inverno, às situações de desastres, ao acesso à documentação, às notas técnicas conjuntas produzidas com a saúde e assistência social, à campanha para a redução da violência contra essa população.
Eu poderia citar uma série de outras ações aqui, além do acesso promovido pelas políticas setoriais de responsabilidade e competência de outros Ministérios, que promovem um acesso maior da população em situação de rua desde a criação da política nacional, mas eu quero focar aqui, nestes poucos minutos que nós temos, o acesso à moradia. Por quê? Porque, com esses quase 12 anos de política nacional que nós temos aqui para a população em situação de rua, apesar da ampliação do acesso aos serviços, do aumento da quantidade de vagas, das orientações dadas para Estados e Municípios, as pessoas não saíram da situação de rua.
E por que as pessoas não saíram da situação de rua? A resposta é óbvia: porque faltou o acesso à moradia. Diferentemente do modelo vigente hoje no nosso País e em vários outros países — na grande maioria, infelizmente —, em que se acredita que a pessoa precisa acessar outros direitos para conquistar autonomia e, então, ter condições de se manter numa moradia, nós descobrimos que o modelo mais adequado e que promove a superação de rua em todos os países que o conseguiram implantar é a inversão dessa lógica: a moradia tem que vir como primeiro acesso.
Então, nós temos já uma metodologia, que está sendo testada aqui no Brasil.
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Eu quero focar as ações do Ministério, respondendo às recomendações da RPU, todo o processo que nós estamos desenvolvendo para implantar uma metodologia, que é um projeto e é uma metodologia, baseada no Housing First, como é reconhecido no mundo todo. Aqui nós estamos chamando de Moradia Primeiro. Nós já temos, só no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 10 milhões implantados para a promoção desse modelo aqui no Brasil. Então, entre esses recursos, há recursos de emendas parlamentares e recursos próprios do Ministério. Já fizemos seminários, estamos desenvolvendo cursos. Há um curso disponível gratuitamente na ENAP, para qualquer pessoa que queira desenvolver qualquer organização, seja ela pública, seja ela privada, que queira desenvolver projetos nos seus Municípios. Estamos desenvolvendo um guia, vamos fazer um documentário. Há uma série de materiais com as informações necessárias para as pessoas, para as organizações implantarem os projetos nos seus locais. Fora isso, temos recursos da ordem de mais de 9 milhões para a execução de projetos no Estado do Paraná, aqui no Distrito Federal e em Minas Gerais e Bahia, esses mais voltados para capacitações.
Uma portaria institui esse projeto no âmbito do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. É importante dizer que, ao reconhecer a inversão dessa lógica, nós precisamos desenvolver ações em todas as esferas de governo, não só no Executivo. Precisamos do apoio do Legislativo e do Judiciário. Precisamos de fato mudar a lógica de serviços para a população em situação de rua, reconhecer esse público como um público também da política habitacional.
Eu aproveito para fazer um pedido aos Parlamentares: que insiram a população em situação de rua nos debates que tramitam aí na Casa relacionados à habitação, porque, nos debates todos sobre habitação, raramente a população em situação de rua é incluída. Fala-se de habitação para a população em situação de rua nos espaços de debates sobre a população em situação de rua, mas não nos espaços de debate sobre habitação. Recentemente, nós adentramos na discussão do Plano Nacional de Habitação e conseguimos fazer a inserção nesse local. Esse documento vai para a consulta pública, e nós vamos precisar de apoio para efetivar isso. Conseguimos inserir destinação de parte de locação social para a população em situação de rua e a população de baixa renda; prioridade no atendimento à população em situação de rua através de locação social — então, é importante que todas as áreas apoiem esse tipo de demanda, para que esse documento passe, porque ele vai para a consulta pública; o documento não está aprovado ainda; criação, nos programas habitacionais, do G-0, um grupo de renda zero. O primeiro grupo nos programas habitacionais é o G-1, de quem tem renda de até 2 mil reais. Só que ele não fala qual é o piso dessa renda. Supõe-se que o piso seja renda zero, mas, na prática, isso não é verdade, porque os programas habitacionais que estão disponíveis acabam passando por acesso a financiamentos em bancos, por acesso a FGTS, e nós sabemos que a população sem renda, em especial a população em situação de rua, não acessa nenhum tipo de financiamento para adquirir casa própria.
Então, é necessário criar o G-0, um grupo de renda zero, no qual a população em situação de rua esteja incluída, e, aí sim, criar programas específicos para atender a essa população que não tem renda.
É importante reconhecermos a moradia como um direito humano. Ao ser reconhecida a moradia como um direito humano, ela precisa ser ofertada para todas as pessoas, para as pessoas que não têm condições de pagar por uma moradia. Isso nos abre a janela, como também incluímos lá no PLANHAB, no Plano Nacional de Habitação, para ofertar a moradia como serviço, não exclusivamente como propriedade, como é hoje, para ofertar moradia como serviço para as pessoas que não têm condições de pagar por uma moradia.
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Esses são os pleitos que nós colocamos no documento, que precisa da aprovação de toda a sociedade. Peço o apoio da sociedade civil aqui presente e aos Parlamentares, para que nós (falha na transmissão) esse tipo de proposta. Só assim é que se supera a situação de rua: com acesso a moradia. O acesso à moradia potencializa todos os outros direitos. Como dizemos, ele é a porta de entrada para o acesso aos demais direitos.
O tempo foi curto, e não pude desenvolver mais. Fico à disposição para discutirmos um pouco mais sobre isso, para falarmos sobre as propostas que estão sendo debatidas aqui, nos Direitos Humanos e no Desenvolvimento Regional, na área de habitação. Podemos continuar este debate. Reforço o pedido de apoio de todo mundo.
Aproveitando o nosso espaço na Câmara dos Deputados, eu peço também apoio para a aprovação do Projeto de Lei nº 5.740, que está na Comissão de Seguridade e Família, ainda para entrar em pauta. Ele já tem um substitutivo elaborado pelo CIAMP-RUA, com a participação da sociedade civil, uma proposta que amplia a política nacional. Não é lei hoje. A normativa que rege ele, que o institui, é um decreto. Então, é preciso transformá-lo em lei e ampliá-lo, envolvendo outras áreas que são importantíssimas de serem mencionadas em um projeto como esse.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Muito obrigado, Sr. Carlos Alberto. Solicito ao senhor que encaminhe formalmente esse pedido para a Comissão de Direitos Humanos. Nós poderemos adotar medidas aqui para acelerar a tramitação do projeto de lei a que o senhor se referiu.
O SR. RONAN FERREIRA FIGUEIREDO - Obrigado, Deputado. Parabenizo-o pela iniciativa desta audiência pública, assim como parabenizo todos os demais Deputados e Deputadas que subscreveram o pedido.
Cumprimento meus colegas e minhas colegas de Mesa, meus colegas e minhas colegas que estão on-line, as pessoas que nos assistem, as representações da sociedade civil, principalmente, e o Movimento Nacional da População em Situação de Rua.
Bom, reforçando o que foi dito, inclusive pelo Markinhus, a primeira grande violação é a pessoa estar em situação de rua. Por si só, isso já é uma violação de direitos humanos grave. Cito também a invisibilidade completa em que esse setor da população é compreendido. Nós temos estudos e estimativas, mas dados concretos nos faltam. Portanto, falta concretude para basear políticas públicas efetivas para a solução desse problema.
Segundo o IPEA, como já foi falado, há cerca de 222 mil pessoas em situação de rua no Brasil. São dados de 2019, de antes do agravamento da crise sanitária que intensificou a crise econômica, a crise de trabalho e que levou a população a um empobrecimento ainda maior.
É disso que estamos falando. A população em situação de rua vive em situação de pobreza extrema.
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Como foi falado pelo Markinhus e também pelo Carlos, representante do Ministério dos Direitos Humanos, o principal direito que falta a essa população é à moradia. Nesse ponto, nós pontuamos que, com relação às Recomendações nº 136, 137 e 138, que tratam de políticas públicas, do fomento de políticas públicas de acesso à moradia adequada, não houve qualquer avanço, talvez retrocessos.
Como disse o Sr. Carlos, que me antecedeu, o direito à moradia é tratado ainda sob um aspecto de financeirização. As políticas públicas de acesso à moradia que existem não contemplam as pessoas em situação de rua. Não significa que a pessoa inscrita, habilitada e contemplada com uma moradia var perceber isso como um direito. É percebido como uma financeirização. Ela vai ter que contratar uma linha de crédito num banco para poder acessar aquilo que a Constituição assegura que é um direito.
Nesse ponto, também chamamos a atenção, Deputado, para algo que tem preocupado as Defensorias Públicas no Brasil inteiro e a sociedade civil: estamos muito próximos do fim do prazo estabelecido para o impedimento de remoções e despejos forçados, o dia 30 de junho. A ADPF 828, baseando-se em orientações de direitos humanos, como bem foi falado, segundo as quais despejo é violação de direitos humanos, remoção forçada é violação de direitos humanos, impediu que, pelo menos durante o período da pandemia, essas remoções acontecessem. Se estamos falando de moradia, estamos falando de moradias precárias, da maioria dessas pessoas, e não de moradias adequadas, mas que ainda assim impedem que essas pessoas fiquem ao relento.
Segundo dados da Campanha Despejo Zero, hoje há 142.385 famílias ameaçadas de despejo, algo em torno de 570 mil pessoas. Ou seja, meio milhão de pessoas hoje estão ameaçadas de despejo no Brasil. Para aonde elas vão? Dessas pessoas, 97.391 são crianças e 95.113 são idosos.
Reforço: não há qualquer política habitacional para as pessoas em situação de rua. O Programa Moradia Primeiro é muito bem-vindo e é uma demanda dos movimentos sociais, uma demanda do povo da rua, mas ainda está num período de implementação. Esperamos que ele se efetive e vire de fato um programa de governo que efetive os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua.
Concluindo, eu queria falar também sobre os retrocessos com relação às violências institucionais e ao combate, ao enfrentamento às discriminações, Deputado, conforme consta nos pontos 38, 42, 70 e 98.
Vou citar de forma bem específica uma decisão, tomada bem recentemente, no início de junho, pelo Superior Tribunal de Justiça, decisão muito importante, relativa ao Recurso em Habeas Corpus nº 158580, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti.
Ele traz que as polícias, as agências policiais não podem realizar aquilo que convencionalmente se compreende como baculejo, que são as buscas pessoais, sem uma motivação fundamentada e objetiva. Hoje isso vitimiza, com certeza, a maioria da população negra e, com certeza, a população em situação de rua, em sua maioria composta por pessoas negras.
Apenas a título de informação, recentemente o Distrito Federal realizou um censo da população de rua, pela CODEPLAN — Companhia de Planejamento do Distrito Federal. Estimou-se que 71,1% das pessoas em situação de rua no Distrito Federal são pessoas negras, sendo 50% pardas e 20% pretas, que 11,6% são indígenas e que apenas 17,3% são pessoas brancas. Comparando-se com a própria população do Distrito Federal, 57% dessa população, segundo dados da mesma CODEPLAN, declaram-se negras, sendo 42% pardas e 11% pretas. Então, a desproporção de pessoas negras na rua é muito maior, comparada à população.
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Com base nessa decisão, nós temos embasamento judicial inclusive para diminuir essa violência institucional contra pessoas negras e, com certeza, contra pessoas em situação de rua. Só que, infelizmente, em recente reunião do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública, com Secretários de todos os Estados, esse assunto foi abordado com base nessa decisão, e a integralidade dos Secretários de Segurança Pública do Brasil, dos 26 Estados e do Distrito Federal, falou que essa decisão não seria vinculante. Seria uma base importante para redimensionar a atuação das agências policiais, e ela foi ignorada.
Então, esses dois pontos que eu coloquei, tanto os riscos da ADPF quanto essa decisão recente do Conselho Nacional de Secretários de Segurança Pública, demonstram retrocessos.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Eu que agradeço.
Aproveito a oportunidade para registrar que a Deputada Natália Bonavides protocolou o Projeto de Lei nº 1.501, de 2022, que versa sobre a vedação de despejos durante a pandemia.
Em que pese ter havido redução das taxas de letalidade sobretudo, há uma retomada dos casos diagnosticados de COVID. Isso dá base inclusive a um novo pedido de prorrogação ao Ministro Barroso, acrescido da informação, do protocolo desse pedido.
Eu tenho lutado aqui, Dr. Ronan, para que o Presidente Arthur Lira constitua uma Comissão Especial e que dê via rápida para a tramitação desse projeto, de modo a demonstrar que nós não aguardamos apenas uma decisão do Poder Judiciário, que o Poder Legislativo pode e deve agir, como já agiu em outro momento. Eu faço referência aqui ao prazo vincendo agora, no próximo dia 30, de uma resolução liminar do Ministro Barroso que veda os despejos durante a pandemia da COVID-19, uma matéria da mais absoluta relevância.
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Primeiramente, eu gostaria de parabenizar V.Exa. pela recém-posse na Presidência desta Comissão tão fundamental, que é a Comissão dos Direitos Humanos, que tem sido muito importante em um momento em que violações de direitos humanos são naturalizadas. Então, eu parabenizo e elogio já a condução de V.Exa.
Todos os companheiros de luta de direitos humanos, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, do Movimento Nacional de População em Situação de Rua, nosso Darcy, Carlos Ricardo, do MMFDH, e do Ronan, o meu colega Defensor Público do Distrito Federal, quando nós pensamos e refletimos sobre pessoas em situação de rua, discutimos sobre essa invisibilidade.
Presidente, Deputado Federal Orlando Silva, quando pensamos em população em situação de rua, explicita-se muito essa invisibilidade. E eu sempre falo que a invisibilidade ocorre apenas para o campo de exercício de direitos fundamentais, porque, no campo penal, como disse o Ronan agora, no baculejo, a população em situação de rua é visível. Agora, para ter acesso a direitos, infelizmente, há essa invisibilidade estrutural.
Também foi falado da morte por frio. E eu sempre gosto de ressaltar uma frase do companheiro Tomás Melo, antropólogo, que trabalha no INRua, grande lutador pelos direitos da população em situação de rua: "As pessoas não morrem de frio. As pessoas morrem por falta de política pública do nosso Estado". Infelizmente, nosso Estado é estruturalmente racista, como toda a nossa sociedade. Então, as pessoas em situação de rua morrem por falta de políticas públicas. Isso é uma invisibilidade, e é sempre bom ressaltar.
Hoje, eu consultei o processo. E o IBGE não computa pessoas em situação de rua no seu censo. É uma batalha histórica de todos os movimentos, da Pastoral do Povo da Rua, de todos que lutam para que ocorra o reconhecimento da dignidade das pessoas em situação de rua, que devem ser computadas no censo. Como nós excluímos pessoas de um censo?
Então, a Defensoria Pública da União, eu e o meu colega Thales Arcoverde, no Rio de Janeiro, ingressamos com uma ação civil pública. Num primeiro momento, houve uma sentença favorável da Justiça Federal do Rio de Janeiro para incluir as pessoas em situação de rua no censo. Infelizmente, essa sentença foi reformada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Mas já foi interposto recurso especial, e, atualmente, o processo tem como Relator o Ministro Mauro Campbell. Então, esperamos que a Justiça dê uma decisão efetiva sobre a necessidade de inclusão das pessoas em situação de rua no censo.
Quando falamos sobre legislação, é muito triste perceber que não há um conjunto de legislações efetivas sobre as pessoas em situação de rua. Nesse sentido, nós percebemos um avanço muito importante.
O Decreto nº 7.053, de 2009, fixa a política da população em situação de rua. É sempre bom lembrar. E temos outros marcos normativos. Há resoluções do CONANDA. Há uma resolução importante, a Resolução nº 40 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, e a Resolução nº 425, de que a Dra. Luciana Ortiz muito bem falou.
Porém, Presidente, Sras. e Srs. Deputados, todos que nos ouvem, é fundamental a aprovação do PL 5.740, de 2016, também mencionada pelo Carlos Ricardo. Esse PL foi proposto pelo Deputado Nilto Tatto em 2016. E até hoje esse projeto de lei não saiu da Câmara. Isso é fundamental. Nós precisamos de um compromisso do Estado brasileiro.
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Hoje, a pandemia explicitou a violação dos direitos humanos que as pessoas em situação de rua sofrem, uma violação que é histórica e estrutural. Então, é fundamental nós termos um arcabouço legislativo, garantindo orçamento para políticas para a população em situação de rua. Hoje, o Decreto nº 7.053, por exemplo, não faz menção efetiva de orçamento. Para implementar política pública, nós precisamos ter, efetivamente, orçamento. Então, é fundamental que todos os projetos de lei que tratam de população em situação de rua — em especial, cito o PL 5.740 — sejam aprovados.
Finalizando, e também reiterando a fala dos que me antecederam, ressalto a centralidade do papel da moradia. Não se pode falar de superação da situação de rua sem falar de uma política séria e efetiva de moradia para as pessoas em situação de rua. Nós vamos ouvir vários outros especialistas. Então, eu não vou estender o meu tempo e já estou vendo que acabou. Teremos o Prof. André Freitas, dos Polos de Cidadania, que vai trazer dados. Como eu quero ouvir também todas e todos que estão aqui, respeito o meu tempo de 5 minutos.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Muito obrigado, Dr. Renan, por sua contribuição.
Eu sou a Thaís Senra. Em nome da representante e Diretora do UNAIDS no Brasil, Dra. Claudia Velasquez, primeiro eu gostaria de agradecer o convite do Exmo. Deputado Orlando Silva e desta Comissão para participar desta importante audiência pública, com o tema Direitos da população em situação de rua.
Eu também quero cumprimentar os meus colegas de Mesa, aqueles que estão aqui presentes e os que estão on-line, que representam as mais diversas e fundamentais partes envolvidas para a reivindicação, a criação, a implementação e o monitoramento das políticas públicas essenciais à promoção e proteção dos direitos das pessoas vivendo em situação de rua. Também estendo os meus cumprimentos a todas as pessoas que nos acompanham de forma on-line.
Como já escutamos aqui muito bem dos nossos colegas, a população em situação de rua é um dos grupos populacionais mais vulneráveis e é um grupo populacional que está em crescimento. Infelizmente, eles estão sendo deixados para trás. Segundo a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, de 2008, quase 30% da população dessa pesquisa, dos entrevistados, falaram que tinham algum tipo de problema de saúde. E, quando falam de problema de saúde, relataram, principalmente, a hipertensão, a questão do HIV/AIDS e também questões visuais. Também vemos a prevalência muito alta da sífilis, HIV e tuberculose nessa população, acima da média da população geral. Quando analisamos especificamente o HIV, a prevalência na população geral no Brasil é de cerca de 0,4%. Nessa pesquisa, chegaram ao número de 5,1% de prevalência de HIV na população de pessoas em situação de rua.
Somada à questão da saúde especificamente, é cotidiana na vida dessas pessoas a insegurança alimentar, a questão da falta de moradia, condições precárias de higiene, abuso e violência. Como foi bem dito pelo colega que me antecedeu, o Renan, eles são muitas vezes inviabilizados ao acesso, mas em relação à violência, em relação ao estigma, em relação à discriminação, essa população não é invisível. Eles são constantemente alvos de violações.
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Somada a isso há a questão da insipiência de dados e de análises que viabilizem e reconheçam a realidade dessas pessoas na heterogeneidade dessa população. Estamos falando de mulheres, crianças e idosos que estão em situação de rua e cada um tem suas demandas específicas.
A epidemia de AIDS e a mais recente pandemia da COVID-19 expuseram essas desigualdades como um grande combustível das epidemias. Nós vimos isso ocorrer com a AIDS e vimos isso na COVID. As desigualdades de acesso à testagem, a tratamento, a acompanhamento e também ao cuidado integral refletem e reforçam essas estratificações entre as pessoas e entre os grupos, criando barreiras para que essas pessoas mais vulneráveis fiquem cada vez mais distantes, principalmente dos serviços de saúde e dos serviços que ofertam esses direitos.
A nova Estratégia Global para AIDS 2021-2026, do UNAIDS, com parceiros dos países e da sociedade civil e internacional, tem como foco acabar com as desigualdades, para acabar com a AIDS como ameaça pública até 2030.
Acreditamos na implementação de um pacote abrangente com respostas diferenciadas que atendam às necessidades das pessoas e comunidades e que sustentem a resposta ao HIV. Para isso, encorajamos as lideranças em todos os níveis para que renovem o seu compromisso político de ação e que garantam o engajamento nesses compromissos que eles estão assumindo e também que possam catalizar as suas ações em conjunto. Estimulamos as parcerias com diversos atores para que possam ser alinhados de forma estratégica e para que tenhamos resultados catalíticos com o objetivo de incrementar essa resposta sinérgica tanto ao HIV/AIDS quanto a outras questões de saúde.
Por fim, ressaltamos a extrema importância dos dados, da ciência, da pesquisa e da inovação em todas as áreas de resposta à AIDS e ao cuidado das pessoas em situação de rua, para informar, orientar e reduzir essa desigualdade de acesso e também ao desenvolvimento e ao acesso ao serviço dessas populações. Entendemos que as recomendações feitas no âmbito da RPU têm o papel de ensejar a discussão democrática, para fortalecer as políticas públicas nacionais para as populações em situação de rua.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Eu que agradeço, em nome da Comissão, a participação da Sra. Thaís Senra nesta audiência pública.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Muito obrigado. Podemos ouvi-lo muito bem diretamente da Câmara Municipal de Goiânia. Seja bem-vindo!
Saudações ao nobre Deputado Orlando Silva, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara. Saudações também pelo desafio da resposta e o acompanhamento da Revisão Periódica Universal, que não é tarefa fácil em meio a dificuldades de ter dados, notícias, fatos concretos a respeito da execução por parte do Estado brasileiro na contemplação dos direitos das diversas populações, em especial da população em situação de rua.
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Quero cumprimentar também aqui os companheiros que nos acompanham, como eu, de maneira virtual, aqueles que estão presentes, e, sobretudo, companheiros e companheiras de luta pelos direitos da população em situação de rua, colegas na atuação junto ao Conselho Nacional de Direitos Humanos. Não vou me estender aqui no relato de questões que já foram citadas e mencionadas por diversos companheiros, mas gostaria de apontar alguns elementos que têm chamado a atenção do Conselho Nacional de Direitos Humanos a partir da Comissão Permanente dos Direitos da População em Situação de Rua daquilo que nos chega de denúncias e de provocação.
Uma questão que já foi assinalada aqui, mas que também chega com muita força ao Conselho, é a preocupação em relação à ampliação da população em situação de rua em todo o País e, infelizmente, mesmo havendo diversos indicativos, importantes indicativos da ampliação dessa população, há dificuldade de obter dados, como já foi citado aqui, do censo, de outros documentos mais formais que nos permitam o acompanhamento concreto desse aumento enquanto política pública, enquanto dados para o Estado brasileiro.
Essa ampliação chama a atenção em relação ao risco da ampliação da população por conta dos despejos, que também já foram mencionados, não vou me estender nisso, mas isso nos preocupa bastante, uma vez que a implementação dos despejos que se assinala traz a possibilidade de que milhares de pessoas sejam jogadas na rua. Não haverá outro lugar para essas famílias — que hoje estão em habitação precária e uma vez despejados — que não a própria rua. Isso tem chamado muito a atenção do Conselho.
De outro lado, o investimento é insuficiente nas políticas públicas para que alcancem de fato a população em situação de rua, espaços precários e em número insuficiente em relação às vagas, número insuficiente de profissionais e recursos necessários para que de fato possam atender a população em situação de rua. O que foi mencionado pelo Renan em relação a essa visibilidade e invisibilidade da população em situação de rua, uma visibilidade muito concreta para as políticas de segurança pública que violam direitos, que agridem a população em situação de rua, e uma invisibilidade muito importante também à luz das políticas públicas que devem atender essa população, não só a política de assistência, mas também, como já foi mencionado aqui, a política de habitação, as políticas de saúde, as políticas de garantia de acesso, seja ao sistema de Justiça, como foi preconizado na Resolução nº 425, do Conselho Nacional de Justiça, ou na própria Resolução nº 40, do Conselho Nacional de Direitos Humanos, que não trazem de certa forma um acréscimo legislativo, porque não têm o poder de fazer isso, mas elas congregam, elas reúnem toda a percepção daquilo que já consta do ordenamento jurídico brasileiro sobre o que é obrigação do Estado e todos os seus entes em relação à atenção à população em situação de rua.
Chama a atenção, nas denúncias que são apresentadas ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, um crescimento importante de violações de direitos que vão desde a violação moral, por assim dizer, quando o gestor de uma cidade diz que não quer saber da população lá no seu território, adota políticas de expulsão dessa população do seu território e, em praça pública, em meios públicos de comunicação, chama de vagabundos e diz que determinada cidade não deseja aquele tipo de gente no seu território.
A violência policial é contundente, com a expulsão dessa população de territórios dentro da cidade. Então, as pessoas saem de uma praça, vão para outra; daquela outra praça são expulsos para outra região. Temos presenciado isso em São Paulo. A situação de arquitetura hostil é presenciada em todo o Brasil. Há uma dimensão da não integração das políticas que precisam garantir o atendimento dessa população. É uma ausência total de diálogo entre as poucas políticas que ainda conseguem registrar algum resultado quanto à atenção à população de rua, que não conseguem estabelecer um diálogo em rede, seja com os demais atores que atuam nas políticas públicas, por dentro do Estado, seja com organizações da sociedade civil.
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Por fim, quero registrar que, nessa ausência da responsabilidade do Estado, o que temos presenciado muitas vezes e que chama a atenção, como nos casos das emergências climáticas, é que quem, de fato, tem gerado um resultado mais consistente ao abrir as portas das suas igrejas, das suas comunidades, dos seus espaços tem sido as organizações da sociedade civil e a população em geral, que se mobiliza, tendo, inclusive, ações mais efetivas na proteção dessa população em situação de rua do que o próprio Estado, que, às vezes, até abre mão da própria tarefa de coordenar esses esforços de proteção da população nos momentos emergenciais.
Para não me alongar, quero aqui agradecer a oportunidade e a possibilidade não só da fala neste importante momento, mas também do encontro com tantos companheiros de luta, de gente que defende no dia a dia o direito da população em situação de rua, aqueles que passaram pela situação de rua, aqueles que se importam com a pauta e aqueles que entendem o seu papel institucional na realização dessa tarefa de promoção das políticas públicas em defesa da população em situação de rua.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Agradeço muito a contribuição do Eduardo de Carvalho Mota e aproveito a oportunidade, já que ele fez referência às dificuldades da arquitetura das cidades, que são adversas e agressivas à população em situação de rua, para registrar que encaminhei ontem à Comissão de Constituição e Justiça o relatório de um projeto de lei de iniciativa do Senador Fabiano Contarato, que tramita, Eduardo, neste momento, na CCJ. Eu tenho o privilégio de ser o Relator. No dia de ontem, eu protocolei o relatório. Ainda ontem falei com o Padre Júlio Lancellotti para que façamos um mutirão em torno do Presidente da CCJ, para que ele possa pautar esse projeto e, quem sabe, possamos aprová-lo em um prazo muito breve, humanizando um pouco as cidades no nosso Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Perfeitamente bem, Professor.
O SR. ANDRÉ LUIZ FREITAS DIAS - Primeiro, eu cumprimento o Deputado Orlando Silva, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, e o parabenizo por toda a trajetória e também por estar neste importantíssimo espaço e lugar, conforme muito bem destacado pelo Dr. Renan.
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Cumprimento também o Conselheiro do CNJ, o Dr. Mário Henrique Nunes; a Dra. Luciana Ortiz, o Dr. Renan Sotto Mayor, grandes parceiros na luta por direitos humanos no Brasil; a Ivone, da Pastoral do Povo da Rua, que tem realizado trabalhos magníficos com a população. Em especial, se me permitem, cumprimento o amigo Darcy, em nome de todo o Movimento Nacional da População em Situação de Rua, que sempre, com o seu brilhantismo, autonomia, centralidade, protagonismo, tem lutado tanto pelos direitos dessa população, e, em nome de outros parceiros, cumprimento o companheiro o Marquinhos, também do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua.
Eu gostaria de falar muito rapidamente. Acho que fui muito contemplado com todas as falas que me antecederam, mas eu queria destacar que, no meu lugar de fala, enquanto professor e pesquisador extensionista da UFMG e Coordenador do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, nós temos trabalhado com uma infinidade de dados, tentando amplificar ainda mais as vozes e a compreensão acerca do fenômeno da população em situação de rua no Brasil.
Eu queria destacar especificamente um ponto que tem nos preocupado muito, Deputado, que é a situação do CadÚnico no Brasil, conforme muito bem já foi destacado pela Dra. Lucina Ortiz. O CadÚnico, como bem sabemos, especificamente com a população em situação de rua, passou a registrar dados a partir do ano de 2012, a partir de uma histórica e grande conquista dos movimentos sociais. A população em situação de rua foi excluída mais uma vez, conforme o que o Dr. Renan muito bem destacou, do Censo do IBGE em 2010. A partir de muita luta, de muita conquista, com a Presidenta Dilma, houve um registro sistemático da população em situação de rua, que passou a ser registrada no CadÚnico, configurando-se, então, este o mais importante instrumento de visualização e compreensão do fenômeno da população em situação de rua no nosso País e acesso à cidadania. Trata-se de mais do que uma base de dados que permitiu que um elevado contingente da população em situação de rua fosse oficialmente reconhecido no País.
Conforme dados de 2012, a população em situação de rua registrada no CadÚnico era de 12.775 pessoas somente; e, no ano de 2020, que foi o ano de maior registro da população em situação de rua no sistema e o ano de início da COVID-19 em todo o mundo e no Brasil, houve o registro de 194.824 pessoas em situação de rua no CadÚnico.
Lembro também, com dados, que, na média nacional, 91% da população em situação de rua no Brasil vivem em condições de extrema pobreza. Essas pessoas, a partir do CadÚnico, têm conseguido ter acesso aos programas sociais do Governo Federal, como o Bolsa Família, o BPC e tantos outros.
De acordo com os dados que temos produzido no Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, na Plataforma de Atenção em Direitos Humanos do Programa Polos de Cidadania, da UFMG, no ano de 2021, em plena pandemia, com crises sanitária e humanitária — veja bem, Deputado Orlando —, somente 36,89% dos Municípios brasileiros, ou seja, 2.055 Municípios do País, apresentaram, no CADÚNICO, registros da população em situação de rua, somente 36,89% dos Municípios.
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De acordo com o Ministério da Cidadania, o CADÚNICO acusou uma redução, de 2020, quando atingiu 194 mil, 824 registros de população em situação de rua, para apenas 180 mil e 57 pessoas em situação de rua em 2021. Foi uma redução, Deputado, de mais de 36 mil pessoas no sistema — mais uma vez: em plena pandemia no nosso País. Sem falar nas inúmeras pessoas que nunca tiveram acesso ao CADÚNICO no nosso País. Segundo estimativas que nós temos produzido no Observatório, em março de 2020, 33% da população em situação de rua encontravam-se fora do CADÚNICO no Brasil. Em dezembro de 2021, 2 anos após a pandemia, só para vocês terem uma ideia, em alguns Municípios, na média nacional, essa porcentagem de pessoas excluídas do CADÚNICO saltou para 45%, chegando, em alguns Municípios, a mais de 50% de pessoas em situação de rua excluídas dessa importantíssima base de dados que, mais uma vez, possibilita ou possibilitaria a essas pessoas terem acesso ao Bolsa Família e a outros benefícios sociais no País.
Para finalizar, Deputado, por conta do tempo, quero dizer que no Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da UFMG, entendemos que o CADÚNICO é uma conquista do movimento da população em situação de rua e de toda a sociedade brasileira e precisa ser urgentemente fortalecido junto a essas pessoas enquanto um direito fundamental, assegurado por leis em nosso País. O Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da UFMG está empenhado em contribuir para essa luta. Sem o fortalecimento do CADÚNICO, nós não temos dúvida, não será possível a adequada elaboração, a implantação, o monitoramento e a avaliação de políticas públicas com a população em situação de rua no Brasil, em especial de políticas públicas estruturantes, como as políticas de moradia, tão bem destacadas por todos os que me antecederam, inclusive pelo Deputado Paulo Teixeira, que eu também cumprimento.
Essa era a minha fala, Deputado. Eu gostaria mais uma vez de agradecer o convite, a confiança, a atenção e comunicar a todas e a todos que, em julho deste ano, nós iremos lançar o site do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, com uma infinidade de dados que poderão e deverão ser acessados por toda a sociedade brasileira e por aqueles que se preocupam com a efetivação de direitos da população em situação de rua no nosso País.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Eu que agradeço, Prof. André, a sua contribuição e as suas palavras gentis.
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Especialmente cumprimento todas as pessoas e os companheiros de luta aqui presentes, na pessoa do Deputado Orlando Silva.
Agradeço pela sensibilidade da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, especialmente do Observatório da RPU, em relação ao tema da população em situação de rua.
Registro também o meu agradecimento à Dra. Marina Lacerda, com quem conversei sobre a importância da realização desta audiência, e parabenizo todos os envolvidos.
Minha fala vai num sentido um pouco mais técnico, para pontuar como síntese as principais violações às recomendações construídas ao longo dos ciclos da Revisão Periódica Universal, especialmente esses três ciclos que já tivemos. Gostaria que, além das recomendações constantes na pauta dos trabalhos de hoje, atentássemos também para algumas outras recomendações que estão intimamente imbricadas e relacionadas também com as violações da população em situação de rua.
Nós verificamos — e aqui foi repisado pelos companheiros — a completa ausência de dados demográficos mais robustos sobre essa população, o que caracteriza um apagamento dessas pessoas para a construção de políticas públicas efetivas para a superação da situação de vulnerabilidade.
Vemos também a ausência de novas políticas de combate à fome. Ao contrário, pudemos verificar, também nas atuações pelas Defensorias Públicas no Brasil, registros de projetos de leis locais que — pasmem — buscavam vedar a doação de alimentos à população em situação de rua, sob pena de multa, e outras medidas administrativas que dificultavam o acesso à alimentação, enquanto os recursos provenientes do Governo Federal não foram suficientes para afastar a reinserção do Brasil no Mapa da Fome.
As Defensorias Públicas de São Paulo e do Paraná, por exemplo, tiveram que adotar medidas judiciais para tentar viabilizar o acesso a alimento e água para a população em situação de rua.
É evidente que o Brasil não está atendendo a uma série de recomendações expedidas no decorrer da RPU, especialmente aquelas que dizem respeito ao combate à pobreza e à vedação dos retrocessos. Nesse sentido, gostaria de destacar a violação às Recomendações nºs 50 e 143, as quais apontam a importância da manutenção de políticas que promovam a redução da pobreza.
Verificamos também o descumprimento das recomendações que dizem respeito ao acesso à moradia digna, como já destacado aqui. A ausência de políticas habitacionais adequadas à população em situação de rua acaba por inviabilizar o acesso a outros direitos humanos. O poder público permanece focando o uso reiterado de equipamentos de acolhimento provisório, como os antigos albergues, os hotéis sociais, as repúblicas, que não garantem uma proteção habitacional permanente. Nessa perspectiva, há violação às Recomendações nºs 136 e 137.
Quanto à saúde, a situação também é grave. Verifica-se baixa adesão dos Municípios ao serviço Consultório na Rua. Durante a pandemia, principalmente, o número de vacinas destinadas à população em situação de rua foi inferior ao das estimativas do próprio IPEA. Verifica-se aí uma violação às Recomendações nºs 152, 153 e 147 da RPU.
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Em 2019, o Ministério da Saúde apresentou dados segundo os quais 17.386 pessoas em situação de rua foram vítimas de violência até 2017. Essa realidade demonstra a violação à Recomendação nº 38, que versa sobre iniciativas e estratégias para combater a discriminação e promover a inclusão das pessoas vulneráveis.
É preciso registrar também que, em diversas cidades do País, agentes públicos retiram pertences pessoais das pessoas em situação de rua, tais como cobertores, colchões, documentos, entre outros, o que incrementa as condições para o ocasionamento de mortes em tempos de frio, de queda de temperaturas. Nessas condutas que verificamos ao longo da atuação das Defensorias Públicas vemos o descumprimento das Recomendações nº 139, 50, 136, 63, 137, 147, 144, 38, 59 e 235.
Sobre crianças e adolescentes em situação de rua, o quadro também é alarmante, sendo que durante a pandemia a situação de vulnerabilidade aumentou, o que viola outras inúmeras recomendações da RPU também.
Gostaria de pontuar rapidamente dois aspectos que também precisamos registrar, que é a violação às mulheres em situação de rua, que, na grande maioria das vezes, são apartadas de seus filhos em razão da grave situação de vulnerabilidade social, ponto que foi registrado no relatório sobre a situação dos direitos humanos do Brasil em 2021, pela CIDH — Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o que viola as Recomendações nº 158, 187, 201 e 212.
Por fim, registro também que o Estado brasileiro tem adotado uma política de priorização de Comunidades Terapêuticas, especialmente a partir de 2018, em detrimento da RAPS — Rede de Atenção Psicossocial, e há graves relatos de violações de direitos humanos nessas comunidades.
Também no relatório da CIDH sobre a situação de direitos humanos do Brasil foram apontadas violações como internamentos forçados, administração arbitrária de medicamentos, trabalhos forçados, violações à liberdade religiosa, dentre outros. Por que cito isso? Porque, infelizmente, a população em situação de rua é alvo fácil da destinação para esses serviços, para essas comunidades. Vemos aí violações às Recomendações nº 152, 153, 155 e 156.
Portanto, o que verificamos, Deputado, é que um único grupo social vulnerabilizado ostenta, de forma grave, transversal e multidimensional, as principais violações de direitos humanos no Brasil, violações essas que foram potencializadas durante a pandemia da COVID-19.
O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Eu que agradeço, Dr. Antonio Vitor.
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Eu vivo na cidade de São Paulo, onde, nos últimos 10 anos, constatamos um aumento de 4 vezes da população em situação de rua. Esses números são impressionantes. Da minha residência anterior, no Bairro da Aclimação, até o centro da cidade, eu passava pelo Bairro do Glicério, que concentra uma quantidade impressionante de pessoas em situação de rua. Nós percebemos a mudança de perfil, inclusive, dessa população ao longo do tempo. Agora vemos famílias inteiras. Você percebe resquícios de utensílios, de mobília de alguém que já teve uma casa algum dia.
Então, eu participo desta audiência pública muito tocado, porque sei da dimensão deste tema. Quando assumi a Presidência desta Comissão, no ato de posse que fizemos no Largo de São Francisco, apresentei a situação da população de rua e políticas públicas para o enfrentamento das dificuldades como um dos eixos de trabalho desta Comissão. Tenho muito orgulho de relatar o projeto do Senador Fabiano Contarato, que eu considero bastante importante, sobre a humanização das nossas cidades com o olhar dessa população.
Eu quero encerrar esta audiência pública agradecendo a cada um e a cada uma que deram contribuições. Quero pedir a cada um e a cada que ofereceram contribuições que, se puderem, sistematizem-nas e as oferecem na forma de agenda legislativa, na forma de controle de agenda do Poder Executivo. Se puderem, que assim o façam. Esta Comissão estará vigilante. Agradeço, portanto, a contribuição de todos.
Rogo ao CNJ que esteja conosco nos próximos dias, para que nós possamos fazer um debate acerca das medidas no âmbito do Poder Legislativo e no âmbito do Poder Judiciário.
Como falou o Prof. Antonio Vitor, tratamos de um grupo populacional que concentra, talvez, uma das principais violações de direitos humanos, porque esse grupo atravessa todas as demais violações, além, evidentemente, da negação do acesso a um teto, a uma moradia.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente audiência pública, antes convocando as seguintes reuniões: 1 - audiência pública sobre os impactos da tese do marco temporal na vida dos povos indígenas, que ocorrerá nesta quinta-feira, dia 23 de junho, às 10 horas, neste Plenário 9; 2 - audiência pública sobre a divulgação da Cartilha Lei Menino Bernardo, que trata da educação de crianças e adolescentes sem violência, conforme determina a Lei Federal nº 13.010, de 2014, que ocorrerá nesta quinta-feira, dia 23 de junho, às 14 horas, também aqui no Plenário 9.
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