4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Cultura
(Audiência Pública Extraordinária (semipresencial))
Em 13 de Julho de 2022 (Quarta-Feira)
às 15 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Declaro aberta a reunião de audiência pública para debater sobre a situação do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo e do Centro de Pesquisa e Acervos, que deve ser construído nas docas, Zona Portuária do Rio de Janeiro, em atendimento ao Requerimento nº 6, de 2022, de minha autoria.
Inicialmente, eu gostaria de cumprimentar todas e todos os presentes, em especial as senhoras e os senhores expositores.
Este é um debate importante e ele faz-se necessário. Nós estamos inteirados da situação do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo e também do Centro de Pesquisa e Acervos, que deve ser construído nas docas, nessa nossa querida Zona Portuária do Rio de Janeiro.
Como nós sabemos, o Cais do Valongo é reconhecido desde 2017 como patrimônio mundial pela UNESCO. É importante, porque há uma recomendação no que diz respeito ao reconhecimento desse patrimônio, bem como dos remanescentes dos 41 trapiches ao longo da Rua Sacadura Cabral. Nós sabemos que implantar as condições para a preservação desse patrimônio é um processo de salvaguarda, e nós precisamos de uma gestão dos bens materiais e imateriais afro-brasileiros.
Eu dizia há pouco, ao conceder uma entrevista, que existe um abandono, existe uma exclusão, nesse contexto ideológico muito hostil à valorização da cultura e da história negra. Ainda ficamos perplexos ainda, depois de tantos e tantos anos, em ver que nesses últimos 3 anos e meio o abandono do Cais do Valongo foi realmente total. Nós sabemos que o Governo Federal tem essa responsabilidade, já que o Comitê Gestor do Sítio Arqueológico, criado em 2018, é extinguido por um decreto do Presidente. Isso é muito forte para os pesquisadores e para aquelas e aqueles que têm responsabilidade com o Estado brasileiro, que não pode colocar, de forma nenhuma, em risco a manutenção de seus acervos cujo valor é inestimado. Há fatos que comprovam isso. A exigência da UNESCO é exatamente para que esse sítio mantenha o título de patrimônio mundial. Patrimônio mundial é, na verdade, um reconhecimento importante para o funcionamento do comitê.
Nós sabemos que a União ainda não apresentou um plano de gestão e ainda não foram dedicados os recursos para a construção. Então, nós dedicamos este momento à discussão da gestão do espaço, como viabilizá-lo, e dos recursos, buscando flexibilizar as burocracias que sempre existem, para que se dê andamento à execução das etapas. O Ministério Público, já em 2021, no ano passado, denuncia essa decisão, a fim de que o comitê seja restituído. Este intento, de não termos o comitê, não pode prevalecer, porque ele exclui, na verdade, a sociedade civil do Comitê Gestor do Sítio Arqueológico.
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Portanto, baseada nessas informações e baseada também no fato de estar moradora do Estado do Rio de Janeiro, carioquíssima, senti, então, a necessidade de realizar esta audiência pública, como fazemos com todos os nossos projetos, programas, tombamentos e patrimônios culturais. Nesse sentido, nós não podemos desvalorizar, de forma alguma, essa história, que merece muito respeito e é uma memória da população negra. Afinal de contas, nós estamos falando da maioria da população brasileira. Não é possível que, com o trabalho de grandes pesquisadores, até mesmo de representantes do próprio Ministério Público, da área federal e de outras instâncias, neste momento esteja sendo descumprida uma das razões pelas quais a UNESCO tornou-o patrimônio mundial.
Dito isso, eu quero avançar um pouco com vocês sobre as normas para o debate.
Os expositores disporão de 5 minutos para as suas explanações. Não se frustrem, porque nós temos 3 minutos no plenário para falar do Brasil inteiro.
Eu queria já anunciar os convidados e as convidadas desta audiência: Sra. Tania Andrade Lima, arqueóloga especializada em arqueologia pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1980, doutora em Ciência e Arqueologia pela Universidade de São Paulo, em 1991; Sr. Damião Braga Soares dos Santos, membro do Comitê Gestor Patrimônio Mundial Sítio Arqueológico Cais do Valongo e sua Zona de Amortecimento; Sra. Flávia Carolina da Costa, antropóloga e membro do Comitê Científico do Quilombo Pedra do Sal; Sr. José Antônio Ventura, Presidente da Federação Nacional de Associações Quilombolas — FENAQ; Sr. Jaime Mitropoulos, Procurador Federal do Ministério Público Federal; Sra. Isabel de Paula, Coordenadora de Cultura da UNESCO-Brasil; Sra. Fátima Germano Malaquias, Presidente do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro — COMDEDINE; Sra. Monica Silva, representante da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto; Sra. Laura Di Blasi, Presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade; Sr. Jorge Adolfo Freire e Silva, Coordenador Executivo de Promoção da Igualdade Racial; Sr. Olav Antonio Schrader, Superintendente do IPHAN no Rio de Janeiro, e Sr. Humberto Adami Santos Junior, advogado e membro do Comitê Científico do Quilombo Pedra do Sal. Esta é uma reunião mista, com participações presenciais e virtuais.
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Passo a palavra para a Sra. Tania Andrade Lima, por 5 minutos, para fazer a sua exposição virtual.
Tem a palavra a Sra. Tania. (Pausa.)
Eu vou passar a palavra para a próxima oradora, porque a Sra. Tania ainda não entrou.
Passo a palavra para o Sr. Damião Braga Soares dos Santos, por 5 minutos, para fazer a sua exposição virtual. (Pausa.)
O Sr. Damião também ainda não entrou.
Tem a palavra a Sra. Flávia Carolina da Costa.
A SRA. FLÁVIA CAROLINA DA COSTA - Boa tarde a todas e todos.
Primeiramente, agradeço a oportunidade. Como a minha conexão não está muito boa, quero me apresentar rapidamente.
Sou a Flávia, antropóloga, pesquisadora, atualmente estou vinculada à Universidade Federal de Mato Grosso, mas tenho 16 anos de pesquisa com a região da Pedra do Sal. Nessa região eu desenvolvi o meu mestrado e o meu doutorado.
Os dados apresentados pela Deputada Benedita da Silva já estão claros, então nós já sabemos do que se trata, qual é objetivo desta audiência. Mas eu gostaria de falar apenas que é preciso considerar, em algum momento, o potencial humano.
Desde que a revitalização do cais do porto começou — e antes dela, inclusive —, já havia um pedido de reconhecimento e titulação de um território quilombola no entorno da Pedra do Sal. Esse território foi reconhecido em 2005, pela Fundação Cultural Palmares, mas a titulação nunca foi concedida pelo INCRA.
Há um grande imbróglio que corre em Justiça, porque a disputa territorial envolvia fundamentalmente a Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência, que se dizia proprietária dos imóveis no entorno da Pedra do Sal. Hoje em dia, nós já sabemos que esses imóveis não pertenciam, de maneira alguma, à Venerável Ordem Terceira. Havia, então, uma cobrança irregular e ilegal dos aluguéis, por parte dessa ordem religiosa, que incidia diretamente sobre a vida de uma população quilombola localizada ali no entorno da Pedra do Sal.
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No processo de pedido de revitalização, logo quando o Eduardo Paes ganha a eleição para a Prefeitura, e quando se inicia o processo de escavação pela região portuária — ainda um pouco antes do processo das obras em si —, a manutenção e a continuidade da comunidade quilombola ali no entorno é completamente dificultada, e eles se veem impelidos a sair da região. Hoje em dia, nós temos um grande reconhecimento da importância dessa região para o fortalecimento da ideia da Pequena África no Rio de Janeiro. O tombamento do Cais do Valongo confirma essa importância histórica e a importância patrimonial e de memória da população afro-brasileira, sobretudo a população afro-brasileira carioca. Infelizmente, o potencial humano vai sendo, o tempo todo, limitado nos acessos àquela região. Outras iniciativas com mais poder de permanência e de entrada naquela área conseguem se fortalecer e permanecer, mas os quilombolas do Quilombo Pedra do Sal infelizmente não conseguem.
Eu gostaria que nós nos lembrássemos ao longo desta audiência que existe uma comunidade quilombola ali. Essa comunidade quilombola não pede exclusivamente pelo seu território, mas pela sua permanência e continuidade em um espaço que é um espaço de memória, um espaço sagrado e um espaço de trabalho também. A comunidade da Pedra do Sal fortalece todo esse conjunto arquitetônico e histórico de permanência de uma população pós fim da escravidão, que fortaleceu o trabalho portuário durante muitos anos e ainda hoje o faz. Damião, que é o Presidente do Quilombo Pedra do Sal, é portuário, é trabalhador da estiva, da arrumação, se eu não me engano. Acho que há todo esse potencial.
Durante muito tempo houve todo um rearranjo da região portuária que não prezou pelo potencial humano. Quando o laudo de constituição do Quilombo Pedra do Sal foi redigido, ele incluía não apenas o território do entorno da Pedra de Sal, mas ele falava sobre uma territorialidade negra e africana naquele entorno que se estendia até o Morro da Providência, considerando o seu processo de ocupação. Infelizmente, essas pessoas são as que mais sofrem atualmente, desde que o processo de revitalização se inicia e que, coincidentemente, é também o momento em que se candidata o Cais do Valongo ao reconhecimento como patrimônio da humanidade pela UNESCO.
Eu encerro por aqui a minha fala. Agradeço a oportunidade. Parabenizo esta Comissão pela iniciativa. Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Obrigada, Flávia.
Agora eu vou passar a palavra à Sra. Tania. (Pausa.)
Eu passo a palavra agora para o Sr. José Antônio Ventura, que fará a sua exposição em 5 minutos virtualmente. (Pausa.)
Passo a palavra ao Sr. Jaime Mitropoulos.
O SR. JAIME MITROPOULOS - Peço perdão, porque eu vim preparado para falar um pouco mais. Estou tentando reduzir até para poupar todos aqui presentes de uma fala muito extensa. Para justificar o nosso deslocamento do Rio de Janeiro, porque fiz questão de estar presencialmente aqui.
Em primeiro lugar, Exma. Sra. Deputada, gostaria de agradecer a iniciativa da Casa do Povo e esta oportunidade de expor aqui todas as situações envolvendo a questão do Cais do Valongo. Por isso, permiti-me fazer umas breves anotações aqui até para manter certo foco e poupar o tempo precioso de todos os senhores e senhoras.
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Eu queria começar dizendo que o Brasil tem compromissos com gerações presentes, passadas e futuras, compromissos de memória, de verdade, de dever de reparação em relação aos povos afrodescendentes, aos povos pretos, cujos direitos ainda hoje são vilipendiados, como bem frisado pela Declaração de Durban, de 2001, na África do Sul. São compromissos que decorrem do art. 216 da Constituição, ajustados em 2017 perante a UNESCO, mas também de tratados e convenções que o Estado brasileiro subscreveu. Nesse sentido, por exemplo, há a Declaração de Budapeste, de 2002, por meio da qual a UNESCO diz que, para a proteção do patrimônio cultural, se deve buscar o justo equilíbrio entre a conservação e o desenvolvimento socioeconômico sustentável, principalmente da população local.
Por sua vez, a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, assinada em Paris, se não me engano em 2003, recomenda a atenção para os benefícios do processo de transformação social. A Convenção, nesse passo, recomenda cuidado com as práticas que importem a exclusão, por exemplo, causada pela gentrificação ou por uma economia predatória que não priorize a comunidade local.
Portanto, Excelência, sobretudo, é necessário garantir condições propícias para um diálogo renovado entre as comunidades, a comunidade local especificamente, e o poder público, pois essa é a melhor forma de evitar e monitorar os riscos de deterioração, desaparecimento e destruição desse tesouro cultural da humanidade.
Dito isso, cabe ressaltar uma vez mais algo que o Ministério Público Federal já vem ressaltando há alguns anos. Nenhum gestor público pode tentar inviabilizar, esquecer ou apagar o patrimônio, a memória e a herança cultural que nos foi legada. Nesse sentido, a comunidade da Pequena África não pode ser escanteada, alijada desse processo em momento algum, coisa que tem sido feita pela atual gestão federal, sobretudo a partir do IPHAN.
Ela, a comunidade, tem o umbigo visceralmente ligado àquele pedaço de Áfricas do ponto que mais simbolicamente nos liga espiritual, material e culturalmente ao Continente Mãe. A comunidade precisa fazer parte, ter voz ativa nos processos de deliberação e tomada de decisão a respeito da gestão daquele território. Infelizmente, a União e o IPHAN encontram-se inadimplentes no que se refere à obrigação assumida por ocasião da candidatura no caso do Valongo a patrimônio mundial. Em síntese, ainda inexiste plano de gestão do sítio arqueológico e comitê gestor do Cais do Valongo, que foi terrivelmente desmobilizado em 2019, depois de ter sido constituído, se não me engano, em 2018.
Os problemas apontados nas ações judiciais já propostas pelo Ministério Público Federal decorrem, em grande medida, dessas falhas dos atuais gestores federais com relação a obrigações e funcionamento do sistema UNESCO de proteção ao patrimônio mundial.
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A partir desse ponto, já me encaminhando para o final, eu só queria trazer como resultado que é primordial o IPHAN e o Governo Federal publicamente — é importante frisar isto, publicamente — dizerem quais são os recursos do Orçamento que serão destinados à conservação e à promoção do patrimônio. Em primeiro lugar, o prédio é da União, um prédio que foi tombado a partir de 2013 e que está cedido para a Fundação Cultural Palmares, que, por sua vez, tem que resolver urgentemente os problemas de luz com os bombeiros e concluir formalmente o processo de cessão.
Já a Prefeitura tem a obrigação, como ela tem procurado fazer, de cuidar do laboratório de arqueologia, que está em processo de mudança. Ele será instalado no prédio que se chamará, se é que já não se chama, André Rebouças, muito justamente.
Quanto ao MPF, entendemos que promover o ambiente cultural não se faz somente de maneira reativa, mas também de maneira propositiva e criativa.
Eu gostaria só de elencar algumas ações que nós já fizemos. Nós temos uma ação pública proposta em que pedimos a constituição novamente do comitê gestor do sítio arqueológico do Cais do Valongo. Depois de uma aguerrida audiência judicial, a liminar foi concedida, mas, infelizmente, o TRF da 2ª Região cassou essa liminar, ou seja, estamos sem o comitê gestor popular. Embora esse não seja o objeto principal, a Prefeitura tem suprido essa comunicação com os interlocutores por meio do Círculo do Valongo, que será mais bem explicado, acredito eu, pela CPIR, aqui presente, e pelo COMDEDINE, por meio da Sra. Fátima Malaquias. Eles podem explicar melhor como vem funcionando esse Círculo do Valongo, importante canal de interlocução com a comunidade.
Também temos uma ação judicial, além da proposta em face do IPHAN, pleiteando a instalação definitiva do centro de referência no prédio que foi chamado de Docas D. Pedro II e que futuramente será André Rebouças. Isso já está adiantado. A ONG Ação da Cidadania já se mudou de lá. Agora estamos no processo de implantação daquele laboratório, inclusive buscando que ali sejam feitas algumas exposições, cumprindo assim a função de educação patrimonial dos achados arqueológicos, como tão bem a senhora comentou a respeito dos achados na Rua Sacadura Cabral.
Recentemente, nós entendemos que precisaríamos fomentar, estimular o comércio criativo, o turismo étnico-criativo de base comunitária. Nós fizemos uma parceria recente, assinada com a participação da Prefeitura e dos atores locais, no sentido de estimular uma rede de comércio local que venha a fomentar um turismo sustentável na região.
Eu gostaria de lembrar que vivemos a Década Internacional de Afrodescendentes, de 2015 a 2024, instituída pela ONU justamente para cobrar justiça, reparação, mas também para reconhecer e valorizar toda a herança das culturas e religiosidades de matrizes africanas que nos foram negadas.
Lembro aqui as tantas oportunidades que o Brasil vem perdendo desde a inconclusa abolição, no sentido de reparar todos os crimes contra a humanidade que foram praticados e todo o racismo estrutural e institucional desde então.
Não deixo também de lembrar exatamente que o Cais do Valongo, a Pedra do Sal, toda a Pequena África e o sagrado que ali se encontra assentado representam toda uma cultura de resistência e de reexistência.
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Então, eu termino a minha fala frisando o seguinte: o Brasil não pode mais perder essa oportunidade. Enterrar o Cais do Valongo mais uma vez, de forma cinicamente deliberada ou não — como foi feito, por exemplo, com o pacto dos sequestradores, construído pelas autoridades públicas, negociantes de grosso trato, e a classe senhorial do século XIX... Se perdermos novamente a chance por meio de um pacto de silêncio ou por meio de negligência, perderemos a oportunidade de resgatar e valorizar o Cais do Valongo. Isso será, mais uma vez, uma vergonha nacional, uma vergonha, eu diria, até internacional, tendo em vista que o Cais do Valongo é um patrimônio não só do Rio de Janeiro e da Pequena África, mas também um patrimônio de toda a humanidade.
Muito obrigado pela oportunidade, Excelência. Muito obrigado a todos.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Agradeço.
Chamo agora Damião Braga Soares dos Santos, para falar por 5 minutos. (Pausa.)
Ele saiu.
Passo a palavra à Sra. Fátima Germano Malaquias.
A SRA. FÁTIMA MALAQUIAS - Boa tarde a todos e a todas.
Chamo-me Fátima Malaquias, sou Presidente do Conselho Municipal de Defesa do Direito do Negro.
Na pessoa dessa mulher aguerrida, a nossa Exma. Deputada Benedita da Silva, eu cumprimento a todos.
Falando de nós do Cais do Valongo, hoje me sinto até emocionada e triste. As palavras do Jaime Mitropoulos me representaram muito bem. Ele falou da luta que nós temos há muito tempo. Temos até uma apresentação, Secretária e nossa Deputada, e eu gostaria de ceder uma parte desta apresentação ao Coordenador da CPIR. Portanto, eu gostaria de passar uma pequena parte da palavra ao nosso Jorge Freire e depois darei continuidade à fala em relação ao Conselho, nessa luta árdua.
O SR. JORGE ADOLFO FREIRE E SILVA - Sigo aqui?
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Segue.
O SR. JORGE ADOLFO FREIRE E SILVA - Boa tarde a todos.
Agradeço muito esta oportunidade aos Exmos. Deputados e Deputadas que compõem a Comissão de Cultura. Cumprimento todos na figura da Exma. Presidente da sessão, a Deputada Benedita da Silva, que é carioca e envolvida nessa causa, assim como eu.
Acho que a Fátima cedeu a palavra, porque estávamos combinando de fazer uma apresentação, Deputada, que era bastante extensa. Então, resolvemos mudar essa programação para dar mais celeridade. Com isso, poderemos elencar os pontos que achamos principais e que trazem a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro para discutir a questão do Cais do Valongo, sobretudo a partir do que o Jaime e a Procuradoria Federal trazem, que são pontos bem sensíveis e que responsabilizam para além da Prefeitura as questões em torno do Cais. Eu acho que essa deve ser a primeira ideia que norteia esta Comissão.
O Cais do Valongo é um patrimônio da humanidade, logo, ele deve ser defendido pelo Estado brasileiro. Só que é a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro que vira vitrine e que assume, em grande parte, a sua manutenção, gestão, conservação e preservação. Logo, é importantíssimo que, em qualquer discussão em torno do Cais do Valongo, além dos outros entes, haja sempre a participação da Prefeitura Municipal do Rio e que ela também seja o norte, a orientadora, a seta, o sul que criará um caminho para as questões que envolvem o cotidiano daquele sítio arqueológico e da sua área de amortecimento.
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Eu acho importante elencar alguns fatos para que fiquem no horizonte, e, a partir daí, elaborarmos programaticamente o que queremos apresentar aqui. É importante frisar que a nova gestão assumiu no ano passado, mas o Cais já é patrimônio reconhecido pela UNESCO há 5 anos, e a sua importância é ímpar, já que a UNESCO escolhe como temas centrais da sua atuação gênero e África, e nós estamos na Década do Afrodescendente ainda. A nova gestão da Prefeitura retoma a gestão do Cais depois de 4 anos da gestão anterior, e vários dos problemas que a Prefeitura enfrenta atualmente estão sequestrados por esse fato, que não pode ser visto como irrelevante. Entretanto, a nova gestão faz alguns movimentos que são bastante significativos para pensarmos o que queremos a partir de agora, e esta audiência me parece ser uma repactuação e também um farol para pensarmos nisso a partir deste momento, que começou em 2021 em diante.
O primeiro movimento é compor essa discussão a partir do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Negro e da Coordenadoria Executiva de Promoção da Igualdade Racial, que eu represento. Então, esse movimento de levar a Coordenadoria e o Conselho para a Secretaria Municipal de Governo e Integridade Pública, Secretaria nova, criada na gestão do atual Prefeito Eduardo Paes, dá maior notoriedade e poder de articulação transversal, uma necessidade que o Cais tem de envolver outros órgãos na sua rotina. Com esse movimento, nós o retiramos da Secretaria Municipal de Cultura e o levamos para a Secretaria de Governo, e esses dois órgãos viram porta-vozes principais das ações transversais em torno do Cais.
O segundo era preencher a ausência, ou refletir a partir da ausência de obrigatoriedade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — IPHAN, que era do comitê gestor, aquilo que tange dois objetivos: primeiro, fazer com que os atores envolvidos no território participassem das decisões sobre o Cais, de modo que a gestão do Cais fosse partilhada pela sua área de amortecimento e por todos aqueles agentes, instituições e pessoas que vivem em torno desse patrimônio. Esse era o primeiro objetivo. E o segundo, de igual importância: sensibilizar os órgãos da Prefeitura sobre a importância ímpar daquele patrimônio. Por isso, em 2021 ainda, nesse ano de retomada do olhar da Prefeitura, a partir do Decreto nº 49.943, considerando também a função do Estatuto da Igualdade Racial como peça abalizadora das políticas de preservação, de história e de reparação, criamos o Círculo do Valongo, um órgão, ou um grupo, ou uma forma cooperada de chamarmos todos os atores envolvidos, a partir de um círculo protetivo e executivo. Círculo protetivo, formado, em sua maioria, por todas as instituições que iriam compor o comitê gestor; círculo executivo, formado por todos os órgãos da Prefeitura que se envolvem diretamente no Cais do Valongo; e um círculo que nós chamamos de fiscalizador, talvez, onde estão o Ministério Público e todos aqueles órgãos — o IPHAN, o Palmares, o ICOMOS, enfim — que trabalham cooperadamente para o bem daquele patrimônio.
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Com isso, o ciclo vai apontando caminhos para tentar não substituir o comitê gestor, mas ir criando métodos e procedimentos que façam com que a Prefeitura consiga entregar o melhor plano de conservação, sobretudo a partir das mudanças que ela tem na sua estrutura: o fim da Porto Novo, a mudança da relação da CDURP, que é um órgão superimportante e tem entregado um projeto de preservação ímpar para aquele espaço.
Também, nós inauguramos em 2021 o Museu da História e Cultura Afro-Brasileira. Essa foi outra entrega importante que a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro realizou. E assim nós consolidamos essas entregas para o ano de 2021.
Neste ano em que estamos, e é este o ponto que eu quero sinalizar, nós vamos dar continuidade às entregas que tínhamos como um pacto, assinado pelo Prefeito Marcelo Crivella à época, com a UNESCO. E a entrega, para este ano, nós acreditamos, de maior relevância será a segunda etapa da obra de requalificação. A primeira etapa já foi cumprida. É importante dizer que ambas foram cumpridas com o orçamento vindo de parceria privada, uma parceria externa à Prefeitura. Essa segunda etapa, então, nós pretendemos executá-la ainda este ano. E estamos, no momento, em negociação com o IPHAN para isso.
Para finalizar, é importante frisar que o entendimento de que este patrimônio é importante demais, porque fala de uma ferida aberta na história e, sobretudo, no presente do cotidiano da vida brasileira, da formação da nossa identidade, precisa ser abraçado por todos. Então, Deputada Benedita da Silva e todos os outros que compõem esta Comissão e esta Casa, é importantíssimo que nós pensemos isso de forma estratégica também, para apontarmos caminhos dentro das Leis de Diretrizes Orçamentárias, dentro dos planos, dentro das propostas de planos de atuação das Secretarias, dos Ministérios, dos Governos, dos Institutos. É preciso que vocês se engajem para que nós consigamos, sobretudo a Prefeitura do Rio de Janeiro, que é o ente municipal deste conjunto, sair mais fortalecidos, especialmente nas questões orçamentárias que tangem a preservação e as entregas que nós ainda precisamos fazer para o Cais.
Com isso, eu encerro, agradecendo muito.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Muito obrigada, Sr. Jorge Adolfo.
Está com a palavra a Sra. Fátima Malaquias.
A SRA. FÁTIMA MALAQUIAS - Neste encerramento, fica a contribuição que nós fizemos juntos para que a senhora tome conhecimento. É de supra importância que esta Casa olhe com todo carinho, porque é um fato histórico, é nosso, é um patrimônio, e nós não podemos perder.
Obrigada, Secretária! E eu aguardo que esta Casa veja com todo este olhar.
Dr. Jaime, obrigada pela contribuição, porque nós precisamos da sua fala também.
Obrigada!
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Eu peço desculpas, porque nós estamos em um processo acelerado. Temos 1 hora somente para dar conclusão a tudo. E, em respeito até a todos, nós não cancelamos a reunião. A maioria das audiências nas Comissões foram canceladas em virtude de mudanças no processo. De vez em quando, vocês me verão aqui votando — ela fica lá tomando conta do processo de votação.
Eu quero chamar agora a Sra. Laura di Blasi, que fará uso da palavra.
V.Sa. tem a palavra por 5 minutos.
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A SRA. LAURA DI BLASI - Primeiro, eu queria agradecer o convite, a oportunidade de estar aqui, Sra. Deputada. Eu acho muito importante termos essa troca e expormos um pouco do trabalho que nós vimos desenvolvendo.
O IRPH, órgão de patrimônio cultural municipal, está envolvido desde sempre com essa questão. Estudos anteriores da arqueóloga já aposentada, Eliana Teixeira, já evidenciavam, já tinham indícios daquele processo todo ali de embarque e desembarque de pessoas escravizadas naquele ponto. Ali fica a linha d'água antiga do nosso Município, a Rua Sacadura Cabral é o limite da nossa linha d'água, dali para frente, depois, é tudo aterro. Em 2010, no início das obras de requalificação da zona portuária, no âmbito das obras do Porto Maravilha, começaram a aparecer os primeiros vestígios, em 2010-2011. E nós conseguimos, com todo o esforço, mesmo com a velocidade da obra, desviar uma galeria de 12 metros, que iria destruir todas as evidências que hoje estão expostas lá.
A Prefeitura do Rio tem a guarda e a tutela desse material arqueológico achado nas obras da zona portuária, que contempla mais de 1,2 milhão de peças. A propriedade é do Governo Federal, do IPHAN, mas a guarda está com a Prefeitura, por meio do IRPH. Durante esse tempo, desde 2014 até agora, já foram investidos 5,5 milhões na guarda e conservação de todo esse material. Nossa intenção é buscar esse diálogo maior com todos os entes e pessoas envolvidas para que façamos, definitivamente, a divulgação e extroversão desse material. Parte do acervo está cedida para a UERJ, na figura da Profa. Dra. Tânia Andrade, que está desenvolvendo vários trabalhos de pesquisa nesse material encontrado. Estamos propondo, para final de novembro, nós esperamos, outra exposição no Museu da História e Cultura Afro-Brasileira — MUHCAB, que funciona lá no prédio do antigo Centro Cultural José Bonifácio. Estamos trabalhando para que esse material seja pesquisado, seja mostrado para a população e para toda a sociedade, porque isso é parte da nossa história; uma história triste, mas é parte da nossa história, e é muito importante ser divulgada e valorizada.
A Prefeitura estava com esse material armazenado nos Galpões da Gamboa, que é o próprio municipal, mas achou-se por bem... O prédio Docas Dom Pedro II, por estar defronte ao sítio, seria o melhor local para abrigar esse material. Então, o nosso Laboratório Aberto de Arqueologia Urbana do Rio de Janeiro — LAAU, hoje funciona, provisoriamente, no prédio de Docas, mas já há previsão, no projeto desenvolvido, que ocupemos boa parte dele, inclusive com os laboratórios e a parte expositiva desse material. Agora, dependemos de verba para a execução do projeto, que já foi desenvolvido. Pedimos realmente ajuda a todos, para que essa obra, de fato, saia, aconteça, para, definitivamente, termos o nosso laboratório funcionando a pleno vapor, mas, enquanto isso não acontece, estamos envidando esforços com os parceiros da Prefeitura e com outros entes, para, de uma maneira ou de outra, expor esse material e já fazer essa comunicação com a sociedade civil e com todos os entes interessados.
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Eu termino aqui a minha fala. Estou à disposição e agradeço mais uma vez a oportunidade de estar aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Obrigada.
Eu já sei que todo mundo fica meio nervoso para andar, para correr, para tudo, mas isso acontece todo dia conosco, quando eles dão 3 minutos para falarmos do Brasil.
Passo a palavra agora à Sra. Monica Silva. (Pausa.)
Ela não entrou ainda.
Passo a palavra ao Sr. Humberto Adami.
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Deputada, a senhora está me ouvindo?
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Perfeitamente.
O SR. HUMBERTO ADAMI SANTOS JUNIOR - Querida Deputada Benedita, é um prazer ouvi-la. Estou falando aqui do Rio de Janeiro, de Copacabana. Cumprimento todos que estão no auditório que já falaram e que vão falar; o pessoal que está no Youtube; e os meus colegas da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil, da OAB do Rio de Janeiro, onde tivemos uma festa linda de posse, agora no dia 4 de julho.
A Deputada Bené vai se lembrar, quando ainda era Vereadora, da luta do Quilombo Sacopã para ser reconhecido como quilombo urbano. Pois bem, a legislação que reconheceu o Quilombo Sacopã como quilombo urbano é a mesma que reconheceu o Quilombo da Pedra do Sal como quilombo urbano também, da gestão anterior do atual Prefeito do Rio de Janeiro, o Eduardo Paes.
Eu vi que foi falado que cabe apenas ao Governo Federal a obrigação pela conservação do patrimônio da humanidade, no caso do Cais do Valongo. Eu queria discordar, porque, na verdade, isso é obrigação da União Federal, do Governo do Estado, da Prefeitura do Rio de Janeiro e de todo e qualquer brasileiro preocupado com a história do Brasil. O Cais do Valongo é a história do Brasil sendo recuperada do chamado Porto Maravilha. Até hoje eu não sei que maravilha foi essa que motivou a denominação do porto, mas houve uma proposta do Luiz Carlos Prestes Filho para mudar o nome do Porto Maravilha para Porto Pequena África, porque não se sabe que maravilha é essa.
Eu vi o Jaime Mitropoulos falando, e eu queria lembrar três ações, mas, primeiro, quero dizer que meu nome é Humberto Adami, sou advogado do Quilombo da Pedra do Sal, sou Presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da OAB do Rio de Janeiro e presidi a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão do Conselho Federal da OAB por três gestões.
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Há três ações em andamento. Uma delas é que o Ministério Público Federal ajuizou contra a ação da cidadania, que era para deslocar o laboratório do prédio das Docas. Isso já foi feito. Mas é bom lembrar que a ação prossegue e que o Ministério Público Federal apurou que 80% da verba que a ação da cidadania obtinha com o aluguel do prédio das Docas iam para a sua própria diretoria, como foi apurado no inquérito do Ministério Público Federal.
A segunda ação devolve os prédios do Quilombo da Pedra de Sal que fazem parte dessa pequena África e que agora têm já ação transitada em julgado pelo Tribunal Regional Federal. A ordem do juiz — aproveito para pedir o empenho das autoridades envolvidas, já que estou vendo várias aí presentes — é para fazer cumprir a ordem de devolução dos quatro imóveis que são propriedade do Quilombo da Pedra do Sal, uma vez que agora já tem acórdão transitado em julgado de ação civil pública, também ajuizada pelo INCRA, para a sua devolução.
Por fim, baseado inclusive nesses documentos e também na candidatura do Cais do Valongo a patrimônio da humanidade, temos um tripé de três polos: primeiro, as pedras propriamente do Cais do Valongo; segundo, o Quilombo da Pedra do Sal; terceiro, o Cemitério dos Pretos Novos. São esses três pés do tripé que formaram a candidatura do Cais do Valongo a patrimônio da humanidade, o que foi aquiescida pela ONU como um dos 21 sítios mais importantes do mundo. Existem 1.200 sítios aproximadamente registrados como patrimônio da humanidade no mundo inteiro, mas apenas 21 correspondem ao Cais do Valongo; entre esses 21, está o campo de concentração de Auschwitz.
Na verdade, todos os escalões do Governo Federal, do Governo Estadual e do Governo Municipal têm sido negligentes com o Cais do Valongo. Foi dito aqui — não lembro se foi o Jorge, se foi o Procurador Jaime ou algum dos meus amigos — que houve financiamento externo. É verdade, Deputado. Foram os japoneses e os americanos que vieram ajudar o Cais do Valongo a não virar nada. Esse Cais do Valongo foi o lugar por onde mais negros ingressaram nas Américas. Esse foi o lugar por onde mais descendentes de todos nós, pretos e pardos de hoje em dia, nossos avós e tataravós, mais africanos escravizados ingressaram nas Américas. Portanto, o descaso é descomunal.
Veja só, Deputada Benedita, o Memorial do Holocausto, tão celebrado pela anterior Prefeitura, já está quase de pé aqui no Morro do Pasmado.
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Enquanto isso, o Cais do Valongo ainda está lá passando por problemas de enchentes, de descaso. E o prédio das Docas, construído por André Rebouças, também está lá passando por esse criminoso descaso da Fundação Palmares, cujo ex-Presidente é um facínora que saiu agora e vai se candidatar e inclusive ofendeu a Deputada.
Quero mais uma vez fazer o meu pessoal desagravo à nossa querida Bené, que é merecedora de todos os elogios e de todo o nosso carinho, pela sua histórica luta em prol de todos os brasileiros, e não apenas dos brasileiros e brasileiras pretos e pardos.
Por fim, quero dizer que o IARA — Instituto de Advocacia Racial e Ambiental é amigo da Corte nessas ações. Portanto, nós temos acesso a todos os documentos. Nessa última ação, que é essa do Cais do Valongo, a que o Jaime se referiu, ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, houve uma inspeção judicial que está se encerrando. Há uma audiência de instrução marcada agora, na 24ª Vara Federal, para o dia 22.
Portanto, quero disponibilizar não só o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental, mas também a Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra da OAB do Rio de Janeiro para prosseguir nessa luta que é de todos nós. E vamos fazer uma audiência pública lá também, no âmbito da OAB do Rio de Janeiro, para a qual a nossa querida Bené está, desde já, muitíssimo convidada.
Um abraço. Muito obrigado. É um prazer imenso vê-la com saúde e com tranquilidade no lugar que é o seu, Deputada, a Câmara dos Deputados.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Muito obrigada, obrigada mesmo pelo carinho.
Quero ainda fazer o registro da presença do Sr. José Antônio Ventura, Presidente da Federação Nacional das Associações de Quilombolas. É importantíssima a presença dele.
Passo a palavra agora ao Deputado Marcelo Calero; a seguir, aos palestrantes.
O SR. MARCELO CALERO (PSD - RJ) - Presidente e Governadora Benedita da Silva, quero agradecer muito à senhora a palavra e mais do que isso cumprimentá-la e parabenizá-la pela iniciativa desta audiência pública. Estendo meus cumprimentos também à Dra. Fátima Malaquias, Presidente do COMDEDINE, ao Dr. Jaime Mitropoulos, que está aqui conosco, ao meu querido amigo e compadre Jorge Freire, que é o nosso Coordenador da SEPPIR, à Laura di Blasi, nossa Presidente do IRPH, a todos os demais que estão conosco acompanhando este assunto, Governadora, que é prioridade para a atual gestão municipal.
Lembro-me de um período de transição entre a vitória do Prefeito Eduardo Paes e a efetiva posse dele em janeiro de 2021, no ano passado, portanto, quando já discutíamos todos os desafios e, mais do que isso, todos os retrocessos que tinham acontecido nos anos anteriores em relação à gestão desse patrimônio que revela muito sobre a história de sofrimento, de violência, de pessoas que foram martirizadas naquele lugar, sobretudo que tem a ver com o nosso próprio processo civilizatório.
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Quando falamos de Cais do Valongo, nós estamos nos olhando no espelho. Hoje, vários setores da sociedade brasileira têm dificuldade de encarar essa realidade. A essas pessoas sugiro que se debrucem sobre a nossa história e vejam não apenas aquilo que nós temos em termos de dívida social, histórica e de memória, mas também o que isso impacta nas políticas públicas que nós desenhamos tanto no presente quanto para o nosso futuro. Descuidar do Cais do Valongo e de tudo o que aquele conjunto patrimonial representa é, portanto, abrir mão desse debate, dessa discussão e desse desenho, que é absolutamente imprescindível, se nós quisermos continuar construindo uma sociedade, um caminho, um processo de sofisticação civilizatória mínima. É claro que, sob a ética do atual Governo Federal, é difícil falarmos de qualquer tipo de avanço civilizatório. Quero ter fé e esperança de que esse pesadelo que nós estamos vivendo vá se encerrar muito em breve. Se Deus quiser, no prazo de 2 meses, já estaremos livres desse pesadelo. Em todo o caso, a Prefeitura tem a sua parte. Vou destacar novamente o trabalho destas três instituições que estão aqui representadas: o COMDEDINE, a SEPPIR e o IRPH.
Eu fico muito grato e feliz de ver que esse assunto está sendo trazido aqui para a Comissão de Cultura, Governadora, e está sendo objeto de uma discussão. Não é trivial que a Câmara dos Deputados seja anfitriã, dado todo esse contexto que nós estamos vivendo desse debate, sobretudo de dar visibilidade política ao Cais do Valongo. Isso é de uma importância extrema. Tenho certeza de que isso vai funcionar como um divisor de águas sem dúvida alguma. Como eu falei, superando esse período tão difícil da nossa história que o atual Governo representa, nós poderemos voltar a ter essa colaboração efetiva do Governo Federal nas políticas que concernem à memória, à guarda e ao trabalho educativo, acadêmico do Cais do Valongo e de novo tudo aquilo que o Cais do Valongo pode aportar em termos de desenho, de arquitetura, de políticas públicas que possam significar reparação, pagamento de dívidas históricas, dívidas sociais seculares, o debate sobre a violência, sobre o racismo, sobre o machismo, sobre inclusive temas muito mais modernos, eu diria, contemporâneos, como a transfobia, a homofobia. Enfim, tudo isso está dentro dessa discussão sobre a diversidade, a pluralidade, a multiculturalidade do nosso País, mas nunca esquecendo, nunca deixando de ter em perspectiva os crimes que houve, as pessoas escravizadas que padeceram naquele lugar e todos os aportes culturais que a comunidade trouxe para a nossa cidade, para o nosso Estado e para o nosso País.
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Eu vou dar o exemplo da Espanha, que acho um modelo muito interessante. E eu trago esse exemplo por ser, enfim, um assunto mais próximo à minha família. A Espanha, depois do Camboja, é o país que mais desaparecidos políticos tem: 115 mil pessoas estão enterradas em fossas comuns em decorrência da guerra civil espanhola. Amanhã, o Parlamento espanhol vai votar a Lei da Memória Democrática, que prevê medidas de justiça, reparação e garantias de não repetição.
Infelizmente, os caminhos que nós temos no Brasil são bastante tortuosos ainda nesse sentido, mas espero que hoje este debate possa servir de inspiração para que possamos avançar efetivamente.
Muito obrigado, Governadora.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Obrigada, Deputado.
Agora, eu vou passar a palavra para o Sr. José Antônio Ventura, por 5 minutos.
O SR. JOSÉ ANTÔNIO VENTURA - Boa tarde a todos e a todas.
Eu já conheço a Deputada Bené há várias décadas e me orgulho por sua luta em prol dos nossos povos quilombolas. Aos demais presentes eu também dirijo o meu abraço. Espero que consigamos recuperar a história do Cais do Valongo.
Eu estive, em 2012, com Damião, no início dos trabalhos na Pedra do Sal. A proteção ao Cais do Valongo nos dá força e vontade de enfrentamento porque ele se torna o sítio arqueológico quilombola mais importante do Brasil. Mas, se conseguirmos recuperar os direitos, as políticas públicas do Cais do Valongo, nós também vamos conseguir salvar vários sítios já tombados pelo IPHAN que estão sendo suprimidos e enterrados. Estão jogando pá de cal em cima deles. Cito, por exemplo, o Quilombo do Ambrósio, em Ibiá, e o Sítio Quilombola Serra dos Chagas, em Salitre.
Então, se nós não tivermos força para preservar o nosso maior bem, que é o Cais do Valongo, onde está a nossa história, onde nossos irmãos foram apartados e levados cada um para os lugares mais longínquos do País, vamos nos sentir impotentes.
Como membro do movimento negro e do movimento quilombola, eu não desisti. Eu tenho fé de que nós vamos conseguir. E que o IPHAN, o Ministério Público, a Defensoria Pública, até a Comissão de Direito Internacional da OAB continuem dando suporte para não deixarmos essa história voltar de novo para a sepultura. Nós queremos o Cais do Valongo vivo, dando visibilidade a todo o povo negro que foi escravizado e retirado da sua terra morto, com seus cemitérios violados e a nossa história apagada. Quando tentamos fazer alguma coisa neste Governo, eles dizem que estamos com mi-mi-mi. Parece que só quem sabe a dor que o nosso povo sentiu somos nós negros.
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Trabalhamos e enriquecemos este País, e até hoje não nos foi dado o devido valor ou o direito de ter nossos bens preservados. Todos os bens que não são da cultura negra estão preservados, recebem recursos para a sua manutenção. Um patrimônio desses assusta, e as pessoas preferem calar todo mundo que está envolvido nos trabalhos a ele relacionados, para que a história não chegue ao conhecimento de ninguém e acabe caindo no esquecimento.
Eu conto com todos vocês para que consigamos dar visibilidade ao Cais do Valongo. Depois disso, nós vamos descobrir centenas de sítios arqueológicos quilombolas que foram destruídos pela mineração, pelo agronegócio, pela pressão imobiliária. Nós temos esperança de fazer parte dessa cultura que vem do Cais do Valongo, por onde passou a maioria dos nossos ancestrais.
Deputada Bené, a senhora sabe que eu sou pai da Freira Faustina, de Petrópolis. Ela lhe mandou um abraço e disse à senhora que, quando for lá, passe no Mosteiro da Virgem, que ela continua rezando pela senhora. Mesmo que a senhora seja de outra religião, nós sabemos que respeita todas as religiões. Ela lhe mandou um abraço carinhoso.
Eu, em nome da Federação Nacional das Associações Quilombolas, digo que, desde o início, ainda com a Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas, demos os primeiros passos, com o Quilombo Pedra do Sal, para que a nossa história tivesse uma nova visibilidade, com os sítios arqueológicos dos quilombolas do Brasil.
Viva o Cais do Valongo!
(Manifestação na plateia: Viva!)
Meu aperto de mão em todos os presentes. (Palmas.)
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Obrigada, Sr. Antônio.
Agora, eu chamo para usar da palavra, por 5 minutos, a Sra. Isabel de Paula. (Pausa.)
Isabel? (Pausa.)
Então, eu chamo a Sra. Monica Silva. (Pausa.)
Ela está conectada, mas não está nos ouvindo. (Pausa.)
Com a palavra o Sr. Damião Braga Soares dos Santos, por 5 minutos. (Pausa.)
O SR. DAMIÃO BRAGA SOARES DOS SANTOS - Boa tarde a todos e a todas. Boa tarde, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Aleluia! Boa tarde.
O SR. DAMIÃO BRAGA SOARES DOS SANTOS - Eu estou no trabalho, estou no posto, e a conexão aqui, pelo que me foi informado, está ruim. Então, eu tive dificuldade para entrar na sala, para participar da audiência. Peço desculpa. (Pausa.)
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Pode falar, Damião. Nós estamos ouvindo.
O SR. DAMIÃO BRAGA SOARES DOS SANTOS - O.k. Eu começo falando que o título do Cais do Valongo só foi possível mediante a composição do seguinte tripé: Quilombo Pedra do Sal, que representa a vida, a continuidade; Cemitério dos Pretos Novos, que representa o enterramento daqueles que se foram; pedras do Cais do Valongo, que simbolizam a chegada dos africanos ao nosso País.
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Fala-se muito em relação ao Cais do Valongo, fala-se muito em relação à proteção do patrimônio cultural, mas se esquece de que as comunidades quilombolas, pelas Constituição Federal, são patrimônios afro-brasileiros.
Em relação à coleção arqueológica que se encontra dentro do prédio das Docas, o único contingente humano que pode ser diretamente relacionado a essa coleção e que, na verdade, é o detentor dessa coleção, é a comunidade remanescente do Quilombo Pedra do Sal.
Desde 2011, quando veio à tona toda essa história, quando se levantou todo esse acervo, a partir das escavações, em momento algum, nós fomos informados pelo poder público de que parte desse acervo retirado das escavações pertencia à comunidade. Ou seja, eles foram retirados do território dessa comunidade quilombola, e nós só viemos a ter conhecimento desse material, dessa nossa coleção, através dos artigos da Profa. Tânia Andrade, já no ano de 2020, durante a pandemia.
Tentamos, diversas vezes, uma articulação com a Prefeitura do Rio de Janeiro, através do LAAU — Laboratório Aberto de Arqueologia Urbana, e também com o IPHAN, para que a comunidade pudesse ter acesso a esse segmento da coleção. Infelizmente, nós fomos impedidos de ter esse acesso.
O tratamento que o Estado brasileiro vem dando a essa coleção arqueológica é nulo. Quando eu falo do Estado brasileiro, eu estou me referindo a todas as esferas de poder: Prefeitura do Rio de Janeiro, Governo do Estado e Governo Federal. O tratamento dado é nulo.
Nós vemos, de fato, uma demonstração explícita do racismo que existe neste País. Fala-se tanto em relação à proteção, fala-se tanto em seminários e mais seminários para discutir a situação do Cais do Valongo e da sua zona de amortecimento, só que, após 5 anos dessa premiação, do recebimento do título de patrimônio da humanidade, nada foi feito.
Há um inquérito na Polícia Federal, desde 2019, para apuração dos danos causados ao patrimônio arqueológico que está sob a guarda da Prefeitura do Rio de Janeiro, através do LAAU.
O que mais nos surpreende é a não manifestação do IPHAN. Ele dá um tratamento muito diferenciado a essa coleção arqueológica do Cais do Valongo, em comparação ao tratamento que dá ao restante do patrimônio do nosso País.
16:08
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Eu acho que já passou da hora de nós deixarmos de muita falação com poucas ações. Nós sabemos das dificuldades que tem a atual gestão que está sentada na cadeira do Executivo, mas não é só o Governo Federal que emperra o avanço desse processo. O Governo Municipal também emperra. E não adianta nós culparmos a gestão passada, dizendo: "A gestão passada é que é a responsável". Existe uma discussão sobre isso em curso desde 2011. Ou seja, já se passaram 11 anos, e nada foi feito.
Nesses 11 anos, os investimentos em cultura na zona portuária não foram poucos: 230 milhões de reais foram investidos para a criação do Museu do Amanhã e mais outros tantos milhões de reais foram investidos para a implantação do MAR — Museu de Arte do Rio. E o único equipamento que a Prefeitura do Rio de Janeiro teria para tratar... Equipamento, não. Os investimentos feitos na cultura afro-brasileira na região portuária são nulos, não houve nenhum. Então, eu acho que nós temos que deixar de muita falação.
E é também necessário que o poder público entenda que, dentro desse processo, existe uma comunidade quilombola, ou seja, existem seres humanos que são patrimônio da humanidade e que precisam ser respeitados. Não adianta valorizar somente parede, tijolo, quando se deixa de valorizar o principal a ser valorizado, no nosso entendimento, o ser humano. E isso não acontece nesta discussão em relação ao patrimônio cultural da Pequena África.
Eu acho que já se esgotou o meu tempo, não é, Deputada?
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Pode concluir.
O SR. DAMIÃO BRAGA SOARES DOS SANTOS - Vou concluir então.
No mês de maio, houve uma inspeção judicial — existe uma ação civil pública sobre essa matéria. Foram lá verificar tudo isso que nós estamos falando em relação ao pouco caso que o Estado brasileiro faz do nosso patrimônio. No relatório da inspeção judicial feita pelo Juiz da 20ª Vara, responsável por essa ação civil pública, está explícito — ele diz mesmo a que eles vieram. Há uma coleção arqueológica dentro de um prédio que não tem luz, que não tem água, com um gerador meia-boca. Enquanto isso, você vê dinheiro sendo gasto para tudo quanto é canto.
Um dos exemplos que eu gostaria de dar aqui, para encerrar a minha fala, Deputada, é o acordo de cooperação técnica feito entre a Organização das Cidades Brasileiras Patrimônio Mundial — OCBPM, o IPHAN e o BNDES. O BNDES está fazendo um aporte financeiro, um aporte de recursos, para a elaboração de projetos executivos dos centros de interpretação. Está em curso esse projeto pela (ininteligível). Essa é a empresa que está elaborando esse projeto executivo.
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Houve uma demanda do Ministério do Turismo para que esse projeto, que já foi pago com recursos que saíram do orçamento de 2019 — esse dinheiro já foi gasto —, fosse retirado. Houve uma ação do Ministério do Turismo para que esse item relativo aos centros de interpretação fossem retirados do projeto executivo, que já foi pago. Ou seja, vai haver dois gastos de dinheiro público.
É isso, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Muito obrigada.
Eu agradeço a colaboração a todos e a todas. Eu estou desafiando o relógio, porque, às 16h30min, nós teremos que concluir os nossos trabalhos. Mas eu gostaria de dar 1 minuto — mas é 1 minuto de verdade! — para que vocês façam as considerações finais. Depois de 1 minuto, o microfone de vocês vai ficar sem som. Parece uma coisa bem autoritária, mas é assim mesmo que funciona.
Eu vou começar por ali. Tem a palavra o Dr. Jaime.
O SR. JAIME MITROPOULOS - Gostaria de reiterar todas as palavras ditas aqui pelos senhores e pelas senhoras: Dr. Adami, Dr. Damião e outros. Vocês têm toda razão. A todo momento verificamos o racismo estrutural institucional. Isso não é mi-mi-mi, não é conversa fiada, é a verdade.
Em muitos lugares no mundo, outros povos foram submetidos a condições degradantes. Aqui 1 milhão foram escravizados. Esse é o maior bem sensível da humanidade enterrado 12 anos depois de ser desativado, em 1831. Alguns palmos acima, em estilo francês, nasceu o Cais da Imperatriz. Já se tentou esconder isso lá atrás — 1 milhão de pessoas —, durante 1811 a 1831, muito embora o Cais do Valongo já fosse o destino, porque as autoridades de então resolveram afastar o comércio de escravos um pouco da Rua do Cano e passaram lá para a Prainha.
Quero dizer que isso é racismo estrutural. Quando olhamos para a parede desta sala, na nobre Casa do Povo, verificamos quais foram os Presidentes da Comissão de Cultura. Deem uma olhada lá! A despeito de todo o esforço que os administradores setoriais da municipalidade... O Dr. Adami tem razão. Todos têm esse compromisso. O Estado brasileiro tem dívida com o passado, com o presente e com o futuro. Como o Dr. Canedo também pontuou, há obrigação de reparação de danos e de não se repetir isso. A declaração de Durban diz que o flagelo da humanidade que aquilo ali representa precisa estar exposto para que não voltemos a repeti-lo. Porém o Estado brasileiro não tem vontade política para isso, Deputada. Por isso é muito importante a sua iniciativa.
Eu gostaria de agradecer mais uma vez a V.Exa. a iniciativa. É desta participação política que depende o futuro do Cais do Valongo e daquele povo representado pela Pequena África. Não existe efetivamente vontade política no Brasil de transformar o Cais do Valongo no maior sítio sensível, não existe. Ele está reconhecido pela UNESCO desde 2017. Se depender do Governo brasileiro atual, aquilo ali seria enterrado ali novamente.
Muito obrigado.
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A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Agradeço ao senhor a participação.
Quero dizer que, depois de 1 minuto, o microfone de quem estiver falando fica sem som, e nada é gravado. Então, procurem falar em 1 minuto.
Mas nós ouvimos o senhor, porque o senhor tem uma voz possante e trouxe uma contribuição fantástica. (Risos.)
O SR. JAIME MITROPOULOS - Há mais de 10 anos, a despeito do tempo de atuação profissional, estudo isso, luto por isso, e realmente vemos que o Ministério Público Federal entra com três ou quatro ações, com TAC, mas, mesmo com tudo isso, a lentidão e a leniência são o que imperam ali. Se não existisse o esforço de pessoas como a Fátima Malaquias...
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Quem vai falar agora é a Fátima Malaquias, por 1 minuto, para as suas considerações finais.
A SRA. FÁTIMA MALAQUIAS - Deputada, é meio complicado falar em 1 minuto, porque há muita coisa a dizer.
Nós nos sentimos muito honrados com a fala do Dr. Jaime Mitropoulos. Concordo com todos vocês. Nós nos sentimos contemplados com as falas de vocês, porque é o que estamos gritando nos muros, em toda a nossa Pequena África, na nossa Gamboa, toda aquela área do nosso território, é um pedido de que nos reconheçam e lutem por nós. Se não fosse a senhora hoje aqui... Eu só tenho a agradecer à senhora por todo esse movimento que a senhora fez hoje.
Assim eu encerro a minha fala, pois já acabou o meu minuto. (Risos.)
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Tem a palavra o Sr. Jorge Adolfo.
O SR. JORGE ADOLFO FREIRE E SILVA - Mais uma vez, eu agradeço à Deputada Benedita e a esta Comissão.
Reitero a importância de que coloquemos o Cais de Valongo no eixo central das discussões, sobretudo a discussão no campo da cultura, no campo do patrimônio e da preservação.
Quero muito dizer que, apesar de todo o cenário que reflete o racismo estrutural e a forma como o Estado brasileiro lida com a questão dos pobres escravizados que aqui chegaram e que são parte fundamental na construção da identidade deste País, a despeito da forma péssima como o Estado brasileiro se relaciona com isso, vimos sim avançando na construção do cais, na tentativa do corpo técnico de oferecer o melhor para aquele cais. Em breve, vamos disponibilizar um compêndio com todos os processos para se acompanhar tudo o que vem sendo feito ali ao longo desses anos e o que pretendemos fazer daqui para frente.
Agora, pouco se vai avançar, se toda a sociedade brasileira, que se reflete e se faz representar nesta Casa, não se engajar de forma aguerrida, estruturante e programática com as questões do Cais do Valongo.
Obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Eu agradeço a você a participação.
Tem a palavra a Laura di Blasi.
A SRA. LAURA DI BLASI - Eu quero, mais uma vez, agradecer pela oportunidade de estar aqui.
Eu me sinto uma pessoa muito feliz profissionalmente e pessoalmente, pois estive no início da elaboração do dossiê de candidatura do Valongo. Então, estou agarrada a este assunto desde o início.
Sou funcionária de carreira, trabalho no patrimônio cultural há 30 anos. Uma coisa que faltou na minha fala foi agradecer o apoio ao MP, na figura do Dr. Jaime e do Dr. Sérgio Suiama, que são pessoas importantíssimas que também abraçam a causa.
Acho que hoje a Prefeitura, com essas pessoas que estão aqui, está numa sinergia muito boa conosco. Podem ter certeza de que vamos fazer o que depender de nós. Estamos trabalhando, mesmo com as dificuldades, para expor esse material e disponibilizar para pesquisa. Podem contar conosco, pois contamos com vocês.
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A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Obrigada.
Tem a palavra agora o Sr. José Antônio Ventura.
O SR. JOSÉ ANTÔNIO VENTURA - Eu concordo com tudo isso, mas peço que tenhamos como referência o Cais do Valongo e a Pedra do Sal para o tripé tombamento, preservação e recuperação da história de todos os sítios arqueológicos do Brasil. Nós temos sítios arqueológicos quilombolas, como o do Ambrósio, que é o segundo maior quilombo do Brasil, depois de Palmares, e está lá se deteriorando. Não entendemos por que o IPHAN não aplica os §§ 4º e 5º do art. 216 da Constituição de 1988.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Obrigada.
Quero neste momento pedir desculpas porque a nossa tecnologia não vai alcançar a Flávia, o Damião e o Humberto para as suas considerações finais. Mas nós estamos de olho na telinha. Estamos vendo que vocês estão aí. Esperamos que, além de vocês, estejam também outras pessoas.
Neste encerramento, após uma consulta à assessoria, evidentemente...
O SR. JAIME MITROPOULOS - Eu gostaria de falar um segundo, em homenagem a todos aqueles que compareceram a esta reunião de iniciativa de V.Exa., Deputada. O IPHAN e a Fundação Palmares não se dignaram nem a comparecer a esta audiência. Era isso o que eu gostaria de registrar.
A SRA. PRESIDENTE (Benedita da Silva. PT - RJ) - Eu acho que vou pegar o Dr. Jaime e o Dr. Humberto Adami e resolver isso de outra forma. (Risos.)
Bom, isso é sério. Entendemos que estamos vivendo outros tempos, infelizmente. Temos trabalhado na Comissão de Cultura. A nossa Presidenta, a Deputada Professora Rosa Neide, é uma educadora. Então, aqui se trata de educação e cultura. Temos dado a nós mesmos da Comissão esta oportunidade de ouvi-los. Não é possível que nós proponhamos qualquer coisa sem ouvi-los, pois vocês são os nossos conselheiros. É evidente que a população tem sempre uma contribuição a dar.
É enriquecedor quando há uma audiência pública, porque é possível ouvir e também cooperar para sanar distorções que, às vezes, temos em relação a um projeto, a uma lei ou mesmo na elaboração da lei.
Nós nunca nos esquecemos dos nossos parceiros e parceiras. É bom eles serem lembrados porque já são de muito tempo, com passos que vêm de muito longe. Então, quero lembrar um dos nossos grandes parceiros, o Senador Paulo Paim, autor do Projeto de Lei n° 2.000, de 2021. Eu fui a Relatora desse projeto que reconhece o sítio arqueológico Cais do Valongo, na região portuária do Município do Rio de Janeiro, como patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro essencial à formação da identidade nacional e estabelece diretrizes para a sua especial proteção em decorrência do título de Patrimônio Mundial da Humanidade dado pela UNESCO.
16:24
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Esse PL apresenta fontes de recursos destinados a manutenção e custeio, sem prejuízo da destinação de recursos ordinários. Porém tais aspectos estão sendo tratados pela Comissão de Finanças de Tributação desta Casa.
Foi uma honra ter relatado esse PL na Comissão de Cultura.
Nós temos também emendas de Comissão sobre as quais eu queria falar. Elas não são impositivas. Algumas emendas são impositivas, outras, não. Elas dispõem sobre a destinação de recursos orçamentários, que, a partir do Ministério do Turismo, podem ser destinados aos fins que são apontados, conforme a destinação para 2022, quando houve indicação de mais de 1 bilhão de reais para ações da cultura que abrangem especificamente ações no Cais do Valongo, como patrimônio cultural brasileiro. Emenda 1: ação de promoção e fomento à cultura brasileira; Emenda 2: ação com relação à preservação do patrimônio cultural brasileiro; Emenda 3, Ação 14U2: implantação, instalação e modernização de espaços e equipamentos culturais.
Para acesso a esses recursos, nós tivemos toda a informação na época da então Presidente do IPHAN, a Sra. Kátia Bogéa.
Historicamente, o IPHAN sempre acessou e destinou 100% dos recursos de Comissão para a preservação do patrimônio histórico e artístico brasileiro. Precisamos ver — e isso é interessante — com os nossos representantes — vocês que aqui estão — e principalmente com os representantes governamentais o que é necessário para acesso a esses recursos, porque eles existem; eles existem!
Eu quero deixar muito claro nesta audiência que, em razão dessa necessária valorização, dessa divulgação da cultura afro-brasileira no sítio do Cais do Valongo e sua zona de amortecimento, os imóveis que estão em questão para implementação são estes: Centro de Memória do Quilombo Pedra do Sal; Zumbo Quilombola; Centro Cultural Dona Teresa; e Casa de Acolhida do Quilombo Pedra do Sal. Aguarda-se, ainda, a gestão dos acervos que requerem atenção imediata e urgente.
Bom, quanto a isso foi agendada uma audiência de conciliação pela Justiça Federal no Rio de Janeiro, no dia 22 de agosto de 2022, quando serão tratados os processos necessários para conservação e proteção do Cais do Valongo, conforme os pontos listados no Evento 870 e no Evento 874.
A minha sugestão é de que tenhamos nessa agenda uma representação da Comissão de Cultura. Isso seria importante. Eu vou me oferecer. Não sei se vou conseguir representar a Comissão de Cultura. Isso vai depender da indicação dos pares.
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É extremamente importante nós acompanharmos a cultura brasileira, que, durante a pandemia, foi capaz de sobreviver e enfrentar os reveses, porque a cultura é muito forte.
Eu quero dizer que estou muito alegre. Vou mandar um abraço para a sua filha. Diga a ela que eu não me esqueço dela e que ela pode rezar. Eu sou evangélica e rezo também. Ela reza, eu oro, e assim nós vamos levando isso, porque também faz parte da nossa identidade cultural a liberdade, a democracia, a soberania e essa liberdade religiosa da qual nós não podemos abrir mão de forma nenhuma. É uma das identidades que tem o nosso povo: negros, brancos e indígenas.
Nós estamos também com a tarefa de, nesta Comissão de Cultura, debater principalmente o que nós temos visto Brasil afora. E isso acontece conosco quando estamos no combate à homofobia, no combate à perseguição religiosa, no combate à violência que se pratica contra negros e indígenas, como estamos vendo agora, e no combate à violência contra o meio ambiente.
Eu tenho dito aqui que os quilombolas foram um dos primeiros povos a sofrer as agressões daquele que hoje está na Presidência da República. Fomos os primeiros! Termos como "arroba" e coisas dessa natureza foram usados para se referir a nós. Mas não deixamos de nos pronunciar nesta Casa. Entramos imediatamente com uma ação, que o fez pagar. Foi pouco, mas foi um gesto para acordar a sociedade brasileira.
Queremos dizer que nós negros e negras não temos problema. O problema é da sociedade em que vivemos, o problema daqueles que são dirigentes e que não conseguem observar que este Brasil não tem desenvolvimento sem o nosso povo. Não há cultura, não há saúde, não há educação sem a nossa participação. E não só porque somos maioria, mas porque a luta revolucionária do povo escravizado, do povo negro, expressa-se nas possibilidades que hoje nós temos de não mais sermos representados, mas de estarmos representando os interesses que nós sabemos que são da maioria da população brasileira.
Esta Comissão é muito importante. Não é fácil aprovar todos os projetos aqui, mas as audiências públicas fazem com que tenhamos uma mobilização maior, porque vocês são os porta-vozes da Comissão. Estas audiências públicas também servem para isso. Nós vamos estar nas nossas redes sociais, mas vocês realmente trazem as demandas e as colocam aqui.
Há momentos em que nós nos unimos, como para a aprovação da Lei Aldir Blanc 1, da Lei Paulo Gustavo e da Lei Aldir Blanc 2. Vocês da cultura conseguiram realmente fortalecer as intervenções, as iniciativas da Comissão de Cultura desta Casa. E foram vocês que conseguiram, demonstrando como a cultura é forte, ultrapassar centro, direita, esquerda e tudo o mais. Vocês conseguiram, nesta Casa, fazer com que essa unidade pudesse prevalecer e assim conquistar a derrubada de vetos e coisas dessa natureza.
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A cultura é a nossa identidade, é o nosso querer, é o nosso saber, é o nosso fazer. Nós estamos aqui nesta Comissão à disposição de vocês, deixando sempre a porta aberta para que a cultura esteja também na frente, nas trincheiras de outras lutas, principalmente a que vem em outubro, para se criar uma frente cultural em defesa da soberania nacional, em defesa da democracia brasileira e, por que não dizer, em defesa da nossa própria cultura, com toda a diversidade e pluralidade que nos faz cada dia mais fortes em nossas identidades.
Muito obrigada por vocês terem vindo a esta grande audiência. (Palmas.)
Está encerrada a reunião.
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