4ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão Externa destinada a acompanhar e promover estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros
(Audiência Pública Ordinária (semipresencial))
Em 19 de Maio de 2022 (Quinta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Declaro aberta a 18ª Reunião Extraordinária da Comissão Externa destinada a acompanhar e promover estratégia nacional para enfrentar as queimadas em biomas brasileiros.
A nossa reunião está sendo transmitida pela página da Comissão e pelo Youtube.
Encontra-se à disposição na página da Comissão a Ata da 17ª Reunião, realizada em 19 de abril de 2022.
Fica dispensada a leitura da ata, nos termos do parágrafo único do art. 5º do Ato da Mesa nº 123, de 2020.
Não havendo quem queira ratificá-la, coloco em votação a ata.
Os Deputados que a aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.)
Aprovada.
Informo que a sinopse do expediente recebido encontra-se à disposição na página da Comissão na Internet.
A Ordem do Dia de hoje prevê a realização de audiência pública destinada a apresentar e a debater informações sobre a situação de direitos humanos dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal do Brasil diante do grave cenário socioambiental provocado por incêndios e intenso desmatamento nos referidos biomas, conforme o Requerimento nº 1, de 2022, de autoria da Deputada Professora Rosa Neide.
Neste momento, eu gostaria de pedir licença para me ausentar por 1 minuto, porque na Câmara dos Deputados está havendo votação. Temos que fazer um pouquinho de todas as coisas. Vou votar neste momento. Na sequência, continuaremos a nossa audiência pública. (Pausa.)
Votação realizada. Retomamos as nossas atividades.
Primeiro, quero agradecer à Articulação Agro é Fogo e às mais de 30 entidades que a compõem. São parceiras na realização desta audiência pública e também apresentarão uma consistente nota técnica aos Deputados Federais.
A centralidade é discutir e denunciar a violação de direitos humanos dos povos indígenas e comunidades tradicionais da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal do Brasil decorrentes de incêndios florestais criminosos e de intenso desmatamento nos referidos biomas.
Este processo, que inclui audiência, na qual ouviremos relatos, e nota técnica, certamente oferecerá à Comissão recomendações de políticas de enfrentamento aos incêndios e queimadas, reconhecendo o cuidado empregado pelos povos e comunidades tradicionais ao proteger seus territórios.
É importante fazer rápida memória de que relatei o projeto de lei que institui a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, disciplinando as situações nas quais será permitido seu uso e criando instâncias intergovernamentais para gerenciar respostas a incêndios nos biomas brasileiros. Relatamos o projeto, e o Plenário da Câmara dos Deputados o aprovou em outubro, em decorrência das audiências que realizamos em 2020 e 2021 e de recomendação de toda esta Comissão Externa. Esse PL está tramitando no Senado Federal.
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Nós sabemos que, não raras vezes, há um processo sistemático e orquestrado de dilapidação de terras públicas que utiliza o fogo como estratégia de intimidação ou como estratégia de destruição de propriedades, bens ou recursos, dos modos de sobrevivência e de produção das comunidades, o que não podemos permitir nem assimilar. Sabemos que, muitas vezes, com o emprego direto do fogo, madeireiros, garimpeiros e fazendeiros se articulam na usurpação de terras públicas e na destruição de nossa biodiversidade.
Precisamos, eu reforço, lançar luz sobre essas realidades, dados, relatos, informações, para que esta Casa se debruce e busque soluções para obstruir tais práticas e mitigar seus efeitos junto à própria população e a todo o nosso ecossistema.
Temos um quadro de violações aos direitos fundamentais, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde, à reprodução física e cultural. Além de tudo, temos um histórico nocivo no que tange ao desenvolvimento socioambiental. O atual Governo constantemente passa sinais invertidos, gerando sensação de impunidade até mesmo em relação à falta de proteção ambiental, e, não raras vezes, é o próprio patrocinador e estimulador da destruição. Vimos, em 2019, o Dia do Fogo, o grande exemplo do que fez o sinal invertido do Governo.
Acredito na possibilidade de obstruirmos os retrocessos e acredito na reversão dos atuais retrocessos. Por isso, penso que precisamos colaborar para interromper as engrenagens do atual sistema, em que desenvolvimento econômico não dialoga com sustentabilidade, preservação e cuidado.
Esta audiência empresta uma importante contribuição, e será significativo ouvir todas, todos e todes.
Registro minha gratidão muito grande a todos e todas que se colocaram à disposição de estar conosco aqui e de contribuir com esta discussão e com esta Comissão, que muito fez, desde 2020, para discutir o panorama do Brasil em todos os seus biomas.
Vamos assistir a um pequeno vídeo, que é uma apresentação da Agro é Fogo.
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(Exibição de vídeo.)
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Parabéns! Esse vídeo diz tudo, essas imagens chocantes mostram a realidade que estamos vivendo.
Agradeço a todas e a todos os que estão presentes no auditório, fazendo acontecer esta audiência. Agradeço a todas e a todos os que estão na sala remota também nos acompanhando e que participarão desta audiência.
Tem a palavra a Sra. Isolete, para fazer a sua análise sobre o que foi apresentado no vídeo Dossiê Agro é Fogo, pelo prazo de 5 minutos.
A SRA. ISOLETE WICHINIESKI - Boa tarde a todos e a todas.
Agradeço à Deputada Professora Rosa Neide por esta oportunidade de estar aqui nesta Comissão.
Eu queria, brevemente, apresentar a Articulação Agro é Fogo. Nós surgimos a partir desse processo de articulação das organizações em 2020, com todo esse processo por meio do qual as comunidades estavam sendo impactadas. Nós observamos que os impactos e a vida das pessoas estavam sendo ignorados nesse processo das queimadas.
Então, desde março de 2020, a Comissão Pastoral da Terra e a FASE já vinham se articulando e conversando sobre essa realidade das queimadas. Em setembro, no auge do processo do fogo mais latente que assolou terrivelmente o Pantanal, nós resolvemos chamar outras organizações para conversar, dar visibilidade a essa realidade, contribuir de uma maneira ou de outra para que as comunidades pudessem, no mínimo, ser olhadas e também ajudar na reconstrução de algumas coisas que haviam sido perdidas. Eu acho que as comunidades estavam sendo impactadas devido à ausência dos governos.
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A Articulação Agro é Fogo reúne mais de 30 organizações, entidades, pastorais, movimentos sociais e sindicais. Eu acho que é um fator muito importante quando a sociedade civil se organiza para que possamos trazer à tona essas questões e pensar, através de nossas organizações e de nós mesmos, como podemos defender os biomas e as comunidades que são as guardiães dos biomas e da biodiversidade. Então, a Articulação Agro é Fogo articula-se com as comunidades locais e as organizações nacionais.
Eu queria só apresentar a Articulação neste momento.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Isolete. Com certeza, a Articulação vai falar de forma muito forte nesta Comissão em todos os momentos, se for necessário.
Vamos fazer um primeiro bloco de falas das comunidades. Cada um dos representantes poderá usar até 10 minutos.
Peço ao Alber que deixe o relógio visível para que as pessoas tenham o controle do tempo.
Passo a palavra para o Sr. Leandro dos Santos, de Cocalinho.
O SR. LEANDRO DOS SANTOS - Boa tarde a todos e a todas.
Também quero agradecer à Deputada Professora Rosa Neide por esta oportunidade de hoje estarmos aqui neste espaço.
Eu vou me apresentar primeiramente. Eu me chamo Leandro dos Santos, sou representante de uma comunidade quilombola do Maranhão. Para mim, falar das queimadas não é fácil. Geralmente estou numa região localizada na fronteira agrícola, a região do MATOPIBA, que abrange boa parte do Cerrado, que hoje está sendo bastante destruído por conta de vários elementos.
Não é só o fogo que traz grandes impactos. Por trás de tudo isso, estão a grilagem, o desmatamento e a pulverização aérea. Por conta disso, nós, enquanto comunidades quilombolas tradicionais, estamos sofrendo há anos com essas queimadas, com esses incêndios. A nossa sociobiodiversidade hoje está se acabando aos poucos. Nós não temos mais paz, não temos mais como levar alimentos para a nossa mesa. O modo de vida das comunidades já existe há anos. E isso está não só relacionado à questão da segurança alimentar, mas também à questão da saúde das pessoas da comunidade, porque aquela fumaça que vem de cima traz muita poluição para nós e acarreta a perda dos nossos alimentos. Hoje, nós não temos mais o pequi, a mangaba. Hoje, nós não temos mais as nossas plantas medicinais que buscamos no mato por conta do agro, do fogo, que hoje se alastra cada vez mais na nossa região. Mas isso não está acontecendo só no meu território. Existem várias comunidades em jogo por conta disso.
É isso.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Leandro, há algum problema?
O SR. LEANDRO DOS SANTOS - Depois eu falarei mais um pouco.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Pode falar, Leandro. Você já terminou a sua primeira intervenção?
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O SR. LEANDRO DOS SANTOS - A comunidade também resiste, vem resistindo por conta disso, por conta dessas queimadas que estão na região. Existe um grupo de mulheres também que fortalece a luta, não são só os homens. A comunidade resiste a isso. Há uma organização que defende, que faz a autodefesa do território. Nós temos grupo de homens, grupo de jovens e grupo de mulheres. Temos as nossas estratégias. Quando sentimos aquilo que vem para destruir, que vem lá de cima, aqueles sinais de fumaça, ficamos já em alerta, porque os únicos meios, as únicas estratégias que hoje nós temos mesmo é usar as próprias mãos, os próprios braços para manter o enfrentamento, a luta e a resistência dentro dos nossos territórios.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Leandro. Vamos ouvir os demais e, no final, também você pode intervir.
De Barra do São Lourenço, a Leonida tem a palavra por até 10 minutos.
A SRA. LEONIDA AIRES - Boa tarde a todas e a todos. Eu vim aqui hoje não só em nome da comunidade da Barra de São Lourenço, mas em nome de toda a comunidade pantaneira. A minha comunidade foi atacada por uma queimada que não só destruiu o mato, como o povo diz, mas também toda a vida. Ela destruiu o nosso modo de vida, ela destruiu a natureza, ela nos destruiu de todas as formas. Por quê? Porque hoje nós não temos nossos frutos, hoje os nossos rios estão todos acabados, hoje o nosso peixe está doente, hoje não há mais nenhuma forma de conseguirmos as nossas plantas medicinais na mata. Isso não foi só na comunidade da Barra de São Lourenço. Desde que saí de Corumbá, todo o Pantanal foi queimado, foi destruído.
Nós ouvíamos falar do fogo, mas não tínhamos ideia do que o fogo poderia fazer. Então, quando o fogo foi se aproximando, nós nos enchemos de terror, porque sentíamos e ouvíamos o calor do fogo. Eu escutava o barulho do fogo. Então, numa noite, tentei chamar socorro, e não consegui. Graças a Deus, consegui falar com uma pessoa na cidade que veio até nós. Ela chamou os bombeiros. Perdemos crianças, perdemos um bebezinho de 2 anos, que morreu afogado justamente por causa do fogo. Eu também tive um problema de saúde. Caí dentro da água e me machuquei, quase morri afogada, justamente por causa do fogo. Não vou falar que o fogo é ruim, porque não é. Cada um tem uma forma de ver as coisas. O fogo é usado por nós como aquecedor. Não sei se muitos sabem, mas temos uma tradição de sentar ao redor do fogo para contar as nossas histórias, para passar as nossas histórias para os mais novos. Então, o fogo para nós tem toda essa tradição. Nós não vemos o fogo como mau. O problema é a forma como ele é usado. As pessoas usam o fogo com má-fé. Não querem ter trabalho, não querem ter gasto, vão e põem fogo. Então, o problema não é o fogo em si, mas, sim, o ser humano, que vem destruindo tudo que nós temos.
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Algumas pessoas acham que são donas das coisas e não pensam na vida. Eu vejo essas pessoas como zumbis, porque sabem que estão matando a vida, sabem que estão matando o futuro, sabem que estão matando a si própria. Se estão pondo fogo na natureza, não estão atingindo só o mato, algumas pessoas e os bichos, estão se atingindo no futuro, porque, se estiverem matando a natureza, o futuro não existe.
O nosso meio ambiente, a nossa natureza depende de nós, porque é ela que nos dá alimento, é ela que nos dá o bom ar para sobreviver. Debaixo de uma árvore, você se sente bem. Num lugar seco, sem vida, você não consegue respirar. Eu passei por tudo isso, vivi isso. Não gosto de falar disso, mas é necessário. Essa filmagem das cinzas vocês viram aí. Até hoje nós temos o resultado dessas cinzas. Hoje eu tenho problema respiratório. Outras pessoas também têm. Eu fico com dor de cabeça, falta de ar. Tudo isso o fogo trouxe. E não é o fogo que é ruim. As pessoas é que fazem o fogo se tornar isso, porque fogo também é vida para as pessoas, é tradição. Então, eu creio que as pessoas que põem fogo são como um bando de zumbis, porque estão aqui junto de nós, mas não estão vivos. Elas não têm essa capacidade de pensar. Elas pensam apenas em dinheiro. É isso o que eu penso.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - D. Leonida, parabéns pela sua fala maravilhosa, pontuando exatamente a realidade que nós estamos a viver.
Passo agora a palavra ao Davi Krahô, representante dos povos indígenas do Tocantins, que também tem até 10 minutos.
O SR. DAVI KRAHÔ - Boa tarde a todos e a todas.
Em primeiro lugar, agradeço a Pahpãm, que é Deus, por este momento nesta plenária. Agradeço também à Deputada Professora Rosa Neide.
Nós estamos aqui por uma boa causa, defendendo algo que possa nos ajudar. O nosso tema é Agro é Fogo. Sabemos, assim como a companheira falou, que o fogo é importante para todos nós, para o cupem, que é o branco, para o mehim, que é o índio. Na tradição krahô, o fogo faz parte da cultura, é tradicional. Mas, assim como a companheira falou, temos que saber como usar esse fogo, porque ele causa destruição a partir do momento em que a pessoa usa para destruir. Nesse período de frio, ele serve para nos aquecer. Então, temos que saber como conduzir o fogo.
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Não só o povo krahô, mas outras comunidades indígenas usam o fogo no dia a dia. Muito tempo atrás, a cultura krahô usava o fogo até para caçar, mas hoje já não tem mais o costume de fazer isso. Nos territórios indígenas, no Estado do Tocantins e no País também, o fogo ultimamente tem sido muito mau para nós. Recentemente até vimos uma fala do Governo brasileiro dizendo que o fogo foi causado pelos indígenas na Amazônia, mas, se formos analisar, não foi bem assim. Nos territórios indígenas, o fogo entra por maldade de alguém do cupem, como falamos, que toca fogo em uma determinada área e invade aquele território indígena.
Nós temos o nosso manejo. Hoje temos as nossas brigadas indígenas, que defendem o território. Este período de maio e junho é o tempo em que usamos o MIF, que é uma forma de fogo. A brigada indígena trabalha com o IBAMA e toca fogo no território, que ainda está úmido, não está muito seco, para que, no período bem crítico — julho, agosto, setembro, outubro —, o fogo não venha até aquele território, não seja grande, não chegue às comunidades. A partir do momento em que chega a uma comunidade, o fogo causa muitos males para a saúde indígena, para os idosos, para as crianças. Para aquelas pessoas que têm algumas doenças crônicas, aquela fumaça vai fazer mal, talvez até leve à morte. Então, nós temos o manejo do fogo, sabemos conduzir o fogo no nosso território. Na maioria das vezes, quando existe uma queimada num território, assim como eu falei, é por maldade.
Vou trazer um pouquinho também a questão do agro, que, assim como a companheira falou, hoje causa muito mal para nós, para a nossa comunidade, para os povos indígenas, para a sociedade em geral. Muitas vezes, a pessoa pensa que o agro é uma coisa, mas é outra. A sociedade não entende muito. No Estado do Tocantins, a maioria dos povos indígenas vive no Cerrado brasileiro. Dependemos do Cerrado brasileiro, no dia a dia, para a nossa sobrevivência, porque dali, como o Leandro falou, tiramos o nosso sustento. Dali tiramos as nossas frutas — mangaba, pequi, goiaba e outras. Mas, a partir do momento em que o fogo entra no território, praticamente não há essas frutas típicas do Cerrado. E como nós vamos nos alimentar? Sem falar também que a caça vai embora por causa de fogo no território.
Também vemos o agro avançando sobre nossos territórios, porque hoje as comunidades indígenas, os territórios indígenas estão cercados pelos grandes projetos de monocultura. E esses projetos nos atingem diretamente. Hoje nós já estamos presenciando indígenas morrendo por doenças crônicas. No nosso Estado, têm morrido várias lideranças. Talvez alguém pergunte: "Por que será?" Eu posso dizer que é por causa do agrotóxico, que é demais, que atinge as nossas comunidades, que atinge os nossos rios. Hoje ainda existem algumas comunidades que fazem uso da água natural de rio, com agrotóxicos que já foram banidos em outros países, mas que aqui no Brasil são permitidos. Então, tudo isso nós temos que rever, temos que pensar. A sociedade tem que entender que tudo que vai para sua mesa hoje tem agrotóxico.
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Assim como eu falei, eu posso dizer que, no nosso Estado, o Cerrado habita 90% do território tocantinense. Os povos indígenas precisam da água de uma nascente. Hoje as nascentes que estão nos territórios indígenas vêm da fronteira de um projeto. O território krahô, lá em Itacajá, praticamente é cercado pelo agronegócio; algumas nascentes que abastecem aquele território hoje vêm sendo contaminadas por agrotóxicos, vêm morrendo por falta de água, porque as nascentes estão dentro dos projetos. As nascentes estão morrendo. E nós sabemos que sem água nós não vivemos.
O Cerrado brasileiro tem três grandes bacias: a Bacia do Rio Araguaia-Tocantins, a Bacia do Rio São Francisco e a Bacia do Paraná. Hoje essas bacias estão morrendo, sem falar também nos aquíferos, que são os rios subterrâneos que abastecem os pequenos rios, que levam água para esses grandes rios. Esses aquíferos, que abastecem muitas cidades, também estão morrendo. Hoje já estão expandindo, principalmente na Bahia, o projeto de retirada de água subterrânea, através de poços. Amanhã ou depois, não haverá mais água. Como é que vai ficar a nossa sociedade? Sem água, nós não vivemos. Sem soja, nós vivemos. Hoje o Brasil só pensa em soja, em expandir a soja. Quando ela chegou aqui, em 1908, não deram muito valor, porque o País produzia café. Mas, já em 1970, expandiu-se a soja no Brasil. E essa soja não é bem-vinda para nós povos indígenas.
O importante para nós é o nosso território, são as nossas águas, são as frutas que temos no território. O meu povo não tem um território demarcado. Há mais de 14 anos, vivemos numa pequena área de um assentamento em busca de um território demarcado. Mas o Governo brasileiro não dá valor a um território indígena. Ele quer invadir, ele quer aprovar a mineração, ele quer que façam queimadas, para produzir pastagem, para criar o gado na Ilha do Bananal, que é a maior ilha fluvial do mundo, que tem muitos focos de queimada. No período crítico — julho, agosto, setembro e outubro —, há a renovação de pastagem, quando tocam fogo para renovar o pasto. No ano passado, ficaram mais de 60 dias pelejando para apagar o fogo na Ilha do Bananal. Só conseguiram porque Pahpãm mandou uma chuva que apagou o fogo.
Então, como disse a companheira, temos que saber usar como usar o fogo. Hoje nós vivemos na fronteira agrícola chamada MATOPIBA, onde se encontram mais de 6 milhões de pessoas. Ela inclui quatro Estados: Maranhão, Tocantins, Bahia e Piauí. Dentro desse MATOPIBA, existem comunidades indígenas, quilombolas, camponeses, áreas de proteção, áreas que ainda serão constituídas em reserva. O MATOPIBA é a maior fronteira agrícola do País e, de 2014 para cá, vem avançando e destruindo os nossos territórios. Então, Deputada, estamos aqui debatendo o que é melhor para nós. Como falei da cultura indígena, quero dizer que nós sabemos manejar o nosso fogo, porque ele é essencial para nós. Mais uma vez, digo que ele faz parte da nossa vivência. Então, devemos conscientizar a população sobre a questão do fogo. Nós vimos, no Pantanal, como foi grande o fogo. Esperamos que neste ano não seja.
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Essas são as minhas palavras neste momento.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Parabéns, Davi, que representa o Estado do Tocantins! Conheço bem a sua terra, o seu povo. Sobre o que o seu povo passa no Estado do Tocantins, sei que os indígenas de Mato Grosso, do Pará, do Amazonas, de Roraima, de Rondônia, todos estão passando pelas mesmas dificuldades. Por isso é a importância da denúncia, e esta Casa precisa tomar as providências devidas.
Então, neste momento, nós passamos para outro bloco, que é a fala das organizações, às quais agradeço muito pela vontade e pela determinação em apoiar as comunidades originárias e as comunidades tradicionais do nosso povo.
Passo, em primeiro lugar, à Eliane, representante do CIMI, que tem até 10 minutos para fazer a sua fala.
Está com a palavra a Eliane.
A SRA. ELIANE FRANCO MARTINS - Boa tarde a todos e todas.
É com satisfação que nós estamos nesta audiência hoje. É importante discutir esse tema do fogo, das queimadas, principalmente das queimadas criminosas que acontecem nos territórios dos povos tradicionais desses três biomas.
Eu quero destacar, na minha fala, que existe uma programação de ataque aos direitos dos povos indígenas e também ao direito dos povos tradicionais. Existe uma programação constituída, principalmente, pelos governantes deste País, com projetos de leis que atacam e ferem a Constituição Federal de 1988. Nós temos o marco temporal, que vai ser novamente debatido e julgado agora no Supremo Tribunal Federal em junho. Começa o julgamento novamente no dia 23.
Essa temática fere a Constituição Federal, fere os direitos originários dos povos indígenas, porque limita a demarcação dos territórios indígenas. Essa tese do marco temporal é inconstitucional. Os arts. 231 e 232 da Constituição Federal brasileira garantem que os povos indígenas têm direito à demarcação dos seus territórios desde quando o Brasil se tornou Brasil. Então, os povos indígenas têm os direitos originários por serem os primeiros habitantes do Brasil. Essa tese do marco temporal, Deputada Professora Rosa Neide, prejudica a vida dos povos indígenas, porque não haverá mais demarcação de terras indígenas no Brasil se o marco temporal for aprovado. Essa história de que, para ter terra indígena no Brasil, tinha que estar em cima dela em 5 de outubro de 1988 não é verdadeira.
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Todos nós sabemos — os movimentos, os povos indígenas, os Deputados, a sociedade brasileira — que os povos indígenas estavam em luta pelo seu território. E muitos deles foram retirados à força pela invasão que ocorreu em seus territórios. Então, a tese do marco temporal afronta diretamente o direito dos povos indígenas, que já está garantido na Constituição Federal. Esperamos que, no dia 23 de junho, o Supremo Tribunal garanta isso e reforce o que já dispõe a Constituição Federal, aprovando o direito originário, não o marco temporal para os povos indígenas.
O povo krahô da Aldeia Takaywrá, no Município da Lagoa da Confusão, como o Davi falou, está sem território. Assim como o povo do Davi, muitos povos indígenas no Brasil estão em luta pela demarcação do seu território. Muitos deles estão na beira das estradas, em pequenos espaços, e não podem plantar, não podem caçar, não podem viver a sua cultura porque não têm seu território. Para os povos indígenas, a terra é mãe, é aquela que dá o sustento, e nós já temos isso garantido na Constituição Federal. Então, é preciso permanecerem os artigos que já foram garantidos com muita luta.
Há também o PL 490/07, que está sendo discutido na Câmara hoje, na Comissão Especial. É também um projeto de morte, é um projeto que não beneficia os povos indígenas. Beneficia quem? Beneficia o agronegócio, as grandes mineradoras, as pessoas e os empresários que têm interesse em usufruir da terra indígena. O PL 490 vai servir para eles, não para os povos indígenas.
Há também, na Câmara Federal, o PL 191/20, que trata da mineração. Hoje, principalmente na Região Amazônica, no Amazonas e no Pará, existem vários conflitos intensos entre garimpeiros e mineradoras que estão dentro do território indígena, retirando minério, destruindo o meio ambiente. Lá, na grande Floresta Amazônica, existem pessoas, existe a biodiversidade, existe o meio ambiente. Esse projeto da mineração é ilegal, inconstitucional.
Então, eu lhes faço um apelo, Deputada Professora Rosa Neide. Quando estiverem em votação, na Câmara, o PL 191 e o PL 490, peço aos Deputados que votem contra estas matérias, porque vão contra o direito dos povos indígenas. Isso, com certeza, já está gerando morte nos territórios.
Quanto ao avanço do agronegócio, há várias propostas de lei, como o arrendamento de terras indígenas, o que vai prejudicar os povos indígenas. Quando o agronegócio arrenda um território indígena, está matando a cultura, a língua dos povos indígenas, o modo tradicional que esses povos têm de lidar com os territórios indígenas. Então, são uma afronta todos esses projetos de lei que estão em curso no Congresso Nacional contra os povos indígenas.
Eu queria também destacar a relação do fogo com as queimadas. Nós tivemos a violência contra os povos indígenas lá em Mato Grosso do Sul quando se queimaram as casas de reza das lideranças do povo guarani-kaiowá. Em Jacareacanga, colocaram fogo na casa da Associação de Mulheres Munduruku, colocaram fogo na casa das lideranças indígenas do povo munduruku, e assim se espalha toda essa violência contra os povos indígenas no Brasil.
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Então, o nosso apelo, Deputada, é para olharem com carinho aos povos indígenas. O agronegócio mata, sim, e polui a água, sim. O povo ianomâmi e outros povos da Região Amazônica convivem com a mineração todos os dias. Será que é bom bebermos água contaminada com mercúrio, como o povo ianomâmi faz todos os dias, e comer o peixe contaminado com mercúrio? Será que nós, que moramos na cidade, nos centros, aguentaríamos isso? Não aguentaríamos. Em 6 meses, estaríamos mortos, como o povo ianomâmi está morrendo lá em Roraima. O povo ianomâmi está morrendo!
Nós vimos nos jornais recentemente que, lá em Santarém, o garimpo ilegal nas terras indígenas está contaminando o Rio Tapajós. A mineração está longe da cidade, e o rio foi contaminado. As pessoas na cidade estão bebendo água contaminada com mercúrio, assim como na região do Cerrado. Eu venho lá do Tocantins, onde vivemos um contexto de contaminação das águas pelos agrotóxicos. Há uma pesquisa no Estado do Tocantins de que, em vários Municípios, a água está contaminada, e essa água está nas nossas torneiras.
Então, precisamos ter um cuidado, sim, e chamar a atenção da sociedade para esses temas, para encaminharmos, ajudarmos e defendermos os direitos dos povos indígenas. Eu digo para vocês, para todos os presentes, para os que estão nos acompanhando pelo Zoom, que a realidade dos povos indígenas é muito grave, é muito séria. A violência é constante. É preciso demarcar as terras indígenas, é preciso garantir aquilo que já está na Constituição Federal. Então, esse programa de violência é muito grande. A cada dia vemos lideranças morrendo na luta pela terra, lideranças que saem do seu território, como o Davi saiu essa semana, para defender e buscar a demarcação do seu território. E isso é por todo o Brasil.
No mês de abril, recebemos 8 mil indígenas de vários povos indígenas em Brasília. E eles vieram fazer o que aqui? Defender a casa deles. Imaginem que nós estejamos lá nas nossas casas e que entram 20 mil garimpeiros. Será que os representantes do agronegócio, com as suas grandes fazendas de monocultura e de gado, gostariam que 20 mil garimpeiros entrassem no seu território para destruí-lo? Eles não iam gostar. E o povo ianomâmi não está gostando. Por isso, há o enfrentamento, a luta contra a mineração, a luta contra o Projeto de Lei nº 191, de 2020, que está em curso nesta Casa.
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Então, eu agradeço e faço este apelo para não bebermos água contaminada com mercúrio e nem com agrotóxico, porque os ianomâmis não irão resistir e nós que moramos nos grandes centros das cidades também não iremos resistir e iremos morrer. Não são só os povos indígenas que sofrem com isso, mas todos nós que estamos envolvidos nesse projeto de vida, para que a Constituição Federal permaneça como está e para que nenhum marco temporal, nem o PL 490, nem o PL 191 possam ir para frente, porque estão ferindo direitos originários dos povos indígenas.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Parabéns, Eliane! Parabéns ao CIMI pelo trabalho que faz historicamente no Brasil em defesa dos povos indígenas, em defesa das comunidades de povos originários e de povos tradicionais.
Com relação aos PLs que estão na Câmara dos Deputados, no Congresso Nacional, há uma grande bancada que faz uma força-tarefa para que eles não prosperem. Sabemos que a marcha dos povos indígenas a Brasília foi muito importante. Mas nós temos que ficar atentos, Eliane, o tempo todo às redes e às entidades. Todas as entidades que estão nessa organização Agro é Fogo e todas as entidades que estão do lado do povo brasileiro têm que estar se movimentando, especialmente pelas redes, enviando e-mails e mensagens por WhatsApp para os Deputados e Deputadas, porque realmente não podemos deixar prosperar projetos como os PLs 191 e o 490.
Em relação ao marco temporal, no dia 23 de junho, estaremos atentos e esperando que o Supremo Tribunal Federal conceda a paz que os povos indígenas do Brasil tanto precisam.
Neste momento, passo a palavra à Claudia, que representa a Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, que também dispõe de até 10 minutos para seu pronunciamento.
Em tempo, quero agradecer a todos os que nos acompanham através da nossa página no Facebook, da página do Deputado Valdir Barranco, que também está transmitindo a nossa reunião, de todas as páginas das organizações e de todos aqueles e aquelas que estão comentando, apoiando e acompanhando fortemente as ações que as entidades e organizações desenvolvem. Destaco a importância de estarmos todos irmanados nessa luta.
Com a palavra a Claudia.
A SRA. CLAUDIA SALA DE PINHO - Grata, Deputada Professora Rosa Neide, que é do meu Estado de Mato Grosso. Estou muito feliz por ter esta oportunidade e também agradeço a articulação da Agro é Fogo, da qual a Rede Pantaneira também faz parte como uma das 30 organizações.
Estamos muito felizes por termos voz neste espaço. Então, saudando a Deputada, quero saudar também as comunidades tradicionais pantaneiras que muito têm resistido à questão do fogo, mas principalmente têm resistido, ao longo do tempo, a todas as formas de opressão e a todos os enfrentamentos havidos nos últimos anos.
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Inicialmente, eu gostaria de ressaltar que a questão do fogo, em todos os biomas — e no Pantanal não é diferente —, como foi dito, é um bem para as comunidades tradicionais. Então, a Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, que atua na representação de comunidades que se autoafirmam como pantaneiras em Mato Grosso e em Mato Grosso do Sul, tem enfrentado muitas realidades, sendo uma delas em relação ao fogo, que não podemos chamar de queimadas. Sabemos, através de dados inclusive da Polícia Federal, que o fogo no Pantanal com certeza foi provocado pela ação humana. Estamos falando de incêndios criminosos e não somente de queimadas ou da utilização do fogo como uma prática tradicional, o que muito foi destacado aqui pelas lideranças de povos indígenas e de comunidades tradicionais.
Nesse sentido, a Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira vem trabalhando arduamente para que haja políticas públicas relacionadas ao fortalecimento das comunidades tradicionais. Estamos falando de um bioma muito frágil, um dos menores biomas do nosso País, mas que tem grande biodiversidade e uma grande riqueza sociocultural, pois é uma das maiores áreas úmidas contínuas do mundo; estamos falando de um bioma que sofre pressão do agronegócio, para que principalmente essas áreas úmidas — e em Mato Grosso estamos passando por isso — sejam drenadas para o avanço das plantações de monocultura; estamos falando de uma área do Pantanal que não é somente do Estado brasileiro; estamos falando de um corredor biocultural, de um corredor de vidas, de um corredor que agrega muita diversidade, tanto de povos indígenas, quanto de outros grupos étnicos que estão ali.
O Bioma Pantanal vem sofrendo, ao longo do tempo, um encolhimento proposital para o avanço da fronteira agrícola. Nós, enquanto comunidades tradicionais, temos enfrentado diariamente a luta em relação aos marcos legais. Por exemplo, o Estatuto do Pantanal, que está em discussão, não leva em consideração as vozes dos povos e comunidades tradicionais que ali habitam. Nós estamos enfrentando diariamente vários dilemas com empresas do hidronegócio, que atentam contra os nossos territórios, sendo que todos nós deveríamos conservar o Pantanal, bioma esse tão frágil que possibilita uma vantagem a toda a sociedade. Não somos só nós que vivemos no Pantanal que usufruímos desse bioma e de tudo o que ele proporciona, tanto em água doce, como na biodiversidade e nas formas de vida que ali existem. Estamos falando de um bioma muito frágil e que o fogo proposital faz com que se torne mais frágil ainda, e mais, coloque as comunidades tradicionais em situação de vulnerabilidade.
Eu sempre digo que nós não nascemos frágeis. Quem vive na maior reserva de água doce do mundo, reserva de água contínua, não pode ser fragilizado; onde há várias riquezas naturais, não se nasce fragilizado. Mas nós somos colocados em uma situação de fragilidade, que precisa ser resolvida. E o caminho são as políticas públicas com propostas incluindo gente, incluindo pessoas, incluindo comunidades tradicionais do Pantanal.
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É preciso ouvir as vozes que se levantam no Pantanal, porque não queremos que mais pessoas tenham que sair de seu território para vir a Brasília todas as vezes em que formos afetados. Isso implica não só em perda de tempo, mas também em não estarmos no nosso território gozando de todas as belezas e de tudo o que ele nos proporciona. Mas nós somos afetados, e, por isso, as nossas vozes têm que chegar até Brasília de uma forma ou outra.
Então, a Rede de Comunidades Tradicionais tem feito arduamente propostas sobre a questão do fogo no Pantanal. Nós, inclusive, nesta Comissão Externa, já apresentamos as dificuldades que as comunidades têm enfrentado na busca de solução pós-incêndio, porque o fogo ocorre durante um momento, mas as consequências se dão por muito tempo. Nós temos decoadas no Pantanal com uma duração que nunca vimos antes; nós temos doenças respiratórias; nós temos roças devastadas ainda. Mesmo tentando fazer várias práticas para a restauração dos nossos territórios, ainda encontramos dificuldade de praticá-las em outros ambientes, porque toda a região pantaneira sofreu — e ainda sofre — as consequências dos incêndios florestais.
O que queremos dizer aqui é que é preciso restaurar o Pantanal, é preciso restaurar as conexões que estão no Pantanal, é preciso que haja políticas públicas condizentes, principalmente nessa vertente de que, no Pantanal, há gente. Nós zelamos, sim, pela onça; zelamos pelos animais; zelamos pela água, mas principalmente pela vida humana.
É preciso fortalecer as comunidades tradicionais, as suas práticas sustentáveis, principalmente as brigadas comunitárias, os conhecimentos tradicionais relacionados ao fogo e à água. É preciso ainda, juntamente com os Governos Municipais, que as autoridades enxerguem as comunidades tradicionais como parceiras na restauração e na reconexão com o Pantanal.
Uma questão que temos debatido fortemente refere-se aos territórios tradicionais pantaneiros. Os territórios tradicionais do Pantanal sempre foram ocupados por povos indígenas e por comunidades tradicionais. No entanto, há uma venda que impede as autoridades de enxergarem que os territórios tradicionais precisam de proteção, e um dos meios para isso é reconhecer que ali existem comunidades tradicionais e que essas comunidades têm participação e responsabilidade com a sua casa, que é o Pantanal.
Nós não destruímos a nossa casa, nós a conservamos, porque queremos ter um abrigo, queremos ter um quintal, queremos ter a farmácia viva, queremos ter o nosso supermercado muito próximo de nós, que é o Pantanal — e nós encontramos tudo isso no nosso ambiente.
15:13
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Então, é preciso que haja olhares diferenciados para reconhecer que os povos indígenas e as comunidades tradicionais têm uma importância que a sociedade e o Estado brasileiro têm o dever de conhecer, e não conhecem até o momento.
Tudo o que está acontecendo no Pantanal em relação à água, à poluição da água, à infestação de animais, que adentram as casas, e, principalmente, em relação à saúde é consequência de todas as ações que estão sendo desenvolvidas lá. Isso aumentou muito por causa dos incêndios florestais.
Queremos um olhar diferenciado para o Pantanal. Falar na maior área úmida do mundo é muito bonito, mas valorizar quem a conserva, valorizar quem nela produz, valorizar quem faz o Pantanal ser o que é hoje é muito difícil. Precisamos nos enxergar nas políticas públicas, e a nossa voz nesta Casa, neste momento, tem a intenção de fazer com que os legisladores reconheçam que no Pantanal há gente e que, portanto, ele precisa, cada vez mais, de cuidado e de que sejam mais conservadas as áreas pantaneiras, mas essa conservação passa por pessoas que estão ali no dia a dia, por pessoas que estão cada vez mais empenhadas em restaurar suas casas, que foram destruídas — não por nós, mas por aqueles que não entendem que o Pantanal é uma área que precisa ter gente. Essa gente está há muitos e muitos séculos lá. Não me refiro aos fazendeiros, mas aos povos e comunidades tradicionais.
Grata, Deputada. Grata, Articulação Agro é Fogo.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Claudia. Tenho muito orgulho de você, que é do Estado de Mato Grosso, da sua capacidade, da sua articulação, da nossa defesa conjunta do nosso Pantanal do Mato Grosso, do Mato Grosso do Sul e dos países vizinhos que também têm área pantaneira.
É muito importante este momento para ouvimos suas reflexões, porque nós temos que tomar as providências devidas para que novos incêndios não aconteçam e para que possamos, de fato, fazer a defesa perene dos biomas do nosso País.
Passo agora a palavra para a Isolete, da Comissão Pastoral da Terra — CPT, que também tem até 10 minutos para fazer sua fala.
A SRA. ISOLETE WICHINIESKI - Grata, Deputada Professora Rosa Neide e todos os que estão aqui presentes.
Quero saudar as comunidades que estão aqui, que fazem a representação daquilo que é o nosso Brasil, um País tão diverso, um País com uma cultura riquíssima.
Como observamos, o campo, hoje, as comunidades e os povos tradicionais estão sendo atacados de uma maneira tão cruel e tão violenta, que eles não têm alternativa a não ser se defender disso tudo que está sendo colocado para eles. Ouvimos das comunidades como isso está sendo muito dinâmico. Então, o problema não são só os incêndios criminosos que atingem as comunidades. Há os agrotóxicos, a poluição das águas, a mineração, que chega com tudo e devasta este bem maior nosso, que é a natureza, as águas, as florestas, a biodiversidade, principalmente. Essa é a nossa riqueza.
Ontem nós tivemos nesta Casa audiência pública da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e Amazônia, que nos trouxe dados de conflitos no campo de 2021, os quais também trazemos para este debate. Há uma Comissão discutindo a questão dos incêndios e todos os impactos que temos vivenciado, mas precisamos fazer uma força-tarefa com todas as Comissões que discutem a questão dos povos e comunidades tradicionais, para sabermos como isso os afeta e como podemos garantir que essas comunidades, que são defensoras, como observamos aqui, possam se proteger. Todas as comunidades dizem assim: "Nós tivemos que nos reunir para combater os incêndios. Nós tivemos que nos reunir para defender o nosso território. Nós tivemos que nos reunir para saber onde o nosso inimigo estava para que pudéssemos nos defender desse inimigo". Isso é uma tarefa do Estado brasileiro.
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Então, eu acho importante não só trazer esta reflexão para esta Comissão, mas também levá-la a toda a Câmara dos Deputados e ao Senado Federal, com tudo isso que Eliane colocou acerca dos projetos de lei que estão em tramitação nesta Casa e como isso pode impactar as comunidades.
Eu gostaria de mostrar alguns dados — se pudermos colocar os eslaides que trouxemos — que chamam a atenção para o quanto essas comunidades estão sendo afetadas não só no seu ambiente, mas também na sua existência. Estes são aspectos importantes, para os quais temos que olhar.
(Segue-se exibição de imagens.)
Em 2021, 33.570 famílias foram atingidas pelos incêndios florestais. Isso parece pouco, mas, se colocarmos isso no Caderno Conflitos da CPT, que é o registro de conflitos que a CPT faz, considerando quatro pessoas por famílias, imaginem o número de pessoas que são afetadas por esses incêndios florestais! Houve 957 queima de casas. Foram impactadas pela queima das casas de reza: 2.412 famílias. Aqui estão as comunidades tradicionais e, principalmente, as comunidades indígenas. Tiveram seus pertences queimados: 502 famílias, e 143 tiveram seus roçados queimados, totalizando 37.596 famílias afetadas. Isso é um atentado à vida, um atentado à existência dessas pessoas!
Como isso está distribuído? Principalmente no Cerrado e na Amazônia. Mas, como podemos observar, todos os biomas são afetados pelos incêndios; então, não é só no Cerrado e na Amazônia, mas, principalmente, no Cerrado e na Amazônia. Se olharmos as áreas de transição entre o Cerrado e a Amazônia e entre o Cerrado e outros biomas, veremos um número maior de famílias afetadas por esses incêndios.
O Cerrado corresponde a 30%; a Amazônia, 25%; a transição entre o Cerrado e outros biomas, 17%; a Caatinga, 8%; a Mata Atlântica, 13%; o Pantanal, 6%; o Pampa, 2%. Aí vocês podem dizer assim, como a Claudia disse: "O Pantanal é só 6%?" Vejam que o Cerrado corresponde a 22% do território brasileiro, e o Pantanal corresponde a um 1,27% do território brasileiro. Então, este foi afetado muito mais, em termos percentuais. Portanto, é importante termos presente isso.
Nós queremos registrar aqui, como o Leandro falou muito sobre a questão do MATOPIBA e o Davi também falou sobre essa área de expansão, o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA, que foi instituído em 2015, para percebermos — e a Deputada trouxe isso — o que significa esse desenvolvimento.
15:21
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Só nessa área, houve 187 conflitos por terra. Estas são as áreas onde há mais expansão, como se diz, da fronteira agrícola. Agora sabemos que existe uma nova região, AMACRO, que está sendo chamada pelo agronegócio de Zona de Desenvolvimento Sustentável — olha só: Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira —, que corresponde aos Estados do Amazonas, Acre e Rondônia, que é uma nova área de expansão e que está sendo chamada de área de desenvolvimento, onde há expansão da fronteira agrícola.
Eu não sei se existe já um plano de desenvolvimento. Essa é uma questão que nós gostaríamos que a Deputada Professora Rosa Neide pudesse buscar informações, junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, se já está sendo instituído pelo Ministério e como foi feito esse novo Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA. Sabemos que essas duas regiões corresponderam, no ano de 2021, a 25% dos conflitos por terra que registramos nos dados do Centro de Documentação da CPT. Só nessas duas regiões, que é uma área dita de desenvolvimento, estão 25% dos conflitos por terra. Digo isso para percebermos o que significa esse desenvolvimento que está sendo colocado. Essas são as regiões onde se expande o desmatamento; do desmatamento, vem a queimada; depois da queimada, vem a grilagem de terras. Sabemos que tudo isso está intrinsecamente ligado.
Então, nós entendemos que estamos discutindo a questão dos incêndios, mas precisamos pensar também no processo que é a demarcação das terras indígenas para garantir que as comunidades tenham paz, porque não se pode dizer que os conflitos no campo são só violência. É a violência que os povos e comunidades tradicionais sofrem, mas é a resistência a essa violência que é colocada. Os conflitos existem porque as comunidades se colocam na defesa dos seus biomas. Essa é uma questão que precisamos pensar e discutir. Como se resolve esse problema dos conflitos no campo? Garantindo que essas comunidades tenham o seu território garantido.
A CPT não queria existir. A CPT não queria lançar todo ano o Caderno Conflitos, como foi no ano passado, com 1.768 conflitos ou, nos últimos 3 anos, 1.905 conflitos, em média. Nós não queríamos registrar isso. Nós queríamos registrar que as comunidades estão vivendo bem, que elas podem sobreviver no seu território até sem a ajuda do Governo, mas hoje não podem, porque elas precisam de políticas públicas que garantam que elas possam sobreviver. Essa é a condição de sua existência.
Há mais um eslaide que mostra os Estados onde há maior número de conflitos por queimada. Então, podemos notar que o Pantanal é um dos mais afetados: 26 conflitos ocorreram no Mato Grosso do Sul; 22, no Mato Grosso; e 14, na Bahia, que é a região de área de expansão do MATOPIBA.
Aqui nós trazemos o Projeto de Desenvolvimento Sustentável — PDS Terra Nossa, que foi uma das áreas afetadas pelo Dia do Fogo em 2019. O fogo incendiou todo o processo do PDS e toda aquela área de Nova Progresso.
Se passarmos mais para frente, veremos outras fotos que trazem a queima do fogo.
15:25
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Aqui estão as áreas que foram queimadas.
A próxima foto é da área onde vai ser plantada a soja. Essa é a prova concreta do que significa grilagem de terras.
Já estamos quase chegando ao final.
Aqui nós vemos as comunidades que estão sendo mais afetadas. Podemos observar que 39% das áreas das comunidades indígenas estão em conflitos por incêndio.
Estes estão os causadores de incêndios, os que conseguimos registrar e observar, pois, em 39% dos casos, não há como identificar, até porque não há uma fiscalização, e os crimes que acontecem não são investigados. Dificilmente conseguimos identificar quem coloca o fogo, mas, fazendeiros correspondem a 15%; grileiros, 12%; empresários, 8%; e madeireiros, 8%. Até os Governos, não só o Federal, estão na lista: 1% dos conflitos são causados pelos Governos.
Aqui vemos como os conflitos acontecem durante os meses. Observamos que em julho, agosto e setembro ocorre a maioria dos principais focos de incêndios.
Aqui é um pouco do que nós utilizamos. Até 2020, a CPT não tinha um olhar específico dos registros nessa questão da área dos incêndios, mas tivemos a necessidade de fazer esses registros por conta dessas questões que foram colocadas.
Eu quero dizer também da importância de investigarmos esses crimes. Nós consideramos que os incêndios são atos criminosos que estão sendo colocados nas costas dos povos e comunidades tradicionais, que usam o fogo para o equilíbrio do seu território. Em vez de punirmos aqueles que cometem os crimes, as comunidades estão sendo criminalizadas, as organizações estão sendo criminalizadas.
O nosso Presidente tem falado que quer acabar com as organizações no campo. É muito fácil acabar com as organizações no campo. Basta ele garantir que as comunidades, os povos e os trabalhadores que essas organizações representam tenham seus direitos garantidos. Assim ele vai acabar com as organizações que estão no campo.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Isolete, a sua contribuição foi de excelente qualidade. Esta Comissão vai procurar divulgar e trabalhar os seus dados. Vamos solicitar as informações ao Ministério da Agricultura. Tomaremos isso como um dos encaminhamentos. Suas contribuições serão efetivamente transformadas em informações por esta Comissão e divulgadas da melhor forma possível. Parabéns pela sua fala!
Passo agora a palavra à Bárbara Dias, que vai usar 5 minutos para comentar a nota Uso do Fogo — Violação de Direitos Humanos, das 30 entidades que se organizam na Agro é Fogo.
15:29
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Hoje, foi lançada uma nota técnica muito esclarecedora que precisa também fazer parte dos Anais desta Comissão, para que possamos estendê-la à maioria dos Parlamentares da Casa para a tomada de consciência de tudo aquilo que a Câmara Federal precisa fazer na defesa dos povos originários, dos povos tradicionais e dos nossos biomas.
Está com a palavra a Bárbara Dias.
A SRA. BÁRBARA DIAS - Boa tarde a todo mundo.
Obrigada, Deputada Professora Rosa Neide. Agradeço a todos os que se fazem presentes aqui na plenária e também de forma remota.
A Articulação Agro é Fogo, junto com as mais de 30 organizações que a compõem, com as comunidades tradicionais que temos acompanhado e com o OLMA — Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida, fez um esforço para tentar mostrar os padrões de violência que têm se repetido e que temos publicado de forma bem sistemática no dossiê da Articulação Agro é Fogo, denunciando todas essas investidas que partem do agronegócio, do sistema agrominerador e do hidronegócio contra os povos e as comunidades tradicionais. Essa sistemática tem avançado sobre os territórios, ameaçado os povos e as comunidades e ameaçado lideranças que têm estado na luta contra esse avanço todo que ameaça suas vidas.
Nós, então, fizemos uma nota técnica com algumas recomendações para esta Comissão que esperamos seja bem acolhida por todos os Deputados que dela fazem parte, para que lutem contra esses diversos projetos de lei que têm sido mobilizados contra os povos e as comunidades tradicionais.
Alguns desses projetos são: o Projeto de Lei nº 510, de 2021, o PL da Grilagem; o Projeto de Lei nº 2.159, de 2021, que tenta dar fim ao licenciamento ambiental, que vai proporcionar diversas catástrofes e crimes ambientais como os que aconteceram em Brumadinho e Mariana; o Projeto de Lei nº 191, de 2020, que escancara as terras indígenas à mineração e ao garimpo; o Projeto de Lei nº 490, de 2007, que busca abrir terras indígenas para a exploração predatória e inviabilizar novas demarcações; o Projeto de Decreto Legislativo nº 177, de 2021, que dá autorização ao Presidente da República para denunciar a Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho — OIT, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 143, de 20 de junho de 2002, e internalizada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004; o PL 337/2022, que altera a redação do inciso I do art. 3º da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012, para excluir o Mato Grosso da Amazônia Legal.
15:33
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Também esperamos que a Comissão encaminhe as denúncias realizadas pelo dossiê da Articulação Agro é Fogo, bem como as que estão presentes nesse relatório, ao Ministério Público Federal, para: que realize procedimentos de investigação junto às comunidades impactadas pelos incêndios criminosos; que seja feita a reativação das estruturas de governança sobre a mudança do clima, com garantia de recursos humanos, técnicos e financeiros adequados para o funcionamento do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima; o fortalecimento técnico e das políticas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade; que seja retomado o plano de titulação dos territórios tradicionais, de demarcação das terras indígenas, de regularização das áreas de posse das comunidades, promovendo os assentamentos das áreas já com títulos das dívidas agrárias paralisados no INCRA, com orçamento suficiente e garantido; que haja fortalecimento e apoio à gestão das áreas protegidas, incluindo unidades de conservação, terras indígenas, territórios quilombolas e demais áreas sob regime especial; que seja feito o fortalecimento do sistema de monitoramento e de fiscalizações ambientais; que seja feita a reativação do Fundo Amazônia; a expansão do Plano ABC; a reativação do PPCDAm e do PPCerrado; a criação de um plano para o Pantanal; o desenvolvimento de programas regionalizados de assistência técnica e extensão rural a agricultores familiares, a povos indígenas e a comunidades tradicionais, considerando e valorizando os conhecimentos e técnicas de cada povo e os ecossistemas que estão inseridos; a criação de programas de brigadas florestais permanentes, assim consideradas ações necessárias à formação de recursos humanos capacitados, equipados e organizados para a implementação dos planos de manejo integrado do fogo e dos planos operativos para o combate aos incêndios e para a execução de atividades operacionais de proteção ambiental, inclusive de educação ambiental; a gestão participativa e compartilhada entre os entes federativos, a sociedade civil organizada, os povos indígenas, as comunidades tradicionais; e a criação de um grupo de trabalho interministerial.
Então, são essas as recomendações que a Articulação Agro é Fogo propõe aqui à Comissão Externa que trata do combate aos incêndios nos biomas. Esperamos que essas recomendações sejam bastante acolhidas pelos Deputados que estão aqui presentes também.
Dito isso, muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Bárbara. Parabéns pela apresentação da nota! Essa nota também será utilizada por esta Comissão. Faremos a maior divulgação possível. Nós temos a Política Nacional de Manejo do Fogo, como eu já falei na abertura desta atividade, que está no Senado. Precisamos solicitar àquela Casa que faça a discussão rapidamente e a aprove, porque ela protege e diz claramente quais são as providências a serem tomadas para o manejo integrado do fogo, para que os órgãos nacionais e estaduais tenham uma política comum e possam se ajudar de forma interfederativa, atuando no nosso território e protegendo os biomas brasileiros.
Então, faremos isso para que todos e todas possam tomar conhecimento e acompanhar a execução dessas políticas em todo o País, pois, infelizmente, órgãos como ICMBio e IBAMA foram dilapidados, não têm estrutura. Nesta Comissão, ouvimos o IBAMA, ouvimos o ICMBio e a exposição da Eliane sobre os incêndios criminosos. Nós realizamos uma reunião com delegados da Polícia Federal, que inclusive nos apresentaram dados e disseram: "Se quiserem saber a cor da camisa do incendiário" — estou usando o masculino porque foram homens — "a Polícia Federal tem todas as informações". E o País não os puniu, não tomou as providências.
Através do satélite, hoje se consegue visualizar tudo. Então, no dia do fogo, foi identificado cada ponto em que ele começou. Claro, temos o fogo de uso cultural das comunidades originárias. Mas não foi esse o fogo que se alastrou. Foi um fogo planejado, foi um fogo criminoso. E o País tem essas informações. O delegado responsável, que está à frente do processo, tem todas as informações necessárias e as colocou para o Ministério da Justiça. Nós precisamos realmente de política pública e de governos que queiram defender os nossos biomas, as nossas comunidades, as nossas populações.
15:37
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Nós precisamos de quem tem decisão política para tomar as devidas providências. Mas, enquanto isso não ocorre, nós estamos vendo aqui 30 organizações juntas e se organizando. Nós estamos vendo esta Comissão, que tem 22 Parlamentares que abraçam esta causa, para que possamos dar os passos seguintes.
Uma pessoa que está aqui na nossa sala Zoom fez um pedido de fala, e eu vou lhe passar a palavra por 3 minutos, porque ainda temos essa pequena possibilidade. Se mais alguém que está na sala Zoom ou no plenário quiser usar da palavra por 3 minutos, nós vamos abrir esse espaço, rapidamente, antes das considerações dos nossos expositores.
Passo a palavra para o Sr. Gilderlan Rodrigues da Silva, representante do CIMI Regional Maranhão, para dar a sua contribuição, por 3 minutos.
Gilderlan, pode abrir seu microfone.
O SR. GILDERLAN RODRIGUES DA SILVA - Boa tarde a todos e todas, quero agradecer a oportunidade de fazer uso da palavra nesta audiência, que é tão importante para todos nós, uma vez que trata da questão das queimadas.
Solicitei a fala para trazer um pouco da realidade da Terra Indígena Araribóia, onde habita o povo guajajara e também o povo awá não contatado. A realidade dessa terra indígena é de uma constante invasão dentro desse território. Por conta disso, é uma das terras indígenas que têm tido um grande grau de desmatamento. Além do desmatamento, há também, é lógico, a questão das queimadas que têm assolado essas terras indígenas.
(Falha na transmissão) em 2015, 2016, acentuou-se cada vez mais. Em 2017, a invasão da Terra Indígena Araribóia culminou com o assassinato de Tomé Guajajara. Até hoje esse julgamento não ocorreu. Ninguém foi punido, ninguém foi julgado por esse assassinato e pela invasão daquela terra indígena pelos madeireiros, que, ao saírem da aldeia, incendiaram totalmente o local. Esse foi um dos grandes incêndios que aconteceu, e a terra indígena ainda hoje se recupera desse incêndio.
Em 2015, ocorreu outro grande incêndio. Acredito que a maioria de nós tenha acompanhado pelas redes sociais, pelos noticiários, o grande incêndio da Terra Indígena Araribóia, que aconteceu em 2015. E, é lógico, assim como vocês estão dizendo, sabemos bem quem são os culpados. Há, inclusive, o depoimento do próprio guarda do IBAMA que foi baleado dentro da terra indígena por madeireiros, e ele afirma completamente que foi por madeireiros.
Então, aqui faço um apelo a todos e todas que aqui estão presentes, e a nós que estamos nessa situação, para que somemos forças com os guardiões da floresta, que estão colocando seus corpos na defesa do seu território, na defesa do seu bem viver ali dentro da Terra Indígena Araribóia, na defesa do povo guajajara e na defesa do povo awá não contatado, povo awá livre, que ali reside, que também está à mercê dessa violência, dessas invasões e das queimadas que os ameaçam constantemente, todos os anos. Nós temos essa preocupação com a defesa desse território.
15:41
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Então, é este o apelo que faço para todos e todas, para somarmos forças nessa luta, nessa resistência.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Estamos juntos, Gilderlan. Parabéns! Obrigada pela sua intervenção, que levanta povos contatados e não contatados. Nós precisamos estar atentos aqui fazendo a sua defesa.
Indago dos presentes no plenário e dos que ainda não falaram, ou mais alguém que está na sala Zoom, se querem fazer uso da palavra, por 3 minutos? (Pausa.)
Todas as pessoas que fizeram aqui a sua exposição vão ter desta Comissão o compromisso e a responsabilidade de fazer encaminhamentos, de divulgar os dados, de passar a todas as entidades e de estarmos juntos e juntas aqui fazendo a discussão, abrindo a Comissão para outras reuniões, se precisar uma reunião presencial com as lideranças, junto aos nossos Parlamentares na Casa, a outras Comissões, como a Comissão de Direitos Humanos. O que precisar fazer como Coordenadora desta Comissão Externa, coloco-me completamente à disposição dos senhores e das senhoras.
Para fazer o encerramento, o agradecimento final, eu vou passar a palavra aqui para o Leandro, de Cocalinho, para fazer a sua despedida.
O Leandro está na sala Zoom? (Pausa.)
Não, está no plenário.
O SR. LEANDRO DOS SANTOS - Quero agradecer esta oportunidade que nós tivemos aqui neste momento, neste espaço, para abrirmos essa conversa. O que eu tenho a dizer é só agradecer a todos e todas que puderam acompanhar este diálogo.
Tenham uma boa tarde.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Leandro. Há muitas pessoas nos acompanhando aqui pela transmissão. Há muitas pessoas mandando recado.
Quero abraçar o Rodrigo Faccioli, que está aqui mandando um abraço a todos e nos acompanhando aqui através das páginas que estão sendo transmitidas.
Chamo agora a Leonida, de Barra de São Lourenço, para fazer também o seu agradecimento.
A SRA. LEONIDA AIRES - Estou muito feliz de poder estar aqui hoje. Eu só tenho a agradecer à Deputada Professora Rosa Neide, toda a Comissão, todos os que estão presentes, a REDE e a todos os parceiros.
Eu tenho certeza de que hoje, através desse encontro, surgirão coisas boas para todas as comunidades, porque eu creio na força maior daqueles que estão unidos por um bem maior.
Obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Leonida. Você fez uma fala muito contundente, trouxe referenciais que fazem com que todos nós aprendamos.
Tem a palavra o Davi Krahô, que representou aqui os povos indígenas do Tocantins, para fazer também as suas considerações.
O SR. DAVI KRAHÔ - Mais uma vez, quero agradecer o convite.
15:45
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Estamos felizes de estar aqui, defendendo os nossos direitos. Que esta Casa faça valer o que foi debatido aqui, porque isso envolve toda uma sociedade.
Na minha visão, hoje o que mais preocupa é a questão dos nossos territórios. Então, pedimos que os nossos territórios tradicionais sejam demarcados, porque o índio, a minoria precisa de um território. O nosso território é a nossa casa. Eu esqueci de falar sobre a questão dos povos isolados também, que estão na Ilha do Bananal. O fogo lá afeta diretamente os awá, que são mais conhecidos como os cara-preta. Então, o território é importante. O meu povo precisa ter o seu território demarcado, assim como os demais que não têm.
Então, muito obrigado, Deputada e todos que estiveram aqui.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Muito obrigada, Davi. Todas as suas informações e as suas denúncias são preciosas para que esta Comissão faça o seu encaminhamento.
Passo a palavra para a Sra. Eliane, que representa o CIMI nesta audiência.
A SRA. ELIANE FRANCO MARTINS - Eu lhe agradeço também a oportunidade, este momento de denunciar as graves violações contra os povos indígenas e também contra as comunidades tradicionais.
Ressalto que, muitas vezes, as queimadas criminosas são provocadas direto de Brasília, porque muitos dos fazendeiros, dos produtores de soja, cana e de eucalipto são Deputados nas regiões, que têm apoio das Assembleias Legislativas e colocam fogo criminalmente nos territórios.
Lá na Ilha do Bananal, nós temos uma região de projetos — grandes projetos de monocultura principalmente. Eles colocam fogo, esse fogo entra na Ilha do Bananal e fica por 60, 70, 80 dias, por meses. O fogo é provocado por esses grandes fazendeiros.
Então, fica o nosso apelo para que esses fazendeiros respeitem o direito dos povos indígenas, que os Deputados respeitem o direito dos povos indígenas!
Muitas vezes, isso sai daqui, Deputada. Infelizmente, nas regiões, temos esse contexto de violência e de queimadas em todos os territórios tradicionais e de povos indígenas.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Eliane.
Passa a palavra à Sra. Claudia, da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras.
A SRA. CLAUDIA SALA DE PINHO - Quero parabenizar a Deputada por estar à frente desta Comissão Externa. É uma mulher que merece toda a minha admiração, a admiração da Rede Pantaneira pela condução desse processo. Vejo que não é fácil, mas é possível ouvir as diferentes vozes e tirar encaminhamentos. Então, parabenizo a Deputada por estar à frente desta Comissão.
Também quero parabenizar todos da Articulação Agro é Fogo por esta oportunidade, por este momento, porque estar em Brasília é demarcar territórios também, é demarcar territórios da nossa existência enquanto diversidade de grupo, enquanto demandantes de políticas públicas, principalmente por visibilidade, porque o Estado brasileiro precisa nos enxergar como sujeitos de direitos que estão nos territórios deste vasto País.
Então, deixo a minha gratidão por este espaço e a minha saudação a todos os parentes de povos e de comunidades tradicionais.
Grata.
15:49
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A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Claudia. Você também é uma mulher guerreira que enobrece a nossa luta. Estamos, no Estado ou em Brasília, fazendo essa luta, que une todas as mãos de todas as entidades que defendem os nossos povos originários, tradicionais e todo o nosso meio ambiente.
Passo a palavra à Sra. Isolete, da CPT, que é uma grande parceira do nosso mandato, para também fazer as suas considerações.
A SRA. ISOLETE WICHINIESKI - Obrigada, Deputada Professora Rosa Neide pelo seu apoio aqui nesse processo da Comissão. Acho que a Claudia trouxe muito bem essa referência. Nós mulheres temos, em nosso seio, a defesa da vida. Quando nos colocamos nesse processo e enfrentamos isso, é para defender a vida. Então, quero parabenizá-la e trazer as mulheres que também estão nos territórios tentando fazer com que as suas famílias, os seus territórios possam existir.
Obrigada pelo apoio que você tem dado à CPT do Mato Grosso também. Deixo o nosso grande abraço e agradeço pela sua contribuição.
Com relação a essa articulação, como vimos no começo da apresentação do vídeo, nós temos feito um esforço de sistematizar essas experiências das comunidades na questão do uso do fogo tradicional e também há um esforço muito grande em fazer essa denúncia. Nós estamos não só denunciando, mas também trazendo a importância dessas comunidades para o nosso Brasil. Às vezes, as pessoas acham que só trazemos dados de conflitos, mas os conflitos demonstram uma resistência e que as comunidades existem. E elas precisam existir para que possamos defender os nossos biomas.
Então, agradeço esta oportunidade e a todos que estão também nos acompanhando, seja através do Youtube ou do Facebook. Eu acho que há uma grande rede de pessoas que querem ver o Brasil de uma maneira diferente, que querem viver e viver bem.
Bem viver é o que os povos e comunidades tradicionais querem e é o que nós queremos também, seja nos territórios urbanos, seja nos territórios rurais.
Muito obrigada.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Isolete. Acho que essa é uma luta comum, e as mulheres se apresentam muito fortemente nos territórios e nas comunidades.
Que bom que, nos tempos atuais, há possibilidade de reconhecimento da liderança das mulheres, porque ainda há muita falta de mulheres nos espaços de poder, não porque somos mais fortes, não porque somos diferenciadas, mas porque, somando ao trabalho dos homens, juntos e juntas, esses olhares que são diferentes, mas não antagônicos, podem somar muito na defesa da vida, na defesa do bem viver.
Por isso, este é um momento novo do País em que vemos as mulheres sendo respeitadas e dizendo: "Presente". Elas sempre estiveram, elas sempre lideraram, elas sempre fizeram, mas nunca foram reconhecidas. E, neste momento, temos a oportunidade de ver as mulheres nas comunidades, nas instituições, nas organizações, junto com os homens, fazendo a diferença.
Eu sou a única Parlamentar mulher nesta Comissão, mas os homens me apoiam bastante. Eu sou a única Parlamentar mulher do Estado de Mato Grosso, e, no Congresso Nacional, nós somos só 15%, mas estamos ocupando espaço.
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Eu aqui agradeço a todas as mulheres líderes em cada comunidade deste País, que vêm fomentando cada vez mais o direito à vida, o direito à liberdade, o direito a viver em paz, a viver feliz. Quando a mulher está junto, está junto à família, aos homens, aos filhos e a todas e todos que precisam de oportunidade.
Nós temos aqui a Bárbara, que comentou essa nota. Talvez Bárbara seja a mais jovem que está aqui conosco. Nós ficamos muito felizes quando as nossas filhas e filhos já estão cumprindo esse papel social e fazendo a luta juntos. Então, Bárbara, melhor do que ninguém, você será a última a falar, porque é expectativa da sociedade que a nossa geração, que com menos idade não conseguiu fazer tantas transformações, neste momento oportunize à geração mais nova assumir os espaços.
Passo a palavra para a Bárbara para que faça também suas considerações, por 5 minutos.
A SRA. BÁRBARA DIAS - Obrigada, gente. Obrigada a todo mundo que se fez presente aqui. Obrigada, Deputada Professora Rosa Neide. Quero parabenizar também pela organização desta plenária e das discussões. Nós esperamos que esta Comissão, da qual a Deputada Professora Rosa Neide faz parte, também consiga se articular com outras Comissões e com outros Deputados para fazer resistência aos projetos de lei que vêm violentando a vida dos povos e das comunidades tradicionais.
Eu acho que haverá a votação do marco temporal no dia 26 de junho. Que haja demarcação já e que o marco temporal não seja aprovado, nem que seja passado adiante, porque a vida dos povos está em jogo. Nós contamos com V.Exas. também para esta luta.
Muito obrigada. E até mais.
A SRA. PRESIDENTE (Professora Rosa Neide. PT - MT) - Obrigada, Bárbara. Obrigada a todos e todas que estão nesta audiência pública e que dela fizeram parte e a todos e todas que nos acompanharam. Sabemos que nunca ganhamos nada como sociedade. Tudo foi conquistado com muita luta, conquistado com muito esforço, com muito trabalho coletivo. Isso vai continuar, só que hoje nós temos redes sociais. Hoje, nós temos mídias alternativas e muita gente comprometida.
Nós temos dois projetos de lei tramitando e ameaçando muito os povos originários e tradicionais do nosso País, as comunidades e os ribeirinhos. Nós temos o PL 191 e o PL 490 que nos preocupam imensamente. E todos os dias aparece uma brecha, uma emenda, uma lei para querer destruir a paz daqueles que tentam conservar o que de mais belo temos, que é a natureza viva, que é a nossa casa comum. E nesta Comissão discutimos sempre aquilo que nos chama atenção o Papa Francisco de que todos devemos cuidar da casa comum.
Nesse sentido, esta Comissão fica aberta e fica à disposição. Há outras reuniões que nós podemos fazer presencialmente com grupos de Deputados, com a Frente Parlamentar que defende o meio ambiente, com a Comissão de Meio Ambiente desta Casa, com a Comissão de Direitos Humanos, para que não deixemos nenhum momento sem discussão e sem efetivas práticas na Casa do Povo, para que a população conheça o que os Parlamentares comprometidos com a população estão fazendo.
O marco temporal, no dia 26 de junho, deve finalizar esse processo. Esperamos que o Supremo Tribunal Federal dê aos povos originários deste País a tranquilidade de que eles precisam. E que o próximo Governo assuma o projeto de 2023 no País com o compromisso de que a demarcação de terra dos povos originários tem que ser concluída, tem que avançar, porque as pessoas precisam de paz, precisam de condição e de política pública para que possamos fazer a resistência.
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Na fala da Isolete não há só denúncia, não há só números negativos. Quando vem alguém de uma comunidade com falas, como as de todos os que estiveram aqui — Leandro, Leonida, Davi, Eliane, Claudia —, percebemos que esses são os anúncios das nossas lideranças que estão na ponta fazendo a diferença. Então, tanto fazemos denúncias, como fazemos belíssimos anúncios. E aqueles que anunciam, que estão resistindo, que estão liderando, estão aqui fazendo a diferença.
A Câmara dos Deputados e das Deputadas está cumprindo o seu papel, que é mostrar à sociedade brasileira que esta Casa tem Parlamentares que cuidam da população brasileira e que se preocupam com a população brasileira e com o grande legado que a natureza nos deixa. Nós devemos continuar fazendo com que a população tenha vida, e vida em abundância.
Agradeço a todos vocês que nos acompanharam presencialmente na sala Zoom, pelo Youtube, pela página da Comissão, pelas páginas das instituições e pelas páginas de outros Deputados e Deputadas. Fiquei muito feliz pela companhia de vocês nesta tarde de quinta-feira.
Nada mais havendo a tratar, convoco reunião de audiência pública a ser marcada. Os demais requerimentos também atenderemos aqui, com outras audiências que faremos brevemente.
Está encerrada a presente reunião.
Muito obrigada. (Palmas.)
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