Horário | (Texto com redação final.) |
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Declaro aberta a audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias destinada a debater o Marco Legal dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana. Este projeto, que foi protocolado nesta Casa, assegura, para além dos marcos conceituais que já estão postos, os marcos legais. Ele foi construído durante anos, com a participação de pessoas e de povos tradicionais de todo o País.
Esta audiência que estamos realizando agora faz parte da programação do seminário sobre os povos tradicionais de matriz africana, onde se discutiu uma série de aspectos. Hoje houve uma discussão acerca das redes e das teias, o que é absolutamente fundamental. Dentro desta programação, tivemos o acolhimento às manifestações dos tambores no hall da Taquigrafia. Neste momento, parte desta programação é esta audiência pública, consequência da aprovação do Requerimento nº 15, de 2022, de minha autoria, Deputada Erika Kokay, e subscrito pelo Deputado Túlio Gadêlha.
Este cortejo — eu diria, um cortejo de muita vida, de muita alegria, de muita energia, de muita resistência — também foi acolhido na Comissão de Cultura sob a Presidência da nossa Deputada Professora Rosa Neide, que aqui está. Ela é Presidente daquela Comissão e acolheu todos os tambores e os cortejos na Comissão de Cultura.
Esta audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm. Todas as pessoas que estão nos assistindo podem contribuir através do portal e-Democracia, colocando os seus comentários, os seus questionamentos, as suas perguntas. Nós vamos ter uma reunião com participação híbrida — haverá tanto a participação presencial quanto a participação remota.
Nós estamos aqui com a Deputada Natália Bonavides; o Deputado Vicentinho; a Deputada Professora Rosa Neide; o Deputado David Miranda; a Deputada Vivi Reis, que é do Estado do Pará; o Deputado Pr. Marco Feliciano, que é do Estado de São Paulo; e o Deputado Delegado Éder Mauro, que é do Estado do Pará. Estamos aqui para fazer essa discussão.
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15:30
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Nós vamos compor a nossa Mesa com o Babá Phil, que é Coordenador Nacional de Articulação Política do FONSANPOTMA — Teia PDT.
Nós vamos chamar também: Ìyálorisà Adriana t'Omolú, Coordenadora Executiva da Teia Nacional Legislativa em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana e Coordenadora Estadual do FONSANPOTMA SP — Teia PT; Tata Ngunzetala, representante do FONSANPOTMA do DF — Comissão da Ancestralidade; Alaxé Lya Juçara, do Mulheres do Axé; Kota Lembaresimbi, Coordenadora Executiva do FONSANPOTMA do Distrito Federal, que já está conosco; Kota Mulanji, que já está conosco; Elias Viana de Barros, Ojú Ilê da Teia do PCdoB.
Se não houver espaço para todos e para todas aqui, poderemos disponibilizar a primeira fileira para as pessoas ficarem ou colocar as cadeiras aqui atrás.
Então, composta a nossa Mesa, após as falas iniciais, como eu disse, vamos passar a palavra para a Kota Mulanji, para ela fazer uma exposição maior, apresentando a proposição, o projeto de lei. Em seguida, nós vamos conceder 5 minutos para cada um dos componentes e das componentes da Mesa. Depois, nós vamos passar a palavra para outros representantes ou outras pessoas que queiram fazer uso da palavra.
Nós vamos limitar o número. Os Parlamentares regimentalmente têm direito à fala com prevalência, depois da exposição da Mesa, durante 3 minutos. Nós vamos abrir a palavra para 5 pessoas aqui também se posicionarem por 3 minutos. Depois nós devolveremos a palavra para os componentes da Mesa se posicionarem, cada um por 3 minutos.
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15:34
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Nós ainda teremos a participação remota da Mãe Bernadete, representando o PSOL, e da Mãe Lúcia, representando o PSB. Também ouviremos Iêda Leal e Babalaô Ivanir dos Santos. Nós teremos quatro participações remotas.
(Manifestação artística.)
Os povos e comunidades tradicionais de matriz africana representam um contínuo, no solo brasileiro, de civilizações africanas milenares. Os lugares que ocupam são espaços caracterizados pela vivência comunitária, acolhimento e prestação de serviços sociais baseados em tradições ligadas, principalmente, a três matrizes culturais — as três línguas que ficaram neste País: as línguas bantas, ewe-fon e a do povo yorubá —, grupos sociais ainda hoje presentes em diferentes países entre os mais de 50 Estados do continente africano.
As características desses povos tradicionais no Brasil têm lastro histórico reconhecido que remete às origens culturais e geográficas das pessoas traficadas para o País — coisa que muita gente ignora. Em um movimento de resistência ao longo do período escravista e no pós-abolição, os povos tradicionais desenvolveram relações sociais próprias fundadas na ancestralidade comum transmitida ao longo de gerações por meio da oralidade, promovendo sua reprodução cultural, social, religiosa e econômica.
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15:38
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Essas comunidades não são homogêneas e seus espaços de vivência têm diferentes denominações ao longo do território nacional (...) — chamamos hoje de unidades territoriais tradicionais. Independente das dimensões da área que ocupam, esses locais abrigam comunidades complexas e podem ser encontrados no meio urbano ou rural, em vilas, bairros, sítios. São pontos de referência para um grande número de pessoas que se identificam pelo pertencimento a uma comunidade, a uma coletividade que comunga dos mesmos valores afrocentrados, diferenciada dos demais grupos sociais que compõem a sociedade brasileira. A vivência comunitária e o sentido de pertencimento fortalecem as pessoas e os grupos no enfrentamento ao racismo.
As comunidades tradicionais de matriz africana são lugares de rica expressão cultural que envolvem padrões rituais, estéticos, alimentares, onde têm significado próprio os objetos litúrgicos, as vestimentas, adereços (...).
Esses povos estabelecem um elo entre seus ancestrais, arrancados à força de suas localidades na África, os cidadãos marginalizados no Brasil após a abolição e a população negra ainda hoje discriminada e vítima de racismo. (...)
Estima-se que cerca de 5 milhões de pessoas de diferentes regiões geográficas da África e de diferentes culturas foram trazidas para o Brasil ao longo do período escravista.(...)
'Reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo, incluindo o tráfico de escravos transatlântico, foram tragédias terríveis na história da humanidade (...).'"
São crimes que lesaram toda a humanidade: aqueles que são vítimas e aqueles que se transformaram em algozes.
Com essa justificativa, nós apresentamos o projeto de lei que dispõe sobre o Marco Legal dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, que altera a Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010 — Estatuto da Igualdade Racial, e a Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001— Estatuto da Cidade.
Esse projeto lei está dividido em 34 artigos, que compreendem desde a questão da desterritorialização, do epistemicídio, da falta de garantia em todo o sistema alimentar que nos é característico, das condições que atingem o desequilíbrio corporal e mítico que nos leva à falta de saúde e adoecimento, à questão da educação, à questão dos espaços de territorialidade e território.
O projeto é riquíssimo! São quase 40 artigos que estarão à disposição, senhoras e senhores, desta Casa, que tem a primeira e talvez única oportunidade de sair do campo de algozes e nos tirar do espaço de vítima, reparando a retirada de 5 milhões de seres do seu território, do seu espaço geográfico, para escravizá-los.
Nós não viemos de Marte. Nós somos oriundos de povos originários africanos. Nós somos oriundos de povos com uma cultura rica, de uma civilidade, de uma civilização que não é evolutiva, como muitas vezes o conceito civilizatório aponta, mas que é cheia de ideias, que não é só do fazer.
É isso que está aqui hoje sendo entregue nas mãos daqueles que foram eleitos, muitas vezes, na maioria das vezes — somos quase 57% da população —, pelos que eles escravizaram.
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15:42
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Tenham a oportunidade, como dizia a nossa chamada agora, de contar a nossa história. Tenham a oportunidade de se sentirem humanos, já que o crime da escravidão não tirou a humanidade daqueles que foram coisificados; tirou a humanidade daqueles que até hoje apontam o dedo e dizem que nós não somos merecedores de políticas públicas, que nós não somos merecedores da nossa própria cultura, que nós não temos direito, que ainda se baseiam em um código de terra do ano 1850, que não nos permite ter terra ou que se baseia no processo de que a terra tem que ser só de alguns, que as universidades têm que ser só de alguns.
O nosso saber, de alguma maneira, nós estamos entregando e dizendo: somos parceiros para construir um País inteiro, porque, enquanto vocês acreditarem que o universo é a partir do umbigo de vocês, serão apenas o umbigo. É necessário, para que este País cresça, que incluamos os povos tradicionais de matriz africana.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer à Kota Mulanji.
O SR. PHILYP TYAGO XAVIER RODRIGUES (BABÁ PHIL) - Boa tarde a todos e todas. Saudações tradicionais, benção dos meus mais velhos, dos meus mais novos e da nossa ancestralidade, que nos permite estar aqui hoje, a partir da resistência de três povos que hoje conseguem se encontrar aqui, mesmo oriundos de três territórios, três populações, três geografias separadas pelo imperialismo europeu, representando milhares de tribos com visão de mundo própria, com valores civilizatórios, com uma forma de se enxergar na sociedade. Esses povos, no Brasil, encontraram, nas unidades territoriais tradicionais, uma maneira de preservar um pouquinho daquilo que o opressor tentou lhes tirar. Ele tirou a sua identidade, o seu idioma e o seu sentimento, mas, dentro dessa UTT — Unidade Territorial Tradicional, esses povos conseguiram preservar um pouquinho daquilo que os identificava, que os fazia ser quem de verdade eram.
A construção desse PL — e aqui represento a articulação política nacional do FONSANPOTMA e também a Teia Nacional Legislativa do PDT — visa garantir que o Estado brasileiro possa reparar um pouquinho de todo o estrago que fez à população que construiu este País, reparar um pouquinho de um estrago que não tem como voltar atrás, mas, quem sabe, aqueles que virão depois de nós poderão vivenciar e preservar aquilo por que nós até agora lutamos: preservar a nossa ancestralidade.
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15:46
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Nós pedimos, imploramos ao nosso sagrado e exigimos desta Casa do Povo, eleita para defender os interesses da comunidade brasileira, da qual nós fazemos parte, que coloque o seu povo brasileiro, o povo que constrói este País, à frente dessa relação. E nós, povos tradicionais de matriz africana, exigimos que a nossa fatia seja dada, pela nossa ancestralidade, pela nossa construção, por tudo que nós fizemos e faremos a partir de agora.
(Manifestação no plenário: Axé!)
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço ao Babá Phil.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Mãe Bernadete, nós não estamos te escutando. A senhora poderia tirar o fone?
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Sim, sim.
A benção a meus mais velhos, a benção a meus mais novos. Saudações tradicionais a todos e todas. Boa tarde às companheiras Deputadas, em especial à companheira Deputada Erika Kokay, à Deputada Professora Rosa Neide, à Deputada Vivi Reis, a todas e todos que estão aí. Iêda, aquele abraço! Não pude estar no Congresso do MNU, mas estamos juntas nessa luta.
Neste momento, é fundamental para nós esse marco legal, essa lei. Que ela venha, de fato, como a Kota Mulanji e o Babá Phil já trouxeram em suas falas, promover a reparação histórica que este País tem conosco, povos negros.
Eu sou Bernadete Souza, Bernadete de Oxóssi, assentada da reforma agrária e, neste momento, estou falando aqui do P.A. Dom Helder Câmara, no sul da Bahia, em Ilhéus. Aqui também construímos a nossa luta. Estou aqui representando a Teia do PSOL, com o combate ao racismo, o combate às mazelas que este País, infelizmente, construiu a partir de uma história em que o povo negro foi vítima do holocausto.
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15:50
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Neste momento, a resistência para nós e nossos territórios é de fundamental importância. Esses territórios são espaços de resistência do povo negro. Nessa perspectiva, entendemos a importância desse marco legal para os povos tradicionais de matriz africana, para os povos originários, para os quilombolas, como uma reparação que este País precisa, de alguma forma, dar ao nosso povo.
Então, nos nossos territórios, que são territórios onde construímos, permanecemos e nos reafirmamos enquanto cultura, nós desenvolvemos as nossas questões econômicas, políticas e sociais. Nós estamos nesses territórios lutando por direitos.
Neste momento, neste espaço aqui, entendemos que a Casa do Povo, que é a Câmara Federal, precisa, de alguma forma, trazer para nós, enquanto povos tradicionais de matriz africana, a lei, para que, de alguma forma, este País tenha conosco o compromisso e a responsabilidade de uma reparação histórica.
Quando falamos de povos tradicionais de matriz africana, trazemos vários elementos da nossa cultura. E esses elementos também têm a questão do nosso sagrado, da nossa religiosidade e da nossa fé, que são um direito nosso, um direito inviolável. Infelizmente, os nossos territórios estão sendo agredidos por este País, pelo Estado, por estruturas que vêm contra nós. Isso é histórico, é a questão do racismo, do racismo religioso que se complementa a partir daí.
Então, neste momento, falar de lei, falar de marco zero, é para dizer que exigirmos uma reparação histórica com o nosso povo.
Eu sou uma mulher que vive em um assentamento. A nossa cultura nesse território é a questão. Trabalhamos em uma região cacaueira onde colhemos, quebramos e vendemos o cacau, mas não podemos sequer comer do chocolate de qualidade. Infelizmente, a política econômica não está voltada para esse povo. Infelizmente, a reforma agrária parou no tempo. Infelizmente, o INCRA, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Ministério do Meio Ambiente estão sucateados.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Peço que conclua, por favor, Mãe Bernadete.
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15:54
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Já tem que concluir, Mãe Bernadete. Conclua, por favor.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Mãe Bernadete, que é representante da Teia PSOL.
Eu queria anunciar a presença do Deputado Abílio Santana, do PSC da Bahia, e do Deputado Henrique Fontana, do PT do Rio Grande do Sul.
O SR. DELEGADO ÉDER MAURO (PL - PA) - Obrigado, Sra. Presidente.
A SRA. ADRIANA SILVA (ÌYÁ ADRIANA T'OMOLU) - Boa tarde a todos os Parlamentares aqui presentes. Peço a benção das minhas velhas, dos meus mais velhos, dos meus iguais, dos meus mais novos e das minhas mais novas.
Antes de qualquer coisa, como nós o temos em nossa existência, em nosso ser, em nossa ancestralidade — e é por ele que estamos aqui nesta luta, para honrar toda a sua história —, quero saudar Exu: laroyê, Exu, senhor da comunicação, senhor dos caminhos, senhor da nossa vida. Não é o demônio pintado historicamente, porque essa entidade não nos pertence.
(Manifestação na plateia.)
Por que começo saudando? Porque são nossos ancestrais, são nossas ancestrais. É disso que falamos. Eles são em nós, com toda a plenitude, com todo o amor e com toda a sua história. Quando falamos dos nossos povos, estamos falando de nossos ancestrais e de nossas ancestrais, esses que são demonizados, esses que são marginalizados. A partir do momento em que nos iniciamos, em que nos conectamos e em que são despertadas em nós essas divindades — reis e rainhas, porque é deles que descendemos —, ganhamos na nossa estima, na nossa identidade e fortalecemos os nossos e as nossas que vêm nos procurar em nossas unidades territoriais.
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15:58
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Quantos acolhemos, quantos ajudamos! São vítimas de violência do sistema, vítimas de violência do Estado que oprime e que mata nossas meninas, nossos meninos, nossas mulheres e nossas idosas e idosos, num sistema em que idosos e idosas são pesos para nós. Os idosos e idosas são as nossas anciãs e anciões que tanto guardam a nossa ancestralidade, os saberes que são ancestrais e são verdadeiramente a história viva dessas divindades. A eles devo todo o meu respeito. Temos crianças aqui, a nossa continuidade, e a elas também devemos respeito.
Quero fazer a leitura do inciso XX do art. 32 do PL nº 1.279/22, que cita o art. 2º da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.
A proteção de espaços tradicionais de Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana que se organizam a partir de valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por africanos durante o sistema escravista, que se reconhecem como descendentes de povos africanos, majoritariamente dos povos banto, jeje e iorubá, e possuem formas próprias de organização social comunitária.
Estamos falando de povos que têm o seu espaço sagrado, o seu território, invadido, maculado por grupos extremistas que nos humilham, nos violentam, inclusive nas redes sociais, e nada é feito. Nada é feito.
Além disso, os nossos meninos são mortos a cada 23 minutos porque são pretos. E é o Estado que legitima esse genocídio. Lembro que, em razão deste genocídio, o genocídio do nosso povo, uma das nossas reivindicações de pauta é a CPI do Genocídio dos Povos Tradicionais de Matriz Africana. E disso não abrimos mão!
A Comissão de Direitos Humanos tem uma responsabilidade que não é pouca. Não é verdade, Deputada? Sabemos como é a disputa de forças aqui. Infelizmente, pensam só nos seus, e não na comunidade em geral.
Então, aqui nós clamamos para que a humanidade de cada uma e de cada um seja maior, respeitando inclusive a própria ancestralidade, ao olhar com responsabilidade esse PL.
Eu quero agradecer aos Deputados que passaram pelo nosso seminário, David Miranda, Nereu Crispim, Danrlei de Deus, Bohn Gass, Alencar, Heitor Schuch, Alessandro Molon, Natália Bonavides, Rosa Miranda, Vicentinho e Cristina Almeida.
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16:02
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - O projeto tem autoria de vários Parlamentares e está aberto ainda para os que quiserem ser coautores da proposição.
Eu vou aproveitar para ler o resultado de um processo de aclamação do FONSANPOTMA, que discutiu o nome do PL, como ele seria denominado.
A caminhada, até o presente momento, contou com algumas pessoas que compreenderam os chamados dos inquices, dos orixás e dos voduns e aceitaram sonhar uma realidade mais justa para os povos e comunidades tradicionais de matriz africana. Os postman garantiram historicamente, através do legado cultural e civilizatório das Áfricas, a existência da humanidade africana no Brasil em árduo enfrentamento e resistência ao racismo e ao epistemicídio, considerando que os nossos passos vêm de longe, nossas histórias são cruzadas e nossas memórias coletivas.
Esta plenária deseja homenagear duas mulheres negras que retrataram, e retratam, o sentimento matrifocal de nossa tradição e foram de extrema importância para que pudéssemos chegar a este dia. As memórias, trajetórias e narrativas que constituem o legado e as histórias de vida de Makota Valdina e Luiza Barros se somam à trajetória de muitas vidas das nossas histórias. Makota Valdina foi uma autoridade tradicional de matriz africana, contribuiu de forma singular na elaboração dos conceitos que definem os povos e comunidades tradicionais de matriz africana. Luiza Barros, à altura de Ministra da SEPPIR, desempenhou toda a articulação política que lhe cabia para tornar possível e material o plano de desenvolvimento, o caderno de debates, o guia para o mapeamento e o marco conceitual dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana.
(Os presentes entoam em uníssono: Por menos que conte a história, não te esqueço, meu povo. Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo!)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo.
(Palmas.)
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16:06
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O SR. JÚLIO CEZAR DE ANDRADE - Boa tarde a todas, boa tarde a todos. Peço licença às mais velhas, peço benção aos mais velhos, peço benção à mãe-terra, que nos alimenta, nos sustenta, nos nutre, nos protege, nos acolhe, nos dá força e resistência.
Sou Júlio Cezar de Andrade, co-Vereador de mandato coletivo do Quilombo Periférico, por uma São Paulo sem racismo, na Câmara Municipal de São Paulo. Estamos aqui com lideranças, mulheres, pessoas de luta.
Peço benção à Mãe Bernadete por coordenar nossa Teia do PSOL, peço benção à Mãe Nana por ser nossa grande articuladora municipal em São Paulo, peço benção à nossa querida Mãe Adriana por nos dar direção política e funcionamento interdisciplinar e intrapartidário.
Nós estamos aqui não é pelo partido, mas pelo projeto de sociedade que defendemos. Estamos aqui pelo combate a uma sociedade que se construiu e se constituiu sobre o estupro das nossas ancestrais e sobre a violência e o sequestro dos nossos povos originários africanos — os povos bantos, os povos iorubás — e das várias manifestações culturais do povo preto, que, por meio do aquilombamento, resistiu e resiste ao genocídio, ao epistemicídio, ao silenciamento, aos depredamentos das nossas casas de axé, a toda a forma de opressão abusiva, racista cometida pelo Estado brasileiro. O Estado nos deve reparações históricas pelas nossas mulheres, pelos nossos filhos, pelo processo de institucionalização de nossas crianças de terreiro. Estar aqui é sinal de muita luta e de muita vitória.
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16:10
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Como dizia Makota Valdina, não sou descendente de escravos, somos descendentes de seres humanos que foram escravizados. Nós somos vida. As casas de axé, os povos de matriz africana trazem valores, saberes, ciência, tecnologia, conhecimento de emancipação societária, com a força da matriarcal, com a força das mulheres que está ligada diretamente à Mãe Terra.
Por isso que nós somos povos, somos múltiplos, somos difusos, somos o contato do visível com o invisível. Somos a herança viva da história que o Brasil tentou apagar e tenta apagar até hoje, quando tenta silenciar a política de cotas, quando tenta não garantir a manutenção dessa história de riqueza.
Nós somos a população que mais sofreu de insegurança alimentar na pandemia da COVID. Historicamente, a fome bateu sempre nos corpos de mulheres e homens, pretinhos e pretinhas e periféricos.
Nós viemos aqui não só para reparação, mas para continuar lutando, para continuar insistindo na luta por um País democrático, por um País antirracista e por um País de povos pretos, de resistência, de sabedoria milenar e ancestral. Somos esse povo que conta a história, que faz Palmares de novo, todos os dias, nos nossos becos, vielas, terreiros, casas, templos. Preservamos a alimentação saudável, não violenta e imaterial. É com o alimento que vem da Mãe Terra que fazemos o axé, a força sagrada dos nossos elementos do mundo vegetal, do mundo animal e do mundo mineral.
É essa força que, todos os dias, nos motiva a sermos esses seres livres, esses seres dinâmicos, esses seres portadoras e portadores de axé, portadores do sagrado, portadores de vida, portadores de resistência, por sermos esse povo difuso, resistente, combatente, que todos os dias alimenta os territórios, com força, com sabedoria, com técnica, com tecnologias. Com a comunicação de Exu, com os tambores dos nossos axés, nós lutamos e reivindicamos uma nova ordem societária, antirracista e anticapitalista. E é esse o projeto que nós defendemos.
Agradeço por estar aqui. Eu vou pedir para os nossos tambores louvarem Xangô, o meu pai, pelo dia de hoje, o pai do meu Ori, o meu ancestral venerável, que foi o rei que tratou as mulheres com equidade, Oyó, há mais de 3, 4 mil anos, um homem que esteve a serviço do povo, a serviço das crianças e adolescentes, a serviço da comunidade e a serviço do território. No Reino de Xangô Oyó, não tinha fome, tinha divisão, tinha equidade e tinha respeito. E é essa ancestralidade que vamos louvar na tarde de hoje.
(Apresentação artística.)
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16:14
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(Apresentação artística.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer a contribuição do Júlio Cezar de Andrade.
A SRA. PROFESSORA ROSA NEIDE (PT - MT) - Quero cumprimentar a Deputada Erika Kokay, nossa companheira, que coordena esta audiência pública. Vou estender os cumprimentos a todos os demais Parlamentares que estão aqui conosco.
Quero cumprimentar também a Mãe Joyce, de Mato Grosso, parceira do meu mandato lá no Estado. Faz um trabalho maravilhoso, acolhendo muitas pessoas, no silêncio, fazendo muitas vezes o que o poder público não faz, no acolhimento àqueles e àquelas que mais precisam.
Quero dizer ao companheiro Vicentinho, à companheira Erika Kokay e aos demais Deputados e Deputadas que, como eu, são os coautores do PL 1.279, que trata do marco legal dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana, que tem como objetivo o reconhecimento de sua contribuição na construção do Brasil, a valorização da ancestralidade, que estabelece vínculo identitário com o continente africano e o Brasil, a reparação pelo crime contra a humanidade, que foi a escravidão, e pelas violações dos direitos civis, sociais, políticos, culturais, além dos econômicos dela decorrentes, cometidos pelo Estado brasileiro, por pessoas físicas e por instituições.
O Brasil não conhece a história e não conhece a cultura dos povos tradicionais de matriz africana. Por isso, alguns até temem. Normalmente o ser humano teme aquilo que desconhece e coloca alguns mitos sobre a história dos povos de matriz africana, que derramaram suor e sangue para construir esta terra.
Então, vocês têm que ter a defesa deste Parlamento. Vocês têm que ter o compromisso deste Parlamento. Eu sempre digo que, quando se chegou ao dia 13 de maio, não havia mais escravidão no Brasil, por que o Brasil não fez um reparo naquele momento? Por que o Brasil não entregou as terras a quem, de direito, estava ali? Cada família foi desamparada, foi dividida, foi massacrada, e não há reparo para isso. Pelo menos, dignamente,
o povo negro que estava neste País, fazendo todo o trabalho que fez, poderia ter tido de fato a sua reforma agrária e ter o seu direito à terra. Até hoje, os terreiros, os povos de Quilombos, essas pessoas estão lutando para viver, lutando por ter direito à vida.
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16:18
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Então, como Parlamentar do Estado de Mato Grosso e fazendo coro com todos os Parlamentares que respeitam a diferença neste País, estou aqui para lutar, Deputada Erika, para lutar Deputado Vicentinho, e todos os outros aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Nós temos aqui o Projeto nº 1.279, de 2022, que tem como coautoras e coautores os seguintes Deputados e Deputadas: Fernanda Melchionna, Talíria Petrone, Vivi Reis, Professora Rosa Neide, Luiza Erundina, Áurea Carolina, Sâmia Bomfim, Ivan Valente, Frei Anastacio, Valmir Assunção, Marcon, Natália Bonavides, David Miranda, Paulo Ramos, Heitor Schuch, Reginaldo Lopes, Tadeu Alencar, Jandira Feghali, Alencar Santana e Henrique Fontana. Esses são os coautores desta proposição, além desta Deputada que vos fala.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Deputado Bohn Gass também.
O SR. VICENTINHO (PT - SP) - Querida Deputada Erika, só para informar aos nossos companheiros que hoje, pela manhã, o nosso povo aqui organizado, reunido, ontem e hoje, deu-me uma grande responsabilidade.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - De relatar a proposição. Isso foi informado aqui.
O SR. VICENTINHO (PT - SP) - Juntamente com o Presidente, para ler o relatório no plenário da Casa.
O SR. HENRIQUE FONTANA (PT - RS) - E o Deputado Vicentinho não poderá ser coautor, Deputada Erika, para ser o Relator.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Exatamente. O Deputado Vicentino não pode ser coautor, porque os autores não podem relatar a proposição. Então, nós lutaremos para que o Deputado Vicentinho seja o Relator da proposição.
(E Xangô vai garantir.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - E Xangô vai garantir.
O SR. TATA NGUNZETALA - Peço a benção à transcendência, que vai muito além dos nossos corpos presentes. Vai a todas e todos aqueles que nos constituíram para nos dar a identidade que temos hoje.
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16:22
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Quando nós somos iniciados nos candomblés de Angola, nós recebemos um nome africano, que é um jeito de dizer: "Eu me refaço dentro da minha ancestralidade". É um jeito de dizer que o nome que foi rejeitado ao meu ancestral, que foi batizado com nome cristão à força, o que justificaria a sua escravização, eu recupero a minha identidade africana, quando eu recebo um nome a partir da minha iniciação.
Então, é desse lugar de pertencimento, a partir de uma iniciação em uma tradição de um dos povos legítimos africanos aqui presentes, que eu falo. Falo como teólogo. Sou formado em teologia cristã, quando do meu preparo para formação de pastor da Assembleia de Deus. Sou teólogo formado na Faculdade Teológica Assembleia de Deus em Brasília. Tenho um trânsito por várias tradições. E hoje eu posso falar do que é pertencer a uma ancestralidade africana. É de olhar e pensar que através de nós se remontam gerações que resistiram até aqui.
Você sabe o que é imaginar uma mulher que cria os seus filhos com toda a luta na periferia de Salvador e que fala com seus ancestrais e com seus orixás em iorubá? Você sabe o que é ouvir o som fom da boca de uma preta e o que isso significa para nós? Quem aqui sabe o que é sentir a presença da ancestralidade em nosso corpo sabe do que estou falando.
Quando uma manifestação divina se aproxima, vai tomar a nossa personalidade e vai se personificar em nós, ali está a representação de toda a resistência. Não é um deus sentado num trono, com um superego, que, no dia em que você o desagradar, vai lhe condenar. Não é, mas é uma consciência transcendente que vai remontar todos os seus ancestrais e vai lançar no futuro com conceito de vida eterna, de pertencimento.
Quando uma entidade de umbanda, um caboclo, um preto velho, Mãe Bete, aproxima-se de nós para fazer caridade, para atender aqueles que ninguém quer, vai fazer uma sessão que, se fosse no psicólogo, seria muito cara. E nossos povos de periferia não têm dinheiro para pagar psicólogo. Sabe quem é o psicólogo dos nossos povos? O preto velho, o caboclo, a pombagira, que dá fala para a mulher, que dá a fala para a feminilidade. Pombagira muitas vezes de mulheres que foram assassinadas e hoje vêm para os terreiros de umbanda trabalhar e orientar o povo.
Nós não reconhecemos o demônio na nossa ancestralidade. Nós reconhecemos vida, reconhecemos plenitude. Isso é ser povo tradicional de matriz africana. Isso é pensar num grupo de povo que constitui um território, e, nesse território, as identidades são reconstruídas. Ninguém pergunta de onde você veio, o que você acredita, com quem você gosta de viver na sua intimidade. Nós não estamos preocupados com essas particularidades da vida. Todo ser tem o direito de ser e viver como é e como se reconhece em qualquer área da vida.
Nós estamos preocupados em reconstituir esse ser na plenitude da sua capacidade de viver este mundo que é de todos. Esta Terra, no conceito afrobantu, entendemos que foi criada por Zambiapongo, Suku, Huku, Kalunga, aquele que não tem nome, aquele que é além de todas as coisas, que não tem personificação.
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16:26
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Os nossos irmãos aqui o chamam Olodumarê, Olorum. Esses são conceitos transcendentes que nem se personificam de tão plenos e completos que são e que abraçam essa diversidade que nós vemos aqui.
Então, em nome dessa ancestralidade, eu quero agradecer por ouvir o nome da Makota Valdina, que é minha parente, da minha família, é da Família Tanuri Junsara. Ela é de um terreiro chamado Tanuri Junsara. Hoje, é um ancestral, um baculo venerável, um baculo zimeuanga, como falamos em nossa língua, um ancestral venerável.
Quero agradecer a esta Mesa. Quero agradecer a todos os Deputados e Deputadas presentes e às autoridades religiosas. Talvez eu seja aqui um dos mais novos dentro da tradição. Então, às vezes não sei se é um privilégio ou se é um peso grande de responsabilidade falar em nome de vocês. E não precisamos, nós falamos por nós mesmos. Mas, quando eu estou aqui, de certo modo, eu dou fala a quem não tem. Aquela mulher, como Mãe Mesoeji, que hoje é a nossa matriarca no Tanuri Junsara, Mãe Iraildes da Cunha, é uma mulher analfabeta, que senta numa cadeira de uma família centenária. Lá chegam doutores e juízes e batem cabeça para ela, reconhecendo a ancestralidade, não fazendo dela uma divindade, mas reconhecendo uma divindade imanente e transcendente nela.
Em nome dessa ancestralidade, eu falo e peço bênção a todas, a todos e a todes. E nos colocamos à disposição para continuarmos na luta. Palmares há de ser refeito, em nome de Zambiapongo.
(Apresentação artística.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer ao Tata Ngunzetala.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Estamos escutando.
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16:30
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A SRA. IÊDA LEAL - Deputada Erika, muito obrigada. Quero abraçá-la e, fazendo isso, eu abraço todos os nossos Parlamentares que têm feito o exercício de estar ao lado de 56,2% da população deste País — nós, os povos negros deste País. Eu escutei e me emocionei com cada palavra das autoridades neste espaço que representa a nossa ancestralidade.
Mãe Lúcia, o meu respeito e o meu amor por você. Dizendo do meu respeito por todas que estão aqui e que são as minhas mais velhas, a saudação que eu trago para vocês é de resistência, de luta, com força em Palmares, não negando as nossas mulheres que fazem a diferença e os nossos homens também.
Respeitar a história é escutar e escrever, desta forma, o que nós queremos para o Brasil, um país construído com o nosso sangue por mais de 5 séculos, por 522 anos. Temos marcos legais das mais variadas formas, que fazem parte da história recente da sociedade. Nós temos o nascimento de muitos movimentos e de muitas entidades, inclusive do Movimento Negro Unificado, do qual eu faço parte. Aliás, eu fui reconduzida para um segundo mandato à frente do movimento, na última semana, no último dia 15.
(Palmas.)
Nós precisamos construir ou continuar a construir as nossas variadas proteções, e esta demonstração da teia, da rede, nesse entrelaçamento, é absolutamente necessária e se faz no momento oportuno. Reconstruir o País, através das mãos de quem sabe, de quem entende da energia das águas, do barro, do vento, das folhas é a possibilidade que nós trazemos de oferecer para o País olhares diferentes e absolutamente certos daquilo que nós somos. Esse é o papel.
Quero parabenizar pela iniciativa todos os partidos que estão aqui hoje. Pelo País, pela Nação, por nós é o reconhecimento histórico. Contem com o Movimento Negro Unificado, contem com os educadores deste País, contem com todos os sindicalistas responsáveis pela luta pela sobrevivência. Nós somos esse povo que vai continuar as mudanças significativas da nossa Nação. Não abrimos mão disso. O que eu ouvi até agora é o único recado: resistir, contar a nossa história, escrever a nossa proteção. Não abriremos mão de ser um povo que tem origem na coletividade e de fazer com que o Brasil siga esse caminho.
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16:34
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Axé!
Então, nós vamos passar para o Deputado Henrique Fontana; em seguida, para a Deputada Cristina, que vai ter que se retirar; para a Mãe Lúcia; e depois para o Deputado Vicentinho.
O SR. HENRIQUE FONTANA (PT - RS) - Obrigado, Deputada Erika.
Primeiro, quero cumprimentar todos os representantes e todas as representantes do povo negro que vêm a este Congresso Nacional. A presença de vocês hoje, pelo menos para mim, significa mais um dos tantos símbolos que vocês constroem e construíram, ao longo de milênios, que mostram a resistência deste povo.
Eu, que sou branco, eu, que procuro compreender e aprender ouvindo vocês, para viver num país plural e que garanta respeito à liberdade religiosa e às diferentes culturas que construíram esta Nação, muito em especial a cultura e a história de trabalho e de vida do povo negro, sinto-me — eu imagino, como V.Exa., Deputada Erika, grande amiga — muito honrado por, em nome de 110 mil gaúchos e gaúchas que me trouxeram a este Parlamento, seguramente muitos deles negros, assinar como coautor o projeto de lei para definir um marco legal dos povos tradicionais de matriz africana.
Esta é mais uma das dívidas que o nosso País tem, seguramente, com a maioria do nosso povo, como foi dito há pouco pela Iêda, que nos relembrou o tamanho da população negra no nosso País. Se este projeto chega tarde ao Parlamento — mas que bom que chega —, ele vem num momento muito importante, porque infelizmente o nosso País está vivendo, ao longo dos últimos anos, uma escalada de ódio, uma escalada de conflitos, uma escalada de crescimento dos preconceitos e, como disse o Júlio Cezar, se não me engano, uma escalada que inclui o racismo religioso também dentro dessa escalada de intolerâncias.
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16:38
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Nós precisamos agir e unificar as forças de todos os que defendem um país democrático para garantirmos uma lei como essa — e, mais do que uma lei, espaços como este — e para garantirmos que o povo negro possa estar mais no Parlamento brasileiro e eleger mais dos seus representantes.
Como Relator da reforma política alguns anos atrás, sempre defendi ações afirmativas que ajudassem a construir um Parlamento mais plural, com a cara do povo brasileiro real, do povo brasileiro que somos todos nós. Sempre defendi as políticas de cotas, que alguns perseguem. Sempre defendi as políticas que procuram reparar uma parte das injustiças e da dívida que a Nação brasileira tem com o povo negro deste País.
Deputada Erika, encerro esta minha fala cumprimentando cada uma e cada um de vocês que veio a este Parlamento para representar essa força política e essa força de vida, que são muito grandes no nosso País. Para quem, como eu e como todos que aqui estão, quer um país de iguais, respeitadas as diferenças que cada um traz na sua história de vida e na sua cultura, essa força é tudo de que nós precisamos.
Vamos trabalhar para que o Deputado Vicentinho seja o Relator dessa matéria e para que possamos votá-la o quanto antes. E, acima de tudo, vamos continuar trabalhando para que nenhum brasileiro e nenhuma brasileira sejam discriminados.
Se me permitem, vou trazer um toque pessoal à minha fala nos últimos 30 segundos. Eu sou de formação médica — sou médico geral comunitário. Quando concorri pela primeira vez ao cargo de Vereador em Porto Alegre, tive muito apoio da comunidade que eu atendia com outros colegas, no bairro de Vila Jardim. Lá eu conheci muitas pessoas, fiz muitos amigos, dentre eles a Mãe Dorsa.
(Palmas.)
(Manifestação da plateia: Justiça!)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Deputado Henrique Fontana.
(Exibição de vídeo.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Estamos ouvindo duas falas ao mesmo tempo. A fala do Deputado Henrique Fontana está sendo reproduzida também.
Eu queria que suspendessem o vídeo do ex-Prefeito Alexandre Lindenmeyer, por favor, e tirassem a fala do Deputado Henrique Fontana, que está ecoando, para que escutássemos o ex-Prefeito.
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16:42
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(Exibição de vídeo.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradecemos a manifestação do Alexandre Lindenmeyer, que foi Prefeito de Rio Grande.
(Palmas.)
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16:46
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É uma alegria ver V.Exa. puxando a responsabilidade deste requerimento, desta pauta, junto com os seus pares, e sermos, de fato, representados.
Quero saudar todos os demais Parlamentares, na pessoa do Deputado Federal Vicentinho, de São Paulo, que é um amigo particular, e todas as lideranças políticas dos partidos, na pessoa do Paulo que representa o PSB, a negritude socialista brasileira do Rio Grande do Sul.
Eu quero, neste momento, remeter-me a três palavras que representam a nossa presença aqui: violência, intolerância e preconceito. Esse projeto de lei vem alertar à vitrine política do País que a violência existe nas comunidades de terreiro, que a intolerância é presente nas comunidades de terreiro e o preconceito e a discriminação também. Nós não podemos estar em um Estado de regime democrático e continuar fingindo que não está acontecendo nada com a religião de matriz africana, colocando isso debaixo do tapete.
A nossa vinda a esta Comissão de Direitos Humanos é para dizer que o respeito aos direitos humanos perpassa também pelo respeito à religião de matriz africana. Não dá para falarmos de direitos humanos, sem falarmos da intolerância religiosa. Não dá para falarmos de direitos humanos, sem propormos políticas públicas que possam mudar esse cenário.
Então, o alerta que nós estamos trazendo aqui é que nós queremos paz. Nós não divulgamos nem multiplicamos o ódio que a maior autoridade deste País, hoje, vem pregando nas redes sociais contra nós, o povo preto do Brasil. (Palmas.)
Eu quero aproveitar este momento para dizer que essa teia vai sim se fortalecer. Ela já está fortalecida em cada canto deste Brasil — e, no Amapá, não será diferente. Portanto, nós queremos muito, muito... Eu fico muito feliz em ver a teia de homens e mulheres, os Deputados Federais, que estão aqui, porque vieram dizer que não concordam com a intolerância religiosa, que nós estamos em um Estado laico.
Os números não mentem! Embora menos de 1% da população brasileira seja praticante de religião de matriz africana, 56% das agressões a religiões, segundo o IBGE, são a religiões de matriz africana. Isso nós não podemos mais aceitar! Isso nós não podemos mais esconder! Para isso, nós queremos sim que esse projeto — e já estamos fazendo coro para que o Deputado Vicentinho seja o Relator — possa tramitar com a celeridade que o caso requer.
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16:50
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu gostaria de agradecer e registrar a presença da Lívia Guilardi, que é Covereadora do mandato Coletiva Bem Viver, de Santa Catarina, e também o Vereador Josa Queiroz, que é Presidente da Câmara de Vereadores de Diadema, no Estado de São Paulo. Eu quero agradecer muito a presença dos dois. (Palmas.)
O SR. PR. MARCO FELICIANO (PL - SP) - Muito obrigado, Sra. Presidente, Sras. e Srs. Deputados que aqui estão. Bem-vindas todas as pessoas que vieram a esta audiência pública.
Uma audiência pública é sempre uma aula para nós, pelo menos é para mim. Por isso eu fiquei aqui até este momento, para poder ouvir e saber mais sobre o projeto. Acho interessante o projeto, quero me debruçar sobre ele. E têm o meu respeito todas as pessoas que lutam pelos seus direitos, direitos legais.
Eu fui Presidente desta Comissão. Eu me lembro de que avoquei para mim a relatoria de um projeto de cotas, que dava 10% das vagas de todo o funcionalismo público para pessoas de matriz africana. Eu melhorei o projeto: coloquei 20%. Infelizmente, não passou lá na frente e voltaram para 10%.
(Intervenções fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Vamos respeitar o Deputado.
O SR. PR. MARCO FELICIANO (PL - SP) - Falou-se aqui em respeito, sobre ódio. Eu fui processado inúmeras vezes por racismo e, graças a Deus, fui absolvido em todas, porque provei para as pessoas que não há racismo em mim, principalmente porque sou um cristão.
Assim como vocês lutam hoje, nós lutamos no passado. Nós sabemos o que é preconceito, o que é sofrer como minoria. E eu torço para que vocês alcancem os seus objetivos. Nenhum ser humano deve ser punido pela cor da sua pele, pelo seu sexo ou pela sua religião. Se fizermos isso, teremos um Brasil melhor.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputado Pr. Marco Feliciano.
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16:54
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Vamos continuar aqui na Mesa e esperar que ela possa resolver o problema do som. Nós não estamos escutando a Mãe Lúcia. Depois nós a chamaremos de novo.
O SR. VICENTINHO (PT - SP) - Estimada companheira, nossa grande irmã Deputada Erika Kokay, meus colegas Parlamentares aqui presentes, nossas autoridades das religiões de matrizes africanas, o nosso povo que não é de nenhuma religião também é povo de matriz africana, de comunidades de matriz africana. Sempre é bom lembrar isso. Nesse sentido, quero lembrar que esse projeto se refere aos povos de matrizes africanas.
Por que eu estou dizendo isso e não que ele se refere às religiões de matrizes africanas? Para que não haja dúvidas nem confusão. É verdade que o conteúdo, a influência e a presença generosa das denominações de matrizes africanas religiosas, para mim, são os grandes responsáveis para chegarmos ao patamar que nós chegamos aqui, mas a nossa perspectiva como negros, como povos originários, é que os povos de matrizes africanas sejam encarados como é encarado, por exemplo, o povo alemão. A cultura alemã não é só dos luteranos, o povo inglês não é só o povo evangélico, e assim por diante.
Agora, o que nós temos que valorizar e reconhecer aqui, além disso, é o fato de que religiões como as nossas, que sofreram todos os tipos de perseguições, eram consideradas de vadios um tempo atrás — não muito tempo atrás, no meio do século passado —, e, para se instalarem, tinham que ter autorização da polícia. Por esse motivo, muitos perderam a vida, muitos foram massacrados. Estarmos aqui hoje ocupando uma audiência pública oficial e termos o arcabouço e a proteção da Constituição brasileira é uma vitória para nós.
O povo negro também é uma vitória para nós, porque os nossos ancestrais, no dia em que chegaram ao Brasil, chegaram escravizados — porque nós nunca fomos escravos —, e depois das lutas do nosso povo nos quilombos, nas senzalas, depois das reações, das manifestações, vieram com a Lei Áurea. E esta lei, pelo que foi assinado... Primeiro, a Princesa Isabel deve ter assinado essa lei com muita raiva, porque eu nunca vi uma lei tão curta na vida. Ela diz que acabou a escravidão e ponto.
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16:58
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Os nossos irmãos dos Estados Unidos, quando houve a conquista do fim da escravidão, definiram ali políticas, produção, educação... Até hoje eles têm universidades exclusivas para o povo negro. Aos nossos irmãos que vieram da Itália, da Espanha, dos países asiáticos ao Brasil, deram-lhes condições para trabalhar, produzir, deram um pouco de dignidade.
O que foi que nos deram nesse dia 14 de maio, que foi um dia desses? Sarjeta! Eles imaginavam que nós íamos desaparecer. Eles achavam que nós íamos morrer. Eles não achavam que nós estaríamos aqui hoje, nem que nós seríamos maioria neste País. Eles não achavam isso e tentaram esconder...
Nesses dias, lá em São Paulo, nós participamos de uma manifestação, uma tradicional caminhada noturna que nós fazemos todos os dias 12 em São Paulo, andando pelo centro da cidade, e nós estávamos numa praça chamada Praça da Liberdade.
Eles achavam que íamos esquecer essa história. Por que "Praça da Liberdade"? Até colocaram, recentemente, o nome: "Praça Japão-Liberdade". Não tem nada a ver com Japão! Por que o nome "liberdade" da praça em São Paulo, que permanece, que tem a Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, que representa a luta do nosso povo negro? Por que essa praça ganhou o nome "liberdade"? Porque um dos irmãos nossos, condenado à forca, foi jogado e pendurado por várias vezes, e ele não falecia; e o povo reagiu, com uma energia positiva, e gritava: "Liberdade! Liberdade! Liberdade!"
Essa é uma vitória! É uma vitória para todos nós. Essa vitória não significa dizer que os problemas estão resolvidos. Muito pelo contrário, o nosso povo jovem, a nossa criançada é vítima da violência todos os dias — meninos e meninas. As nossas mulheres negras são as maiores vítimas, quando sofrem violência doméstica, e são abandonadas na história da sua caminhada. A prisão está cheia do nosso povo negro.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Peço que conclua, por favor, Deputado.
O SR. VICENTINHO (PT - SP) - O nosso povo negro não está aqui no Parlamento, Presidenta Erika. Nós somos só 21 dos 513 Parlamentares. Infelizmente, dentre esses 21 Parlamentares, ainda há alguém que não acredita que é negro.
Saibam, meus amigos e minhas amigas, meus irmãos e minhas irmãs, povo do axé e povo de comunidades tradicionais de matriz africana, das tradições africanas, que nós estamos presentes aqui. Vocês não estão sozinhos. É só olhar para essa guerreira que está aqui à nossa frente junto com todos e com todas.
(Manifestação dos convidados: Liberdade!)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Axé, Deputado Vicentinho!
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17:02
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Eu quero pedir a benção aqui aos meus mais velhos e aos mais novos; pedir agô aos meus ancestrais, em nome de Zé do Vapor, um homem que abriu um terreiro lá na cidade de Cachoeira há 117 anos. Nós resistimos e estamos aqui, hoje, para contar a história.
Eu vejo vocês falando de outros Estados e de outras cidades; e, aí, eu me coloco como cachoeirana, nascida na primeira cidade a ser independente na Bahia e no Brasil. As lutas pela independência da colonização começaram lá em Cachoeira. E os candomblés de Cachoeira não têm essa divisão toda de nações, como eu vejo aqui as do Efon, Ketu, Angola e Jeje. Nós somos todos misturados por causa até de que chegamos misturados nesses navios negreiros. E Cachoeira era um porto que recebia o nosso povo escravizado.
Vejo que tenho muito para falar da minha ancestralidade e muito para falar das nossas estratégias de sobrevivência em Cachoeira, a partir da Irmandade da Boa Morte, que, neste ano, completa 222 anos. Essas mulheres, por meio de estratégias, sobreviveram dentro de um sistema colonial. Elas eram mulheres livres, conhecidas como mulheres de títulos, porque elas eram pedintes, e elas pediam para libertar... Elas pediam no meio das ruas. Elas faziam acarajé, faziam feijoada, elas vendiam os seus saberes e fazeres.
E aí eu ouço aqui e não consigo falar. Eu peço agô, peço desculpas, mas eu sou uma mulher de Oxaguiã. Sou uma mulher muito sincera e eu preciso dizer o que está me incomodando, porque fui criada dessa forma. Eu não venho de um povo cabisbaixo. Cachoeira me mostrou a ser independente desde muito cedo, para buscar os meus interesses, e os interesses, principalmente, das minhas comunidades e coletivos. Quem conhece essa cidade, quem conhece a Bahia, sabe que o candomblé, o nosso povo não fica atrás de muitas coisas. Nós corremos atrás de muitos direitos por muito tempo.
E o que eu tenho para dizer com isso é que eu acho de suma importância o marco legal dos povos tradicionais de matriz africana, mas eu acho mais importante que esta Casa acorde, porque o nosso povo sempre teve estratégias de sobrevivência. E o que eu sinto, que eu não sentia, morando em Cachoeira, mas passei a sentir quando eu conheci mais o Brasil, é que o nosso povo adormecia dentro dos seus territórios. E esse gigante está acordando. Então, se esse gigante está acordando e se nós somos maioria, porque nosso povo preto é maioria sim no Brasil, esta Casa precisa acordar estrategicamente para as nossos quereres, os nossos direitos e os nossos saberes.
Se esse gigante está acordando, se o nosso povo está saindo dos nossos terreiros e vindo aqui e indo às ruas e fazendo política — eu aprendi a fazer política nas saias das minhas irmãs da Boa Morte, desde criança —, nós temos que começar a entender que ele pode tomar isto aqui de assalto. Então, é interessante que os nossos Parlamentares brancos, a maioria aqui, entendam que nós não estamos para brincadeira.
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17:06
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Eu agradeço à nossa Deputada e aos outros que estão aqui. Eu queria ter essa fala com o nosso Deputado Feliciano, porque ele estava olhando muito ironicamente para todo mundo que falava. Eu não sou burra para não entender isso. Eles conseguem estar nesses espaços, porque eles têm outra visão. A escravidão e a colonização fizeram com que nós ficássemos dentro dos nossos terreiros, mas nós estamos saindo deles. Isso é estratégia de vida. Nós estamos saindo a partir de um momento muito grave pelo qual nós passamos com o Governo Bolsonaro. Sempre que acontece alguma coisa muito difícil na nossa vida, nós reagimos. O nosso povo reage e reage bem. É por isso que nós estamos aqui. Eles combinaram de nos matar há muito tempo, e nós estamos aqui. Nós estamos resistindo. Se nós estamos acordando, nós temos que entender que, estrategicamente, os políticos desta Casa devem nos ouvir, porque senão nós vamos tomar de assalto. O nosso povo tem que entender isso.
Gratidão! A minha bênção! Em nome das minhas irmãs da Boa Morte, eu digo que, estrategicamente, o nosso povo tem que realmente acordar e se unir, seja FONSANPOTMA, seja Mulheres de Axé, seja RENAFRO, seja ACBANTU, seja CENARAB, todas as organizações nacionais. O Mulheres de Axé está em quase 20 Estados. Outros que estão aí há muito tempo na caminhada devem estar em muitos mais lugares e têm muitas pernas. Então, se nós nos unirmos e acordarmos, vai ser bem difícil isto aqui. Nós vamos ter um Parlamento não branco, graças a Exu! (Palmas.)
(É entoada a música Oní Sáà wúre.)
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17:10
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito bom.
O SR. BOHN GASS (PT - RS) - Serei bem breve, porque eu também quero ouvir bastante ainda.
Frente a tanto ódio, discriminação e intolerância, vamos marcar a conquista que nós vamos ter nesta Casa. Teremos um marco legal dos povos tradicionais de matriz africana. (Palmas.)
Eu quero falar para vocês da emoção que eu tive, no dia em que esta Casa, Deputada Erika Kokay, aprovou um projeto de reconhecimento da agricultura familiar dos nossos milhares de agricultores do País que produzem comida para a nossa gente. Foi uma lei aprovada aqui. Saiu da invisibilidade, houve políticas públicas, Deputado Vicentinho, não é só a Lei da Agricultura Familiar e ponto. Era a Lei da Agricultura Familiar, com políticas públicas para ajudar a quem produz comida. E nós queremos o marco legal dos povos tradicionais, com políticas públicas que façam ter o respeito necessário. (Palmas.)
Eu quero dizer que, frente à intolerância — e nós temos de dizer que sim o bolsonarismo aumentou ainda a intolerância e autorizou a violência contra os povos tradicionais, contra o conjunto da sociedade e contra a democracia neste País —, nós respondemos a essa intolerância, da crítica religiosa que fazem, com inter-religiosidade e respeito.
Quando eles criam a ideia do Estado mínimo, de que não se pode ajudar, de que não pode ter política pública, nós respondemos com políticas públicas. Nossos Lula e Dilma responderam com a SEPPIR, uma Secretaria Especial pela Igualdade Racial. Quando eles anunciam exclusão e tiram as pessoas negras dos espaços aos quais têm direito, nós respondemos com cotas. Quando, na verdade, vige o pensamento único, nós defendemos a diversidade, a pluralidade. É este mundo respeitoso que nós queremos construir.
Eu gosto muito da palavra que vocês usam: "território". No território, nós nos enxergamos. No território, nós temos povo. Não existe território sem povo. No território, nós vamos discutir projeto. E, no território, nós vamos discutir orçamento, porque esta Casa está se apropriando privadamente do dinheiro que é público, por meio das emendas secretas. Nós queremos transparência. Nós queremos recursos para a população viver com dignidade.
E, com um projeto de lei do marco legal dos povos tradicionais de matriz africana, nós trabalhamos este projeto de inclusão e de respeito que nós precisamos.
Essa é a nossa luta, e nós estamos juntos. Por isso, nós usamos a palavra "resistir", que vocês usaram, e a palavra "travessia", porque teremos um longo período para reconstruir o estrago que, milenarmente, neste período genocida, estão fazendo. A última palavra é "esperança". A esperança já venceu o medo, e agora a esperança vai vencer o medo e o ódio, que eles difamam contra nós.
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17:14
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(Manifestação na plateia: Lula de novo!)
O SR. BOHN GASS (PT - RS) - Deixo-lhes meu abraço.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu queria agradecer muito a V.Exa., Deputado Bohn Gass.
O SR. IVANIR DOS SANTOS - Boa tarde a todos, a todas e a todes! Quero saudar, primeiro, a nossa ancestralidade, aqueles que vieram primeiro, que nos inspiraram e que nos têm conduzido nessa existência. Depois saúdo os nossos mais velhos e as nossas mais velhas, que são muito importantes para a continuidade das nossas tradições. Quero também reconhecer o papel da Kota Mulanji e do Edson. É muito comum nas lutas políticas esquecermos aqueles que começam uma ideia, às vezes, solitária, que ninguém acha que pode chegar a lugar nenhum, e que, pela sua persistência, conseguem mostrar que esse é o caminho. Então, os dois, esse casal, acompanhados de outros companheiros e de outras companheiras insistiram nessa ideia. Temos que reconhecer isso. É algo muito comum em nossa comunidade.
A todos, a todas e a todes que acompanharam esse processo: o sacerdote quer isso. Os sacerdotes dessas tradições têm uma responsabilidade de condução política e espiritual do seu povo. Não é só espiritual. Acho que isso demonstra esse momento.
Reconheço aqui também a Deputada Erika Kokay, o Deputado Vicentinho, o Deputado David, o Deputado Paulo Ramos, que aqui não está presente, e outros Deputados que vi aqui e que conheço de longas datas. Também quero chamar o reconhecimento de participação de figuras nossas importantes que já nos deixaram no Parlamento. Falo de Abdias Nascimento — que sempre tratou desse tema quando esteve na Câmara Federal e, depois, no Senado — e de Caó, das nossas conquistas, da primeira conquista, que é a Lei Caó. Falo também do papel de Lélia Gonzalez no movimento, que também foi muito importante, e de Edialeda Salgado, que foram referências importantes para todos nós. Lembro o próprio Alceu Collares, que foi um Governador chamado, de forma preconceituosa, como sendo do batuque, quando foi o primeiro Governador negro no Rio Grande do Sul.
Estou falando de contribuições de 40 anos atrás, quando esse sistema tinha dificuldade de chegar ao Parlamento. Quando chega ao Parlamento, e conseguimos aliados, não podemos esquecer que todas as iniciativas do movimento negro nasceram no movimento social negro. Mesmo quando elas viram lei, acabam os Deputados protagonizando e esquecem esse ator político, que é muito importante que sempre seja lembrado: o movimento social negro brasileiro. Esse movimento é um dos mais incompreendidos ainda hoje no Brasil e o mais vitorioso, se for observado, sem grande estrutura, sem financiamento, sem dinheiro, e consegue, por exemplo, as várias vertentes do movimento — seja espiritual, seja religiosa, seja cultural, seja de gênero, seja política.
Ele é vitorioso. É o movimento mais vitorioso desses 40 anos, porque conseguiu transformar em lei aquilo que é parte de reivindicação das nossas comunidades, seja a Lei Caó, seja a Lei nº 10.639, de 2003, que foi importante, seja a Lei de Cotas, para concurso público e universidade, e essa lei de agora, que é mais abrangente. De fato, como se falou aqui, não é uma lei religiosa, ela está falando de saberes e práticas.
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17:18
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Eu preferiria fazer o meu diálogo justamente com o Deputado Feliciano, para dizer a ele que essas práticas milenares das quais se está falando, como aqui foi dito pela Mãe Kota, estão no Antigo Testamento. As práticas de reverenciar o sagrado pela natureza, seja no abate, seja com o que a terra produz, seja o alimento vegetal, seja o alimento animal, e como essas práticas dialogam com a saúde e dialogam com a alimentação, então é o que nós estamos falando aqui. Essas práticas estão lá, no Antigo Testamento. A construção religiosa que demoniza essas práticas é outra história, é outra coisa, não é disso que nós aqui estamos falando.
Então, eu não tenho dúvida, ao observarmos o que aconteceu no carnaval, esse ano, no Rio de Janeiro e em São Paulo, de que se está prenunciando uma coisa muito nova no Brasil. As nossas tradições culturais, espirituais e sociais estão ganhando força na sociedade brasileira. Não é à toa que Exu — que não é o demônio — ganhou o carnaval no Rio de Janeiro. Então, há uma onda que as pessoas não estão percebendo de uma força nova se configurando, e nós temos que aproveitar bem essa força nas conquistas de espaço, elegendo uma boa bancada estadual, federal e do Senado, e criando uma Presidência, a partir da qual de fato haja caminho para a diversidade, para o respeito ao Estado laico e para a democracia que, para nós, é muito importante neste momento.
Quero parabenizar todos os que construíram essa proposta e dizer que nós estamos juntos. Não tenham dúvida, embora eu não acompanhe sempre ali, mas nós estamos juntos. De novo, quero parabenizar a Mãe Kota, o Edson e os dirigentes da FONSANPOTMA, que deram uma grande lição de como pegar uma ideia e transformá-la em direito para o nosso povo. Parabenizo também a Deputada Erika, que a acolheu, o Deputado Vicentinho e a bancada, que temos de ampliar. Eles sabem fazer isso melhor do que nós. Para que seja aprovado, nós sabemos que a batalha interna é muito grande, e o nosso papel na sociedade civil é ampliar esse diálogo e essas possibilidades. Estamos juntos nessa guerra.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Axé!
Antes de passar a palavra ao Deputado Paulo Teixeira, do PT de São Paulo, eu vou ler a mensagem da nossa Mãe Lúcia. Ela diz: "Quero pedir desculpas a todos e todas, mas, pelo visto, não estão conseguindo resolver a minha conexão. Nesse sentido, portanto, fica impossível eu me pronunciar. Agradeço imensamente a oportunidade de participar de algo tão grandioso para nós da matriz africana. Os meus respeitos, o meu kolofé."
(Palmas.)
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17:22
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O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Eu quero, inicialmente, tomar a bênção de todas as sacerdotisas e sacerdotes das religiões de matriz africana que estão aqui. Axé!
Quero parabenizar a Deputada Erika Kokay e o Deputado Vicentinho, que tiveram essa iniciativa. O Deputado Vicentinho é um querido amigo. Também quero cumprimentar a Deputada Natália e o Vereador Josa, de Diadema, que também é de uma religião de matriz africana.
Eu gostaria aqui de dizer que, para mim, as religiões de matriz africana representam cuidado, representam orientação, representam acolhimento, e o que é mais forte nessas religiões é que são religiões de resistência. São 520 anos de escravidão, mas não há resquício de nenhum tipo de ressentimento e de mágoa, mas sim de bondade.
Nós temos que dar visibilidade para as religiões de matriz africana. Quando acontece um ato de autoridade no Brasil, normalmente se exaltam as religiões cristãs, às vezes, o judaísmo entra, mas quase nunca as religiões de matriz africana. Nós temos que dar muito destaque às religiões de matrizes africanas no nosso País. O Brasil tem que combater a intolerância religiosa. Se Deus é um só e se manifesta através de várias religiões, não há sentido na guerra religiosa que se propaga.
E espero que nós possamos inaugurar um novo tempo no Brasil, um tempo de inclusão, um tempo de oportunidades, um tempo de respeito, um tempo de destaques.
Eu acho, Deputada Natália, Deputado Vicentinho, Deputada Erika, que este Parlamento tem que fazer uma reforma política. Por exemplo, metade dos assentos daqui tem que ser para as mulheres, que são mais da metade da população. Eu até comecei a recolher assinaturas para uma PEC, mas eu não consegui ainda completar as assinaturas nessa direção e eu queria discutir com as mulheres aqui presentes como darmos prosseguimento a ela. E uma parte dos assentos tem que ser para as populações tradicionais desse País, para que possam eleger representantes diretamente a partir das comunidades tradicionais. Por exemplo, nós temos uma indígena aqui — uma indígena. O Deputado Vicentinho falou de 21 membros de comunidades de raiz africana. Isso, diante da sociedade brasileira, não é nada, que é uma sociedade construída e liderada por pessoas de raiz africana.
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17:26
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Por isso eu acho que esta eleição tem que ser o momento de mudar esse jogo. Esta eleição tem que ser o momento de mudar. Nós temos que fazer dessa eleição não uma coisa dos políticos, mas do País, do povo brasileiro. E é por isso que eu os convoco a fazer o movimento político para tirar o satanás que está no Palácio do Planalto e trazer o povo do axé, botar Exu no lugar e botar o povo do axé neste Congresso Nacional.
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Deputado Paulo.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Deputada Erika, permita-me também cumprimentar o nosso Vereador do mandato coletivo da cidade de São Paulo aqui presente.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Com certeza, Deputado.
O SR. VICENTINHO (PT - SP) - Minha querida Deputada Erika, desculpe-me. É só uma questão de ordem. O nosso estimado companheiro Josa precisa ir para o aeroporto agora. Se ele puder dar um alô breve aqui, será ótimo.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Pronto. Então, eu vou passar a palavra ao Vereador Josa, por 3 minutos. Em seguida, ouviremos a Covereadora Lívia, de Santa Catarina, por 3 minutos, a Fabya, a Deputada Natália, a Kota Lembarecimbe, que compõe a Mesa, e, depois, encerraremos com a fala do Chendler, da Joyce e do Ogã Léo.
Eu queria, inicialmente, fazer uma saudação a todos os nossos dirigentes que estão presentes aqui e pedir a minha bênção a todas as iyás e a todos os babalorixás presentes aqui. Eu queria fazer uma saudação toda especial a V.Exa., Deputada Erika Kokay, e estender a saudação a todas as Deputadas e Deputados presentes aqui. Eu queria também fazer uma saudação especial ao Tata Edson e falar da nossa alegria. Realmente, é um marco histórico, mas, mais do que isso, é um momento de celebrarmos, porque, depois do período que vivemos, que tivemos que passar neste País, depois de tudo o que ocorreu em relação à pandemia, ninguém mais do que nós, ninguém mais do que os nossos terreiros sabe o quanto foi sofrido esse período.
Muitas outras religiões tiveram oportunidade de reabrir suas atividades e ter os seus espaços para professar a sua fé. Nós fomos proibidos, literalmente, até o último momento, muito em virtude de como ocorrem as manifestações dentro das nossas casas.
E esse é um exemplo que eu queria dar para este momento que estamos vivendo e para a compreensão que se deve ter em relação a esse marco legal. Nós temos que começar a ser não apenas vistos, enxergados, mas também escutados.
Nós temos que passar a fazer parte, literalmente, de um processo, pois não apenas nos foi renegado o direito, mas também foi proibido que pudéssemos nos manifestar e que pudessem ser elaboradas políticas a partir das nossas necessidades. Nós sempre fomos a reboque. Essa é a grande verdade. Qualquer retratação que se busque fazer em relação ao que ocorreu neste País é algo muito pequeno diante do desafio e da tarefa que esta Casa tem ao aprovar esse marco legal.
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17:30
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Eu não tenho dúvida de que, a partir do processo de discussão e de debate, que não vai ser tranquilo... É bom que comecemos a nos organizar. É bom que comecemos realmente a construir a rede, a fortalecer a nossa teia, porque não haverá facilidade. Muitos discursos que se mostram perante nós têm, única e exclusivamente, um objetivo, que é protelar, que é postergar, que é jogar para depois. Então, é muito importante que saibamos com quem podemos contar. O fato de termos Deputados e Deputadas que não apenas assinaram a proposta, mas também estão assumindo o debate interno aqui é de fundamental importância.
Esse período que nós vamos viver agora vai ser muito duro. Esse período não é apenas para disputar, meu irmão, qual é o Estado que nós teremos a partir do dia 3 de outubro. Esse período será de enfrentamento duro em relação a pautas que debatemos, que discutimos, que se fazem necessárias.
Queremos nos colocar à disposição na cidade de Diadema. Já estamos assumindo, não apenas na cidade, mas na Região do ABCD, o compromisso de dialogar com outras Câmaras Municipais para instituir as Frentes Parlamentares.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada.
Nós vamos escutar agora a Covereadora Lívia, de Santa Catarina. Em seguida, nós vamos ver o vídeo da Fabya Reis e vamos escutar a Deputada Natália Bonavides. Depois, ouviremos a Kota Lembarecimbe; a Joyce; e a Priscila, com as moções. Por fim, nós vamos escutar o Elias Viana, da Teia do PCdoB, e o Chendler, que encerram esta audiência pública.
Para mim, o mais importante e o principal aprendizado desde o momento em que me aproximei da discussão desse projeto foi a demarcação como povos tradicionais de matriz africana, porque, a mim, remonta uma memória que, pessoalmente, eu perdi. Eu não sei, na memória, dos meus ancestrais, da minha bisavó, da minha avó, do meu avô, de que povo afro eles vieram.
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17:34
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O lugar em que eu me reconectei aos ancestrais foi a unidade territorial. É isto que a unidade territorial de matriz africana representa: a memória de todos esses povos que foram sequestrados e aqui escravizados e violentados por mais de 300 anos, por mais de 500 anos — porque seguimos sendo violentados e, por isso, estamos aqui.
Então, como disse a Mãe Juçara, que trouxe a memória de Cachoeira, onde todos se misturaram, as nações se misturaram, as culturas se misturaram, cada unidade traz memórias de diferentes territórios da África. Quando sentamos numa roda de Preto Velho, há o Preto Velho do Congo, a Preta Velha de Cambinda, o Preto Velho de Angola, a Preta Velha de Moçambique. Nós estamos falando de diferentes territórios, de diferentes memórias, de diferentes culturas, de diferentes tradições. Todas essas tradições estão dentro de nós. Quando eu digo "nós", eu me refiro ao povo brasileiro. É essa memória que as comunidades de terreiro resguardam. É esse modo de ser, de agir, de fazer; são esses valores ancestrais de comunidades que os terreiros preservam, que os ilês preservam.
É por isso que vem esse recorte. Não é um recorte de religião, porque esse é um conceito do colonizador, daquele que nos escravizou; é um conceito de povo, é um conceito de uma memória ancestral, é um conceito de uma tradição.
Aqui no Brasil, nós acessamos esses conceitos a partir dos povos originários e de suas diferentes etnias, suas diferentes tradições. Nós remontamos, nessas unidades territoriais, a essas diferentes tradições étnicas, que não tiveram a permissão para todos e para todas de ter sua memória resguardada na transmissão para os seus mais novos, porque muitos de nossos bisavós e nossas bisavós nem chegaram a conhecer seus pais, nem chegaram a ouvir da boca de seus avós suas histórias, suas tradições, seu modo de ser e de agir.
É nas unidades territoriais que nós nos reconectamos com a nossa ancestralidade e, por isso, com a nossa memória, com o nosso modo de ser, com o nosso modo de agir e de fazer. Esse modo de ser, de agir e de fazer compõe a sociedade brasileira. É isso que esse marco legal está dizendo e está trazendo. Ele não está marcando nenhuma religião, ele está marcando povos e tradições de povos que foram sequestrados.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Lívia, pela fala.
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17:38
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Faço minha moção de aplauso às famílias que sofrem com problemas de intolerância no Entorno de Brasília, onde estão todos os nossos Deputados, eleitos pelo povo, sem saber de qual classe são, de qual região são.
Eu peço licença aos meus pares que viajaram comigo e vieram de todos os cantos do País para dizer: que esse povo, os anfitriões que nos deram pouso e alimento, receba a nossa moção de aplauso a todas as famílias e também a cada um deles — não dá para citar o nome de todos em razão do tempo. (Palmas.)
O meu nome é Walter de Odé Nitá. Eu represento a Confederação Nacional de Tradição e Cultura Afro-brasileira e estou junto com os POTMAs.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agora nós vamos assistir ao vídeo da Secretária de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, Fabya Reis. Depois escutaremos a Deputada Natália Bonavides.
A SRA. FABYA REIS - Olá! Eu sou Fabya Reis, Secretária de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia.
Quero saudar a nossa ancestralidade e saudar a Teia Nacional e a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana pela iniciativa.
Saúdo também o Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana.
Quero reconhecer todo o esforço do conjunto dessas organizações de homens e mulheres que reivindicam e que lutam para que nós tenhamos um marco legal para os povos tradicionais do nosso País, para os povos de matriz africana.
Com o Decreto nº 6.040, de 2007, do nosso Presidente Lula, avançamos na caracterização e na conceituação dos povos tradicionais do nosso País. Neste momento, é preciso que avancemos, dando mais segurança jurídica a este processo, lado a lado com o Estatuto Nacional da Igualdade Racial e com a Convenção nº 169, da qual o Brasil é signatário. É necessário aprimorar o processo de reconhecimento, de fortalecimento e de desenvolvimento sustentável dos povos tradicionais em nosso País. Nós destacamos, cada vez mais, a laicidade do Estado. Todavia, é importante assegurar a defesa dos grupos vulneráveis e reconhecer toda a contribuição dos povos tradicionais para a cultura, a economia e o desenvolvimento do nosso País.
Portanto, a Secretaria de Igualdade Racial do Estado da Bahia, única de primeiro escalão no Brasil, ao lado do seu Sistema Estadual de Igualdade Racial, quer se colocar à disposição para fazermos essa discussão com profundidade, nesses dias de trabalho, em todo esse percurso construído até aqui. Desse modo, teremos um documento que será protocolado no Congresso Nacional para que vire um projeto de lei, a fim de que tenhamos a consolidação desse marco legal.
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17:42
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Eu quero desejar a todos e a todas êxito neste trabalho e me colocar à disposição. Vamos seguir firmes, acompanhando todo este debate que está no Congresso Nacional.
Um forte abraço para os responsáveis por esta iniciativa! Um forte abraço para os companheiros e as companheiras que lutam neste momento em que a nossa democracia tem sido questionada. Portanto, é uma luta também por democracia, é uma luta por direitos, para que avancemos cada vez mais nos direitos individuais e coletivos das religiões de matriz africana e dos segmentos tradicionais.
(Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Quero agradecer à Secretária de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, Fabya Reis.
A SRA. NATÁLIA BONAVIDES (PT - RN) - Obrigada, companheira.
Eu queria, primeiro, parabenizá-los e também lhes agradecer. Esta Casa quase nunca está pintada de povo. E muita coisa ruim acontece aqui. Muita coisa ruim acontece aqui. Quando entramos nesta Casa e o povo está aqui, é quando temos esperança. Então, obrigada pela luta.
O Marco Legal dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, previsto nesse projeto de lei, é mais um passo. Nós sabemos que os nossos sonhos não cabem num projeto de lei, mas estamos aqui buscando um passo a mais, um marco legal que venha a somar nesta luta para que o Estado brasileiro reconheça a cultura, a história, a existência dos povos que estão resistindo a um sistema que é absolutamente racista e que sempre tentou apagar a verdadeira história.
Nós estamos vivendo tempos absurdos — absurdos! —, porque chegou à Presidência uma pessoa que saiu do esgoto da política, que diz que quilombola se pesaria em arroba, que diz que o filho dele não namoraria uma mulher negra porque não é de promiscuidade. Canalha! Canalha! Diante de um bandido como esse, nós não nos calamos e não ficamos de boca fechada nem de braços cruzados!
Por isso, é agora, sim, é neste momento da conjuntura, sim, que nós avançamos nessa luta e que o Marco Legal dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana é debatido. É um passo, é só um passo, mas é um passo a mais numa luta que é ancestral, numa resistência que é histórica — porque se resiste é que se existe.
É curiosa a presença aqui de alguns Parlamentares de extrema-direita que acham que discurso vazio, sem prática, serve de alguma coisa. Quem está a serviço de um projeto de morte que assassina a juventude preta do nosso País envergonha este Parlamento.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputada Natália Bonavides.
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17:46
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A SRA. JOYCE LOMBARDI - Saudações tradicionais. A bênção das minhas mais velhas e dos meus mais velhos. A benção dos meus mais novos. Motumbá, Mukuiu, Kolofé, Aboru Aboye!
Quero agradecer à Kota Mulanji, à Deputada Professora Rosa Neide e à Deputada Erika Kokay. Partindo do projeto FONSANPOTMA, nós trabalhamos no Comitê Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais, com assessoria do Tata Edson e do Baba Phil, no projeto de mapeamento de povos e comunidades tradicionais no Estado de Mato Grosso.
Dentro das tratativas com relação ao marco legal, já estamos levando às comunidades de axé o trabalho que o FONSANPOTMA vinha desenvolvendo há 10 anos. É só um bebê dentro do FONSANPOTMA ainda, mas, dentro do Estado de Mato Grosso, partindo de todo o trabalho que vem sendo desenvolvido, nós estamos conseguindo lidar com as ações e, principalmente, trabalhar na questão dos direitos humanos.
Embora existam leis que nos amparem, nós ainda temos que discutir por que nós estamos, onde nós estamos e por que nós temos um marco legal, imaterial e material dentro da sociedade brasileira e do Estado de Mato Grosso.
Hoje nós temos a tratativa do projeto de lei reconhecendo as religiões de matriz africana como patrimônio imaterial do Estado de Mato Grosso. Alguns dizem: "Isso já deveria ter sido feito". Mas é uma luta dizer que estamos onde estamos porque somos pretas, porque somos de matriz africana, porque somos mulheres de axé, porque estamos na periferia, porque somos favela.
Então, nós estamos na periferia, onde enfrentamos a pandemia, enfrentamos o genocídio, enfrentamos — desculpem-me falar — as milícias, que também são um grande enfrentamento para as mulheres negras que estão à frente das casas de axé. Isso é no Estado brasileiro, não só em Mato Grosso.
Estar nesse trabalho realmente é um marco histórico. O marco legal é, para nós, lideranças novas, da juventude, vamos dizer assim... Eu estou com quase 50 anos, Kota, mas somos juventude na militância, nessa luta. Como foi falado, nós ficávamos atrás dos muros dos terreiros esperando a sorte chegar e hoje, quando decidimos ir para a rua enfrentar a violência a doméstica, enfrentar o racismo estrutural, nós estamos dizendo: "Basta de violência! Basta de corpo preto estirado nas praças! Basta de axé sendo invadido, destruído! Basta de sacerdotes sendo assassinados dentro do Brasil!"
Então, o marco legal, para mim, representa isto: chega de genocídio do povo preto! Chega de genocídio do povo de axé! Chega de invasão das casas de axé! Lá nós também atendemos neopentecostal. Lá nós também atendemos com sacolão, cesta básica, cobertor. Na casa de axé, nós também damos o abraço, o aconchego, a sopa. E nós não excluímos ninguém. Nós não somos o demônio. Nós somos o povo que planta, que colhe e que, além disso, ainda colabora para a sociedade, embora ela bata na nossa cara o tempo todo perguntando por que nós somos e onde nós estamos.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada. Axé!
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17:50
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Eu quero saudar a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, coordenada pela nossa Deputada Federal Erika Kokay, e o FONSANPOTMA, importante fórum desta pauta, pela realização deste seminário sobre o Marco Legal dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana.
Quero reafirmar os nossos compromissos de contribuir para o fomento do conceito de POTMA e assegurar os seus direitos conforme o Decreto Federal nº 6.040, de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Quero anunciar que, em Belo Horizonte, no último dia 11 de maio, fizemos o relançamento da frente de defesa, na Câmara Municipal de Belo Horizonte, agora incluindo também os povos indígenas. Ressalto a importância de atuarmos na defesa das tradições e da cultura dos povos tradicionais, com os povos originários difundindo o conceito de povos tradicionais, bem como o seu direito às manifestações culturais e religiosas.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradecemos ao nosso Vereador Pedro Patrus pelo pronunciamento.
A minha palavra seria redundante. Acho que escutamos aqui várias falas que nos representam, que enfatizam esse PL como um marco, um documento muito importante para todos nós.
Eu quero me apresentar. Eu vou falar no lugar de uma mulher negra que se tornou negra aos 40 anos de idade. Eu sou uma educadora. Eu falo que me tornei negra aos 40 anos de idade porque foi o momento em que eu fui resgatada por uma unidade tradicional, por uma casa, tive o meu nome africano de volta. Isso foi muito forte, foi um renascimento. Isso me trouxe uma responsabilidade muito grande como educadora, a responsabilidade de não ver outras crianças negras sem resposta. "Por que eu sou negra? Por que eu estou na periferia? Por que é tão difícil para nós negros?" Até hoje eu escuto isso dos jovens e das crianças que eu atendo.
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17:54
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Então, a minha palavra é de agradecimento a tudo que eu recebi até hoje, aos diversos nascimentos que eu tive como pessoa. Eu só tenho a agradecer.
Agradeço ao FONSANPOTMA, que trouxe esse conceito de povo, que veio a fortalecer tudo isso. Agradeço ao Tata Edson e à Kota Mulanji pela insistência, pela persistência e pela sabedoria. Cada um tem o seu jeito de lidar, mas sem deixar enfraquecer o movimento, o fórum que eu represento. Mas eu não o represento sozinha. Todos os coordenadores e todos os apoiadores do fórum aqui no Distrito Federal foram sempre muito importantes nas diversas ações. A nossa atuação no fórum é semelhante ao que acontece no barracão, ao que acontece na UTT: cada um na sua função, cada um no miudinho, para um grande acontecimento ser realizar. É o que estamos vivendo hoje. (Palmas.)
Muito obrigada pela sua amizade, por tudo que o senhor trouxe de novidade aqui para o Distrito Federal. Olhe como esta Casa está cheia, com o pessoal de outros Estados, com o nosso povo do Distrito Federal também presente, fortalecendo o fórum! Estamos nos aproximando e nos tornando uma rede, de fato. Cada um com sua habilidade está se dedicando ao fórum, tornando isso uma realidade.
Também estamos em busca da confirmação da Frente Parlamentar na nossa Câmara Legislativa. Essa batalha precisa ser resolvida urgentemente, precisa fluir. Precisamos de assinaturas de adesão à Frente. Mas nós vamos conseguir.
No mais, eu queria agradecer a todas as representações que estão aqui: o Instituto Equânime; a Coalizão Negra por Direitos; a Frente Nacional Antirracista; a UNEGRO; a EDUCAFRO; a Mulheres de Axé do Brasil, especialmente a Mãe Dora e a Iyalaxé Juçara — gratidão demais por estarem aqui! —; a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras; o Movimento Negro Unificado; a Conferência Nacional de Tradição Afro-brasileira; (ininteligível); a Axé Raiz Barú Lepé.
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17:58
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Muito obrigada, Kota Lembarecimbe.
Eu queria saudar primeiramente Exu, que é responsável por cada palavra que sair da minha boca no dia de hoje.
Quero agradecer aos Deputados e às Deputadas que ficaram aqui até o momento. Nós já estamos cansados de falar para nós mesmos. Nós sabemos o problema que temos, as dificuldades que passamos. E quem fala por último geralmente escuta todos, mas não fala para todos.
Eu acho que muitos aqui têm que aprender que vocês estão aqui para governar para pessoas, para seres humanos, não para religiões, não para brancos ou negros. Vocês realmente têm que governar para todos.
O nosso intuito é criar políticas públicas para que o nosso povo não seja discriminado nas instituições de ensino, no trabalho, nas repartições públicas. Nós queremos respeito. Quando um iaô nosso, criança, adolescente ou adulto, chega careca na escola ou no serviço, nós queremos que ele tenha respeito.
Nós queremos que se inclua o ensino religioso nas escolas, mas o ensino religioso mesmo, de verdade, não aquele que fala só do cristão.
Nós queremos também que se conte a verdadeira história do povo negro, da escravidão, não a história de conto de fadas, da Princesa Isabel. Há 134 anos, foi assinada a Lei Áurea, mas, após esse tempo todo, não acabou a perseguição, não acabou a escravidão, senão nós não estaríamos aqui hoje lutando pelos nossos direitos.
Nós queremos que se faça valer o art. 5º da Constituição, que ele saia da cartilha, pois todos somos iguais perante a lei, independentemente de qualquer coisa, de qualquer natureza.
Nós queremos que se respeite a nossa sacralização de animais, porque tudo para nós é sagrado, desde o momento em que vamos escolher o bicho até o momento em que nós vamos despachá-lo no urupim. Enquanto isso, muitos aqui não pensam no animal, não respeitam o animal, não respeitam a vida quando estão comendo churrasco, quando estão usando um sapato de couro ou um cinto de couro.
Quero saudar também os nossos ancestrais, pois é por eles que estamos aqui. Perdemos tantos para a pandemia, para os milicianos, para o tráfico, para as drogas, para este Governo fascista e genocida, que falou tão mal da vacina — se tivesse realmente tomado uma atitude antes, teríamos aqui muito mais pessoas podendo falar; e, se tivesse demorado mais um pouco, talvez nem eu estivesse aqui falando. É por esses e por muitos outros que estamos aqui.
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18:02
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Luiza Bairros. Presente!
O SR. CARLOS VERAS (PT - PE) - Quero cumprimentá-la, querida Deputada Erika Kokay, e dizer da honra de ter presidido a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara Federal, com V.Exa. ao meu lado, como Vice-Presidenta. Não tenho dúvida de que não teríamos conseguido fazer o trabalho que fizemos na Comissão, uma luta árdua e importante em defesa dos direitos humanos da população brasileira, sem o seu total apoio, sem a sua presença conosco no colegiado da Direção da Comissão.
Também quero dizer, Deputada Erika, da honra de poder fazer parte da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, de termos lutado e continuarmos lutando, aqui neste Parlamento, contra a intolerância religiosa.
Na última semana, tivemos a oportunidade de, em Pernambuco, no Município de Igarassu, fundar o primeiro comitê de luta dos povos de matriz africana no Município, para fazer o debate e a luta em defesa da democracia, em defesa dos direitos da classe trabalhadora.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputado Carlos Veras.
O SR. CHENDLER SIQUEIRA DE SANGO - Muito boa tarde a todas e todos, a meu avô, a toda a minha ancestralidade, aos mais velhos, às mais velhas que estão aí.
Infelizmente, não pude me fazer presente, mas, na figura e na presença de cada irmão e de cada irmã, de cada fio de contas que está nesse espaço, de cada toque do tambor, eu me sinto representado. É isso que nós estamos defendendo. Faltavam estes valores afrocentrados, com os quais nós nos compreendemos como uma extensão uns dos outros, da natureza e de tudo que existe.
Como já colocou meu irmão que me antecedeu, quem faz as últimas falas tem essa árdua missão de não ser repetitivo, mas também de tentar amarrar tudo que já foi muito bem colocado por todas as autoridades tradicionais e lideranças tradicionais e políticas que me antecederam.
Eu me direciono, nesta fala, aos Deputados, às Deputadas e às lideranças políticas que ainda estão conosco nesta audiência
para ressaltar a importância, mais uma vez — entendo que isso é necessário —, deste projeto de lei, deste marco legal, para o Brasil como um todo, não apenas para os povos e as comunidades tradicionais de matriz africana.
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18:06
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Nós sabemos a nossa luta. Nós a construímos a duras penas e a duras perdas, como já foi bem colocado, mas nós precisamos compreender que a Nação brasileira precisa assumir o seu débito para com a sociedade negra e os ascendentes dos povos de comunidades tradicionais. Mais uma vez, a história dá ao Brasil a possibilidade de reparar o crime de lesa-humanidade.
Numa das últimas oportunidades, o Supremo Tribunal Federal admitiu e reconheceu o nosso direito ancestral e milenar de nos alimentarmos conforme a nossa tradição. E hoje voltamos à pauta para que o Congresso Nacional discuta o nosso direito de ser gente. Ele precisa reconhecer isso, e não é apenas dizendo superficialmente: "O.k. Vocês existem. O.k. Nós sabemos que vocês compõem os Estados e os Municípios brasileiros". Isso já não nos basta mais. É preciso, para reconhecer esse direito, garantir o mínimo possível de política pública, de investimento, porque, para que a transformação social que todos e todas almejamos de fato ocorra — pelo menos nos discursos políticos, todas as lideranças sustentam a necessidade de uma transformação social no Brasil —, a Nação brasileira precisa primeiro sanar o seu débito, reparar os seus erros e estar disposta a incentivar e a investir naquilo que outrora não fez.
Uma das minhas irmãs que fez a fala citou a importância de sabermos quem nós somos. Há pouco tempo, nas escolas, ensinavam que nós negras e negros somos apenas descendentes de escravos e não de escravizados e que, em determinado momento, a abolição da escravatura acabou com tudo isso e hoje somos todos e todas livres para fazer e ser o que quisermos. Mas, na realidade, sabemos que não foi assim a história da construção desta Nação. Nós somos o povo que construiu, com o sangue e com o suor, a cultura desta tradição, deste povo brasileiro, que é miscigenado, que é multicultural, que teve a colaboração de inúmeros povos e comunidades, que não é único, que é belo por ser diferente, por compreender que a diferença nos une, nos contempla, que somos partes de um todo.
Esse projeto, quando traz a conceituação de que três povos vieram para o Brasil escravizados e que esses povos eram distintos, que possuíam língua própria, sistema alimentar próprio, organização social e política própria, atravessa a discussão meramente de reconhecimento, religiosa ou não, para estrear o nosso direito de sermos alguém, de termos história, de reconhecer e reparar tudo que foi e ainda é cometido para com a nossa população.
Não cabe mais falar de intolerância religiosa. Nós passamos do nível da intolerância.
O que hoje o Brasil executa, através das suas milícias e através da política do ódio, é o genocídio epistemológico, é o genocídio do nosso povo, é o genocídio dos nossos corpos, são as nossas pontas rebentadas no chão dos barracões invadidos e incendiados. E a polícia não dá conta de fazer nada, porque falta investimento, falta qualificação e falta reconhecimento institucional.
O racismo institucional do Congresso brasileiro, do Parlamento, de todos os Poderes deste País ainda não conseguiu avançar para o reconhecimento efetivo. E nós povos e comunidades tradicionais, organizados nas mais diversas áreas e setores, entregamos esse documento como uma oportunidade de avançar nessa discussão.
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18:10
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Para finalizar — entendo que o tempo é curto —, quero parabenizar a teia legislativa que eu integro como representante da teia construída pelo PCdoB e pelos demais partidos que compõem a teia. Esse não é um projeto única e exclusivamente do FONSANPOTMA. Isso precisa ficar claro e evidente. Esse não é um projeto única e exclusivamente da Deputada Erika Kokay, do Deputado A, do Deputado B. Esse é um projeto que conseguiu unir forças, romper barreiras históricas que estão postas no movimento social e no movimento negro, para que hoje nós pudéssemos ter lideranças nacionais de inúmeras entidades subscrevendo, apoiando e defendendo esse projeto como nosso.
Nós não viemos, como dizem alguns e algumas, disputar narrativas, disputar conceitos. Cada um e cada uma de nós veio aqui para reforçar, nos seus Municípios, Estados e comunidades tradicionais, que seguiremos nos autodeclarando e nos autodenominando, como sempre o fizemos. Nós precisamos exigir e pautar, no Governo Federal, nos Poderes constituídos, uma forma oficial, respeitosa e única de tratamento para com os povos e as comunidades tradicionais.
Nós somos um povo. A religiosidade está intrínseca, compõe a nossa relação. Mas nós somos muito mais do que meramente religiosos. Há um interesse político de nos manter enquadrados enquanto religiosos, haja vista a laicidade do Estado brasileiro. E há que se dizer que a laicidade só pesa e se efetiva, com relação a políticas, às religiões de matriz africana. Com relação às demais religiões, o povo se esquece da laicidade e cria e recria, faz o que bem quer.
Mas nós não estamos aqui para romper com a laicidade. Nós defendemos e morreremos defendendo a laicidade do Estado brasileiro. Mas também queremos invocar a Convenção nº 169 da OIT, o Decreto nº 6.040 e inúmeras outras legislações em que o Brasil assumiu a responsabilidade de reconhecer, incentivar e promover políticas públicas aos povos e às comunidades tradicionais.
Eu tenho o direito ancestral e milenar de me alimentar como o meu povo, como a minha tradição sempre fez. Eu tenho o direito de me vestir como o meu povo, como a minha tradição sempre fez. Eu tenho o direito de saudar a natureza, de cantar, de ser feliz, de viver. Esse projeto dá possibilidade de vida àqueles que ainda não estão aqui e que virão através do ventre das nossas mulheres, do nosso matriarcado.
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18:14
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Então, eu quero saudar todos e todas que estão aí, mas, principalmente, como eu, aqueles e aquelas que não conseguiram chegar, mas têm muito de si em cada linha, em cada ponto, desse texto que foi construído. Pode ser uma das nossas últimas chances de fazer justiça social neste País. Bolsonaro estreou tudo que há de ruim, todo o ódio, toda a morte, e ele vai carregar isso com ele. Mas nós vamos estrear a possibilidade real de recuperar os avanços que nós construímos a duras penas.
A eleição está aí, todos estão organizados. Voltarão a bater nas nossas portas, e nós teremos esse instrumento para dizer: "Quer o nosso apoio? Então, comprometa-se com o que nós construímos." Nós não queremos mais cesta básica apenas. Não queremos só telhado. Não queremos o vício da obrigação. Queremos o compromisso com o que está posto aqui. Só nós sabemos o peso e a dor que tivemos que enfrentar para construir esse documento. Ele vai à frente, ele vai ser aprovado.
Do Rio Grande do Sul, saiu o reconhecimento de nos alimentarmos, garantido pelo STF, conforme a nossa tradição. Do Rio Grande do Sul também, mais uma vez, está saindo essa iniciativa do marco legal, que já é vigente na cidade de Rio Grande, mas que vai estrear, em grandes proporções, no Estado brasileiro com essa legislação que por ora estamos oferecendo.
Meu muito obrigado a todas e todos que estão aqui até este momento. Nós estamos na luta pela dignidade daqueles que morreram para que hoje nós pudéssemos ocupar o Congresso Nacional do jeito que estamos: cantando, louvando, agradecendo, mas não só festejando, lutando, porque essa também é uma forma de luta e uma forma de resistência. Salve todas e todos que estão, os que não estão e os que ainda chegarão!
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Salve todos, todos os nossos antepassados, os nossos ancestrais. Quero dizer que se luta com o riso também. Luta-se com a gira, luta-se com os tambores, luta-se com a dança, luta-se e se luta muito. Luta-se pela existência, pelo direito à existência que não pode ser negociado. Nós não estamos aqui para negociar as nossas existências. Nós estamos aqui para vivenciar plenamente as nossas existências. Esse marco representa isso.
A SRA. REGINA NOGUEIRA (KOTA MULANJI) - Essas moções são fruto do nosso trabalho aqui durante esses 2 dias. Eu quero dedicar à nossa comissão de ancestralidade nacional, a Pai Odesi, Mãe Nalva, Vera Soares, Baba Paulo, Mãe Lúcia, Pai Aurélio, as ancestralidades de cada Estado, de cada Distrito. Em nome da área nacional, eu quero cumprimentar todos e todas vocês. Nós só estamos aqui porque com certeza vocês existem. Abençoado o dia em que nasceram todos e todas vocês!
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18:18
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Eu sou Priscila França, sou do Ilê Yá Odô Axé Alafin Oyó, filha de Mãe Nanã e de Iemanjá, a quem eu tenho eterna gratidão por me permitir e me orientar a fazer parte deste momento, que é um momento histórico.
Eu sou militante do movimento negro, mas este ato... Sempre estive nesta Casa, militando, mas um ato igual a este eu nunca presenciei. Então, eu sou muito grata a minha mãe, que me colocou neste lugar onde eu estou e me proporcionou estar junto com cada um dos meus pais e das minhas mães que aqui se encontram.
Eu louvo a Oxum, que é minha mãe, mãe das águas, mãe que me representa, que me dá a sabedoria e o discernimento para que eu possa lutar e estar junto aqui.
Saúdo a mãe Kota Mulanji, uma mulher que vem trazendo história. Então, eu louvo cada uma das mulheres que me representam, que me antecederam. Se eu estou aqui hoje, é porque vocês construíram um caminho para que eu, Priscila França, estivesse aqui falando um pouco da nossa história, levando-a aos lugares onde eu atuo.
(Palmas.)
Nós tivemos dois momentos, dois dias, quando nós construímos alguns debates e tivemos encaminhamentos. E quais foram esses encaminhamentos? Nós tivemos algumas moções, e uma delas é de apoio ao fortalecimento do SUS.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Renato, fica!
Temos o apoio à manutenção das cotas na educação e em todos os lugares que mantêm a vida. Cota, sim! Cota para todos! A universidade é nossa!
Nós temos a carta de repúdio pelo fato de o Brasil ter voltado ao Mapa da Fome. Isso é sério. O Brasil permaneceu um bom tempo no Mapa da Fome, saiu e agora retorna. E nós precisamos dizer "não"!
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18:22
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Agradeço à Priscila França.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Aqui discorreram sobre as moções, que são frutos desses dois dias, em que vocês vieram de todos os cantos do Brasil: Bahia, São Paulo, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, de tantos lugares. Estão aqui para reafirmar seus direitos. Essas moções são importantes.
É bom lembrar que hoje é o Dia de Defesa da Luta Antimanicomial, ou seja, para que nós não permitamos que os manicômios, que são holocaustos, voltem. Franco Basaglia, que construiu a experiência de romper com os manicômios, ainda na Itália, quando esteve no Brasil, no hospício de Barbacena, que assassinou por volta de 70 mil pessoas, disse: "O que eu estou vendo é um campo de concentração." Chega de campos de concentração!
Nós estamos hoje no Dia de Defesa da Luta Antimanicomial, para dizer que manicômios nunca mais! Senzalas nunca mais! Nós também dizemos: armários nunca mais! Nós também vamos dizer: mulheres grudadas nos tanques e nos fogões nunca mais! Nós não vamos permitir que a nossa conquista de liberdade seja ameaçada. E digo isso porque está havendo vários decretos que ferem a reforma psiquiátrica. O Ministério da Saúde financia o choque elétrico; financia comunidades terapêuticas com lógica manicomial; financia inclusive leitos psiquiátricos.
Hoje também é o Dia do Faça Bonito. Faça Bonito é esta margarida, que representa a luta contra a violência sexual a crianças e adolescentes. A margarida diz: "Faça bonito!" Protejamos nossas crianças e nossos adolescentes contra toda forma de violência, contra a violência sexual, que indica uma discriminação adultocêntrica; uma discriminação de gênero, via de regra, porque a maior parte das vítimas são meninas negras. Em nosso País, a maior parte das vítimas de violência sexual são crianças e adolescentes, e a esmagadora maioria pertence ao gênero feminino.
Portanto, quando nós estamos aqui com tanta força das mulheres, com tanta força das saias rodadas; com tanta força dos turbantes, nós estamos aqui para dizer que vamos seguir adiante. Neste dia histórico de 18 de maio de 2022, esta Casa tremeu nas suas bases, bases de extrema direita, bases de intolerância; bases de ódio, pelos tambores, pelos maracás, pela dança, pelas saias, pelos turbantes.
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18:26
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Antes de encerrar a nossa audiência pública, eu tenho a alegria muito grande de passar a palavra a um baiano, o Deputado Afonso Florence, que foi Ministro do Desenvolvimento Agrário no Brasil e já ocupou vários espaços, foi Líder do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Ele tem uma compreensão sobre a importância das unidades territoriais de matriz africana para a nossa existência enquanto povo.
O SR. AFONSO FLORENCE (PT - BA) - Obrigado, amiga e irmã Erika Kokay.
Saúdo todas as senhoras e os senhores que representam organizações sociais que lutam pelo marco legal dos povos tradicionais de matriz africana.
Meu nome é Afonso Florence. Eu estou Líder dos partidos de Oposição no Congresso Nacional, na Câmara e no Senado. Então, permitam-me citar os partidos: o Partido dos Trabalhadores; o Partido Comunista do Brasil; o Partido Socialista Brasileiro; o Partido Democrático Trabalhista; o Partido Socialismo e Liberdade e o Rede Sustentabilidade.
Obrigado. Temos orgulho, se é que eu posso dizer assim, das responsabilidades que nos foram atribuídas pela população brasileira: fazer Oposição a este Governo.
Espero que esta audiência pública seja um ponto importante na luta pelo marco legal dos povos tradicionais de matriz africana. Este País foi fundado na escravização de africanos e africanas, marcado até hoje por dominação social e por política baseada no racismo, um racismo étnico, mas também cultural. Os povos de matriz africana são objetos centrais desse racismo. Por isso, um marco legal que proteja e garanta direitos dos cidadãos e dos povos, mais do que cestas básicas e cotas, é a luta dos partidos de Oposição.
Desculpem-me por chegar só ao término. Está havendo sessão no plenário. Estamos num embate importante, porque estão tentando aprovar a autorização para que pais e mães não levem filhos à escola. Não é só uma autorização, é um sistema de educação sem escolas, o que é um absurdo.
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18:30
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A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Gostaria muito de agradecer a fala do Deputado Afonso Florence, a participação de todas e todos, agradecer às entidades sindicais, às entidades em defesa dos direitos sociais, que contribuíram para que nós pudéssemos realizar esse grande evento, este seminário.
Quero agradecer muito às entidades que acolheram essas pessoas aqui no Distrito Federal. Conseguirmos fazer com que essas entidades os acolhessem não só com alimentação, mas também com transporte, tudo isso foi uma construção feita a muitas mãos. Eu digo que talvez essa seja a proposição mais coletiva que esta Casa tenha vivenciado, porque é um projeto que foi construído durante anos, com a fala de muitos líderes, de muitas pessoas que estão nas unidades territoriais de matriz africana.
Eu costumo dizer que ele carrega essa teimosia revolucionária — e a teimosia é revolucionária. Eu já disse e vou repetir que Lula conta uma história de que, todas as vezes em que ele estava em crise, ele consultava a sua mãe, que dizia: "Teima, meu filho. Teima, meu filho". E foi essa teimosia que fez com que nós tivéssemos o primeiro Presidente operário da história deste Brasil, que respeitou os povos tradicionais, de matriz africana, que fez várias medidas, através da Luiza Bairros, que é muito justo que nós possamos homenagear, mas não só; de todas as instituições, da Fundação Palmares, que foi sequestrada... A Fundação Palmares está sequestrada pelo racismo, está sequestrada por alguém que despreza o que significam os povos de matriz africana e despreza o povo negro. Esse povo negro está sendo vítima das balas, que nunca são perdidas, atingem sempre os mesmos corpos, e vítima de um genocídio constante.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Diga.
A SRA. KITANJI - Eu não sei como é que funciona aqui, se depois que a senhora encerra a reunião, o microfone continua funcionando.
Eu sou Kitanji, eu sou jovem, eu vi o FONSANPOTMA nascer na Conferência de Segurança Alimentar e vi nas suas palavras, Deputada Erika Kokay, muitas vezes, a minha representação e os nossos sonhos representados. Eu acredito, essa tradição acredita, em agradecer às pessoas vivas, olhando nos olhos delas e trocando energia com elas.
Então, eu quero agradecer a você, não à Deputada, mas à mulher que se permitiu acordar e estar ao nosso lado todos esses dias. Quero agradecer à mulher que não se deixou esmorecer e que convenceu tantos e tantas a estarem ao seu lado, à mulher que ouviu as palavras de Makota Valdina, de que somos povos tradicionais de matriz africana, à mulher que ouviu a nossa Ministra Luiza Bairros dizer que teremos que ter coragem, uma mulher de coragem.
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18:34
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A SRA. DANIELLE - Deputada Erika Kokay, eu sou Oyá Danielle, Oyá Semi, e falo não somente em nome dos meus ancestrais. Durante esses 2 dias, temos falado e assistido a todas falas, e falaremos e entoaremos sempre o nome de nossos ancestrais, porque isso se faz necessário. Já está posto que todas as pessoas de matriz africana têm por costume honrar aqueles que vieram antes, mas eu faço minhas as palavras da minha irmã de que é preciso perpetuar a cultura de falar olhando nos olhos das pessoas, porque é muito bonito colocar uma placa depois que a pessoa se vai.
Então, eu lhe agradeço por todas as suas falas, que eu ouvi atentamente nesses 2 dias. Agradeço a sua atenção e o seu cuidado em tratar de um assunto que é de suma importância para nós. Só quem tem a pele preta, só quem é mulher e só quem sofre na carne o que acontece neste País sabe a dificuldade que há todas as vezes que vamos levar um assunto. E nós só queremos o direito de ser ouvidos e respeitados.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada.
Quero apenas pontuar sobre o que várias pessoas falaram, sobre o acordar, acordar para vivenciar a força que temos quando fazemos essas trocas que tanto o fórum permite, como também esta construção e esse marco legal. Ele permite uma troca que nos energiza e mostra a dimensão e a força que nós temos.
Em grande medida, muitas vezes, tínhamos problemas nas casas. Buscávamos resolver o problema, que voltava para as casas. E aqui nós estamos vivenciando um processo de rede que tem sido construído paulatinamente. Não é um processo que se iniciou aqui. Enfim, hoje é um marco desse processo.
Mas foi dito muitas vezes que é o acordar, o acordar para a força, o acordar para a força da ancestralidade, para a força deste povo que chegou aqui escravizado e que manteve a sua resistência, que estabeleceu e que manteve o seu diálogo com o sagrado. Nunca conseguiram calar os tambores. Isso já foi criminalizado, já sofreu intervenções — até hoje sofre intervenções policiais, como nós vimos aqui em Águas Lindas de Goiás —, mas nunca conseguiram e nunca conseguirão, porque há a força, a força que vem da natureza, a força que vem de todos os seres vivos, a força que vem dos orixás.
É por isso também que os povos tradicionais cuidam da natureza. Eles têm que estar numa política de proteção ambiental para além da segurança alimentar, que está no projeto, para além da saúde, que está no projeto, para que possamos reafirmar a Convenção nº 169, de que o Brasil é signatário, que diz que todas as vezes que se falar de povos, deve-se consultar os povos originários. Nós queremos que a Convenção nº 169 esteja estabelecida. Todas as vezes em que houver um projeto aqui, os povos têm que ser consultados antes.
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18:38
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Eu disse e vou repetir: neste dia de hoje, nós estamos avançando, nós não estamos só reagindo, resistindo aos ataques, nós estamos avançando. Nós queremos consolidar as redes legislativas. Nós queremos criar um observatório, porque o observatório significa rede também, para que todas as denúncias de violência possam ser compartilhadas, possam ter a força de todos.
Que ninguém sofra sozinho as violências que são frutos de um racismo que se expressa desta forma, do racismo que se expressa no 14 de maio, como foi dito aqui pela Rosa Neide ou pelo Vicentinho. No 14 maio, o que havia? Absolutamente nada, nenhuma política pública! O povo que construiu a riqueza deste País estava jogado, jogado sem terra, jogado sem indenização. E ainda se discutiu indenizar os donos ou os escravocratas! Foi esta a discussão que foi feita no Brasil.
Então, nós precisamos reparar todo esse processo. Penso que é ao fortalecimento das redes e também à questão do observatório que nós devemos nos dedicar e à construção — porque tudo depende também da rede — do compartilhar das experiências. Existem muitas experiências acontecendo, experiências positivas.
Nós temos o mapeamento de terreiros — aqui em Brasília, nós temos; parece-me que no Rio e na Bahia, também — para vermos quem é de axé e quem diz que é, para nós nos comunicarmos e fortalecermos essas redes. E aqui foi dito isso: é o acordar, é o colocar-se em movimento. Foi dito pela Adriana e também foi dito em vários momentos que existem tarefas. Aqui é o marco.
Então, deste encontro, nós saímos imbuídos de muitos desafios e de muitas tarefas para fortalecer este processo. O projeto, o marco legal, é consequência disso, mas ele também é semente de um processo que vai se estabelecer.
Nós tivemos aqui dias riquíssimos, mas tivemos hoje, em particular, esse cortejo que abalou, mostrou a força, mostrou o vigor, mostrou a força da dança, mostrou isso de que o Deputado Vicentinho falava. Com todo esse sofrimento, nós estamos aqui para transformar a nossa alegria em um instrumento de transformação. A caridade é um instrumento de transformação, a solidariedade é um instrumento de transformação, esse bem-querer ao outro, esse acolhimento que existe dentro de todas as casas.
Por isso, eu penso que hoje é um marco importante. Nós vamos seguir adiante, como disse a nossa belíssima Deputada Natália Bonavides, nós vamos ser vitoriosos. Vocês viram quantos Parlamentares passaram por aqui e se comprometeram com esta proposição. Alguns talvez tenham se comprometido sem realmente ter envolvimento, mas se comprometeram. Sabem o que significa isso? É que mesmo os representantes de tanta lógica fundamentalista não tiveram coragem de expressar essa lógica fundamentalista aqui, porque sentiram a força deste movimento.
(Palmas.)
Antes de encerrar — e nós vamos realmente ter que encerrar —, eu quero passar a palavra para a Deputada Vivi Reis, que esteve conosco em vários momentos, registrar aqui a unidade que nós estabelecemos também com os povos indígenas, a participação da nossa única Deputada indígena, Joenia Wapichana. E aqui foi dito — e eu só estou repetindo — que os povos indígenas nos acolheram.
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18:42
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No quilombo havia povo indígena e povo negro, que faziam e construíram a resistência, como foi possível e necessário. Como diz o nosso co-Vereador, "se Palmares já não existe, nós vamos fazer Palmares de novo". E nós vamos fazer Palmares de novo. E fazer Palmares de novo é dizer que os ventos da liberdade destroem as casas-grandes e senzalas; os ventos dos quilombos têm o poder de tirar da Presidência da República quem menospreza o povo negro, o povo de santo, as mulheres, a diversidade e a nossa humanidade.
(Palmas.)
A SRA. VIVI REIS (PSOL - PA) - Obrigada, Deputada.
Ele ficou chateadíssimo com isso. Isso mostra que é o que temos que fazer: incomodar, sim. Incomodar dando visibilidade, exigindo respeito — não só tolerância, mas respeito — e exigindo que sejam, de fato, reconhecidas como parte da nossa cultura brasileira, como parte do conjunto de religiões que temos, mas que não podem ser colocadas como algo secundário, como hoje são colocadas aqui. Existe uma bancada evangélica que coloca sua pauta aqui na Câmara, inclusive pauta fundamentalista conservadora contra a vida do povo negro, contra LGBTs, e nós precisamos também ter a nossa agenda aqui. É muito importante um espaço como este.
Nós temos que demarcar essa posição contra a intolerância religiosa, falando "chega de insultos, de violências, de desrespeito, de invasão nos terreiros", porque são muitas as denúncias que nos chegam como Deputados e Deputadas que são alarmantes, trágicas. É criminoso o que está sendo feito hoje.
Eu espero que esta Casa, de fato, tenha sempre ecoando forte nos corredores essa voz do povo de terreiro, essa voz daqueles e daquelas que querem o direito a estar nos seus espaços sem sofrer violência, que possam fazer seus rituais; que esta Casa, que tem um monte de símbolos cristãos, possa também ter o símbolo das religiões de matriz africana, possa ter caras e corpos políticos de religiões de matriz africana.
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Axé!
Agradeço mais uma vez a presença de todas e de todos e as contribuições riquíssimas. E aqui já foi dito que todas as audiências são ensinamentos. Aprendemos bastante, saímos mais fortalecidos, mais resistentes aos epistemicídios, à destruição do próprio conhecimento, à destruição da própria forma de ser.
Antes de encerrar os trabalhos, convoco os membros desta Comissão para a próxima reunião deliberativa, quarta-feira, dia 25 de maio de 2022, às 14 horas, neste Plenário 9.
Haverá também reunião de audiência pública destinada a debater o Projeto de Lei nº 3.422, de 2021, que dispõe sobre a prorrogação do prazo de vigência da Lei de Cotas e dá outras providências. Esta audiência ocorrerá na próxima quarta-feira, dia 25 de maio de 2022, às 15h30min, neste mesmo plenário.
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