4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial
(Audiência Pública Extraordinária (semipresencial))
Em 12 de Maio de 2022 (Quinta-Feira)
às 10 horas
Horário (Texto com redação final.)
10:22
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A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Bom dia a todos e a todas.
Vamos dar início à nossa audiência pública.
Eu gostaria de convidar todas e todos os que estão aqui em plenário a buscarem um local para sentar, para que possamos iniciar a nossa audiência.
Dou boas-vindas também a quem está nos acompanhando virtualmente.
Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Reunião de audiência pública. Quarta-feira, 12 de maio de 2022.
Declaro aberta esta audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias destinada a debater sobre o Dia Nacional do Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.
Esta audiência é consequência da aprovação dos Requerimentos nºs 8 e 12, de 2022, das Deputadas Vivi Reis — a qual está falando com vocês agora —, Erika Kokay e Maria do Rosário, subscritos pelos Deputados Abílio Santana, Helder Salomão, Marcon, Roberto de Lucena e pelas Deputadas Joenia Wapichana e Talíria Petrone.
A audiência está sendo transmitida pela página www.camara.leg.br/cdhm, pelo perfil da Comissão de Direitos Humanos e Minorias no Facebook, @cdhm.camara, e pelo YouTube da Câmara dos Deputados. Você também pode acompanhar nossas notícias pelo Instagram @cdhm.cd.
Excepcionalmente hoje os cidadãos não poderão apresentar contribuições através do portal e-Democracia, que está fora do ar por problemas técnicos.
Esta reunião terá participação presencial e por teleconferência. O registro de presença dos Parlamentares se dará de forma presencial no posto de registro biométrico deste plenário. Os Parlamentares que fizerem o uso da palavra por teleconferência terão sua presença registrada.
Esclareço que o tempo concedido aos expositores será de 7 minutos. Após a intervenção dos expositores, abriremos a palavra para os Deputados e as Deputadas, por ordem de inscrição, por 3 minutos.
Antes de passarmos a palavra aos nossos convidados e convidadas, iremos assistir ao trailer do documentário “Se eu contar, você escuta?”
Pode ser exibido o trailer, por favor.
(Exibição de vídeo.)
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A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Aproveito a oportunidade de estar aqui na Câmara dos Deputados transmitindo, exibindo esse trailer e passo a palavra, pelo tempo de 2 minutos, para que faça uma fala a respeito do trailer que foi exibido, à Dra. Renata Coimbra, diretora desse documentário.
A SRA. RENATA MARIA COIMBRA - Bom dia.
Eu queria agradecer à Deputada Viviane, ao comitê nacional, à Karina, à Rede ECPAT Brasil, aos companheiros de luta há tanto tempo.
Este filme é um documentário que conta a história de 8 mulheres que hoje estão na casa de 35 a 40 anos que, quando eram meninas, eu conheci. Elas viviam nas ruas, tinham passado por abuso sexual e se encontravam na situação de exploração sexual. Eu tive a honra de reencontrá-las. Elas eram crianças e adolescentes quando eu as conheci, 20 anos atrás, por ocasião da minha tese de doutorado. Elas foram as participantes do meu doutorado há 20 anos. Eu as reencontrei há 5 anos, e elas concordaram em contar suas histórias. Hoje elas são adultas e olham para suas vidas, para o seu passado e ressignificam aquilo que viveram. Elas são mulheres fortes, sobreviventes e que nos inspiram.
10:30
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Espero que o filme toque aqueles a que o assistirem e seja uma ferramenta a mais na luta — não é, Karina, Amanda, Gileade, Dra. América e tanta gente que está aqui, que eu conheci ao longo destes 23 anos, desde o plano nacional?
Eu tive a honra de ser membro do grupo que escreveu o plano nacional no ano de 2000, e é uma honra estar aqui.
O filme vai ser lançado como pré-estreia em João Pessoa, com a Andreza, e em Natal, com a Gileade. No dia 18 de maio, ele estará na TV Serra Geral. Entre 20 e 26 de maio, ele estará nos cinemas — aqui em Brasília, com sessão comentada. No dia 20 eu estarei com a Karina. Em Belo Horizonte, no dia 23, eu vou estar numa sessão comentada. Nos dias 25 e 26 vou estar no cinema do Itaú Unibanco no Frei Caneca, também em sessões comentadas. A partir do dia 3 de junho, o filme estará em plataformas digitais, disponível para todo mundo, no Brasil todo, para quem quiser usar, assistir, debater. A alegria será imensa, porque o que queremos é fazer com que as histórias dessas mulheres incríveis e sobreviventes cheguem a todos.
Muito obrigada mesmo. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Dra. Renata.
Agora vou chamar os componentes da nossa Mesa, que acontecerá de forma presencial e também por teleconferência. Chamo aqui a Sra. Luiza Teixeira, que é especialista em proteção de crianças e adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF Brasil. Chamo também o Sr. Diego Bezerra Alves que é Presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente — CONANDA. Teremos a participação remota da Sra. Irmã Henriqueta Calvalcante, que é Coordenadora da Comissão de Justiça e Paz, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil — CNBB. Remotamente também teremos a presença da Sra. Fernanda Brito Pereira, que é Procuradora do Trabalho. Chamo para compor a Mesa a Sra. Karina Figueiredo, que é Coordenadora do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Remotamente, teremos a participação da Sra. Karime Mouta, Coordenadora do Centro de Defesa da Criança e Adolescente Emaús do Movimento República de Emaús. Convido, para compor a Mesa, a Sra. Dani Sanchez, que é integrante do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, e a Sra. Amanda Ferreira, Secretária-Executiva da Rede ECPAT Brasil. Remotamente, teremos a presença do Sr. Itamar Gonçalves, que é representante da Coalizão pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes. (Palmas.)
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Para iniciar os nossos trabalhos, eu gostaria de chamar para fazer uso da palavra a Sra. Luiza Teixeira.
A SRA. LUIZA TEIXEIRA - Obrigada.
Bom dia a todos e todas! Cumprimento a todos aqui presentes na pessoa da Deputada Vivi Reis, a quem agradeço pelo convite para participar desta audiência pública em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Essa é uma data fundamental para a promoção da sensibilização sobre a importância e a necessidade, ainda premente, de nós enfrentarmos a violência sexual contra crianças e adolescentes em todos os níveis de forma ampla na sociedade.
Estávamos ontem em outro evento sobre exploração sexual contra crianças e adolescentes, em que a Amanda, brilhantemente, nos lembrou dos avanços já alcançados, por tantos anos, por meio da campanha e do trabalho do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes.
Nós sabemos que a violência sexual, que já acontecia em índices alarmantes no Brasil e no mundo, encontrou um terreno ainda mais fértil durante a pandemia da COVID-19, com o isolamento social e com o fechamento e restrição de serviços de proteção, que se viram sem condições, em muitos aspectos, de seguir funcionando.
Em alguns levantamentos conduzidos pelo UNICEF, nos anos de 2020 e 2021, a despeito das informações sobre o aumento das violações de direitos contra crianças e adolescentes, o que se verificou foi uma diminuição nas notificações de casos de violência sexual contra meninos e meninas.
Eu vou mencionar novamente um estudo realizado, em São Paulo, pelo UNICEF, Instituto Sou da Paz e Ministério Público Estadual, que buscou verificar os possíveis impactos do isolamento social tanto na ocorrência como na notificação dos casos de estupro de vulnerável, que vinham crescendo nos últimos anos.
O estudo verificou que, no primeiro semestre de 2020, houve diminuição de mais de 15% nas notificações desse tipo de violência, sobretudo no mês de abril, quando houve diminuição de 36,5%, e, no mês de maio, 39,3%, em comparação ao mesmo período do ano anterior.
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Essa queda nas denúncias de violência sexual durante a pandemia também foi verificada pelo Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, realizado pelo UNICEF e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2021.
O estudo revelou ainda que, entre 2017 e 2020, 180 mil crianças e adolescentes sofreram violência sexual no País, numa média de 45 mil violações por ano. A pesquisa também identificou que, em 2020, houve uma queda no número de registros de violência sexual. Mas uma análise mês a mês constatou que essa queda se deve basicamente ao baixo número de registros, principalmente entre março e maio de 2020, que foi o período em que as medidas de isolamento social estiveram mais fortes.
Esses dados confirmam que nós continuamos lidando com a dificuldade de denunciar a violência sexual contra crianças e adolescentes. A dificuldade advém de diversos fatores, como, por exemplo, a naturalização da violência contra crianças e adolescentes, o desconhecimento do que constitui exatamente a violência sexual, a dificuldade de identificar seus sinais muitas vezes, o desconhecimento ou falta de credibilidade nos canais de denúncia, o medo de denunciar, entre outros fatores.
Muitos são os desafios encontrados para se combater esse tipo de violência. E nós sabemos que os perpetradores seguem encontrando formas inovadoras para burlar leis, políticas e medidas de enfrentamento, a exemplo do que vemos com o aumento da incidência de violência sexual no ambiente virtual.
Por isso, campanhas, como a Faça Bonito, são muito importantes. Elas nos ajudam, de forma constante e a médio e longo prazos, a quebrar a cultura de normalização da violência sexual, promovendo a conscientização da população sobre sua recorrência e sobre seus impactos perversos não só na vida de meninas e meninos, mas também na vida de suas famílias e de comunidades. A campanha também é importante para a realização de incidência, para a criação e o refinamento de leis e políticas que teçam o pano de fundo necessário para a mudança social. Isso, evidentemente, requer esforços contínuos em todos os níveis e entre todos os atores.
Com o Canal Futura, a Childhood Brasil e outros parceiros também, o UNICEF tem se engajado com ainda mais dedicação, durante o período pandêmico, nesse esforço de conscientização sobre a violência sexual.
Então, em 2020 e 2021, nós fizemos a Campanha Em Casa sem Violência, durante a pandemia, que este ano vai ser repaginada para enfatizar a violência na primeira infância.
Nós também lançamos a Campanha ECA 30, em 2020, que teve grande alcance, para também promover o conhecimento do estatuto e do que ele traz em relação à proteção de crianças e adolescentes contra as violências para a população em geral, para os profissionais e para as próprias crianças e adolescentes.
Nós sabemos que precisamos também continuar pensando em outras maneiras concretas de alcançar crianças, adolescentes e seus pais e cuidadores, para que essa mudança nas normas sociais e de comportamento também ocorra a partir da família e das comunidades.
Esses esforços devem claramente andar junto com o apoio socioeconômico às famílias mais vulneráveis, para que elas tenham condições de manter suas crianças protegidas do abuso e da exploração sexual. Mas nós devemos lembrar sempre que quaisquer esforços para mudanças de normas e de comportamento precisam invariavelmente envolver as crianças e os adolescentes.
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Estar, neste dia, num mês tão emblemático, junto com entidades comprometidas com essa temática de suma importância para o UNICEF nos faz refletir sobre o que já se alcançou e o que ainda precisa ser feito. Isso nos renova os ânimos para que sigamos dedicados ao objetivo comum de erradicar a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada.
A senhora foi pontualíssima no tempo, superdisciplinada com o cumprimento do tempo.
Eu estava comentando há pouco com alguns membros da nossa Mesa que eu e a Deputada Erika Kokay temos uma diligência aprovada sobre esse tema a ser realizada no Pará, que é o meu Estado, em que há casos alarmantes.
O Presidente, com o conjunto dos seus Ministros e ex-Ministros tratam isso como um problema secundário e não garantem, de fato, as políticas públicas necessárias.
Esta audiência faz parte desse calendário, para que, em breve, quando a Comissão de Direitos Humanos estiver apta a realizar diligências, nós concretizemos a diligencia no Estado do Pará. Este é um passo importante para avançarmos na cobrança das autoridades, para, de fato, implementarmos políticas necessárias para o combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Agora, eu passo a palavra para o Sr. Diego Bezerra Alves, que vai também tomar o tempo de 7 minutos, enriquecendo o nosso debate.
O SR. DIEGO BEZERRA ALVES - Obrigado, Deputada. Agradeço o convite e a oportunidade de estar aqui, em nome do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, contribuindo com esse debate.
Vou me apresentar. Sou Diego Alves, representante, no CONANDA, da Rede Cidadã, uma organização da sociedade civil que trabalha com a inclusão dos jovens no mundo do trabalho, principalmente por meio da aprendizagem. Fico muito feliz de estar aqui para trazer contribuições do CONANDA, um órgão privilegiado para o debate da elaboração e da incidência das políticas públicas com relação a esse tema, como vem fazendo na história inclusive.
O CONANDA aprovou o último Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, que vinha sendo implementado na última década, até o início deste Governo, que resolveu deixá-lo de lado e as suas medidas. Essas medidas foram construídas com ampla participação da sociedade, do próprio poder público e muito historicamente a partir das contribuições da Campanha Faça Bonito, do Comitê Nacional, da Rede ECPAT, atores que trouxeram para o centro da sociedade brasileira o tema do enfrentamento à violência sexual.
Eu tenho certeza de que vai ser dito aqui, como a Luiza até já mencionou aqui anteriormente, que esse tipo de conscientização, de movimento e de participação social é o que nos leva a termos conquistas. Eu não tenho dúvidas de que, se hoje nós temos delegacias especializadas, assistentes sociais especializados, capazes de atender com qualidade crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, e até varas especializadas no Judiciário, isso se deve ao histórico de 22 anos da Campanha Faça Bonito. (Palmas.)
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Eu acho muito importante destacar que quem esteve na história construindo essa pauta e quem segue fazendo isso hoje é quem faz a diferença. Acho que essa campanha tem que ser fortalecida e lembrada. Ela não pode ser esquecida.
Hoje temos o movimento de criar o Maio Laranja como o mês de enfrentamento à violência sexual. Esse até pode ser um movimento interessante para ampliar o debate e trazer mais atividades para além do dia 18 de maio — dia histórico dessa pauta —, que marca o assassinato brutal de uma criança no Espírito Santo, o caso Araceli.
Podemos ampliar isso para o Maio Laranja, mas respeitando a história da Campanha Faça Bonito, mantendo quem nos trouxe até aqui, respeitando essa história, e ampliando para o mês, para o ano, para pensarmos uma vida inteira da sociedade brasileira sem abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Esse é o objetivo.
Nós queremos construir essa cultura. Enquanto CONANDA, estamos dispostos a promover uma política de Estado para o enfrentamento a esse tema. Esta não é uma política que vai começar agora e, quando trocar este Governo, no início do ano que vem, ela vai ser descontinuada e o Estado vai esquecer do tema. Não, nós queremos que o CONANDA atualize o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual para que seja uma política controlada, organizada, monitorada, avaliada, revista e contínua, até alcançarmos o nosso objetivo, que é uma sociedade que respeite a criança e o adolescente, que os entenda como sujeitos de direito e que, em hipótese nenhuma, aceitem casos de abuso e de violência.
Para seguirmos nessa construção, eu queria ressaltar alguns elementos que precisam ocupar o centro do debate político quando falamos de violência sexual.
O primeiro deles é o tema da educação sexual como uma educação segura pedagogicamente, cientificamente estudada e conduzida para as crianças e os adolescentes. E aí eu ressalto: isso é para as crianças e os adolescentes, porque a educação sexual tem que começar desde cedo, porque é através da compreensão da sexualidade humana como uma coisa natural, uma coisa saudável que levamos à compreensão das crianças do que é uma situação de abuso.
Isso pode levar a criança a prevenir, a evitar e a reportar situações de abuso. Inclusive é a partir da educação sexual na adolescência que promovemos uma sexualidade segura e evitamos a gravidez precoce.
Não podemos enquanto sociedade nos furtar de fazer esse debate e de garantir a educação sexual adequada, que — ressalto — é direito das crianças e dos adolescentes. Elas não podem ser objeto de críticas. Eu sei que existe um tabu na sociedade. Isso é muito claro para nós. Há setores, inclusive dentro deste Congresso Nacional, que fazem pressões para que o direito das crianças nesse quesito não sejam respeitados. Isso tem incidência hoje até no Ministério dos Direitos Humanos.
Mas temos que fazer esta ressalva: é direito das crianças e dos adolescentes a educação sexual. E isso deve ser respeitado e garantido.
Além disso, um ponto que eu acho fundamental destacar nesse tema da violência sexual é a garantia orçamentária nos recursos da União — não só da União, mas também dos Estados e Municípios —, para que sejam oferecidos serviços de atendimento, de prevenção e de campanha com recursos adequados. Não há como falar desse tema, que é tão relevante, que é tão prioritário e que afeta tanto a vida das pessoas — como vimos aqui no início desta audiência, com a exibição do vídeo —, sem garantirmos os recursos adequados em todas as esferas de Governo. Os profissionais que estão atuando em cima desse tema precisam ser bem remunerados e precisam ter estratégias.
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Lembro aqui um dado que a Luiza nos trouxe ontem, quando estávamos conversando. No Orçamento da União do ano passado, só vimos 3,2% serem garantidos e destinados exclusivamente à criança e ao adolescente, conforme estudo do UNICEF com o IPEA, e isso está muito longe de garantir o que a Constituição determina, que é a criança como prioridade — e não só como prioridade, mas também como prioridade absoluta. Mas 3,2% do Orçamento não é prioridade em lugar nenhum.
Então, eu queria deixar aqui esse chamado, como final da minha fala e conclusão, de que a política de enfrentamento à violência sexual tem que ser prioridade. Isso significa destinar orçamento, significa garantir o direito às crianças e aos adolescentes, para construirmos uma cultura que finalmente respeite o nosso mandamento constitucional de reconhecê-los como sujeitos de direito, que não podem, em hipótese nenhuma, ser submetidos a situações de abuso e de exploração sexual, que é inclusive uma situação que vem muito da pobreza. A exploração sexual precisa ser enfrentada com políticas amplas e transversais de renda básica e de emprego, pois sabemos que a situação econômica do Brasil está extremamente deteriorada, e certamente isso impacta nos índices de exploração sexual. Têm que ser pensadas políticas específicas nesse sentido.
Então, como contribuição inicial, deixo esse recado.
Inclusive, queria ressaltar o quanto estou feliz de estar numa Mesa composta majoritariamente por mulheres, a quem quero dar os parabéns.
(Palmas.)
Fico me sentindo um intruso aqui, mas tenho certeza de que é das mulheres esse papel de protagonismo na política. É com esse tipo de diversidade e com o dar lugar às mulheres que vamos construir uma política mais saudável, mais segura para este País e revolucionar essa cultura dos direitos da criança e do adolescente. Queria fazer essa observação.
Agradeço à Deputada Vivi Reis e à Comissão da Câmara o convite e me coloco, enquanto CONANDA, à disposição aqui dos debates.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Sr. Diego.
Registro a presença conosco da Deputada Maria do Rosário, que é autora também do requerimento. (Palmas.)
Gostaria também de registrar a presença do Deputado Helder Salomão, que também subscreve o nosso requerimento. (Palmas.)
Logo mais a chamarei para assumir a Presidência dos trabalhos, Deputada.
Concedo a palavra, agora, à Sra. Irmã Henriqueta Cavalcante, que está virtualmente.
A SRA. HENRIQUETA CAVALCANTE - Bom dia a todos e a todas! É uma gratidão imensa ter a Deputada Vivi Reis, que é do Estado do Pará, de onde estou falando, diretamente da Capital, contribuindo com este debate de suma importância.
Todos nós que estamos aqui temos o compromisso de lutar não somente no mês de maio, no dia 18, mas também nas semanas que antecedem e sucedem o dia 18 de maio. Temos um compromisso imenso com a defesa, de forma incansável, das nossas crianças e dos nossos adolescentes. Aqui, estão muitas pessoas importantes, conhecidas. Quero deixar o meu abraço à Karina, que é uma companheira de luta de muitos anos.
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Mais que dados, gostaria de trazer algumas provocações a esta audiência. Todos sabem que a nossa área de atuação no Estado do Pará é uma área de muitos desafios. Primeiro, pelas nossas distâncias geográficas. E eu preciso me reportar, nesta audiência, à nossa realidade, especificamente das regiões de maior vulnerabilidade, que não deixa de ser uma provocação que ajudará em nossa reflexão sobre o País inteiro no que tange à defesa das nossas crianças e adolescentes. A partir da campanha, todos soubemos o quanto ela contribuiu e contribui para alertar, para ajudar a romper o silêncio, para motivar a sociedade, principalmente as crianças, os adolescentes e as famílias a terem coragem de denunciar.
Eu vou trazer uma reflexão mais voltada à minha área de atuação, que é no Estado do Pará, sobre a violação praticada pela exploração sexual de nossas crianças e adolescentes. Todos sabemos que a exploração sexual tem revelado não só o crime, mas também a miséria, o medo, a vergonha e o constrangimento que impõem às vítimas tanto o abuso quanto a exploração sexual. Nossas crianças e adolescentes de baixa renda e famílias em situação de extrema vulnerabilidade social, que sofrem com a insegurança e sentem na pele a ineficácia também da rede de proteção, a qual, apesar do discurso político, ainda não consegue estruturar programas de atenção e acompanhamento para as vítimas desses tipos de crime, como o abuso e a exploração sexual, não têm direitos garantidos.
Portanto, eu gostaria de dizer que, neste dia, nesta audiência e em todas as atividades que nós estamos realizando pelo Brasil inteiro, falar e defender os direitos de crianças e adolescentes expondo suas violações, no lugar em que estamos — e eu especificamente aqui no chão da Amazônia —, em face das fragilidades das políticas públicas, requer e exige, amigos e amigas de todos nós, uma visão holística frente às questões de ordem estrutural. E daí hoje também é tempo de perguntar, também é tempo de saber onde estão e como estão as nossas crianças todo dia. Aqui, no nosso Estado do Pará, por exemplo, especificamente na região ribeirinha, quando nossas crianças sobem nas balsas — e todo mundo sabe quantas vezes isso já foi denunciado —, em troca da exploração sexual, elas ganham um pedaço de pão, ou 2 reais, ou 1 litro de óleo diesel. Isso, em nosso Estado, é comum. Está-se tornando comum para algumas pessoas, mas, para nós, isso não é comum; para nós, isso não é cultural; para nós, isso não é normal. Portanto, nós temos que gritar e falar em favor das nossas crianças e adolescentes que estão nessa situação de extrema violação dos seus direitos. Eu pergunto hoje a quem está nos ouvindo: onde elas estão, como elas estão e quais são as maiores demandas para que seus direitos sejam garantidos? Como nós, defensores dos direitos de crianças e adolescentes, podemos agir nesse contexto de violações e com esse inadmissível desmonte das políticas públicas que tem acontecido no País nos últimos anos? Assim, temos que considerar que a realidade é cruel. Ela é cruel! E o nosso olhar, a nossa atenção, as nossas campanhas, as nossas motivações cotidianas têm que estar voltadas, sobretudo, para a realidade e nela focadas. Por todo o nosso País, vimos o aumento da fome e, como consequência, o aumento da exploração do trabalho infantil, da exploração sexual, crimes esses que estão naturalizados em nossa sociedade.
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Outra questão é que as nossas crianças e os nossos adolescentes trazem uma chaga — é um crime, não é? —, uma chaga provocada pelo abuso e pela exploração sexual. E a nossa sociedade ainda vê isso sem empatia. O que nós estamos percebendo é também um processo de desumanização, em que o ser humano tem sido visto como coisa. Por exemplo, na realidade em que eu vivo aqui, no Pará, isso é visto como coisa normal. A exploração sexual de nossas crianças e adolescentes é naturalizada. Mas nós não admitimos — nós não admitimos! — que isso seja visto e olhado como coisa normal, como temos ouvido inclusive de representantes que chegam ao nosso País, em nosso Estado, e que, quando sabem do aumento absurdo do número de crianças abusadas e exploradas sexualmente, acreditam que a solução seja uma fábrica de calcinhas! Nós não podemos permitir isso! Nós não podemos permitir, porque crianças e adolescentes não precisam de fábrica de calcinha em nossa região. Elas precisam de políticas públicas voltadas para suas infâncias! E aí nós precisamos considerar que as nossas crianças e adolescentes trazem demandas diferenciadas, trazem necessidades diferenciadas. E, enquanto defensores de direitos humanos, enquanto defensores de crianças e adolescentes, nós precisamos também respeitar essas demandas e lutar para que esses direitos sejam garantidos.
Portanto, a grave crise política por que estamos passando e os retrocessos das políticas de proteção social apontam o imenso desafio que temos que enfrentar diariamente.
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A Deputada Vivi Reis, que é da nossa região, sabe, pelas nossas conversas, que no Estado do Pará as situações e os desafios são imensos, os casos são grandiosos, e nós temos que enfrentar esses abusadores e os serviços precários. Muitas vezes, como já foi dito anteriormente, pessoas que estão prestando serviço de proteção às crianças e adolescentes, na verdade, estão sem qualificação e sem nenhuma preparação profissional para lidar com essas pessoas que necessitam de um cuidado muito especial.
E, como já disse anteriormente, a pobreza e a miséria vêm provocando uma desigualdade social ainda mais forte que coloca em risco diretamente a vida de crianças e adolescentes. E o enfrentamento dos desafios em defesa das nossas crianças e adolescentes requer investimento nas diversas áreas, saúde, educação, assistência social e tantas outras, para que as nossas crianças e adolescentes tenham um futuro feliz. Não podemos continuar separados, não podemos continuar desarticulados, isolados e deixando nossas crianças e adolescentes desprotegidos. Precisamos, sim, ter coragem nos espaços que ocupamos para enfrentar esse desmonte deste Governo, que deixa a desejar na defesa daqueles e daquelas que necessitam da nossa proteção, do nosso carinho e do nosso cuidado.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Irmã Henriqueta. Sua fala é sempre muito contundente e necessária.
Vou tomar a palavra para uns breves comentários e depois chamo a Deputada Maria do Rosário para assumir a Presidência dos trabalhos. Daqui a pouco, inicia-se a Ordem do Dia, e precisaremos dar presença no plenário.
O abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes não podem ser vistos como algo normal, natural. São quase 50 anos do assassinato da menina Araceli Crespo, de 8 anos, que foi sequestrada, violentada e morta, em Vitória, no dia 18 de maio de 1973.
O abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes ainda é uma triste realidade em muitos lares brasileiros. Levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com o UNICEF, mostra que diariamente mais de 100 crianças e adolescentes são vítimas de violência sexual em nosso País. No Pará, que é o meu Estado, dados da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda — SEASTER apontam que, em 2020, quase seis crianças e adolescentes foram violentadas por dia envolvendo casos de abuso e exploração sexual. Esses dados alarmantes com certeza são maiores. Com certeza, há muita subnotificação. E essa subnotificação também mostra que o Sistema Único de Segurança Pública não está preparado, pois nem registra as ocorrências da forma devida, e que o poder público não proporciona atendimento humanizado às vítimas.
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Tudo isso tem relação com o que foi debatido: falta de prioridade política, subfinanciamento e, sobretudo, essa cultura patriarcal que objetifica corpos e silencia essa prática criminosa no interior das famílias. Muitos casos de abusos, inclusive, nem chegam ao conhecimento do equipamento público. São sufocados e silenciados por familiares e por pessoas próximas às famílias. E esses são os principais autores do crime algumas vezes; muitas vezes, na verdade.
Estudiosos da área da infância e servidores da rede socioassistencial relatam também que a pandemia, como muito bem apresentado aqui pela Luiza, do UNICEF, de fato contribuiu decisivamente para a subnotificação dos casos. No Pará, por exemplo, dados de 2019 registram um quantitativo bem superior aos anos seguintes, que foram os anos da pandemia. Nós sabemos que os casos continuam a acontecer, mas foram apenas silenciados, subnotificados. Nós também percebemos que muitos serviços e políticas foram interrompidos nesse momento da pandemia. Ou seja, até nisso o negacionismo do Governo Bolsonaro teve impacto nefasto; teve esse impacto nefasto sobre a vida de meninos e meninas do nosso País.
No período da pandemia, muitas crianças e adolescentes permaneceram o tempo todo em casa, ficando muito mais vulneráveis. Ficaram vulneráveis a essas práticas abusivas e exploratórias, considerando que muitas vezes também estavam sozinhos, pois os pais precisavam trabalhar para lhes conferir o sustento, para poder colocar comida na mesa. Aliás, por falar de comida na mesa, a fome tem uma relação direta com a exploração sexual. A Irmã Henriqueta destacou isso muito bem em sua fala.
Nos territórios em que há maior vulnerabilidade social, as meninas ficam mais expostas, e as redes de aliciamento se aproveitam da baixa condição socioeconômica de meninos e meninas para os explorarem sexualmente. É uma realidade triste, e vivenciamos essa realidade nas estradas e nos rios do Estado do Pará. Em locais como a Ilha de Marajó, temos meninas balseiras, também citadas aqui pela Irmã Henriqueta, que são abusadas e exploradas sexualmente. Isso se agrava pelo fato de o Estado não se fazer presente com políticas de promoção e proteção social.
Desculpem a emoção, mas o tema nos deixa muito sensíveis.
(A oradora se emociona.)
E, quando o poder público aparece, ele aparece buscando trazer alternativas, ou melhor, inventando desculpas e pretextos com fins apenas eleitoreiros, como foi o caso do Abrace o Marajó. Nós também realizamos audiências públicas aqui para denunciar o Abrace o Marajó, que serviu mais como uma prática eleitoreira e de palco para a ex-Ministra Damares do que de fato como uma política pública! A ex-Ministra Damares resumiu o problema que acontece com as meninas de Marajó dizendo que elas precisavam de calcinha, de uma fábrica de calcinha! As crianças e adolescentes não precisam de calcinha para combater a exploração e o abuso sexual. Elas precisam de dignidade, precisam de proteção, precisam de investimento em educação e saúde, precisam de respeito ao ECA, de prioridade orçamentária, de políticas públicas que as vejam como sujeitos de direito e como prioridade, para que possam livremente brincar, estudar e construir o seu futuro sem essas práticas abusadoras, assediadoras e violentas.
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Então, sigamos nessa luta contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. (Palmas.)
Queria chamar a Deputada Maria do Rosário para assumir a Presidência dos trabalhos. Agradeço a ela, que também é autora do requerimento, por ser uma referência nessa luta.
Antes de tudo, vou vestir a camisa do Faça Bonito. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Faça Bonito! Não é só para falar bonito, é para fazer bonito como vocês todos e todas aqui. (Palmas.)
Minhas amigas e meus amigos, esta Mesa é maravilhosa. Nós sentimos que essa frase tem sentido. Todos e todas nós sabemos, mas vale a pena referir-me para as pessoas que estão nos assistindo, que a origem da frase "Faça Bonito" — não é, Karina? — é de uma criança nos dizendo: "Vocês falam bonito, agora façam bonito!"
Bonito fez a Deputada Federal Vivi Reis ao colocar-se como Parlamentar, mas, antes de tudo, como ser humano, capaz de ser tocada pelo que vivem as crianças na Ilha de Marajó, no Pará, e em cada canto do Brasil.
Inicio a minha participação nesta Mesa com imensa honra por em estar ao lado do Sr. Diego Bezerra Alves, Presidente do CONANDA; da Amanda Ferreira, Secretária Executiva da Rede ECPAT Brasil, que trouxe muitas e muitos de nós para essa causa, para essa luta; da Luiza Teixeira, do Fundo das Nações Unidas para a Infância — UNICEF Brasil; da Karina Figueiredo, do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes; e
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Na pessoa da Karina e da Dani Sanchez, do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que também é a nossa origem — tenho enorme orgulho de dizer isso —, quero abraçar a todos. (Palmas.)
Eu sinto a emoção da Deputada Vivi carregada de indignação com o sofrimento da infância. A fala de denúncia que ela fez é muito séria, muito contundente. É muito importante que haja neste Parlamento este espaço para falar desse sentimento.
Ao mesmo tempo, eu vejo a dimensão do que isso significa no rosto de todos vocês lutadores e lutadoras pelos direitos das crianças e adolescentes do Brasil que realizam o enfrentamento à exploração sexual e exigem políticas públicas e o cumprimento do que foi planejado dos planos nacionais para o enfrentamento à exploração sexual.
Eu vejo todas e todos vocês com esta dimensão: de um lado, nós somos movidos pela gana que só a indignação traz e, de outro, pela alegria de estarmos juntos e juntas. E quero dizer que nós estamos dispostos e dispostas a oferecer o melhor de nós para a infância brasileira e a dar um ponto final a este período em que todas as políticas públicas estão sendo destruídas e em que há uma fascistização do Estado brasileiro.
Nós que lutamos por direitos humanos não vamos nos calar. (Palmas.)
Agradeço a oportunidade de coordenar, neste momento, a Comissão de Direitos Humanos, seguindo-me à coordenação da Vivi.
Vou seguir a lista das nossas convidadas e convidados. A próxima a falar é a Dra. Fernanda Brito ou vou passar direto para a Karina Figueiredo? Ajudem-me a fazer a lista aqui. (Pausa.)
Vou passar a palavra para a Dani Sanchez. Depois, vamos seguir animando este 18 de maio que se aproxima.
Eu creio que este 18 de maio, Dani, vai ser diferente, porque nós sabemos tudo o que está sendo destruído, inclusive o desrespeito ao CONANDA. Sabemos que há uma política econômica que destrói direitos de mães e pais. E a criança é um espelho da família que tem, da avó que não tem o pão para colocar na mesa.
Se a criança é o espelho dessa realidade, o que fazem os atuais governantes senão jogar a infância brasileira justamente na condição de exploração do trabalho infantil e da exploração sexual?
Quando eu me dirigia para cá, recebi uma nota pública da Hutukara Associação Yanomami sobre a situação do desaparecimento na Comunidade Sanomã, de Aracaçá, e também da violência contra meninas e contra mulheres.
Estamos com vocês, ianomâmis! E vamos reverter e impedir a impunidade, que tem o apoio de garimpeiros, de grileiros e dos integrantes do atual Governo Federal!
11:18
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Passo a palavra para a Dani Sanchez, com o compromisso, sobretudo, da luta pelos direitos da infância, que se renova na nossa participação conjunta aqui, e da valorização da sociedade civil brasileira. Muito obrigada.
Dani, a palavra está com você, para lutar e defender a infância brasileira, mais uma vez.
A SRA. DANI SANCHEZ - Bom dia a todes. É uma satisfação imensa estar nesta Mesa. Eu conheci a Rosário no primeiro mandato dela como Deputada Federal, quando lançou a Frente. Eu ainda era menina — continuo sendo, mas agora um pouco mais velha.
Quero dizer da satisfação de ver várias caras aqui, e parece que não mudam. Os anos passam, algumas pessoas que estão na luta se renovam, mas continuamos vendo as mesmas caras, acho que desde 2000, quando da construção da Carta de Natal.
Depois disso, viemos construindo, consolidando o Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Posteriormente à fundação do Comitê Nacional, veio para o Brasil o ECPAT, que já participava em algum aspecto.
Hoje, para mim, estar neste lugar de fala é muito gratificante, pois, quando adolescente, eu já participava das ações do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes a partir de uma pessoa que é referência na área por toda a construção política e social.
Eu vejo aqui a Karina e a Deputada Erika Kokay, que acabou de chegar. (Palmas.)
Cito também os nomes da Amanda, da Luciana, que está aqui, da Rosana, que está lá em Recife, consolidou essa luta e participou do Comitê Nacional.
Precisamos falar sobre a necessidade do enfrentamento à violência sexual e a importância da formação desses jovens. Se hoje eu estou aqui, é porque existiu a possibilidade de construir o pensamento crítico desses adolescentes, de falar sobre sexualidade, de falar sobre direitos fundamentais, de falar sobre violência. Dessa forma, conseguimos identificar e evitar que outras pessoas ou que nós mesmos sejamos vítimas da violência sexual. Até porque temos novos parâmetros dessa violência, novas características, que às vezes passam por essa coisa do sugar daddy, sugar mommy. E as pessoas vêm naturalizando isso na Internet.
Ficamos nos perguntando: o que esses adolescentes estão vendo? Qual é o acesso que eles têm ao entendimento sobre o que é violência sexual? Há quanto tempo não vamos às escolas?
Eu lembro que, em 2004, em 2005, o Comitê Nacional era convidado cotidianamente para promover formações para profissionais, para falar sobre violência sexual para alunos de escolas públicas e de escolas particulares também. Hoje nós não podemos falar sobre gênero nas escolas.
Então, nós sabemos que isso também é um projeto. Quando deixamos de falar sobre gênero e sexualidade dentro das escolas, nós abrimos precedentes para que a violência sexual se agrave, aconteça e fique silenciada. Os profissionais da educação, que são a principal porta de denúncia, hoje não têm formação.
11:22
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O professor que está em sala de aula às vezes não consegue identificar isso, porque se naturalizou essa história de que adolescentes namorarem pessoas mais velhas é normal. E nós sabemos que isso, a partir do contexto do desenvolvimento social, tem um peso.
Por mais que o adolescente tenha autonomia — e nós precisamos reconhecer essa autonomia do adolescente —, quando achamos natural falar, a partir desse olhar, que temos um sugar daddy ou uma sugar mommy, é importante ressaltar que não é, gente. E a Internet contribui para que isso aconteça.
Não podemos ficar sem a formação e a qualificação dos profissionais, sem o entendimento sobre o que é violência sexual ou essas novas configurações da exploração sexual, que, na verdade, não são novas. Já acontecia, na década de 80, essa relação em troca de alimentos, que volta ao Brasil de forma mais incisiva. E não há como não discutirmos que a volta do Brasil para o Mapa da Fome agrava a situação da exploração sexual. E agrava de forma tão significativa que hoje nós conseguimos naturalizar a menina de 14 anos que se relaciona com uma pessoa de 50 anos, porque essa pessoa garante o sustento alimentar da família.
Então, eu digo, como cria do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que temos que voltar para os nossos núcleos de base, voltar para a nossa comunidade, porque, em algum momento, nós saímos. Nós expandimos, mas nos esquecemos da base, e é na base que estão as pessoas que estão sofrendo a violência como um todo.
Hoje eu sou assistente social e me formei em Serviço Social por causa da Karina. Acho importante falar das referências que nós construímos no movimento social. Estão aqui a Karina e a Perla, que me conheceu menina também. O principal trabalho que eu tenho hoje, a minha militância, é no movimento da infância e no movimento negro, porque nós sabemos que as maiores vítimas da violência sexual e da exploração sexual são crianças e mulheres negras.
Apesar de a violência sexual não ter classe social, não ter raça, precisamos falar que as maiores vítimas estão na periferia e são pessoas negras. Portanto, não dá para desvincularmos as nossas ações, a nossa luta do fortalecimento dessas periferias e dessas crianças e mulheres negras.
De antemão, eu quero pedir licença, porque está acontecendo outra atividade aqui na Câmara sobre negritude. E eu também vou participar da Mesa, para falar sobre a questão do genocídio da juventude negra.
Os jovens negros são as maiores vítimas da violência no Brasil. Então, a violência está generalizada a partir de uma questão de classe, de raça e de gênero. As mulheres são as maiores vítimas da violência sexual. Os homens negros são as maiores vítimas do genocídio. E a periferia sofre com a fome e com a violência cotidiana.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muito obrigada, Dani.
Antes de passar a palavra para a próxima inscrita, quero dizer que a Deputada Erika Kokay esteve aqui, foi até a outra sala, porque há várias reuniões ao mesmo tempo, e vai voltar. Quero pedir para a aplaudirmos muito forte quando ela chegar. Sabem por quê? Porque, se há uma mulher que luta pelos direitos da infância aqui também, é a Erika Kokay. (Palmas.)
Quero deixar esse registro, porque isso é muito forte na vivência parlamentar dela.
Encontram-se presentes também o Assis Oliveira e outras pessoas que o estão acompanhando, do Núcleo de Estudos da Infância e da Juventude do CEAM/UNB; a Débora Aranha, de Salvador, Bahia, da organização The Freedom Fund; Marcília Rocha, do Fórum Distrital DCA-DF; Sara Silva de Oliveira, representando os pesquisadores e pesquisadoras mirins; Renata Maria Coimbra, da UNESP de Presidente Prudente, São Paulo; Ana Lígia Pinho, da OAB-DF; Nauane Mayara Dantas, da OAB-DF; Erik Jonathan Pereira Abreu, do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do DF; Guilherme Augusto Pires Gomes, das Aldeias Infantis SOS Brasil; Maria Aparecida de Oliveira, assistente social do Ministério Público do Distrito Federal — muito obrigada; Flávio Debique, da Plan Brasil — muito obrigada, também, pela parceria importantíssima —; e Luciana Reis, do CEDECA-BA e ECPAT Brasil.
11:26
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Há muitas outras pessoas. Eu sei que há adolescentes aqui que representam o Comitê de Adolescentes. O Erik é um deles. Então, queria pedir aplausos ao Erik, que representa os adolescentes brasileiros e brasileiras nesta causa. (Palmas.) Natália também. E Sara — um abraço, Sara e obrigada! Você tem todo nosso carinho e agradecimento. Se você quiser, pode sentar-se também aqui na primeira fila, ao lado do Erik. Esse lugar é de vocês, que representam muitíssimo para nós, com o protagonismo dos adolescentes e das adolescentes. Quem vai falar agora é Fernanda, e depois, Karina.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Querida Presidente...
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Deputado Orlando Silva e Deputado Leo de Brito estão aqui, e eu vou conceder 2 minutos a cada um. Deputado Orlando Silva disse que basta 1 minuto, mas é muitíssimo importante ouvi-lo.
O SR. ORLANDO SILVA (PCdoB - SP) - Quero fazer só um registro, Presidente.
Primeiro, cumprimento-a pela audiência pública. Fico muito feliz quando esta Casa é contaminada pelo cheiro de povo, de gente que luta. É que eu, ao passar aqui e ver a audiência, vi V.Exa. conduzindo e quis registrar que está na Câmara dos Deputados uma representação das Mães de Maio, mães que lutam para garantir justiça, o reconhecimento do papel do Estado na violação de direitos e no assassinato de seus filhos. Como sei da sensibilidade de V.Exa., só queria que ficasse registrada a presença delas oficialmente, numa atividade oficial da Casa. Estão elas aqui; vão participar de uma plenária no Plenário 2 — para qual V.Exa. está convidada —, realizada pela Coalizão Negra por Direitos, que vai debater a abolição inconclusa no Brasil.
Perdoe-me, querida Deputada Maria do Rosário, por intervir assim, atrapalhando a audiência pública, mas é que é muito importante deixar esse registro nos Anais da Casa.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Vocês sabem quem é este Deputado que está pedindo perdão por interromper os trabalhos, e que não interrompeu? É o Presidente desta Comissão. (Palmas.) É o Deputado Orlando Silva, que, com toda sua gentileza e consideração, permite a esta Parlamentar estar na condução dos trabalhos desta audiência, que é da Comissão. Quero saudá-lo e dizer que, obviamente, a cadeira é sua. E quero saudar sua iniciativa por receber as Mães de Maio aqui, por vocês.
Minha querida Débora, que você receba o nosso abraço mais uma vez.
Tive a honra de ser Ministra, ao longo do período que levamos ao Governo de São Paulo a busca pela retomada das investigações, porque, abruptamente, aquelas investigações foram encerradas sem que resultados tenham acontecido. E, na verdade, mais de 500 pessoas estão desaparecidas no Estado de São Paulo desde maio de 2006. Então, Débora, carregue no seu peito de mãe que sofreu a perda de seu filho — e todos e todas vocês que aqui estão com o Deputado Orlando, Presidente desta Comissão — a certeza de que esses lutadores e lutadoras aqui que denunciam a exploração sexual de crianças e adolescentes estão a seu lado, na mesma causa. Receba nosso abraço carinhoso, sempre, minha querida Débora. Obrigada. (Palmas.)
11:30
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O Deputado Orlando vai com as Mães de Maio até o Plenário 2, onde elas terão uma reunião importante da Coalizão Negra, pela luta negra. Dani já foi.
E agora vou passar a palavra para Fernanda Brito Pereira, Procuradora do Trabalho. O Ministério Público do Trabalho é importantíssimo nesse enfrentamento. Nós reconhecemos, no plano global, a exploração sexual entre as piores formas de trabalho. Mas aqui no Brasil, Sra. Procuradora, temos muitas vezes registrado que a exploração sexual não é trabalho. A exploração sexual é um grau de exploração que nega todo direito, ainda que fiquemos satisfeitas e satisfeitos em ver o Ministério Público do Trabalho sempre parceiro, e em ver, no plano global, a consideração dessa entre as piores formas de trabalho.
Passo a palavra à Sra. Fernanda, deixando-lhe meu abraço.
A SRA. FERNANDA BRITO PEREIRA - Muito obrigada.
Bom dia a todos e a todas. Inicialmente, parabenizo a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pela realização desta audiência pública, e o faço parabenizando a Deputada Vivi Reis e a Deputada Maria do Rosário, que neste momento nos preside — é uma honra estar aqui com V.Exa.
Cumprimento também o Deputado Helder Salomão, o Deputado Orlando Silva — acredito que ele já tenha se retirado do recinto. Cumprimento a todas e todos os expositores e presentes neste evento, principalmente pela oportunidade de participar deste ato tão relevante para o enfrentamento dessa mazela social que, como a Deputada acabou de expor, consiste numa das piores formas de trabalho infantil.
Quando nós pensamos na perspectiva da doutrina internacional da proteção integral de crianças e adolescentes, que são sujeitos de direitos e pessoas em fase especial de desenvolvimento, doutrina essa adotada pelo Estado brasileiro, nós percebemos que o fenômeno do trabalho precoce, normalmente chamado de trabalho infantil, revela-se como violador de direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Particularmente, não gosto muito da expressão infantil — trabalho infantil —, porque infantil é tudo aquilo que é natural das crianças, e o trabalho não é natural das crianças, apesar de estar sendo cotidianamente naturalizado.
O trabalho precoce, além de ser uma violação de um direito fundamental, o direito ao não trabalho antes da idade mínima permitida para o trabalho, ou sob determinadas condições, ele também impede a realização ou dificulta a realização de diversos outros direitos que deveriam ser resguardados, garantidos e materializados para crianças e adolescentes, como: a educação, o lazer, a convivência familiar e comunitária e o acesso à saúde e à cultura. Enfim, todos esses direitos acabam sendo violados também tanto, logicamente, pela própria ocupação advinda do trabalho quanto pelo cansaço e pelo esgotamento que esse trabalho provoca.
11:34
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Mas essa afronta é ampliada quando nós estamos diante da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, que é justamente a violência sexual que se caracteriza por envolver pagamento, dinheiro ou qualquer tipo de retribuição, como tão bem colocou a expositora que me precedeu em relação à troca de prática sexual por gasolina ou, às vezes, por um prato de comida. Enfim, isso se caracteriza por envolver qualquer tipo de retribuição ou obtenção de lucro decorrente de atividade ou disposição sexual ou pornográfica envolvendo crianças e adolescentes.
A Convenção nº 182 da OIT, que trata das piores formas de trabalho infantil e prevê ações imediatas para a sua eliminação, arrola expressamente a exploração sexual como uma das piores formas de trabalho. Eu acho extremamente relevante lembrar que, em 2020, essa convenção alcançou ratificação universal. Ou seja, todos os Estados-membros da OIT, pela primeira vez na história da organização, ratificaram uma convenção.
Apesar das normas e dos compromissos internacionais assumidos, inclusive pelo Estado brasileiro, o que nós temos na prática é que cotidianamente crianças e adolescentes são explorados sexualmente, e isso é naturalizado e invisibilizado por esse mundo que explora. Além dos riscos inerentes a qualquer trabalho, a exploração sexual de crianças e adolescentes ainda os coloca sujeitos a outros riscos: doenças sexualmente transmissíveis, gravidez precoce, estigma social, o que também já foi dito aqui, além do sofrimento psíquico, da dependência química, entre outras mazelas que decorrem da primeira.
Então, daí a urgência, para além da proibição normativa, para além da indignação e da repulsa, em que façamos bonito e tenhamos atitudes que possam deslegitimar essa prática.
O Ministério Público do Trabalho tem uma de suas coordenadorias voltada justamente para o combate à exploração do trabalho da criança e do adolescente, a COORDINFÂNCIA, criada em 2000, que tem justamente o objetivo de promover, supervisionar e coordenar ações contra as formas variadas de exploração do trabalho de crianças e adolescentes. Em 2016, essa coordenadoria instituiu e sistematizou nacionalmente o projeto intitulado Resgate a Infância, em que foram propostas três frentes de atuação coletiva para o enfrentamento ao trabalho infantil: a educação, a aprendizagem e as políticas públicas.
O primeiro eixo é o da educação, que leva o conhecimento, por meio do ambiente escolar, do que é o trabalho infantil e no que ele consiste. Quais são os prejuízos dele advindos? Isso tem uma relevância enorme, principalmente em um mundo em que mitos são divulgados a favor do trabalho infantil, apesar de ser um discurso que se volta, obviamente, para crianças e adolescentes pobres num País de desigualdade social em que não se propõe o trabalho infantil a crianças das classes mais favorecidas. Pelo contrário, para essas crianças é garantido o acesso a direitos que deveriam ser para todos, se não pelas suas famílias, pela sociedade ou pelo Estado.
11:38
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O segundo eixo de atuação do Ministério Público do Trabalho, por meio desse projeto, é o da aprendizagem, que consiste numa das principais políticas públicas de combate ao trabalho infantil por garantir o acesso protegido ao mercado de trabalho. Mas, infelizmente, essa política pública não se vê imune a ataques. Recentemente, foram publicadas uma medida provisória e um decreto que, na prática, tendem a esvaziar essa política pública tão importante que viabiliza o acesso ao mercado de trabalho a partir dos 14 anos na condição de aprendiz e que é o que chamamos de trabalho protegido.
Por fim, o terceiro eixo é o das políticas públicas, em que o Ministério Público conclama os Municípios e, quando necessário, exige deles a implementação de políticas públicas para efetivamente erradicar o trabalho infantil no seu território, políticas públicas individualizadas que visam atender as demandas daquela sociedade específica, porque é tudo muito diferente no nosso Brasil, um país tão grande e com tantas diferenças, como nós sabemos.
Para além desse projeto, no ano de 2020, o MPT instituiu um grupo de trabalho que tem por objetivo buscar um incremento da atuação do Ministério Público no combate à exploração sexual por meio da atuação em ações civis públicas a partir de provas produzidas em ações penais. Então, o que o Ministério Público está fazendo? Identificando ações penais em que tenha havido a condenação de pessoas pelos crimes de exploração sexual de crianças e adolescentes e buscando a reparação trabalhista desses crimes. Isso é uma forma de ampliar a nossa atuação e promover a reparação integral contra o crime.
Então, além de punir os responsáveis pela exploração, nós buscamos o pagamento da indenização por dano moral coletivo, em função da repulsa e dos efeitos negativos que a conduta dos exploradores causa no meio social, como também o da indenização às próprias vítimas. Para isso, nós temos buscado celebrar acordos de cooperação técnica com Tribunais de Justiça e Ministérios Públicos Estaduais para que o MPT possa ter acesso às provas produzidas nos processos criminais e não tenha que rediscutir fatos, porque, uma vez tendo a condenação criminal, os fatos ali apurados e essa condenação são levados para o meio trabalhista para buscar, então, a reparação trabalhista.
Para identificar esses processos, além do acordo de cooperação técnica, nós temos feito também pesquisas em sites dos Tribunais de Justiça para identificar acórdãos e depois buscar, então, obter esses documentos. Elaboramos uma ficha de triagem para verificar o que nos interessa realmente nos processos e para poder distribuí-los, como denúncias, dentro do Ministério Público do Trabalho a fim de promover, então, ações civis públicas para a reparação dessa mazela.
Para finalizar a minha fala, porque o meu tempo já está esgotado, eu gostaria de dizer que a incorporação da doutrina da proteção integral no ordenamento jurídico brasileiro e a existência de normas garantistas não são suficientes ainda para concretizar o direito fundamental ao não trabalho ou para evitar as suas piores formas, entre as quais se encontra a exploração sexual. Apesar de estarmos em um mundo ocidental dito civilizado, no cotidiano nós vemos crianças e adolescentes tendo suas vidas marcadas por essa mazela social.
O MPT se coloca enaltecido por estar aqui diante de instituições tão relevantes no trabalho, na proteção e na promoção de direitos de crianças e adolescentes e se coloca em prol dessa luta.
Muito obrigada pela oportunidade de fala.
11:42
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A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muito obrigada, Dra. Fernanda Brito Pereira, Procuradora do Trabalho. Na sua pessoa, eu cumprimento todos os Procuradores e todas as Procuradoras do Trabalho do Brasil e o Ministério Público do Trabalho, de um modo geral, que participa muito diretamente da proteção e da garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes do Brasil e do combate à exploração sexual e combate à exploração do trabalho na infância, adotando o conceito trazido por V.Sa. — e achei muito importante a sua reflexão.
Queremos renovar também o nosso compromisso contra a PEC 18, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça e que visa precarizar, diminuir a idade e desmontar toda a garantia de direitos das crianças e dos adolescentes de estarem protegidos da exploração do trabalho. Essas duas questões estão muito vinculadas: exploração sexual e exploração do trabalho.
Neste momento, o próximo orador a usar a palavra será a Amanda Ferreira, Secretária-Executiva da Rede ECPAT Brasil, mas quem vai coordenar aqui o trabalho é a Deputada Erika Kokay.
Antes de passar a Presidência à Deputada Erika, quero registrar a importante presença da Sra. Perla Ribeiro, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal — muito obrigada, Perla — e também da Dra. Luísa de Marillac, Promotora de Justiça da Infância do DF, e da Dra. América — quero fazer-lhe uma saudação —, que é uma lutadora. (Palmas.)
Não tenho como não me lembrar das nossas caminhadas com Neide Castanha, Deputada Erika, e dizer que, em 1993, a ECPAT Brasil inspirou-me a vir à Câmara dos Deputados — eu, como Vereadora, em Porto Alegre — porque havia aqui uma CPI instalada contra a exploração sexual de crianças, que chamavam "prostituição infantil". Não conseguíamos ouvir essa expressão, mas ela era frequentemente repetida. E daí eu vim à Câmara porque aquela CPI dizia que em alguns lugares do Brasil não existia aquela violência. Eu, de Porto Alegre, junto com o movimento em defesa dos direitos das crianças, com conselheiros e conselheiras tutelares, com Mariza Alberton, com Márcia Santana e com muitas mulheres lutadoras viemos bater à porta da Câmara dos Deputados para levar a CPI a verificar a situação da infância no Rio Grande do Sul.
Quero agradecer à ECPAT por aquela campanha de 1993 e por todos os demais momentos — e à Plan International Brasil também — que seguiram fazendo a presença da infância, o protagonismo das meninas, o direito das meninas e que chamaram a atenção do Brasil, junto com o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, para a origem da nossa consciência sobre a exploração sexual. E, ao agradecer, quero dizer da importância de movimentos como esse, que a Karina aqui da Mesa destacava: "Eu me protejo". (Palmas.)
Eu Me Protejo é uma iniciativa da sociedade. Deputada Erika e Deputado Leo de Brito, essa é uma iniciativa da sociedade, é uma cartilha feita por uma mãe, a Patricia, que, junto com a sua filha, está participando desta audiência. Essa cartilha fala com as crianças sobre o que uma criança deve fazer no momento em que lida com algo que não é carinho, que é violência. Então, muito obrigada à campanha, ao movimento Eu Me Protejo - Brasil. A Comissão faz assim junto com vocês:
11:46
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(Gesto da campanha.)
Deputada Erika e Deputado Leo de Brito, venham cá. Nós vamos fazer como o símbolo da campanha.
É assim, Patricia?
A SRA. PATRICIA ALMEIDA - Isso.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Pode falar, o ECPAT aceita também.
Nós vamos fazer assim:
(Gesto da campanha.)
Qual é o significado que tem essa mão?
A SRA. PATRICIA ALMEIDA - Eu me protejo!
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Eu me protejo. É a criança dizendo isto. Vamos dizer juntos?
(Manifestação na plateia: Eu me protejo!)
Basta de exploração e violência sexual!
Políticas públicas são direitos da infância. E nós precisamos garanti-las no Brasil, com o CONANDA, com os direitos da criança.
Muito obrigada. (Palmas.)
A Deputada Erika Kokay seguirá no comando da audiência, com o Deputado Leo de Brito.
A SRA. KARINA FIGUEIREDO - Gente, antes de a Deputada ir embora, porque eu sei que ela ainda vai viajar, nós vamos fazer a entrega da menção honrosa a ela, por sua luta histórica, nesses mais de 20 anos, no enfrentamento da violência sexual.
Que bom que temos a senhora aqui, que nos inspira sempre!
(Procede-se à condecoração.) (Palmas.)
A SRA. KARINA FIGUEIREDO - O ECPAT também quer entregar algo.
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Não acabou. A Deputada Erika está aqui. A Amanda vai falar. A Karina vai falar.
(Procede-se à condecoração.)
A SRA. KARINA FIGUEIREDO - Esta é uma menção honrosa. O ECPAT fez uma homenagem à senhora, Deputada, sabendo que são mulheres como a senhora e a Deputada Erika, que estão aqui...
A SRA. AMANDA FERREIRA - Que bom que a senhora está conosco nessa luta!
A SRA. KARINA FIGUEIREDO - Sabemos tudo o que as senhoras enfrentam no dia a dia para estar aqui nesta luta. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Maria do Rosário. PT - RS) - Muito obrigada. Isto aqui é o melhor troféu que podemos receber no mundo. Isto aqui é o campeonato mundial. Isto aqui é a medalha de ouro. Isto aqui é podermos ter uma relação com a sociedade que diga como a sociedade é importante e como nós vamos mudar este Brasil, juntos, com a sociedade brasileira.
Forte abraço e boa luta!
Viva a infância! (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Antes de passar a palavra à Amanda, eu vou passar a palavra ao Deputado Leo de Brito, do PT do Estado do Acre, para que ele também possa se posicionar.
Tem a palavra o Deputado Leo de Brito.
O SR. LEO DE BRITO (PT - AC) - Obrigado, Deputada Erika Kokay.
Cumprimento todos, todas e todes presentes aqui e dou o meu bom-dia.
Agradeço à Amanda também. Eu tenho que fazer a fala agora porque, como a Deputada Erika Kokay precisa ficar aqui na Comissão, vou ter que ir ao plenário substituí-la.
Para mim, é uma satisfação imensa estar presente, neste momento importante, nesta audiência pública.
Parabenizo a Deputada Erika e também a nossa querida Deputada Maria do Rosário, Presidente da Frente Parlamentar Mista de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, uma Frente Parlamentar que envolve inclusive Senadores.
11:50
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Também quero agradecer a todos os movimentos que estão aqui presentes, às organizações, às entidades que participam deste momento tão importante. Faço uma menção e um agradecimento também à Dulce, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre — CDDHEP, que articula o Comitê Estadual de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes do Estado do Acre, que inclusive me convidou para estar presente neste momento. (Palmas.)
Fico muito feliz de podermos estar aqui na resistência, porque este é um momento de resistência. Há aqui tanta gente boa, tantas histórias de resistência e de luta nesse tema que é tão importante, num momento em que nós temos retrocessos, infelizmente. É muito duro ter que dizer isso.
Eu estava agora no plenário, Deputada Erika — V.Exa. é um exemplo de combatividade aqui —, e estava me referindo ao chamado orçamento secreto. Hoje saiu nos jornais que esses recursos do orçamento secreto, que infelizmente é orçamento para negociatas de Deputados, para esquemas inclusive de corrupção, são maiores do que os orçamentos de Ministérios que nós reputamos importantes, como o Ministério dos Direitos Humanos, que, na verdade, está sendo destruído neste Governo. Tivemos aqui a presença de uma ex-Ministra de Direitos Humanos, a Deputada Maria do Rosário.
Isso é um exemplo muito claro de que as políticas públicas da infância, da adolescência, as políticas públicas desses sujeitos de direito, que deveriam, de fato, ter prioridade absoluta, atenção integral, como está previsto na nossa Constituição, infelizmente estão relegadas a um segundo plano, totalmente relegadas a um segundo plano. Obviamente, o tema da exploração sexual de crianças e adolescentes está conectado com essa integralidade toda, com políticas de educação, com políticas de saúde para crianças, com políticas de acesso a lazer, cultura e esporte, com políticas de assistência social, que hoje estão sendo inclusive sucateadas, com todas as políticas.
Vemos a situação que as famílias do Brasil hoje estão vivendo, com desemprego, inflação altíssima, miséria e fome. O Brasil voltou agora ao mapa da fome. Então, a situação social do nosso País é trágica. Obviamente, junto com isso, nós temos problemas, como é o caso da exploração sexual e do abuso sexual de crianças e adolescentes, cada vez mais candentes, cada vez mais expostos. E é nosso papel, enquanto cidadãos, é o papel das entidades, é o papel das instituições ter, de fato, medidas concretas e atuar de maneira muito forte.
Eu quero parabenizar aqui todas as entidades e dizer que estou junto nessa luta, venho para somar. Inclusive, tenho fortalecido lá no meu Estado as entidades. A Dulce é testemunha disso. O próprio CDDHEP temos apoiado com o nosso mandato. E vamos continuar firmes nessa luta. Espero que, nas eleições deste ano, viremos essa página nefasta que, infelizmente, nós temos hoje no Brasil. Vamos juntos fazer esse enfrentamento e garantir os direitos das nossas crianças e adolescentes!
11:54
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Um abraço.
Obrigado. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Obrigada, Deputado Leo de Brito.
Nós nos sentimos honradas com a sua atuação aqui nesta Casa, que tem sido absolutamente importante no enfrentamento a toda forma de violência sexual contra crianças e adolescentes.
Passo a palavra para a Sra. Amanda Ferreira, Secretária-Executiva da Rede ECPAT Brasil.
A SRA. AMANDA FERREIRA - Bom dia. É uma imensa satisfação estar aqui, mas também é sempre uma imensa satisfação participar de uma Mesa com a Deputada Erika Kokay. Historicamente, no meu Estado, eu tenho boas lembranças de resistência e enfrentamento à exploração sexual. Então, vê-la aqui é dizer que existimos. Estamos sempre presentes neste momento.
Eu começo a minha fala destacando este momento de resistência. Estamos vivendo um momento em que todos tentaram nos apagar e temos que começar falando dessa pauta. A Deputada Maria do Rosário trouxe a história da ECPAT no Brasil, como quem vem disseminando isso ao longo desses anos não só no País, mas também no mundo inteiro. E ela traz essa pauta para o Brasil como uma pauta prioritária para proteger meninos e meninas vítimas de exploração e de violência sexual.
Hoje, nós vivemos um momento de nos sufocar ou nos enterrar, que foi a grande campanha que fizemos no ano passado. Não só nós da ECPAT, mas também do Comitê Nacional queremos dizer a todos que querem nos enterrar que nós somos sementes. E, hoje, do Oiapoque ao Chuí, no Brasil inteiro há crianças fazendo uma florzinha, várias crianças dizendo: "Faça bonito, proteja-me". (Palmas.)
Então, não vão nos enterrar, porque nós renascemos. Nós renascemos a cada punhado de terra. A cada baque que nos dão, nós renascemos no coração de cada criança e de cada educador, que, neste momento, está em cada Município deste País conversando com suas crianças e desenhando uma florzinha para, no dia 18 de maio, irem para as ruas, para as calçadas, para as escolas e para tantos lugares dizendo: "Esta flor nos representa". Nós não somos cores, nós somos flores e nós vamos florescer este País, dizendo que as crianças têm direito e que, por mais que estejamos vivendo um momento de total decadência de proteção, de dignidade e de alimento, nós vamos superar. Isso vai passar.
Eu poderia vir aqui falar que nós estamos com o sistema todo sucateado, que nós não temos atendimento para as crianças na assistência, na saúde, na segurança pública. Eu poderia falar disso, mas eu prefiro dizer que isso vai passar. Isso vai passar! (Palmas.)
E nós vamos superar este momento. Vamos ter um novo momento de proteção para as nossas crianças e para nós também, porque nós também temos o direito de sobreviver, de viver e de respirar. A pandemia nos falou da ausência de respiração. Venho de um lugar onde o oxigênio foi o grande problema. E eu quero dizer que nós podemos respirar e que nós vamos sobreviver a essa avalanche não só da pandemia, mas de tudo o que estamos vivendo, principalmente a pandemia da fome, que se arrasta por este País.
11:58
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E quero dizer o seguinte: vamos voltar a pensar em políticas para todos! Vamos voltar a pensar em políticas para o meu Amazonas, para o Pará, para o Sul e para todos os lugares. Devemos pensar em políticas para aquele lugar, não políticas para os grandes centros.
Nós não aceitamos um plano que contemple um bolsão de todas as violências. E digo isso porque, quando você está doente, você procura um especialista; quando você tem problema no pulmão, você procura um especialista de pulmão; quando você tem um problema na cabeça, você procura um especialista de cabeça; quando você tem um problema uterino, você procura um especialista em útero. Então, não dá pra colocar as crianças num plano de enfrentamento a violências; nós precisamos que nossas crianças tenham um plano especializado de combate à violência sexual e à exploração sexual. É disso que nós precisamos.
E nós não vamos nos enfraquecer com este momento. Podem lançar tudo o que quiserem, mas vamos voltar com um plano especializado, que tanto fez e construiu neste País. Inclusive, essa lei de escuta começa a partir daquilo que pensamos há 22 anos.
Se nós temos hoje atendimento qualificado às vítimas de violência em muitos lugares, isso se dá porque nós temos pessoas. A lei se materializa nas pessoas. Em cada lugar deste País existe uma Karine, existe uma Neide Castanha, existe uma Tiana Sento-Sé, existe uma Luciana Reis, existe uma América, existe uma Erika Kokay, todas fazendo a diferença nesse lugar e materializando esse plano de enfrentamento à violência e à exploração sexual.
Então, eu não vou me alongar, porque eu acho que o que nós estamos vivendo está se acabando; e nós vamos resistir de cabeça em pé porque ainda respiramos.
Muito obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Eu tive a oportunidade de conhecer a Amanda e tantas instituições e pessoas que enfrentavam e enfrentam a violência sexual contra a criança e o adolescente no Estado do Amazonas. Estivemos algumas vezes no Estado do Amazonas.
Eu coordenei a CPI de enfrentamento à violência sexual, a última que houve aqui na Câmara. A Deputada Maria do Rosário foi Relatora de uma CPI Mista anterior, que foi muito importante para o País. Mas isso indica que nós precisamos de políticas permanentes. E eu penso que deveríamos criar uma Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente que seja permanente na Casa, para fazermos todos esses recortes.
Não podemos fazer essa discussão de forma mais articulada apenas em CPIs. Nós estamos agora apreciando na Comissão de Constituição e Justiça um projeto que diz respeito à denúncia de abuso sexual em escolinhas futebol verificada pela CPI. Os clubes, para receberem patrocínio público, teriam que assinar uma carta-compromisso com uma série de condicionantes — e isso foi em 2012, há 10 anos. Então, é preciso que tenhamos uma Comissão permanente aqui.
Mas a Amanda também coloca uma discussão que me parece fundamental, que é a de se tentar fazer um plano envolvendo todas as violências. E daí se deve retirar o recorte da violência sexual contra a criança e o adolescente, um recorte que carregue um feixe de tantas violências. Via de regra, a violência é adultocêntrica, sem nenhuma dúvida, mas também é uma violência de classes, social, étnica, enfim, uma violência que se expressa das mais variadas formas.
12:02
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Então, ao enfrentar a violência sexual contra a criança e o adolescente, enfrentam-se inúmeras violências que se expressam e têm como sintomas esse grau de violência que atinge nossas crianças. E é preciso ter muita atenção, primeiro, com um conjunto de políticas públicas. Um plano tem que ter intersetorialidade, territorialidade e o protagonismo das crianças e dos adolescentes, que devem ter um espaço de fala e de expressão, espaço fundamental para a construção de um enfrentamento a uma sociedade que tem tantas neocolonialidades. Nós estamos vivendo a reedição, o retorno do colonialismo, indicando que não fizemos o luto dele. E esses aspectos vão voltando aos pedaços, assim como a escravidão.
Portanto, penso eu que nos devamos posicionar contra essa diluição ou esse plano global, retirando o recorte específico do plano de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes. Acho que podemos apresentar uma moção a esta Comissão, para termos um posicionamento desta Comissão, a Comissão de Direitos Humanos, contrária a essa modificação.
Temos de trabalhar na capilaridade dos planos. Todo Município tem que ter seu plano, assim como os Estados. E o Governo Federal também tem que ter um plano de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes.
E penso eu que temos de criar uma proposição que possibilite o monitoramento do plano. E deve haver a responsabilidade do gestor para implementá-lo, porque também de nada vale haver planos que não saiam do papel. Um plano deve ter responsáveis, prazos e ritmos a serem estabelecidos. E planos precisam ter mecanismos de responsabilização. Ou seja, o Estado tem que dar conta se está ou não implementando o plano. E deve haver comitês intersetoriais, obviamente, ou conselhos. Nós temos conselhos, inclusive, com essa perspectiva. Mas deve haver uma construção permanente com a participação da sociedade civil.
Penso que temos de avançar na construção dos planos e, a partir dessa construção, na fiscalização, tal como existe no Plano Plurianual e outros. Ou seja, há a necessidade de o gestor ir ao Legislativo da sua esfera, seja municipal, seja estadual, seja federal, para apresentar o cumprimento do plano e ser responsabilizado se não o cumpriu, para que possamos fechar um pouco essa discussão acerca do enfrentamento da violência sexual.
E digo isso porque vemos ataques que são pontuais também. O que é o "escola amordaçada"? Ele fere um dos principais elos de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, que são as escolas. Quando não se coloca a criança no orçamento, fragilizam-se as políticas públicas. As crianças precisam estar no orçamento, para que as políticas possam se efetivar.
Portanto, são essas todas as construções que precisamos fazer.
Lembro o dia 18, quando haverá o "Faça Bonito". E sempre nos lembramos da Neide Castanha — sempre. O Drummond diz que "a saudade não é ausência, é presença". E ele diz isso porque a pessoa está sempre junto, sempre conosco. Eu me lembro de quando foi pensada a imagem da margarida e o slogan "Faça Bonito". Ou seja, por tanto tempo nós lutamos para fortalecer os slogans "Denunciar é proteger", "Calar é consentir". E assim o fizemos para estimular a denúncia. Aumentamos o número de denúncias, mas é preciso trabalhar com os fluxos e o controle de como estão sendo atendidas essas denúncias, de qual atendimento se tem.
12:06
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Eu costumo contar uma história que nunca vou esquecer. Na CPI, uma menina de uma cidade do Nordeste disse o seguinte: "A minha vida acabou. Eu não sou mais pura. Eu não tenho mais vida". E ela estava com 13 anos. Essa menina tinha 11 anos, quando recebemos a denúncia da violência sexual que ela sofreu. E nada tinha caminhado, nem o projeto de responsabilização, pela delegacia, muito menos ela havia sido atendida...
E eu fico, às vezes, me perguntando sobre o balanço que fazemos com a retirada do Programa Sentinela. Então, qual é o balanço que se faz? Será que um equipamento para atender todas as violações de direito de todas as pessoas não dilui o foco no enfrentamento?
Essas são coisas que temos de discutir, para que possamos sugerir — e aí eu desafio todas e todos que estão construindo esta audiência pública — e, inclusive, fazer uma proposta para encaminhar aos que se candidatam à Presidência da República e também aos Governos das nossas Unidades da Federação, para pontuarmos o que nossa experiência diz.
Não dá para ficarmos achando que há naturalidade ou normalidade em uma situação em que, no Brasil, a cada hora, pelo menos quatro meninas de até 13 anos são vítimas de violência sexual.
E precisamos ter dados. Esse Governo promoveu um apagão de dados. Não temos dados. Na saúde mental, por exemplo, acabaram os dados. Não se tem dados. Desde 2015, se não me falha a memória, a saúde mental em dados não existe mais. Então, não se tem dados. Se não houver dados, primeiro, não se faz diagnóstico com precisão. Ao não se fazer diagnóstico com precisão, também não se pontuam políticas públicas com precisão. Então, é preciso ter dados, para que se possa trabalhar um sistema.
Eu acho que tínhamos de tentar construir um sistema único de direitos das crianças e adolescentes; seria um "SUCA, Sistema Único de Crianças e Adolescentes". E digo isso porque em todos os Estados e Municípios existe algum órgão que lida com a política de defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Precisamos, portanto, unificar esse sistema, inclusive para unificar os dados. Com a implementação efetiva do SIPIA, enfim, com os equipamentos existentes — conselhos tutelares e tal —, precisamos também construir redes mais fortalecidas.
A rede se estabelece, mas precisa ser fortalecida. Refiro-me às redes que envolvem o Ministério Público. E aqui temos a presença da Dra. Luísa de Marillac, que é pura Ivone Lara. (Palmas.)
E digo que ela é Ivone Lara porque todas as vezes em que há violação de direitos de crianças e adolescentes é como se ela dissesse assim: "Foram me chamar, eu estou aqui; o que é que há?"
Então, é uma alegria tê-la aqui, Dra. Luísa de Marillac. "Foram me chamar, eu estou aqui; o que é que há?" Também me refiro a todas e todos os que aqui estão e têm esse compromisso.
12:10
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Dando continuidade à nossa audiência, passo a palavra à Karime Mouta, Coordenadora do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Emaús, do Movimento República de Emaús. Ela vai conversar conosco on-line.
A SRA. KARIME FERREIRA MOUTA - Bom dia a todos, a todas e a todes.
Quero dizer da alegria do Movimento de Emaús em poder participar deste momento, deste debate, com essa temática que é causa da missão do Movimento de Emaús. Lutamos por essa temática e a defendemos desde o início desse nosso movimento que perdura por mais de 50 anos.
Quero registrar a presença do Padre Bruno Sechi, nosso fundador. O Padre Bruno está sempre presente.
Para iniciar, eu gostaria de subscrever a fala da nossa companheira Irmã Henriqueta, aqui de Belém do Pará, da Amazônia, quando ela fala da importância de nós pensarmos esse enfrentamento a partir das nossas condicionantes regionais.
Nós somos povos amazônidas e somos diversidade pura. Nós não somos um povo amazônida, nós somos povos amazônidas. Então, nós temos condicionantes muito específicas, que precisam ser observadas em qualquer planejamento para o enfrentamento das violências que vêm se perpetuando contra crianças e adolescentes, especialmente a violência sexual, que tem um recorte fundamentalmente nas desigualdades sociais, tem um recorte de classe e de gênero muito importante.
Quando se fala na criação de um plano nacional de enfrentamento, é necessário que sejam observadas essas especificidades regionais, passando pela questão cultural, porque temos condicionantes de desigualdades sociais que acabam perpetuando condicionantes culturais de violação de direitos de crianças e adolescentes. Por isso, a nossa proposição vai muito no sentido de se pensar sempre em uma perspectiva de diversidade.
Nós aqui na Amazônia temos que lidar, para além da desigualdade social, com os aprofundamentos dessas desigualdades por atividades que continuam acontecendo — agora de forma muito mais intensa —, a exemplo do garimpo ilegal, que tem como consequência direta a violação de direitos de crianças e adolescentes.
Nossos povos indígenas estão sendo massacrados pelo agro, que não é top e não é pop, por esse avanço, de alguma forma e em alguma medida legitimado, do garimpo e dessas práticas de destruição das nossas florestas.
Então, nós temos toda uma perspectiva de especificidades muito diversas, que precisam ser consideradas. É necessário considerar essas diversidades, essas especificidades, inclusive para o fortalecimento da rede, porque nós temos uma rede desfortalecida, uma rede desarticulada. Nós temos vários atores fundamentais no enfrentamento não só da violência sexual, mas de todas as violências de que as nossas crianças são acometidas, como, por exemplo, os Conselhos Tutelares, que não estão equipados, estão fragilizados e não conseguem ajudar essas crianças a ressignificar a violência que elas vivenciam.
12:14
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Então, nós precisamos pensar sempre que, em qualquer política de enfrentamento da violência contra a criança e o adolescente, especificamente a violência sexual, nós também temos um recorte de gênero muito forte, que é um desdobramento da nossa sociedade patriarcal, ainda muito misógina.
Nós temos que lutar para que seja inserido, por exemplo, na grade curricular das escolas da educação infantil, o estudo dos direitos sexuais, o estudo de gênero. Nós precisamos investir na formação de meninos que se coloquem na posição de enfrentamento das desigualdades de gênero. E nós precisamos fazer isso a partir de um investimento desde a base. Nós precisamos investir nas nossas crianças para que possamos promover um processo de transformação social.
Sabemos que, infelizmente, não se muda a cultura a partir de decretos. A despeito do nosso avanço legislativo significativo, nós precisamos investir na transformação cultural a partir de políticas de enfrentamento da violência sexual e também da violência de gênero, da desigualdade de gênero e da desigualdade racial, porque infelizmente tudo está inter-relacionado. Nós precisamos trabalhar de forma intersetorial, multidisciplinar, trazendo todas essas questões para o debate, porque elas são pautas que se atravessam.
O meu tempo está acabando. Eu gostaria mais uma vez de agradecer, em nome do Movimento República de Emaús, e dizer que nós estamos aqui a postos para continuar lutando pelo direito de crianças e adolescentes. Chamamos a sociedade paraense e todos nós para nos unirmos neste ano, que é um ano de virada na luta pelos direitos de crianças e adolescentes e pelos direitos da população brasileira, especialmente da população periférica, que tem sido vulnerabilizada e violentada nos últimos anos.
Saúdo a nossa Deputada Vivi Reis, uma mulher amazônida e periférica que está nos representando lindamente.
Vamos em frente. Estamos aqui com força e disposição para continuar nesta caminhada.
Padre Bruno, presente!
Obrigada. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Erika Kokay. PT - DF) - Presente!
Antes de passar a palavra para a Coordenadora do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente, vou passar a Presidência para a Deputada Vivi.
Como ela já disse aqui, aprovamos, nesta Comissão, uma diligência para o Estado do Pará, particularmente para a Capital, Belém, para tratar da violência sexual contra crianças e adolescentes. Precisamos nos organizar para ir lá.
12:18
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Estamos vivenciando um fato assustador, que é essa tentativa de arrancar de dentro do próprio corpo a condição indígena, arrancando a sua terra, o que vai se expressar também como um aumento da violência sexual.
Aqui foi aprovada uma Comissão Externa que pode fazer um diálogo com essa diligência. Nós queremos ir ver os povos indígenas, particularmente o povo ianomâmi, para que possamos nos posicionar, a partir dessa diligência. Está prevista uma diligência da Comissão de Direitos Humanos que me parece que vai ser em Boa Vista, em parceria com a Comissão de Direitos Humanos do Senado, mas existe a Comissão Externa da Câmara. Nós provavelmente vamos fazer diligências. Uma Comissão Externa não faz só diligências, faz também audiências públicas, reuniões e uma série de atividades. Nós queremos trabalhar para ir, provavelmente no dia 23 — tudo será organizado pelos próprios povos indígenas —, fazer essa discussão nesses territórios.
O Brasil está vivenciando uma profunda situação de violência, muita violência, violência contra os corpos, contra os direitos. Há uma necropolítica que atinge corpos específicos de forma mais violenta. Todos os momentos de violência carregam violência de gênero e carregam violência adultocêntrica. Todos os momentos de violência carregam, em especial, esse recorte de introduzir violência de gênero. Nós tivemos isso no colonialismo, na escravidão, na ditadura e nos pedaços desta que estão em nossa contemporaneidade, muito avivados por quem ocupa a Presidência da República. Há um hálito de morte que aviva os pedaços dos períodos traumáticos da nossa própria história.
Nós estamos absolutamente empenhados em fazer essas diligências. Mas podemos tentar, Deputada Vivi, também fazer uma interação de todas essas ações. São ações com as crianças ianomâmis, ações contra abuso sexual no Estado do Pará, em Belém. Mas podemos tentar depois fazer uma discussão com a Comissão de Direitos Humanos, com a Comissão Externa dos povos ianomâmis e com outras Comissões que estejam discutindo essa temática, ainda que de forma pontual.
Deputada Vivi, também precisamos fazer um grande movimento para que exista uma Comissão Permanente aqui em defesa dos direitos da criança. Conseguimos uma para as mulheres, uma para os idosos, uma para pessoas com deficiência. Isso tudo foram conquistas para fazer recortes para aprofundar a atuação do Poder Legislativo, desta Casa. Também precisamos trabalhar nessa perspectiva de uma Comissão Permanente para a defesa dos direitos das crianças — não uma Comissão Externa, não uma Comissão Parlamentar de Inquérito, não uma Comissão transitória, mas uma Comissão Permanente que dialogue com todos esses outros instrumentos de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes.
Então, faço dois movimentos: passo a palavra para a Karina Figueiredo, que é Coordenadora do Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, e passo a Presidência para a Deputada Vivi Reis. (Pausa.)
12:22
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Antes, porém, deixem-me ler o que acabo de receber:
O Comitê Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes e a Rede ECPAT Brasil atribuem menção honrosa à Deputada Erika Kokay pela contribuição e atuação nos 20 anos de mobilização quanto ao enfrentamento à violência sexual, alusiva ao 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes. (Palmas.)
Muita gratidão!
A SRA. KARINA FIGUEIREDO - Primeiro, quero agradecer a possibilidade de voltar a esta Casa depois desses 2 anos de pandemia. Agradeço por estarmos vivos e vivas, depois de todo esse turbilhão que vivenciamos, diante da existência de várias formas de morrer, não só a COVID, mas também a necropolítica, como a Deputada bem citou.
Quero saudar todos os presentes aqui nas pessoas dos dois adolescentes: o Erik, que representa os adolescentes da comissão de participação do nosso Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal, e a Sara, que é uma adolescente que está sempre conosco nas mobilizações e que vai ser delegada na Conferência de Saúde Mental. (Palmas.) Estamos levando a pauta aí e garantindo a participação das crianças e dos adolescentes nesse lugar também, porque os processos de saúde mental têm uma relação muito próxima com as violências, principalmente com a violência sexual.
Nós do comitê estamos muito felizes por estar aqui. Numa conjuntura tão difícil, como já foi colocado aqui por todos os que me antecederam, conseguir ver, como estamos vendo nas nossas redes sociais, o que nos tem chegado do Brasil todo, a mobilização acontecendo de fato, o pessoal voltando para a rua, voltando para as atividades, tornando a escola um lugar de mobilização, assim como o CREAS, o CRAS, a comunidade, nos deixa muito felizes e nos faz ver que vale a pena seguir na luta. Precisamos seguir resistindo, como disse a Amanda, para que a nossa flor, como semente, possa estar presente em todo o Brasil.
Pensando nesses 22 anos, passa um filme na nossa cabeça, não é, Perla? Todos nós que vivemos esses anos, como Neusa, Renata, Luciana, América, Assis, Giliard, bem como as pessoas que estão chegando agora, como Patricia e Débora, fizemos tantas ações importantes ao longo deste País! Então, eu acho que nós também precisamos, neste 18 de maio, referenciar a nossa luta, referenciar a nossa história. Se hoje existe algum nível de enfrentamento da violência sexual nos Estados e nos Municípios, isso acontece porque nós fizemos essa luta, porque nós nos organizamos, porque nós fizemos pressão para que houvesse planos municipais, para que houvesse o atendimento de serviços, para que houvesse delegacias, para que se mudasse a legislação, para que essa pauta chegasse à Região Norte, onde as obras estavam e onde estão os povos indígenas e as populações ribeirinhas. Então, para nós, é muito importante também referenciar essa história, porque ela foi construída a muitas mãos, com muito trabalho e com muita força dos nossos militantes que estão espalhados pelo Brasil afora, a quem quero referenciar também. Eu sei que, neste 18 de maio, sem nenhum real — não há orçamento para infância e adolescência neste País, não há orçamento federal, estadual e municipal —, mesmo sem orçamento, estão fazendo a sua florzinha de papel e indo para a rua, estão fazendo a sua florzinha de papel e sentando com as crianças na escola para dizer: "Você precisa se proteger".
12:26
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Aqui está a Patricia para dizer: "Você tem como fazer", "Estamos com você", "Você precisa ter essa informação para a autoproteção". A Patricia está fazendo material aqui com recurso dela, porque não temos orçamento. Então, para nós, é muito importante referenciar este momento.
Estar aqui com você, Renata, e ter o privilégio de ver o lançamento do seu filme neste momento é muito rico para nós e nos dá força para dizer que aquelas vidas, aquelas histórias que você ouviu há 20 anos e transformou num filme vão, sim, contribuir para que muitas outras vidas e muitas outras histórias possam ser reveladas, possam ser olhadas, possam ser cuidadas. Eu fico muito grata de poder compartilhar com você essa trajetória, lutar ao seu lado, porque sei que você é uma guerreira.
Vamos, gente, para o cinema assistir o filme! Estaremos aqui no DF no dia 20, mas estaremos também no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em São Paulo. O filme Se eu contar, você escuta? foi feito pela Renata a partir da história dessas meninas, que hoje são mulheres.
Quero agradecer à frente parlamentar. Se nós temos hoje a possibilidade de estar aqui, é porque temos Parlamentares que ainda colocam o seu mandato à disposição da luta, colocam o seu mandato à disposição da construção dos direitos de crianças e adolescentes.
Estar aqui com o CONANDA, Diego, é uma alegria muito grande, porque nós sabemos todo o ataque que o CONANDA viveu esses 2 ou 3 últimos anos e o quanto foi difícil garantir que ele continuasse existindo. Então, estar aqui hoje com o Diego como Presidente do CONANDA, representando a sociedade civil, é um ato de luta e de resistência para nós. (Palmas.)
Como disse a Amanda, nós vamos continuar resistindo, vamos povoar o Brasil inteiro com a nossa flor, com a nossa semente, porque precisamos continuar na luta, mais do que nunca. A realidade nos chama para continuar na luta.
12:30
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Eu sei que estamos cansados. São 22 anos. Eu falo: "Gente, eu quero parar". Vou fazer 50 anos. Falo que vou dar uma descansada, mas não dá, a luta não permite que descansemos. Nós precisamos seguir, e essa luta precisa seguir com cada um de nós. A partir do lugar que estamos, precisamos, a cada ano, renovar o nosso compromisso ético com a luta contra a violência sexual, com a luta pela promoção dos direitos da criança e do adolescente.
E eu sei que todo mundo que está aqui ou que está nos acompanhando tem esse compromisso. Precisamos renová-lo. Precisamos renová-lo a cada ano. Apesar dos desafios que vivenciamos, precisamos renová-lo. É isso. Vamos continuar fazendo bonito, vamos seguir construindo a história deste País. Eu tenho certeza de que, daqui a uns anos, vamos conseguir ter um cenário muito melhor, apesar dos retrocessos.
Gratidão! Vamos lá. (Palmas.)
Gente, sigam as redes sociais do Faça Bonito. Vamos ver tudo que está sendo postado lá sobre o 18 de maio. Estão lindas as coisas. Vamos lá!
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Sra. Karina.
Nós vamos passar a palavra ao nosso último convidado, o Sr. Itamar Gonçalves, representante da Coalizão pelo Fim da Violência. Logo em seguida à fala dele, eu vou trazer algumas propostas de encaminhamentos. Acredito que não podemos sair de uma audiência pública sem alguns encaminhamentos concretos, sem algumas ações a serem tomadas por parte desta Comissão. Se alguém tiver alguma proposta de encaminhamento, pode trazê-la, para que possamos organizar e apresentá-la ao final da fala do Sr. Itamar.
O SR. ITAMAR GONÇALVES - Bom dia. Agora já é boa tarde, não é?
Eu quero cumprimentar todos, todas e todes, na pessoa da Deputada Vivi Reis. É um privilégio poder falar na sequência da nossa Coordenadora do Comitê Nacional, a Karina, amiga, militante e ativista, que trouxe essa linha do tempo para nós, assim como a Dani e a própria Amanda, falando do que foi e do que é esse nosso trabalho cotidiano no enfrentamento das violências.
Hoje eu falo de um lugar diferente. Estou falando aqui pela Coalizão Brasileira pelo Fim da Violência contra Crianças e Adolescentes, que é um grupo formado por organizações, fóruns e redes, dedicado à prevenção e ao enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes no Brasil. Esse grupo tem origem lá em 2017, quando passou a articular a adesão do Governo brasileiro numa parceria global pelo fim da violência contra crianças e adolescentes. Essa iniciativa tem início na Organização das Nações Unidas, em 2016, e é totalmente voltada à promoção de ações direcionadas ao alcance da Meta 16.2 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável — ODS, para acabar com abuso, exploração, tráfico e todas as formas de violência e tortura contra crianças e adolescentes.
No início, em 2018, nós apresentamos ao Governo brasileiro essa proposta da Coalizão, que, mais especificamente, era uma carta-manifesto ao Governo Federal, que aderiu a essa parceria global, e o Brasil se tornou um país pioneiro nessa iniciativa.
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Atualmente, a Coalizão vem fazendo gestão, principalmente junto ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, pela construção de um plano nacional de ação que concretize essas ações. Estamos aguardando essa devolutiva para que consigamos incorporar o Brasil como signatário dessa ação, que é uma ação global.
Na carta que foi enviada ao Ministério dos Direitos Humanos lá em 2018, essas organizações, fóruns, na verdade, pediram, dentre os compromissos, inicialmente, um compromisso público nacional e internacional do Estado brasileiro na parceria global pelo fim da violência contra crianças e adolescentes por meio de um manifesto formal.
Outro pedido feito foi o fomento e a efetivação das leis vigentes que buscam proteger as crianças e adolescentes de todas as formas e o fortalecimento das políticas públicas de apoio às famílias e aos responsáveis em seu papel protetivo.
No entanto, nós temos dados de que o Brasil, embora tenha leis bastante avançadas que impõem bastantes desafios, inclusive copiado por outros países, é péssimo ao implementar as leis. Nós, muitas vezes, através dessa legislação, não conseguimos desdobrar isso no âmbito da criação de políticas públicas que assegurem direitos, como já foi dito aqui pela Irmã Henriqueta e pela própria Deputada Maria do Rosário. A própria Deputada Erika Kokay traz essa menção da política pública no sentido de efetivar programas e planos transformados no orçamento, com orçamento destinado para implantação dessas ações.
E outro pedido feito ao Governo Federal foi a elaboração de um plano nacional de estratégias sistêmicas, intersetoriais e interministeriais para a redução das taxas de letalidade por todos os tipos de violência contra crianças e adolescentes, com atenção especial para as questões de vulnerabilidades decorrentes das situações econômicas, também já retratadas inclusive na fala da Amanda, a questão de etnia, de raça, de deficiência, identidade de gênero, orientação afetivo-sexual, além de outros marcadores relevantes para a construção de uma estratégia interseccional no enfrentamento da violência.
Outro ponto que aparece nessa carta e que destaco é a própria destinação prioritária de recursos orçamentários para prevenção, promoção e proteção dos direitos de crianças e adolescentes, para as políticas de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes.
Nós sabemos, considerando um levantamento feito pela sociedade civil ainda nos idos de 2007 e 2008, que temos três grandes gargalos, que, infelizmente, ainda nos acompanham.
Um dos gargalos é exatamente a falta de uma política de prevenção à violência sexual contra crianças e adolescentes. Um outro grande gargalo identificado é a falha na integração dos diversos serviços da rede de proteção, o que termina, muitas vezes, por revitimizar as crianças e os adolescentes. Agora nós temos, como a Amanda citou, a Lei da Escuta Protegida, em benefício de crianças e adolescentes, e é um grande desafio a sua implementação em todos os Municípios. Se, por um lado, o sistema de justiça e segurança pública é parte dessa rede de proteção, por outro lado, ainda é hercúleo, é muito grande o desafio para a implementação da lei pelos Municípios, como se isso fosse facultativo. É uma lei federal que trata da proteção de crianças e adolescentes, a partir do momento que se revela a violência sofrida. Aproveito o ensejo para destacar o trabalho realizado por Renata Coimbra e o lançamento do seu filme, Se eu contar, você escuta? Eu já tive acesso ao trailer, também exibido no início dos trabalhos aqui. O filme trata de como nós falhamos na proteção de cada uma dessas crianças e adolescentes, no caso dela, das adolescentes que à época recorreram aos serviços da rede de proteção.
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Eu queria também lembrar neste momento uma fala de nossa querida e saudosa Neide Castanha, de maio de 2008. Ela disse que tratar a violência sexual como uma questão pública leva à compreensão da dimensão de um fenômeno social que se constrói com múltiplos elementos e que envolve aspectos culturais, sociais, econômicos e políticos e se expressa nas relações sociais de classe, gênero, raça e etnia, como já foi dito também por pessoas que me antecederam aqui. A Neide dizia ainda, lá em 2008, que, a retomada da democracia em nosso País, entre Governos e sociedade civil, no campo das políticas sociais, fez com que tivéssemos um crescimento do movimento social, portanto, do movimento de defesa de crianças e adolescentes e de seus direitos. Acho que as falas de Karina e Amanda foram nesse sentido.
Portanto, a luta em defesa da democracia e de conquistas no campo de direitos humanos é estratégica. Temos de participar, como sociedade civil, na proposição de leis e de programas que assegurem direitos e, como a própria Deputada Erika Kokay disse em sua fala, com acompanhamento, com fiscalização, com responsabilização na execução dessas políticas sociais. Assim, o 18 de maio, esse Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que foi instituído por uma lei federal lá em 2000, é uma conquista que demanda acompanhamento, que demanda a nossa fiscalização, para que tenhamos os direitos humanos de crianças e adolescentes em todo o território brasileiro garantidos. Hoje, felizmente, neste dia 18 de maio, como já foi relatado, a campanha ocorre do Oiapoque ao Chuí. Eu queria dizer também que, infelizmente, por muito tempo, principalmente até a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, a nossa sociedade negava as práticas criminosas cometidas contra crianças e adolescentes. Isso também foi retratado aqui pela Luiza, da UNICEF, que falou sobre a normalização das violências. Olhem só, nós temos 22 anos da campanha e 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, e, infelizmente, os indicadores da violência sexual continuam crescendo — são indicadores que nós nunca conseguimos baixar —, com exceção desse período da pandemia. Em uma pesquisa bastante importante produzida e conduzida pelo Comitê Nacional, vemos a situação dos casos que não chegaram ao conhecimento das autoridades. Os números retratam essa situação. É uma preocupação para nós da sociedade civil organizada o número de crianças que não conseguiram uma notificação, não puderam realizar a denúncia. Muitas dessas denúncias são feitas por uma importante rede, por um importante sistema, que é o sistema de educação. Mas as aulas não estavam acontecendo ou estavam acontecendo a distância. Esse foi, de fato, um ponto que chamou a atenção nessa pesquisa.
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O nosso desafio, dentre tantos, é, portanto, ter uma política pública estrutural de prevenção às violências que seja condizente com essa situação de crise sanitária por que passamos e que leve à luta em defesa dos direitos de crianças e adolescentes, para que cada criança e cada adolescente possa crescer de forma protegida e se desenvolver de forma segura, livre de violência, em especial a violência sexual. Lugar de criança é no orçamento público, como também já foi dito aqui.
Portanto, a Coalizão Brasileira vai fazer bonito. Estamos juntos pela concretização das ações do Plano Nacional e no apoio à divulgação da campanha Faça Bonito: Proteja nossas Crianças e Adolescentes!
Comitê Nacional, ECPAT, Deputados da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, nominalmente, Karina e Amanda, estamos juntos.
Como diria a nossa saudosa Coordenadora Neide Castanha, "esquecer é permitir, lembrar é combater".
Muito obrigado.
Um abraço no coração de todos.
Estamos juntos, livres de violência.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Muito obrigada, Sr. Itamar.
Estamos nos encaminhando para o final dos nossos trabalhos.
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Eu recolhi algumas demandas. Nós temos aqui várias denúncias, vários casos que precisam ser pensados na sua totalidade. Acho que seria interessante — lá vou eu dar trabalho. Vocês sabem que sou boa de dar trabalho — que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias fizesse um requerimento de informação ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que, como sabemos, não tem política para defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes — ou melhor, tem uma política, sim, mas é contrária a esses direitos. A ideia é enviar ao Ministério um requerimento de informação com perguntas sobre o subfinanciamento e a falta de prioridade das políticas públicas de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Tenho até algumas sugestões de perguntas que poderiam ser feitas — não necessariamente serão essas. Por exemplo: quais foram as políticas públicas implementadas pelo Ministério no que tange ao enfrentamento à violência e à exploração sexual de crianças e adolescentes durante a pandemia da COVID-19? Considerando a redução do número de notificações sobre a violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes, quais as medidas concretas adotadas pela Pasta? Qual foi a razão para a descontinuidade do Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes? (Palmas.)
Isso já contemplaria o que a Deputada Erika Kokay falou e o que a Sra. Amanda reforçou sobre quererem tirar a especificidade da política. A resposta a essa pergunta nos traria elementos que depois nos possibilitariam o enfrentamento a essa política do Ministério.
Considerando a previsão constitucional que prioriza crianças e adolescentes na elaboração de políticas públicas e na destinação de recursos do Orçamento da União, quais foram os investimentos da Pasta nos anos de 2019, 2020 e 2021 nessa temática e qual é a previsão para 2022? Considerando a importância da educação sexual para crianças e adolescentes, quais são as políticas públicas executadas pela Pasta?
Essas são algumas das sugestões...
(Intervenções fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - É importante incluir também um questionamento sobre a mudança do Disque 100, para entendermos por que ele não é mais efetivo e por que não há mais dados por parte do Governo Federal. Vamos incluir mais essa pergunta.
Há mais alguma sugestão? Falem no microfone, por favor.
(Não identificado) - A comissão intersetorial que fazia o monitoramento e a avaliação do plano, sob a coordenação do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, apresentou seu relatório para o CONANDA, foi destituída e não foi refeita.
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Perfeito. Vamos fazer o seguinte: peço às entidades e aos movimentos que tenham interesse que nos enviem seus questionamentos. Nós recolheremos esses questionamentos. Somados aos que já foram pensados pela Liderança do PSOL, comporão o nosso requerimento de informação. Acredito que esse é um passo importante, porque, com essas informações, nós podemos organizar as nossas lutas, fazer as devidas denúncias e pensar um calendário de ações para essa política no âmbito nacional e também, posteriormente, pensar na organização local dos Estados e Municípios quanto ao combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Então, pode ser esse o encaminhamento?
(Intervenções fora do microfone.)
A SRA. PRESIDENTE (Vivi Reis. PSOL - PA) - Perfeito.
12:50
RF
Antes de encerrar a nossa audiência pública, quero falar da importância e da atenção que Deputados e Deputadas dão a essa temática. Nós sabemos que o ideal é exigir o financiamento por parte do Governo. Mas, sabendo de sua inoperância, da falta de prioridade, o nosso mandato já tem se comprometido.
Nós indicamos emendas parlamentares para as escolas que atuam em parceria com conselhos tutelares e com a Universidade Federal do Pará — isso pode servir de exemplo para outros Municípios e Estados que têm Deputados e Deputadas parceiras. Também temos uma emenda parlamentar que será executada pelo Movimento República de Emaús, em parceria com a Universidade Federal do Pará, para a criação do Museu da Infância. (Palmas.)
Essas são algumas das iniciativas que nós temos no nosso mandato que mostram a nossa prioridade na destinação de emendas parlamentares. Eu poderia citar outras tantas, mas estou dando destaque a essas.
Seria importante que outros Deputados e Deputadas, de outros Estados do nosso País, também observassem essa prioridade na indicação das emendas parlamentares.
Eu agradeço a presença e as valiosas contribuições de todas e de todos.
Nada mais havendo a tratar, encerro a presente audiência pública, antes convocando reunião deliberativa para a próxima quarta-feira, 18 maio de 2022, às 14 horas, no Plenário 9, e também audiência pública destinada a debater o marco legal dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana para a próxima quarta-feira, 18 de maio de 2022, às 15h30min, no Plenário 9.
Informo que, conforme combinado, após o encerramento desta reunião, nós vamos ouvir os adolescentes presentes em nossa audiência pública.
Está encerrada a reunião.
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