4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Saúde
(Audiência Pública Conjunta das Comissões CIDOSO e CSSF (semipresencial))
Em 11 de Maio de 2022 (Quarta-Feira)
às 15 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Declaro aberta esta reunião de audiência pública conjunta da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa e da Comissão de Seguridade Social e Família.
Esta reunião foi convocada para o debate sobre o cuidado com pessoas com mielofibrose, em atendimento aos Requerimentos nºs 5, apresentado à Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa, e 38, apresentado à Comissão de Seguridade Social e Família, ambos de minha autoria.
Nesta reunião, os expositores convidados terão 15 minutos para a sua apresentação.
Informo que esta audiência pública é interativa e está sendo transmitida pelo portal e-Democracia.
Comunico que será lançada pela Secretaria a presença do Parlamentar que, pela plataforma de videoconferência, usar a palavra na audiência pública.
Inicialmente, tenho a satisfação de apresentar os convidados para o debate: o Sr. Renato Tavares é médico hematologista e Diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular — ABHH; a Sra. Caroline Rech é médica nefrologista e membro do Comitê de Bioética do Grupo Hospitalar Conceição; e a Sra. Flavia Maoli Magalhães de Oliveira é Presidente do Projeto Camaleão.
Eu quero agradecer muito aos participantes pela articulação e pela introdução deste tema nesta Comissão, junto conosco, considerando a importância de tratarmos deste assunto.
A mielofibrose é um tipo de câncer que atinge pessoas com mais de 60 anos de idade, que carece de cuidados específicos tanto no diagnóstico quanto no acompanhamento e no tratamento. A audiência pública de hoje se destina ao debate das dificuldades de acesso ao tratamento. Como toda doença rara, sabemos que há dificuldade para o diagnóstico e o acesso ao tratamento e precisamos cada vez mais trazer para o debate pessoas parceiras, que queiram trabalhar e viabilizar o acesso ao diagnóstico e ao tratamento da mielofibrose.
Passo a palavra, inicialmente, ao Dr. Renato Tavares, médico hematologista e Diretor da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular.
Seja bem-vindo, Dr. Renato!
O SR. RENATO TAVARES - Boa tarde.
Muito obrigado pela oportunidade de participar de uma audiência de interesse dos pacientes, especialmente dos pacientes com mielofibrose.
Eu tenho quanto tempo para falar, Deputada?
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Quinze minutos, doutor.
O SR. RENATO TAVARES - A mielofibrose primária, como já foi falado, é uma neoplasia hematológica grave, maligna e fatal que acomete especialmente idosos. O único tratamento curativo para a mielofibrose primária é o transplante alogênico de medula óssea. Infelizmente, esse é um tratamento que está disponível para pouquíssimos pacientes com mielofibrose. Primeiro, porque, para fazer o transplante alogênico de medula óssea, o paciente precisa ser mais jovem, e a mielofibrose, como eu disse, é uma doença de idosos. Apesar de o transplante curar uma parcela boa de pacientes, ele só está disponível para pacientes mais jovens. Mesmo assim, nesses pacientes mais jovens, a mortalidade e o índice de recidiva da doença após o transplante são consideráveis.
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Os pacientes, na sua maior parte, não têm acesso a isso. Os pacientes mais jovens precisam ter um doador compatível, e a maioria deles ou uma boa parte ou não tem esse doador compatível, ou não tem o leito disponível, ou, apesar de serem mais jovens, não têm condições clínicas, porque têm outras comorbidades a que essa doença leva e que os impedem de ser transplantados.
Infelizmente, a realidade dos nossos pacientes, dos pacientes do mundo todo com mielofibrose é o tratamento medicamentoso. No Brasil, então, onde há poucos leitos de transplante — e esses leitos de transplante são sabidamente reservados para pacientes com doenças que têm resposta melhor —, na maioria dos casos, o tratamento é apenas medicamentoso.
O único medicamento para mielofibrose primária disponível no Brasil, há bastante tempo — há vários anos ele foi aprovado pela ANVISA e pela ANS —, é o ruxolitinibe, que tem estudo de fase III. Somente esse medicamento foi estudado em estudos de fase III e se mostrou efetivo e seguro. Todas as outras terapias disponíveis no Brasil são paliativas, de efeito curto, e fugaz, e pouco intenso. O ruxolitinibe tem ação não só na sintomatologia do paciente, como também comprovadamente aumenta a sobrevida desse paciente. Isso foi comprovado tanto em estudos de fase III, estudos randomizados, feitos no exterior e muito bem documentados, como também em estudos de mundo real. Nós já temos estudos de mundo real — tanto nos Estados Unidos, retrospectivos, quanto na Europa, prospectivos — que provam a melhora da sobrevida dos pacientes que usam ruxolitinibe, quando comparados a pacientes que usam outras terapias.
Então, essa medicação é segura, é efetiva e aumenta a sobrevida dos pacientes. No Brasil, a ANVISA já a aprovou há muito tempo. Na ANS ela também já foi aprovada. Ou seja, é uma terapia que, para quem tem dinheiro, para quem pode pagar plano de saúde, está disponível — todos os convênios oferecem. Mas os pacientes pobres, humildes, que são a maioria dos nossos pacientes com mielofibrose, estão à mercê da sorte.
Não há nenhuma terapia aprovada especificamente para mielofibrose, inclusive pela CONITEC. Já pela segunda vez, a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular submeteu à CONITEC a aprovação do ruxolitinibe para pacientes com mielofibrose e, dessa vez, nichando para os pacientes mais graves, para os pacientes que tenham plaquetas acima de 100 mil e para pacientes que não sejam elegíveis a transplante, para usarem o ruxolitinibe, para terem disponível no SUS o ruxolitinibe. Esse nicho de pacientes foi uma solicitação feita pela CONITEC após a primeira submissão. Nós observamos que, durante a segunda submissão, desta vez, agora, nesta segunda submissão, em reuniões prévias com os membros, os técnicos da CONITEC, foram exigidos estudos de mundo real que comprovassem a sobrevida já observada nos estudos de fase III. Esses estudos foram submetidos, esses estudos estão publicados em periódico, conforme exigido pela CONITEC. Infelizmente, pela interpretação que tivemos do relatório dos membros da CONITEC, do relatório técnico de submissão, da avaliação deles, em que eles não citam a avaliação desses estudos, que eles exigiram e que nós submetemos, eles foram ignorados. Nós tivemos uma grande contribuição nessa segunda submissão, na consulta pública, em que eles recusavam o aceite do ruxolitinibe pela CONITEC para o SUS. Foram até perdidos vários registros, mas agora recuperados.
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Nós insistimos na importância dessa medicação. Sem essa medicação, os pacientes vão ficar sujeitos à própria sorte, vão ficar sem nenhuma terapia efetiva. Apenas aqueles poucos que conseguirem ser transplantados vão ter algum recurso. Então, é extremamente importante que façamos um esforço para que a CONITEC reveja essa posição, para que reveja não só o dossiê que foi submetido e que não foi avaliado na sua integridade, mas também todas as contribuições públicas que foram feitas em relação a esse tema. É um clamor da sociedade, para que esses pacientes não fiquem ao léu, não fiquem sujeitos à própria sorte.
Nós temos no mundo inteiro uma medicação aprovada e utilizada para essa doença. Para os pacientes do Brasil que têm convênio, ou seja, que têm acesso à medicina dos ricos, permite-se que tenham acesso ao medicamento, e não é admissível que os pacientes do SUS, especialmente aqueles idosos, que são a maioria, que contribuíram com o seu suor para que este País se desenvolvesse, que contribuíram com o seu trabalho, hoje não consigam ter acesso a uma medicação que já é no mundo inteiro utilizada, que já é aprovada no Brasil para quem tem convênio.
É para isto que nós viemos aqui, para unir esforços, para tentar reverter essa situação, que consideramos inadequada e injusta para esses pacientes.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Nós que agradecemos, Dr. Renato Tavares. Obrigada pela presença e pela participação.
Passo agora a palavra à Presidente do Projeto Camaleão, a Sra. Flavia Maoli Magalhães de Oliveira.
A SRA. FLAVIA MAOLI MAGALHÃES DE OLIVEIRA - Obrigada, Deputada.
É um prazer estar aqui com vocês hoje, mais uma vez ajudando os pacientes que estão enfrentando a mielofibrose.
Para quem não conhece, o Projeto Camaleão trabalha com pacientes com qualquer tipo de câncer, independentemente de gênero, condição socioeconômica, fase do tratamento ou prognóstico. Nós oferecemos uma série de atividades para reintegrar esse paciente à sociedade, para dar o apoio psicológico e o apoio social de que ele precisa para enfrentar o câncer de uma forma mais positiva e sabendo que não está sozinho nessa caminhada. Acredito que o nosso grande ponto de encontro é essa conexão entre as pessoas, é fazer com que as pessoas vejam que elas não estão sozinhas. Isso não tem preço.
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Em relação aos pacientes de mielofibrose, o que nós observamos? É um câncer raro. Então, por ser um câncer raro, os pacientes muitas vezes sentem-se mais sozinhos do que alguém já se sente quando recebe um diagnóstico de câncer. Já é um sentimento comum às pessoas. E essas pessoas, às vezes, não têm uma pessoa de referência que tenha passado pela mesma situação. A jornada desse paciente com câncer raro, com mielofibrose, é muito complicada porque desde o início, desde entender que aqueles sintomas que a pessoa está tendo são sintomas de câncer, até conseguir achar um especialista, até fechar o diagnóstico, muitas vezes, vemos que esses pacientes levam meses ou até anos para chegar a um especialista que entenda o seu caso. Então, essa já é uma questão muito complicada por ser um câncer raro.
Em relação à idade, porque a maioria dos pacientes com mielofibrose são pacientes idosos, nós vemos também a questão do etarismo, de, muitas vezes, segregar essas pessoas ou achar que a vida delas está valendo menos. Como o Dr. Renato bem colocou, são pessoas que trabalharam a vida inteira, que se dedicaram, que construíram, que nos ajudaram a chegar até aqui, e, quando elas mais precisam da sociedade, muitas vezes a sociedade acaba virando as costas para essas pessoas. Então, nós também levantamos essa bandeira muito nesta questão, porque para essas pessoas, em qualquer idade, enfrentar o câncer é difícil, e precisamos nos unir para que essas pessoas consigam o tratamento adequado.
Em relação ao tratamento com ruxolitinibe, nós tivemos a consulta pública agora há pouco, recentemente, com o Projeto Camaleão e ABHH. Nós fizemos várias audiências públicas para falar sobre essa situação, para trazer conscientização sobre o problema. E o que acaba acontecendo? Nós conversamos com hematologistas e conversamos com pacientes que enfrentam mielofibrose. E o que vimos é que essas pessoas acabam entrando com processos judiciais para conseguir esse medicamento. É uma realidade muito triste saber que existe medicamento que pode te ajudar a ter uma vida melhor, que pode te ajudar a aumentar tua sobrevida e, principalmente, a qualidade de vida — uma vida sem qualidade não é uma vida digna, não é? — e, então, elas muitas vezes judicializam para conseguir o medicamento. Já estamos falando de um público um pouco mais selecionado, no sentido de pessoas que têm acesso à judicialização. Muitas pessoas não têm esse acesso, não têm essa iniciativa, não têm forças ou não têm condições sociais de irem atrás desse medicamento. Essa questão da judicialização é um desgaste muito grande, porque ela é um desgaste para o paciente, que já está debilitado, já está enfrentando a doença, está com sintoma, e ainda tem que conseguir toda a documentação para fazer a judicialização, fazer todo o movimento.
Sabemos que a judicialização também é um desgaste para os cofres públicos, porque esse custo não estava previsto, esse custo não estava no orçamento. Então, o que vemos, na vida real, é que o Governo já está pagando pelo medicamento através da judicialização. Ocorre que, com a judicialização, não temos margem de negociação de preço. Existe a questão de que o acesso não é igualitário, não é equitativo, não são todas as pessoas que estão tendo acesso ao medicamento. Esse custo tem que ser considerado, porque já é um custo que existe. Não estamos falando num custo novo. Estamos falando num custo que existe, se formos analisar os últimos anos, desde que o medicamento foi aprovado pela ANVISA e liberado nos planos de saúde, quando começaram as judicializações para acesso pelo SUS também.
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A questão da qualidade de vida, como eu falei, é muito importante. Conversamos com pacientes que relataram que só lembram que têm câncer quando tomam o remédio. É um remédio oral, que se toma em casa, não precisa de internação, não precisa de hospitalização, e a pessoa disse que só se lembra que tem câncer quando toma remédio. E esse é o sonho de qualquer paciente com câncer, porque sabemos que o câncer é uma doença muito desafiadora, é uma doença com muitos sintomas e efeitos colaterais do próprio medicamento, e o ruxolitinibe traz essa qualidade de vida com o mínimo de efeito colateral, o mínimo de situações para esse paciente.
Nós sempre vamos defender a vida dos pacientes, nós acreditamos que todo paciente merece o acesso, independente da idade que esse paciente tenha, independente se é um idoso, se é uma criança, se é um adulto, e que as pessoas possam realmente ter o acesso ao ruxolitinibe pelo SUS também, sem precisar passar pela judicialização.
Eu não quero me estender muito também, quero dar espaço para a troca. Gostaria de solicitar, então, à Comissão que, se possível, faça um ofício para o Ministério da Saúde, trazendo essa situação dos pacientes com mielofibrose, porque nós precisamos dessa força, nós precisamos dessa ajuda para esses pacientes. Estamos, agora, aguardando o resultado da consulta pública, ainda não aconteceu a reunião da CONITEC, mas estamos esperançosos em conseguirmos reverter esse primeiro diagnóstico que eles fizeram do ruxolitinibe para que possamos, então, trazer esperança para esses pacientes que enfrentam a mielofibrose.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Eu que agradeço, Flavia, a sua participação, e parabenizo-a pela sua luta em favor dos pacientes com mielofibrose.
Esta Comissão, que é a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, tem-se debruçado sobre vários temas relacionados à saúde do idoso. Nós sabemos da dificuldade da saúde no geral, mas, ao falarmos em doenças raras, a dificuldade, a proporção da dificuldade é muito maior. Nós temos uma dificuldade grande de diagnóstico dessas doenças raras, de tratamento. Sabemos, pelo fato da pouca incidência, da pouca quantidade de medicamentos, de técnicos para esse tratamento, que tudo fica mais caro. Então, sabemos da dificuldade, do trato das doenças raras de uma forma geral. Nesse caso, a mielofibrose, que é um câncer na medula, pode ser tratado, melhorado através do transplante, mas nem todos os idosos, nem todos os pacientes têm sucesso ou podem fazer esse tipo de tratamento. Então, com certeza, esse medicamento, traz uma melhoria significativa na qualidade de vida do paciente. O mais importante é saber que, como foi aprovado pela ANVISA, esse medicamento acaba sendo entregue ao paciente, porém de uma forma mais difícil para todos. A judicialização provoca demora no recebimento desse medicamento pelo paciente. O medicamento acaba ficando com um custo muito mais alto para o poder público, já que ele não participa de um processo licitatório que permita a aquisição com preço menor. Com isso sabemos que perdem todos.
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Por isso a importância dessa luta, deste debate, a importância de trazermos para o Parlamento o conhecimento sobre a necessidade da aprovação, na consulta pública, desse medicamento pela CONITEC.
Queria registrar a presença do Deputado Dr. Zacharias Calil. Quero dizer que é muito bom ter V.Exa. participando deste debate tão importante. Nós também realizamos uma discussão na Comissão Especial de Combate ao Câncer no Brasil sobre o mesmo assunto. Com certeza, nossa intenção é mobilizar os vários Parlamentares que têm debatido e discutido a saúde, a importância do tratamento, sim ou não, para que possamos trabalhar juntos e consolidar esse direito ao paciente com mielofibrose.
Eu quero agradecer muito a sua participação, bem como a do doutor Renato.
Passo a palavra ao Dr. Zacharias Calil, que já se faz presente. S.Exa. esteve até agora há pouco conosco na Comissão de Seguridade Social e Família, aprovando projetos importantíssimos de interesse da saúde do povo brasileiro. É uma Comissão que tem debatido temas de extrema relevância e hoje debate projetos de grande importância. S.Exa. agora está aqui conosco, também numa extensão dos trabalhos de hoje, debatendo sobre os tratamentos, o diagnóstico, o acesso ao tratamento da doença mielofibrose.
Seja bem-vindo, Dr. Zacharias Calil. V.Exa. tem a palavra.
O SR. DR. ZACHARIAS CALIL (UNIÃO - GO) - Boa tarde a todos. É um prazer enorme estar aqui com vocês. V.Exa. falou sobre um tema muito importante que é a judicialização. Isso aumenta muito a demanda e o tempo de espera desses pacientes que tanto necessitam do tratamento. Sabemos o quanto a judicialização é prejudicial. A CONITEC está ali para realmente trabalhar em cima disso, mas a demora é muito grande.
Eu vim aqui para acompanhar a audiência e aprender mais um pouco com os nossos convidados.
Muito obrigado.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Seja muito bem-vindo, Dr. Zacharias Calil. É muito importante o seu trabalho, a sua atuação parlamentar na Câmara Federal. V.Exa. traz e discute demandas importantes. Ficamos feliz em tê-lo aqui participando conosco.
Já ouvimos o Dr. Renato, que é hematologista, falando da importância do ruxolitinibe para o tratamento da mielofibrose, da dificuldade de aprovação. Apesar de ter sido aprovado pela ANVISA, a CONITEC ainda não autorizou o seu uso. Por ter sido aprovado pela ANVISA, os pacientes têm tido acesso a essa droga através da judicialização. Aqui, a tentativa é ajustar isso, para que possa ser disponibilizado de forma menos sofrida para o paciente. Judicializar também não é fácil para o paciente, que só faz isso como último recurso, quando ele precisa muito. Ao mesmo tempo, deve-se baratear o custo. Quando existe uma compra em quantidade maior, com certeza esse custo fica menor para o poder público.
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Ouvimos também a Flavia Maoli, Presidente do Projeto Camaleão, ONG que tem tratado e acompanhado os pacientes como mielofibrose em nosso País.
Eu queria passar a palavra ao Dr. Renato ou a Flávia paras as considerações finais. Se quiserem fazer algum comentário, a palavra está aberta.
O SR. DR. ZACHARIAS CALIL (UNIÃO - GO) - Deputada, quero complementar a minha fala. Há pouco tempo um paciente com diabetes tipo 2 me procurou, porque precisava de um medicamento injetável, que está sendo muito utilizado no mercado. O medicamento custa oitocentos e tantos reais por mês. Ele foi orientado a recorrer ao Ministério Público, preencheu todos os dados, fez tudo direitinho e protocolou no Ministério Público. O Ministério Público negou o tratamento, dizendo que o medicamento que ele pedia não faz parte dos medicamentos que existem no programa do Ministério da Saúde.
Eu analisei o processo e vi aquilo ali com muita... É claro que o medicamento não está no programa, mas nós temos que ver que ele citou outras drogas que poderiam, sim, ser utilizadas. No processo consta que ele já utilizou aqueles outros medicamentos durante vários anos e não teve o efeito desejado. Ele continua com a diabetes, principalmente em jejum, com a glicemia alta. O medicamento lhe foi negado, mandaram-no retornar ao medicamento anterior.
O próprio Ministério não acompanha a evolução da medicina, dos medicamentos. Hoje, nós temos condições de oferecer melhor qualidade de vida para o paciente, com menos efeitos colaterais e com efeito mais produtivo, mais eficaz. O Ministério Público está ali para melhorar a condição do próprio paciente, do cidadão, mas, talvez, o médico não tenha se atualizado.
A justificativa foi essa. Eu vejo isso com muito descaso, às vezes, em relação a esses novos tratamentos.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Exatamente. Inclusive nós tivemos uma reunião há poucos dias com a equipe da Frente Parlamentar de Combate ao Diabete e conversamos sobre a questão da insulina prolongada. Hoje, o SUS disponibiliza uma insulina antiga, e existem novas tecnologias. Mas quando a CONITEC avalia, ela olha o preço de uma dose. Com a nova tecnologia, uma dose equivale a três doses antigas. Os preços se equiparam, mas a acondicionante de o preço ter que ser igual ao de uma dose faz com que não se avalie o todo do custo-benefício do medicamento.
É claro que essa é uma análise técnica. Quem sou eu para fazer um julgamento sobre isso, mas queremos sempre ressaltar a importância da agilidade nessas análises, porque doenças, como câncer, que são sensíveis ao tempo, que não podem esperar, precisam ter um tratamento mais rápido na incorporação de novas tecnologias, de um diagnóstico mais rápido para que possamos obter melhores resultados no enfrentamento aos vários tipos de câncer. Estamos falando aqui de um câncer que atinge geralmente pessoas idosas. Mas vamos demorar 10 anos ou 20 anos para conseguir essa análise?
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Então, precisamos de uma resposta mais rápida e que crie uma viabilidade, não só para o paciente, mas também para o poder público, para ele poder adquirir de forma mais em conta, dar um andamento mais econômico em relação à dispensação, porque acaba que, quando se judicializa, tem que dispensar do mesmo jeito, tem que entregar, e fica muito mais caro.
Essa demora na decisão e na aprovação das medidas acaba trazendo também prejuízo para o Erário público.
Passo agora a palavra para a Dra. Caroline Rech, médica nefrologista e membro do Comitê de Bioética do Grupo Hospitalar Conceição, por 15 minutos.
A SRA. CAROLINE RECH - Muito obrigada. Boa tarde a todos. Agradeço por terem me aguardado, uma vez que eu tive uma intercorrência pessoal agora no início da tarde.
Eu venho convidada pela equipe do grupo do Projeto Camaleão para conversar um pouco com vocês sobre alguns aspectos bioéticos que estão associados ao tratamento da mielofibrose.
Aproveito também para falar que ontem foi um dia bastante importante para nós do Comitê de Bioética do Grupo Hospitalar Conceição, porque foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania o Projeto de Lei nº 5.559, de 2016, que é o Estatuto dos Direitos do Paciente, que vai agregar muito a essa discussão para todos os pacientes, na verdade, em tratamento de saúde. E acredito que muitas das coisas que eu vou falar aqui hoje estão também ali dentro desse estatuto.
O estatuto passa agora a ser avaliado no Senado e, se tudo correr bem, será aprovado. Em breve teremos uma lei federal, então, que vai dar titularidade de direitos aos pacientes, que é algo que ainda não temos no Brasil.
Mas sobre a mielofibrose, acredito que vocês já ouviram muitos colegas aqui falando a respeito da doença, como é uma doença que acaba acometendo prioritariamente um grupo de pacientes mais idosos, esses pacientes acabam sendo expostos ao que chamamos em bioética e na prática, na verdade, de etarismo ou idadismo. E é um pouco sobre isso que eu vou conversar com vocês hoje aqui.
O etarismo não é um conceito novo, é um conceito que já vem sendo descrito na literatura, desde a década de 70. Ele se refere à discriminação com base na idade da pessoa, em geral, direcionada a jovens e idosos, preferencialmente a idosos. Ele é um tipo de discriminação que vai determinar piores condições de saúde dos pacientes, isolamento social, mortes precoces e elevado custo ao sistema de saúde.
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Nos Estados Unidos, estima-se que o custo do etarismo, desse tipo de discriminação, para o sistema de saúde chega à casa dos bilhões, numa sociedade que também vem envelhecendo. A nossa sociedade não é diferente da deles. Não somos mais um país de jovens, já estamos virando um país com mais adultos envelhecendo e com uma grande carga de pacientes idosos.
O etarismo se tornou um tema muito evidente durante a pandemia de COVID-19 porque o critério de idade muitas vezes foi o único utilizado para determinar o acesso a cuidados médicos, à terapia salvadora de vida, como, por exemplo, oxigenioterapia e ventilação mecânica e a indicação de isolamento social. Muitos países restringiram a saída de casa dos pacientes com mais 65 e 70 anos, liberando os outros adultos, como se eles fossem imunes ou invencíveis à COVID. Isso felizmente não foi visto aqui no Brasil nesse extremo.
Durante a pandemia, nós tivemos o que chamamos de figura estereotipada do idoso. Todo idoso ficou sendo visto como uma pessoa frágil, vulnerável, doente, sem valor para a sociedade, e essa imagem foi utilizada indiscriminadamente, fazendo com que um grupo essencialmente heterogêneo fosse homogeneizado e muitas vezes impedido de ter o seu tratamento individualizado, de ser visto na sua essência única de indivíduo, de paciente único. Um paciente de 95 anos é colocado na mesma linha de um paciente de 65 anos que tem outras comorbidades e questões relacionadas à saúde.
Esse não foi um movimento visto apenas na área da saúde. Foi um movimento da sociedade. Para vocês terem uma ideia, aproximadamente um quarto de todas as manifestações realizadas no Twitter no pico da pandemia foi classificado como etarista. Então, vemos um movimento social de etarismo.
A triagem baseada apenas na idade foi amplamente criticada por diversos setores, inclusive pela Organização Mundial de Saúde e pela Organização das Nações Unidas, ao negar às pessoas o direito à saúde, que é considerado um direito humano essencial. Sobre a questão de se negar o direito à saúde, em 2020, antes da pandemia, uma revisão sistemática foi publicada mostrando que em 85% dos 149 estudos que essa revisão analisou a idade determinava quem receberia determinados tratamentos ou procedimentos. Os pacientes eram excluídos de opções terapêuticas apenas com base na sua idade. Com relação à população geral, uma pesquisa com 83.034 pessoas em 57 países destacou que 1 em cada 2 pessoas tem atitudes etaristas de forma moderada a alta. Essa é uma discriminação que está muito presente na nossa sociedade.
Uma coisa importante de se lembrar é que a idade não pode ser considerada apenas numericamente, só o número. Muito embora a idade esteja obviamente relacionada aos processos biológicos de envelhecimento, ela é em grande parte um construto social. Ser considerado jovem ou idoso vai depender muitas vezes do contexto da cultura em que essa pessoa está inserida.
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O etarismo, então, com base unicamente na idade surge quando a idade é utilizada para categorizar e dividir as pessoas de forma que as levem a danos, desvantagens e injustiças que podem inclusive minar a sensação de solidariedade intergeracional e reduzir a capacidade de as pessoas serem solidárias com os mais velhos.
Esse etarismo pode assumir várias formas, desde atitudes preconceituosas individuais ou de grupo até atos mais explícitos de discriminação, culminando inclusive com políticas e práticas institucionais que vão perpetuar estereótipos de idade. Essa é uma prática normalizada e disseminada na sociedade, mas pouco reconhecida, e está presente não só nas atitudes individuais como também nas políticas públicas, nas leis, nas instituições. Ela é reconhecidamente um obstáculo à formulação de políticas e ações eficazes para o envelhecimento saudável, tanto é que tem sido um tema prioritário da Organização das Nações Unidas e da Organização Mundial da Saúde.
O etarismo visto dentro do conceito ampliado de saúde, adotado pela Organização Mundial da Saúde, tem se constituído num importante — mas extremamente negligenciado — determinante social da saúde. Vários estudos consideram que ele tem significativo impacto ou até maior do que o racismo. Imaginem essas duas situações associadas, o que é muito comum na nossa sociedade, infelizmente.
Com relação ao etarismo institucional, estamos falando aqui sobre formulação de uma política pública que garanta acesso a tratamentos. O etarismo institucional vai se referir a leis, regras, normas sociais e práticas institucionais que vão restringir de forma injusta oportunidades e podem levar a desvantagens sistemáticas de indivíduos com base na sua idade. No setor de saúde as políticas que permitem a alocação de recursos com base exclusivamente na idade, sem considerar outros fatores que não a idade, podem ser consideradas um exemplo de etarismo institucional.
Tudo isso eu trouxe para falar um pouco da mielofibrose e de como o etarismo pode estar associado a essa doença. O etarismo pode estar presente na forma institucional quando se limita o acesso aos pacientes majoritariamente idosos a tratamentos com potencial de modificar sua qualidade de vida. Cabe ressaltar aqui que um tratamento considerado paliativo, a exemplo do que saiu naquele parecer inicial da CONITEC, que o negou porque se tratava de um tratamento paliativo, vai se relacionar não só com uma melhor qualidade de vida do paciente como também com o aumento da expectativa de vida livre de doença, muito embora não vá determinar a cura.
Um dos filósofos mais famosos da atualidade, o Peter Singer, diz que é necessário nos despirmos da utopia de salvar vidas. O que qualquer tratamento faz, se bem-sucedido, é no máximo prolongar a vida. Então, o tratamento paliativo vai entrar na mesma possibilidade de ser aprovado, de ser instituído e de gerar maior expectativa de vida, maior prolongamento de vida com qualidade, no mesmo nível muitas vezes de um tratamento curativo. É importante ressaltar que políticas públicas que excluem ou limitam o acesso a tratamentos em saúde a uma parcela da população com base na idade servem apenas para reforçar estereótipos e perpetuar na sociedade práticas de preconceito e discriminação.
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O poder público não pode se furtar ao seu papel de defensor de direitos dos pacientes, não pode nunca assumir um papel de violador. Então, é importante trazermos essa questão do etarismo porque muitos dos fatores que levam a uma mudança na sociedade devem partir inicialmente do poder público.
Era isso que eu tinha a falar para vocês.
Agradeço por terem me ouvido.
Muito obrigada
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Nós que agradecemos, Dra. Caroline, a contribuição e a participação.
Eu gostaria, mais uma vez, de passar a palavra para a Flavia, o Renato e a Caroline, para algumas considerações finais, se eles quiserem falar mais alguma coisa.
Você gostaria de falar, Flavia?
A SRA. FLAVIA MAOLI MAGALHÃES DE OLIVEIRA - Gostaria.
Obrigada, Deputada.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Passo, então, a palavra para a Flavia, para as considerações finais.
A SRA. FLAVIA MAOLI MAGALHÃES DE OLIVEIRA - Deputada Flávia, a questão de que estávamos falando — de o tratamento estar aprovado pela ANVISA e disponibilizado para os planos de saúde e não para o SUS — é, para o paciente SUS, uma das situações mais tristes que uma pessoa pode passar, pois ele sabe que existe um tratamento que pode lhe trazer qualidade de vida, aumentar sua expectativa de vida.
Como a Dra. Caroline bem colocou, a qualidade de vida é um fator crucial para qualquer paciente com câncer, porque, como eu disse antes, uma vida sem qualidade não é uma vida digna, não é uma vida com respeito à dignidade.
Como falamos, já está acontecendo esse custo para o Governo, já está acontecendo a judicialização. Mas a equidade não está acontecendo da forma que precisa ser feita, com todas as pessoas tendo o mesmo direito ao tratamento e não as pessoas que têm um pouco mais de acesso à Justiça, à informação. As pessoas que têm esse acesso conseguem, hoje em dia, o tratamento que precisam para a mielofibrose, mas as pessoas que não têm esse acesso acabam ficando sem tratamento e sofrendo muito.
Quando falamos de mielofibrose no SUS, hoje em dia, estamos falando de muito sofrimento, de uma vida muito indigna. Então, estamos torcendo para que consigamos reverter esse parecer inicial e tenhamos essa aprovação. Esse é um benefício para todo o sistema, não é um benefício só para o paciente, mas também para o Governo, que vai ter esse custo dentro do seu orçamento e não vai mais arcar com a judicialização, que sabemos que é um processo extremamente desgastante para todos os envolvidos.
Então, eu gostaria de agradecer a oportunidade de novo, Deputada Flávia. É um prazer estar aqui, é um prazer poder participar dessa luta. Fico à disposição para sempre trabalharmos em favor dos pacientes.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Flávia Morais. PDT - GO) - Nós que agradecemos à nossa querida Flavia, ao Dr. Renato e à Dra. Caroline a participação.
Terminados os debates, agradeço a todos os convidados, que nos honraram com as suas exposições e seus esclarecimentos, a presença.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos, antes, porém, convocando reunião deliberativa extraordinária para a próxima quarta-feira, dia 18 de maio, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, às 13 horas, no Plenário 12, com pauta a ser divulgada oportunamente.
Declaro encerrada a presente audiência pública.
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