Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Declaro aberta a presente audiência pública para debater os processos de concessão de unidades de conservação que ocorrem hoje no cenário nacional.
Procedimentos - Informo que esta audiência pública é interativa. Os internautas que estiverem nos assistindo ao vivo pela Internet poderão deixar os seus comentários e as suas perguntas aos convidados na página do e-Democracia.
Nos termos do Regimento Interno da Casa, os procedimentos serão os seguintes: será concedida a palavra aos expositores da Mesa por até 10 minutos. Os Deputados interessados em fazer perguntas, estritamente sobre o tema, deverão inscrever-se previamente, por meio do aplicativo Infoleg Parlamentar ou pela plataforma virtual, e a palavra lhe será concedida, respeitada a ordem de inscrição, pelo prazo de 3 minutos. Oportunamente, será concedida a palavra aos expositores para respostas e considerações finais. O tempo de comunicação de Liderança poderá ser solicitado e adicionado ao tempo de interpelação desde que respeitada a ordem de inscrição, não podendo ser usado para se obter preferência em relação aos demais inscritos. Será lançada a presença do Parlamentar que, pela plataforma de videoconferência, usar da palavra nesta audiência pública.
Quero, já na abertura, fazer um agradecimento especial ao Dr. Carlos Bocuhy, Presidente do PROAM, à Sra. Ana Beatriz Nestlehner — até o final desta reunião, aprendo como dizer o seu sobrenome, Beatriz —, do movimento contra a concessão do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira — PETAR, e também à Sra. Rafaela Santos, que representa o Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, que nos procurou para fazer este debate, que acontece em âmbito nacional, com relação aos desafios e a toda a problemática da política de criação e concessão das unidades de conservação e de patrimônios públicos, tendo em vista haver, quanto aos aspectos biológicos e à paisagem cultural, razões e interesses difusos, gerais do povo brasileiro quando se cria uma unidade de conservação.
Evidentemente, um dos caminhos que debatemos muito para fazer a própria gestão ou para criar condições de haver novas unidades de conservação e cuidar delas tem tudo a ver também com o debate da concessão.
Por outro lado, já há legislação nacional para as unidades de conservação, o que vemos estar ocorrendo em vários Estados. E os convidados irão trazer aqui à tona um caso exemplar do primeiro parque estadual de São Paulo, se não me engano, o PETAR, que eu conheço muito bem, cujo processo de debate, de concessão e de privatização está completamente torto. Nós vamos tomar conhecimento do que está acontecendo, para termos isso como exemplo a não ser seguido, conforme informações que já tenho. Mas nós vamos aprofundar este debate.
Então, o debate de hoje se dará em termos gerais, mas, ao mesmo tempo, vamos pegar um caso específico para nos aprofundarmos mais neste debate, que é nacional, a fim de que ele seja inspirador não só para as unidades de conservação de âmbito federal, mas também para o debate que está acontecendo em muitos Estados, em especial em São Paulo, onde a discussão segue, digamos, de forma torta.
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O SR. CARLOS ALBERTO HAILER BOCUHY - Obrigado, Deputado. É uma satisfação poder discutir esta questão tão importante, que é a forma de gestão das unidades de conservação.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Sim.
(Segue-se exibição de imagens.)
A primeira questão que nós temos que pensar sobre a unidade de conservação, do ponto de vista de gestão, refere-se às consequências de quando você faz uma privatização ou uma concessão por tempo prolongado ou de quando você lança uma unidade de conservação nas mãos da iniciativa privada. Eu coloco aqui, a título de exemplo, aquilo que Wall Street pratica no mercado de valores: "greed is good", ou seja, ganância é bom. Essa expressão é amplamente conhecida internacionalmente.
Nós temos hoje um grande embate com o setor econômico para mudar a economia, para transformá-la numa economia que seja ambientalmente adequada ao planeta, que seja considerada um subsistema da questão ecológica, e não o contrário. Em relação à realidade hoje no planeta, com todos os esforços da OCDE e das Nações Unidas, as conferências climáticas fazem um embate no sentido de que a questão econômica seja voltada a uma responsabilidade social, ecológica e de gestão, ou seja, o ESG, que são práticas amplamente conhecidas.
Eu vou falar um pouquinho exatamente sobre as implicações das inconsistências e dos conflitos que acabam sendo gerados pela participação da iniciativa privada nesses processos, quando não há critérios nem elementos que sejam balizadores (falha na transmissão).
Em primeiro lugar, queria falar sobre a realidade brasileira, sobre o que é o Brasil. O Brasil é um país megadiverso, com uma realidade biofísica e bioquímica tropical, plena de vida e, portanto, também plena de vulnerabilidades ambientais. À medida que você tem bens a proteger, você também acaba tendo elementos de fragilidade que são inerentes. Eu não preciso me deter muito nesse aspecto. Basta exemplificar o que acontece na Amazônia com a predação pela ocupação do território, pela retirada ilegal de madeira, pela ambição do extrativismo mineral, ou seja, o Brasil está repleto de exemplos de vulnerabilidades que implicam a prática de atividades econômicas sobre áreas de relevância ambiental.
Além da questão ambiental, que é essa fragilidade biofísica e bioquímica, nós temos uma grande vulnerabilidade social das comunidades tradicionais, dos povos da floresta. Essas são questões que têm sido amplamente debatidas, principalmente nos últimos anos, em função das agressões que esses territórios e esses povos têm sofrido.
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Para normatizar a questão ambiental, o Brasil, no período ainda de ditadura militar, estabeleceu alguns regramentos. Por exemplo, a Política Nacional do Meio Ambiente, de 1981, veio justamente para melhorar a imagem do Brasil que estava muito ruim no exterior na fase em que abriu a Transamazônica. O Brasil caminhou, e o próprio Governo militar reconheceu que precisava estabelecer um regramento com relação a isso. Então, nós avançamos com uma normativa bastante avançada, que foi depois acolhida pela própria Constituição Federal, e, posteriormente, nós tivemos a Lei do SNUC, até mesmo para regrar o grande número de unidades de conservação que já havia em território nacional. Então, esses marcos conceituais, esses marcos legais estão muito bem qualificados na nossa democracia. E aí eu gostaria de falar exatamente a partir do ponto em que as discussões começam.
O Estado era tradicionalmente o grande gestor das unidades de conservação no Brasil. Com a falta de investimentos por parte do Estado, começou a haver o sucateamento das unidades de conservação e foi proliferando a ideia de que os territórios especiais à iniciativa privada poderiam ter uma solução de investimento.
Assim, entendo que a gênese da privatização, a gênese da concessão diz respeito a uma leniência do Estado na gestão da coisa pública que se vale da iniciativa privada para resolver o problema econômico. Mas não se considerou que isso representava de fato um conflito de interesse. Quando você concessiona um bem público, bens indisponíveis, como o meio ambiente, que é um bem de toda a população brasileira, você tem um desafio de essência, porque são direitos inalienáveis: você concessiona bens que são inegociáveis, que fazem parte do patrimônio ambiental público, inclusive para as futuras gerações. Estamos falando aqui de uma imensa biodiversidade, sendo o Brasil detentor de 20% do planeta; estamos falando de recursos hídricos, de solo, de ar, de bens que são indisponíveis, e é direito e dever de todo brasileiro protegê-los. Esse é o aspecto de conflito de interesses que eu queria ressaltar.
Quando uma corporação tem estatutariamente o objetivo de gerar lucro e de prestar satisfação aos acionistas, inclusive remunerando-os, quando ela se propõe a gerir um bem público, imediatamente se tem um conflito de interesses estatal. E queria deixar bem clara a ideia sistêmica: gerir bem público é gerar o bem público. Esse raciocínio é muito claro quando você olha a questão sistêmica.
Então, é muito diferente gerir serviços, gerir aquilo que é afeto à própria estrutura, à essência da iniciativa privada, de se gerir aquilo que é um bem público, como a biodiversidade em extinção, a biodiversidade que está nas unidades de conservação e que é preciosíssima para a humanidade e para a nossa sociedade.
Um bom exemplo disso é a questão da privatização da água. Em muitos países, a privatização da água, que é um bem, um direito humano fundamental, acabou sendo revertida a uma reestatização, justamente em função dos conflitos de interesses que levaram à ineficácia dessa gestão. Então, colocar uma linha de corte nesse processo é muito importante. Quando você concessiona facilidades — lanchonetes, (falha na transmissão), equipamentos de lazer —, você está fazendo uma concessão de serviços, que, se for gerenciada de forma adequada, por estar numa área frágil, vulnerável, poderá não gerar conflitos. Mas, quando você concede, por exemplo, a gestão de trilhas pretendendo colocar motociclos em áreas que há espécies em extinção, você acaba gerando um processo em que a proteção ambiental fica renegada a último plano, de modo que o conceito de proteção ambiental torna-se surreal. Desse modo, é muito importante perceber que a capacidade de suporte desses ecossistemas depende de uma visão voltada à gestão dos interesses, pois estamos tratando de áreas muito especiais e muito frágeis.
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Então, as concessões das unidades de conservação estão em andamento e em processo de conflito de interesses, com inconsistências de gestão, falta de critérios, ritos necessários, além da falta de aporte científico e de ampla participação social. Daí, essas inconsistências acabam gerando insegurança jurídica e ações que prejudicam o sistema de gestão.
A título de complementação, Deputado, coloco aqui o contrário da ganância boa: a terra fornece o suficiente para satisfazer as necessidades de todos os homens, mas não a ganância de todos. Enquanto a economia não for devidamente transformada — e esse é o nosso anseio, é a luta das Nações Unidas, é a luta hoje da Comunidade Europeia — em um modelo de sustentabilidade que corrija todo esse processo que advém da revolução industrial, não teremos condições seguras de transferir a gestão de bens públicos para a iniciativa privada por uma questão de essência: o conflito de interesses que ali está instalado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dr. Carlos Bocuhy.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Muito bem. Pode continuar.
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O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Está ótimo.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Está ótimo. Está na primeira página.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Agora, ela mudou.
Eu sou Ana Beatriz Nestlehner Cardoso de Almeida, sou arquiteta, urbanista e planejadora territorial. Sou pesquisadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos da Paisagem do LabHab da FAUUSP e mestre em Planejamento Territorial pela Universidade de Dortmund e pela Universidade das Filipinas. Sou de Iporanga também e faço parte do movimento PETAR Sem Concessão.
(Segue-se exibição de imagens.)
Existem alguns pontos centrais sobre a questão histórica do PETAR e a sua importância no território, que é um local onde se iniciou Iporanga. E, como você mesmo disse, é um dos primeiros parques que teve diversos processos de gestão no território. Depois, o Maurício vai falar sobre isso. Ele é importante para a manutenção da saúde humana e da sociedade. É um hotspot de biodiversidade, a maior biodiversidade por metro quadrado do mundo. Nós temos aqui a maior biodiversidade, que também tem uma relevância ambiental devido à sua dimensão na preservação dentro do Mosaico de Paranapiacaba. A biodiversidade das cavernas acaba sendo colocada em risco, dependendo do seu uso, porque são importantes locais para a manutenção do nosso meio ambiente e do nosso equilíbrio ecológico.
Nós temos diversos sítios arqueológicos. Os portugueses chegaram aqui há 436 anos, mas nós estamos aqui. Os indígenas já passavam por aqui com essa quantidade de sítios arqueológicos existentes e que ainda não foram estudados.
Eu vou fazer uma apresentação sobre a localização, os aspectos gerais, as unidades de conservação em Iporanga, as condições de vulnerabilidade, a linha histórica e os aspectos e contradições do contrato.
Então, para vocês que não sabem onde é o Vale do Ribeira, esta é a nossa paisagem, este é o nosso Rio Ribeira de Iguape. Nós estamos localizados na região sul do Estado de São Paulo, nessa grande mancha verde, que é a maior área preservada de Mata Atlântica do País. Destaco que 75% da Mata Atlântica preservada está localizada no Vale do Ribeira, e nós fazemos parte desse complexo com o maior número de unidades de conservação em mosaico; é um contínuo de unidades de conservação que formam um mosaico. Então, não faz sentido pensar o PETAR apenas de forma isolada e não considerar os aspectos regionais.
Aqui está Iporanga, de que vou falar um pouco, porque 75% do PETAR está em Iporanga, que existe há 436 anos, apesar de ser um Município pequeno.
Estes são aspectos de que o Bocuhy já falou aqui. Nós estamos em agendas internacionais que buscam o desenvolvimento sustentável e acabamos firmando acordos, e elas não nos obrigam a seguir esses acordos, mas acabam influenciando a nossa política devido aos acordos internacionais de transferência de recursos para o desenvolvimento, por exemplo, dos direitos humanos, dos direitos das crianças, dos direitos dos indígenas e dos povos da floresta, que são incorporados à nossa Constituição e à nossa legislação.
Temos aqui os objetivos fundamentais da Constituição voltados a servir ao povo, às funções dos governos, aos nossos direitos e deveres, levando em consideração que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é constitucional e que as leis federais são instrumentos de implementação desses direitos federais. Mas é uma questão de que não preciso falar tanto.
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O SNUC promove o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais e assegura a inclusão da sociedade nos processos de gestão e no monitoramento dessa área. Em relação à receita, existe uma diretriz que assegura, nos casos possíveis, a sustentabilidade econômica das unidades de conservação, lembrando que um parque é uma unidade de conservação que tem como objetivo conservar e preservar a natureza devido à sua importância ecológica e à sua biodiversidade e não tem como função a geração de recursos.
O SIGAP acaba também pegando essa questão relacionada ao SNUC e reforçando a participação da população local em todos esses processos. Há também algumas questões, que sempre são colocadas, no sentido de que o gestor não é obrigado a gerir as unidades de conservação. Mas, na verdade, isso também é definido em nossas legislações estaduais. Porém, não entram aqui.
Então, basicamente há dois tipos de unidades de conservação: de uso sustentável e de proteção integral, que não permitem a moradia de pessoas e tornam essas propriedades públicas. Elas permitem atividades de educação ambiental e de pesquisa, mas essa não é a função delas.
Qual a dimensão do impacto da implementação de unidades de conservação no Município de Iporanga? Iporanga está aqui, 75% do PETAR está no Município, mas 60% são unidades de conservação, e as pessoas tiveram que sair desses lugares ou entraram em conflitos infindáveis em relação ao direito de permanecerem no território. Nós temos três parques, além de 20% de APAs, ou seja, 80% do nosso território são unidades de conservação regidas de acordo com normativa específica. Fora isso, junto com as áreas de preservação, também temos 90% de mata nativa.
Iporanga existe há muito tempo. Os indígenas já estavam aqui. Nós temos sítios arqueológicos, chegamos aqui há 436 anos, no primeiro ciclo do ouro do Brasil, e tínhamos diversas comunidades espalhadas pelo território. E essa implementação acabou gerando esse conflito e até a extinção de dez comunidades históricas aqui de Iporanga. Mas as comunidades acabaram se organizando, por exemplo, a comunidade da Serra, devido às restrições relativas ao PETAR. Hoje em dia, nós vendemos 40 mil ingressos por ano. Essa comunidade específica de Iporanga acabou se adaptando às novas condições e promovendo o desenvolvimento do turismo de base comunitária, que foi organizado e desenvolvido pela própria população. Então, hoje em dia, vendemos 40 mil ingressos por ano. No entanto, a Internet móvel chegou a esse local somente no ano passado. A Internet cabeada chegou a menos de 1 década, 5 anos atrás. Então, todo o desenvolvimento desse turismo aconteceu
em condições extremamente precárias de acesso ao saneamento básico, à infraestrutura, à acessibilidade, à rede elétrica e a outros direitos constitucionais.
Aspectos de vulnerabilidades de Iporanga: 70% da população está inscrita no CadÚnico; metade da população tem renda per capita de meio salário mínimo; 14% da população está ocupada; 75% da população são pretos e pardos; oito comunidades quilombolas são reconhecidas, além das que estão em processo e ainda não foram reconhecidas; alto grau de urbanização e migração externa dos jovens, a perda dos jovens; infraestrutura deficiente e insuficiente.
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Para os senhores terem uma ideia, o PETAR foi fundado em 1958, mas ele já funcionava, já tinha atividade turística. Em 2000, com a implementação do SNUC, determinou-se que as unidades de conservação, os parques, tivessem plano de manejo. Em 2008, nós fomos embargados pelo IBAMA, para que o plano de manejo do PETAR fosse feito. Em 10 anos de discussão participativa, nós desenvolvemos um plano de manejo. Nesse meio tempo, em 2016, foi promulgada a lei que permite a concessão, a desestatização, a terceirização dos parques ambientais do Estado, e o plano de manejo ainda estava sendo feito.
Quando o plano de manejo foi finalizado, nós começamos a receber visitas da Fundação Florestal, dizendo que seria um processo participativo, que, se não fizessem isso, não aconteceria tudo isso. De repente, no meio do ano passado, a Prefeitura, a população pelo menos, ficou sabendo de uma movimentação da Fundação Florestal, e, no dia 22 de outubro do ano passado, foi lançado o edital de consulta pública. Então, ele foi lançado, foi desenvolvido num processo bem excludente, sem a participação das pessoas, trazendo algumas apresentações e, inclusive, divulgando material com falácias, prometendo emprego, como mão de obra, com carteira assinada e coisas assim, para acalmar a população.
A expectativa que tínhamos para o local, em Iporanga, que ainda é tombado como patrimônio mundial, reconhecido como patrimônio mundial, pela Reserva da Biosfera, era o desenvolvimento sustentável, priorizando a população local e garantindo os direitos constitucionais, para que pudéssemos ter, partindo de uma escala local, um desenvolvimento integrado nas demais escalas, inclusive na regional.
O que dizem as agendas de sustentabilidade, a nova agenda urbana, os objetivos do desenvolvimento sustentável, a agenda do clima? A responsabilidade comum, porém diferenciada, é colocada em todas essas agendas, ou seja, a responsabilidade daqueles que mais poluíram, que mais degradaram o meio ambiente, exige a contraposição, o investimento naqueles que são os mais vulneráveis. Por isso, trazemos as questões de vulnerabilidade do Município de Iporanga. Nós tínhamos que ser prioridade na agenda de desenvolvimento, um desenvolvimento centrado nas pessoas, que não deixa ninguém para trás, com assentamentos humanos inclusivos e planejamento participativo e integrado.
Houve diversas manifestações contrárias para entender o que estava acontecendo. E essas manifestações acabaram sendo usadas em processos judiciais, inclusive como comprovação de participação civil, apesar de a população em geral não entender esse processo como participativo nem que tenha sido feito com conversa.
Trata-se de uma concessão de uso de bem público, ou seja, ela prevê a transferência da posse direta.
A concessão prevê a posse direta e a delegação do direito privado das atividades de investimento, conservação, operação, manutenção e exploração econômica da área. Eles dão o direito de exploração da área, inclusive da cobrança dos ingressos de maneira que seja desenvolvida pela própria concessionária.
O problema desse tipo de concessão é que quem planeja o desenvolvimento do território é a própria concessionária e não o Estado. Não há indicativos para desenvolvimento. Não sabemos qual será o desenvolvimento, porque os próprios estudos não foram bons, e também não há esse desenvolvimento. O Estado não realizou esse desenvolvimento, não sabe no que vai dar. Quem vai saber é a concessionária.
Existe uma exclusão. Essa imagem mostra Apiaí, onde está localizado Iporanga. Eles estão investindo o máximo em um núcleo que tira o circuito de turista de Iporanga, que é um dos Municípios mais pobres do Estado de São Paulo, em vez de valorizar, na verdade, o turismo que já acontece, a organização de base comunitária. Eles cedem, por exemplo, as trilhas. Eles querem transformar as trilhas em trechos de uso público para depois passar a exploração exclusiva para a iniciativa privada.
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O Bocuhy já falou dos minijeeps. Para falar minijeeps eles usam três frases paras as pessoas não entenderem. Eles fazem, por exemplo, comparações com cavernas da Austrália. Eles usam o cálculo do custo do turista no último valor do custo do PETAR, de 2,5 milhões, enquanto a média histórica foi de 1 milhão, para tentar mostrar como seria caro, quanto custaria para o turista que visita o parque.
Há diversos setores que são colocados em risco, como as comunidades tradicionais, os diversos impactos que eles poderiam provocar nas três esferas da sustentabilidade. Já houve diversas manifestações contrárias. Foram 21 manifestações individuais; 200 entidades ambientalistas juntamente com o PROAM; congregações acadêmicas; atos solenes com participações de especialistas; mais de 20% da população contrária; 25 mil assinaturas em petições públicas em relação ao PETAR.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Beatriz.
Registro a presença ao vivo do nosso querido Deputado Rodrigo Agostinho, Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista.
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O Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais surge também nesse contexto de luta contra a Lei de Concessões, que autoriza o Estado a fazer esse tipo de concessão.
Hoje vou compartilhar com vocês um pouco desse histórico de luta da região e um pouco de como isso tem se dado em relação a algumas comunidades tradicionais afetadas por esse empreendimento, como a Comunidade Tradicional Cabocla do Ribeirão dos Camargos, o Quilombo de Bombas, de Cangume, de Maria Rosa, de Pilões, de Praia Grande e de Porto Velho, entre outros povos e comunidades tradicionais afetados por essa concessão.
O Vale do Ribeira é uma região que abriga, hoje, mais de 140 povos e comunidades tradicionais e, não por acaso, apresenta também a maior parte da Mata Atlântica preservada do País, muito embora a mesma valorização não se observe em relação às comunidades tradicionais. Dentre essas, muitas são comunidades quilombolas. Foram identificados mais de 88 quilombos na região do Vale do Ribeira, inclusive alguns foram formados desde o primeiro século, desde a invasão e a colonização do território, que é onde viviam e sobrevivem hoje muitos povos indígenas originários dessa terra, que veio a ser intitulada depois por Brasil. Nesse mesmo período, milhares de pessoas negras vindas do continente africano foram escravizadas também neste País, aqui na região, principalmente com trabalho forçado nas minerações. Mas não é só isso, afinal foram mais de 300 anos de exploração formal e escancaradamente legitimada pelo Estado, como ocorreu no período colonial e escravocrata do Brasil.
As comunidades tradicionais aqui da região constituem-se de diversos modos e resistem há centenas de anos a essas injustiças sociais que não se encerraram com o período colonial propriamente institucionalizado, mas se consolidaram e continuam a existir também depois desse período de escravatura. Uma das ameaças que colocamos em relação às comunidades foi a instituição de diversas unidades de conservação na região, criadas sem diálogo, sem planejamento conjunto. Elas pressionam os modos de vidas tradicionais quilombolas, caboclos, caiçaras, indígenas, com a imposição, por exemplo, de restrições aos manejos tradicionais agrícolas e de subsistência dessas comunidades. O Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira — PETAR, criado em 1958, é uma dessas unidades de conservação. Como a Ana Beatriz já colocou, há esse histórico.
(Segue-se exibição de imagens.)
Podemos observar que nessa parte amarela estão as comunidades quilombolas e caboclas. Há outras comunidades também, mas fizemos um levantamento específico com essa, tendo em vista que estamos atuando conjuntamente com elas. Ela é entidade, ela é a tônica do fórum. A parte das informações que foram trazidas (falha na transmissão). Elaboramos também um mapa (falha na transmissão) as áreas de concessões e suas incidentes.
Podemos observar que essa parte vermelha são áreas do PETAR; essa pequena parte em preto, as áreas de zona de amortecimento; em amarelo, as comunidades.
Esses risquinhos amarelos, amarronzados e vermelhos também são as trilhas e as áreas de concessões, que, segundo a Fundação Florestal, serão cedidas a essa empresa.
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Nós podemos observar, inclusive, que uma dessas trilhas passa diretamente pela Comunidade Ribeirão dos Camargo. Na verdade, o Estado omitiu essa informação. O Estado, quando apresentou o projeto, informou que não haveria sobreposição em relação aos territórios, mas vislumbramos que sim, que haverá sobreposições, porque não consideraram as trilhas que dão acesso a essas localidades. Inclusive essas comunidades que foram sobrepostas por essas unidades recolheram e sofrem até hoje com os diversos passivos gerados pelas unidades de conservação, a exemplo do Quilombo Bombas, que até hoje não possui energia elétrica, saneamento básico e estrada de acesso ao território, assim como também fica prejudicado em relação ao acesso à saúde e à educação básica, tendo em vista que não há estrada de qualidade.
Esse contexto também levou muitos moradores dessas comunidades à marginalização e à expulsão. Essas comunidades até hoje têm essas dificuldades em relação a essa unidade de conservação. São vários os passivos que não foram ainda superados, mas, apesar disso, o poder público estadual criou novamente, em 2016, a lei que autoriza a concessão de unidades de conservação, e novamente sem consultar as comunidades que estavam no entorno ou sobrepostas por essas unidades de conservação. Nesse contexto, as comunidades, preocupadas, demandaram a consulta, já naquela época, e promoveram bastantes debates sobre o tema. Ainda assim não foram atendidas, tanto é que as comunidades criaram nesse período o Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais, na busca de articular coletivamente, entre os diversos segmentos de comunidades da região, as lutas diante das ameaças aos territórios.
Entrando também um pouquinho mais diretamente na concessão do PETAR, temos conhecimento que, desde 2018, o Estado vem aportando recursos para dar sequência a esse projeto de concessão, que, obviamente, não foi construído com os moradores tradicionais. Como bem pontuou a Ana Beatriz, não houve qualquer construção conjunta, embora anunciada, de modo que as comunidades tradicionais, quando são citadas nos estudos de viabilidade econômica do projeto, são citadas como atrativos turísticos, junto com igrejas, com cavernas. Elas são listadas ali como atrativos e não como sujeitos de direito. Também, muitas vezes, são citadas, quando citadas, como ameaças à preservação da Unidade de Conservação de Proteção Integral.
Essa narrativa que dá base à concessão reduz a existência dessas comunidades tradicionais e não as trata como deveria, apagando o contexto histórico de resistência, apagando também os conflitos socioambientais que foram gerados com a criação dessa unidade, que não foram até então tratados como deveriam e que precisam ser superados em algum momento.
Inclusive, vou pedir ao Alexandre que passe para o segundo eslaide, para que possamos ver um dos trechos que a Secretaria do Meio Ambiente nos encaminhou, a partir da nossa solicitação de informações, no qual observamos quais são as migalhas que o Estado pretende colocar para a população local.
Podemos observar que eles mencionam que é importante existir incentivo para a contratação de funcionários locais que moram nas áreas de entorno, para trabalhar nos serviços de alimentação, hospedagem, limpeza da concessionária, e incentivo para a contratação de membros das comunidades tradicionais quilombolas da região.
Assim, vislumbramos que tipo de desenvolvimento e até que ponto as comunidades, a população local é envolvida nesse processo. Colocam ali apenas as migalhas que caem da mesa.
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A forma que essa concessão está sendo construída interioriza essas comunidades e as exclui desse projeto, da parceria público-privada, contrariando, inclusive, um dos objetivos da Lei de Concessões, que é de valorizar os modos de vida e desenvolver melhorias econômicas e sociais para essa população.
Essa concessão de 30 anos tem como pressuposto a realização de infraestrutura, o aumento do fluxo de visitantes, como foi dito nas apresentações anteriores. Com essa liberdade de tarifas, vai aumentar, inclusive, o preço da entrada na unidade e alterar o perfil do turismo da região, que terá, ao que tudo indica, viés internacional.
Esse contexto poderá gerar uma sobrecarga dos serviços no Município de Iporanga e nos demais Municípios afetados nessa unidade. Não há dúvida de que o empreendimento promoverá alterações das dinâmicas socioeconômicas, culturais, ambientais, dessa região. Isso pode intensificar e gerar ainda mais impactos nessas populações. Aliás, há um estudo que foi feito, em 2002, 2003, que trata dos impactos do turismo na região do Vale do Ribeira, que constata o aumento de uso de álcool e de outras drogas pelos turistas, a ampliação de transmissão de HIV, assim como do assédio e do abuso sexual. É isso que precisamos conter na região e pensar de uma forma que isso não venha a acontecer novamente ou intensificar.
O aumento da presença de pessoas, possivelmente, com maior poder aquisitivo, também pode mudar permanentemente o local, através de um processo que nós chamamos de gentrificação, que, via de regra, aumenta a especulação imobiliária, o custo de vida local, e ressignifica a cultura e o histórico desse local, afinal se prepara o lugar para a chegada dos turistas.
Falamos de um Município de 5 mil habitantes, e, possivelmente, a concessionária que chegar vai dominar o cenário econômico, cultural e político da região. Podemos observar, inclusive, alguns impactos desse projeto nas comunidades. A celeridade que o Estado conduz esse projeto de concessão não é a mesma em relação ao avanço das comunidades tradicionais, como, por exemplo, o Quilombo Bombas. Desde 2015, há uma decisão judicial determinando que a Fundação Florestal construa uma estrada de acesso a essa comunidade, mas até então não saiu do papel.
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As comunidades ficarão praticamente impossibilitadas também de desenvolver um turismo de base comunitária, afinal, como é que vão competir com um empreendimento como esse?
Há que se destacar inclusive que não há qualquer estudo de impacto socioambiental desse projeto de concessão sobre os territórios. Inclusive há umas recomendações do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Paraná que determinam que o Estado realize esse estudo de impactos, afinal, assim é possível pensar em formas de compensar, de mitigar e evitar esses riscos que a atividade pode representar para as comunidades e para a população local. Mas novamente o Estado até então não fez sequer um estudo.
Esperamos também que seja de conhecimento de todos aqui que o ponto principal é que as comunidades sejam consultadas, através de procedimento adequado de consulta prévia, livre e informada, sobre esse empreendimento que vai afetá-las, algo com o qual o Estado não se comprometeu. O Estado precisa recolher de fato as contribuições, levar de fato as demandas das comunidades e incorporá-las num eventual projeto, não necessariamente nesse projeto, afinal de contas, é preciso pensar que é importante haver um planejamento conjunto. É importante (falha na transmissão) por que não pensar em uma parceria que trate do turismo de base comunitária, o que nós já colocamos como sendo algo bastante importante e já desenvolvido aqui na região.
Também gostaria de destacar que há um TAC que veda inclusive esse tipo de instrumento de concessão, feito pelo Ministério Público Federal. Também quero destacar que as cavernas são bens da União. Embora o projeto afirme que não vai conceder as cavernas às concessionárias, vai conceder as trilhas que dão acesso a essas cavernas e vai conceder também a (ininteligível) dessas cavernas a essa concessionária. É importante colocar também que isso é uma coisa que já está vedada por esse TAC e também por esse bem se tratar da União.
A concessão, até onde vislumbramos, não é onerosa, afinal de contas ela está sendo entregue praticamente de graça para uma empresa que tem grande poder aquisitivo.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Muito obrigado, Rafaela. Antes que eu me esqueça, manda um abraço para toda a comunidade de Porto Velho e para o seu pai, o Osvaldo. Obrigado.
(Segue-se exibição de imagens.)
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O meu tema, nos 10 minutos, agora já um pouco menos, é justamente sobre o que a Rafaela acabou de colocar — nós não combinamos nada, foi uma coincidência —, justamente sobre o papel, a importância das avaliações de impacto como subsídio, como fundamentação e como um processo apropriado para a tomada de decisões que possam ter impactos importantes, significativos, seja sobre o ambiente, seja sobre a sociedade, seja mesmo sobre condições econômicas de uma comunidade. Então eu vou justamente defender isso.
Essa é uma foto do PETAR, que é uma região que conheci e frequentei bastante há muito tempo. Tenho especial apreço pelo Vale do Rio Betari. Parte inclusive da minha atividade profissional atual tem origem no período em que eu o frequentava bastante como espeleólogo.
Bom, então o meu ponto é a utilidade, a necessidade de avaliações de impacto como fundamento de decisões como essa de concessões de parque.
Então eu vou falar um pouquinho sobre os fundamentos. Afinal de contas, por que avaliar os impactos? Nós temos diferentes fontes: uma ferramenta, uma abordagem de aplicação internacional. Nós temos, por exemplo, a Declaração do Rio de 1992, um dos principais documentos da Conferência do Rio de 1992, cujo Princípio 17 trata justamente da avaliação de impactos ambientais para todas aquelas atividades que possam ter algum impacto adverso, algum impacto negativo sobre populações, sobre o ambiente.
Mais recentemente foi publicado um documento, em dezembro do ano passado, com toda a preocupação e a necessidade de tratarmos conjuntamente os diversos objetivos do desenvolvimento sustentável, as ações de desenvolvimento econômico que contribuam, no fim, para atingir esses objetivos de desenvolvimento sustentável de maneira tanto quanto possível harmoniosa, e não impeçam ou dificultem que certos objetivos sejam atingidos. Esse documento é do Conselho Econômico e Social da ONU e dá orientações, diretrizes, recomendações, particularmente para Governos e para funcionários de Governos, sobre como e quando utilizar avaliações de impacto ambiental, independentemente de ser uma exigência legal.
No Brasil ocorre, infelizmente, a redução da aplicação da avaliação de impactos exclusivamente a decisões e a casos de licenciamento ambiental. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente é muito mais ampla, muito mais abrangente, e não reduz, não restringe a aplicação das avaliações de impacto exclusivamente a decisões de licenciamento.
Nós temos outras fontes, outros documentos internacionais, como, por exemplo, a Convenção da Diversidade Biológica, que também conclama os países a avaliarem antecipadamente as consequências especificamente para a biodiversidade, uma vez que é o assunto desse documento, dessa convenção, tanto de projetos quanto de decisões de políticas públicas, planos e programas que possam ter um efeito negativo e significativo sobre condições de vida e qualidade ambiental. Então há diversas origens, diversas fontes.
A avaliação dos impactos efetivamente é utilizada em diferentes contextos e por diferentes agentes. Estão aqui na tela alguns exemplos. O Banco Mundial, na sua mais recente edição dos seus padrões e da sua estrutura ambiental e social, fez um apelo muito firme e mais denso ainda do que antes,
aplicando internamente procedimento de avaliação de impactos, especificamente no setor de áreas protegidas e unidades de conservação. Há o exemplo também da União Internacional para a Conservação da Natureza, que defende e integra a utilização das avaliações de impacto na gestão de áreas protegidas. Eles têm uma atuação particularmente importante com o patrimônio mundial. Os Estados Unidos são um exemplo de país em que o serviço de parques avalia os impactos relativos a decisões sobre planos de manejo, diferentes usos recreativos e turísticos de parques e outras unidades de conservação.
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Essa é uma prática bem estabelecida internacionalmente e há métodos bem conhecidos para sua realização. Então, por que não se usa isso? Essa talvez seja uma pergunta chave a se colocar no caso das concessões de parques, particularmente no caso do PETAR.
Este é o conceito mais simples e básico possível sobre o que significa avaliar os impactos: é olhar para o futuro, é pensar antes de agir, é antecipar as consequências futuras de decisões que serão tomadas agora. Decisões sobre concessão de parque se enquadram como luva, perfeitamente, nesse campo de aplicação, nessa forma de tomar decisões mais transparentes, mais estruturadas, mais sistemáticas.
Costumamos dizer que as avaliações de impacto devem ser feitas antes das tomadas de decisão. Elas devem orientá-las no sentido de evitar os impactos negativos, de minimizar os impactos que não puderem ser evitados, e, quando aplicável, apontar medidas de compensação. Mas, particularmente, as avaliações de impacto não deviam esperar os projetos ou os planos e as políticas estarem prontos. Eles deveriam se beneficiar das metodologias e das abordagens das avaliações de impacto durante a sua preparação, quando se está planejando. Vai-se planejar uma concessão ou uma nova unidade de conservação, então como avaliar os impactos dessa decisão a ser tomada? Como melhor informar essa decisão?
Minha mensagem principal é que decisões sobre concessão de unidades de conservação deveriam ter seus impactos avaliados previamente. Coloca-se nesta audiência pública a questão: deveria haver concessões? Evidentemente, essa é uma discussão perfeitamente legítima, mas deve-se colocar também a questão de que, caso se encaminhe nessa direção, como deveriam ser feitas as concessões? Quais condições e restrições deveriam ser aplicadas? Nesse sentido, a avaliação de impactos pode aprimorar a tomada de decisões sobre o uso em geral de unidades de conservação, não apenas por concessão, porque ela facilita a identificação, de uma maneira sistemática, ordenada e integrada, dos impactos não apenas ambientais propriamente ditos — ecológicos e de biodiversidade —, mas também sociais, culturais e econômicos.
Nisso se identificam oportunidades de melhoria, de aprimoramento desses projetos ou planos. Identifica-se a necessidade de medidas a serem adotadas. A contratação de mão de obra junto às comunidades locais poderia ser uma das medidas. Ela seria suficiente? Ela é adequada? Ela é satisfatória no contexto dos impactos que poderão ser causados por essa decisão de concessão? Essa é uma forma também de estruturar a informação a todos os interessados, particularmente as comunidades afetadas ou as comunidades vizinhas.
E deve facilitar diferentes formas de participação pública, inclusive quando aplicável o conceito de consulta livre, prévia e informada.
De modo geral, avaliando os impactos, seguindo metodologias bem estabelecidas, há maior transparência e, portanto, maior credibilidade desses processos decisórios.
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Então, a mensagem principal — e esta é uma captura de página do próprio Governo do Estado de São Paulo sobre o parque — é que é preciso avaliar os impactos ambientais e sociais antes da tomada de decisões sobre concessões de unidades de conservação. Existe amparo legal claro para isso, existem métodos e formas de trabalhar muito bem estabelecidas e existe grande competência e conhecimento entre os próprios técnicos do Governo Estadual.
Obrigado pela oportunidade. Eu vou poder ficar mais alguns minutos. Sei que o Maurício será o próximo a falar. Vou poder assistir um pouquinho à participação dele, mas, infelizmente, como eu tenho essa aula ao mesmo tempo, não vou poder acompanhar todas as discussões. Se houver perguntas ou se quiserem algum esclarecimento, estou à disposição para uma comunicação posterior.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Prof. Sanchez. Agradeço novamente, porque nos atende toda vez que nós aqui da Câmara pedimos o seu apoio, a sua ajuda. Eu o libero para já ir à aula. Se houver alguma questão específica, depois entraremos em contato com o senhor. Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Passo agora a palavra para o Maurício de Alcântara Marinho, bacharel em geografia, especialista no planejamento e gestão de áreas protegidas. O Maurício Marinho é um grande conhecedor do Vale do Ribeira e também já foi gestor, se eu não me engano, do Parque Estadual Intervales.
(Segue-se exibição de imagens.)
A primeira coisa que eu queria destacar é que hoje é aniversário do PETAR, que faz 64 anos, um dos parques estaduais mais antigos do Estado de São Paulo.
A seguir vemos algumas paisagens que caracterizam o Parque, como a área da Mata Atlântica e a Gruta Casa de Pedra, que é a mais conhecida, até então o maior pórtico de entrada do mundo e de uma riqueza cultural imensa.
Alguns aspectos eu queria destacar. Desde o final do século XIX e começo do século XX, a região começou a ser estudada por naturalistas, o que acabou resultando na desapropriação de alguns imóveis em 1910, na área conhecida hoje como Núcleo Caboclos. Por conta da inviabilidade da mineração no parque, também se verificou a necessidade e o interesse de se criar um parque com finalidade turística. Então, em 1958 foi criado o PEAR — Parque Estadual do Alto Ribeira —, depois transformado em PETAR — Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira.
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Nos anos 60 e 70, o Núcleo Santana começou a ser objeto de visitação, principalmente a partir da iniciativa da Prefeitura de Iporanga. Na década de 80, a Sociedade Brasileira de Espeleologia, junto com outras entidades, mobilizou uma ação para a implantação do parque. Em 1983, junto à SUDELPA, houve a implantação do projeto PETAR, considerado um marco para o início das atividades da implantação do parque.
Eu tive a oportunidade de participar da primeira equipe do PETAR, em 1995. Há um longo histórico de trabalho e dedicação no PETAR e também no Vale do Ribeira e em Alto Paranapanema.
Eu queria destacar que hoje o parque conta, somente em Iporanga, com cerca de 300 monitores ambientais, 25 pousadas e 15 agências. Isso mostra um pouco da importância do parque em termos de geração de trabalho e renda. Ele foi objeto de vários estudos e projetos, inclusive o Projeto do Ecoturismo da Mata Atlântica e os planos de manejos espeleológicos que o parque concentrou.
Dos 32 planos de cavernas, 20 deles foram feitos no PETAR. Nos projetos regionais, estão o Fórum de Turismo e o Plano Cavernas da Mata Atlântica, desenvolvidos no âmbito de Secretaria de Estado de Turismo. Nos Municípios, foi criado o CODIVAR, que é o Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Vale do Ribeira.
No projeto de concessão que a Beatriz Nestlehner já abordou, um dos aspectos que eu e vários especialistas consideramos um problema, um vício de origem dessa lei que foi aprovada é a concessão das áreas e serviços no parque. Este é um tema bastante polêmico, inclusive os especialistas consideram que esta área não é interessante.
Há uma série de problemas relacionados a esse processo de concessão, inclusive o processo, como um todo, de consulta pública. Além disso, há a inconformidade com o plano de manejo do parque e a falta de uma consulta ao Conselho Consultivo do parque. Foi feita recentemente uma reunião, mas, até então, o Conselho não se manifestou em relação ao processo exigido pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, que foi instituído pela Lei nº 1.985, de 2000.
Há outro aspecto que eu queria destacar que é o plano de manejo do parque. No Programa de Uso Público, na sua diretriz primeira, está previsto que as ações de médio e longo prazos que envolvam estudos específicos devem ser feitas a partir de um plano de uso público completo. Inclusive, o plano de manejo dá orientações sobre como fazer esse plano, aproveitando materiais que foram gerados no próprio plano, e a necessidade de se fazer esses estudos. Isso reforça o que o Luis Enrique Sánchez falou em relação à questão dos impactos ambientais e a outras recomendações feitas por especialistas. Então, a ação prioritária do Programa de Uso Público do parque é organizar esse plano de uso público, que não foi feito.
Há outro aspecto que se refere ao zoneamento do parque. Existe uma série de zonas com classificações como zona primitiva, zona de uso extensivo e zona intangível.
Apesar de ser colocado que a área de concessão é uma área pequena em relação à área do parque, ela atravessa uma série de zonas com fusos — alguns mais restritivos outros menos — e muitas vezes existem algumas incompatibilidades de uso. E podem ocorrer impactos ambientais a partir de atividades realizadas nessas áreas.
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Além disso, na área em si, além do impacto mais local, há também um impacto regional por estar se tratando praticamente de todas as atividades de uso público do parque que mantêm toda essa rede de serviços da região. Isso ocorre não só na região de Iporanga, mas também de Itaóca e Ribeirão Grande, que são Municípios vizinhos e fazem parte da zona de amortecimento do parque.
Alguns instrumentos são importantes para podermos entender um pouco mais as diretrizes em relação à governança de áreas protegidas. Eu trouxe algumas referências como a questão dos princípios do turismo de base comunitária. Inclusive o Programa de Educação Ambiental do PETAR tem uma unidade específica de educação ambiental que fala da necessidade de se desenvolver e incentivar o turismo de base comunitária.
Quando vemos a questão dos princípios, começamos a refletir sobre alguns conflitos que surgem justamente nesse processo de não consulta ou de consulta feita de forma muito rápida, sem realmente um tempo suficiente para que as comunidades, os prestadores de serviços, os monitores ambientais possam se apropriar desse projeto de concessão.
Da mesma forma, existem esses aspectos nas diretrizes da Estratégia Nacional de Comunicação e Educação Ambiental em Unidades de Conservação. Eu ressalto que a isonomia e a equidade entre grupos sociais e interinstitucionais têm que ser garantidas, que trata dos desiguais e das pessoas em situações de igualdade de condições objetivas para participar dos diversos processos relacionados à criação, implantação, redelimitação e gestão das UCs. Na verdade, isso não está sendo feito — até reforçando o que a Bia colocou — devido a todas as dificuldades de comunicação que existem na região.
Vou trazer um estudo para vocês do que foi publicado recentemente. O Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas, vinculado à Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, junto com o Instituto Linha d'Água e com um grupo de advogados, realizaram um estudo sobre o controle... (Falha na transmissão.)
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Maurício, veja se o senhor não desligou o seu microfone ou se ele travou. Será que caiu a conexão?
(Pausa.)
Acho que houve um problema com a Internet do Maurício. Nós podemos seguir adiante e depois abrir um espaço para ele fazer a conclusão do pensamento que estava apresentando.
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O SR. RODRIGO JUSTUS DE BRITO - Deputado Nilto Tatto, Deputado Rodrigo Agostinho e demais participantes, agradeço-lhes, em nome da CNA, por este convite.
Assistindo aqui às demais apresentações, nota-se que há um conjunto de preocupações relacionadas às populações que vivem na região onde se encontra o PETAR de que haveria um prejuízo a essas comunidades, aos pequenos produtores, aos quilombolas, à população em geral dessa região e que haveria certa falta de planejamento e de avaliação dos impactos socioambientais nessas comunidades.
Inclusive, para uma compreensão mais ampla dessa situação, seria importante e necessária a presença também do órgão gestor da unidade de conservação para prestar os devidos esclarecimentos em relação a pontos que foram trazidos aqui. Eles são efetivamente importantes, como é o caso da verificação, se foram cumpridas todas as premissas e os requisitos legais para a própria concessão dessa unidade de conservação.
Trata-se da concessão de um bem público, de um parque, que é uma delegação feita mediante licitação e que deve ser precedida da aprovação de um plano de manejo que tenha estudos relacionados não só às potencialidades, mas também às fragilidades e aos impactos que venham a causar. Se eventualmente esses impactos não foram considerados — e existem prejuízos aí —, seria o caso de haver a própria revisão desse plano de manejo, até porque, como resultado de uma concessão, espera-se não apenas a questão econômica daquele que venha a receber essa concessão, do concessionário, mas também que se possa gerar empregos, negócios e oportunidades para as populações no interior da unidade de conservação — no caso de um parque, na verdade, não pode haver ocupação dentro; essas pessoas devem ser indenizadas, devidamente indenizadas, compensadas e retiradas —, bem como para aquelas que vivem na região onde essa unidade de conservação está inserida, para haver uma dinamização dessa economia regional, com o aumento da oportunidade de empregos diretos e indiretos, a ocupação dessas pessoas e a qualificação delas para trabalharem em empregos diretos e indiretos no dia a dia da unidade de conservação, como guias, em serviços de infraestrutura etc.
Há a questão da indenização pelo prejuízo aos afetados. Nós temos participado aqui de ene audiências públicas, até com o próprio Deputado Rodrigo Agostinho, relacionadas à questão da indenização relativa às áreas privadas. Às vezes, onde é criada a unidade de conservação, as pessoas não são pagas, sejam os produtores ou outros ocupantes.
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Na última apresentação que foi feita aqui, acho que foi a do Maurício, foi colocado que o plano de manejo, supostamente, teria problemas, porque ele deveria ser precedido de uma série de estudos. Na verdade, o plano de manejo remete a uma situação posterior à concessão, estudos e levantamentos. Então, se isso efetivamente aconteceu, talvez não fosse o caso e seja um tanto precipitado fazer a licitação da concessão sem que haja a avaliação desses impactos que as pessoas venham a sofrer.
Eu vejo com preocupação as questões que foram aqui postas, mas repito que, talvez, Deputado, fosse o caso de, numa outra oportunidade, serem convidados também os responsáveis pelo órgão gestor, para trazerem aqui respostas mais concretas, tendo em vista que há uma ampla mobilização nesse sentido. Eu não sei se existem ações judiciais, como é que está a questão.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dr. Rodrigo.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Você estava concluindo. Então termina, que depois eu tenho algumas questões para nós fazermos a rodada final.
O SR. MAURÍCIO DE ALCÂNTARA MARINHO - Então, eu vou concluir. Desculpe-me, porque eu estava falando e estava vendo a minha tela, mas não estava vendo V.Exas. Então, eu estava falando aqui e não sabia que não estava apresentando.
Eu queria só destacar que, na verdade, esse processo todo deveria seguir uma linha ao contrário, não a linha de a comunidade e todos os prestadores de serviço, monitores ambientais, pousadas, agências se adaptarem a um modelo de concessão único; pelo contrário, de a proposta ser adaptada ao contexto do parque, das suas particularidades e da sua realidade, porque isso é uma coisa que foi construída durante décadas, a forma como funciona o uso público. Nós temos que lembrar que o uso público não é só por turismo, ele também envolve a educação ambiental, envolve a pesquisa e o acesso aos pesquisadores nessas bases.
Estudo do Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas — OPAP traz algumas alternativas, alguns arranjos institucionais que podem ser desenvolvidos justamente para isso. Ele vai muito além de uma proposta de concessão para uma empresa que visa somente o lucro. Então, ele tem a questão de buscar o controle social efetivo dessas comunidades, também respeitando todos os processos, garantindo, na verdade, a inclusão dessas comunidades, e não a exclusão.
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Os estudos prévios de viabilidade somente foram disponibilizados a partir de solicitação pela Lei da Transparência, porque até então não haviam sido informados, mas são estudos que têm muitos problemas técnicos na sua elaboração. Diversas atividades previstas para a implantação pela concessionária, incluindo novos roteiros e atividades, não estão previstas no plano de manejo e existe incompatibilidade de atividades previstas em relação ao zoneamento do parque.
Por fim, o projeto desconsidera e não atende os princípios de controle social, participação, equidade, emancipação e outras formas de gestão. Como eu mencionei, existem outras possibilidades, e nós temos que rever isso.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Maurício.
Eu recebi algumas questões, pelo canal e-Democracia, que eu vou ler. Depois, nós vamos inverter a ordem, e concederei 2 minutos para que os senhores façam as considerações finais — evidentemente, dependendo da pergunta, pode-se chegar aos 3 minutos — para nós não estourarmos muito o tempo da audiência.
O Marcus Aguiar fez algumas perguntas aqui: "Rafaela, não seria razoável o Estado recategorizar as áreas por ti citadas para monumento natural ou unidade de uso sustentável?" Para a Ana Beatriz: "O Instituto Semeia é um dos promotores da concessão do PETAR?" Aí ele faz uma pergunta geral: "Parte relevante das unidades de conservação está constituída em áreas privadas ou tradicionais. No Rio de Janeiro, cerca de 90% das unidades de conservação de proteção integral estaduais estão em áreas não regularizadas, em sua maioria privadas. Por que não incluir os atores locais por meio da conservação voluntária e pagamento por serviços ambientais?"
O Fábio Luis Sanches pergunta para o Bocuhy : "O papel do Governo Estadual é entrar no mercado de carbono apenas como doador de áreas? Só as empresas ganham? O que o Estado pode ganhar preservando o seu ativo ambiental?" O Fábio ainda faz uma pergunta geral: "Senhores, o que pode ser feito para a preservação do patrimônio paulista, já que as concessões são políticas de governo, mas afetarão as próximas gerações?" Deve ser "as próximas gerações". Está escrito "oito gestões estaduais", mas imagino que seja "as próximas gerações".
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O SR. RODRIGO JUSTUS DE BRITO - Falando em áreas privadas — houve até uma discussão, dias atrás, com o próprio Deputado Rodrigo Agostinho —, essa questão é séria. Isso é criado em cima de áreas privadas — sejam pequenos, sejam médios, sejam grandes produtores — e depois não é pago. Vejam que, no próprio Parque Nacional do Itatiaia, a unidade de conservação mais velha do Brasil, até hoje, não foram pagas as pessoas que estão lá, as famílias que estão lá. É uma grande dificuldade isso, porque não se pode implementar o parque direito, não se pode fazer a concessão do parque, não se pode fazer a gestão do parque e, de outro lado, essas pessoas não podem usar um patrimônio que está lá há décadas e que era dos seus antecessores. Então, essa é uma questão que precisa ser resolvida e que esta Casa tem discutido.
Como considerações finais, eu vejo que, se for entendido que esta discussão deve continuar, o Governo do Estado de São Paulo deve ser convidado para trazer aqui as explicações necessárias — se é que ele tem se recusado a trazer esses elementos ou a discuti-los — de forma que essas populações, que esses moradores não venham a ser prejudicados pelo processo da concessão ou de cogestão dessa unidade de conservação.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Justus.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - "Senhores, o que pode ser feito para a preservação do patrimônio paulista, já que as concessões são políticas de Governo, mas que afetarão as próximas gerações?"
O SR. MAURÍCIO DE ALCÂNTARA MARINHO - Então, nesse aspecto, eu acho que existe uma questão básica de necessidade de reestruturação do sistema ambiental. Em todos os países que fazem processos de concessão, existem serviços de parque ou mesmo órgãos de planejamento e de gestão de unidades de conservação. Lá fora são chamadas de áreas protegidas, são sistemas fortes. Acho que o melhor exemplo são os próprios Estados Unidos, que têm um sistema público muito eficiente para garantir esses processos. Então, esse é um aspecto.
O outro aspecto, na verdade, é considerar e reforçar as iniciativas locais das comunidades nesse processo. Então, no Vale do Ribeira, há vários exemplos de áreas que são mantidas há mais de 20 anos junto à comunidade — em vários parques inclusive, não só no PETAR — e que poderiam ser reconhecidas e legitimadas, para se fazer uma coisa que chamamos de gestão compartilhada ou cogestão.
Lembro que há os planos de manejo, que foram feitos com muito esforço, com muita dedicação, com muito envolvimento. O PETAR é um exemplo de parque que foi construído dessa forma. Na verdade, já há todas essas orientações, inclusive em relação à questão das comunidades e de como deve ser feito esse processo. Então, temos que implementar os planos de manejo e garantir a participação nesse processo.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Maurício.
A SRA. RAFAELA SANTOS - Vou responder à primeira pergunta, que é um pouco mais em relação à recategorização das áreas. Inclusive, a Comunidade Cabocla de Ribeirão dos Camargo, que está hoje sob a posse da Unidade de Conservação do PETAR, já demandou a recategorização para uma RDS — Reserva de Desenvolvimento Sustentável, algo que até então não avançou. A comunidade até estranhou quando o Estado anunciou a concessão, mas ele não tem trabalhado com a comunidade para que haja a mudança dessa categoria de unidade.
Essa demanda está presente. Além dela, há a necessidade de desafetação de algumas áreas, como ocorre, por exemplo, na comunidade de Bombas.
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São possibilidades que existem em vez da retirada da comunidade da sua área, porque sabemos como isso pode gerar danos irreversíveis a essa comunidade, ainda mais quando falamos de comunidades tradicionais, que têm modo de vida coletivo e cultura próprios.
Isso não é algo tão fácil e tem que ser trabalhado conjuntamente com a comunidade, para evitar que haja danos irreversíveis a ela. Embora, como eu disse anteriormente, não necessariamente o fato de não conceder os territórios evite que haja impactos nesses territórios, afinal, eles estão no entorno e sobrepostos pelo parque. Inclusive, na comunidade cabocla as trilhas passam pela comunidade. Portanto, tem de haver um diálogo efetivo.
Nas considerações finais, o que tem que ser feito em relação ao patrimônio paulista é conhecê-lo, como um todo, e reforçar as iniciativas locais, como bem disse o Maurício. Além disso, temos o reconhecimento de algumas parcerias, como, por exemplo, a atividade de monitoria ambiental no Parque Estadual da Caverna do Diabo. Essa é uma parceria com a Fundação Florestal que deu certo, mas que não é colocada como possibilidade nesse caso.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Dra. Rafaela.
A SRA. ANA BEATRIZ NESTLEHNER - Em relação ao Semeia, esse instituto não é propositor da proposta de concessão.
É complicada a questão da concessão. O que é uma concessão? A concessão é um instrumento de desestatização, ou seja, de tirar da mão do Estado a gestão ou o domínio sobre um serviço ou um bem do Estado. Existem diversos modelos de concessão — conforme Bocuhy colocou, e nós já falamos diversas vezes. Você pode concessionar, terceirizar uma lojinha. Mas a palavra concessão significa terceirização a longo prazo. Caso contrário, ela teria outro nome como, por exemplo, permissão de uso, aluguel ou arrendamento. Então, concessão é algo que acontece num período determinado e a longo prazo.
No mundo inteiro, está havendo projetos de concessões que podem até ser promissores quando há também um projeto de desenvolvimento. O que falta, no caso do PETAR, é um projeto de desenvolvimento elaborado pelo Estado em conjunto com a população e que seja inclusivo, de fato, num lugar não há acesso a Internet, num lugar onde não há literatura digital, num lugar onde as pessoas estão ainda se adaptando na implementação da unidade de conservação.
Então, se nós ainda estamos nos adaptando em relação à unidade de conservação, se temos — como disse a advogada Rafaela — conflitos infindáveis de 20 anos, de 200 anos para reconhecimento de uma comunidade tradicional, e de repente um projeto de concessão sai em 1 ano, isso é pelo menos injusto.
Gostaria de trazer a atenção também em relação aos protocolos de consulta pública não apenas das comunidades tradicionais,
mas das unidades de conservação e das áreas verdes do Estado ou da Federação, seja lá como for. Não há nada que normatize, na verdade, que direcione como essa consulta ou essa participação da população, que é colocada no SNUC e nas legislações derivadas, deva ser feita com a população. Apesar de se afirmar que deve se envolver a população, apesar de se afirmar que a população tem que participar dos processos de projeto, gestão, monitoramento, etc, isso não acontece de fato, porque também não há um protocolo.
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Ainda, no caso do PETAR, há uma exclusão da população local e mesmo dos empreendedores. Por exemplo, o contrato exige um capital social de 9 milhões de reais, e mesmo que se consorciem os empreendedores, eles não vão ter 9 milhões de reais. Então, exclui-se também a participação da população, mesmo que os empreendedores daqui quisessem participar desse processo de licitação.
Esse não é um projeto do Instituto Semeia. Há discussões sobre concessões de serviço. Nesse caso, o Governo é obrigado a planejar cenários com indicadores de desenvolvimento e a saber exatamente quais são os serviços que está licitando. Foi isto o que faltou no PETAR: planejamento. Acusam-nos de falta de contribuição técnica em relação ao projeto, apesar de todas as manifestações que nós já tivemos.
Como foi colocado pelo Justus, a Fundação Florestal repete veementemente que o processo foi participativo. Nós não conseguimos nos reunir com a Fundação Florestal até que uma audiência pública em âmbito estadual foi chamada pela Comissão de Sustentabilidade e Meio Ambiente. Senão, nós não teríamos falado isso com ela. Essa questão também apareceu.
Só para finalizar, quero esclarecer algo que foi colocado, mas não foi perguntado: o plano de manejo, que foi feito com dados consistentes, define que tem que haver uma comissão de concessão para o desenvolvimento do processo de terceirização — e isso não foi feito. Ou seja, o próprio processo de concessão não está seguindo as normativas do plano de manejo. Usa-se também o plano de manejo como uma Bíblia.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Peço que conclua, Bia.
A SRA. ANA BEATRIZ NESTLEHNER - Enfim, eu gostaria de concluir dessa maneira. Para um desenvolvimento sustentável, temos que ter conclusões e planejamentos em cima de dados. Mas não foram feitos dados dos impactos de sustentabilidade para o desenvolvimento da população local, não foram feitas nem estratégias para isso. E só conseguiremos sustentabilidade se tivermos um planejamento que seja racional, em cima de dados técnicos e científicos de fato.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Beatriz.
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O que eu tenho a dizer nesse aspecto é que o Estado de São Paulo passa por um processo de governança similar ao que se deu na área federal. Nós chamamos isso de backlash, que é um processo civilizatório. A questão ambiental avançou bastante. Depois, alguns setores que perderam economicamente com isso tentam retomar esse espaço e permeiam o Estado.
Então, hoje a governança em São Paulo representa uma crise de governança, tanto é que o Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo está judicializado; as unidades de conservação e as concessões estão sendo judicializadas; os institutos de pesquisa do Estado de São Paulo — geológico, botânico e florestal — foram extintos, e há uma judicialização nesse sentido. Quer dizer, existe todo um aparato governamental fragilizado por uma governança que tem se demonstrado insuficiente, porque foi reduzida a uma situação de subsecretaria.
Então, hoje São Paulo precisa, em termos de política para a governança, reconstruir o seu patrimônio e a sua tradição na defesa do meio ambiente dentro do setor estatal. É isso o que esperamos que ocorra nos próximos tempos para evitar questões como estas do PETAR, que são um indicador desse tipo de gestão, com uma deficiência conceitual, uma deficiência no sentido de participação social e de consulta pública, uma deficiência na área de planejamento. Pior, essa gestão está descontextualizada com o momento de emergência climática que nós estamos atravessando hoje, porque as medidas de adaptação praticamente estão lançadas ao mercado. Quer dizer, a anuência do setor produtivo ou dos setores econômicos é que vai determinar esses avanços. Isso é um absurdo!
São Paulo tem que se livrar de ser refém do setor industrial, econômico, agrícola. Os setores produtores interferem nas políticas públicas ambientais, mas a questão ambiental precede tudo isso: ela é emergente, ela é urgente. Então, nós temos que nos livrar desse passivo. Senão, vamos acabar muito próximos — acho que já estamos —, como disse a Ministra do Supremo Tribunal Federal, do estado de coisas inconstitucional, onde há desconformidades em várias situações, judicialização em várias situações. Isso demonstra que se perdeu o empoderamento da questão ambiental como elemento transformador, como elemento de diálogo com outros setoriais privados e de governo para se fazer um modelo de sustentabilidade.
O SR. PRESIDENTE (Nilto Tatto. PT - SP) - Obrigado, Bocuhy.
Quero também fazer algumas considerações finais, mas primeiro agradeço ao Carlos Bocuhy, à Ana Beatriz, à Rafaela Santos, ao Maurício Marinho, ao Prof. Luis Sánchez e ao Rodrigo Justus por terem aceitado o convite. Com certeza, esse tipo de debate nos ajuda a pensar em políticas públicas e a formulá-las, em especial nessa conjuntura de desmonte socioambiental que estamos vivendo no âmbito federal. Aqui vimos que não é diferente no Estado de São Paulo e em muitos cantos.
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Como eu disse isso no início, quando se cria uma unidade de conservação, ali existe algo de interesse geral, de interesse difuso, de interesse da população, seja do ponto de vista da fauna, seja do ponto de vista da flora, seja do ponto de vista da paisagem cultural. Enfim, existe algo que precisa ser cuidado, porque é importante não só para o cuidado da nossa geração — e estou falando de toda a população —, mas também o de gerações futuras e de outras vidas, que só existirão dependendo do que fizer a nossa espécie. Essa é uma razão.
Portanto, é algo de interesse geral, que está acima do interesse particular. Por isso, quando as pessoas falam que ali há uma área privada, sabemos que, naquela área, naquela propriedade privada, há algo que vai além do interesse privado, do interesse do proprietário da área, algo que é do interesse geral, que é a função social e ambiental da propriedade, que está acima do direito particular.
Evidentemente aqui nós temos um problema sério: a garantia também do direito particular. Por exemplo, se existe uma área privada com algo de interesse geral, cria-se uma unidade de conservação, e existe ali evidentemente o direito particular. Esse é um problema que nós precisamos resolver enquanto sociedade. Par isso, há também outro aspecto fundamental: o papel do Estado e o fortalecimento do poder público, da sua capacidade de implementar ferramentas para a proteção daquilo que é de interesse geral. Unidades de conservação de interesse geral precisam ser implementadas. Parte do processo da implementação evidentemente é também o reconhecimento do direito particular. Mas ele é sempre subalterno ao interesse geral. Se não estão dadas as condições do interesse geral ainda, do ponto de vista de o poder público atender à necessidade do interesse particular, não se pode subordinar o interesse geral em função da necessidade particular.
Este é um debate que está aí e que nós precisamos travar nesta Casa. Por exemplo, hoje o interesse particular está acima do interesse geral, se fizermos a composição. Essa correlação de força nós precisamos mudar. E a sociedade precisa entender que ela não pode ser subordinada a interesses específicos de determinados setores econômicos.
Se o poder público não tem capacidade, se não estão dadas ainda as condições, ele pode evidentemente lançar mão de parcerias necessárias para implementar o que é do interesse geral. Mas há outro ponto que precisa também ser considerado. Temos que entender que não há floresta sem gente. Toda floresta tem ou já teve gente, tem ou teve intervenção de gente. Essa gente — aí estou me referindo a povos e a comunidades tradicionais — ajudou a manter viva essa biodiversidade, essas florestas. Portanto, nesses espaços, há o conhecimento tradicional associado, que fez com que se criasse agora a figura da unidade de conservação.
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Nós trouxemos o caso do Vale do Ribeira, que eu conheço muito bem, Trabalhei nele por muito tempo. Estou falando isso porque, quando do debate da Lei Geral de Concessão, realizado aqui em Brasília, inspirado inclusive pelas experiências e pelo acúmulo das comunidades que há no Vale do Ribeira, propus inclusive uma emenda nesta Casa que estabelecia que, quando tivesse que lançar mão de uma parceria para ajudar a implementar a unidade de conservação, o Estado colocasse como prioridade a comunidade, inclusive saindo de todo o processo de licitação e de consulta, caso naquela unidade de conservação houvesse comunidades dentro dela ou no entorno.
Então, a prioridade primeira, até para superarmos outros problemas que existem — e isso é muito vivo hoje nas unidades da Federação e do Estado —, como conflitos entre gestores na interpretação da legislação ambiental e na gestão das unidades de conservação com os povos e comunidades tradicionais, é trazer as comunidades para o debate, para verificarmos se a unidade de conservação que foi criada é interessante para elas, se respeitou o seu modo de vida e se pode ajudar a melhorar a manutenção e a própria qualidade de vida daquela comunidade.
Nessa perspectiva, nós tínhamos que trabalhar muito mais as parcerias público-comunitárias, colocando-as em primeiro plano, inclusive fugindo de toda a burocracia. Onde não há isso em acúmulo, evidentemente se pode lançar mão, mas respeitando-se o que pode e o que não pode ser feito nos planos de manejo. Em muitos casos, particularmente neste, como foi colocado aqui, não se obedece nem àquilo que foi recomendado nos próprios plano de manejo, os quais definem o que pode e o que não pode ser feito nos planos de manejo de cada unidade de conservação.
Há muitas coisas para nós discutirmos. O que se tem com clareza é que o debate sobre concessão em âmbito federal e o processo que está sendo encaminhado estão completamente contrários à perspectiva do cuidado que se deve com as unidades de conservação e das razões por que foram criadas, o que, ao mesmo tempo, desrespeita a perspectiva da tradição, do conhecimento tradicional, da existência das comunidades, as quais têm papel importante na implementação das unidades de conservação, no cuidado da biodiversidade como um todo.
O mesmo processo vem ocorrendo em São Paulo. Bocuhy, eu não sei quem inspira quem. Mas acho que a inspiração veio dos Governos, dos últimos anos, do Estado de São Paulo, que acabaram exercendo essa política de destruição, de desmonte, de retrocesso socioambiental que estamos observando em âmbito federal. Aliás, foi São Paulo que acabou fornecendo o Ministro da "passagem da boiada".
Então, quero agradecer a vocês por este debate, inclusive por terem provocado esta discussão aqui na Comissão de Meio Ambiente. Isso é tão necessário para cuidarmos da vida das pessoas, para cuidarmos da biodiversidade e para enfrentarmos a crise climática, talvez a grande crise contemporânea que temos.
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Obrigado pela contribuição de vocês. Podem ter certeza de que tanto este debate, em âmbito nacional, quanto o do caso específico do PETAR vão ter muito eco. Que isso inspire novas políticas e, oxalá, neste ano, esse debate possa influenciar e possamos mudar essa conjuntura logo, logo, e voltar ao caminho de inclusão social e de respeito ao meio ambiente! Na verdade, precisamos aprofundar o debate ainda mais.
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