4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Grupo de Trabalho (GTSISGOV) destinado a analisar e debater temas relacionados ao sistema de governo semipresidencialista
(Reunião Extraordinária (semipresencial))
Em 4 de Maio de 2022 (Quarta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:06
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O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Declaro aberta a 6ª Reunião do Grupo de Trabalho destinado a analisar e debater temas relacionados ao sistema de governo semipresidencialista.
Encontra-se à disposição dos Srs. Deputados a Ata da 5ª reunião, realizada no dia 27 de abril de 2022.
Declaro dispensada a sua leitura, nos termos do Ato da Mesa nº 123, de 2020.
Não havendo quem queira retificá-la, em votação a ata.
Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada a ata.
A Ordem do Dia prevê a realização de debates sobre o sistema de governo semipresidencialista com os membros do Conselho Consultivo deste Grupo de Trabalho.
Informo que participarão, por videoconferência, o Sr. Ministro Nelson Jobim, Coordenador do Conselho Consultivo deste Grupo de trabalho; o Dr. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Professor de Direito da Universidade de São Paulo — USP; o Prof. Jorge Galvão, advogado, Procurador do Distrito Federal e professor da UnB.
Eu esclareço aos Srs. Parlamentares e aos senhores membros do Conselho Consultivo que a reunião está sendo gravada e transmitida ao vivo pela Internet e que todo o conteúdo permanecerá disponível na página do Grupo de Trabalho por tempo indeterminado e poderá ser utilizado pelos serviços de comunicação da Câmara na sua íntegra ou em parte para a produção de reportagens, documentários e afins.
Para o bom ordenamento dos trabalhos, concederei a palavra aos Parlamentares inscritos, por até 3 minutos cada, e aos membros do Conselho Consultivo, por 5 minutos, intercalando-se as falas.
Os Deputados que queiram se manifestar poderão se inscrever pelo aplicativo Infoleg.
Informo ainda que a presente reunião é interativa pela plataforma do e-Democracia disponível no sítio da Câmara dos Deputados. Assim, qualquer cidadão cadastrado poderá dirigir perguntas ou sugestões a este colegiado, que poderão ser selecionadas para serem lidas ao vivo ou respondidas posteriormente.
Eu quero justificar a ausência física do Deputado Samuel Moreira, que tem nos liderado e tem coordenado este Grupo de Trabalho, porque ele testou positivo para COVID na segunda-feira. Portanto, ele está bem, mas em reclusão na sua casa, lá no nosso Estado de São Paulo.
Eu gostaria, Deputado Samuel Moreira, de conceder a V.Exa., como Coordenador do Grupo de Trabalho, a palavra inicial, para que depois passemos a palavra aos demais membros, aos membros do Conselho e aos Parlamentares presentes.
Tem a palavra o Deputado Samuel Moreira.
O SR. SAMUEL MOREIRA (PSDB - SP) - Obrigado, Deputado Enrico Misasi, por estar nos substituindo na condução desta reunião.
Eu queria aproveitar este momento para verificar a possibilidade de fazermos um pequeno balanço sobre o andamento dos trabalhos. Nós fizemos duas audiências públicas e algumas reuniões, a primeira especificamente entre os Deputados. Temos tido a participação de membros do Conselho.
Eu acho que seria um balanço do ponto de vista da própria participação do Conselho, estando aqui presentes o ex-Ministro Nelson Jobim, que é o nosso Coordenador, e dos demais membros do Conselho. É importante ouvi-los também.
As nossas pretensões sempre foram manter o tema vivo, em discussão na sociedade, preparar-nos para depois fazer um seminário internacional e ouvir pessoas relacionadas ao tema, para dar um encaminhamento ao final dos trabalhos.
14:10
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O nosso objetivo é ouvi-los. Eu gostaria muito hoje de ouvir um pouco os membros do Conselho Consultivo e evidentemente também os Deputados que compõem este grupo. Eu acho que é hora de fazermos também um balanço dos rumos dos nossos trabalhos para as próximas semanas.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Deputado Samuel, se V.Exa. me permite, antes de passar a palavra aos membros do Conselho, quero apresentar um breve resumo sobre as discussões que tivemos, principalmente na última audiência pública, listando os três pontos principais que foram debatidos pelo nosso grupo de trabalho desde o início. Não poderia ser diferente. Separei aqui os três temas principais para lembrar a todos e escutar o Conselho Consultivo sobre eles em plena liberdade.
Pelo que identifiquei na última audiência pública, um dos primeiros temas a serem exaustivamente debatido gira em torno da questão eleitoral partidária — e eu sei que o Ministro Nelson Jobim tem uma preocupação muito presente sobre isso. Muito se fala de uma mudança para o sistema semipresidencialista em face da fragmentação partidária que nós vivemos atualmente no Brasil, embora isso tenha melhorado com algumas reformas eleitorais havidas nos últimos anos.
A Profa. Lara Mesquita conduziu a exposição na concepção de que a discussão sobre o semipresidencialismo deveria, em alguma medida, aguardar os resultados da última reforma eleitoral, tendo em vista que ainda pode haver mudanças significativas na realidade nos próximos anos. Em consonância com a manifestação da Profa. Lara Mesquita, o Prof. Nelson Juliano também pareceu defender uma cautela e uma certa prudência numa eventual reforma do sistema de governo, em face também das últimas mudanças no sistema eleitoral. Nós sabemos que o Ministro Nelson Jobim e o Prof. Jorge Galvão, que chegou aqui agora, defenderam que não haverá nunca um momento com condições perfeitas de temperatura e pressão para se discutir mudança no sistema de governo. Se formos aguardar a perfeição no sistema eleitoral, talvez esse momento nunca chegue. Então, o primeiro ponto que está nos rondando com insistência é a questão do sistema partidário e da fragmentação partidária.
O segundo ponto são os problemas potenciais do fenômeno da coabitação, que todos nós conhecemos. No sistema semipresidencialista pode haver e em algum momento haverá a coabitação. Eu mesmo defendi aqui na última reunião, Deputado Samuel Moreira e Prof. Manoel, o seguinte: hoje em dia, nós acabamos vivendo, de alguma maneira, uma coabitação branca com a projeção institucional e com a concentração de poderes na mão do Presidente da Câmara. Então, uma virtude do sistema semipresidencial seria justamente deixar às claras, institucionalizar e normalizar algo que vive na informalidade, vamos dizer assim, na dinâmica do jogo de poder, e não na estrutura constitucional do nosso sistema.
14:14
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O terceiro ponto que em todas as audiências surge e em todas as audiências é debatido se refere, Ministro Nelson Jobim, à necessidade de se fazer consulta popular, plebiscito.
Há basicamente três opiniões externadas até agora. A primeira é aquela que não foi externada aqui no grupo, mas é representada por alguns dos presidenciáveis, especialmente pelo ex-Ministro Ciro Gomes, que diz que o presidencialismo é uma cláusula pétrea. Isso é raramente defendido. Uma corrente mais frequentemente defendida é aquela que o Prof. Daniel Sarmento aqui externou, dizendo que o plebiscito seria juridicamente necessário, ou seja, constitucionalmente exigível para haver mudança para o semipresidencialismo, embora o presidencialismo não seja uma cláusula pétrea. A terceira corrente compreende que não há necessidade jurídica, mas que eventualmente pode haver uma questão de prudência política na consulta popular, mas não há uma necessidade jurídico-constitucional de submeter qualquer alteração à consulta popular nesse sentido.
Então, são basicamente esses os três pontos que identifiquei, que podem servir para orientar um pouco o debate, embora, repito, haja plena liberdade. O intuito aqui é escutar à exaustão todos os membros do Conselho Consultivo aqui presentes.
Eu gostaria de, em primeiro lugar, passar a palavra ao Presidente do Conselho Consultivo deste grupo de trabalho, o Ministro Nelson Jobim.
O SR. NELSON JOBIM - Sr. Presidente, muito obrigado pelas referências.
Eu sugiro que nós pautemos o nosso trabalho de hoje em cima desses três temas, que são o problema do sistema partidário, a questão da coabitação e a questão do plebiscito, mas sugiro que o façamos em outra ordem. Primeiro falaríamos sobre o plebiscito. Depois, falaríamos sobre a coabitação e, por último, sobre o sistema partidário.
O senhor concorda com isso?
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Estou de pleno acordo.
O SR. NELSON JOBIM - Como Presidente do Conselho, eu tenho uma deferência enorme ao Prof. Manoel Gonçalves. Por isso, eu prefiro que o Prof. Manoel Gonçalves inicie falando, em nome do Conselho — depois, eu farei algumas observações —, sobre a necessidade ou não de um plebiscito para mudarmos o sistema de governo.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Concedo a palavra ao Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
O SR. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - Sr. Presidente, Deputado Samuel Moreira, é uma grande honra fazer parte desta Comissão.
Eu vou direto ao assunto. Eu acredito que o nosso sistema partidário precisa de uma profunda reforma, mas não acredito que ela venha simplesmente por algumas medidas isoladas, mesmo pelas emendas constitucionais que têm sido adotadas a esse respeito.
14:18
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Eu vejo que essa renovação partidária seria facilitada e até forçada pela adoção de um sistema misto de governo, exatamente porque, na medida em que esse sistema incorporar o parlamentarismo, ele obrigará necessariamente a formação de uma maioria parlamentar ou de maiorias parlamentares que se sucedam. Isso estimulará uma união entre os partidos com muito mais força e eficácia do que simplesmente prescrições a respeito deste ou daquele ponto no funcionamento do sistema eleitoral.
Eu faço essa observação baseado em uma experiência histórica. Permitam-me. Eu era um jovem estudante — eu já fui jovem e já fui estudante —, quando, em 1958, estudando em Paris, foi elaborada a Constituição que está até hoje em vigor. Essa Constituição veio exatamente procurar uma fórmula de superar as frequentes crises parlamentares que ocorreram na Quarta República Francesa, exatamente por uma fragmentação partidária que era indubitavelmente menor do que a fragmentação partidária que há hoje. De um modo ou de outro, sob a liderança do governo e sob as exigências que são próprias ao parlamentarismo, o número de partidos se reduziu e criaram-se partidos suficientemente fortes para dar sustentação ao governo. Não se pode dizer que a Constituição francesa de 1958 seja um fracasso; ao contrário.
Eu acredito que a combinação entre o melhor do presidencialismo com o melhor do parlamentarismo seja um dos elementos que deve ser considerado nessa proposta de aprimoramento do sistema de governo brasileiro, com a substituição do presidencialismo, que no Brasil tende a uma verdadeira monarquia presidencial, por um sistema que equilibre os três Poderes e particularmente fortaleça a representação parlamentar no Senado e na Câmara.
Acredito, Presidente Jobim, que era exclusivamente esse o ponto que eu deveria tratar nesta primeira parte.
O SR. NELSON JOBIM - Perfeito. Muito obrigado, Dr. Manoel, pela sua exposição.
Eu agora continuarei no mesmo tema, qual seja, o problema da fragmentação partidária. Não há dúvida de que nós temos uma fragmentação partidária. Agora, fazer depender a mudança de um sistema de governo para uma mudança do sistema parlamentar é exatamente pretender impedir que nós possamos mudar o sistema de governo. Qualquer tipo de operação no sentido de paralisarmos a discussão do sistema de governo para reabrirmos o tema complicado da mudança do sistema eleitoral, para então termos condição de alterar também o sistema partidário, seria inviável. Então, eu acho que nós podemos aprovar uma alteração do sistema de governo.
Agora, Presidente, eu gostaria de dizer que eu preferiria não usar o nome semiparlamentarismo, parlamentarismo ou presidencialismo, porque isso é função dos analistas da Constituição. É função da academia qualificar o que vamos escolher. Na verdade, em relação a isso, nós precisamos definir, nessa reforma que pretendemos fazer, quais são os poderes do Presidente da República, quais são os poderes do Primeiro-Ministro e quais são os poderes do Parlamento.
14:22
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Efetivamente, o sistema presidencial é um sistema que só tem um motor, na linguagem sartória: o motor é o Presidente da República. No sistema parlamentar, chamado parlamentarismo, o motor é o Parlamento. Depois, com as evoluções que ocorreram no final do século passado, começou a haver a criação de dois motores: o motor da Presidência da República e o motor do Primeiro-Ministro na função de governo.
Nós temos que discutir, dentro da Comissão, não se isso é parlamentarismo, se é semiparlamentarismo, se é presidencialismo atenuado, etc. Isso é para a academia resolver. Nós precisamos discutir e definir quais deverão ser, nesse nosso modelo, os poderes presidenciais, os poderes do Primeiro-Ministro e os poderes do Parlamento, estabelecendo também as regras de como são nomeados, etc. — vamos falar disso depois.
Em relação ao problema da fragmentação dos partidos, eu quero lembrar que o Congresso Nacional foi muito feliz nessa última reforma. Por quê? Porque acabou com as coligações partidárias, o que induziu os Deputados que se elegeram em decorrência do coeficiente partidário obtido pelas coligações ao tempo da eleição de 2018 a verificarem que os partidos que eles tinham e que eram coligados não têm condições eleitorais de obter um coeficiente eleitoral e que, assim, eles não serão eleitos. Então, houve essa migração. Sabiamente, o Congresso estabeleceu um período em que poderia haver uma mudança de partido, que é a janela partidária, o que dá solução para isso. Assim, começou a ocorrer uma redução subsequente de partidos. A mesma formação de algumas federações — ao que tudo indica, será formada pelo menos uma, a do PSDB — também conduzirá a uma redução partidária.
A redução da fragmentação e a consolidação partidária é um processo político que vai ocorrer nesta eleição e também na subsequência do mandato da nova legislatura. Então, eu não me preocuparia com mexer no sistema partidário e condicioná-lo a isso. Deixemos que o sistema partidário e o sistema eleitoral evoluam conforme sejam um processo.
Prof. Maneco e Deputado Samuel Moreira, que também é o nosso Presidente, eu nunca gostei dessa discussão acadêmica de qual é o melhor sistema eleitoral e de qual é o pior. O sistema é bom quando funciona; e, quando deixa de funcionar, é ruim. Há uma discussão acadêmica sobre o melhor ou o pior, mas, de fato, no mecanismo político é que ele vai se afirmar.
Então, meus caros Deputado Samuel Moreira e Prof. Maneco, eu dispensaria a discussão do sistema de partidos políticos. Deixemos que as coisas ocorram naturalmente. Eventualmente, alterada a forma da composição do governo por uma emenda constitucional, isso também vai conduzir, como disse o nosso Presidente sobre isso.
Eu me lembro, Prof. Maneco, de que de Gaulle dizia que o grande problema da França eram os partidos políticos. Quando veio o início da Constituição de 1958, que foi a Constituição que veio com de Gaulle, conseguiu-se estabelecer uma consistência maior. Essa consistência foi se criando progressivamente e, evidentemente, na época, com lideranças fortes.
Muito obrigado.
14:26
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O SR. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - Posso fazer um acréscimo?
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Pode, professor, por favor.
O SR. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - Estou de pleno acordo com o Ministro Nelson Jobim. Acho que artificialmente reformar o sistema partidário é um insucesso, e nós já vimos este insucesso claramente estabelecido pelo Ato Institucional nº 2. Alguém se lembra do Ato Institucional nº 2? Ele extinguiu todos os partidos e forçou a criação de novos. Foi uma solução, a meu ver, desastrosa.
Acredito que a adoção de um sistema semi — não coloquei o complemento agora de propósito — estimulará a renovação partidária, a reestruturação partidária, porque um gabinete, para permanecer em condições, tem que ter o apoio parlamentar. Precisando ter o apoio parlamentar, haverá a necessidade de estabelecer uma associação entre eles.
Dou plena razão ao Ministro Jobim. Afinal de contas, quando se inventou o sistema adotado pela França com a sua Constituição de 1958, não existia um nome para isso. O nome é uma questão doutrinária. Eu, por exemplo, prefiro normalmente falar de sistemas mistos, mas é claro que o sistema misto pode ter uma ênfase maior no presidencialismo ou uma ênfase maior no parlamentarismo. É exatamente isso o que o Ministro Jobim começou a dizer na sua exposição. Não se copiam modelos, mas se criam modelos, levando em conta as circunstâncias nacionais. Estou de pleno acordo com o que o Ministro Jobim declarou.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Perfeito, professor.
O SR. SAMUEL MOREIRA (PSDB - SP) - Presidente Enrico...
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Deputado Samuel Moreira, vou apenas anunciar a presença da Deputada Margarete Coelho e do Deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, e dizer aos que chegaram agora que estruturamos a discussão em três pontos, sem prejuízo de entrarmos em outros depois: a fragmentação partidária, ou seja, se é necessário promover uma mudança no sistema eleitoral partidário antes de haver uma mudança no sistema de governo; a coabitação, seus riscos e possíveis mitigações dos problemas; e a necessidade de fazer uma consulta popular. Estamos indo por temas e vamos fazendo as rodadas.
Tem a palavra o Deputado Samuel Moreira.
O SR. SAMUEL MOREIRA (PSDB - SP) - Concordo plenamente com a exposição do Prof. Manuel, que considera ser uma vantagem do novo sistema a possibilidade de se avançar na diminuição do número de partidos. Haverá uma base, um bloco de apoio ao Governo, e os outros serão de oposição, evidentemente. A partir daí, com o tempo, vai-se construindo a diminuição do número de partidos. Portanto, o sistema traz uma vantagem. Mas, ainda que isso não fosse uma vantagem, como disse o Ministro Nelson Jobim, não seria necessário fazer uma reforma para implantar o sistema.
No presidencialismo, o pluripartidarismo é pior, na minha opinião, porque normalmente um presidente se elege com uma bancada de 10%, de 15% do seu partido. Depois, ele passa a construir maioria projeto a projeto, com aquelas dificuldades que nós conhecemos do presidencialismo.
Então concordo plenamente.
14:30
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Acho que eu posso partir para uma conclusão, nesse assunto de diminuição desse pluripartidarismo. O sistema semipresidencialista se apresenta como uma vantagem, para que nós possamos caminhar neste sentido, em vez de simplesmente se fazer uma legislação que sei lá quando poderá vir.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Acho importante irmos sentindo a opinião de cada um, para chegar a conclusões, junto com o conselho consultivo e com grupo de trabalho.
Vou passar a palavra agora à Deputada Margarete Coelho, que se inscreveu para falar sobre esta questão dos partidos, do sistema eleitoral.
A SRA. MARGARETE COELHO (PP - PI) - Muito boa tarde. Eu gostaria de cumprimentar todos, individualmente, com todo o respeito e acatamento.
Nesta sala se encontram pessoas que têm sido referenciais teóricos dos nossos estudos. É um prazer enorme estar na presença do Prof. Manoel Ferreira Gonçalves Filho, do Ministro Nelson Jobim e de tantos que estão aqui conosco neste momento e que nos acompanham.
Eu também concordo com o Ministro Nelson Jobim sobre a desnecessidade de se fazer o debate sobre o sistema partidário neste momento. Acho que o próprio modelo semipresidencialista vai resolver a questão do sistema partidário em determinados pontos como, por exemplo, o presidencialismo de coalizão que temos hoje, com que convivemos hoje. Neste caso, há um quadro formado pelo colégio de eleitores que estabelece quem é situação e quem é oposição. Depois, em decorrência da pulverização dos partidos políticos no Congresso Nacional, isso termina promovendo uma forma de atração e de apoio que não fortalece o nosso sistema político.
Agora está tramitando aqui um código eleitoral que, em grande medida, reforma pontos nevrálgicos do sistema partidário. Como apontou o Ministro Nelson Jobim, o fim das coligações é extremamente importante. Além disso, há a cláusula de desempenho. Temos visto, em diversos momentos, membros do Supremo admitirem que não foi a melhor decisão declarar a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei nº 9.096, a Lei Orgânica dos Partidos Políticos, quando se declarou inconstitucional a cláusula de desempenho. Agora, conseguimos uma solução colocando cláusulas de desempenho pessoal, porque não podemos exigir a cláusula de desempenho dos partidos, que já foi declarada inconstitucional. Há a clausula de desempenho pessoal.
Também vimos que a experiência de não se exigir o cumprimento do quociente eleitoral para participar da distribuição das sobras terminou por confundir, por embaralhar um pouco mais a questão. Nessas reformas que fizemos agora e notadamente nas que estão no código eleitoral — algumas estão em leis avulsas, vigendo já para esta eleição — exige-se um desempenho pessoal do candidato. Mesmo quando um partido faz o quociente eleitoral, é preciso ter desempenho de pelo menos 10% deste quociente para que o partido participe da distribuição das sobras, é preciso que ele perfaça pelo menos 80% do quociente partidário, e o desempenho pessoal deve ser de pelo menos 20%. Acho que, com isso, vamos terminar ajustando essas questões de forma gradativa, de forma pontual.
14:34
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Acho que o semipresidencialismo pode dar fim ao presidencialismo de coalizão, mas ele próprio não será uma panaceia, é claro. Com relação a esse ponto, eu tenho muita esperança, Deputado Enrico Misasi. Quem for de situação vai ser de situação, quem for de oposição vai ser de oposição, sem essas trocas que acontecem hoje e que confundem a população, que, no final das contas, não sabe quem é quem, não diferencia um partido do outro. Os programas partidários são completamente idênticos. Devemos sanar esses pontos. A partir do momento em que há clareza de quem é situação, de quem é oposição, de que bandeiras cada partido defende, nós vamos fazer ajustes sem precisar de uma intervenção maior. Eu brinco muito, dizendo que faremos acupuntura no sistema partidário, agindo só onde está inflamado, só nos pontos nevrálgicos.
O debate sobre o semipresidencialismo vai exigir muito deste Parlamento, da sociedade civil e da academia. Acho que há bastante coisa a ser feita. Se nós trouxermos esse debate sobre partidos aqui para dentro, vamos correr o risco de desviar o foco e terminar sem fazer nem uma coisa nem outra.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Obrigado, Deputada Margarete Coelho.
Passo a palavra ao Prof. Jorge Octávio Lavocat Galvão, para tecer seu comentário sobre este tema.
O SR. JORGE OCTÁVIO LAVOCAT GALVÃO - Presidente Enrico Misasi, cumprimento V.Exa., os Deputados presentes — a Deputada Margarete Coelho, o Deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança e o Deputado Samuel Moreira —, e os membros do conselho consultivo que participam desta reunião, Ministro Nelson Jobim e Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
Quero reforçar o que foi dito por todos antes de mim e agora, com bastante efusividade, pela Deputada Margarete Coelho. É algo que vimos debatendo nas outras reuniões. Eu diria que nós temos quatro razões para mudar o sistema de governo, sem precisar mudar o sistema eleitoral.
A primeira razão foi mencionada pela Profa. Laura Mesquita na audiência pública passada: nós deveríamos aguardar os efeitos da Emenda Constitucional nº 97, que fez a reforma eleitoral. Naquele momento, foi dito que nós deveríamos aguardar até 2030, quando seus efeitos terminariam, para pensar numa mudança do sistema de governo. Já seria um novo ambiente, um novo contexto. Porém, na verdade, essas mudanças sempre ocorrem com bastante antecedência. A própria Emenda Constitucional nº 97 é de 2017, e os seus efeitos só vão se encerrar em 2030. A adoção do semipresidencialismo hoje, para que funcione em 2030, nada mais é, a meu ver, que um complemento da Emenda Constitucional nº 97, que de uma forma ou de outra vai acabar diminuindo a quantidade de partidos. Então, há uma convergência, porque a Emenda Constitucional nº 97 conduz a uma diminuição do número de partidos, e isso é bom para o semipresidencialismo.
A segunda razão refere-se ao que o Prof. Manoel Gonçalves disse da experiência que ele mesmo vivenciou com relação à atratividade que o sistema semipresidencialista vai acabar trazendo. As pessoas vão ter que se definir como governo ou oposição, e isso vai trazer uma força aglutinadora para partidos com maior força política.
Por fim, existe aquela consideração, contida na doutrina do Prof. Carlos Blanco, de que sistemas proporcionais, quando colocados em regimes semipresidencialistas, acabam levando o Governo mais ao centro, ou seja, acabam diminuindo a polarização. Com isso, a meu juízo, não seria necessária a alteração do sistema proporcional para um sistema distrital ou distrital misto neste momento.
14:38
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São essas as considerações, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Perfeito, professor.
Eu passo a palavra ao Deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, para tratar deste tema e ver se nós temos unanimidade ou quase unanimidade.
O SR. LUIZ PHILIPPE DE ORLEANS E BRAGANÇA (PL - SP) - Obrigado, Presidente.
Falarei agora sobre os três temas aqui tratados: sistema eleitoral, sistema partidário e plebiscito.
Primeiro, concernente ao sistema eleitoral, cito a experiência da Alemanha, que era um sistema semipresencialista no início do século XX e que se tornou um sistema parlamentarista em meados do século XX, depois da Segunda Guerra Mundial. Aquele país fez uma grande alteração no sistema eleitoral, adotando o modelo distrital e saindo do modelo proporcional, que é o modelo brasileiro hoje.
A experiência da França, nesse mesmo período, foi o inverso da Alemanha. A França tinha um modelo parlamentarista que não dava certo. A Quarta República não dava certo, não se estabilizava com o modelo proporcional de voto. Qual foi a saída de Charles de Gaulle? Implementou o modelo distrital no sistema eleitoral.
Então, acho que desvincular a questão do sistema eleitoral da governabilidade é cometer um grande erro de análise. Vários países hoje têm um modelo distrital e demonstram exatamente isso que foi pregado aqui, que é uma escolha natural daqueles que são os mais capacitados para conquistar o poder e atingir a governabilidade. Trata-se de um sistema transparente que permite uma infinidade de partidos, dentro dos seus distritos. Porém, com os processos eleitorais recorrentes e com várias iterações dos ciclos eleitorais, naturalmente se escolhem poucos partidos que compõem a câmara nacional, sem precisar de regulamentação. A regulamentação do sistema partidário eleitoral é sugerida exatamente pela falência dos mesmos. É como eu vejo. Esse negócio de cota de coeficiente eleitoral, cláusula de barreira, tudo são correções. Bom, esse é o primeiro ponto do sistema eleitoral.
Segundo ponto: sistema partidário. O sistema partidário brasileiro tem financiamento público, e as eleições também têm financiamento público. O que eu vejo de problema nisso? Há um grande risco de incorrer no erro do Pacto de Punto Fijo, que foi estabelecido na Venezuela.
Vou lembrar um pouquinho a história da Venezuela. O Pacto de Punto Fijo foi uma tentativa da Venezuela de estabilizar o sistema político eliminando os extremos. Então, eliminaram-se os militares, os partidos mais "conservadores" — entre aspas — e os partidos radicais de esquerda. Os partidos de centro se formaram como um bloco uníssono e no comando da coisa pública da Venezuela. Talvez se possa dizer que o Pacto de Punto Fijo teve sucesso no início, mas ele demorou pouco, porque logo se tornou o maior agente corruptor da Venezuela. Foi ele que levou à criação de Cháves, o populista que veio romper com esse modelo oligárquico totalmente emaranhado no comando do Estado. Cháves tinha muita legitimidade na sua propositura de romper com esse modelo, exatamente porque o modelo era falho, não incluindo uma série de debates que aconteceram na sociedade. O bloco uníssono do Pacto de Punto Fijo, todo financiado pelo Estado, levou a esse movimento pendular contra as instituições públicas. Hoje, vemos o que a Venezuela se tornou.
14:42
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Eu vejo com muita preocupação não fazer uma reforma no sistema partidário. Por quê? Eu acho que, se eliminarmos o financiamento público dos partidos, ou ao menos exigirmos a democratização de todos os partidos que recebem recursos públicos, eles se tornarão agentes do Estado e não partícipes da sociedade. No minuto em que você recebe recurso público, você é participe do Estado. Para ser participe do Estado é preciso transparência total, e não blindagem total. Eu acho que é isso que está acontecendo aqui.
Precisamos mexer no sistema partidário, seja por um lado, seja por outro, seja para garantir que não haja necessidade de se fazer um Pacto de Punto Fijo, criando uma coesão dos partidos de centro para dominar a coisa pública, seja para romper completamente com o financiamento público de partidos, de campanhas e de sistema eleitoral. Eu sou mais pendente a essa segunda opção. Acho que toda mudança constitucional, sobretudo nessa que muda o modelo...
Nós passamos por várias mudanças no sistema presidencialista, e a população não foi sondada. De fato, o modelo presidencialista que vivemos hoje não é o sistema presidencialista de 1988, que foi sendo alterado nos últimos 30 anos. A população foi sondada durante esse período? Se tivesse sido, não haveria dúvida criada na população e uma anomia entre a população e o modelo do Estado hoje. Eu sou favorável ao plebiscito, sim, quando há necessidade de mudança de regime.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Deixe-me só esclarecer um ponto, para acolher bem a impressão de V.Exa, Deputado Luiz Philippe, com relação à questão do sistema eleitoral. A pergunta, basicamente, demanda uma resposta "sim" ou "não". Na opinião de V.Exa., para se alterar o sistema de governo, é mandatório e necessário que se altere antes o sistema eleitoral?
O SR. LUIZ PHILIPPE DE ORLEANS E BRAGANÇA (PL - SP) - A resposta é "sim".
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - A resposta é "sim".
Então, aqui temos um ponto de divergência, porque todos os outros, sejam membros do conselho consultivo, sejam Parlamentares que se manifestaram, chegaram a entendimento diferente. Acho bom deixar isso consignado, porque os outros disseram que a própria mudança para o sistema semipresidencialista — corrijam-me, se eu estiver equivocado — pode provocar mudanças saudáveis no sistema eleitoral. Seria um ciclo virtuoso, o sistema semipresidencialista vindo na frente impactaria positivamente, no médio prazo, o sistema eleitoral.
O SR. LUIZ PHILIPPE DE ORLEANS E BRAGANÇA (PL - SP) - Se for uma proposta concomitante, pode ser. Mas eu acho que, se não mexermos no sistema eleitoral, não lograremos a estabilização e a governabilidade que tanto almejamos com essa mudança de regime.
É isso.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Perfeito. Obrigado, Deputado Luiz Philippe.
Eu queria consultar o Ministro Nelson Jobim se prefere que o segundo ponto seja a respeito da coabitação ou do plebiscito.
O SR. NELSON JOBIM - Vamos partir para coabitação.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Eu faço a seguinte sugestão, Ministro: podemos tratar da coabitação, mas fazendo incursões também na divisão entre as funções, porque acho que tem muito a ver. A coabitação é fruto disso. Acho que podemos tratar de coabitação e também do agenciamento das funções para o Presidente da República, para o Chefe de Governo e para o Parlamento.
Passo a palavra a V.Exa.
14:46
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O SR. NELSON JOBIM - Sr. Presidente, Prof. Manoel Gonçalves, Sra. Deputada, Sr. Deputado, Deputado Samuel Moreira, dispensando a linguagem, eu prefiro não usar a expressão "semipresidencialismo". Prefiro usar o desenho atual do sistema de governo brasileiro. Ponto. Como diz o Prof. Manoel Gonçalves, a questão de colocar nome é problema para a dogmática, para a teoria jurídica etc.
O problema da coabitação diz respeito a quê? Diz respeito à possibilidade de ser eleito um Presidente da República de um partido e um Primeiro-Ministro de outro partido. Vejam o que está acontecendo agora na França, onde Macron ganhou a eleição para Presidente da República por eleição direta, derrotando no segundo turno a Sra. Le Pen, que era da Frente Nacional. Agora, vai haver eleições parlamentares. A maioria que eventualmente se formar na eleição parlamentar é que vai determinar o Primeiro-Ministro. Tanto a candidata Le Pen quanto a Esquerda de Mélenchon estão tentando fazer com que, nesta eleição, eles sejam vitoriosos sobre o partido do Presidente Macron. Se forem vitoriosos, haverá um problema de coabitação, com Macron de um lado, e Mélenchon ou Le Pen do outro.
Esse problema da coabitação é um resultado do processo eleitoral que não pode ser impedido. Mas nós temos que resolvê-lo, de forma a estabelecer nitidamente as competências do Presidente da República, as competências do Primeiro-Ministro e também as competências do Parlamento. É por aí que nós temos que caminhar. Essa solução foi dada em Portugal, onde hoje há coabitação entre o Presidente da República e o atual Primeiro-Ministro daquele país.
Eu diria que nós temos que discutir primeiro, independentemente do nome a ser dado, quais são os poderes que devem ou não ser atribuídos ao Presidente da República. Eu dividiria em dois tipos os poderes do Presidente da República: o seu poder legislativo e o seu poder não legislativo. Essas são questões a serem enfrentadas pela comissão em um debate. Em relação a poderes legislativos do Presidente da República, a pergunta é: ele terá iniciativa legislativa? Sim ou não? Se for "não", terminou. Esse é o caso de Portugal. Se for "sim", é preciso saber, entre as competências legislativas que nós conhecemos, se será a competência comum, a competência concorrente ou a competência exclusiva, ou se haverá convívio das três. É uma questão a ser examinada no desenho do poder do Presidente.
Eu lembro que há outro tema que não pode ser afastado. Não vejo a possibilidade política de a comissão caminhar para uma eleição indireta do Presidente. A eleição direta do Presidente da República é uma tradição brasileira que levaria ao desaparecimento da emenda de alteração do sistema, se nós inventássemos que o Presidente da República deve ser eleito indiretamente. Aí vem a memória dos regimes anteriores etc.
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Além do poder legislativo do Presidente, temos que decidir quanto ao veto. O Presidente poderá vetar as leis aprovadas no Parlamento? Se não houver veto, pronto. Mas, se houver veto, ele poderá ser parcial ou deverá ser total? E, terceiro: o veto será sem rejeição — porque existe algum modelo em que o veto é definitivo — ou com rejeição? Adotada a linha da rejeição, deverá ser discutido se é por maioria simples, se é por maioria absoluta ou por maioria qualificada dentro do Parlamento. E ainda há a discussão de promover maior participação do Senado nessa coisa toda, já que o Brasil tem a característica de ter um sistema bicameral.
O orçamento é outro tema. O Presidente vai ter iniciativa no orçamento ou não? Se tiver iniciativa, o Parlamento pode alterar a iniciativa? Enfim, há uma série de coisas. Quanto à ação direta de inconstitucionalidade, ele pode movê-la diretamente? Quanto à edição de decretos, ele tem poder ou não para editar decretos? Se tiver poder, os poderes serão amplos ou reservados, sem limite ou temporários? Quanto aos referendos, ele tem poder de propô-los ou não? Terá poder ou poderá rejeitar as propostas feitas pelo Governo e pelo Parlamento?
Entre os poderes não legislativos do Presidente está a formação do Governo. Ele não nomeia o Governo? Nomeia o Governo sem a aprovação do Parlamento? Nomeia com o consentimento do Parlamento? Nomeia com a confirmação e a investidura do Parlamento? O Primeiro-Ministro, com a confiança do Parlamento, nomeia os Ministros, com a confiança do Presidente da República? Terá que nomeá-los com recomendação prévia do Parlamento? É uma discussão que se dever fazer.
Na demissão do Governo ocorre a mesma coisa. O Presidente da República poderá demitir ou não o Governo? Na hipótese de poder demitir, essa demissão é livre, ou é livre em situações específicas, sem a participação do Parlamento? Poderá demitir Ministros sob a proposta do Primeiro-Ministro? Poderá demitir só com o consentimento o Parlamento? O Governo só pode ser demitido com moção de censura ou não?
E não existe só a demissão, mas também a dissolução. A dissolução do Parlamento poderá ser determinada pelo Presidente? Não pode? Se puder, será sem restrições ou com restrições temporais e de frequência?
Ou seja, nós temos um leque imenso de questões a serem examinadas no desenho dos poderes do Presidente da República e, depois disso, dos poderes do Primeiro-Ministro e do Parlamento.
Deputado Samuel Moreira, tendo em vista a experiência de outros países, nós teremos que verificar qual é o melhor sistema para evitar o conflito entre o Presidente da República e o Primeiro-Ministro. É claro que conflito político haverá. Não pensem que não haverá disputa política, porque isso faz parte do jogo. Não se pode proibir isso. Mas, em termos de desenho institucional, devemos encontrar um mecanismo que possa minimizar, no sentido institucional, ou seja, legal e constitucionalmente, os eventuais conflitos políticos entre partidos diversos que tenham assumido o Governo e que tenham assumido a Presidência da República.
Nós teremos que definir também os poderes do Parlamento. É por aí que vamos resolver o problema da coabitação. Não se pode evitar a coabitação. Para evitá-la, teríamos que estabelecer que o partido do Presidente da República eleito teria, necessariamente, maioria na eleição parlamentar. Não é o que se pensa. O modelo francês estabelece eleições separadas, primeiro a do Presidente e, depois, a do Parlamento. Tudo isso tem que ser discutido no sentido de procurarmos estabelecer...
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Tudo isso depende da sabedoria dos Deputados, porque é uma questão experimental, empírica, não é uma questão, digamos, juridicamente teórica. É uma questão empírica. Como, dentro do contexto brasileiro, nós podemos estabelecer que a coabitação não inviabilize o governo? Que solução poderá ser dada, eventualmente, quando houver um conflito político inarredável entre o Presidente e o Parlamento, diga-se, o Primeiro-Ministro?
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Perfeito, Ministro Nelson Jobim.
Para resolver essa questão, Deputado Samuel Moreira, sugiro que no próximo encontro organizemos esse debate na concretude de cada uma das competências, respondendo "sim" ou "não" às questões, definindo qual é o modelo e qual é o melhor equilíbrio a ser alcançado. A coabitação acontecerá, portanto precisamos mitigar os seus efeitos negativos com um bom agenciamento de funções para cada um dos órgãos do semipresidencialismo.
Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, eu gostaria de ouvi-lo sobre esse tema.
O SR. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - Eu gostaria de fazer uma observação. O Ministro Jobim tem toda razão quando levantou uma série de questões práticas que têm que ser resolvidas no equacionamento de um sistema de governo adequado para o Brasil. Eu faria uma boa observação até de ordem teórico-doutrinária. Afinal de contas, eu sou professor e tenho a obrigação de trazer isso.
A coabitação é uma regra essencial da democracia. Não pode existir democracia sem coabitação entre situação e oposição. Na verdade, esse é um dos grandes males que a formação democrática do povo brasileiro tem. Nunca houve a preocupação de se estabelecer um espírito democrático entre os cidadãos brasileiros, sempre se procurou acentuar as discrepâncias, e não as concordâncias. Essa é uma questão capital.
Essa questão, porém, adquiriu uma situação radical e insustentável no quadro do presidencialismo, tal qual nós o vivemos. Se há um sistema em que não há coabitação alguma, esse é o sistema presidencialista brasileiro, no qual o Presidente da República, certo ou errado, com razão ou sem razão, é combatido incessantemente em todos os passos que dá. Então, sucede que ele não pode realizar a sua política, porque os seus projetos, mesmo interessando ao País, são rejeitados por quezílias parlamentares, por mera oposição de caprichos. Portanto, a procura da coabitação é sem dúvida um traço importantíssimo para a democracia brasileira.
Agora, vejamos o exemplo francês. Na França, ninguém ignora que prepondera o Presidente da República, mas seria um semipresidencialismo. Existe coabitação, porque, mais de uma vez, o Presidente da República pertenceu a um partido, e a maioria parlamentar a outro partido. O termo "coabitação", que é empregado para designar esse quadro, é uma ironia francesa. Essa ironia refere-se ao casal que não se dá mais, mas vive junto porque é obrigado a isso, e vivendo junto ele encontra uma saída para tocar a vida.
14:58
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O nosso presidencialismo é um regime que não propicia a coabitação, é uma guerra contínua em que se multiplicam os pedidos de impeachment com razão, sem razão ou sob qualquer pretexto.
Eu citei o exemplo francês, mas posso citar o exemplo português. O Presidente da República de Portugal, que é um professor de Direito Constitucional, pertence a um partido de centro. Ele conseguiu estabelecer uma coabitação produtiva com a Esquerda naquele país. Na verdade, a última eleição portuguesa para a assembleia foi provocada por uma ruptura da Esquerda, quando a extrema Esquerda quis se impor na Esquerda. Resolveu-se esse problema com a dissolução da Câmara e a convocação de novas eleições.
A coabitação sem dúvida é essencial, mas, pela experiência com os sistemas mistos, essa coabitação tem uma geometria variável e exemplos claros nos dois casos que acabei de mencionar. Mas não há dúvida de que o ponto essencial e mais delicado de todos não é a discussão teórica sobre sistemas mistos ou sistemas públicos, é exatamente a série de questões práticas que o Ministro Jobim levantou com a sua inteligência e sua experiência.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Obrigado, Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho.
Agora, eu gostaria de saber se o Deputado Luiz Philippe, o Prof. Jorge, o Deputado Samuel Moreira ou algum outro dos presentes quer tecer comentário sobre o tema da coabitação.
Tem a palavra o Deputado Samuel Moreira, o nosso coordenador.
O SR. SAMUEL MOREIRA (PSDB - SP) - Eu queria primeiro destacar que "semipresidencialismo" é a nomenclatura adequada. Quando se introduz um Primeiro-Ministro no novo sistema de governo, nos demais países, o sistema é oficialmente chamado de semipresidencialismo. Então, estamos indo nessa caminhada, nesse sentido.
Acho que o Ministro Jobim tem razão. A coabitação está alicerçada nas atribuições que serão dadas ao Presidente e ao Primeiro-Ministro. Na nossa proposta de emenda constitucional, estabelecemos uma calibragem, com um pouco mais de força para o Presidente da República, em função da nossa tradição presidencialista no Brasil.
A transição para o semipresidencialismo dá mais responsabilidade à maioria parlamentar e passa confiança também para a nomeação de um Primeiro-Ministro sustentado na confiança legislativa.
Nós achamos que a questão orçamentária fica mais com o Primeiro-Ministro, e que o poder de veto fica com o Presidente da República, que poderá vetar e tomar iniciativas legislativas, como os Deputados também podem, tendo garantia de poder legislar sem alterar as questões orçamentárias, sem dizer de onde sairão os recursos.
Do ponto de vista administrativo, nós estabelecemos uma regra, sempre com negociação, entendimento e diálogo. Então, o Presidente indica o Primeiro-Ministro ao Parlamento, e o Primeiro-Ministro indica os demais Ministros para o Presidente nomear. O Presidente da República nomeia os Ministros que compõem o Conselho de Ministros indicados pelo Primeiro Ministro, sempre com base no entendimento e na composição.
15:02
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Eu acho que a coabitação é exceção. Ela não é regra. Ela é exceção. Acho-a uma virtude na medida em que se buscam ainda assim entendimentos para se governar. Não vejo isso como uma falha, mas, como exceção, exige a negociação, o entendimento, a composição, a concessão de determinados programas de governo. Eu não vejo problemas, mas vejo mais um ponto.
Na França, eles passaram as eleições parlamentares para 2 semanas após a eleição do Presidente, para dar condições ao Presidente eleito de influenciar na eleição do Parlamento. Eu acho que também pode ser debatida esta questão: como podemos diminuir as possibilidades de coabitação sem eliminá-la? Será necessário que ela exista. É necessário que haja essa previsão. Mas a França encontrou esse caminho de ajustar a eleição parlamentar para 2 semanas após a eleição do Presidente, para que o Presidente eleito possa influenciar na eleição do Parlamento francês. Mas, em princípio e em tese, isso vai estabelecer o grau de entendimento entre o Presidente e o Primeiro-Ministro.
Não vejo a coabitação como um problema, sinceramente.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Obrigado, Deputado Samuel.
Com relação a esse segundo tema, eu sugiro a V.Exa., Coordenador Samuel Moreira, o mesmo que o Ministro Nelson Jobim propôs: numa próxima ocasião, vamos tecer os detalhes, já que a coabitação é um fato que pode eventualmente causar certos inconvenientes para a governabilidade ou certos impasses, mas que precisa ser abordado no detalhe para podermos mitigar o caso e encontrar a calibragem correta.
Com relação ao primeiro tema, o sistema eleitoral, acho que já chegamos uma conclusão e caminhamos para o consenso. Não há necessidade estrita da anterioridade da reforma eleitoral com relação à reforma do sistema de governo, mas devem ser coisas que se beneficiem mutuamente.
Com relação à coabitação, a conclusão é deixar um debate posterior para cada uma das funções: presidente, parlamento e primeiro ministro.
Então, vamos ao terceiro tema, Ministro Jobim, sobre a necessidade de se fazer consulta popular para ver se conseguimos caminhar em direção ao consenso com relação a isso no Conselho Consultivo e no grupo de trabalho.
Tem a palavra o Ministro Jobim.
O SR. NELSON JOBIM - Eu prefiro ouvir primeiro o Prof. Manoel.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Perfeitamente.
Concedo a palavra ao Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho para tratar da necessidade ou não de se fazer consulta popular acerca da reforma do sistema de governo.
O SR. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - Obrigado.
Na história constitucional brasileira, nenhuma Constituição foi aprovada por plebiscito. Assim, eu acho que isso está fora da nossa tradição e não precisa sequer ser levado em consideração. A grande transformação política que houve em 1988 decorreu de uma simples emenda à Constituição de 1967, já modificada até por ato outorgado, a Emenda Constitucional nº 1.
15:06
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A questão do sistema de governo, embora seja uma questão capital para a democracia, é uma questão técnica extremamente complexa para ser submetida a uma eleição popular em que a maioria dos que vão deliberar sobre ela não entende o que se discute. Ela acaba se tornando uma manifestação a favor ou contra quem se deseja que tenha a palavra preponderante, afinal de contas o plebiscito que rejeitou o sistema parlamentarista estabelecido em 1961 não foi um plebiscito verdadeiramente a respeito de um sistema de governo, mas um plebiscito a respeito de devolução ou não devolução dos poderes a João Goulart.
Acredito que posso também lembrar, embora não tenha tido a honra de ser Parlamentar, que o plebiscito que se fez sobre monarquia e república foi simplesmente uma tentativa de se recolocar em discussão este mesmo problema: presidencialismo e parlamentarismo. Parlamentarismo e presidencialismo inclusive têm uma variedade de modalidades que os próprios professores têm dificuldade de expor.
Por último, argumento eu uma coisa. Nós não podemos ficar presos a deliberações tomadas por gerações muito anteriores às nossas. Um plebiscito de 1993, desculpem-me, não me parece uma necessidade para tomar uma deliberação em 2022. Eu acredito que a grande maioria do eleitorado já não participou dele em 1993 e considera totalmente nova essa questão.
Não vejo nenhuma necessidade do plebiscito, a não ser em homenagem à democracia. Mas a democracia não precisa, no Brasil, a meu ver, de homenagem. Ela precisa de efetivação.
Desculpem a minha opinião.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Professor, eu posso fazer uma pergunta ao senhor expondo um argumento que foi trazido por um dos professores que participaram da audiência pública, sabendo que o senhor escreveu um livro clássico sobre o Poder Constituinte?
Um dos argumentos em favor da necessidade do plebiscito era que a manifestação direta do titular do Poder Constituinte, ou seja, o plebiscito de 1993, em que o povo, titular do Poder Constituinte, se manifestou, teria uma hierarquia jurídico-constitucional superior a qualquer manifestação ou qualquer decisão do Poder Constituinte derivado, que seríamos nós Parlamentares, na qualidade de reformadores da Constituição. Haveria uma hierarquia jurídico-normativa entre a decisão do titular do Poder Constituinte e dos representantes desse titular, que é o povo. O que o senhor diria sobre isso?
O SR. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - O que eu diria é muito simples. Sem dúvida, a soberania na democracia pertence ao povo, e ao povo cabe tomar as decisões fundamentais. Mas isso é uma impossibilidade prática, e é exatamente por isso que se estabeleceu, por um lado, a representação popular e, por outro lado, a eventualidade da consulta popular. Na história brasileira, as mudanças se fizeram sem consulta popular. Não vejo por que seria necessária essa consulta popular hoje. Assim é colocada a questão de modo simples.
15:10
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Se nós vamos ao exemplo estrangeiro, vemos que a maior parte das mudanças constitucionais se fez por emenda constitucional sem necessidade de manifestação direta a essa proposta.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Muito obrigado, professor.
Tem a palavra o Ministro Nelson Jobim.
O SR. NELSON JOBIM - Obrigado, Presidente.
Eu acho que essa questão do plebiscito tem dois vieses de análises. A primeira linha de análise, conforme foi posto pelo Prof. Manoel, é a questão da necessidade jurídica: nós vamos aprovar uma emenda constitucional sobre sistema de governo, e essa emenda depende ou não de plebiscito, por motivos jurídicos. Estou falando se é obrigatório juridicamente, recebendo como argumento que aquele plebiscito de 1993 tornou isso cláusula pétrea, que o próprio plebiscito revogaria. Essa questão desconsidera as circunstâncias históricas.
O Prof. Manoel chamou atenção para o plebiscito da época de João Goulart. O que estava em jogo não era o parlamentarismo ou o presidencialismo, mas o poder ou não de João Goulart como Presidente da República. Era isso que estava em jogo. Lembrem-se de que toda a discussão foi nesse sentido. Naquele momento, havia também um detalhe importante, que inclusive foi uma das causas da derrota do parlamentarismo: ocorreu um erro brutal na emenda que instituía o parlamentarismo, porque se exigiu a descompatibilização dos Ministros de Estado, ou seja, os Ministros, para se candidatarem a Deputado e renovarem mandatos, precisavam ser destituídos ou serem demitidos do gabinete, o que criou uma enorme confusão. O Dr. Ulysses chamava atenção para isso à época.
O plebiscito de 1993 também era outro problema. No plebiscito de 1993 estava se discutindo os interesses ou não de setores a serem Presidente da República, o que acontece ainda hoje. Por exemplo, nós assistimos a manifestações de alguns partidos políticos dizendo que o que se quer com essa alteração do sistema de governo é cassar o poder do povo de eleger um Presidente diretamente. Isso não é uma questão jurídica. Isso é uma questão política.
A discussão, então, pode ser resolvida na questão jurídica. Há inclusive decisões do Supremo Tribunal em questões paralelas que já demonstraram que o plebiscito é dispensado. Isso se dá no aspecto jurídico.
Agora, no aspecto político, a questão deve ser resolvida dentro do Parlamento. A decisão de nós partirmos para um referendo em relação... Vejam, se você faz um plebiscito para perguntar, como se fez em 1993, sobre presidencialismo ou parlamentarismo, monarquia ou república... Eu quero lembrar que a emenda que está na Constituição de 1988 que determinou o plebiscito para consultar a população se deveria ser presidencialismo ou parlamentarismo e se deveria ser monarquia ou república decorreu de um acordo político dos parlamentaristas com os monarquistas, para efeito de conseguir quórum necessário para aprovação da emenda.
15:14
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Se nós não tivéssemos captado os votos dos então monarquistas da época... Aliás, havia um Deputado clássico aqui de São Paulo que era o líder de todo o movimento...
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Cunha Bueno!
O SR. NELSON JOBIM - Isso, Cunha Bueno!
Se nós não tivéssemos trazido o entendimento com Cunha Bueno, não teríamos aprovado a emenda. Portanto, foi uma questão estratégica e tática tentar aprovar. No entanto, quando se fez o plebiscito, só se perguntou: “Vamos ser presidencialistas ou vamos ser parlamentaristas?" Ninguém sabe o que é isso. Nós estamos perguntando a respeito de nomes, como se existisse alguma coisa no mundo que fosse ou o parlamentarismo ou o presidencialismo. Não! Existem modelos, modelos que se aproximam de um ou de outro, que respondem às necessidades populares.
Eu acho que tentar um plebiscito ou um referendo a esta emenda popular será a discussão de novo: que partidos querem tomar o poder sem a solução das questões recorrentes do nosso presidencialismo e sem os exemplos que nós temos? Nós vamos voltar à discussão. Não é o parlamentarismo que está sendo discutido ou o modelo de governo. Estão sendo discutidos os interesses individuais de setores políticos.
Eu chamaria a atenção para o seguinte. Eu me lembro de que, na Constituição de 1987 — eu estava presente —, o Presidente Sarney propôs adotar o sistema parlamentar de governo sob a condição de que seu mandato fosse de 5 anos. O Senador Mário Covas, que tinha a pretensão de ser candidato à Presidência em 1988, discordou dizendo que aceitava o parlamentarismo também — ele era parlamentarista —, mas exigia o mandato de 4 anos. O que estava embutido na redução do mandato do Presidente de 6 para 4 anos? Que as eleições seriam realizadas em 1988, durante o período em que houve a exibição ou visibilidade popular dos membros da Constituinte.
Nós temos que lembrar que essas coisas não são gratuitas: elas fazem parte exatamente da imensidade das questões. Nós temos que saber que mecanismo funciona. É preciso ajustar o mecanismo que funciona, independentemente de nomes e de pessoas. O próprio candidato Luiz Inácio Lula da Silva agora tem dito: “Vocês estão querendo discutir o semipresidencialismo exatamente para tirar poder do povo que vai me eleger". Isso não tem sentido. Tenha paciência, mas não faz sentido!
A consulta popular parte exatamente do fato de nós passarmos por cima dos interesses individuais e discutirmos o que é melhor para a gestão do País.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Passo a palavra ao Deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança, um ardoroso e convicto defensor da consulta popular em se tratando de qualquer emenda constitucional aprovada pelo Parlamento. Portanto, o Deputado, provavelmente, divergirá dos nobres membros do conselho consultivo.
O SR. LUIZ PHILIPPE DE ORLEANS E BRAGANÇA (PL - SP) - Obrigado, Presidente. Eu nem preciso me pronunciar, já que V.Exa. já me introduz desta maneira. (Riso.)
Eu gostaria de discordar, cordialmente, dos palestrantes. O primeiro ponto, uma pequena correção histórica, a primeira Constituição do Brasil, de fato, foi outorgada, e não promulgada. No entanto, houve um referendo, sim, das paróquias. Nem todas as paróquias conseguiram responder a tempo, mas um volume expressivo de paróquias do Brasil que se referenciava naquele momento aos distritos eleitorais foram referendadas e responderam favoravelmente à Constituição de 1824. Esta é uma das razões por que a Constituição de 1824 resta como a única das 7 Constituições brasileiras que teve alguma consulta popular, em contraste com as da República, já que, em absolutamente nenhuma delas, houve uma consulta popular — fracasso notório de cada uma delas!
15:18
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Nós não podemos dizer que houve sucesso constitucional no Brasil, sobretudo após a Proclamação da República. Eu temo que um dos problemas seja exatamente essa desvinculação ou medo do legislador, dos burocratas, dos especialistas intelectuais de sondarem a população em temas complexos, talvez na pretensão de que a população nunca esteja apta a ser consultada e de que a voz da população nunca deva ser escutada. É até curioso vir isso de mim, cuja descendência ou ascendência é bem registrada. No entanto, é como analista que eu vejo este tema.
O Brasil precisa ser mais referendado em suas instituições de Estado, para que os erros de decisão se tornem da população. O aprendizado do que é ser um cidadão, do que é governar, de como se organizar, tudo isso passa a ser da sociedade. Que não fique sempre num escritório aqui de Brasília, junto com algum político ou algum burocrata, porque ele, sim, detém todo o conhecimento, e a população nunca está preparada! Vamos dar à população a chance do erro. Vamos dar à população a chance de poder acertar também.
Isso, acho, validaria qualquer mudança constitucional, sobretudo ao destacar esta discussão do tema de mudança de regime. Isso é profundo o bastante porque, na minha opinião, destoa completamente da percepção daquilo que o brasileiro acha como ele é governado, como ele é organizado. A validação popular se torna um mecanismo efetivo para se estabilizar e se dar credibilidade àqueles que representam a própria população. Enquanto nós sempre optarmos pela saída oposta, ou seja, nunca consultarmos a população, termos medo do que a opinião pública pensa, nós não estabeleceremos esta credibilidade que tantos almejamos como Deputados, como Parlamentares. Acho que isso não vai acontecer. Hoje nosso descrédito é total.
Pontuando a questão historicamente, faço outra indagação, um ponto de provocação: o brasileiro, então, é diferente do francês, que foi referendado na Constituição de 1958, que tornou a Quarta República Quinta República e passou por vários outros referendos que aconteceram na França?! O brasileiro é inferior? O brasileiro do século XXI é inferior ao francês do século X, ou inferior ao suíço do século XIX? Ele é inferior até mesmo às populações dos países do Leste Europeu, que passaram pelo referendo que aconteceu na União Europeia, que nunca foram democráticos, muitos deles não existiam quando, no Brasil, já havia instituições? Eles foram referendados várias vezes para participar da União Europeia, em diferentes línguas. Mas, não, o brasileiro não pode ser referendado para absolutamente nada, nem em como se organizar, um direito de suma importância para todos os brasileiros!
Este conhecimento precisa se tornar popular. Este conhecimento precisa se capilarizar. Se marcarmos uma data para um referendo, eu tenho certeza de que a sociedade, ou grande parcela dela, já estaria apta e estaria muito além, em termos de aprendizado e de consciência política, a fazer o bom juízo das opções que são colocadas. Só precisamos dar uma chance.
Muito obrigado, senhores.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Muito obrigado, Deputado Luiz Philippe.
Passo a palavra ao nosso Coordenador, o Deputado Samuel Moreira.
O SR. SAMUEL MOREIRA (PSDB - SP) - Eu quero colocar, primeiro, que o semipresidencialismo, que existe na França, em Portugal, por exemplo, existe, mesmo assim, sobre sistemas eleitorais diferentes. Eu quero dizer com isso que na França, por exemplo, você tem o voto distrital no Parlamento e, em Portugal, tem o voto em lista. Nós temos que procurar criar nosso semipresidencialismo brasileiro, evidentemente com nossas características e com nossas circunstâncias que estão sendo colocadas.
15:22
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Quanto ao plebiscito, eu vejo o seguinte. Eu sou engenheiro, mas, juridicamente, não vejo nenhuma obrigação do ponto de vista constitucional, e acho que é esta questão que está sendo colocada, não é nem a opinião de cada um se nós devemos fazê-lo ou não. Se é obrigatório, pela Constituição, fazê-lo ou não, se é uma cláusula pétrea, eu particularmente não vejo como cláusula pétrea, não vejo esta determinação na Constituição de que se faça o plebiscito.
O plebiscito de 1993 foi previsto na Constituição de 1988, com data até mesmo específica. Existia uma previsão constitucional de fazer aquele plebiscito em 1993, naquelas condições e com aqueles dois sistemas.
Portanto, se se quer fazer um plebiscito, na minha opinião, há que se prever esta possibilidade na Constituição. É preciso fazer uma emenda constitucional que tenha a previsão de fazer determinado plebiscito.
Eu não vejo, hoje, a obrigação de realizar um plebiscito, do ponto de vista da previsão constitucional. Eu acho que esta é uma decisão mais política em relação às circunstâncias e à composição que deve ser feita na Câmara Federal e no Senado para se mudar o sistema. Não faço objeção. Não vejo necessidade, mas não faço objeção. Se for preciso fazer um plebiscito, nós podemos debater e prever. Não faço objeção, não tenho receio do debate.
Por falar em debate, eu sinto uma segurança imensa em cada debate que se faz, mas, é lógico, ainda não no nível de toda a população. É preciso prever mecanismos que deem garantias para que a população possa compreender realmente o que está sendo proposto. Não se trata de algo simples, mas também encaro como uma obrigação parlamentar nós estudarmos e mudarmos o sistema diretamente, através de uma emenda constitucional, sem nenhum receio e, ao mesmo tempo, com uma boa previsão. Se for este o caso, nós poderemos submeter isso, sim, a um referendo ou a um plebiscito, não como uma medida obrigatória, mas como uma decisão política, com todas as condições de debatermos o assunto.
Sinto bastante segurança no debate. Todas as vezes que vou debater o sistema, eu sinto total segurança em relação às vantagens do semipresidencialismo, quase do ponto de vista integral, sob todos os aspectos, em relação ao nosso sistema, um sistema presidencialista carcomido, que já foi ou que não tem mais possibilidade de ser. Nós temos um histórico de Presidentes que se suicidaram, que renunciaram, que foram cassados, que foram sem votos... Houve crises, e tudo quanto é tipo está neste nosso sistema atual, que não é mais possível, não tem mais como continuar.
Eu me submeto, tranquilo, à decisão de conversar com todas as correntes, no sentido de prevermos a realização de algum plebiscito. Vejam que nós já estamos prevendo a adoção do sistema a partir de 2030. Portanto, se determinado candidato, A ou B, estiver preocupado do ponto de vista eleitoral, que ele fique tranquilo, pois ele poderá se eleger no sistema presidencialista. Isso se ele conseguir governar, o que eu acho que está cada vez mais difícil! Ele poderá ser reeleito no novo sistema, inclusive presidencialista, no mesmo sistema, e só a partir de 2030 — nós não sabemos nem quem serão os candidatos — poderá haver a adoção do sistema semipresidencialista. Então, eu acho que nós estamos num caminho correto, mas eu queria somar à reflexão feita pelo Prof. Manoel que eu não vejo como obrigação constitucional, não vejo como cláusula pétrea a questão do plebiscito.
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O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Perfeito.
Então, com relação a esse terceiro ponto, há um consenso não unânime sobre a desnecessidade jurídica da consulta popular, mas, Deputado Samuel, sobre uma eventual conveniência política para consulta.
Sobre a pontuação do Deputado Luiz Philippe, pelo que eu entendi, Deputado, a necessidade de consulta popular não é especificamente para a questão do sistema semipresidencialista ou para uma alteração no sistema de governo, mas, na opinião política de V.Exa., para qualquer tipo de mudança constitucional ou estrutural. Não seria uma coisa específica para esse ponto.
Então, eu acho que avançamos nesses debates.
Eu queria consultar também, Deputado Samuel Moreira, se V.Exa. gostaria de dar, como Coordenador, algum encaminhamento, algum pedido ao Conselho Consultivo, alguma preparação para os próximos passos do nosso trabalho.
O SR. SAMUEL MOREIRA (PSDB - SP) - Não, primeiro porque V.Exa. é o Coordenador hoje. V.Exa. preside a nossa reunião hoje. Fique bem à vontade! Eu estou muito tranquilo e estou gostando muito da reunião.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Mas eu sou um Coordenador ad hoc dócil!
O SR. SAMUEL MOREIRA (PSDB - SP) - Estou gostando bastante da reunião! Eu acho que a reunião está muito boa. A contribuição do Conselho está sendo excelente.
O SR. NELSON JOBIM - Estamos com um exemplo de coabitação?
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Exato, exato.
O Deputado Luiz Philippe é a nossa cota de coabitação!
O SR. LUIZ PHILIPPE DE ORLEANS E BRAGANÇA (PL - SP) - Eu sou Chefe de Estado nessa coabitação!
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Eu gostaria, então, de passar a palavra ao Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, caso haja alguma consideração ou algum ponto que julgue importante. (Pausa.)
O seu microfone está travado. (Pausa.)
Pronto.
O SR. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - Está destravado?
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Sim.
O SR. MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO - Eu apenas teria uma pequena observação a fazer.
Realmente, o texto que foi elaborado pela comissão designada por D. Pedro I para estabelecer a Constituição do Brasil foi submetido às Câmaras Municipais. Apenas a Câmara de Itu fez algumas objeções. Mas nós não podemos comparar essa consulta às Câmaras Municipais a um plebiscito ou a uma manifestação popular. Ela simplesmente era a escolha entre um regime constitucional ainda profundamente marcado pela preeminência do Imperador ou nada, um Governo absoluto. Não era uma escolha democrática que se colocava naquele momento.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Obrigado, Prof. Manoel.
Ministro Nelson Jobim, V.Exa. está com a palavra.
O SR. NELSON JOBIM - Eu não tenho grandes observações. Agora, eu voltaria a insistir que a questão básica sobre esse problema de coabitação do modelo não passa pela nominação de sistema A ou B, mas passa pela definição dos poderes do Presidente da República e dos poderes do Primeiro-Ministro, como também pela relação entre ambos.
Lembre-se que, na reunião anterior, nós ouvimos a professora... Como era o nome dela?
15:30
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O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Lara Mesquita, se não me engano. Ou o senhor está se referindo à portuguesa?
O SR. NELSON JOBIM - Estou me referindo à portuguesa. (Pausa.)
Lembrei: o nome dela é Marina Costa Lobo.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Isso.
O SR. NELSON JOBIM - Ela trouxe uma distinção dentro desse sistema de relação do Presidente com o Primeiro-Ministro. Ela colocou dois subtipos. Lembram-se disso? Ela colocou um tal de premier-presidencial, que é o desenho da Quinta República Francesa, e o presidencial parlamentar, que foi o modelo da República de Weimar, que deu amplos poderes sobre o Governo para o Presidente da República e também deu poderes ao Parlamento de poder demitir o Governo.
Lembrem-se do que aconteceu com o desenho de Weimar. Esta foi uma constituição trabalhada por alguns juristas da época, constitucionalistas, enfim, politicólogos, que acabou criando um modelo em que se conseguia coalizão para derrubar governo, mas não para formar governo. E isso deu origem depois, na Lei Fundamental de Bonn, àquela confiança construtiva, em que só se pode derrubar o Governo se já tiver sido constituído um, que a constituição de um governo novo importa a derrubada do governo anterior. Não se podia meramente desconstituir o governo anterior para depois criar o governo posterior. É isso que nós temos que debater, ou seja, situações objetivas.
Daí por que eu acho, Sr. Presidente, que o nosso Coordenador Samuel Moreira poderia elencar os tipos de situações para se trazer à discussão, já que esta Comissão não vai terminar com um projeto, mas com observações, observações estas que serão consensuais ou não consensuais, mas todas serão relevantes para gestionar o debate futuro.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Sem dúvida. A sugestão que faço é justamente que, numa próxima reunião com o Conselho Consultivo, desçamos àqueles detalhes concretos da função de cada um para que isso fique registrado.
Deputado Samuel Moreira, V.Exa. quer falar?
O SR. SAMUEL MOREIRA (PSDB - SP) - Está bem colocado. Eu tenho como base uma proposta de emenda à Constituição que já estabelece inclusive as atribuições do Presidente e do Primeiro-Ministro, que pode, lógico, ser apreciada como sugestão, como absoluta sugestão, para que possamos, a partir dali, verificar essa calibragem que está sendo proposta e até melhorá-la no sentido de ficarem bem claras as atribuições do Primeiro-Ministro e do Presidente da República.
O SR. PRESIDENTE (Enrico Misasi. MDB - SP) - Eu tenho certeza de que isso será muito profícuo.
Nada mais havendo a tratar, vou encerrar os trabalhos, antes convocando reunião extraordinária para o dia 11 de maio, às 14 horas, para realização de audiência pública com os Srs. Christian Lynch e Marcelo Leonardo Tavares, professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e o Sr. José Levi Mello do Amaral Junior, professor da Universidade de São Paulo.
Agradeço especialmente a presença do nosso Ministro Nelson Jobim, do Prof. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, que até agora estão aqui, e do Prof. Jorge Galvão também.
Agradeço ainda a participação de todos.
Declaro encerrada a presente reunião.
Muito obrigado.
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