4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Educação
(Audiência Pública Conjunta das Comissões CDHM e CE (semipresencial))
Em 25 de Maio de 2022 (Quarta-Feira)
às 15 horas e 30 minutos
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Orlando Silva. PCdoB - SP) - Com uma pontualidade suíça, declaro aberta a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, conjunta com a Comissão de Educação, destinada a debater o Projeto de Lei nº 3.422, de 2021, que dispõe sobre a prorrogação do prazo de vigência da Lei de Cotas e dá outras providências.
Boa tarde a todos e a todas.
Esta audiência é consequência da aprovação do Requerimento nº 11, de 2022, de autoria do Deputado Camilo Capiberibe, subscrito pelos Deputados Abílio Santana, Carlos Veras, Joenia Wapichana, Helder Salomão, Marcon, Talíria Petrone e Túlio Gadêlha; do Requerimento nº 39, de 2022, de autoria do Deputado Orlando Silva; e do Requerimento nº 24, de 2022, da Comissão de Educação, de autoria dos Deputados Bira do Pindaré e Lídice da Mata, subscrito pela Deputada Professora Rosa Neide.
Esta audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm.
Os cidadãos podem apresentar contribuições a partir do portal e-Democracia.
Esta será uma reunião híbrida, que contará com a presença de ilustres personalidades do debate público sobre a matéria e a participação on-line de outras ilustres personalidades.
O registro de presença dos Parlamentares se dará de forma presencial, no posto de registro biométrico deste plenário. Os Parlamentares que fizerem uso da palavra por teleconferência terão sua presença registrada.
Esclareço que, devido ao grande número de convidados e convidadas, o tempo concedido aos expositores será de 5 minutos, a serem administrados pelo Presidente da reunião, que será o Deputado Camilo Capiberibe. Houve interesse de muitos Parlamentares em sugerir nomes. Após as intervenções dos expositores, abriremos a palavra aos Deputados, por ordem de inscrição, por cerca de 3 minutos.
Convido para compor a Mesa o Deputado Camilo Capiberibe.
De pronto, registro a presença do Deputado Bira do Pindaré, Relator do projeto objeto desta audiência pública.
Convido para compor a Mesa: a Sra. Bruna Brelaz, Presidente da União Nacional dos Estudantes — UNE; o Frei David Raimundo Santos, Presidente da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes — EDUCAFRO; o Magnífico Sr. José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares; o Sr. Gersem Baniwa — não sei se ele se encontra; a Sra. Ana Paula Simão Cardoso de Moura, Secretária-Geral da Juventude Socialista Brasileira — JSB.
Há outros convidados que se somarão ao debate no decorrer da audiência. Faremos uma Mesa rotativa, digamos assim, para que os presentes exponham suas ideias a partir da mesa.
15:27
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O Deputado Camilo convocará os que participarão virtualmente.
Saúdo a Sra. Rita Cristina Oliveira, Defensora Pública da União, Coordenadora do GT de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União.
Pergunto se há mais alguém participando virtualmente. (Pausa.)
Estão virtualmente conosco a Sra. Valneide Nascimento dos Santos, Secretária Nacional da Negritude Socialista Brasileira; a Sra. Priscila Duarte de Lira, Vice-Presidente Regional Norte da Associação Nacional de Pós-Graduandos — ANPG; e o Reitor Alfredo Macedo Gomes, representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior — ANDIFES.
Participam também Seimour Pereira de Souza Filho, da Coalizão Negra por Direitos, e a Presidente da UBES, que em dado momento vai fazer uso da palavra.
Esta reunião vai ser presidida pelo Deputado Camilo Capiberibe, que apresentou o primeiro requerimento para a realização desta audiência pública. Peço permissão ao ilustre Deputado para fazer a abertura dos trabalhos, porque considero que esta seja, talvez, uma das principais audiências públicas que esta Comissão realizará durante o ano de 2022.
Completamos 10 anos da implementação de uma legislação que abriu as universidades para que a população negra a elas tivesse acesso. Sou de um tempo em que correspondíamos a 1% da universidade. Levamos décadas, futura Deputada Bruna Brelaz, para que tivéssemos um segundo Presidente da União Nacional dos Estudantes negro. O primeiro foi Orlando, e décadas depois foi a futura Deputada Bruna. Considero que o avanço que ocorreu com a implantação da política de cotas foi muito importante.
Infelizmente, o Governo não cumpriu sua tarefa de fazer o devido monitoramento e avaliação do impacto que essas medidas tiveram para pintar a universidade com as cores do nosso povo. Na minha percepção, a revisão depois de 10 anos serviria inclusive ao objetivo de avaliarmos que medidas adicionais devem ser tomadas para ampliar a presença da população mais simples, sobretudo de negros e negras. Há uma dívida histórica do Brasil com as brasileiras e os brasileiros negros.
A política de cotas, que foi contestada, inclusive judicialmente — tivemos uma vitória no Supremo Tribunal Federal —, chegou ao Brasil, com um atraso de décadas. Observamos experiências internacionais em que as políticas de ações afirmativas tiveram impactos importantíssimos para alcançar uma série de avanços. Se não houvesse política de cotas nos Estados Unidos desde os anos 1960, não sei se eles teriam tido oportunidade de eleger um Presidente da República negro, para ficar um exemplo muito simples da importância do acesso à universidade.
15:31
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Evidentemente, há outros temas que merecem atenção, como, por exemplo, a política de cotas no serviço público. Eu sou de São Paulo, cidade que introduziu essa política, em 2012 — eu era Vereador há época e tive o privilégio de votar e aprovar essa lei —, e o impacto foi imediato. Nós evoluímos de 2 para 17 procuradores municipais em um prazo muito curto.
E essa lei está sob ameaça, porque há Parlamentares — um deles um Parlamentar negro — que tentam infelizmente revogar essa iniciativa que é tão importante. Inclusive eu fui alertado pela Associação dos Pesquisadores Negros, pelo Prof. Cleber, que, no caso do serviço público, segundo a lei federal, há um prazo de vigência, que se encerra no próximo ano de 2024, o que aumenta a importância do debate que nós fazemos da ampliação de mecanismos para garantir a promoção da igualdade racial no Brasil.
Então, eu quero agradecer a todos que aqui compareceram. Eu espero que esta reunião sirva de impulso, para que nós possamos ter mais apoio ao relatório do Deputado Bira do Pindaré, que eu tenho certeza de que será fundamental para fazer com que a campanha Cotas Sim, que a União Nacional do Estudantes, a União Brasileira de Estudantes Secundaristas, a NPG e seus parceiros fazem, transforme-se em uma realidade para uma imensa quantidade de meninos e meninas negros que querem chegar às universidades.
Um bom trabalho para todos nós! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Quero saudar todos e todas que compareceram, os nossos convidados que estão e os que não participando da Mesa.
Eu gostaria de, neste momento, dar a oportunidade ao Deputado Bira do Pindaré, que é subscritor do requerimento aprovado na Comissão de Educação, subscritor do requerimento aprovado aqui na Comissão de Direitos Humanos e também Relator, de adiantar a posição e o caminho que o seu trabalho está dando para esse relatório e orientar um pouco a nossa visão de como estamos até esse momento aqui na Câmara dos Deputados.
Então, quebrando um pouco o protocolo normal das audiências públicas, quero passar a palavra agora ao Deputado Bira do Pindaré, a fim de que ele possa fazer essa exposição inicial.
O SR. BIRA DO PINDARÉ (PSB - MA) - Boa tarde a todos e todas.
Quero saudar o Deputado Camilo Capiberibe, o Deputado Orlando Silva e os demais colegas Parlamentares que aqui estão ou que ainda chegarão. Quero saudar todos os convidados e convidadas na pessoa do Prof. José Vicente, do Frei David, das nossas amigas Bruna e Ana Paula, dessas pessoas que acreditam e lutam em defesa da igualdade racial em nosso País. É muito honroso ter a presença de todos vocês aqui.
Quero saudar também aqueles que nos acompanham pelas redes sociais, pelos canais aqui da Câmara Federal.
Eu queria fazer uma breve apresentação porque, na verdade, esta audiência pública se reveste de uma importância muito grande. Eu já conversei com muitas organizações, inclusive estive em São Paulo a convite Prof. José Vicente, para uma reunião do fórum, do movimento em defesa das cotas, quando tivemos a oportunidade de fazer esse debate.
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Esta audiência pública cumpre o papel de escutar a sociedade como um todo para que possamos ter um relatório conclusivo a respeito do que pensamos sobre a Lei de Cotas. É óbvio que esse debate não se encerra aqui. Nós vamos ter que fazer um debate mais complexo ainda com o conjunto da Casa, com o conjunto dos Deputados e das Deputadas, que terão que se debruçar sobre o tema e tomar uma decisão a respeito dele.
Eu fui designado relator desse projeto, que é um dos projetos sobre Lei de Cotas. E só há um projeto que está em regime de urgência por aprovação do Plenário da Casa, que é o Projeto de Lei nº 3.422, de 2021, de autoria de um conjunto de Parlamentares do PT, encabeçado pelos Deputados Valmir Assunção, Carlos Zarattini e outros. Esse projeto, além da preocupação com a revisão, porque propõe uma prorrogação por 50 anos, traz a preocupação em relação aos cotistas no que diz respeito à permanência nas universidades, traz a preocupação em relação ao controle social e propõe nesse sentido a criação de um conselho de ações afirmativas do ensino superior. Foi juntado a esse projeto outro projeto de lei, o PL 5.384/20, da Deputada Maria do Rosário, que de maneira semelhante, mas um pouco mais abrangente propõe que a Lei de Cotas seja um programa permanente e que haja auxílio estudantil aos cotistas.
A relatoria desses projetos apensados cabe a mim. Por isso, analisei os projetos e todos os seus aspectos. A primeira preocupação que surgiu em relação a esse debate foi o prazo de vigência. Não há um prazo de vigência. Já disse e repito aqui nesta audiência: não há um prazo de vigência. Há um prazo de revisão. O prazo de vigência é diferente do prazo de revisão. Portanto, 2022, na nossa interpretação, é o prazo de revisão. Isso não impõe uma interrupção ao programa. Nós temos que ter a capacidade de convergir nessa interpretação, porque é comum alguns pensarem diferentemente, e isso é prejudicial para nós. Independentemente da dificuldade que haja para tomarmos uma decisão neste exato momento, não podemos concordar em hipótese alguma com a interrupção dessa política no País. Eu tenho certeza de que o Judiciário também vai concordar conosco, se for necessária a judicialização. O fato é que prazo de vigência é uma coisa e prazo de revisão é outra.
A primeira preocupação que tivemos foi desmontar essa ideia. Segunda, a revisão em 2022 não é condição para a vigência da Lei de Cotas — já falei. Terceira, revisão é aperfeiçoamento legislativo para a efetividade da política pública. Por fim, o monitoramento e a avaliação devem integrar o processo prévio à revisão, o que não foi feito pelo Governo. Não há nenhuma avaliação oficial por parte do Poder Executivo, por parte do Ministério da Educação, nada, zero, nenhum subsídio, nenhuma linha, não temos qualquer informação de análise feita pelo Governo acerca da Lei de Cotas no País. Isso dificulta qualquer revisão.
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Aqui o que nós estamos fazendo é o esforço de aprimoramento e fortalecimento de uma política com a qual todos nós concordamos. Esse é o propósito maior daquilo que nós estamos apresentando no relatório.
Diante disso, quais são as preocupações principais? A primeira é com a convenção. O Brasil é signatário da Convenção Interamericana contra o Racismo, cujo tratado foi aprovado por esta Casa nesta Legislatura com os nossos votos. Essa convenção deixa muito claro que as ações afirmativas são temporárias, não são permanentes. Isso já dialoga com o projeto da Deputada Maria do Rosário, mas com todo o respeito não podemos incorrer nesse risco de inconstitucionalidade, porque o projeto fica muito vulnerável a ataques. Nós precisamos ter uma decisão consistente. Esse é um erro que não podemos cometer, porque é uma contradição tremenda com a decisão que tomamos há pouco tempo em relação à ratificação da Convenção Interamericana contra o Racismo.
Está no projeto originário o prazo de 50 anos. A pergunta que se faz é se o prazo de 50 anos seria razoável. É pouco? É muito? Ninguém sabe. Pode ser muito, pode ser pouco. Nós estamos dialogando com esses pontos, tentando enfrentar essas preocupações que estão presentes nos projetos analisados neste momento por mim.
Há também a preocupação com o vício de iniciativa, porque algumas coisas não podem ser originadas aqui no Legislativo. É o caso, por exemplo, da criação de conselhos. Conselho é um órgão, cuja criação é atribuição do Executivo, e não do Legislativo. Nós temos que fazer algumas ponderações sobre a formulação do nosso texto para dialogar com essas preocupações e tornar o texto mais consistente.
Há o impacto orçamentário em relação à assistência estudantil. Não temos esse cálculo, não temos informações sobre o impacto que teria, por exemplo, a adoção de uma bolsa permanência. Então, para tratar desse aspecto, nós trouxemos uma apresentação que vou compartilhar com os senhores.
Por fim, há a preocupação com os riscos de retrocesso. Essa é a maior preocupação que temos. Há outras correntes de opinião, os senhores sabem, sobretudo no campo da Direita, que defendem teses distintas dessa. Existe um projeto, por exemplo, do Deputado Kim Kataguiri que acaba com as cotas raciais e mantém apenas as cotas sociais. Esse é o caminho que eles adotaram. Essa me parece ser também a posição do Governo — pelo menos foi isso que o ex-Ministro declarou aqui publicamente na última audiência da qual participou, em dezembro de 2021. Há outro projeto do Deputado Marcel van Hattem que defende acabar com a heteroidentificação. Então, são riscos de retrocesso que nós temos; e essa é uma preocupação muito grande que nós temos na condução desse debate. Diante disso, quais são os nossos objetivos maiores? Sanar essas eventuais inconstitucionalidades, inconsistências jurídicas ou qualquer contradição, para facilitar o andamento do projeto e sua aprovação; encontrar uma solução para a questão dos impactos fiscais, sobretudo em relação à bolsa permanência, à assistência estudantil, etc.; e ter formas que garantam a efetividade de uma revisão que não seja da forma como foi estabelecida no projeto de lei de 2012, porque o projeto estabeleceu o prazo temporal, e nós estamos trazendo uma ideia diferente dessa, que vou apresentar logo em seguida.
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Então, dentro das inovações que nós apresentamos no nosso substitutivo, nós nos preocupamos com três pontos fundamentais: o acesso às universidades, a permanência nas universidades e o êxito acadêmico. Por isso, nós estamos debatendo o aprimoramento da política, uma vez que o projeto de 2012 cuidou muito do acesso, mas não teve a preocupação com a permanência, muito menos com o êxito, inclusive o êxito do próprio programa, da própria política pública. Portanto, nós estamos propondo que esses três eixos contemplem esse aprimoramento da política pública em nosso País.
Em relação ao acesso, o que nós propomos é a qualificação da seleção dos destinatários do programa. Aí vem a preocupação com a complementação da autodeclaração, que é o que se usa hoje. Mas nós estamos propondo reconhecer e legitimar legalmente algumas complementações dessa autodeclaração.
Em relação à população negra, o que nós propomos é o reconhecimento jurídico por meio de diretrizes do funcionamento das comissões de heteroidentificação, que já é uma prática usual nas universidades, mas não há qualquer dispositivo legal que as respalde. E isso provoca a judicialização de muitas decisões que são tomadas por essas comissões, sobretudo em relação às fraudes que são cometidas. E essas comissões precisam atuar, exata e principalmente, nessa questão das fraudes. Por isso, é importante adotar essa complementação de autodeclaração em relação à população negra.
Em relação à população indígena, nós temos a sugestão do registro de nascimento dos indígenas ou a declaração de pertencimento firmada por liderança local. É um documento usual — estou certo, Luciane? — e que seria também utilizado como complementação com relação à população indígena.
Em relação à população com deficiência, que é a última que se incorporou a essa legislação, em 2016, seriam utilizados laudos para comprovação da deficiência.
Portanto, nós adotamos e legitimamos, no texto do substitutivo, complementações à autodeclaração, garantindo uma diminuição das fraudes que eventualmente acontecem quanto à legislação de cotas em todo o País.
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Também nos preocupamos com a priorização de grupos étnico-raciais em relação às vagas remanescentes. Sobraram vagas. Então, essas vagas seriam preenchidas pelos grupos étnico-raciais, sem prejuízo desses segmentos.
Terceiro, a reserva de vagas. Essa seria uma inovação importante, a reserva de vagas também na pós-graduação.
Vocês sabem que, hoje, nós só temos reserva de vagas na graduação. A pós-graduação é amparada por uma portaria do MEC. Não há lei. E o ex-Ministro Weintraub, que fugiu para os Estados Unidos logo após a sua exoneração do cargo, antes de ser exonerado, deu uma canetada e revogou a Lei de Cotas para a pós-graduação. Então, para nós não sofrermos esse tipo de risco, incorporaríamos também esse direito. Na verdade, nós não estamos regulando aqui reserva de vagas na pós-graduação, estamos apenas garantindo esse direito. E as universidades organizariam o sistema para que as cotas fossem aplicadas também na pós-graduação, utilizando a prerrogativa da autonomia universitária.
Em relação à permanência, nós estamos propondo dois pontos fundamentais para incentivar a permanência: uma delas é a assistência estudantil aos cotistas, através do Bolsa Permanência; e a segunda é a reserva de vagas em estágio na administração pública federal. Fixamos em 30%. É isso: 30% são o que nós propomos como reserva de vagas para estagiários e estagiárias na administração pública federal.
Finalmente, o êxito acadêmico. Aqui, nós fazemos uma relação da capacidade de conferir a efetividade, a implementação da própria política de cotas. O foco aqui é no aperfeiçoamento de todo o processo. O que nós teríamos aqui? Um estabelecimento inicial de metas e acesso, de permanência e de conclusão; a criação de um sistema unificado de indicadores; a avaliação periódica do programa a cada 5 anos — avaliação periódica a cada 5 anos —; e o fim do programa condicionado ao atingimento de metas. Essa é a grande inovação. Não teríamos mais um prazo temporal. Nós teríamos metas fixadas, e o fim do programa só estaria condicionado ao atingimento dessas metas. Portanto, não teríamos um prazo. Por isso que eu disse: "Cinquenta anos é pouco? Cinquenta anos é muito? Nós não sabemos". O que nos importa é que a desigualdade seja combatida efetivamente e que as metas sejam alcançadas de maneira estável, porque aí nós teremos sucessivos ciclos de avaliação que iriam consolidar esse entendimento de que, finalmente, não precisaríamos mais da Lei de Cotas.
Então, seria essa a ideia inovadora.
Quais são os problemas que nós temos?
Esse é o relatório. Está aqui à disposição. Eu tenho alguns exemplares, mas vão ser distribuídos mais exemplares para quem se interessar. Eu já tenho aqui, pelo menos, três. A Ana Paula vai receber um aqui também.
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Vocês que estão em plenário também poderão pegar outras cópias, vocês podem ter acesso a elas.
Qual é a nossa preocupação em relação à condução desse debate, Deputado Valmir Assunção, que é autor desse projeto que está em debate? É exatamente a preocupação com os retrocessos.
Então, nós vamos escutar vocês aqui em relação a todo esse conjunto de ideias que faz parte desse nosso relatório inicial. Eu tenho sido muito transparente na condução desse debate, tenho escutado, tenho recebido muitas contribuições. E isso é fruto de uma síntese muito grande por conta de amplos setores que foram ouvidos ao longo desses últimos meses, desses 4 meses do ano. Chegamos aqui nesta audiência pública para ter essa escuta final. Depois, nós vamos partir para um processo de negociação interna em que eu vou pedir o auxílio de todos os colegas Parlamentares que integram a luta de combate ao racismo aqui na Câmara Federal para vermos até onde podemos ir, porque nenhuma decisão vai ser tomada sem que tenhamos a capacidade de construir maioria.
Vamos ter que escutar Líderes não só da esquerda, vamos ter que escutar Líderes de todos os partidos. Talvez aquilo que estamos propondo aqui não seja possível ser aprovado.
Então, nós vamos ver o que conseguimos viabilizar de aprovação neste momento ou se não seria possível aprovar nada. Tudo isso vai estar submetido a um processo de debate político em que nós vamos envolver o conjunto dos Líderes, vamos dialogar com a Presidência da Casa, enfim, vamos ter um profundo debate interno que deve se estender nas próximas semanas para podermos chegar a uma conclusão.
Então, esse é o relatório que apresentamos a vocês; mas aqui nós estamos para ouvir.
Por isso, vou passar a palavra para o nosso Presidente da sessão, o Deputado Camilo, a quem quero agradecer imensamente por ser parceiro dessa caminhada, por ter encabeçado o requerimento desta audiência pública e por nos ajudar a conduzir essa discussão aqui na Casa do Povo, no Parlamento Federal.
Muito obrigado pela atenção. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito boa tarde.
Eu quero me desculpar, porque nós estamos tendo neste momento a eleição para os cargos vagos da Mesa e eu saí. O Deputado Bira também vai ter que se ausentar por essa razão.
Eu queria saudar o nosso Presidente, o Deputado Orlando Silva, cumprimentar o Deputado Bira do Pindaré, que, além de Relator, é o Presidente da Frente Parlamentar Antirracista em Defesa dos Quilombolas, agradecer mais uma vez a presença de todos. São muitos convidados, então, eu não vou citar um por um e vou neste momento passar a palavra aos nossos expositores.
Eu vou repetir — acho que o Deputado Orlando chegou a falar isso — que, como nós temos muitos expositores, vamos conceder um tempo de 3 a 5 minutos para que cada um possa fazer a sua intervenção.
Nós vamos, infelizmente, para poder dar maior abrangência, exigir talvez um poder de síntese grande de todos e todas.
Uma coincidência que o Presidente Orlando falava agora há pouco sobre a Presidência da UNE se repete aqui nesta Comissão. Esta Comissão foi presidida por um homem negro em 1997, o Deputado Eraldo Trindade, o segundo ali, que é do meu querido Estado do Amapá. Aliás, teve o Domingos Dutra, que é um parceiro aqui, mas estamos, digamos, sub-representados dentro do Parlamento e na Presidência das Comissões.
15:55
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Quero saudar o autor, Deputado que encabeça os projetos de lei que tratam da política de cotas, o Deputado Valmir Assunção, do PT da Bahia.
Neste momento, eu passo a palavra para a Presidente da União Nacional dos Estudantes — UNE, Bruna Brelaz.
A SRA. BRUNA BRELAZ - Boa tarde. Muito obrigada, Deputado Camilo. Eu queria parabenizar pelo relatório o Deputado Bira do Pindaré e agradecer ao Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Orlando Silva, aos demais Parlamentares e aos convidados e convidadas, que estão aqui e que são os nossos parceiros na luta em defesa da educação, do povo negro, do povo indígena e da universidade.
Eu sou a Bruna Brelaz, sou lá do Norte também, Deputado Camilo, sou do Amazonas, sou a Presidenta da União Nacional dos Estudantes.
Essa pauta da defesa das cotas tem sido uma das principais bandeiras que a UNE tem colocado nas universidades, nas mobilizações de rua, nas articulações institucionais, porque esses 10 anos têm que ser considerados como uma política de comemoração. Os 10 anos das cotas representam a possibilidade de ascensão do nosso povo à universidade.
Se hoje nós conseguimos enxergar nas salas de aulas mais pessoas pobres, mais negros, mais indígenas, quilombolas e PCDs, que hoje são contemplados pelas cotas, é graças a uma imensa luta que o movimento educacional, o movimento negro e todos os apoiadores fizeram nesse último período. Isso é importante registrar.
Mesmo que hoje nós não encontremos o Governo Federal, o Estado brasileiro fazendo o relatório sobre esses 10 anos, nós sentimos nas universidades essa diferença. E é por isso que nós comemoramos esses 10 anos com muito orgulho, vendo a necessidade do que precisamos aprimorar. Se essa universidade hoje consegue avançar uma etapa de popularização importante, a partir do atrelamento de políticas afirmativas em conjunto com a ampliação do ensino superior, seja estruturalmente, seja garantindo mais recurso, mais orçamento para as universidades, para que esses estudantes tivessem condições de entrar nessa universidade de forma plena e qualitativa, é graças a essa luta que temos encampado.
A partir disso, nós identificamos, depois desses 10 anos, alguns desafios muito importantes para serem colocados aqui na Comissão de Direitos Humanos, no Parlamento Brasileiro, de forma muito contundente.
Nós não vamos aceitar que exista um discurso de que essa política acabou. Foi muito bem afirmado aqui pelo Deputado Bira do Pindaré: essa política passará por uma revisão e um aprimoramento. Nós queremos que a política pública de cotas nas universidades seja aprimorada. Nós não aceitaremos e estamos muito bem mobilizados, junto com o movimento negro e educacional, para qualquer tentativa de setores conservadores de tentar colocar passos atrás nessa lei tão importante ao Brasil.
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Portanto, nós não abriremos mão do critério racial. Nós não abriremos mão de nenhum tipo de elemento dessa política pública que só fortalece a Lei de Cotas. O que o movimento estudantil hoje pauta ao Congresso Nacional, ao Relator e a todos os Parlamentares aqui é que nós precisamos aprimorar. Na nossa opinião, existem alguns dilemas muito importantes. Fazer com que esse estudante que entrou por cotas na universidade e está vivendo o momento que o Brasil vive hoje de desemprego, de inflação, de falta de acesso ao alimento digno, permaneça na universidade é um dos maiores desafios que deve ser discutidos aqui. Portanto, a pauta da permanência estudantil atrelada à Lei de Cotas é muito importante.
Nós enxergamos também, Deputado Camilo, um caminho interessante, que é o Plano Nacional de Assistência Estudantil. Esse estudante de baixa renda, que tenha entrado pelo critério estudante de escola pública ou pelo critério racial, comprovado que é de baixa renda, precisa dessa bolsa, precisa da garantia de que vai conseguir permanecer na universidade e levantar o seu diploma na mão.
Além disso, nós não temos medo de enfrentar o debate. Nós queremos aprimorar a questão da bancada de heteroidentificação. Nós queremos fortalecer esse elemento muito importante, colocado na Lei de Cotas, para que não haja fraude nas cotas e possamos combater as fraudes que acontecem em diversas universidades brasileiras.
Aliás, a universidade vive um dos seus piores dilemas e sob ataque permanente infelizmente. Este Congresso conhece bem os desafios que nós enfrentamos. Não há possibilidade de uma universidade de sucesso reconstruir o Brasil ao seu desenvolvimento nacional se não tiver um orçamento adequado, se esse orçamento não conseguir contemplar a demanda desse estudante que hoje, Deputado Camilo e demais, paga 23 reais no RU. É essa a universidade que nós encontramos hoje.
Eu faço muita alusão à assistência estudantil como um elemento fundamental para salvarmos a universidade brasileira, atrelada ao orçamento da universidade que hoje sofre, só em 2022, cortes de 1 bilhão de reais. O estudante cotista que hoje entra numa universidade e que precisou fazer a transição pós-pandemia vai encontrar a universidade com um orçamento totalmente desatrelado à realidade da universidade. E isso tem a ver também com a pauta de hoje da defesa das cotas.
Portanto, para finalizar, porque imagino que meu tempo esteja acabando, contem com a União Nacional dos Estudantes, contem com o Movimento Educacional Brasileiros para que nós consigamos apresentar o aprimoramento dessa política pública e fazer com que esses estudantes brasileiros saiam com o diploma na mão.
Há uma música do Emicida da qual eu sempre cito um refrão que diz:
Cê vai atrás desse diploma
Com a fúria da beleza do Sol, entendeu?
Faz isso por nóis
Faz essa por nóis (vai)
Te vejo no pódio.
Eu costumo dizer isso para os estudantes: nós queremos ver o povo preto, indígena e pobre brasileiro no pódio. É isso o que vai conduzir a nossa luta daqui para frente.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Bruna Brelaz, Presidente da União Nacional dos Estudantes, por participar da nossa audiência pública.
16:03
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Eu passo agora a palavra para o Frei David Raimundo Santos, Presidente da Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes — EDUCAFRO.
O SR. DAVID RAIMUNDO SANTOS - Saúdo a todos os Deputados e a todas as Deputadas que compõem esta Casa na figura do Presidente desta sessão, o Deputado Camilo Capiberibe, cuja garra no trabalho eu já acompanho há mais anos. Eu não poderia começar este momento de fala sem também mandar uma saudação especial para os Conselheiros do Conselho Nacional de Justiça, que ontem lavaram a alma do povo negro e dos brancos conscientes.
O Conselho Nacional de Justiça ontem fez duas ações inacreditáveis.
Na primeira ação, o Conselho Nacional de Justiça expulsou um branco ladrão que se declarou negro na vaga de Juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A comunidade negra recorreu em última instância. Ontem o Conselho Nacional de Justiça expulsou esse branco ladrão. (Palmas.)
Ora, já nos exploram, já nos humilham com a escravidão não reparada até hoje e agora, quando conquistamos políticas públicas, vêm esses brancos desonestos. Peço ajuda aos brancos honestos. Vamos moralizar esses caras! Não deixem que eles queimem vocês, irmãos brancos. Temos que botar moral para esses brancos desonestos irem para a cadeia. Se fosse um negro, estava preso por ter roubado essa vaga. Como é um branco, simplesmente sai da frente e pronto. Isso não pode continuar assim!
Na segunda ação, que também merece elogio, o Conselho Nacional de Justiça "desexpulsou" um juiz negro. O doido, o monstro, o irresponsável do Tribunal de Justiça de São Paulo expulsou um juiz negro. Motivo? O juiz tinha um cursinho preparatório para quem quer fazer concurso para juiz. Ora, conheço mais de mil juízes e desembargadores do Brasil que têm cursinhos preparatórios e ganham muito dinheiro com isso! Por que o único juiz negro que dá aula em curso preparatório é expulso do Tribunal? Nem o dinheiro a que ele tinha direito pelos meses atrasados o Tribunal quis pagar — pagou a prestação. Monstros, racistas! Para a nossa alegria, por 90% dos votos, o Conselho Nacional de Justiça restituiu a esse juiz negro o direito de retomar a vaga e obrigou o Tribunal de Justiça de São Paulo a devolver os 2 anos de sonegação do salário dele.
Gente, mais uma vez, merece o nosso Conselho Nacional de Justiça uma salva de palmas! (Palmas.)
Indo direto à nossa pauta, eu me preparei para 15 minutos, fiz aqui um trabalho longo, mas não há problema. Eu entendo a importância de haver muitas participações, então, refiz aqui o meu roteiro.
Primeiro, quero pedir, pelo amor de Deus, Deputados, que, por favor, não tenham medo da conjuntura! Se esperarmos a conjuntura 100% favorável a pobres e negros, não faremos nada, nada, nada. Então, não tenham medo da conjuntura.
Segundo, eu entendo que 2022 é o melhor ano para passarem pautas ousadas. Por quê? Porque haverá eleição. E esses monstros sabem que podem ser arranhados se tentarem passar a perna no povo negro. Desse modo, eu proponho aos Srs. Deputados e a esta Casa que levem adiante, sim, agora e rápido, essa votação.
16:07
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Terceiro, quero dizer aos senhores que a EDUCAFRO Brasil participou intensamente das mesas de negociação para construir o PROUNI. Olha, gente, foi muito difícil! Teve que haver muita negociação com a direita e com o centro. A esquerda jamais, sozinha, teria aprovado o PROUNI. A mesma coisa aconteceu quando aprovamos a cota para negros nas universidades. Tivemos muitas negociações com a direita e com o centro. Ora, por que agora não? É a mesma coisa. Não adianta botar o projeto em votação. Eles não vão engolir. Tem que haver trabalhos de bastidores para fazer a negociação andar.
No ponto nº 4, nós estamos propondo aos Srs. Deputados levarem adiante, com garra, essa vitória, para que chamem, convoquem uma comissão boa de representantes da sociedade civil, do movimento negro, dos movimentos sociais, dos movimentos estudantis, e façam, primeiro, uma reunião com o Colégio de Líderes. Se houver uma comissão boa dialogando com o Colégio de Líderes, nós faremos passar, sim, essa demanda nesta Casa. Segundo — não sei se nessa ordem —, que seja feita uma reunião boa com o Presidente da Casa, o Deputado Arthur Lira. Se entrarmos no coração desse homem, nós conseguiremos que ele faça o bem, mas, se não entrarmos, não tem jeito.
O ponto nº 5 é para dizer aos meus irmãos desta Casa, Deputados e Deputadas, que, antes da pandemia, de cada 100 jovens negros e negras que entraram nas universidades com cotas, mais ou menos 30 já tinham abandonado suas vagas por falta de bolsa moradia e de bolsa alimentação. Então, eu sei que a bolsa moradia e a bolsa alimentação precisam ser bem trabalhadas, para não haver problema de conflito de iniciativa.
Eu quero lembrar aos Srs. Deputados que, no Rio de Janeiro, tivemos grandes reuniões de bastidores para discutir bolsa moradia e bolsa alimentação para os jovens negros das universidades estaduais. E a solução encontrada, Srs. Deputados, foi botar a bolsa moradia na lei. A outra solução foi tirar o dinheiro da bolsa moradia da mão das universidades e colocá-lo no cofre central do Governo como política pública.
Então, quem paga a bolsa a cada mês não é a universidade. Quem paga a bolsa a cada mês é o Governo do Estado. Eu penso que a mesma solução já constitucionalizada plenamente no Rio de Janeiro pode ser adotada em âmbito federal. Assim como o Bolsa Família, que é um programa de assistência a situações de vulnerabilidade, entendemos que o Bolsa Alimentação e o Bolsa Moradia para os estudantes pobres são uma política pública que precisa comprometer o cofre da Nação.
Por que eu faço um apelo aos senhores para não mais deixarem o dinheiro no cofre das universidades? Por mais que existam universidades boas, a maioria tem tido cortes e mais cortes de suas verbas.
Eu vi o caso de uma universidade que pegou o dinheiro do Bolsa Alimentação e do Bolsa Moradia e mandou reformar o laboratório de biologia. Por quê? Porque precisava. O que era mais urgente? Para a universidade, era mais urgente reformar o laboratório de biologia. Para nós negros, as duas coisas eram importantes, mas meu povo negro não podia ser expulso da universidade por falta de bolsa moradia e de bolsa alimentação.
Volto a dizer: antes da pandemia, de cada 100 jovens negros que entraram nas cotas, 30 já haviam abandonado e voltado humilhados para as suas comunidades. Estimo que agora, após a pandemia, dobrou esse número, ou seja, 60 em cada 100 desses jovens negros abandonaram a universidade. Portanto, a política pública de cotas está correndo o risco de ser um fracasso, por irresponsabilidade do Governo Temer e do Governo Bolsonaro, que cortou fortemente a verba do MEC para o Bolsa Moradia e o Bolsa Alimentação. Eu teria outros pontos, mas vou cortá-los, porque o pessoal já está me olhando e dizendo "Frei David, o senhor está se alongando demais!". Faço isso para dizer o seguinte: Deputados, irmãos queridos, e queridas Deputadas que estão nos ouvindo nesta sessão, quando lutamos pelo PROUNI e quando lutamos pelas cotas nas universidades, nós tínhamos certeza de que o passo seguinte seria fazer o "PROUNINHO". Como fazer o "PROUNINHO"? Com dinheiro de filantropia, poderíamos garantir bolsa no ensino fundamental e no ensino médio.
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No entanto, quando o Governo Temer assumiu a Lei do CEBAS — atenção, pessoal! —, ele deixou explícito que são proibidas ações afirmativas no CEBAS. Gente, vejam que absurdo! Aquele que bateu de frente com o Ministro da Educação daquele tempo, que era o Mendonça Filho. O Mendonça Filho disse: "Frei David, eu lhe garanto que vão remover isso". Aí, gente, ele removeu! Removeu e não botou nada, o que foi pior ainda, ou talvez melhor... Não, sempre pior!
Eu faço o seguinte pedido a vocês: por favor, criem urgentemente uma Comissão para avaliar a Lei do CEBAS. A Lei do CEBAS está sendo a verdadeira farra das universidades particulares e das instituições de ensino fundamental e médio, com roubo e desvio de dinheiro. Estão usando e abusando do dinheiro público na Lei do CEBAS. Está tudo solto, sem fiscalização, sem controle! E o mais grave é que, se eles têm que botar dez jovens pobres nas bolsas, eles botam os amiguinhos deles. Não há controle nenhum, nenhum, nenhum, nenhum nas bolsas do CEBAS para ensino fundamental e ensino médio.
Nós prevíamos que, após a vitória das cotas nas universidades, iriam fazer o "PROUNINHO" e as leis cá de baixo para garantir o negro nas escolas particulares de ensino fundamental e ensino médio. Isso não aconteceu. Além de não acontecer, está havendo esse desvio, que, para nós, é maldoso.
Concluo dizendo que no Brasil hoje temos 2.608 instituições de ensino superior. Destas 2.608, apenas 302 são públicas, e as demais são particulares, ou seja, o avanço do particular sobre o público está sendo um estrago. E o que foi aprovado recentemente, o estudo em casa, o homeschooling, essa porcaria aí já é uma maneira de roubar dinheiro público e desviá-lo para faculdades particulares e para os ensinos fundamental e médio particulares.
Faço essa denúncia e este apelo: criem uma Comissão para atacar a Lei do CEBAS, que está sendo uma verdadeira maldade contra os pobres!
Desculpem-me se me alonguei. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Frei David, pela participação e colaboração. As suas sugestões estão aqui registradas. Nós só lamentamos que não haja mais tempo para poder ouvir o tanto de contribuição que o senhor ainda tem para dar, e vai dar, no decorrer desse processo.
Neste momento, eu vou passar a palavra para uma pessoa que está no ambiente virtual, o advogado Silvio Luiz de Almeida, que é relator da Comissão de Juristas criada pela Câmara dos Deputados e também um militante da causa.
16:15
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Agora nós vamos mudar a nossa sistemática. Em vez de 3 a 5 minutos, nós teremos 3 minutos com duas prorrogações de 1 minuto, portanto 5 minutos. Lamento que seja pouco tempo.
Temos certeza de que o senhor tem muito a contribuir. O senhor tem a palavra nesse momento.
O SR. SILVIO LUIZ DE ALMEIDA - Uma boa tarde a todos e a todas. Espero que todos me ouçam bem. Quero cumprimentar os Deputados e as Deputadas presentes à reunião e o faço na pessoa do Presidente.
Eu quero ser bastante objetivo ao falar sobre alguns pontos fundamentais colocados pelo Deputado Bira do Pindaré quando da apresentação dos pontos mais importantes do projeto.
Além disso, quero dizer que as questões colocadas pelo Deputado no relatório em muito — e isto me deixa muito feliz — atenderam a algumas recomendações constantes no relatório da Comissão de Juristas instituída pela Câmara dos Deputados, da qual eu tive a honra de ser o Relator. Esta Comissão foi presidida pelo Ministro Benedito Gonçalves, do STJ, e certamente será objeto de mais elaborações pela Dra. Rita de Oliveira, que está presente nesta reunião e foi membro da Comissão, inclusive com um papel muito importante.
Eu quero ressaltar um ponto que já foi colocado pelos expositores anteriores e que também foi ressaltado pelo Deputado Bira do Pindaré. O fato de esse projeto de lei ser aprovado ou não, obviamente, atende a uma série de circunstâncias políticas que vão ser objeto de discussão e debate amplos no Parlamento brasileiro. Ocorre que, independentemente disso, existem algumas balizas dadas pela Constituição.
Quando falo de Constituição, não me refiro apenas ao que diz o texto constitucional em si, mas também às interpretações sobre o texto fixadas pelo trabalho do Supremo Tribunal Federal. Elas limitam, e muito, aquilo que pode ser objeto de deliberação e aquilo que pode ser objeto de transformação no que tange à política de ação afirmativa especificamente de cotas raciais. Estou me referindo ao fato de que esse projeto de lei só pode trabalhar naquilo que foi muito bem colocado aqui: no aperfeiçoamento. E a preocupação fundamental é em relação a tudo aquilo que pode ser modificado no projeto de lei e que possa aperfeiçoar e tornar mais efetiva, portanto, a política pública.
Aliás — permitam-me dizê-lo —, a política de ação afirmativa, se não é a mais bem-sucedida, é uma das mais bem-sucedidas políticas públicas da história deste País. Portanto, a ideia de proibição de retrocesso encontra amparo não apenas naquilo que os tribunais vêm decidindo, principalmente o Supremo Tribunal Federal, mas também em todo o arcabouço legal internacional, do qual o Brasil faz parte. E, como já foi dito aqui, o Brasil tem um compromisso, sim, com o combate ao racismo na sua dimensão institucional e estrutural por conta dos compromissos que assumiu.
Nós estamos falando aqui de pontos que levam ao aperfeiçoamento da lei. O fato de haver ou não a aprovação desse projeto de lei não faz com que a política de cotas no Brasil se encerre por um motivo muito simples. Do ponto de vista técnico, não se trata de uma lei temporária. O que se trata aqui, portanto, é saber qual é o prazo de revisão. O prazo de revisão é aquele previsto na lei, mas a revisão só pode ser feita se houver instrumentos propícios para tal.
16:19
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Portanto, do ponto de vista jurídico, acho que não há a menor dúvida de que nós estamos falando, portanto, de revisão. Não estamos falando de prazo de vigência da lei, porque não se trata de lei temporária.
Quero aqui muito rapidamente lembrar o que disse o Ministro Ricardo Lewandowski quando do julgamento da ADPF 186. O Ministro Ricardo Lewandowski foi muito claro nas conclusões a que chegou em relação à lei. Diz o Ministro — quero ler, muito rapidamente:
É importante ressaltar a natureza transitória das políticas de ação afirmativa, já que as desigualdades entre negros e brancos não resultam, como é evidente, de uma desvalia natural ou genética, mas decorrem de uma acentuada inferioridade em que aqueles foram posicionados nos planos econômico, social e político em razão de séculos de dominação dos primeiros pelos segundos.
Assim, na medida em que essas distorções históricas forem corrigidas e a representação dos negros e demais excluídos nas esferas públicas e privadas de poder atenda ao que se contém no princípio constitucional da isonomia, não haverá mais qualquer razão para a subsistência dos programas de reserva de vagas nas universidades públicas, pois o seu objetivo já terá sido alcançado.
O que o Juiz está dizendo é que as políticas de ação afirmativa se justificam a partir do momento em que existem desigualdades históricas, que precisam ser corrigidas pela ação institucional. E, caso as desigualdades não sejam corrigidas, obviamente existe a possibilidade, e não só a possibilidade, mas a necessidade e o dever do Estado brasileiro em permanecer com essas políticas, que devem ser aperfeiçoadas. Então, não há o que se falar em relação a isso.
O último ponto que eu quero tratar é que concordo plenamente que a grande questão que está sendo discutida aqui é em relação ao monitoramento da política, à permanência e ao êxito. Quando se fala de monitoramento, há uma preocupação que foi levantada aqui em relação à criação de órgãos, a criação de conselhos, o que transbordaria a competência que cabe ao Parlamento. Mas eu quero lembrar que já existem instituições no Estado brasileiro que poderiam fazer esse monitoramento e não estão fazendo. Estou falando do Sistema de Monitoramento de Políticas Étnico-Raciais, estou falando do comitê de acompanhamento que existe dentro do Ministério da Educação. E a sugestão que poderia ser feita, obviamente, é que houvesse um acompanhamento feito diretamente pelo Poder Legislativo, por meio de Parlamentares ou por meio de uma Comissão permanente de Parlamentares, a ser criada, para tratar desse tema.
Encerro a minha participação dizendo o seguinte: as preocupações levantadas pelo projeto de lei são pertinentes, mas dizem respeito apenas ao aperfeiçoamento, ao monitoramento, à permanência, como foi dito aqui, e ao êxito dos estudantes quando são beneficiados por essa política pública. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado ao advogado e jurista Dr. Silvio Luiz de Almeida, Relator da Comissão de Juristas criada pela Câmara dos Deputados, que fez a sua participação nesta audiência pública.
16:23
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Eu queria registrar a presença dos Parlamentares que estão aqui ou que já passaram por aqui. A Deputada Vivi Reis está coordenando uma audiência pública na Comissão de Integração Nacional e da Amazônia, então não pode estar somente aqui. S.Exa. está lá e aqui. Eu também teria que estar lá, mas temos que organizar o nosso tempo, então vou ficar aqui. A Deputada Vivi Reis quer fazer a participação dela, mas virá mais tarde.
Anuncio também o Deputado Carlos Zarattini, do Partido dos Trabalhadores de São Paulo, e o Deputado Helder Salomão, do Partido dos Trabalhadores do Espírito Santo. O Deputado Helder Salomão foi Presidente desta Comissão, grande Presidente da Comissão de Direitos Humanos.
Eu consulto o Deputado Valmir Assunção se gostaria de fazer uso da palavra neste momento ou se nós seguimos com a audiência.
V.Exa. quer falar agora?
(Intervenção fora do microfone.)
Perfeito.
Convido neste momento para fazer uso da palavra o Sr. Gersem Baniwa, representante do Fórum Nacional da Educação Indígena. Ele está no ambiente virtual.
O SR. GERSEM BANIWA - Boa tarde, Deputado, boa tarde a todos e a todas! Eu agradeço, em nome do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, o convite para participar.
Estou limitado, em função de uma cirurgia ortodôntica que fiz hoje, mas estou aqui, no sacrifício, para cumprir o meu dever de contribuir neste momento tão importante.
Bem, eu vou diretamente ao assunto, é claro, a partir da perspectiva da experiência de jovens indígenas, a partir da Lei das Cotas.
Em primeiro lugar, não há a menor dúvida de nossa parte. Pesquisas, estudos e experiências nossas indicam quanto a Lei das Cotas e as políticas de ações afirmativas, de um modo geral, são necessárias. E são tão necessárias porque são impactantes, do ponto de vista positivo, na sociedade brasileira, principalmente no campo da educação superior. Os números relativos à Lei das Cotas sem dúvida indicam claramente que a lei contribuiu demais para avançar e efetivar a democratização do acesso ao ensino superior, diminuindo com isso a desigualdade, no nosso caso não tanto a desigualdade socioeconômica, porque isso para nós não faz muita diferença, mas sobretudo a desigualdade cultural e a desigualdade étnica. É importante que seja dito.
Os estudos já existem. Não são muitos, mas os que existem também indicam claramente que a participação indígena, a presença indígena na universidade e o acesso indígena à universidade — isso já são resultados de pesquisas muito bem desenvolvidas, in loco, praticamente, com estudantes que estão na atividade e que estão em cursos — indicam que, de fato, não impactaram de forma nenhuma, do ponto de vista de impacto negativo, a qualidade do ensino. O que tanto se falava, o que tanto se propagava contra a Lei das Cotas era o medo de que os cotistas, de modo especial cotistas indígenas, poderiam diminuir muito a qualidade dos cursos. As primeiras pesquisas indicam absolutamente o equívoco da interpretação anterior. Os cursos continuam mantendo a mesma qualidade.
Isso pode ser comprovado por meio do rendimento dos cotistas indígenas. Aqui me refiro a cotistas indígenas porque é o campo em que trabalho e que estudo. E eu acompanho as pesquisas, participando, inclusive, de algumas delas. Os rendimentos de cotistas indígenas praticamente são iguais, em primeiro lugar, aos de cotistas de outros segmentos, mas também aos de alunos não cotistas.
16:27
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Inclusive, sobre isso nós já tínhamos dados anteriores às cotas. Por exemplo, em cursos específicos de formação de professores, já era indicado que os alunos indígenas cotistas ganham na questão do desempenho, porque o índice de evasão é muito menor. Na média, cai pela metade, quando se trata de cotistas indígenas.
É curioso pensar nisso, porque os cotistas indígenas têm enorme desvantagem no acesso e sobretudo na permanência no âmbito dos cursos superiores, não por incapacidade, não por menor capacidade, mas, pelo contrário, por pertencerem a outras culturas, dominarem outras línguas, estudarem em outras línguas na educação infantil, e, portanto, a língua portuguesa ser a segunda ou terceira língua. Mas, mesmo assim, o rendimento é igual, e nessa questão da evasão também. Sobre a igualdade em termos de rendimento, os indígenas cobrem, pelo esforço e pela garra, a desvantagem de terem outro caminho na educação básica. Isso as pesquisas também indicam claramente. Os indígenas vencem a desvantagem do tipo de formação pela enorme garra e pelo esforço gigantesco que fazem.
Isso nos leva então a enxergar hoje, sem dúvida, as universidades que adotaram as cotas como universidades cada vez mais plurais, do ponto de vista cultural, linguístico, étnico e epistêmico. São universidades mais ricas sob este ponto de vista. Ampliam muito o seu arcabouço, o seu escopo de conhecimento e a sua potência, sob a perspectiva de serem espaços de conhecimento.
É claro que, da parte dos indígenas, é bom que se diga: os indígenas são mais brasileiros, não é? São mais brasileiros porque, se antes estavam excluídos do mundo da academia, então eles eram brasileiros menores, inferiorizados. Agora são mais brasileiros, porque se sentem mais atendidos. E a presença indígena pelas cotas, de um modo ou de outro, dá muita visibilidade aos indígenas.
Eu dou um exemplo: a minha formação acadêmica foi anterior à Lei das Cotas. Então, eu passei pela universidade absolutamente despercebido, porque ninguém me enxergava. Agora não: até pela tensão que se estabeleceu, é claro, os indígenas acabam tendo bastante visibilidade, o que é bom, ainda que num campo de tensão dentro da universidade.
Daí, concluímos, nós indígenas, pela absoluta necessidade de prorrogação das cotas e das ações afirmativas de um modo geral, para indígenas e para outros segmentos já estabelecidos, primeiro exatamente para garantir o acesso. O acesso precisa ser específico e diferenciado, pelas razões que eu falei. Os povos indígenas não têm como concorrer com não indígenas, não pela incapacidade, como eu já disse, mas porque têm trajetórias escolares diferentes. Até a língua deles é outra. A língua utilizada na sua formação, na sua educação básica, é outra. O seu currículo é diferente. Até a forma como acontece o ensino/aprendizagem, que é diferente — faz-se mais na oralidade do que na escrita —, justifica concretamente e efetivamente a necessidade das ações afirmativas para povos indígenas. Portanto, nós consideramos que, de fato, 10 anos de cotas é o momento mesmo, como a Presidente da UNE já disse, para se comemorar, sim. Nós precisamos comemorar coisas boas.
16:31
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O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Sr. Gersem, apenas quero alertá-lo que o tempo já acabou.
O SR. GERSEM BANIWA - É perfeito, é tudo 100%? Ainda não é. Mas esse é um caminho, é um processo que temos que ir construindo, aperfeiçoando dia a dia. Há necessidades, sem dúvida, mas, sim, devemos comemorar.
Só para dar um exemplo de como a Lei de Cotas ajudou muito nessa questão do acesso dos indígenas, lembro que em 2010 — portanto, 2 anos antes das cotas — nós tínhamos pouco mais de 7 mil indígenas no ensino superior, já resultado das primeiras políticas de ações afirmativas, principalmente nas universidades estaduais e em algumas federais que, por conta própria, tinham já estabelecido as cotas. Em 2020, chegamos a 60 mil indígenas, ou seja, 8% da população indígena está na educação de nível superior no campo indígena. Isso tudo é resultado, é claro, não são só das cotas nas federais, mas é porque a Lei de Cotas vai muito além das universidades federais. A Lei de Cotas acaba estimulando, incentivando as universidades estaduais, as universidades privadas, e assim por diante, porque a Lei de Cotas acaba sendo um incentivo, uma referência mais ampla.
O que temos, então, que aperfeiçoar? A partir da perspectiva indígena, em primeiro lugar, é preciso corrigir o problema do coeficiente, porque na lei atual é coeficiente demográfico. Isso não ajuda os indígenas. É importante para os indígenas que não seja o coeficiente demográfico, não deveria ser, mas sim o coeficiente étnico, o coeficiente cultural, porque há Estados no Brasil em que o número da população indígena é baixo, mas há uma grande diversidade de povos, de culturas, de línguas, portanto de sistemas de conhecimento. Então, é preciso melhorar esse coeficiente. Não pode ser só demográfico para os indígenas, precisa ser também étnico e cultural.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Sr. Gersem, apenas quero alertá-lo que o tempo já esgotou. Peço, então, que seja objetivo.
O SR. GERSEM BANIWA - Já concluo.
Sobre aperfeiçoar o acesso, eu concordei com o que o Deputado falou no início. É preciso se aperfeiçoar, no caso do acesso do indígena, a autodeclaração, com outros documentos. Eu não vou precisar dizer aqui, é uma combinação de vários documentos, mas as universidades já têm larga experiência, porque lidam com isso há mais de 20 anos. No começo era difícil, mas vamos aproveitar essas boas lições.
Concluo dizendo, então, que a Lei de Cotas já é uma potência hoje. Agora, a Lei de Cotas aperfeiçoada ganha mais potência ainda, e vai contribuir muito mais para um Brasil mais plural, um Brasil mais Brasil.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Sr. Gersem. Seria fundamental ouvir muito mais a sua contribuição, mas, infelizmente, nós temos que seguir com esta audiência pública, porque temos muitas pessoas que estão participando. Quero, inclusive, pedir um pouco de paciência a todos os que estão aqui inscritos, que foram indicados por Parlamentares para participar e dar a sua contribuição.
Quero registrar a presença da Deputada Federal Lídice da Mata, guerreira, baiana, do PSB, uma das proponentes desta audiência pública.
16:35
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Passo, neste momento, a palavra para o Deputado Valmir Assunção, que encabeça, como autor, o projeto de lei que está sendo relatado pelo Deputado Bira do Pindaré, que propõe o aperfeiçoamento e a continuidade da política de cotas nas nossas universidades. O Deputado Valmir Assunção é também baiano e guerreiro. E está com a palavra.
O SR. VALMIR ASSUNÇÃO (PT - BA) - Primeiro, quero saudar a todos e todas que participam desta audiência pública e parabenizar o Deputado Camilo Capiberibe por esta iniciativa. Que isso crie um ambiente para que, cada vez mais, aperfeiçoemos esta lei, que eu considero fundamental.
Quero parabenizar o Relator, o Deputado Bira do Pindaré, que tem uma trajetória política na construção dessas políticas. É por isso que eu não tenho dúvida de que esse relatório vai ser construído da melhor forma possível dentro desta Legislatura.
Quero saudar o Prof. José Vicente, Reitor da Faculdade Zumbi dos Palmares, a Ana Paula, o Frei David e a Bruna, Presidente da UNE.
E quero fazer justiça, Sr. Presidente, ao Deputado Carlos Zarattini, um Parlamentar de São Paulo, que não é negro, mas tem consciência da importância da política de cotas, tem consciência da importância do enfrentamento ao racismo no Brasil. Ajudou-nos na elaboração desse projeto de lei, juntamente com a Deputada Benedita da Silva, Deputada engajada na luta antirracista. Ela sempre esteve defendendo essa nossa bandeira, e esteve em todos os lugares, tornando-se, cada vez mais, motivo de orgulho para todos nós negros e negras deste País. É uma referência na construção de políticas públicas neste Brasil. E o Deputado Zarattini utilizou toda a sua força e influência, e, no final do ano passado, tivemos aprovada a urgência do projeto. Isso permite que esse projeto esteja em um processo avançado para, no momento adequado, podermos aprová-lo.
Eu sei que existe, no movimento negro, um debate, Deputado Camilo Capiberibe. Alguns creem que, se fosse colocado agora em votação, o projeto poderia não ser aprovado, porque não há ambiente para isso. Pensam que o ambiente pode ser construído para o ano de 2023. Há diversas posições. Eu só quero chamar a atenção para uma questão fundamental no dia de hoje. Nós estamos discutindo aqui cotas, política de cotas, acesso da população negra à universidade. É isso que nós estamos debatendo. Os bolsonaristas estão discutindo cobrança de mensalidade nas universidades públicas federais. É este o debate que há no Brasil. (Palmas.)
Portanto, eu, o Deputado Zarattini, a Deputada Benedita da Silva, nós todos não poderíamos nos furtar de apresentar, Deputado Bira, um projeto para debater a política de cotas. Os 10 anos se passaram, então tem que ser feita uma revisão e tem que haver esse debate. E nós temos que fazer esse debate com muita consciência. Temos que ter consciência de que a permanência na universidade é fundamental, assim como a moradia, mas também consciência de que há um déficit e, ao mesmo tempo, uma desigualdade histórica.
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Nós, enquanto Parlamentares, não podemos nos furtar de apresentar leis que diminuam essa desigualdade e criem oportunidade para nós negros não só na universidade pública, mas em todos os espaços.
Como há muita gente para falar, quero concluir dizendo que 18 anos atrás — eu, que sou um analfabeto e só estudei até a oitava série — eu era do Conselho da Universidade Federal da Bahia, representando a sociedade civil. E lá nós discutimos política de cotas. No dia 17 de maio de 2004, precisamente, foi aprovada a política de cotas da Universidade Federal do Estado da Bahia, e eu participei daquele debate. Muita gente estava preocupada porque os brancos iriam fraudar. Esse era o debate, e não se podia aprovar a lei de cotas justamente por isso.
Eu achava que, independentemente de os brancos quererem roubar as nossas vagas, eles poderiam tentar roubar, mas nós teríamos consciência de que eles seriam ladrões, que estariam roubando as nossas vagas, porque estávamos defendendo os nossos direitos. Hoje, depois de 18 anos, eu tenho consciência de que essa foi a política mais acertada que nós fizemos ao longo dessa história, e temos que ir aperfeiçoando.
Por isso, dentro dessa política que nós apresentamos, Deputado Bira, existe a ideia do Conselho em que estarão presentes os estudantes, os professores, todo o segmento envolvido nessa política para poder aperfeiçoá-la cada vez mais. Nós não vamos conseguir construir uma política acabada. Nós vamos construir uma política para o momento e vamos ter capacidade de aperfeiçoá-la todos os dias. Essa tem que ser a nossa luta.
Parabéns ao Deputado Bira, parabéns ao Deputado Camilo e a todos os envolvidos na construção dessa política, que acho que é fundamental.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Deputado Valmir Assunção.
Vou passar a palavra agora para o Deputado Carlos Zarattini, do PT de São Paulo.
O SR. CARLOS ZARATTINI (PT - SP) - Obrigado, Presidente. Queria cumprimentá-lo e cumprimentar o Deputado Bira do Pindaré, Relator desse projeto; a Bruna, da União Nacional dos Estudantes, que está mobilizando em apoio à Lei de Cotas; o Frei David, um lutador histórico; o Prof. José Vicente, também um batalhador na educação, que sempre esteve à frente dessa luta democrática da inclusão de negros e negras na universidade; e a Ana Paula, a jovem socialista aqui presente — parabéns, Ana Paula!
Eu queria agradecer ao Valmir pelas palavras e dizer o seguinte: aqui neste Parlamento não existe vácuo. Se nós não avançamos, os outros avançam. Não é isso? E temos que nos preparar para enfrentar, porque há projeto aqui para acabar com a cota racial.
O Frei David esteve na Prefeitura de São Paulo há poucos dias, e há projeto lá para acabar com a cota no serviço público municipal. O senhor esteve lá junto com o Vereador Donato, junto com a Claudete, que é uma ex-Vereadora e, se Deus quiser, futura Deputada Federal, virá para esta Casa.
Eu acho que temos que fazer essa batalha. O melhor momento? Nós vamos vendo quando é o melhor momento para votar, mas não podemos nos furtar de estar presentes, de estar enfrentando.
O Valmir citou aqui o caso da cobrança das universidades. Veja como as coisas se invertem. Sobre a cobrança na universidade, eles dizem: "Ah! Vamos cobrar dos ricos!" Beleza. Daqui a pouco, estão cobrando de todo mundo. Começam falando "Vou cobrar dos ricos". Depois vão dizer: "Por que não dos menos ricos?", aí se cobra de todo mundo, quando o certo é termos uma universidade que represente o povo brasileiro. Para isso, precisamos da Lei de Cotas e de um sistema tributário que taxe os bilionários, para financiar a universidade.
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Aqui a discussão é outra, é invertida: vamos cobrar mais impostos dos ricos, tributar lucros e dividendos, que no Brasil não são cobrados, e vamos fazer o financiamento do SUS, da universidade, dos serviços públicos em geral.
Era isso que eu queria falar, Presidente. A audiência pública é para ouvirmos os convidados.
Obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito bem. Muito obrigado.
Eu vou passar agora a palavra à Deputada Lídice da Mata, que também tem que se retirar, para que ela possa fazer a participação dela. Depois, nós retomamos aos convidados.
E eu registro que é muito importante o apoio e a presença dos Parlamentares aqui, porque são eles que constroem o consenso e a maioria para que nós possamos aprovar a matéria.
Viu, Frei David? Nós vamos para essa batalha. Não se preocupe. Nós estamos juntos nessa luta.
O SR. DAVID RAIMUNDO SANTOS - Excelente!
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Com a palavra a Deputada Lídice da Mata.
A SRA. LÍDICE DA MATA (PSB - BA) - Muito obrigada, Presidente.
Boa tarde a todos.
Cumprimento os nossos companheiros que estão aqui presentes, os Deputados, o nosso autor querido, o Deputado Valmir Assunção, o Deputado Carlos Zarattini, a Bruna, Presidente e representante da UNE, o meu querido Frei David, um grande parceiro nosso no Senado, quando trabalhamos justamente na CPI da juventude, a CPI do Assassinato de Jovens, especialmente de jovens negros no Brasil, da violência — ele participou conosco intensamente dos debates —, a nossa Ana Paula, da JSB, o nosso querido Reitor José Vicente, e o Relator desse projeto e Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas, o nosso Líder Bira do Pindaré, além de cumprimentar o Presidente da audiência pública, o Deputado Camilo Capiberibe.
Eu quero saudar todos, especialmente o Deputado Valmir Assunção e o Deputado Bira do Pindaré, que estão dedicados nessa tarefa.
Não posso participar a seguir nem pude antes porque tenho tarefa da Liderança, porque o Deputado Bira está preso aqui e me indicou para outra tarefa, para a qual eu tenho que sair.
Quero dizer que a Bahia foi pioneira na discussão da política de cotas, ainda em 2002, na Universidade do Estado da Bahia — UNEB. Lembro isso ao Deputado Valmir, quando se definiu e, através da reitoria da UNEB, se implantou a política de cotas na pós-graduação da UNEB. Depois, diversas outras universidades o fizeram. Já com o impulso do Governo do Presidente Lula, nós viemos a ter um debate mais intenso no Brasil, e a política de cotas, de universidade em universidade, foi se estabelecendo e hoje é uma realidade nacional.
É óbvio que, com este Governo que aí está, nós não temos estímulo; pelo contrário, temos combate à política de cotas. Por esta razão, tem toda a necessidade a iniciativa do Deputado Valmir Assunção, preocupado com o vencimento da política de cotas no Brasil, com um prazo que se extingue e com a necessidade de nós permanecermos e, eu diria, avançarmos nessa questão.
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Sou Relatora, na Comissão de Educação, do projeto da Deputada Tabata Amaral, ao qual está apensado um projeto das Deputadas Marília Arraes, que era do PT, e Natália Bonavides, do PT, que objetiva exatamente garantir os dispositivos de inclusão das ações afirmativas na pós-graduação.
Nesse projeto, nós incorporamos a ideia da política de cotas não só para pretos e pardos, mas também para a população do campo, para indígenas, para quilombolas, para pessoas com deficiência, para integrantes de comunidades tradicionais, conforme definição da Convenção nº 169 da OIT, e para pessoas transgêneros. Ou seja, nós partimos, em princípio, daquilo que está conquistado e vamos avançando, incluindo novas minorias nessa posição de políticas de cotas nos projetos de pós-graduação.
Creio que deve ser esta a nossa tarefa: não esperar que os segmentos mais conservadores avancem na deles. Eles estão "avançando", entre aspas. Volto a dizer que eles estão colocando para discussão e votação essa ameaça de muitos anos, que se repete em diferentes momentos, do fim da gratuidade nas universidades federais em nosso País, característica que é base central de toda a política de inclusão educacional no Brasil há muitos e muitos anos.
Antes havia a cobrança de uma taxa de matrícula. Até isso nós conseguimos superar, num movimento grande de estudantes no Brasil inteiro. Hoje nós temos uma universidade absolutamente gratuita, com política de cotas — cotas para negros, cotas sociais —, para garantir uma inserção ainda maior de vários segmentos da população. Isso é um instrumento importante da inclusão social e da inclusão educacional da nossa juventude no Brasil. E isso também foi reforçado pela discussão da necessidade de, no ensino médio, começarmos um debate sobre política de cotas e sobre o fortalecimento da educação pública gratuita, da necessidade de superarmos as dificuldades históricas do ensino médio no Brasil. Portanto, a política de cotas na universidade tem que estar vinculada a um projeto de fortalecimento da educação pública e gratuita que nasce no ensino fundamental e segue até a universidade — e agora a pós-graduação.
Eu quero parabenizar o nosso Deputado Bira do Pindaré pelo trabalho que vem desenvolvendo neste relatório e reafirmar o nosso compromisso com essa tese — o meu pessoal, mas também o da nossa bancada inteira.
A nossa luta avança quando nós não temos medo de enfrentar as dificuldades. Nós entramos nesta Legislatura com a euforia bolsonarista e estamos atravessando hoje um momento em que eles se encontram em grandes dificuldades. Não vai ser hoje que nós vamos recuar desta que é uma bandeira indispensável e necessária à democratização do nosso País. Portanto, vamos à luta e à vitória. Daremos todo nosso apoio à manutenção e à ampliação à política de cotas no Brasil.
16:51
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O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Quero agradecer a intervenção da nossa Deputada Lídice da Mata, que já deixou claro todo o seu compromisso com a continuidade dessa política.
Nós temos muitas pessoas para falar, então eu vou dar uma acelerada e pedir que as pessoas que vierem a intervir possam fazer isso dentro dos 5 minutos que estão regulamentados.
Vou passar agora a palavra para aos integrantes da Mesa, para o Prof. José Vicente, Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares.
V.Sa. dispõe de 5 minutos, professor.
O SR. JOSÉ VICENTE - Vou cumprir à risca, Sr. Deputado.
Deputado Camilo Capiberibe, é com muita satisfação e com muita honra que participo dos trabalhos desta tarde. Eu queria, primeiramente, em nome de toda a nossa comunidade acadêmica da Universidade Zumbi dos Palmares, transmitir um abraço muito afetuoso a V.Exa. e a esta Casa. Quero dizer da nossa satisfação por saber que o Parlamento brasileiro, conduzido por V.Exa., está atento para esta demanda, que é de tanta importância para todos nós brasileiros.
Peço vênia para cumprimentar a Bruna Brelaz, amiga de luta, de trincheira, Frei David, nosso guerreiro maior, que nos ajuda a conduzir essas agendas importantes para o nosso País. Também quero cumprimentar a Ana Paula Cardoso de Moura, da Juventude Socialista Brasileira, tanto quanto o nosso queridíssimo Deputado Orlando Silva. Também quero cumprimentar o Deputado Valmir Assunção; o Deputado Carlos Zarattini; o Deputado Helder Salomão, que esteve conosco; a Deputada Lídice da Mata. Em nome de todos os senhores, eu quero dizer da grande honra e satisfação que foi ter, na pessoa do Deputado Bira do Pindaré, um parceiro e um aliado importante dessa nossa causa, dessa nossa agenda.
Além de ele se debruçar com muita energia para dentro dessa questão, ainda teve a generosidade de atender tantos do nosso movimento negro e atender, sobretudo, a nossa instituição, na Frente Parlamentar Mista de Educação, onde imediatamente criou uma comissão para debater a renovação das cotas raciais. Depois da oportunidade que tivemos de receber essa comissão na nossa Universidade Zumbi dos Palmares, junto com o Deputado Carlos Zarattini e tantos outros parceiros, trouxemos a sociedade civil para debater e trazer contribuições. Produzimos um relatório que pudesse servir como suporte para as discussões que seriam conduzidas.
Por conta disso, nesta tarde, nós nos sentimos muito contemplados pela forma generosa como o Deputado Bira do Pindaré conduziu essa questão e, sobretudo, pela forma ativa como ele permitiu que essas construções pudessem se juntar, como eu pude ver aqui no projeto final, tendo em conta que muitas daquelas questões ali debatidas estão constando agora do projeto.
Sr. Presidente, eu ouvi aqui o Deputado Orlando Silva falando que só pudemos ter Obama porque antes teve a universidade que permitiu que os negros americanos chegassem aos espaços públicos e privados daquele país. Eu me recordei de que a nossa Kamala Harris, talvez, só pôde ser Vice-Presidenta porque antes ela pôde se formar na Howard University, em Washington, fundada em 1847, uma universidade para formar os primeiros jovens negros nos Estados Unidos, sobretudo ali no Estado de Washington. Mas, junto com ela, outras 140 universidades já desenvolveram suas atividades de preparação de quadros, de modo que, desde 1847, os negros americanos já estão dentro das universidades.
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Dessas universidades, 70% são públicas e as demais, subvencionadas. Foi, então, essa medida afirmativa que, mesmo num país cortado pelo apartheid oficial, construiu política pública para que os negros chegassem, então, aos bancos escolares e depois participassem, em pé de igualdade, com todos os demais americanos nas competições que estavam estabelecidas.
Sob essa perspectiva, eu trago inclusive a experiência da nossa própria instituição, a Universidade Zumbi dos Palmares. Essa instituição foi criada em 2001, quando, até por conta dessa provocação dos americanos, mas sobretudo pelo inconformismo de que naquela época somente 2% de negros estavam na USP e quatro professores negros contemplavam todo o grupo de professores da Universidade de São Paulo — com quase 5 mil professores, quatro eram negros —, nós, diante do nosso inconformismo, construímos a primeira universidade negra neste País.
A universidade já completou 18 anos, já formou uma quantidade extraordinária de alunos e já confirmou que é possível construir políticas afirmativas e, a partir delas, superar as desigualdades que estão colocadas no nosso País.
Eu trago a reflexão de que as cotas nas universidades públicas, a bem da verdade, passaram a constituir um sistema, que é o primeiro sistema republicano de inclusão e de fortalecimento, seja da democracia, seja da República. Se nós pensarmos as cotas nas universidades, se nós pensarmos as cotas nos serviços públicos e se nós pensarmos que neste momento mais de 500 empresas estão construindo ações afirmativas para negros no acesso dos seus quadros, nós podemos dizer que esse é um sistema que arrebatou o País para o combate dessas desigualdades.
Por conta disso, eu reputo como indispensável a manutenção das cotas como ela está, para continuar cumprindo os seus pressupostos. Acho que todas as colaborações, que já foram muito bem elencadas, as quais não vou esgotar ao repeti-las, podem ser objeto de aprimoramento e melhoramento da legislação, porque, além de ela ser indispensável e necessária, com esses melhoramentos, ela terá capacidade de cumprir, de forma mais profunda, intensa, o desafio que está colocado para todos nós brasileiros.
Justamente por conta disso, eu também, com a devida vênia, penso que o momento é agora. E, como bem disse o Deputado Zarattini, não existe vácuo no poder. Se nós não colocarmos isso, virão todas as outras "pérolas", como temos acompanhado.
Ao final, quero dizer que concordo com a necessidade de aprimorarmos o nosso esforço no sentido de criarmos mecanismos de manutenção desse jovem no ensino superior, na universidade pública. Precisamos de um sistema que possa fazer, sobretudo, o monitoramento e a avaliação da implementação dessa política.
Podemos usar muitos recursos que já estão sendo usados, como até mesmo a SEPPIR, em que há um órgão, o CNPIR, que cuida da avaliação das políticas públicas. E precisamos aprimorar esse sistema, que já cumpriu seus fundamentos com muita propriedade. A autodeclaração e as comissões de heteroidentificações existem há 20 anos. Elas já cumpriram seus fundamentos, já se formularam, já se estruturaram, já ganharam expertise suficiente para se implementar. Então, ela pode ser internalizada para constituir uma ferramenta importante seja da eficácia da lei, seja, sobretudo de combate às fraudes dessa lei. Concordo e acho importante refletirmos sobre a necessidade de implementação dessa ação também na pós-graduação. É indispensável que os jovens negros possam alcançar a pós-graduação. E uma medida, Deputado Bira, que V.Exa. trouxe, que, para finalizar, reputo como importante, é justamente a possibilidade de que as cotas que já estão disponíveis no serviço público — nós já temos uma legislação que designa 30% das cotas dos estágios para jovens negros — atendam preferencialmente a esses meninos e a essas meninas das cotas que estão colocadas.
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A final, quero dizer que já lançamos, como fizemos em São Paulo, o Movimento Cotas, Sim, que conta com o apoiamento, sobretudo de um conjunto significativo de empresas e formadoras de opinião. Nós estamos na luta, de novo, para dizer que estamos juntos, que estamos prontos para fazer essa luta e que a Universidade Zumbi dos Palmares e a sua comunidade acadêmica é a favor da aprovação da lei na forma como o seu relatório aponta e define.
Muito obrigado. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado.
Eu quero registrar aqui a presença do Deputado Helio Lopes, do Rio de Janeiro. E passou por aqui também a Deputada Erika Kokay.
Eu pergunto ao Deputado Hélio se S.Exa. quer fazer uso da palavra neste momento...
Perfeito.
Então, passo a palavra ao Reitor, Sr. Alfredo Macedo Gomes, representante da ANDIFES, que participa desta reunião remotamente, pelo tempo de 5 minutos. (Pausa.)
O SR. JOSÉ VICENTE - O senhor me permite um segundo só para eu fazer um complemento?
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Sim.
O SR. JOSÉ VICENTE - Eu anotei, mas acabei me esquecendo de falar sobre uma dimensão importante dessa lei. Essa lei não atende só a negros; ela atende a negros, ela atende a indígenas, ela atende a portadores de deficiência e ela atende a pobres brancos com até um salário mínimo e meio de renda.
Então, esta é uma lei que atende ao conjunto da grande maioria dos brasileiros.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito bem. Estão registradas e muito bem anotadas aqui a sua contribuição e a sua complementação.
Agora eu passo a palavra para o Reitor, Prof. Alfredo Macedo Gomes, que representa, nessa audiência pública, a ANDIFES.
O SR. ALFREDO MACEDO GOMES - Boa tarde, Deputado Camilo Capiberibe. Boa tarde a todos os que participam desta audiência pública, que é de importância estratégica para o sistema de universidades públicas federais. Isso é muito importante.
Também vou ser muito breve e procurar dar uma contribuição aqui bastante pontual.
Inicialmente, quero ressaltar aqui a minha preocupação, também introduzida pelo Relator, com relação aos retrocessos. É muito importante que seja formada uma frente ampla e consistente envolvendo, obviamente, não só Parlamentares, mas também a sociedade civil, para não corrermos nenhum risco de retrocesso em relação a essa política, que, no nosso modo de ver, é uma das mais acertadas políticas públicas para as universidades e para os institutos federais.
Nós tememos, obviamente, que isso aconteça, porque somos surpreendidos, como fomos recentemente, com proposta de cobrança de mensalidade nas universidades, o que representa, igualmente, um grande ataque a esta instituição sólida do Estado brasileiro.
17:03
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Quero destacar também que essa medida apresentada pelo Deputado Bira do Pindaré ataca duas questões, que considero fundamentais: aperfeiçoamento do acesso às universidades e também medidas para garantir a permanência dos estudantes.
É importante também diversificarmos, melhorarmos as formas de ingresso dos povos indígenas, dos povos quilombolas, dentre outros povos às universidades. Isso é algo que me preocupa, porque o ingresso tradicional estabelecido pelo ENEM-SISU tem limitações quando consideramos as populações indígenas de maneira geral e as populações quilombolas. Isso também repercute na forma de se olhar para as populações indígenas, que vivem em contextos urbanos. Nós também precisamos ter um olhar amplo sobre esse processo.
É necessário também ressaltar a nossa preocupação, quando se fala da permanência — o Bolsa Permanência é muito importante —, em discutirmos mecanismos para aumentar a infraestrutura para a acessibilidade do pessoal com deficiência. As universidades brasileiras, as federais de maneira geral, e os institutos carecem de política consistente para que haja acessibilidade nos seus prédios. Algumas universidades datam de 40 ou 50 anos ou até mais. É necessário, portanto, que façamos investimento de monta para que as condições de permanência dos estudantes com deficiência possam ser também resolvidas.
Nesse sentido, nós precisamos cuidar, por meio de uma política mais ampla, compreensiva, também de pessoal da área de recursos humanos, como, por exemplo, o professor de Braille, os descritores, os intérpretes, também os assistentes sociais, os psicólogos, dentre outros, para garantir a permanência dos estudantes.
Eu queria também destacar que é muito importante avançarmos no processo de cotas para os programas de pós-graduação stricto sensu. Vou fazer uma referência aqui à nossa Universidade Federal de Pernambuco. Nós implementamos medidas de inclusão, com 30% das vagas, para pessoas pretas e pardas, pessoas quilombolas, pessoas com deficiências, pessoas ciganas e também pessoas trans. O processo de inclusão, que deve ter um coroamento mais amplo em relação ao processo formativo, deve levar a pessoa ao mestrado e ao doutorado, para rompermos a cadeia da desigualdade.
Nesse processo a educação tem um papel, uma força muito grande não só — com todo o respeito, e aqui não vai uma crítica — com relação ao acesso direto ao mercado de trabalho, mas também com relação a se alcançar níveis mais elevados de qualificação na educação. É necessário que a qualificação alcance os níveis mais elevados do sistema educacional, especialmente os cursos de mestrado e doutorado. E, nesse sentido, é muito importante que a lei avance nessa dimensão.
Gostaria também — e aí eu já caminho para a finalização da minha fala — de dizer que nós consideramos que o impacto orçamentário, no que concerne, especialmente, ao Bolsa Permanência, tem condição de ser devidamente atacado com um aumento relativo dos recursos para as universidades. O PNAES é um programa de muito êxito e tem cumprido um papel muito importante nesse processo. Então, nós precisamos incrementar o PNAES com mais recursos, mas que seja possível um incremento que considere não só o recurso da permanência, mas também o recurso destinado à residência estudantil, ao transporte e a outras medidas para custear o dia a dia dentro das universidades e, de uma maneira geral, o material escolar.
17:07
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Em linhas gerais, eram esses pontos que eu gostaria de colocar, ressaltando aqui, como disse o nosso querido reitor da Zumbi dos Palmares, que a política de cotas é mais ampla no que concerne à população a que se destina, envolve a população de negros e negras, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, e também ao corte socioeconômico, que atinge as pessoas em vulnerabilidade socioeconômica. Então, ela precisa ganhar esse fortalecimento e ser consolidada ao longo do tempo.
Ressaltamos aqui a necessidade, portanto, da permanente vigilância política para que não tenhamos nenhum tipo de retrocesso nessa política que representa um grande êxito nas universidades públicas e na sociedade brasileira de uma maneira geral.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, reitor, pela sua participação e pelas suas colocações que enriquecem esta audiência pública.
Antes de passar a palavra para o Deputado Helio Lopes, que vai fazer sua exposição, quero elencar as entidades que estão participando aqui desta audiência.
Nós temos aqui a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas — UBES, representada pela Jade Beatriz, que, em instante, também vai fazer uso da palavra; a Conectas Direitos Humanos, representada pelo Arquias Cruz; a União da Juventude Socialista, aqui representada pela Amanda Costa e pelo Caio Henrique; os alunos da Universidade de Brasília; e a CAPES, representada pelo Leonardo Andrade.
Anuncio a presença aqui do Deputado Elvino Bohn Gass, do PT do Rio Grande do Sul.
Passo a palavra para o Deputado Helio Lopes, do Rio de Janeiro.
O SR. HELIO LOPES (PL - RJ) - Sr. Presidente, quero parabenizar V.Exa. pela condução desta audiência pública e todos os participantes que expressaram o seu posicionamento. E quero deixar bem claro, quem conhece o meu posicionamento referente a esse assunto sabe disto, que eu respeito a opinião das pessoas.
E só para que fiquem bem tranquilos, quero dizer que uma pessoa da minha família disse que não ia votar em mim por causa do meu posicionamento. E eu disse o seguinte: "Não, você tem que votar conforme a sua consciência". Então, eu defendo, bem tranquilamente, a opinião das pessoas.
Para falar aqui do meu posicionamento referente à cota racial, eu vou fazer uma ilustração. Depois, fica a critério de cada um que ouviu avaliar. Vivemos numa democracia, esta aqui é a Casa do Povo, então tenho que expressar o meu posicionamento.
17:11
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Presidente, vamos tentar analisar algo que o pessoal fala: que se trata de uma reparação histórica. Eu não estou contestando a reparação histórica — até porque uma reparação tem que ser histórica. Respeito quem pensa assim.
No século VII, aproximadamente no ano 711, os mouros saíram do norte da África — Argélia, Marrocos — e foram para uma área próxima à Península Ibérica, Portugal e Espanha. Ali ficaram até 1490, 1492. Eles ficaram esse tempo todo ali. Então, houve uma miscigenação, houve uma mistura de raça, trocas de cultura e vários acontecimentos. Mas não houve troca porque o pessoal do norte da África dominou por vários séculos aquela parte da Europa.
Entre as culturas desse povo estava a navegação — e vou frisar mais o que ocorreu em Portugal. Quando eles saíram dali, em 1490, começaram as navegações. O português, quando chegou ao continente africano — que não foi o norte da África —, ele não pegava o negro no laço. Havia conflito tribal, e o mais forte pegava o mais fraco. O português comprava aqueles negros capturados e os levava aos países compradores. No caso, os portugueses os trouxeram para o Brasil. Não estou falando sobre ser certo ou errado; estou falando sobre essa parte da história.
Quando o português chegou aqui ao Brasil, ele vendia o negro, infelizmente. Não acho correta a escravidão, mas até 1888, a escravidão não era crime. Houve barbaridades. Não sou a favor da escravidão. Estou expressando minha opinião. Quando chegou aqui, o português vendia os negros. Tínhamos aqui o Barão de Guaraciaba, no Rio de Janeiro. Ele era um barão, e ele era negro e tinha negros escravos.
Então, falam que se tem que cobrar essa dívida histórica. Indago a quem se deve cobrar: dos mouros, do norte da África; dos portugueses, que fizeram o tráfico negreiro; ou cobro de quem aqui no Brasil comprava e vendia escravos?
A escravidão foi lá atrás. Eu acho que a gente precisa ter um ponto, para tentar ver de forma diferente, respeitando todas as opiniões. "Em que sentido, Hélio? Como assim?" Deve-se ver que a escravidão teve a visão do seu tempo. Eu não vou conseguir enxergar a escravidão hoje com iphone, WhatsApp, Twitter, Facebook e tudo o mais, tal como aconteceu num tempo lá atrás.
Então, Sr. Presidente, como resolver? Eu acho que falta um dia sentarmos e conversarmos, mas não só com uma ideia de revanchismo, até porque não temos a quem cobrar aqui. Será que vamos cobrar do português? Vou cobrar do negro que tinha escravos? E isso existia...
V.Exa. quer falar alguma coisa?
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Apenas quero dizer que temos o tempo de 5 minutos, mas queremos ouvir a sua posição. O senhor pode continuar falando.
Na verdade, o tempo para os Deputados é de 3 minutos, mas queremos ouvir a sua posição.
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O SR. HELIO LOPES (PL - RJ) - Sim. E o que acontece? Então, eu acho que, em alguma hora, devemos sentar e ver como conversar.
Sobre cota racial — e vou falar sobre cota racial —, eu, Hélio, tenho outra visão, respeitando quem pensa diferente. Penso que a cota social dá oportunidade a mais gente, porque a cota social contempla os negros também. Mas quem pensou em cota racial? Respeito a opinião. Essa é a minha posição.
Há outra coisa que o pessoal fala: O Brasil é um País racista?
(Intervenção fora do microfone.)
O SR. HELIO LOPES (PL - RJ) - Respeito a opinião. Por isso é que estamos em uma democracia. Esta é uma Casa plural.
Como vão me explicar estas duas coisas — e peço a você que me responda: se o Brasil é um país racista, como este que vos fala — negro, preto, dente amarelo, olho vermelho, filho de descendente de escravo — foi o Deputado mais bem votado do Rio de Janeiro, cuja população não é majoritariamente negra? Como?!
E faço outra pergunta: se o Brasil é um país racista, vamos aos dados do IBGE sobre a Bahia: aproximadamente 80% da população baiana é composta por negros. E, quando vemos a quantidade de negros na Casa, não chegamos a 30% de representatividade. A Bahia é racista? Não. O povo baiano se identifica com o candidato que defende determinada pauta, ou aquele que é um professor ou membro de sindicato, um jovem, um cristão. Ele vota com quem se identifica, e não pela cor da pele. Ele não vota pensando na cor da pele. Então, o povo baiano é racista? Alguém aqui está falando que é. Ora, se o povo baiano é racista, Estado onde a população é majoritariamente negra — 80% da população —, se eu tiver o mesmo pensamento, vou afirmar que o negro é racista. Não! O negro tem a livre escolha.
Sr. Presidente, no que diz respeito às ações afirmativas nas universidades, na minha visão — e posso estar errado —, nós temos equipes que muita gente chama — e acho que o termo é pejorativo, em razão da função — de "tribunal racial". Houve decisões sobre pessoas que praticam a matemática da escolha da exclusão. Eu acho que não. Se ele está lá, deve escolher. E em que sentido? Há uma comissão cujos integrantes são nomeados para dizer: "Você entrou como negro, mas você é preto. Você não é pardo, você é branco". Baseado em quê?
E digo isso porque, hoje, existe a autodeclaração. Nada contra. Se a pessoa, amanhã, achar que tem um sexo diferente, ou achar que deve mudar algum nome identitário, ou se achar era preta e passou a ser branca, o que se deve fazer? E há lei para isso — refiro-me à autodeclaração. Então, autodeclarei-me branco — um exemplo. Eu chego ao "tribunal racial", um tribunal de exclusão, e o pessoal fala que não sou. "Olha, eu me considero branco". Aí o cara fala: "Não".
17:19
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E tem uma lei — lei! — que diz que eu posso fazer uma autodeclaração. Aí tem uma comissão para dizer quem é preto e quem é branco que diz que você não é.
Eu sugiro acabarmos com a autodeclaração e valorizar só o pessoal da comissão ou então cota social que contemple o nordestino branco pobre, o gaúcho pobre, o carioca pobre, o mineiro pobre.
E outra coisa, tem algum erro o baiano negro votar em um Deputado branco? Teve erro do povo carioca branco votar em mim negro? Não!
Por isso, a minha cor é o Brasil.
Muito obrigado, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós recebemos a contribuição do Deputado Helio...
O SR. HELIO LOPES (PL - RJ) - Respeitosa!
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Respeitosamente divergindo...
O SR. HELIO LOPES (PL - RJ) - Que fique bem claro que é a minha opinião. Respeito a opinião de todo mundo.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Eu acho que duas coisas importantes estão sendo debatidas: uma é a reparação. Nós não estamos debatendo neste momento reparação histórica. Nós estamos debatendo fazer do Brasil um país mais justo, mais democrático, com oportunidades para todos.
Se você entrasse numa universidade no início dos anos 2000 ia encontrar uma universidade homogênea, sem diversidade, sem representatividade do que o Brasil de fato é.
As cotas não são exclusivamente raciais. Foi colocado por vários expositores que as cotas também são econômicas e sociais. Então isso que o senhor está defendendo já está dentro desse próprio debate.
O SR. HELIO LOPES (PL - RJ) - E no concurso público?
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Não são questões excludentes. As cotas são étnico-raciais, sociais e também para pessoas com deficiência.
O SR. HELIO LOPES (PL - RJ) - E no concurso público?
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós não estamos debatendo essa questão aqui. Nós não estamos debatendo as escolhas político-partidárias das pessoas, que são individuais e dadas pelos valores individuais de cada um. Aqui a discussão é sobre a política de cotas.
Mas agradecemos a sua exposição. Eu precisava apenas recolocar o tema que está sendo debatido nesta audiência pública e agradecer.
Neste momento, passo a palavra à Sra. Rita Cristina Oliveira, Defensora Pública da União, Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União e representante do NAPP de Igualdade Racial da Fundação Perseu Abramo.
A SRA. RITA CRISTINA OLIVEIRA - Boa tarde a todos e todas. Agradeço imensamente a oportunidade de fala.
Espero tentar aglutinar a minha fala para contemplar o tempo, já me colocando como representante não só do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, mas também do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Igualdade Racial da Fundação Perseu Abramo, uma missão que também assumi a pedido da Ministra Nilma Lino Gomes, que não pôde estar presente nesta oportunidade.
Então, em nome da Defensoria e do NAPP, cumprimento todos os presentes, na pessoa do Presidente Deputado Camilo Capiberibe e do Deputado Bira do Pindaré.
O Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da DPU já há algum tempo acompanha as políticas afirmativas. Nesse trabalho de alguns anos acompanhando a política de cotas nós levantamos alguns dados que eu considero importante trazermos para essa nossa discussão justamente para justificar toda essa nossa preocupação colocada ao longo desta tarde.
17:23
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O Deputado Bira já colocou os pontos centrais do seu relatório. Já adianto que ele contempla, em grande medida, as nossas preocupações e as nossas proposições na Comissão de Juristas negros e negras da Câmara dos Deputados, como o Dr. Silvio Luiz de Almeida já frisou também. Eu fiz parte dessa Comissão juntamente com ele. O relatório contempla, em grande medida, as proposições que articulamos durante o trabalho da Comissão e todas as preocupações que nós colocamos no relatório.
O primeiro ponto para o que eu queria chamar atenção é reflexo de um diagnóstico ainda muito preliminar, mas que traz dados indicativos bem importantes da nossa preocupação. O grupo de trabalho da DPU constatou que, embora tenha havido de fato um aumento expressivo no ingresso de estudantes beneficiados pela política — portanto, provenientes de escola pública, de baixa renda ou cotistas étnico-raciais — nos últimos anos de sua execução, nós precisamos ainda qualificar esse aumento para entender melhor essa etapa de êxito na oferta de vagas e no ingresso. Ou seja, é preciso melhor investigar se os processos de seleção para ingresso foram aplicados de forma adequada e, sobretudo, reconhecer que esses apenas 10 anos — 10 anos é muito pouco tempo, são apenas dois ciclos de formação superior — não são suficientes para uma análise de êxito nessa etapa, ainda que inicial, que diz respeito ao ingresso.
Nós percebemos, por alguns resultados de mapeamentos que fizemos, que, no início de sua execução, a política não foi legalmente padronizada. Ou seja, houve uma assimetria no que diz respeito ao tempo de adoção da política e também nos procedimentos de seleção para ingresso nas diversas instituições de ensino superior, o que significa que não houve uma experiência de ofertas de vagas e de ingresso de forma equânime e justa em todas as Regiões do Brasil. Esse já é um ponto que nos coloca diante da necessidade de aprimoramentos em relação à etapa do ingresso.
O segundo ponto, muito preocupante, diz respeito à política de permanência e já foi levantado aqui por vários dos que me antecederam. Nós verificamos junto ao MEC que, no período de 2016 a 2020, apesar de ter havido um aumento no número de estudantes beneficiados com a política de permanência, houve um decréscimo no orçamento executado — enquanto o número de estudantes subiu em 22,4%, o orçamento executado decaiu em torno de 5%. A diferença se tornou mais expressiva quando nós verificamos a média mensal do valor por estudante beneficiado, que sofreu uma redução de 22,1% entre 2016 e 2020.
Quando avaliamos os dados agregados do PNAES, nós identificamos que, após um aumento progressivo anual, em 2016 houve justamente um decréscimo de bolsas pagas e, consequentemente, de estudantes beneficiados pelo Programa de Bolsa Permanência. Essa constatação deve estar atrelada a uma análise em que verificamos dados expressivos de evasão e, por isso, precisa ser esclarecida. Nós temos, então, sólidos indícios de que a ausência de uma política de permanência robusta reduziu, em parte, o êxito da política após a etapa do ingresso.
17:27
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Um terceiro ponto é que, como também já foi sinalizado aqui, nesses 10 anos os órgãos responsáveis pelo monitoramento e avaliação da política, a saber, o Ministério da Educação e a SNPIR, não investiram em políticas de monitoramento e avaliação da política. O Comitê de Acompanhamento e Avaliação das Reservas de Vagas nas Instituições Federais de Educação Superior e de Ensino Técnico de Nível Médio, nos termos do Decreto nº 7.824, de 2012, que regulamenta a Lei de Cotas, não foi implementado até hoje. Até hoje a SNPIR aguarda a assinatura de um acordo com o Ministério da Educação, que simplesmente silencia sobre o funcionamento desse comitê, para que ele pudesse ser instituído.
Uma outra ferramenta de monitoramento que nós identificamos que também foi abandonada foi o Sistema de Monitoramento de Políticas Étnico-Raciais — SIMOPE, que fora um investimento inicial tecnológico do Governo da Presidenta Dilma Rousseff, em 2015, que foi abandonado no que diz respeito ao investimento de atualização dessas ferramentas e demonstra vários problemas de coleta e qualificação de dados para dar conta da tarefa de monitoramento da política pública. Nós temos também problemas em relação aos dados que formam a base desse sistema, e também há uma assimetria de alimentação dessas informações pelas instituições de ensino.
Portanto, esse prazo legal demonstrou que o monitoramento e a avaliação carecem de uma série de padrões e dados que não puderam ser observados a partir das respostas obtidas junto às instituições de ensino. E também a própria SNPIR tentou fazer uma pesquisa, recentemente, endereçando perguntas às instituições de ensino, e elas, embora em baixíssimo nível tenham respondido as perguntas, também indicaram a ausência desses padrões.
Bom, é preciso dizer, então, que o PL 3.422/21, no que está colocado aqui em linhas gerais, no que diz respeito à sua proposição inicial e no relatório do Deputado Bira do Pindaré, traz todo um esforço de articulação e de tramitação para que tenhamos um avanço democrático em relação à política de cotas. Nesse sentido, quero parabenizar os consultores e Parlamentares envolvidos, mas quero destacar o trabalho do relatório do Deputado Bira do Pindaré, porque entendo que ele aglutinou várias contribuições da Comissão de Juristas Negros e Negras, cujas proposições, por sua vez, não surgiram somente das nossas compreensões como profissionais da área do direito, mas de todo um trabalho de escuta pública que nós fizemos durante o processo de funcionamento da Comissão.
Nesse processo de escuta pública, nós ouvimos muitos atores sociais envolvidos com a execução e a implementação da política pública, e por isso chegamos a diversas proposições que resgatam questões que são fundamentais para a execução da política, a saber, o disciplinamento das comissões de heteroidentificação; as metas de desempenho, para além do ingresso e da permanência estudantil; a promoção de políticas de permanência estudantil; e o estabelecimento de metas, que é próprio de qualquer política pública, e mais ainda deveria ser das ações afirmativas. Por isso, seria muito válido que pudéssemos colocar essas metas de atingimento atreladas ao tempo de vigência dessa política pública. E não estamos inovando, na verdade, ao trazer essa proposição.
17:31
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Essa proposição já estava, de alguma forma, articulada na proposta de Abdias do Nascimento, lá em 1983. O que nós fizemos foi um ajuste de diversas proposições de Parlamentares, para que pudéssemos também aglutinar essa perspectiva de temporariedade, sim, da política, porque ela não pode ser permanente. Como já disse o Deputado Bira do Pindaré, nós estamos atrelados à Convenção Interamericana, que traz esse caráter temporário. Mas é importante que essa temporariedade — e também a Convenção nos ampara em relação a isso — seja disciplinada pelo atingimento dessas metas de inclusão e de democratização do ensino superior.
Eu queria só chamar a atenção para dois pontos que já foram sinalizados aqui. As cotas no ensino superior também têm uma ligação de êxito relacionadas às cotas no serviço público. E aí eu trago especificamente a preocupação em relação à observância das cotas no serviço público no que diz respeito ao acesso aos cargos de docência. Nós temos um problema de racismo epistêmico, que também, de certa forma, reduz ou compromete a eficácia das ações afirmativas no ensino superior para os estudantes, quando não temos acesso também de professores e professoras negros e negras às cadeiras de docência. Então, é preciso olhar também com atenção e com articulação para a política de cotas no ensino superior, endereçando uma política específica para a redução desse déficit, que tem números constrangedores no que diz respeito ao ingresso de docentes negros e negras.
Por fim, isso também está, por sua vez, atrelado à política de cotas na pós-graduação, como já disse o Reitor que me antecedeu, que é uma preocupação que também dialoga diretamente com esse ciclo de eficácia completa que deve ter a política afirmativa no que diz respeito a toda a cadeia do ensino superior.
Muito obrigada. Peço desculpas se extrapolei um pouquinho o tempo.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós que agradecemos a sua participação, Defensora Rita Cristina Oliveira, que é Coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais, da Defensoria Pública da União, e representante do NAPP de Igualdade Racial da Fundação Perseu Abramo.
Quero registrar a presença das Deputadas Erika Kokay, Professora Rosa Neide e Maria do Rosário e do Deputado Bohn Gass e passar a palavra nesse momento para o Deputado Bohn Gass.
São 3 minutos para os Parlamentares, mas estamos esticando para até 5 minutos, para todos os que estão aqui participando.
O SR. BOHN GASS (PT - RS) - Eu lhe agradeço muito a oportunidade e quero parabenizar quem está aqui nessa luta pelas cotas. Saudando os colegas Deputados, quero lembrar que, em 1968, houve uma lei de cotas. Ocorre que aquela lei era para afundar ainda mais o fosso entre ricos e pobres. Era uma lei de privilégio. Sabem como se chamava essa lei? Lei do Boi. O filho de fazendeiro tinha cota de gratuidade para virar agrônomo e médico veterinário, e os pobres não tinham acesso.
E há quem hoje seja contra a lei de cotas, que é exatamente para tirar essa distância, esse fosso que existe para tantos pobres nesse Brasil, que estão na fila do osso, no Governo do Bolsonaro. E ouvir bolsonarista vir aqui dizer que é contra a cota é algo que dói na alma, quando sabemos que há esse reparo histórico que precisamos fazer. São eles que aumentam esse fosso, essa distância, fazendo o pobre ficar mais pobre, e não querem a cota; eles que contribuem com a violência, colocando armas na mão do povo, para criminalizar, violentar e matar pobres, irmãos, companheiros nossos, por causa da cor, das chacinas que estão acontecendo; eles que mostram desrespeito em relação às cotas, quando há alguma necessidade de atendimento especial, uma deficiência. São as três áreas fundamentais em que nós queremos as cotas.
17:35
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Eu lembro a frase que foi dita quando o Lula entrou no Palácio do Planalto, a elite brasileira queria ver Lula servindo cafezinho, limpando banheiro, mas jamais Presidente da Nação brasileira. E esse é o conceito. Quando alguém vê um negro servindo cafezinho, limpando banheiro, carregando mala para os outros, ninguém estranha isso e ninguém comenta, mas quando vê um negro em uma universidade, quando vê um negro doutor, quando vê um negro juiz, aí estranha. Gente, mas que preconceito cultural é esse que tomou conta das nossas mentes e almas que faz com que não tenhamos respeito digno pelas pessoas?
Então, nós defendemos, sim, a lei de cotas da igualdade racial, a lei de cotas em relação à condição social, a lei de cotas em relação às necessidades especiais, a fim de que possamos exatamente promover o rompimento de um ciclo que criava esse fosso de distâncias sociais para estabelecer políticas afirmativas que aproximem. Por isso, as cotas só deixarão de existir no dia em que nós tivermos rompido esse ciclo de desigualdades e chegarmos à igualdade de condições. Essa é a minha tese, e, por isso, sou sempre a favor de cotas, para que nós no Brasil possamos, com as políticas afirmativas, fazer esse reparo tão importante.
Obrigado, pessoal. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós que agradecemos a sua participação, a sua contribuição nesta importante audiência pública.
Eu quero agora passar a palavra para a Deputada Professora Rosa Neide, que é Presidenta da Comissão de Cultura e que também participa conosco nesta tarde desse importante momento da educação brasileira.
A SRA. PROFESSORA ROSA NEIDE (PT - MT) - Deputado Camilo, Deputado Bira, todos os demais Deputados e Deputadas presentes, cumprimento a todos que estão aqui participando efetivamente desta audiência e desta luta, e cumprimento a Bruna, nossa Presidente Nacional da UNE.
Bruna, acho que você é a autoridade maior aqui deste ambiente, por representar os estudantes brasileiros, aqueles que almejam o espaço de direito que muitas vezes eles perderam ou nunca conquistaram. E você, em nome de todos os estudantes, está aqui conosco.
O Deputado Bohn Gass foi muito feliz no seu pronunciamento. E eu quero dizer, como professora, como dirigente que fui da educação pública do meu Estado, que sei o quanto nós temos dívidas históricas, e não dá nem para precisar, Frei David, quanto tempo necessitamos para pagar a dívida. Então, é claro que nós podemos planejar o tempo, podemos dizer que as cotas precisam ser temporárias, até porque nós queremos eliminar esse absurdo, esse fosso aberto em nosso País, mas, por mais que planejemos... Nós vínhamos, por exemplo, em um planejamento, Bira, mas depois o fosso aumentou, e o planejamento tem que ser outro. Quando achávamos que íamos fazer 10 anos e íamos avaliar, fazer mais 10 anos e avaliar, o fosso ficou mais aberto, Deputado Bohn Gass, e nós temos que, de novo, calçar o fosso, para vermos se aproximamos os que não têm dos que têm neste País.
Um dia eu ouvia o ex-reitor de uma das Universidades Federais do Estado do Pará, que disse: "O fosso é tão largo que não será no nosso tempo que teremos a possibilidade de ver o fosso ser fechado".
17:39
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Então não dá para discutirmos essa temporalidade, Bruna. Temos que discutir e saber que cota é uma política estruturante no País. Ela tem que existir. Além de ela ser estruturante, nós temos que dar condições para que a cota de fato possa fazer a diferença — a entrada e a permanência. Não adianta a cota da entrada sem as condições de que os estudantes que entraram permaneçam no ensino superior. Quando eu corto uma bolsa, eu estou retirando um estudante do ensino superior, da universidade.
Nesse sentido, precisamos juntar todas as forças dos Parlamentares compromissados, que representam realmente a população brasileira. Num País preconceituoso como o nosso, num País com a dívida histórica com o povo negro e com os povos originais que nós temos, precisamos realmente discutir essa política, entender que as cotas vão fazer parte de nossas vidas enquanto aqui estivermos. Eu aqui repito o Reitor do Estado do Pará: não será no nosso tempo que conseguiremos reparar. Por isso, cotas agora! Que haja a continuidade das cotas e a garantia de que os nossos estudantes entrem, que seja analisada a condição de chegada de cada um e de cada uma e depois da permanência em nossas universidades.
Para isso, contem com o nosso mandato. Estarei na luta, como professora, abraçando esta causa, que é minha. É minha a causa dos estudantes da escola pública, de defesa da escola pública. Só entrei na universidade, Frei, porque participei de um projeto especial como aluna de escola pública da minha época. Sou professora de escola pública uma vida inteira — são 42 anos na educação pública. Estou aqui para, de corpo e alma, participar dessa luta e da defesa das cotas.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós é que agradecemos.
Eu quero agora convidar para vir aqui para a mesa a Jade Beatriz, que é Presidente da UBES — União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. (Palmas.)
Ela vai ocupar a cadeira da Presidente da União Nacional dos Estudantes, que precisa se retirar para um outro compromisso, a Bruna.
Muito obrigado, Bruna, pela sua presença, pela representação dos estudantes das universidades brasileiras aqui nesta audiência pública.
Eu já passo a palavra para a Jade Beatriz.
A SRA. JADE BEATRIZ - Boa tarde a todos e a todas que estão aqui presentes, nesta audiência tão importante.
Queria começar parabenizando o Relator, o Deputado Bira do Pindaré, parabenizando também o Presidente da Comissão de Direitos Humanos, o Deputado Orlando Silva, parabenizando o Deputado Camilo Capiberibe, que organizou toda esta sessão, que é tão importante durante este período que vimos vivendo.
Eu me chamo Jade Beatriz, como já fui apresentada. Sou Presidenta da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, entidade muito importante para a construção da luta em defesa da educação do nosso País, uma entidade que representa inclusive todos os estudantes que sonham em adentrar no ensino superior e que sabem a importância que as cotas têm para o nosso País.
Falar sobre as cotas não é apenas falar sobre a questão da ascensão social que nós queremos, mas também é falar sobre o projeto de desenvolvimento e soberania nacional do nosso País. Então, falar sobre as cotas é falar sobre o futuro e o presente que o nosso País precisa ter.
17:43
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Eu vi aqui a contribuição de muitas pessoas sobre a questão da Lei de Cotas, colocando a importância da reformulação e do aprimoramento que essa lei precisa ter durante esse período, entendendo que ela não pode acabar. Esse período dos últimos 10 anos foi muito importante para a questão da pintura da universidade, para que a universidade seja pintada com o povo.
Como representante da UBES — União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, reafirmamos a importância dos estudantes secundaristas na luta em defesa das cotas, porque somos nós que queremos adentrar na universidade. Nós queremos um dia poder participar da União Nacional dos Estudantes e da ANPG e ocupar esses espaços, entendendo que isso colabora para a construção do nosso País, indo na contramão do movimento de desmonte da educação, que vem crescendo, como foi o caso da PEC 206/19, que é a cobrança de mensalidades dentro das universidades, como é o caso também do homeschooling, que vem falando sobre a educação domiciliar.
E aí eu faço uma pergunta a todas as pessoas deste plenário: a quem interessa que nós estejamos fora da sala de aula? A quem interessa que nós estejamos fora da escola e fora das universidades? É por isso que a UBES, a UNE, todas as entidades estudantis e todos os estudantes brasileiros vêm dizer que nós precisamos defender a reformulação e o aprimoramento das cotas, entendendo que esse é um espaço que queremos construir e no qual queremos adentrar, ao contrário desse discurso capacitista, esse discurso de meritocracia, que fala que nós não precisamos adentrar nesses espaços através das cotas.
Eu volto a falar o que foi dito aqui mais cedo. Ontem aconteceu uma operação policial que assassinou 22 pessoas no Rio de Janeiro e afetou 19 escolas. Eu pergunto para vocês: como os estudantes dessas escolas vão conseguir adentrar na universidade? E as cotas têm um papel crucial de apresentar novos caminhos para além do que é desenhado para nós, que é o cárcere, que é o tiro, que é a morte, que é o tráfico. E o novo caminho é a escola, é a universidade, é a educação.
Então, que nós sigamos unidos, de mãos dadas, em defesa da educação e em defesa principalmente do Brasil através da Lei de Cotas.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós é que agradecemos, Jade, a sua intervenção, a sua contribuição neste debate tão importante. Ficamos muito felizes de ter você aqui na mesa conosco.
Eu passo agora a palavra para a Deputada Federal pelo Rio Grande do Sul Maria do Rosário, grande defensora dos direitos humanos.
A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT - RS) - Presidente Camilo, eu vou pedir licença, porque eu vou tentar falar com esse microfone um pouco virado. Às vezes eu consigo fazer isso aqui na Comissão de Direitos Humanos, porque eu tenho grande dificuldade de falar de costas para as pessoas. Principalmente, eu creio que nem a Deputada Erika Kokay, nem o Frei David, o Prof. José Vicente, o Deputado Bira do Pindaré, brilhante Relator, a Jade, a Ana Paula, nenhum de nós, nenhuma de nós aqui quer estar de costas ou manter os poderes da República de costas para a juventude negra deste País.
17:47
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Então, eu quero simbolicamente aqui dizer da enorme responsabilidade que nós temos quando compomos esta Casa. Não é qualquer Casa; o Parlamento brasileiro foi responsável por grande parte da cultura e da manutenção de leis escravistas. Não nestes corredores, mas nos corredores do poder foram decididas as leis que definiram a morte, o holocausto, os castigos físicos e a tortura daqueles que nunca receberam a devida consideração e reparação do Estado brasileiro.
No Brasil, nós não podemos falar de reparação. Aliás, este País tem um grave problema, minha querida Deputada Rosa, que representa os anistiados políticos. Este País não fez justiça de transição após a ditadura civil-militar e a tortura — não fez justiça de transição, Deputado Bira —, não fez justiça alguma, diante do holocausto e da escravização de seres humanos, quando o mundo inteiro já estava liberto, pelo menos formalmente, desta grave violação e já a reconhecia como uma grave violação aos direitos humanos.
O Parlamento brasileiro é a Casa que manteve, por mais de 70 anos da sua existência como instituição, um povo livre cativo e violado nos seus direitos.
Eu me sinto na obrigação de dizer isso aqui. Quando eu me dei conta de que a Lei de Cotas estava nesse período que nós estamos vivendo agora, que não é o fim da Lei de Cotas — é bom que se diga —, nós estávamos juntos, Deputado Bira, analisando as circunstâncias da morte de um jovem homem negro dentro do supermercado Carrefour em Porto Alegre. Aquela Comissão, presidida pelo Deputado Damião Feliciano, com a Deputada Benedita da Silva, com o Deputado Bira do Pindaré e com o Deputado Orlando Silva, foi a que propôs, então, levantarmos uma série de questões, entre as quais, na audiência com as pessoas da sociedade civil, a necessidade de abordarmos e fazermos um projeto dessa natureza.
O projeto que eu subscrevo, Deputada Erika, que eu assino, assino junto com a Comissão que tratou do assassinato vil e covarde de um jovem negro.
Ao dizer isso, estou extremamente satisfeita com o trabalho do Relator, porque o Relator Bira do Pindaré está escutando e está atento à correlação de forças, que não é boa nesta Câmara dos Deputados. O Relator Bira do Pindaré está adotando alguns aspectos trazidos pelo projeto de lei que assino junto com os demais, como, por exemplo, que nós não nos sentimos à vontade para apresentar novo prazo. É errado apresentar prazo. E o Relator está agora incorporando no substitutivo este conceito.
Primeiro, eu sou uma mulher branca. Eu acho que nenhuma mulher branca ou nenhum homem branco deve dizer o prazo da dor dos outros, principalmente da dor dos negros e negras. Eu tenho que romper a minha branquitude e a branquitude de muitos para conseguir admitir que nós não podemos continuar dizendo que há prazo, quando este País não dá prazo para a reforma urbana, para a reforma da segurança pública, para a inclusão e para a superação do racismo estrutural, porque estrutura não se supera assim.
Segundo, eu creio que é isso que o Relator está adotando, e queremos deixar consignado, nós também não deveríamos ter avaliação no formato inicialmente proposto, porque não há avaliação nas outras leis. Isso eu tenho sustentado junto ao Relator. Qual é a lei que, depois de 5 anos, é avaliada? Qual é a lei aprovada aqui? Por acaso há essa avaliação, quando eles estão ali vendendo o patrimônio público ou acabando com os direitos do povo? Por acaso disseram que, em 5 anos, haveria a avaliação da reforma trabalhista, danosa em tudo aos interesses dos mais pobres deste País, ou da reforma da Previdência?
17:51
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Então, eu realmente creio que nós não devemos aceitar que, em matérias de direitos humanos, exista um instituto de reavaliação, porque quem reavalia é a conjuntura política daqueles que estão loucos para retirar o direito. E direito é coisa que... Eu ouvi de um rapaz indígena do Sul, certa vez, uma expressão que não tem correção linguística na língua portuguesa, mas que repito, porque, para mim, tem um valor enorme. Ele me disse: "Senhora, direitos a gente não 'negoceia'". Direito a gente não negocia.
O direito à educação, Jade, direito de todos e dever do Estado, não pode entrar em negociação aqui dentro. Por isso, sou contra a PEC 206. O direito à cota foi um passo — o único, sinceramente — desta Nação que talvez tenha surtido efeitos mais imediatos contra essa estrutura racista, mas ele não concluiu a sua fase. E quem vai prometer que vai concluir?
O colega Deputado Bira do Pindaré, do meu ponto de vista, está encontrando caminhos, criando novo formato para atender ao princípio de assegurar que não é a legislação sobre os direitos dos negros e negras e sobre os direitos humanos que deverá ser aquela que terá escrito: "Tanto tempo para se reavaliar".
Enfim, eu agradeço a oportunidade de ser parte e apresentar isso aqui, porque é uma forma também de reparar não o que é uma responsabilidade individual de cada um e de cada uma de nós, mas de dizer que, de minha parte, eu creio que esta Nação não pediu desculpas. O Presidente Lula se dirigiu à África para pedir, e teve uma atitude de grandiosidade naquele momento — não, de justiça, de justiça —, foi justo ao pedir desculpas ao povo africano. Mas eu acho que as desculpas que nós devemos é garantir que direito não se negocia e que isso já é direito, já está consolidado como norma jurídica da qual nós não vamos recluir, porque o princípio dos direitos humanos é de que retrocessos em matérias definidas em direitos humanos são inaceitáveis, inconstitucionais e ferem os tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é signatário.
Não vou estar nesta audiência, porque estou indo para outra reunião, mas há várias pessoas acompanhando.
Eu quero olhar para vocês, para o rosto de vocês e agradecer a resistência. Quando vocês dizem "Valeu, Zumbi! Valeu, Dandara!", olhem nos olhos de cada jovem mulher e homem negro e reconheçam a luta, a resistência e o exemplo de vida que cada família, cada mulher, cada homem negro nos oferece. Este é o Brasil que queremos de verdade no poder.
Muito obrigada. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Deputada Maria do Rosário, pela sua intervenção qualificada, propositiva e emocionante.
17:55
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Nós vamos passar a palavra a um dos expositores — ainda há muitos a falar. Vamos alternar a concessão da palavra entre eles e as Deputadas que estão aqui, para que tragam suas contribuições, que estão sendo recolhidas.
Eu quero chamar agora para fazer uso da palavra a Sra. Givânia da Silva, representante da CONAQ — Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, que vai participar do nosso debate remotamente.
A SRA. GIVÂNIA MARIA DA SILVA - Boa noite, Deputado Camilo Capiberibe. Boa noite, Deputado Bira do Pindaré, nosso companheiro de muitas lutas.
Quero cumprimentar todas as Deputadas, na pessoa da minha companheira Deputada Maria do Rosário, que não só se emocionou, mas também nos emocionou com sua fala. Direito não se negocia, e ninguém pode avaliar a dor dos outros. Deputada Maria do Rosário, a senhora tem toda razão.
Eu serei muito breve, porque já fui contemplada com muitas das questões que foram levantadas aqui.
Falarei em nome da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas — CONAQ, mas também trago a representação da Rede de Ativistas do Fundo Malala no Brasil, pelo direito à educação, uma rede de organizações e movimentos que tem tratado desse tema de forma muito severa, somando aos exemplos de resistência nossas vozes, nossas falas.
Eu quero me deter muito rapidamente em dois pontos, para não extrapolar o tempo. Primeiro, a Lei de Cotas não é reparação, é simplesmente a observância da necessidade de o Brasil falar de determinados temas sem vergonha, por exemplo democracia e cidadania, coisas que não existirão enquanto houver um racismo que mata as pessoas por seu pertencimento étnico-racial.
Do ponto de vista da Coordenação Nacional, nós nos manifestamos formalmente ao Relator, apontando para ele algumas questões que deveriam ser observadas e que são necessárias. Uma: é preciso que apoiemos as universidades e fiquemos vigilantes para que as vagas remanescentes dos cursos não reforcem grupos que historicamente já são privilegiados.
Duas: é preciso colocar o termo "quilombola" na lei. Não estava no primeiro projeto. Hoje, Deputado Camilo, nós somos mais de 6 mil quilombos espalhados por todo o Brasil, nós somos mais de 52 mil professores quilombolas, nós temos mais de 2.500 escolas. Em 2019, nós tivemos 306 mil matriculados na educação básica, e apenas 10% desses ingressaram no ensino médio. Isso é muito grave. É uma dívida que não se repara. Nós precisamos visualizar esse sujeito. Nós estamos em 30% dos Municípios brasileiros.
Eu finalizo — prometi ser fiel ao tempo, dado o avançado da hora —, falando da necessidade que nós temos de colocar de forma explícita na Lei de Cotas os sujeitos quilombolas, que, dentro do grupo dos sujeitos negros e negras, ainda são os mais invisibilizados. Se vocês pensarem que, de 306 mil matrículas, apenas 10% vão para o ensino médio, Deputado Camilo, verão que nós ainda não estamos nem disputando a Lei de Cotas. Por isso, é necessário que haja, sim, um recorte na lei que garanta a entrada e a permanência dos estudantes quilombolas, dado o seu grau de dificuldade, inclusive pelo fechamento das escolas no meio rural e pela incapacidade dos Estados de universalização do ensino médio.
17:59
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Há outros temas dos quais não daria para se falar aqui em virtude da desterritorialização étnico-cultural e educacional desses sujeitos promovida pelos Estados e Municípios. É preciso que a Lei de Cotas inclua explicitamente a presença dos quilombolas, garanta que eles estejam presentes, e não diga que eles só podem pleitear esse direito se estiverem nos quilombos. Eles precisam estar ligados ancestralmente a esses quilombos, mas é o próprio Estado muitas vezes que retira os quilombolas de seus territórios, assim como tem tentado, forçosa e insistentemente, retirar os quilombolas de Alcântara e de muitos outros territórios.
Parabéns mais uma vez, Deputado Bira, pelo seu brilhante trabalho! Parabéns, Deputado Camilo, pela condução dos trabalhos neste momento! E, sinceramente, se houver qualquer dúvida em relação ao tema quilombola neste relatório, eu tenho certeza de que o Deputado Bira nos chamará para conversar, assim como tem feito em outras pautas relacionadas à questão quilombola. É preciso que nós tenhamos coragem para enfrentar os retrocessos, que já são muitos. E não deixaremos que mais esse seja feito como punição aos que já são punidos, há mais de 5 séculos, em razão da sua existência.
Muito obrigada.
Boa noite a todos. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós agradecemos a participação da Sra. Givânia da Silva, representando aqui a CONAQ, que é uma importante organização em defesa dos direitos das populações quilombolas no nosso País.
Eu vou passar a palavra à Deputada Erika Kokay. Mas, antes, vou conceder a palavra à Deputada Vivi Reis, que estava presidindo outra audiência pública e, por isso, não pôde estar em tempo integral nesta audiência pública. Mas S.Exa. tem um compromisso integral com esta pauta.
Com a palavra a Deputada Vivi Reis, do PSOL do Estado do Pará, vizinho do meu querido Estado do Amapá.
A SRA. VIVI REIS (PSOL - PA) - Agradeço aos Deputados Camilo Capiberibe e Bira do Pindaré por estarem conduzindo hoje esta audiência pública. Quero aqui saudar todos os expositores que estão conosco presencial ou virtualmente e dizer da importância deste debate, que para nós é muito necessário.
Eu tive a honra de ser Relatora do projeto de lei que tratava também da questão da prorrogação da Lei de Cotas no Brasil, de autoria do Deputado Bira do Pindaré, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Esse projeto está hoje na Comissão de Educação, e o Relator é o Deputado Professor Israel Batista.
Nós temos aqui basicamente três projetos sobre a Lei de Cotas. É importante destacar que existem aqui várias iniciativas de projetos de lei. Na minha avaliação, o projeto cuja urgência foi aprovada é o que está mais avançado e, em breve, vai ser votado no Plenário. E o Relator é o Deputado Bira do Pindaré.
Mas eu queria destacar que nós estamos numa disputa de narrativa muito grande. Nós precisamos entender que o Governo não pode acabar com a Lei de Cotas. Nós precisamos disputar essa narrativa e dizer que não há como acabar com a Lei de Cotas no País, pois se fala em revisão dessa lei. Temos que disputar essa narrativa e dizer que a referida revisão não dá a nenhum Governo a possibilidade de retirar essa lei.
18:03
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É claro que a lei utiliza termos muito frágeis. Inclusive, em nosso parecer na Comissão de Direitos Humanos nós trocamos esses termos justamente por entendermos que eles induzem a uma interpretação ambígua.
Mas é importante avançarmos, demarcando a posição de que esses poucos anos da Lei de Cotas não foram suficientes para transformar a realidade do nosso País, embora ela fosse necessária e muito tenha contribuído para pintar a universidade de povo. Muitos estudantes foram os primeiros de suas famílias a entrar numa universidade pública graças à Lei de Cotas. Eu fui a primeira da minha família a entrar numa universidade pública, a concluir o nível superior numa universidade do Estado, no momento em que não havia o sistema de cotas.
Sabemos que hoje a maioria dos filhos de trabalhadores e trabalhadoras, de trabalhadoras domésticas, como eu, filhos de lavadeira, de pedreiro, de trabalhador informal, infelizmente, não tem oportunidade de entrar numa universidade pública. Sabemos também que o nosso povo, que é filho da classe trabalhadora, tem cor. O nosso povo é um povo negro. O nosso povo é quem hoje sofre com a fome e com o desemprego. O nosso povo é que não consegue pagar a luz elétrica nem consegue comprar o gás de cozinha. E esse povo tem que estar nas universidades não só para transformar a sua vida, mas para transformar as próprias universidades, que precisam produzir conhecimento que seja voltado para esta realidade, a realidade do povo quilombola, a realidade do povo indígena, do povo ribeirinho, a realidade dos filhos da periferia.
É isto que queremos para a universidade, nós queremos transformar a história da universidade. E essa transformação se dá pela garantia da Lei de Cotas.
Para encerrar, Presidente, nós temos que somar a isso também — e o meu mandato vem trabalhando em cima de uma proposição — a política de permanência estudantil, porque não queremos só entrar na universidade; nós queremos também a garantia de sair dela com o diploma na mão, com um trabalho digno, com cotas nos concursos públicos garantidas, para chegarmos ao emprego com dignidade. Nós queremos poder exercer o nosso direito ao emprego, à renda, à educação, à saúde. É isso o que o povo negro quer.
Então, quero saudar aqui a iniciativa, como foi bem justificado, desta reunião. Eu estava presidindo outra audiência e já vim correndo para cá para fazer esta contribuição. Nós temos uma equipe aqui da nossa assessoria do PSOL que está acompanhando esta audiência desde o início. Com certeza nós vamos poder tirar muitos elementos daqui, para pensarmos novas proposições, intervenções importantes, e podermos construir o futuro deste País, este País que tem cor, este País que tem que ser protagonizado pela luta do povo negro, indígena, quilombola, e pela periferia das nossas cidades.
Então, sigamos juntos contra o Governo racista de Bolsonaro e em defesa do direito do povo negro. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado pela sua contribuição, Deputada Vivi Reis, da Amazônia. A Amazônia é indígena e também é negra; o Amapá, inclusive.
Neste momento, eu passo a palavra à Sra. Valneide Nascimento dos Santos, que é Secretária Nacional da Negritude Socialista Brasileira — NSB, companheira nossa do PSB.
A SRA. VALNEIDE NASCIMENTO DOS SANTOS - Boa tarde a todos e a todas. Na verdade, devido ao horário, é boa noite.
É um prazer imenso estar aqui com o meu companheiro o Presidente desta Mesa, o Deputado Camilo Capiberibe.
Quero agradecer ao Deputado Orlando Silva, pelo convite. Ele fez o convite e nós prontamente o aceitamos. Quero falar que é uma honra ter o Deputado Bira do Pindaré como Relator desse projeto, o qual é muito caro para nós. Já conhecemos a sua luta, veracidade e garra quando, junto conosco, participa da luta negra no Brasil. E nós queremos que você saiba, Deputado Bira do Pindaré, Relator desse projeto, que nós precisamos que realmente ele seja aprovado neste exato momento, porque este é um momento primordial, um momento político, um momento em que estamos discutindo sobre política, cotas, proporcionalidades, enfim, sobre mais negros na política e cotas para negros e pardos. Esta é a hora em que eles estão colocando todas as demandas na mesa para serem votadas — e a nossa não pode ser menor do que essas outras que estão na mesa. Então, o momento é agora.
18:07
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Eu lembro que, quando foi aprovado o Estatuto da Igualdade Racial, o texto não foi o que gostaríamos, com todas colocações que elaboramos e para as quais trabalhamos. Mas a lei foi aprovada, e estamos, a cada dia, ajustando e aprimorando o seu texto. E assim queremos fazer agora.
Sabemos que esse projeto que está aí não é o projeto por nós sonhado, mas é o que temos. E V.Exa., na condição de Relator e conhecedor da nossa demanda, da nossa necessidade, saiba que precisamos que ele seja votado, para que possamos aproveitar esta oportunidade. Sabendo que somos a maioria da população, mais de 50%, em sendo este um ano eleitoral, por que não aprovar um projeto tão necessário e oportuno para nós?
Então, Deputado Bira, conte conosco, com a Secretaria Nacional da Negritude Socialista Brasileira do PSB. Hoje, todos estamos mobilizados, acompanhando seu mandato, assim como o mandato do Deputado Camilo Capiberibe, que está à frente de uma Comissão importantíssima para nós, que é a Comissão de Direitos Humanos. E quero me dirigir a esses Parlamentares que hoje estão aqui e que vieram declarar seu apoio e voto. Muito nos honra saber que estão todos empenhados. Isso nos deixa cada vez mais cheios de alegria,
Temos certeza de que, neste ano de eleições, vamos só a aumentar a representatividade de negros e negras neste Parlamento, para que, junto com vocês, possamos... (falha na transmissão)
Era o que eu queria falar. É muita honra falar com os Deputados do meu partido. Estou aqui em nome da Negritude Socialista Brasileira do PSB. Meu nome é Valneide. Estou à frente desse segmento que defende cotas, direito às terras quilombolas, direito a terras para todas as minorias e propostas de termos mais negros e negras nas universidades, principalmente na universidade onde lutamos e onde sempre estamos em busca por mais jovens engajados nessa luta constante e permanente.
Muito obrigada pela oportunidade. Boa noite a todos.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós é que agradecemos a sua participação, companheira Valneide, e a sua defesa intransigente da pauta em debate hoje.
18:11
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Então, é uma alegria recebê-la nesta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos.
Agora passo a palavra, para a nossa alegria, à jovem Ana Paula Simão Cardoso de Moura, que é Secretária-Geral da Juventude Socialista Brasileira — JSB, para fazer a sua exposição.
A SRA. ANA PAULA SIMÃO CARDOSO DE MOURA - Boa tarde a todos. Eu fiz um pequeno texto, o qual vou ler porque ainda sou novata nessa parte de falar para todos. Geralmente, eu fico nos bastidores.
Meu nome é Ana Cardoso. Sou uma mulher preta, filha de mãe solo, fundadora do coletivo Para Pretas. E hoje eu estou aqui como representante da Juventude Socialista Brasileira. E que orgulho e honra poder ocupar e ter esse espaço de fala! Ser mulher preta no Brasil é difícil, mas ser mulher preta na Câmara dos Deputados ou em qualquer outro lugar de extremo poder é mais ainda.
Dos 513 Deputados, apenas 89 são pretos e apenas 11 são Parlamentares pretas. Por quê? Falta-nos força de vontade? — eles dizem. Eu posso dizer que falta oportunidade. É preciso viver e conhecer o Brasil real para entender o motivo e a importância de cada política pública.
Eu preciso agradecer aos meus avós e à minha mãe, que me proporcionaram uma educação de qualidade, em que eu era tão privilegiada entre os meus que fui a única preta da escola em pleno 2014 — há 6 anos. Por 1 ano, fui a única negra da escola, além de ser a única formada entre os mais de 20 primos e netos que minha avó teve.
Em um País onde nós, pretos, somos maioria, vocês têm a noção do choque que é ser a primeira preta numa escola particular ou ser a primeira neta a se formar numa graduação?
A minha família é grande. A minha avó teve 15 filhos. E desses 15 filhos vieram vários netos. Dentre todos eles, sou a única formada e com pós-graduação em andamento.
O caminho para nós é triplicado, mas é batalhando por políticas públicas afirmativas, educação justa e de qualidade e por mais oportunidades que conseguiremos reverter os rumos para uma universidade diversa e sem preconceitos, como é o Brasil utópico de muitos. E foi o que acabamos escutando aqui esta tarde.
Nós da JSB entendemos que, em sendo aprovado o relatório do nosso querido Deputado Bira, teremos muito mais êxito e estímulo na realização da avaliação permanente da Lei de Cotas. Não podemos dar nenhum passo atrás, tendo em vista o superavanço na inclusão e o acesso à educação superior de uma parcela significativa de nós, jovens pretos e periféricos, nesses quase 10 anos de política de cotas.
O Brasil precisa cada vez mais reconhecer para libertar. O País precisa entender que os estudantes pretos e pobres, pelo instrumento das cotas, estão mudando a universidade para melhor, estão mudando o rumo dos estudos sociais e, desse modo, transformando o País realmente.
Esta semana começou uma onda de retrocessos propostos, todos relacionados à educação pública do País, que, desde o início deste Governo, corre um risco sério. E continuam na sede de tirar o acesso de milhares de jovens pretos e periféricos aos estudos públicos e gratuitos.
Por isso, nós da JSB somos a favor de todo relatório em que a cota tenha que ser para sempre.
O Brasil nunca vai deixar de ser racista. Nunca vamos deixar de ser discriminados pela cor da nossa pele. É preciso ser esperançoso demais para esperar esse mundo utópico que ouvimos aqui de alguns Parlamentares.
18:15
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A educação pública, gratuita e de qualidade é um direito assegurado pela nossa Constituição. A JSB está atenta a qualquer retrocesso, a qualquer passo atrás que prive nossos jovens da educação pública e de qualidade. E nós nos ergueremos sempre que necessário. A JSB está presente na luta em favor das cotas. (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Agradeço, em nome da Comissão de Direitos Humanos, a participação da Ana Paula Simão Cardoso de Moura, Secretária-Geral da Juventude Socialista Brasileira.
Pergunto à Deputada Erika Kokay se quer falar agora ou se prefere falar depois.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Pode passar a palavra para outro convidado.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Perfeito.
Passo a palavra para a Sra. Adriane Reis, Procuradora do Trabalho e Coordenadora Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidade e Eliminação da Discriminação no Trabalho, que vai participar remotamente, pelo prazo de 5 minutos.
A SRA. ADRIANE REIS DE ARAÚJO - Obrigada, Deputado Camilo. Boa noite a todos e a todas.
É uma grande alegria participar deste debate aqui, em nome do Ministério Público do Trabalho. Eu fico bastante tranquila em saber que a minha fala vem seguida de uma série de manifestações, com as quais eu compartilho uma série de ideias. Eu venho aqui só pontuar um aspecto que eu acho bastante relevante em relação à importância da Lei de Cotas no nosso País.
No Ministério Público do Trabalho, nós trabalhamos a inclusão dos diversos grupos vulneráveis no trabalho. E nós sabemos que a porta de entrada para as melhores oportunidades de trabalho é justamente a formação. Então, a Lei de Cotas permite a formação das pessoas negras, das pessoas indígenas, das pessoas com deficiência, derrubando, assim, algumas barreiras e alguns argumentos que têm impedido a igualdade de oportunidades no ambiente de trabalho.
E por que essa Lei de Cotas é importante com a representatividade racial e com a representatividade de pessoas dos grupos vulneráveis mais do que a questão social? Porque a discriminação tem sido construída no nosso País, inicialmente, por meio de argumentos biológicos, pautados na cor da pele das pessoas, e, posteriormente, por meio de argumentos culturais. A Lei de Cotas, da maneira como foi colocada — e é uma política bastante exitosa —, permite a convivência social de pessoas dos mais diversos grupos dentro de um espaço privilegiado, que é o espaço acadêmico. Nesse espaço acadêmico, não apenas se está formando essa pessoa para sair da universidade, mas também se está trazendo a contribuição de todos esses grupos para o próprio espaço das instituições de ensino, para que possamos romper um outro aspecto dessa situação de vulnerabilidade e de exclusão que todos esses grupos sofreram, que é o epistemicídio.
Então, ao trazer todas as pessoas para a universidade, eu tenho a possibilidade de pensar a realidade, a vivência desses diversos grupos, e incorporar o seu conhecimento ao conhecimento da universidade. Eu tenho também a possibilidade de romper com um argumento que pode colocar em dúvida a formação das pessoas brancas, das pessoas negras, das pessoas indígenas, quando eu penso em espaços de ensino que são diferenciados e segregados.
18:19
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Nesse sentido, eu trago a experiência do direito americano. Para se romper a segregação racial nos Estados Unidos, a Corte Suprema americana começou questionando a qualidade do ensino nas escolas públicas voltadas para brancos e negros e tentou melhorar a qualidade de ensino das escolas voltadas apenas para negros. A Suprema Corte americana chegou à conclusão de que não importava que as escolas tivessem a mesma qualidade. O importante era a convivência, porque a convivência dos mais diversos grupos rompe com qualquer questionamento, com a suspeita de haver alguma diferença de qualidade, com espaços de intolerância e também reduz a situação de discriminação.
E, por fim, como a experiência que eu trago diz respeito à inclusão no mercado de trabalho, eu quero lembrar que hoje a diversidade nas empresas é um valor. Ela tem sido valorizada por meio de mecanismos de avaliação de riscos de negócios e de investimentos, como o ESG — Environmental, Social and Governance. Nesse sentido, é importantíssimo manter a Lei de Cotas, justamente para que as empresas brasileiras tenham essa diversidade qualificada para se manterem não apenas produtivas, porque a diversidade aumenta a produtividade, mas também competitivas no mercado de trabalho também em âmbito internacional. Então, a Lei de Cotas é uma porta de abertura de acesso à universidade e também é a primeira de muitas portas para a transformação da vida dessas pessoas.
Muito já foi falado aqui sobre a Lei de Cotas no que diz respeito à preocupação não apenas com o acesso desses estudantes, mas também com a continuidade da participação desses estudantes nas universidades. E quero lembrar aqui que essa discussão sobre a privatização das universidades brasileiras, sobre o custeio, pode sim impactar de maneira muito severa a Lei de Cotas. Nós temos que lembrar que existem dois tipos de discriminação: a discriminação direta, em que eu excluo determinados grupos; e a discriminação indireta, em que eu crio filtros, que são aparentemente neutros, mas que resultam de maneira mais penosa para determinado grupo. E exigir o custeio da universidade pública vai significar a exclusão das pessoas que estão na base da pirâmide do nosso País. De modo geral, as pessoas negras constituem o grupo mais vulnerável, com as piores remunerações, com as piores condições de vida, devido à dificuldade de acesso a diversos serviços públicos.
Nesse sentido, é preciso pensar a proteção do ensino superior público com diversidade, com inclusão e também, especificamente para as pessoas com deficiência, com acessibilidade. Creio que esse foi o único aspecto que eu senti falta no relatório do Deputado. É preciso pensar e obrigar a revisão da acessibilidade das universidades para que as pessoas com deficiência também encontrem ali um espaço de participação, um espaço de formação de conhecimento para a melhoria de vida dessas pessoas. Então, é nesse sentido a contribuição do Ministério Público do Trabalho, lembrando que nós estamos saindo de um momento pandêmico para um momento pós-pandêmico em que já se denuncia a dificuldade das empresas de contratar mão de obra qualificada. Temos que pensar na educação pública brasileira como um investimento. Falar em cotas não é falar apenas em reparação, mas também em investimento no futuro do nosso País, para que se torne mais democrático, mais plural e mais pacífico.
18:23
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Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Nós agradecemos à Sra. Adriane Reis, Procuradora do Trabalho, pela sua participação e colaboração.
Concedo a palavra ao nosso querido Prof. Cleber Santos Vieira, representante da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), aqui presente no plenário.
O SR. CLEBER SANTOS VIEIRA - Muito obrigado, Deputado Bira do Pindaré.
Boa noite a todos e a todas. Cumprimento os colegas, a nobre Deputada Erika, a Ana Paula, o Frei David e também a Jade, que estão neste momento compondo a Mesa.
Eu farei uma fala bastante breve. Eu estou aqui representando a ABPN — Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as). A nossa instituição tem 22 anos, foi fundada em 2000, exatamente num contexto de produção de ações afirmativas enquanto políticas públicas no Brasil. Desde então, temos acompanhado todo esse processo e os capítulos principais.
Quero parabenizar o Deputado Bira pelo relatório.
Nós temos discutido a matéria em várias audiências, em várias reuniões. Temos estudado todos os passos desse projeto, que diz diretamente sobre a nossa existência enquanto sociedade e também sobre a nossa existência trabalhista. Nós, professores e professoras, negros e negras, que atuamos dentro das universidades, sabemos o peso que o racismo mantém no seu interior.
Dados recentes da Universidade de São Paulo, sempre lembrada como a instituição que tem a maior produção científica no Brasil — não é apenas ela que produz, mas ela é quase sempre destacada assim —, mostram que apenas 4% dos docentes de sua instituição são negros ou negras, ou seja, 4% da universidade.
Para nós, a revisão da Lei nº 12.711, de 2012, tem o sentido, como falaram aqui os Deputados Bira do Pindaré e Orlando Silva, de aprimoramento, de aperfeiçoamento. A meu ver, 10 anos é muito pouco para reparar os 400 anos de escravidão. É muito pouco.
Eu venho agora, Deputado Bira, de uma reunião com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. O Prof. Renato Janine Ribeiro, Presidente, e a Profa. Fernanda Sobral, Vice-Presidente, realizaram, há pouco, um seminário também sobre gênero e raça na ciência brasileira. Eu pensei aqui o seguinte: isso seria possível 22 anos atrás? Vale lembrar aqui que intelectuais e cientistas escreveram uma carta contra as cotas raciais. Nós tivemos, no início deste ano de 2022, uma moção de apoio ao Projeto de Lei nº 3.422, de 2021, assinada por mais de 40 associações científicas brasileiras. Isso representa uma mudança radical na ciência brasileira. Isso significa que a atividade-fim da universidade, isto é, o ensino, pesquisa e extensão, está sendo de fato mobilizada, está sendo movimentada, está sendo transformada, está sendo emancipada, está sendo democratizada pela presença de negros, negras, indígenas e quilombolas. Se nós pensarmos na quantidade de linhas de pesquisa nas instituições de ensino superior, de grupos de pesquisa e financiamento nas áreas de história e cultura afro-brasileira e de ciência, de afrocientistas, verificaremos que é muito grande em todos os aspectos. Eu acho que nós estamos aqui diante de uma oportunidade também muito grande.
18:27
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Quero parabenizá-lo, Deputado, pela audiência. No que diz respeito a essa consulta à sociedade civil, o Deputado Bira afirmou isso lá em 2021 e vem cumprindo rigorosamente o que disse. Parabéns, Deputado!
Quero dizer que nós também estamos no momento de avançar naquilo que já temos, de prorrogar a Lei de Cotas e pensar no que alguns marcos regulatórios já estabeleceram em nossas cidades. Por exemplo, cito o Estatuto da Igualdade Racial, que estabelece que órgãos de fomento à ciência e à pesquisa precisam investir em temáticas que dizem respeito à população negra.
Nós temos o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica — PIBIC nas Ações Afirmativas, que é um valoroso programa. Quem frequenta as universidades sabe disso. Trata-se de um programa reconhecido pela comunidade acadêmica, pelos órgãos da administração pública e também pelos órgãos da ciência, como o próprio CNPq, com verba rubricada. Entretanto, Deputado, a quantidade de bolsas de iniciação científica para todas as universidades e para todos os estudantes que ingressam pelo sistema de ações afirmativas no Brasil inteiro é apenas 800, ou seja, há 800 bolsas para um contingente de 128 mil estudantes que ingressaram na universidade por meio da Lei nº 12.711, em 2018.
É preciso massificar, é preciso radicalizar, é preciso conectar essas políticas públicas. Não tivemos tempo para fazer isso. A meu ver, 10 anos foi muito pouco.
Quero parabenizar V.Exa.
Conte sempre com a Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as) nessa batalha, que é uma batalha estratégica para o desenvolvimento da Nação brasileira e para a democracia.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Bira do Pindaré. PSB - MA) - Muito obrigado, Prof. Cleber Santos Vieira, por sua participação e colaboração.
Passo a palavra para a Deputada Erika Kokay.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Presidente, primeiro eu gostaria de parabenizar V.Exa. pela realização desta audiência pública.
Acho que esta é uma discussão absolutamente fundamental para que nós possamos democratizar o País. Eu penso que, para além de uma discussão de reparação, esta é uma discussão sobre a necessidade de democratizar o País. É preciso que o Brasil reconheça a sua africanidade, a sua condição indígena, a sua diversidade, porque, sem o reconhecimento da diversidade, não reconhecemos a nossa própria humanidade. A humanidade é diversa e é uma só, com diversas formas, diversas etnias, diversas culturas, diversas idades, diversas formas de amar, diversas formas de ser, mas é uma só.
18:31
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Então, quando nós estamos aqui discutindo a perenização da política, da ação afirmativa de política de cotas, primeiro, nós estamos lembrando que, ao se instituir a política de cotas, reconhece-se o racismo neste País, que por muito tempo foi negado. É como se nós tivéssemos as paredes e os tetos de vidro. As pessoas negras não chegavam à universidade ou aos espaços de poder. Se o teto é de vidro, não se vê o que não se combate e, ao mesmo tempo, culpabilizam-se — isso é um pouco do racismo reverso — as pessoas negras por não chegarem aos espaços à que a nossa humanidade permite que cheguemos.
Portanto, a própria existência da política de cotas é um reconhecimento da lógica racista deste País, que é um racismo estrutural, estruturante, que tem um pacto extremamente letal com o patriarcalismo e com o sexismo. Ou seja, há um pacto neste País que destrói vidas e deixa um rastro de letalidade.
Se as cotas representam isso e há o reconhecimento do racismo que existe no nosso País, nós precisamos dar permanência à própria cota, sem que tenhamos um prazo ou um marco temporal para a realização ou para a existência das próprias cotas.
A Deputada Maria do Rosário dizia algo que é extremamente interessante: quando se faz a retirada de direitos, através da reforma trabalhista e de outras reformas, não se estabelece uma cota. Quando fizeram e impuseram o homeschooling, eles negaram colocar um prazo para a avaliação desse processo, negaram a existência de um período para que se pudesse avaliar a eficácia da política. Às políticas de retrocessos não se estabelecem prazos, nem à obrigatoriedade da avaliação. Aliás, a única avaliação que nós temos na reforma da Previdência é a da expectativa de vida, para que as pessoas demorem mais para se aposentar. Ou seja, com o aumento da expectativa de vida, as pessoas vão demorar mais tempo para se aposentar.
Então, não há por que nós estabelecermos um novo marco temporal ou um novo período para que haja o processo de avaliação. Dizer que as universidades adquiriram cor é inegável. É inegável que a maioria das pessoas que hoje está nas universidades são pessoas de baixa renda, que a universidade se democratizou.
Por isso, esta lei, para além da reparação por si só, com o reconhecimento de que este País é racista e que nós não fizemos o luto da escravidão, é perene. E nós vamos ver isso nas 22 pessoas que morreram, que são negras, nas balas que nunca são perdidas. As balas sempre atingem os mesmos corpos negros. E costumo dizer que é como se o ferro dos grilhões fosse substituído pelo ácido das balas, que atinge os mesmos corpos, ou o aço das algemas, que atinge os mesmos pulsos dos mesmos corpos.
Portanto, acho que é muito importante que nós tenhamos a retirada de qualquer prazo para a existência e a reavaliação do processo das cotas. As cotas têm que ser permanentes para que nós possamos ir construindo instrumentos de reconhecimento e de superação da própria lógica racista, dos pedaços da escravidão, que estão extremamente avivados pelo hálito mórbido que sai do Palácio do Planalto. Há um período de se tornarem vivos esses pedaços da escravidão, como também os pedaços do colonialismo, onde há as neocolonialidades que atingem os povos indígenas, os povos originários deste País e os povos quilombolas também.
18:35
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Nós estamos vivenciando esse processo e precisamos reagir. E nós reagimos na medida em que asseguramos a perenização das cotas e, ao mesmo tempo, as condições para que elas sejam efetivamente exercidas. Isso significa assistência estudantil. Nós tivemos um corte drástico nos recursos do Governo para as universidades públicas, a fim de assegurar assistência estudantil. E quando não se assegura a assistência estudantil, é como se estivessem rasgando a Lei de Cotas, rasgando na prática, porque não dá condições de que as pessoas possam estar naquela universidade sem que haja uma responsabilidade do Estado para lhes dar condições de exercerem o seu próprio curso.
Eu penso que é uma questão de democratização e, ao mesmo tempo, de dizer que as nossas existências não negociamos. Não dá para negociar as existências. As existências têm que ser preservadas em um momento de extrema gravidade, não apenas com relação à democracia, mas também os próprios órgãos públicos e o Estado têm sido capturados para o exercício do seu contrário. Nós estamos com a Fundação Palmares capturada pelo racismo, assim como temos outros órgãos capturados por uma lógica que nega a função precípua. A FUNAI está capturada por uma política contra os povos indígenas e de interesse dos latifundiários do agronegócio. Trata-se de uma captura do Estado que está em curso, e, nesse processo, nós fazemos as resistências para que nós não tenhamos e não admitamos, de forma alguma, negociar as nossas próprias existências.
Por fim, quero dizer que essa justiça de reparação, de transição, nunca foi feita no Brasil. Não foi feita. As Deputadas Professora Rosa Neide e Maria do Rosário lembravam isso. E a Deputada Professora Rosa Neide, que aqui está, que é filha de preso político, vem aqui todos os dias nesta Casa para dizer que nós temos uma Comissão de Anistia que está nas mãos dos torturadores. Avaliou-se mais de cem processos de anistia em pouco menos de 2 horas. Indeferiu-se o processo da Dilma Rousseff. E ninguém aqui neste País duvida que ela tenha sido torturada. Ninguém duvida disso. Aliás, já contaram eventos ou acontecimentos no próprio cárcere.
Nós estamos vivenciando não apenas que não tivemos uma justiça de transição, mas também que o que se avançou na Comissão da Verdade, o que se avançou na construção da Comissão de Anistia está em franco retrocesso.
É impressionante como nós temos que refletir sobre a necessidade de enraizar, territorializar e de que a população se aproprie das próprias conquistas, para que elas não sejam tão fragilizadas e retiradas do povo brasileiro de forma tão rápida, como nós estamos vivenciando neste momento. A justiça é de transição para que se possa fazer uma reparação, resgatar a própria memória do povo brasileiro.
Por isso, nós apresentamos, Deputado Bira, uma proposição de marco legal dos povos tradicionais de matriz africana, para resgatar a ancestralidade, o conceito de territórios, o conceito de povos tradicionais de matriz africana e para assegurarmos um conjunto de políticas públicas que possa fazer valer os tambores como expressão da nossa própria existência, da nossa ancestralidade e que as contas nunca mais sejam negadas. O racismo vai se expressar de várias formas neste País. As cotas são um instrumento fundamental. E aqui lembro o que a procuradora falava acerca de epistemicídio, de eliminação do próprio conhecimento. É preciso assegurar a permanência de negros e negras nas universidades e, ao mesmo tempo, assegurar a assistência estudantil para que essa permanência se consolide, como também se consolidem os espaços de discussão dos diversos conhecimentos, das diversas formas de construção de saberes, da trança e da troca de saberes, que é o que constrói territórios para além da troca de afetos.
18:39
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É preciso territorializar. Onde há território há resistência. E territorializar não é só espaço geográfico, é como você trança saberes, trança afetos, trança desejos, trança existências na perspectiva de resistirmos a um momento tão grave que o Brasil vivencia, que é o momento da barbárie, de mergulhar a barbárie, tentar naturalizar a barbárie e tentar fazer com que os corpos oprimidos reproduzam a própria barbárie. Ao naturalizar a barbárie, você a pereniza.
Por isso, a importância dessa discussão, a importância da manutenção da política de cotas, a importância da estrutura para que os estudantes e as estudantes possam permanecer na própria universidade, porque este País tem que vivenciar uma radicalidade democrática, e nenhuma lógica racista permite a liberdade e a radicalidade democrática, os espaços de fala e de protagonismo, que são tão importantes para a existência humana e para a construção de um sentimento de nação e de territórios.
Essa discussão é importante para trazer a certeza de que nós resistiremos e construiremos uma sociedade onde não haja a naturalização e a negação, porque, ao negar, naturaliza-se o próprio racismo na nossa realidade e na nossa contemporaneidade.
Eu digo que vamos sobreviver a tudo isso e sobreviver com muita força, com muitos ensinamentos, com muitas reflexões, para que nunca mais nós permitamos que a faixa presidencial esteja no peito estufado do racismo, da extrema direita, do fascismo e da misoginia — nunca mais!
O Brasil tem que viver essa experiência tão doída, de um hálito tão mórbido e um cheiro tão intenso de uma política da morte, que vai preenchendo todos os cantos e todas as políticas públicas.
Por isso, precisamos manter as cotas e dizer: Bolsonaro nunca mais! (Palmas.)
O SR. PRESIDENTE (Bira do Pindaré. PSB - MA) - Muito bem. Obrigado, Deputada Erika Kokay.
Concedo a palavra, por 3 minutos, a um dos últimos inscritos, o Felipe Tuxá, representante dos povos indígenas, por participação remota.
O SR. FELIPE SOTTO MAIOR CRUZ (FELIPE TUXÁ) - Boa noite a todas e todos. Boa noite, Parlamentares. Eu gostaria de saudar os parceiros e parceiras que aqui se reúnem para defender as políticas afirmativas e a Lei de Cotas.
Eu sou Felipe, do povo Tuxá da Bahia. Sou professor da Universidade do Estado da Bahia. Então, vou falar aqui da perspectiva enquanto indígena.
Como o Prof. Gersem Baniwa falou aqui antes, já há diversos estudos que mostram que as políticas afirmativas, dentre as quais podemos destacar a Lei de Cotas, de 2012, têm sido mecanismos eficazes para começarmos a desfazer desigualdades históricas.
18:43
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As universidades já estão mudando, e a presença indígena e negra nesses espaços também já é maior do que era no passado. Eu digo isso como alguém que entrou na universidade, em 2010, como aluno e que hoje está na universidade como professor. Então, acompanhei esse processo muito de perto.
Agora já sabemos também que o acesso, isto é, fazer com que pessoas excluídas dos espaços acadêmicos consigam adentrar nesse universo, é, de fato, apenas uma porta de entrada, é o início de lidarmos com o problema.
Isso acontece porque os entraves estruturais para uma reversão definitiva dessas desigualdades são muitos. Dentre eles, eu queria destacar aqui o fator tempo. Para os povos indígenas, o que são 10 anos de políticas afirmativas diante de mais de 5 séculos de colonização, racismo, exploração, bullying territorial?
Nesse sentido, é preciso de tempo, tempo de política. É ainda necessário levar a sério, para além do acesso, a permanência, que já foi muito falada aqui hoje. Refiro-me tanto a essa permanência logística da bolsa permanente, da infraestrutura, da moradia, mas também à permanência cultural que suscita um diálogo sobre a necessidade do aprimoramento de políticas específicas para povos indígenas.
É importante salientar que as diferenças culturais entre povos indígenas e sociedade não indígena não vão se desfazer com o tempo. O art. 231 da Constituição Federal de 1988 é claro e reconhece aos povos indígenas o direito de serem indígenas e de continuarem sendo indígenas conforme seus costumes e tradições. Logo, as políticas para esses sujeitos precisam ser específicas, porque eles são culturalmente diversos. Estamos falando de um país com mais de 305 etnias, falantes de mais de 274 línguas indígenas. Reconhecer e valorizar a diversidade étnica é também um desafio e um dos efeitos das políticas afirmativas.
Quando os sujeitos indígenas entram na universidade, levam com eles os seus universos culturais, as suas origens. Fazemos parte de um projeto coletivo e de uma luta que começou muito antes da nossa chegada à universidade.
Então, precisamos pensar a permanência seriamente e entender que nós, enquanto sujeitos indígenas, temos desafios específicos para que a universidade possa também se tornar um lugar de presença indígena.
Eu queria ressaltar que hoje nós temos uma quantidade de egressos indígenas, fruto dessas políticas aplicativas, que já está fazendo a diferença nas comunidades indígenas e no próprio movimento indígena. Temos diagnósticos dos desafios que a permanência colocou, porque já temos pessoas que entraram e que saíram. Nós já sabemos onde estão os gargalos para a implementação e o aprimoramento da lei.
Essa experiência dos egressos profissionais indígenas precisa ser considerada para se pensar o aperfeiçoamento da lei. Sabemos, por exemplo, que há necessidade de abranger os sujeitos indígenas também na lei que versa sobre as cotas em concursos públicos. Hoje não há espaço para os povos indígenas tal como a lei está colocada.
Eu reitero, por fim, um debate que foi citado pelo próprio Prof. Gersem Baniwa um pouco antes, em relação à autodeclaração. Esse debate tem sido feito pelo próprio movimento indígena. Quero dizer que, nesse debate, é importante reconhecer o controle social tal qual exercido pelas próprias comunidades indígenas através de suas instituições, suas organizações sociais e suas lideranças. A comunidade exerce esse controle social, reconhecendo quem é indígena e quem não é, reconhecendo quem é parte da comunidade. O mecanismo de reconhecer as instituições indígenas nesse processo já é utilizado em várias universidades, que assim implementam a política de acesso para povos indígenas.
18:47
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Então também é importante considerar essas experiências na hora de pensar qual vai ser o caminho para aprimorar a lei para os povos indígenas.
Agradeço o espaço, enquanto APIB. Estamos à disposição para continuar contribuindo no processo de construção.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Bira Do Pindaré. PSB - MA) - Obrigado, querido Felipe Tuxá.
Passo a palavra ao Sr. José Aparecido da Costa, representante do Movimento de Inclusão de Mato Grosso do Sul. (Pausa.)
Está sem áudio.
Enquanto ajeitam o áudio, vou passar a palavra à próxima pessoa inscrita, Sra. Priscila Duarte de Lira, Vice-Presidente Regional Norte da Associação Nacional de Pós-Graduandos.
Enquanto isso, o José Aparecido tenta corrigir o problema de áudio na sua conexão.
A SRA. PRISCILA DUARTE DE LIRA - Boa tarde.
Gostaria de cumprimentar todos os que se fazem presentes nesta sessão, Deputados e Deputadas, na figura do Presidente da Mesa, Camilo Capiberibe.
Sou Priscila Duarte, mestra e doutoranda em ensino de Química pela Universidade Federal do Amazonas e Diretora da Associação Nacional de Pós-Graduandos. Neste momento de revisão e contribuição para o aperfeiçoamento da política de cotas nas universidades públicas, a ANPG considera imperativa a incorporação na Lei nº 12.711 da reserva de vagas na pós-graduação para estudantes negros, indígenas, quilombolas, de baixa renda e deficientes, entendendo a importância de democratizar o espaço da pós-graduação brasileira, que é hoje responsável por cerca de 90% da produção de pesquisa científica do nosso País. Democratizar esse espaço é também possibilitar novos olhares, novas vivências na elaboração da ciência brasileira e contribuições para o desenvolvimento de políticas públicas de Estado que possam vencer os desafios do nosso País, e vincular a produção da ciência brasileira aos desafios sociais do Brasil.
Nessa perspectiva, gostaríamos de sugerir a inserção neste debate do Projeto de Lei nº 3.425, de 2020, cuja coautoria é do Deputado Orlando Silva, Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Esse projeto prevê a alteração da Lei nº 12.711, com a inclusão e a permanência de jovens, negros, indígenas, deficientes e pessoas de baixa renda na pós-graduação. Entendemos que este debate e a inserção da política de cotas na pós-graduação precisa estar acompanhada da necessidade do cumprimento das metas do Plano Nacional de Educação e da construção do Plano Nacional de Pós-Graduação.
18:51
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As Metas nºs 13, 14 e 16 do PNE versam sobre o aumento da titulação de mestres e doutores, de professores da educação básica e da educação superior brasileira. Esse aumento precisa considerar a diversidade étnico-cultural, a desigualdade de gênero, e, acima de tudo, buscar combater o racismo epistemológico presente na nossa academia, e fundamentalmente falar da necessidade de construir uma política de assistência estudantil na pós-graduação para os estudantes cotistas e para o conjunto dos estudantes em geral, porque hoje a pós-graduação sofre com altos índices de evasão, fruto da falta de política de assistência estudantil. Hoje há apenas uma bolsa de pesquisa da CAPES ou do CNPq, que há mais de 10 anos não é reajustada, fazendo com que o pós-graduando tenha que abandonar a sua pesquisa, o seu projeto, ou até mesmo ir embora do País por falta de perspectivas.
Eu quero reforçar as falas das estudantes Jade Beatriz e Bruna Brelaz. Aliás, Bruna é minha conterrânea aqui do Estado do Amazonas. Nós, que somos fruto da política de cotas da universidade pública brasileira e fomos as primeiras da nossa família adentrar a universidade, permanecer e hoje chegar a um curso de pós-graduação, queremos dizer, alto e bom tom, que não vamos aceitar retrocesso na política de pós-graduação, principalmente relacionado ao critério racial, porque aqui não há dicotomia e não vamos aceitar falácia. A desigualdade social do nosso País é essencialmente racial. Não há condições de se optar por um critério social em detrimento de um critério racial. Por quê? O nosso País tem uma sociedade em que a maioria da população é negra e sofre com a falta de acesso à educação de qualidade, a um mercado de trabalho de qualidade, à alimentação, e a várias outras faltas de políticas públicas. Não aceitaremos retrocesso na política que tem garantido aos jovens, à população brasileira e principalmente à população negra adentrar um outro mundo e poder mudar a sua vida.
Quero dizer ao Deputado Helio que nós estamos aqui para cobrar do Estado brasileiro, que se desenvolveu a partir da escravidão, da exploração de homens e mulheres, negros e negras, e indígenas. Quando aconteceu a abolição da escravatura, não foi construída nenhuma política de assistência, houve a marginalização do negro e do indígena brasileiro, fazendo com que nós morrêssemos. O Brasil hoje é um país onde há racismo. Para aqueles que acreditam que não existe racismo no nosso País, ele existe e mata. Isso faz com que nós não tenhamos representatividade na Câmara dos Deputados ou na Bahia, porque o jovem brasileiro não consegue chegar ao Parlamento, porque ele é assassinado nas periferias do nosso País.
Esses dados podem ser observados no Atlas das Juventudes, que mostra que hoje um jovem negro tem mais de 70% de chance de morrer vítima de violência do que um jovem branco.
Nós não aceitaremos retrocesso na política de cotas. Nós queremos avançar, queremos cotas pós-graduação para que, de fato, o filho do pedreiro, da empregada possa também virar doutor.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Nós agradecemos à Priscila Duarte de Lira, Vice-Presidente Regional Norte da Associação Nacional de Pós-Graduandos — ANPG a participação.
18:55
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Muito obrigado pela sua contribuição.
Eu quero convidar para fazer uso da palavra neste momento o Sr. Seimor Pereira de Souza Filho, da Coalizão Negra por Direitos.
Por favor, o senhor tem 5 minutos.
O SR. SEIMOR PEREIRA DE SOUZA FILHO - Primeiramente, boa noite a todos. Quero agradecer imensamente o convite, agradecer em especial ao Deputado Bira do Pindaré, que tem sido um parceiro incansável conosco no debate a respeito das cotas.
Tem algum microfone que está atrapalhando.
Ao lermos ler esse relatório final, conseguimos perceber que ele acolheu uma série de indicações que fizemos, como Coalizão Negra, a esse processo. Eu não vou me ater aos processos jurídicos, porque já foram muito bem ditos aqui por quem me antecedeu. Acho que a discussão sobre constitucionalidade, sobre prorrogar ou não, tudo isso já foi muito sanado, já foi muito bem apresentado aqui.
Eu quero trazer um pouco desse processo histórico para entender que, no Brasil, toda e qualquer política pública direcionada às pessoas pretas deste País tem caráter indenizatório e compensatório. A política de cotas é a primeira e única política reparatória em toda a história do Brasil. O que são 10 anos de política de cotas diante de 388 anos de escravidão e mais 1 século de vilipêndio das vidas negras deste País? Estamos falando de um País que é uma República internacionalmente vista como respeitadora dos direitos básicos da população. Mas temos que lembrar que essa República é fundada e pensada a partir de uma lógica do punitivismo e do extermínio dos corpos negros. Estamos falando que o primeiro documento oficial da República brasileira não foi a Constituição, mas foi o Código Penal, que, na verdade, criminalizou as práticas negras. Temos que pensar que só na Constituição de 1930 foi colocado que a educação pública era direito de todos e todas. Estamos falando que, durante mais de 400 anos, a população negra foi excluída de todo o processo, em especial, do processo educacional. Portanto, entendemos a importância das cotas como um processo histórico que tem mudado toda uma geração de jovens.
Dados do INEP demonstram que o número de pessoas negras nas universidades mais do que triplicou nos últimos 15 anos. Antes da Lei de Cotas, tínhamos menos de 2% de pessoas negras formadas, agora esse número chega a quase 36%. O número de evasão dos alunos não cotistas é superior ao dos alunos cotistas. E, mais do que isso, existia uma falácia a respeito de que as cotas diminuiriam o caráter de excelência das universidades. Mas o que podemos notar, nos últimos anos, por exemplo, é que várias universidades brasileiras foram citadas em rankings internacionais de qualidade de ensino.
Estamos defendendo a Lei de Cotas aqui não sob uma lógica liberal de colorir a universidade, de incluir uma parcela enquanto se excluem outras. Defendemos as cotas no sentido que, a partir do momento em que as pessoas negras ocupam esse espaço, as pessoas estão produzindo um saber racialmente referenciado, um saber territorialmente referenciado. Uma ou duas gerações não são suficientes para que enfrentemos o atraso que as universidades públicas brasileiras tinham até então, sem ouvir o povo. Estamos dizendo que a Lei de Cotas determinou, não só determinou, mas salvou a universidade brasileira da derrocada. Estamos dizendo que só a partir de 2012, isso é muito importante colocar, quando se tem a entrada de um número maior de estudantes negros pobres nas universidades, é que se tem uma universidade de fato universal, que dialoga com a população de modo geral. Estamos dizendo que estamos entrando e produzindo saber.
18:59
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A discussão aqui não é se a lei deve ou não ser prorrogada. A discussão é por quanto tempo ela deve ser prorrogada. As ações afirmativas são necessárias e importantes para o processo de inclusão de uma parcela gigante da população. Estamos falando, segundo o IBGE, no último entre Censo, como chamamos, que 56% da população brasileira é negra. E, quando vemos os dados a respeito do emprego informal, do subemprego, da mortalidade, do extermínio, da mortalidade infantil, a população negra é sub-representada. Os dados ultrapassam 70% e vão na contramão dos dados a respeito do emprego formal, da qualidade de vida, da expectativa de vida. As pessoas negras estão sempre sub-representadas.
É preciso enfrentar isso com a seriedade necessária, é preciso que haja comprometimento do Congresso Nacional, é preciso que haja comprometimento das figuras políticas deste País para que haja um grande passo para estancar as mortes que vemos no cotidiano, mas, muito mais do que isso, para que a população negra adentre a universidade, para que a população negra possa mudar não só a sua realidade individual, mas a realidade de todo um povo.
Essa discussão foi muito bem trazida, foi muito bem colocada aqui. É importante colocar que estamos discutindo aqui não a revisão, mas o aprimoramento dessa política de segurança pública, dessa política, na verdade, de reparação histórica. Então, para nós, é essencial e fundamental que a defesa das cotas seja tida como prioritária por quem aqui está hoje, pelos Parlamentares que se colocam no campo progressista pela defesa das vidas negras, mas pela defesa da prorrogação, do aprimoramento de uma política de cotas que seja universal no maior sentido da palavra e garanta a entrada não só de pessoas negras, mas de pessoas indígenas, de pessoas portadoras de deficiência. Isso é essencial.
O Deputado Helio trouxe aqui que as cotas no Brasil são raciais. Aí ele desconhece um pouco do processo do que são as cotas no Brasil. As cotas no Brasil são cotas sociais com recorte racial. Então, antes de elas terem um recorte racial, elas têm um recorte social. Isso mostra um pouco de desconhecimento do que são, de fato, as políticas públicas de ações afirmativas para a entrada nas universidades públicas.
Em nome da Coalizão Negra, eu agradeço imensamente o convite, agradeço imensamente aos Deputados que têm sido incansáveis na defesa intransigente dessa política necessária e importante. Agradeço a cada um e cada uma das pessoas que puderam expor aqui antes de mim, que trouxeram muito brilhantemente a importância da política de cotas. Agradeço ao Deputado Bira, mais uma vez, especialmente, por acolher aquelas indicações da coalização no seu relatório. E quero dizer que a coalizão segue na defesa intransigente da política das cotas, na defesa intransigente das comissões de (ininteligível) pela ampliação e pelo aprimoramento da política de cotas.
Obrigado e boa noite.
O SR. PRESIDENTE (Camilo Capiberibe. PSB - AP) - Muito obrigado, Seimor Pereira de Souza Filho, da Coalizão Negra por Direitos, pela sua participação na defesa da política de cotas e pelo reconhecimento do esforço do nosso Relator, Deputado Bira do Pindaré, para garantir que essa política tenha continuidade.
Nós vamos passar a palavra ao José Aparecido da Costa, que é representante do PSB Inclusão do Estado de Mato Grosso do Sul, que teve a sua fala há pouco prejudicada pelo som.
Vamos ver se agora, José, você consegue falar. São 5 minutos.
19:03
RF
O seu áudio está desligado. José, o seu áudio está desligado. Você tem que liberar o seu áudio. (Pausa.)
Será que nós não conseguimos liberar o áudio dele por aqui? Não? (Pausa.)
Infelizmente, uma vez que nós não conseguimos liberar o áudio do José Aparecido, agradecemos muito a paciência a ele, que ficou conosco até agora.
Eu gostaria, para encerrar, de falar um pouquinho. Eu abri a audiência, e não falei nada. Eu queria apenas dizer que considero — é uma visão que eu tenho — a política de cotas uma das políticas de inclusão social mais bem sucedidas que o Brasil já teve, porque mudou completamente a cara da universidade brasileira, que, assim, se aproximou do Brasil verdadeiro, do Brasil real. Ainda, a política de cotas deu para essa elite que não aceita a igualdade, que é exclusivista, que quer o privilégio, a importante oportunidade de conhecer o Brasil, de conhecer os brasileiros e as brasileiras de todas as origens, de todas as classes sociais, de todas as cores. Isso é fundamental para o Brasil que nós queremos. Se não convivermos uns com os outros, se não nos conhecermos, como é que vamos construir um Brasil mais justo, mais igualitário?
Então, essa política não é boa só porque permite o acesso dos historicamente excluídos ao ensino superior, mas também porque possibilita um processo de educação da elite brasileira, que deixa de estar no seu mundo de segregação. Era isso que a universidade pública brasileira era anteriormente: um mundo segregado, de poucos privilegiados, que estudavam em centros de excelência financiados por todos e, principalmente, por causa da injustiça do sistema tributário brasileiro, pelos mais pobres. Era profundamente injusto o que nós vivíamos no Brasil antes das cotas.
Fiquei muito feliz com o que nós ouvimos aqui hoje.
Eu quero, mais uma vez, parabenizar a liderança do Deputado Bira, que tem sido incansável na busca por um caminho no meio da tormenta. Nós estamos vivendo, como disse o Frei logo no início da audiência pública, em um ambiente hostil. O ambiente é hostil para as minorias, é hostil para a educação, é hostil para a igualdade. Fazem um discurso falso e enganoso sobre uma suposta meritocracia que nunca existiu neste País — na verdade, nunca existiu em lugar nenhum —, para tentar justificar a continuidade ou o aprofundamento da exclusão. Isso foi citado por praticamente todos.
Estamos convivendo com retrocessos como a PEC 206/19, que propõe a cobrança de mensalidade nas universidades públicas, e o projeto de lei da educação domiciliar, o homeschooling, mas, da mesma forma que o Frei e a Deputada Lídice da Mata, acredito que nós temos condições, sim, de votar e aprovar a nossa proposta, porque a opinião pública brasileira não adere a esse discurso.
Eu acho que o Brasil está evoluindo, apesar de parecer que não, porque os conservadores, os retrógrados são barulhentos. Eles fazem muito barulho e, às vezes, nos dão a impressão de que são maioria. Eles não são maioria. Temos que nos organizar e pressionar. Devemos aprender um pouco com os povos indígenas: a cada mês de abril, vêm para cá, ocupam Brasília e impõem derrotas a este Governo. Eles nos dão um caminho do que deve ser nossa organização de luta para colocar em votação um projeto tão importante como esse.
19:07
RF
O Deputado Bira do Pindaré comentou comigo aqui em vários momentos: "Quanta coisa boa está surgindo deste debate! Que audiência pública rica!"
Para concluir, recuperando o que falou o Deputado Orlando Silva, nosso Presidente da CDHM, esta talvez seja a audiência pública mais importante que esta Comissão está realizando. Para mim, na minha vivência desses 3 anos como membro da Comissão de Direitos Humanos e Minoria, foi uma riqueza esta audiência. Não me lembro de ter visto uma audiência pública tão importante, tão rica, tão representativa e tão fundamental, num momento como este que o Brasil está vivendo.
Parabéns a todos!
Parabéns, Deputado Bira, pelo trabalho que V.Exa. tem feito até agora!
Parabéns a todos os proponentes e Parlamentares subscritores desta audiência pública!
Fico muito feliz de estar aqui vivendo este momento. Eu tenho certeza de que vamos brigar por este relatório no plenário e vamos aprová-lo.
Muito obrigado. Estamos na luta! (Palmas.)
Declaro encerrada a presente reunião.
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