3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Legislação Participativa
(Audiência Pública Ordinária (semipresencial))
Em 3 de Dezembro de 2021 (Sexta-Feira)
às 14 horas
Horário (Texto com redação final.)
14:04
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O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Boa tarde a todos, todas e todes que nos acompanham. Eu sou o Deputado Federal Waldenor Pereira, Presidente da Comissão de Legislação Participativa.
Nessa condição, declaro aberta a reunião de audiência pública destinada a debater o tema: Transtorno do Espectro Autista e a Educação Inclusiva.
Ressalto que a presente audiência decorre da aprovação do Requerimento nº 88, de 2021, de minha autoria e dos Deputados Paulo Teixeira e Erika Kokay.
Gostaria de agradecer a presença dos membros deste colegiado, dos palestrantes e de todos que nos assistem.
Informo que este evento está sendo transmitido via Internet, e o vídeo pode ser acessado pela página da Comissão de Legislação Participativa, no site da Câmara dos Deputados, pelo canal da Câmara dos Deputados no Youtube e também pelo portal e-Democracia.
Eu gostaria de agradecer as presenças das nossas convidadas desta audiência. Saúdo a Sra. Linair Moura Barros Martins, Coordenadora-Geral de Políticas, Regulação e Formação de Profissionais em Educação Especial, representando o Ministério da Educação; a Sra. Elisabete Salles, graduada em Pedagogia, tem especialização em Educação Especial na área da Deficiência Física pela UNESP e em Psicopedagogia pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza; a Sra. Mariene Martins Maciel, psicopedagoga e tesoureira da Associação de Familiares e Amigos da Gente Autista — AFAGA; e a Sra. Luciana Viegas, professora da rede pública no interior de São Paulo, autista e mãe de autista.
A SRA. MARIENE MARTINS MACIEL - Boa tarde. Meu nome é Mariene.
Deputado Waldenor, nós trabalhamos juntos aqui na Bahia. V.Exa. é um grande companheiro de luta. Obrigada por esse tema. Quero lembrar que eu sou mãe de autista também. Eu sou tesoureira da ABRAÇA, a nossa associação nacional, e Presidente da AFAGA.
O Deputado Waldenor é um grande companheiro nessa luta, sempre está sempre à frente da luta em defesa da educação.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Mariene. É um prazer muito grande reencontrá-la, ainda que de forma virtual. Parabéns pela sua luta! Obrigado por aceitar o nosso convite para participar desta audiência pública. Peço desculpas porque houve um probleminha aqui de conexão.
Eu queria chamar a atenção de todos para esse requerimento, como já destacado, de minha autoria e dos Deputados Paulo Teixeira e Erika Kokay.
14:08
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Quando da apresentação do requerimento aos membros do nosso colegiado, aprovado por unanimidade, nós apresentamos uma justificação que eu gostaria de, rapidamente, fazer a leitura para a devida contextualização da nossa audiência:
A inclusão do estudante com Transtorno do Espectro Autista — TEA no ensino regular é um direito garantido por lei, como aponta o Capítulo V da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que trata sobre a Educação Especial, cuja redação diz que a escola deve visar a efetiva integração do estudante à vida em sociedade. À luz da Lei Brasileira de Inclusão, em seu Capítulo IV, aborda o acesso à educação e traz avanços importantes, como a proibição da cobrança pelas escolas de valores adicionais pela implementação de recursos de acessibilidade. Além da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Constituição Federal, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Plano Viver sem Limites e a Lei nº 12.764, de 2012, que institui a Política Nacional da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, também asseguram o acesso ao ensino regular.
O Transtorno do Espectro Autista — TEA é caracterizado por uma desordem de desenvolvimento que afeta algumas áreas do cérebro, podendo impactar o comportamento, a capacidade de comunicação e a interação social de um indivíduo.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, estima-se que uma em cada 160 crianças tenha TEA, o que leva a um cálculo de uma população de aproximadamente 2 milhões de pessoas no Brasil. No entanto, os desafios para a implementação de uma cultura inclusiva no ambiente educacional são diversos, principalmente no que tange aos estudantes com TEA para alcançar o máximo de desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, de acordo com suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.
Outro aspecto relevante é a percepção sobre a função e a importância da escola, entre todos os profissionais que atuam na escola como professores, equipe gestora, educadores e outros para tornar efetivo o processo de inclusão, onde, infelizmente, ainda persistem concepções e práticas limitadas e restritivas, principalmente aos aspectos relacionados à socialização e à democratização do ensino de inclusão escolar.
Diante do exposto, faz-se necessário uma política de formação continuada para todos os profissionais que atuam na educação frente às políticas de inclusão escolar como garantia de educação para todos.
Nessa perspectiva, torna-se urgente e necessário um diálogo e reflexões no que tange às políticas públicas voltadas para a formação do profissional que atua nas escolas de ensino regular, bem como os investimentos de recursos para que os estudantes com TEA possam acessar o currículo com outros estudantes, garantindo-lhes o direito de aprendizagem.
Portanto, com base nessa justificativa, esse requerimento foi aprovado por unanimidade dos membros deste colegiado, razão pela qual a realização desta importante audiência.
14:12
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Nós gostaríamos de informar a metodologia da reunião. Cada uma das nossas convidadas terá o tempo de 10 minutos para fazer a sua exposição. Naturalmente, havendo necessidade, a expositora terá tolerância de mais alguns minutos para a conclusão das suas manifestações. Os Parlamentares que participarem da audiência também naturalmente terão direito a usar da palavra de 3 a 5 minutos. Ao final, se houver necessidade, nós destinaremos mais 3 minutos para cada uma das convidadas para as considerações finais.
Com muita alegria e satisfação, na condição de Presidente da Comissão de Legislação Participativa, dou início à nossa audiência pública.
Convido, para fazer uso da palavra inicialmente, a Sra. Linair Moura Barros Martins, Coordenadora-Geral de Políticas, Regulação e Formação de Profissionais em Educação Especial, que, neste ato, representa o Ministério da Educação, para tratar do tema referente ao transtorno do espectro autista e à educação inclusiva.
Profa. Linair Moura, muito obrigado pela presença. V.Sa. tem a palavra para fazer a sua manifestação.
A SRA. LINAIR MOURA BARROS MARTINS - Boa tarde. Quero cumprimentar o Deputado Waldenor Pereira e, em seu nome, cumprimentar as demais colegas, professoras como eu que estão integrando esta Mesa. Quero também estender os meus cumprimentos ao Deputado Paulo Teixeira e à Deputada Erika Kokay e parabenizá-los pela iniciativa desta audiência muito oportuna.
Para nós do MEC, é sempre uma satisfação atender à requisição desta Casa, porque esses são momentos muito profícuos de um diálogo bastante oportuno.
Em primeiro lugar, quero fazer a minha descrição. Sou uma mulher branca, loira, tenho cabelos curtos e cacheados na altura dos ombros. Tenho 38 anos de profissão. Sou aposentada da Secretaria de Educação do Distrito Federal, onde trabalhei por muito tempo na educação especial. Sou doutora em educação, mas a minha especialização é na área da surdez. Estou na minha sala de trabalho do MEC, onde há uma parede branca atrás de mim. O meu sinal visual é a mão configurada em V com movimento circular em frente ao olho, que quer dizer olho verde.
Em segundo lugar, quero dizer que este é um dia muito especial e oportuno para esta audiência: o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Esta data muito importante foi estabelecida pela ONU em 1992 para ressaltar a importância dos esforços que nós professores, o Congresso Nacional e toda a sociedade devemos fazer para a inclusão da pessoa com deficiência, para que todas e todos possam exercer a cidadania em igualdade de condições e usufruir dos bens materiais e simbólicos que representam a nossa construção enquanto humanidade.
Eu quero, nesta oportunidade, fazer uma pequena apresentação a respeito do estudante com transtorno do espectro autista e da educação inclusiva, tema solicitado por esta audiência.
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Compartilho a minha tela para informar que o transtorno do espectro autista está designado assim a partir do início do primeiro DSM, mas foi ratificado mesmo pelo DSM-V, de 2013, que fez a fusão do transtorno do espectro autista com o transtorno de Asperger e o transtorno global do desenvolvimento. Por que estou fazendo essa nota inicial? Porque a nossa LDB ainda fala em transtornos globais do desenvolvimento. Já temos um projeto de lei para atualizar a LDB, mas, como não foi aprovado, ainda consta dela o TGD.
O transtorno do espectro autista, segundo a DSM-V, se constitui em sintomas que representam um contínuo que vão do leve ao grave nos domínios da comunicação e do comportamento restritivo. Eles constituem um espectro, ou seja, vão do leve ao grave.
Os estudantes com o transtorno do espectro autista constituem o público da educação especial, uma modalidade de educação escolar prevista na LDB, que é transversal a todos os níveis de modalidades de ensino, cuja função é garantir o acesso ao currículo e à inclusão dos estudantes com deficiência, com transtorno do espectro autista e com altas habilidades e superdotação.
O direito à educação desses estudantes está garantido na Constituição Federal, conforme o art. 205, que prevê que a educação é direito de todos e que o ensino será ministrado em igualdade de condições para acesso e permanência na escola.
Um artigo muito importante para nós, da educação especial, é o art. 208 da Constituição, que dispõe que a educação será efetivada mediante a garantia de atendimento educacional especializado. Por isso, é muito importante ressaltar que a garantia de atendimento educacional especializado não se constitui apenas como um serviço de educação especial, mas como a garantia de que essa inclusão, preferencialmente nas classes comuns do ensino regular, seja acompanhada de uma atenção específica às demandas e singularidades que os estudantes requerem em todo o processo educacional e não apenas em um horário determinado e com espaço marcado.
Portanto, entendemos o atendimento educacional especializado como um conjunto de recursos e serviços de educação especial que deve estar disponível em todas as escolas para garantir a inclusão, o acesso ao currículo e o pleno desenvolvimento dos estudantes da educação especial.
É interessante entendermos de que público estamos falando. Nós devemos pensar que a educação básica hoje tem 47 milhões e 300 mil alunos, dos quais 1 milhão e 300 mil alunos integram a educação especial. Dentre esses alunos, 1 milhão e 110 mil estudantes estão na escola pública. E, desses, 1 milhão e 71 estão em classes exclusivas. Vejam que 96,5% dos nossos estudantes estão em classes comuns do ensino regular. Então, a educação inclusiva para esses estudantes vai se expressar ou se operacionalizar por meio de serviços e recursos que devem acompanhá-los em seu processo de escolarização.
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Um retrato dos estudantes com o transtorno do espectro autista revela que eles constituem um público de 246 mil alunos de um total de 1 milhão e 308 mil da educação especial. E 41% deles está no ensino fundamental e têm de 6 a 10 anos de idade.
Esse não é o único fator estatístico que deve nos chamar a atenção em uma análise. A quantidade de matrículas na educação básica tem caído desde a primeira década deste século. Em razão do nosso novo perfil demográfico, que apresenta mais pessoas com 60 anos do que pessoas menores de 14 anos, nós temos uma redução importante na quantidade de estudantes na educação básica. Nós já temos, de 2009 para cá, um decréscimo de 10% desse quantitativo de alunos. Entretanto, desproporcionalmente ou contrariamente, a educação especial cresceu 104% nesse mesmo período. Enquanto o quantitativo de matrículas decresce na educação básica, cresce na educação especial. E, quando nós observamos os alunos com transtorno do espectro autista, vemos que esse crescimento foi muito maior: 368% só na educação básica.
É importante observar este gráfico para ver que o número de matrículas de alunos com TEA cresce na classe comum. Isso é, digamos, um índice que monitora e acompanha a inclusão escolar. Há um número significativo dessas matrículas na classe comum, o que realmente revela essa inclusão. Entretanto, nós não podemos ficar apenas com essa informação. Nós temos que analisar o que isso nos diz.
Eu tirei da própria Constituição a informação de que o Atendimento Educacional Especializado — AEE, que é um dos principais serviços de educação especial, visa garantir acesso ao currículo e à inclusão dos alunos. E, no geral, há um crescimento da oferta de AEE para os alunos do espectro autista. É possível verificar que, em 2021, houve uma queda nessa oferta não só para os alunos com TEA, mas no contexto inteiro. Nós acreditamos que isso tenha ocorrido em razão de alguns fatores relacionados principalmente aos fundamentos que sustentam a oferta de AEE. O que sustenta essa oferta? Primeiro, os programas e as ações do MEC, como o Programa Sala de Recursos e o Programa de Formação de Professores. O AEE é ofertado por um professor especialista. Esses programas, desde 2012, tiveram uma queda muito grande de sustentação. Por exemplo, o Programa Sala de Recursos esteve parado desde 2012. O Programa de Formação de Professores esteve muito bem até 2014, mas foi arrefecendo. Esta gestão tem investido nos sustentáculos e nos fundamentos da inclusão. De 2020 para cá, o Programa Sala de Recursos teve um aporte financeiro de 354 milhões de reais, atendendo a 13.700 escolas, e o Programa de Formação de Professores teve um aporte de 7,5 milhões de reais, atendendo a 25 mil professores que oferecem o AEE. O nosso reforço e o nosso olhar para esses dois programas têm o objetivo de fazer esse gráfico voltar ao crescimento, porque a queda é reflexo de um tempo de parada nos fundamentos que sustentam o que consideramos o principal serviço de inclusão, que é o AEE. Então, a nossa expectativa é que, em breve, essa curva volte a ser crescente.
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Mas, quando nós falamos de inclusão, temos que pensar no seu significado social. Sabemos que a inclusão é uma diretriz legal, é um paradigma social que direciona as ações de um sistema educacional inclusivo. Não apenas a educação especial, mas toda a escola deve ser inclusiva e deve promover políticas que assegurem a permanência, o sucesso e o bem-estar de todos aqueles que têm alguma barreira que impeça a sua participação plena. Então, quando nós falamos de inclusão, temos que pensar em desenvolvimento pessoal, acadêmico e cultural, temos que pensar em participação com igualdade de condições, temos que pensar em exercício da cidadania.
Precisamos falar que o poder público e a escola têm um papel muito significativo nesse processo. O nascimento de uma criança com deficiência, com autismo modifica muito a estrutura familiar. A família passa por diversas fases até chegar a um equilíbrio. E uma coisa que impacta muito o desenvolvimento da criança é o status que a deficiência tem no seio da família e na comunidade que está próxima a ela. Nesse sentido, a escola é geralmente o par mais informado que pode se aliar a essa família para puxar as expectativas acadêmicas para cima.
Eu fiz minha pesquisa de doutorado com crianças surdas que não aprenderam língua alguma porque a família não lhes dava crédito nenhum por causa de sua condição. O que observei ali? A família não tinha expectativa acadêmica em relação àquela criança. Isso vai acontecer com a criança com TEA também. Em razão do preconceito e da discriminação, que marcam historicamente as pessoas com TEA, a família às vezes não tem muitas expectativas educacionais. Então, a escola é aliada. E a política pública tem que preencher uma lacuna, tem que exercer o seu papel, para que o desenvolvimento aconteça, para que a inserção do currículo aconteça, para que a educação seja um fundamento substancial, um instrumento que possa capacitar ou instrumentalizar a pessoa a enfrentar os desafios e, assim, encontrar o seu lugar social.
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Se a deficiência for encarada como uma condição, como um modo de ser e estar no mundo em que a pessoa vai interagir de forma alternativa com os instrumentos culturais, essa visão precisa ser compartilhada com a escola, que, então, poderá fornecer apoio e trazer melhores expectativas quanto ao desenvolvimento da criança.
Como isso se transforma em política e em programa no contexto escolar?
Como diz a nossa LDB, a matrícula deve ser feita preferencialmente na classe comum. E a inclusão precisa ser operacionalizada no contexto da escola. Temos crianças com demandas e singularidades que vão trazer para a escola necessidades que precisam de respostas, como as do nosso aluno aqui, que tem transtorno do espectro autista. Esse aluno vai precisar da educação especial ao redor dele. Vai precisar desse cinturão que é a educação especial em qualquer nível ou modalidade de educação em que ele estiver: educação infantil, educação superior, educação tecnológica, educação indígena, educação quilombola.
E esse aluno vai precisar de serviços e recursos especializados para que possa ter êxito em seu processo educacional. Que serviços e recursos são esses? Refiro-me, por exemplo, à Tecnologia Assistiva. O estudante com transtorno do espectro autista necessita de comunicação alternativa, de recursos, de estratégias pedagógicas diferenciadas. Refiro-me também ao Atendimento Educacional Especializado, de que já falei. É todo o conjunto de serviços que dá atenção diferenciada à singularidade da criança, contando com programas como o Programa Sala de Recursos, no contraturno. Entendemos que esse estudante necessita desse e de outros programas que, como falamos, dão sustentação à oferta do AEE. Ele também vai precisar de uma escola que seja acessível e que quebre não só as barreiras arquitetônicas, mas também as barreiras atitudinais, as barreiras de comunicação e as barreiras que possam existir nas estratégias pedagógicas e nos recursos didáticos. A escola acessível compreende toda essa quebra de barreiras, que não é apenas arquitetônica ou urbanística, como costumamos pensar quando vemos uma cadeira de rodas, como era antigamente o símbolo da acessibilidade.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Profa. Linair.
A SRA. LINAIR MOURA BARROS MARTINS - Sim.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Desculpe-me interrompê-la, mas, por gentileza, peço que a senhora faça o planejamento do seu tempo, que já foi extrapolado.
A SRA. LINAIR MOURA BARROS MARTINS - Ah, desculpe-me. Este é o meu último eslaide.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Está bem. Peço desculpas. Obrigado.
A SRA. LINAIR MOURA BARROS MARTINS - Esse aluno precisará de um conjunto de recursos e estratégias ao redor dele para acompanhá-lo no seu processo educacional.
O que eu gostaria de dizer é que o MEC tem recebido tanto do Congresso Nacional como da sociedade civil organizada várias demandas para a organização da educação da criança com transtorno do espectro autista. Muitas propostas divergem dos pressupostos que fundamentam desde 2008 os programas e as políticas na área da educação. O que o MEC pensa sobre isso? O MEC pensa que deve haver um sistema em que existam alternativas ou propostas pedagógicas diferenciadas que considerem a legitimidade dos professores, que considerem a legitimidade da escola, que considerem a legitimidade dos pais ao fazerem essas propostas.
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Nós temos várias experiências de escolas clínicas que têm chegado ao MEC, as quais, inicialmente, ferem um pouco os pressupostos teóricos que as fundamentam. A inclusão tem sido implantada, mas elas precisam reconhecer a legitimidade desses pais. Esses pressupostos teóricos nossos precisam ser refletidos à luz dos interesses que a sociedade tem manifestado e da forma como ela tem se manifestado. O Congresso Nacional também tem provocado o MEC, através de projetos de leis que chegam para a nossa análise, e essas propostas da sociedade têm sido contempladas.
Então, o que o MEC pensa hoje? Apesar de nós termos toda uma legislação da qual nós não podemos fugir, nós precisamos ter o olhar para o que a sociedade está nos dizendo e ter o respeito para a legitimidade dessas propostas, para que nós possamos, ao respeitar as pessoas, respeitar os lugares e os papéis que elas ocupam como pais, como presidentes de associações e como Parlamentares, sob um fundamento. Nós temos que ter um fundamento. Nós não podemos perder as conquistas, mas não podemos entender que o modelo único e planificado não respeite o princípio principal da diversidade, porque a diversidade é considerar uma pluralidade de propostas, uma pluralidade de condições, o que, muitas vezes, exige respostas que não estão indexadas em um modelo único.
Então, com esta provocação e com este posicionamento, eu encerro aqui minhas palavras. Foi rápido mesmo, o tempo passa voando. Nós continuamos abertos para este diálogo.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Nós agradecemos a participação da Profa. Linair Moura Barros Martins, Coordenadora-Geral de Políticas, Regulação e Formação de Profissionais em Educação Especial, representando, neste ato, o Ministério da Educação. A Profa. Linair, na sua exposição, firmou a posição do MEC a respeito da educação inclusiva, neste caso especial, do transtorno do espectro autista e a educação inclusiva.
Eu quero convidar agora a próxima palestrante, a Sra. Elisabete Salles, graduada em Pedagogia, com especialização em Educação Especial na área da Deficiência Física, pela UNESP, e em Psicopedagogia, pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza.
Eu gostaria de solicitar à Sra. Elisabete Salles que, assim como fez a Profa. Linair, pudesse fazer uma autodescrição para melhor interação com os deficientes visuais.
Com satisfação, eu passo a palavra para a Profa. Elisabete Salles, pelo tempo de 10 minutos, com a devida tolerância também, se houver necessidade.
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A SRA. ELISABETE SALLES - Boa tarde a todos.
Eu gostaria de agradecer por este espaço para discutirmos um assunto que é tão pertinente. Por isso, cumprimento o Deputado Waldenor, o Deputado Paulo Teixeira e os colaboradores, que nos permitem participar desta audiência de extrema importância.
Cumprimento também a Profa. Linair pela bela explanação sobre o assunto.
Eu sou a Profa. Bete, tenho 1 metro e 64 centímetros, sou de cor parda, tenho cabelos longos e loiros, olhos negros. Eu estou numa sala, e no fundo há um armário marrom. Estou usando uma camiseta preta. Vim colaborar um pouquinho com esta discussão que é tão pertinente.
Sou professora desde 2001. Atuei na educação especial durante 7 anos na minha carreira, como professora de acompanhamento à inclusão, no Município de São Paulo, e também como professora de sala de recurso multifuncional. Atuo como professora de educação infantil e ensino fundamental. Atualmente, estou na educação de jovens e adultos e na gestão de uma escola do Município de São Paulo.
A Profa. Linair já trouxe a questão do que vem a ser a pessoa do espectro autista e como está sendo a organização dos estudantes com TEA. Eu só quero enfatizar que nós sabemos como é importante a inclusão das crianças no ensino regular, principalmente das crianças com deficiência. Nós sabemos que o sistema de ensino tem que possibilitar não só o acesso e a permanência dos alunos nas unidades escolares, mas também a qualidade dos processos de escolarização e o pleno desenvolvimento das aprendizagens.
Por muito tempo nós ficamos insistindo na questão do acesso. Hoje, o acesso é garantido, graças à legislação e às políticas públicas. Porém, a nossa preocupação é com desafios maiores, como a permanência e o aprendizado dos estudantes, em especial das crianças com transtornos do espectro autista — TEA. A escola é um fator muito importante, não somente porque promove experiências escolares, mas também porque possibilita à criança receber um ordenamento de campo simbólico, aprender as relações entre os humanos e receber a abertura do convívio social, que é tão enriquecedor. Isso permite a ela refletir e estender o aprendizado para sua vida em sociedade.
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Para que a inclusão da criança com TEA na escola tenha sucesso, para que ela consiga acessar o currículo com qualidade, como qualquer outra criança, o que nós poderíamos pensar? Nós sabemos que já existe política pública para garantir o acompanhamento da formação da equipe docente e o apoio de todos os servidores que trabalham nas escolas, da equipe gestora. Mas que ações nós poderíamos pensar para que isso realmente se efetive?
Nós sabemos que existem pesquisas e estudos que apontam que a demanda de crianças com espectro autista vem crescendo nas unidades. Embora tenha havido uma queda, que foi pontual, as matrículas vêm crescendo. Os pais já perceberam a importância da escola no desenvolvimento das aprendizagens da criança, do estudante. Pensando nisso, como podemos fortalecer a formação dos profissionais que estão diretamente envolvidos com esses alunos, que nos trazem bastante desafios, para a inclusão de verdade acontecer?
Nós sabemos que a matrícula na escola é um direito, é uma garantia para a família que tem uma criança com TEA. Mas, para nós conseguirmos o sucesso do seu desenvolvimento e a inclusão, nós precisamos de parceiros. O que o SUS oferece para essa comunidade, para esses estudantes que precisam de um acompanhamento terapêutico o quanto antes? Muitas vezes, infelizmente, quando eles chegam até nós na escola, eles ainda não têm o diagnóstico de sua condição. Muitas vezes é na escola, principalmente na educação infantil, no CEI, que os professores vão começar a perceber que aquela pode ser uma criança do espectro autista e vão fazer todo o encaminhamento e o direcionamento para a família. Muitas vezes, a família, por falta de apoio, falta de informação, ou até mesmo falta de condições, não consegue esse atendimento no SUS e chega à escola ainda sem o diagnóstico. Às vezes, ela chega num período de investigação, mas muitas vezes não chega nem nessa fase. Nós sabemos que, para o desenvolvimento pleno da criança, tanto na escola quanto na vida, no desenvolvimento da autonomia, o acompanhamento terapêutico é muito importante. Também sabemos que a o Sistema de Saúde não dá conta de fazer esse atendimento. Então, nós pensamos que a inclusão na educação é um braço e a saúde é outro braço. Precisamos ser parceiros e andar juntos. A Lei nº 12.764, de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê isso.
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Dentro da escola nós ouvimos de muitas famílias, ouvimos de muitas mães que elas têm dificuldade, pois o SUS ainda não consegue oferecer os profissionais para fazer esse acompanhamento. Além do diagnóstico, que não é feito da noite para o dia, exige-se uma série de exames e bastante tempo de acompanhamento até se chegar a um diagnóstico. Também é preciso contar com outros acompanhamentos, como os de fonoaudiólogo e de terapeuta ocupacional. Muitas vezes, o SUS e a unidade básica de saúde de referência não dispõem desse profissional tão importante para o desenvolvimento da criança.
Outra questão relacionada ao desenvolvimento pleno da criança pequena, que vai ficar um longo período na escola, é a sua preparação para sair da escola. Como a Profa. Linair já falou, nós preparamos a criança também para o seu desenvolvimento no convívio social e no mundo do trabalho. Sabemos que essa mesma lei prevê a inserção no mercado de trabalho, mas ainda existe muita resistência e falta de informação. Às vezes, os nossos estudantes têm acesso à educação, mas por faltar investimento ou por faltar um trabalho efetivo de formação de quem atua com eles diretamente os estudantes não saem com conhecimento para entrar no mundo do trabalho, para serem inseridos no mercado de trabalho. Podemos pensar em alguma legislação que trate dessa questão também.
Para a inclusão acontecer, é preciso não só de educação. O professor precisa buscar conhecimento pessoal e aprender bastante com a convivência com os casos que existem na escola. A criança precisa de acompanhamento, mas também é necessário que a gestão seja inclusiva, que os inspetores sejam inclusivos, que o pessoal que colabora com a limpeza e com a refeição entenda e seja inclusivo, para que essas crianças não sejam excluídas mais do que já são.
Era isso o que tinha a dizer.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Profa. Elisabete Salles, pela sua participação na nossa audiência, destacando a importância da interdisciplinaridade para tratar da questão do transtorno do espectro autista e da educação inclusiva.
Queria informar que já entrou na nossa sala virtual um dos autores do requerimento, o Deputado Paulo Teixeira, eleito pelo Estado de São Paulo e um dos Deputados mais conceituados da Câmara dos Deputados.
Eu me sinto honrado, Paulinho, de assinar contigo e com a Deputada Erika o requerimento que resultou na realização desta audiência. Eu sei que você está em trânsito, mas naturalmente tem interesse de participar da nossa audiência. Para que eu possa imediatamente lhe passar a palavra, peço licença à Mariene e à Luciana Viegas, que falarão em seguida.
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Vamos ouvir o Deputado Paulo Teixeira, que já foi o Líder da nossa bancada na Câmara dos Deputados e Líder da Minoria, e que é um dos Parlamentares mais atuantes. Será muito bom ouvirmos o Deputado Paulo imediatamente, para em seguida darmos continuidade com a participação das nossas convidadas.
Deputado Paulo, passo-lhe a palavra agora, porque sei que V.Exa. está com dificuldade para permanecer na nossa audiência.
O SR. PAULO TEIXEIRA (PT - SP) - Muito obrigado, Deputado Waldenor Pereira. Parabenizo-o pelo excelente trabalho que tem feito à frente da Comissão de Legislação Participativa, em um ano intenso, como foi este da pandemia, em que os trabalhos ficaram paralisados. Então, deixo o meu reconhecimento e os meus elogios a esse seu trabalho de excelência à frente da Comissão de Legislação Participativa.
Eu cumprimento a Elisabete Salles, que foi uma das que sugeriram esta audiência; o Beto Custódio, que ajudou a movê-la; a Mariene Martins; a Linair Moura, representante do MEC; a Luciana Viegas; e todas e todos que estão participando.
Meu nome é Paulo Teixeira, eu tenho 1 metro e 70 centímetros de altura, cabelos grisalhos, estou de camisa branca e estou participando da audiência no automóvel.
Eu gostaria de ressaltar a importância desta audiência. Nós queremos uma sociedade que inclua as pessoas, uma sociedade cujas instituições trabalhem para a inclusão, uma sociedade que ajude a cuidar. As falas aqui foram muito elucidativas de como nós vamos melhorar as políticas públicas, principalmente na área de educação, voltadas às crianças portadoras do transtorno do espectro autista.
Eu tenho uma relação com essa questão, porque tenho trabalhado o tema do uso medicinal da cannabis. Nós estamos tentando regulamentar no Congresso Nacional o uso medicinal da cannabis e a produção no Brasil de medicamentos à base de cannabis. Nas audiências que nós fizemos, vimos que o medicamento à base de cannabis é muito utilizado para epilepsias refratárias, aquelas cujos medicamentos não resolvem os repetidos problemas de convulsão, é usado para doenças raras e também é muito usado no transtorno do espectro autista.
No Brasil, esse medicamento já está sendo usado, mas é muito caro. Hoje, ele custa 3 mil reais na farmácia. Nós queremos baixar esse preço. Quem tem conseguido oferecer medicamentos mais baratos são as associações voltadas a portadores. No Brasil há várias, sendo que a maior delas é a ABRACE da Paraíba. Aqui no Estado de São Paulo existe a Flor da Vida, existe a Maria Flor, existe aquela que é presidida pela Cidinha. Enfim, as associações de São Paulo já começaram a fornecer o medicamento. Quando não oferecem o medicamento de graça, oferecem muito mais barato.
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Nós estamos tentando aprovar o PL 399/2015. Nós já o aprovamos na Comissão Especial, e houve um recurso para o Plenário. Nós estamos pedindo para o Presidente Arthur Lira que vote o recurso, porque, em nossa opinião, a matéria passará na Câmara e depois passará no Senado. Assim, o Brasil estará integrado a uma medicina de fronteira, uma medicina moderna. Esse tipo de medicamento trata das epilepsias refratárias, que acabam diminuindo, quando não zerando, trata das convulsões das crianças, inclusive as que têm o transtorno do espectro autista, trata da esclerose múltipla, de Parkinson e de Alzheimer. Enfim, há uma variedade de enfermidades que a cannabis medicinal ajuda. Esse é o PL 399.
Deputado Waldenor, eu me prontifico, junto com V.Exa. e com as especialistas — são quase todas mulheres —, a trabalhar para ver o que ainda falta na legislação brasileira, em termos de apoio para as famílias que têm filhos ou filhas com transtorno do espectro autista. Eu quero parabenizá-lo e ao mesmo tempo me prontificar a trabalhar no desdobramento disso, junto com V.Exa. e com a Deputada Erika Kokay, que é coautora desse requerimento.
Eu deixo um abraço a V.Exas. e parabenizo todos por esta grande audiência pública promovida pela Comissão de Legislação Participativa, que tem trazido variados temas da nossa sociedade, temas muito importantes para os quais o Parlamento está se abrindo agora, pelas mãos do Deputado Waldenor Pereira. Eu acrescento à minha autoidentificação que sou amigo do Waldenor, o que muito me honra. Deixo um abraço a todos.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Paulo. A honra e o orgulho são todos meus por ter como amigo esse grande Parlamentar eleito por São Paulo, que hoje é reconhecido nacionalmente.
Paulo, como é de praxe em nossas audiências, nós realizamos em seguida uma reunião técnica para decidir sobre os encaminhamentos que foram propostos na audiência. Então, eu o avisarei sobre a data da reunião técnica, para que possamos fazer um levantamento das proposições legislativas que se encontram em tramitação no Congresso Nacional sobre essa matéria, para que possamos responder positivamente às inquietações, solicitações e demandas das associações, entidades de proteção e de defesa dos autistas no Brasil.
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Eu quero chamar atenção de todos que nos acompanham neste momento, especialmente daqueles que passaram a nos assistir há pouco. Estamos promovendo uma audiência pública no âmbito da Comissão de Legislação Participativa para debater o transtorno do espectro autista e a educação inclusiva. Esta audiência está sendo realizada hoje, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. Contamos com a presença do Ministério da Educação, representado pela Profa. Linair Moura. Contamos também com a presença das especialistas e psicopedagogas Profa. Elisabete Salles e Mariene Martins Maciel, que é minha amiga no Estado da Bahia e uma lutadora incansável em defesa dos autistas. Ela é membro da direção da AFAGA — Associação de Familiares e Amigos da Gente Autista, do Estado da Bahia. Também contamos com a presença da Luciana Viegas, que é professora da rede pública no interior de São Paulo, e que se autoidentifica como autista e mãe de autista. Esta importante audiência está sendo realizada graças ao requerimento apresentado pelo Deputado Paulo Teixeira, pela Deputada Erika Kokay e por mim, como coautor dessa iniciativa.
Quero lembrar que este evento está sendo transmitido via Internet. O vídeo pode ser acessado pela página da Comissão de Legislação Participativa, no site da Câmara dos Deputados, pelo canal da Câmara dos Deputados no YouTube e também pelo portal e-Democracia.
Agradeço ao extraordinário Parlamentar e companheiro Paulo Teixeira, eleito pelo Estado de São Paulo, que é um dos autores do requerimento e que participa da audiência.
Com muita alegria, convido para fazer uso da palavra a minha amiga Mariene Martins Maciel, que é psicopedagoga e tesoureira da Associação de Familiares e Amigos da Gente Autista — AFAGA, pelo tempo de 10 minutos. Também teremos a devida tolerância, se houver necessidade.
A SRA. MARIENE MARTINS MACIEL - Boa tarde.
Eu agradeço ao companheiro Waldenor, ao companheiro Paulo e à companheira Erika a convocação desta reunião.
Lembro que sou uma senhora idosa, já passei dos 60 anos. Tenho 1 metro e 55 centímetros, meu cabelo era preto, hoje é grisalho, e uso um óculos de aro de acetato marrom. Atrás de mim há uma estante cheia de livros. Eu tenho uma pinta no rosto, e meu sinal para surdo é a pinta. Sou uma mulher parda, com características mais indígenas.
Eu fiz uma apresentação, mas acho que ela está muito longa. Nela eu faço um retrospecto da legislação, mostrando que o nosso País é maravilhoso em marcos legais, desde a nossa Constituição, nos art. 205 e 208, que garantem a inclusão da pessoa com deficiência na escola regular.
Eu queria lembrar à Linair que, preferencialmente, não se deve tirar esse aluno da sala comum. Preferencialmente, deseja-se o atendimento educacional especializado. Tanto na Constituição como na legislação isso já foi debatido. Todo o nosso marco legal determina a inclusão na escola comum. Hoje, nesta audiência, nós estamos debatendo a escola inclusiva para autistas. Então, em nenhum momento podemos pensar em escola-clínica, porque isso é retrocesso.
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Eu não vou mostrar minha apresentação, ela está longa, mas eu trago dados de 2003 a 2015 mostrando que há um aumento significativo na matrícula de pessoas com deficiência na escola regular. De 2016 a 2020, as matrículas praticamente dobraram na escola regular, e na escola exclusiva isso vai caindo.
A nossa luta é para que o aluno se mantenha na escola, para que ele permaneça, e para que o número de matrículas aumente. No Brasil, havia cerca de 103 mil autistas entre 0 e 29 anos. Então, o número de matriculados não chega a 10%, com base nos dados do CDC que dizem que 1 a cada 54 pessoas é autista.
Em relação ao nosso marco regulatório, vemos que antes de 2013 havia uma legislação boa, mas a maioria das leis não era regulamentada. Nós temos que falar que, a partir dos Governos progressistas de Lula e Dilma, essa legislação passa a ser regulamentada. A maioria das leis que foram criadas não tinham regulamentação. Nós fomos um dos únicos países a internalizar a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência como marco constitucional. Ela vale tanto quanto a Constituição. Depois, em 2015, conseguimos enfim a promulgação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que é o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que estava há 20 anos tramitando.
Em todo esse marco legal que garante a inclusão, em nenhum momento se discute a volta para a situação anterior. Voltar para a clínica-escola para mim é uma aberração. Clínica não é escola.
Nós temos que discutir como podemos garantir inclusão para essa turma, que não é só de crianças, já que hoje muitos autistas estão na universidade. Que eu conheça, a Bahia é o único Estado que criou uma rede para discutir a inclusão no ensino superior. Nós recebemos muitos casos de autistas precisando de apoio na universidade. Hoje, nós conseguimos aumentar significativamente a matrícula e garantir o acesso.
Vimos que, de 2016 para cá, caiu muito a aplicação de recursos. Nós tínhamos salas de recursos. Eu fico feliz de ouvir a Linair falar que se está voltando a investir na instalação de salas de recursos. Mas isso estava totalmente parado. Precisamos de salas de recursos, precisamos de atendimento educacional especializado para manter o aluno na escola desde a educação infantil até o doutorado. Precisamos de apoio.
Eu acho que não se pode discutir outra forma de ensino que não seja a inclusão. Eu sinto muito dizer que os movimentos... Eu sou fundadora da ABRAÇA — Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas, que é uma associação nacional. A nossa sede é sediada em Fortaleza, e hoje é dirigida por uma autista aí de Brasília, a Rita Louzeiro. Eu tenho a maior felicidade de saber que fundamos essa associação, na qual hoje só eu e uma outra mãe não somos autistas. O resto da direção é toda formada por autistas.
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A Lu, que é minha filha postiça, também é da ABRAÇA. E eu tenho um filho com 28 anos. Então, eu sei o que é estar dos dois lados. O meu filho esteve em escola especial e em escola inclusiva por muitos anos. Eu sei o quanto ele cresceu na convivência e na escola inclusiva, e o quanto foi árdua essa briga para mantê-lo lá. Era muito sofrimento. Fico muito contente de ver que estamos abrindo caminho.
Hoje, não podemos voltar a discutir outra forma de educação que não seja a inclusão. Eu acho que o MEC não pode vir com essa história de pensar em outras formas, que a família tem direito de escolher. A família não tem direito de escolher. O direito é da criança. O direito é da criança, não é da família. O Estatuto é da criança. A criança tem que viver em espaço comum, com todos. Não pode haver guetos. A sociedade só vai aceitar na convivência, no dia a dia.
Como falou a Profa. Elisabete, depois do ambiente familiar, a escola é o espaço onde se dá a formação do laço social. Só se aprende a viver e a ser um ser humano melhor quando se convive com as diferenças, com o autista, com o preto e o branco, com o índio, com a diferença de gênero, com toda a diversidade humana.
Então, não é o momento para o MEC... Eu sinto muito, mas nós não vamos permitir, os movimentos sociais vão se mobilizar, como já nos mobilizamos para parar com o Decreto nº 10.502, que previa a segregação. Não é o momento. O momento é para conseguir recursos. Como vamos manter esse pessoal que está na escola? Como vamos ampliar o número de salas de recursos?
A outra pessoa que eu tinha proposto para participar dessa audiência é uma professora do Distrito Federal, que é autista e mãe de autista. Ela está neste momento numa reunião, porque o Governo do Distrito Federal está tentando fechar as salas de recursos, e professores junto com a comunidade estão tentando barrar isso.
Não é o momento de pensar em ambientes separados, é hora de discutir como vamos aumentar o número de salas de recursos, de discutir a formação do pessoal, desde o porteiro até o gestor, o diretor, de discutir os recursos para manter espaços adaptados para pessoas autistas que precisem de um ambiente sensorial especial ou com menos estímulos sensoriais, de discutir como garantir esses tipos de recursos. Não é o momento de dividir e falar: "Vamos botar o autista numa clínica-escola". Não! Vamos botar o autista na escola. Na educação, vamos precisar de um trabalho intersetorial com a saúde, mas não por causa dos diagnósticos para a educação, porque o educador não precisa de diagnóstico, pois cada ser humano é único. O educador vai trabalhar junto de um plano de desenvolvimento individual, para ver qual a potencialidade e os pontos fracos de cada aluno. Não é o diagnóstico que vai dizer isso, e sim o trabalho do pedagogo e do psicopedagogo. Muita gente diz que precisa de diagnóstico para trabalhar, para matricular, para receber o aluno. Aqui na Bahia, conseguimos colocar nas leis de diretrizes e bases da educação que nenhuma escola deve pedir diagnóstico para matrícula, para acesso, para nada. O diagnóstico só deve ser pedido se for para outro diferencial, mas não para a parte da educação.
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Hoje, precisamos ter uma interação grande com a assistência social. Para quê? Para ver quais as condições das famílias, saber do que as famílias estão precisando. Sabemos que muitas famílias de autistas estão passando fome hoje. Se a família está numa situação de vulnerabilidade social — e a maioria está em vulnerabilidade social —, ela não mantém a criança na escola. Então, precisamos dar esse suporte, junto com a assistência social. Precisamos desse trabalho intersetorial.
Em 2008, se não me engano, quando saiu o Plano Nacional de Educação, também saiu uma pesquisa que o Governo fez, junto com a assistência social, para estudar os beneficiários do BPC. Na época, 70% dos beneficiários do BPC estavam fora da escola, de qualquer escola. Considerando todos os dados que eu levanto, mais de 40% estão no limbo, estão fora da escola, estão fora do BPC.
Então, precisamos de uma força-tarefa que envolva educação, saúde, assistência social e direitos humanos, para ver quem está na escola e em vulnerabilidade, quem precisa de apoio para ser mantido na escola, para ver de que tipo de apoio esse aluno precisa, se é apoio psicológico, pedagógico, de equipamento, de tecnologia assistiva. E, quanto a quem está fora da escola, precisamos fazer essa busca como se fez no caso do BPC: "Você vai continuar recebendo o BPC desde que esteja matriculado na escola". Já temos esse dado. Agora precisamos ir atrás daquele que não tem nada, que está sem BPC, que está sem escola, que está sem assistência à saúde.
Precisamos de um grande apoio da atenção básica e das redes, que hoje estão totalmente paradas. Lembro que o autista, na área de saúde, é atendido pela RAPS — Rede de Atenção Psicossocial, dos Centros de Atenção Psicossocial — CAPS, e pela rede dos CER — Centros Especializados em Reabilitação, para pessoas com deficiência. Aqui em Salvador, na Bahia, conseguimos montar um centro de atendimento especializado exclusivo para autista, na área de saúde, para fazer justamente esse trabalho intersetorial com a escola, para dar esse apoio, mas nunca substituindo a educação.
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Cito também um centro pedagógico muito antigo, que tem 60 anos, o Centro Pestalozzi. Existem dois Pestalozzi: um é do Estado, e o outro é uma ONG. O centro do Estado atendia pessoas com deficiência intelectual e autismo. Nós pedimos que atendesse pessoas com autismo. Qual era o intuito do pedido para que atendesse pessoas com autismo? Formar pessoal para dar suporte à escola regular. Nunca pensamos nele como um centro para segregação, mas, sim, como um centro que poderia dar suporte para a escola regular. Acho que temos que pensar nisso enquanto MEC.
Eu me esqueci de falar que, além de psicopedagoga, sou jornalista e sou formada em gestão pública, com especialização em história. Meu filho tem 28 anos de idade. O que vou falar agora é para o Paulo: com 24 anos de idade, o Gabriel começou a ter convulsões, o que ele não tinha, e fazemos tratamento com cannabis há 4 anos, que compramos da ABRACCII. Aqui na Bahia congregamos várias famílias para tentar a legalização. Paulo, para essa luta, pode nos chamar.
Eu fiquei supercontente, Linair, porque você falou que as salas de recursos vão voltar, que vocês vão voltar a distribuir salas de recursos. Aqui na Bahia estamos precisando muito de salas de recursos e de dinheiro para formação de pessoal, porque, a partir de 2016, com a extinção da SECADI — Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, perdemos muito: perdemos recursos, perdemos muita gente boa. Então, fico muito contente em saber que há previsão de voltarem os recursos para formação, que é do que precisamos.
Era isso por enquanto. A minha apresentação está aí — eu mandei para a Áurea e para o Deputado Paulo. Se quiserem, eu tenho dados do marco legal, e os trago porque faço o histórico do nosso marco legal, do que foi regulamentado na legislação e o paralelo do autismo.
No Brasil não temos estatística oficial de autismo, o que usamos é do CDC — Centers for Disease Control and Prevention dos Estados Unidos, a porcentagem deles, que agora é de 54%. O Brasil só fez um estudo, com o falecido Mercadante, numa cidade de São Paulo, que dava 110, 120. Esse é um dado de 2008, era o que se usava, de 110, e hoje é de 1 a cada 54. Teríamos no Brasil hoje quase 4 milhões de autistas se considerássemos 1 a cada 54 pessoas. É muita gente. Então, precisamos de uma política. Cada vez mais há diagnósticos. A Lu, que está aí, e a Érica, que também é professora do Distrito Federal, foram recentemente diagnosticadas. Vários adultos, principalmente mulheres, são subnotificados.
Gente, não vamos pensar em nenhuma escola separada. Nossa luta aqui é pela inclusão. Vamos pensar em recursos para a inclusão, para manter quem está na escola, pela política de matrículas e para buscar quem está fora!
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Mariene, pela sua participação, uma manifestação muito positiva, instigante, provocativa, que nos chama a atenção para a importância da defesa da educação inclusiva, e não segregadora. Portanto, eu quero lhe agradecer pela participação e revelar a alegria e o contentamento de reencontrá-la, ainda que de forma virtual, Mariene. Você continua sendo aquela mesma companheira combativa, especialmente neste tema que lhe é tão caro.
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Eu fui reclamado aqui pela Assessoria porque solicitei a autodescrição dos convidados, e não me autodescrevi. (Risos.)
Portanto, o Deputado Waldenor Pereira, que é Presidente da Comissão de Legislação Participativa, é um idoso, é um senhor de 67 anos de idade, que já se beneficia do Estatuto do Idoso — não é, Mariene? —, de cor branca. Estou usando óculos de estilo tartaruga, mais escuro um pouco. Há uma estante de livros ao fundo da minha apresentação. Além da estante, há um violão, Mariene, para as horas de descanso e lazer, para espairecer nesta vida tão difícil que é o exercício do mandato parlamentar. Então, para todos os que nos acompanham, especialmente os deficientes visuais, esta é a minha autodescrição, para o devido conhecimento.
Agora vamos convidar para fazer uso da palavra a nossa última convidada.
As últimas serão sempre as primeiras, Luciana. A caracterização como "última" é só para o cumprimento da lista de convidados, mas eu tenho certeza de que a sua contribuição será da maior relevância para a nossa audiência pública.
É com satisfação que eu apresento a professora da rede pública do interior de São Paulo Luciana Viegas, que se autointitula autista e é mãe de autista também, que vai nos ajudar a refletir sobre este tema: Transtorno do Espectro Autista e a educação inclusiva.
V.Sa. tem 10 minutos para a sua intervenção e terá a devida tolerância, se for necessário. A palavra é sua, por gentileza.
A SRA. LUCIANA VIEGAS - Obrigada, Sr. Deputado.
Primeiramente, eu gostaria de agradecer por estar aqui.
Vou fazer a minha autodescrição: eu sou uma mulher negra e uso dreads. Hoje meus dreads estão presos num penteado de coque, mas eles vão até a altura do ombro. Eu estou usando vestido verde, maquiagem, óculos e brincos de argola e estou sentada à frente de um guarda-roupas com alguns livros expostos.
Bem, eu ouvi todas as falas. Como disse a Mari, eu sou filha adotiva dela. Tenho muito orgulho e muita honra de estar ao lado de tanta gente bacana que pensa na educação inclusiva.
O lugar de onde eu falo é o lugar da periferia. Sempre via esses debates acontecerem e as pessoas falarem sobre escolas segregadas, sobre escolas que pensam na pessoa com deficiência e sempre pensava o seguinte: "Nós estamos pensando na pessoa com deficiência em situação de vulnerabilidade. Como é que fica a escola que não tem professores preparados?" E, pelo contrário, eu acho que nós precisamos começar a pensar em qual é de fato o papel da escola na educação como um todo, não só na educação inclusiva, na educação como um todo.
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Sei que aqui nós estamos falando de autismo, especificamente. Sou autista e mãe de um menino autista. Fui diagnosticada recentemente. Passei pelo ensino regular inteiro vivendo um processo de exclusão. Fui diagnosticada agora, aos 25 anos de idade. Toda a minha formação foi no ensino regular. Eu costumo dizer que sou uma pessoa que vivenciou a deficiência, mas não sabia que tinha uma deficiência. Então, eu sofri todas as opressões que sofre uma pessoa com deficiência, mas não sabia que tinha.
Isso me faz pensar que estamos falando de deficiências invisíveis, mas também que estamos falando da invisibilidade que as pessoas negras, por exemplo, e em extrema vulnerabilidade têm dentro da sala de aula. Como é que nós não enxergamos isso? Ou melhor, como não acolhemos isso dentro da escola regular? Porque a educação inclusiva não é só para pessoas com deficiência, é para todas as pessoas. A escola não abraça determinado tipo de pessoa e de existência: as crianças trans, as crianças negras, as crianças pobres. A escola não as abraça e não as acolhe.
O sistema educacional brasileiro precisa ser urgentemente revisto, mas não da forma leviana como foi feito da última vez: "Vamos rever! Então, nós pegamos as crianças com deficiência e as colocamos em espaços segregados". Ou o que tem sido feito na maior parte das escolas do interior de São Paulo: as escolas passaram a se tornar clínicas terapêuticas, e não escolas. A escola passou a ter um papel de clínica. Então, terapeutas e médicos têm livre acesso à escola, mas não como se houvesse uma rede de apoio para dar conta das demandas que a escola não dá conta de atender, e sim para tratar pacientes, para tratar deficiências, para normalizar, para deixar normativos aqueles corpos e comportamentos, como o meu ou o do meu filho, que estão fora da normalidade, do que as pessoas julgam como normalidade. Nós precisamos repensar esse papel. Que papel é esse que a escola está exercendo? Se virarmos essa chave e começarmos a de fato concordar com essa narrativa, de que pessoas com deficiência precisam de escolas segregadas, quais são as pessoas com deficiência que de fato vão ser atingidas?
Diante do Decreto nº 10.502, nós ouvimos muitas demandas, como esta: "Ah, mas as escolas especializadas são boas, têm piscina, têm isso, têm aquilo". Eu me recuso até a chamá-las de escola. Acho que são instituições. Eu não gosto de chamar aquilo de escola, porque não cumpre o papel de escola, e sim de clínica de segregação. Enfim, escola é lugar de diversidade. Uma das coisas que eu pensava comigo mesma era a seguinte: "Nós que somos da periferia sabemos que essa escola não chega aqui. Nós podemos ter a lei, nós podemos ter tudo, mas essa escola não chega até a gente". Ela não vai chegar dessa forma, porque a escola regular já não chega. Na escola regular falta até papel higiênico. Na escola regular falta o básico.
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Então, essa escola que todo mundo vislumbra, que é a escola ideal, com pessoas ideais, não vai chegar aqui. O que vai chegar aqui? Pessoas que não estão capacitadas nem para dar aulas — não para dar aula para pessoas com deficiência, mas para dar aulas. E essa vai virar uma questão de marginalização do povo preto com deficiência, sobretudo, crianças neurodivergentes.
Nós não somos diagnosticados. Nós somos subdiagnosticados. Nós somos marginalizados por conta da condição de neurodivergência que temos. É importante deixar isso claro.
Eu faço uma pergunta aos que participam e aos que nos assistem — quero trazer essa provocação. Quem não teve um aluno diagnosticado com TOD? Quem não teve um aluno diagnosticado com agressividade, como se agressividade e violência fossem mesmo do nosso DNA, inerentes a nós? E, em cima disso, faço uma nova pergunta, com uma provocação: quantos desses alunos eram negros? A maior parte esmagadora. Então, é importante que repensemos de fato o papel da escola dentro da comunidade. As crianças negras estão faltando às aulas. As crianças negras neurodivergentes não estão indo para as escolas. As crianças estão com fome. As crianças estão sem o básico.
E nós, como educadores, sabemos que existe um racismo estrutural, que também é unido com o capacitismo estrutural, que nos faz desistir grotescamente mais, no processo educacional, de crianças negras neurodivergentes do que de crianças brancas. E aqui eu não estou falando de violência policial, que pode acontecer inclusive a caminho da escola. Eu estou falando da opressão da escola. Tratar a escola dentro do modelo médico é perigoso, sobretudo, para corpos pretos com deficiência. Entender esse processo é urgente.
Qual é a função da escola no processo de aprendizagem do aluno? A função da escola é identificar barreiras. E essas barreiras podem ser diversas. Podem estar na aprendizagem, podem ser a fome. Inclusive, permitam-me fazer um adendo, a fome causa agressividade. Ninguém com fome está feliz. Ninguém com fome aprende. São processos que precisamos entender, sobretudo com crianças autistas, que têm extrema dificuldade de falar sobre as suas experiências, de comunicar o que de fato estão sentindo.
Outra questão que eu acho importante é a comunicação. A comunicação alternativa precisa entrar no currículo, precisa entrar na escola regular. Precisa estar lá como um ponto principal, inclusive, dentro da formação de professores. Senão, nós vamos ficar nessa briga de tentar fazer com que o aluno autista fale: "Ele tem que falar, ele tem que falar. Se ele não fala, ele não aprende". Não! Não é assim que funciona. Eu sou mãe de uma criança de 5 anos não oralizada e eu não posso dizer que meu filho não aprende, porque ele aprende muito.
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Então, nós precisamos entender qual é o real papel da escola. Como nós estamos construindo a escola, pensando nas crianças autistas e com outras deficiências? E, aqui, eu vou abrir o leque mesmo. Como nós estamos construindo esse debate? Como nós estamos pensando na educação como um todo, não só dentro do núcleo da formação? Não é sobre formação. Uma das coisas que eu aprendi na educação inclusiva foi que a inclusão acontece por meio da relação, do afeto, do contato. Se não houver afeto, se não houver relação, se não houver contato, não haverá inclusão nem aprendizado.
Então, para que nós possamos pensar e repensar sobre isso, eu trouxe mais esse ponto da interseccionalidade mesmo, porque eu acho que se nós não pensamos nas pessoas negras, sobretudo nas pessoas negras neurodivergentes, nós estamos perdendo muito e nós vamos continuar perdendo, sobretudo porque, mesmo que não tenham laudo, mesmo que não tenham diagnóstico, essas pessoas existem, elas estão nesses espaços e elas estão sendo cada vez mais excluídas.
É isso.
Obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Luciana Viegas.
Você tem razão: o afeto é revolucionário. Se não houver afeto, não haverá inclusão. Que frase linda você acabou de cunhar, para encerrar suas palavras. Parabéns! Você, como autista e mãe de autista, fala com propriedade, com experiência pessoal e de família.
Nós agora vamos devolver a palavra a cada uma das nossas convidadas, na mesma ordem inicial, destinando agora de 3 a 5 minutos para as suas considerações finais. Muitos temas foram apresentados, muitas interrogações foram destacadas, e eu tenho certeza de que cada uma de vocês, a partir das intervenções individuais, anotaram importantes questões a respeito desse tema, que é realmente desafiador: Transtorno do Espectro Autista e a Educação Inclusiva.
Então, eu vou passar a palavra para a Profa. Linair Moura, que representa o MEC nesta oportunidade. Naturalmente, ela ouviu várias indagações e inquietações a respeito do papel do MEC, como parte do Estado brasileiro, responsável pela elaboração e pela defesa de políticas públicas. Agora poderá, em suas considerações finais, tecer algum comentário sobre as indagações que foram apresentadas pelas demais convidadas.
Profa. Linair, a senhora tem a palavra, pelo tempo de até 5 minutos, para as suas conclusões.
A SRA. LINAIR MOURA BARROS MARTINS - Muito obrigada.
É um debate realmente muito rico.
Eu estou emocionada com suas palavras, Luciana.
Eu anotei vários pontos interessantes, mas não haverá tempo para discuti-los, portanto, eu já me coloco aberta ao diálogo, em nome do MEC.
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Eu vou eleger dois pontos. Primeiro, como a Luciana pontuou, a clínica-escola é uma tendência forte na educação em relação ao transtorno do espectro autista. Não é uma proposta do MEC, como pode ter parecido para alguém. Como eu disse, o MEC tem sido provocado pela sociedade civil organizada e pelo Parlamento brasileiro a respeito da clínica-escola. Projetos de lei com essa proposta já chegaram aqui. Como eu disse também, é uma proposta contrária, em vários pontos, à fundamentação que nós temos, tanto da perspectiva terapêutica para a educação especial, como de outras, como bem pontuou a Luciana. Então, não é uma proposta nossa, mas, como nós estamos discutindo a educação para pessoas com transtorno do espectro autista, eu quero dizer que é uma proposta forte que está se constituindo com a sociedade civil organizada. O MEC considera a legitimidade que é inerente às pessoas que estão fazendo suas propostas, e elas têm posição primada. Não estamos aqui para demonizar as propostas alheias. Nós sabemos que, em algum momento, elas respondem a anseios.
Outro tema de que eu vou falar é a família. Como disse no começo, eu estudei várias famílias de pessoas com deficiência, porque eu também sou de uma dessas famílias. Eu sou filha de surdo, neta de surdo e sobrinha de três tios surdos. Além disso, há várias pessoas com deficiência intelectual de nível grave na minha família. Então, eu preciso discordar — e posso dizer com segurança que esta é uma posição do MEC —, da ideia de que a família não tem direitos. A família tem direitos. Eu, como familiar de pessoa com deficiência auditiva, digo que a surdez encontra vários pontos contrários à perspectiva da educação inclusiva. E, durante muito tempo, os surdos lutaram contra o MEC a respeito da educação linguística que queriam para si. Então, eu acho, como familiar, que a família tem, sim, o direito de saber qual é a melhor proposta, seja na educação de surdos, seja na educação de pessoas com transtorno do espectro autista. E o MEC tem a posição da família como um valor hoje. Sabemos que existem os direitos da criança? Sim, mas a criança é tutorada, a criança está na dependência da sua família. Esses valores precisam ser construídos com a família.
Como eu disse, a escola é o par mais informado na maioria das vezes. É quem vai, inclusive, alcançar a família naqueles momentos críticos da infância, quando a deficiência é descoberta, quando só há a visão médica, que, muitas vezes, é patologizante e está alicerçada num diagnóstico em que o descobrimento real é tomado como perspectiva para a vida. A educação é a maior possibilidade para o desenvolvimento cultural e biológico da pessoa, na minha crença como professora. O desenvolvimento cultural é possibilitado pela educação e é por meio dele que vai ser alcançada a inserção social da pessoa e o seu pleno desenvolvimento de acordo com seus interesses e com as suas capacidades.
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Nesta perspectiva, eu gostaria de responder à Mariene e dizer que nós temos muitos pontos em comum. O MEC realmente tem que prezar por estruturas que garantam a inclusão. O Programa Sala de Recursos tem recebido aportes, porque nós acreditamos que estas estruturas que garantem a inclusão na escola têm que ser potencializadas. Este programa estava parado desde 2012. A última Sala de Recursos no Brasil aconteceu em 2012. Agora, em 2020, ele recebeu este aporte e já atendeu a 13.700 escolas, assim como o Programa de Formação de Professores. A Profa. Elisabete questiona como potencializar esta formação. O investimento tem sido forte na formação.
Assim, nós encerramos nossa participação, com estes pontos de diálogo: pontos fechados, pontos abertos, pontos contrários, pontos paralelos. Mas é assim que se constrói o diálogo.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Profa. Linair Moura Barros Martins, Coordenadora-Geral de Políticas, Regulação e Formação de Profissionais em Educação Especial. Nesta audiência pública, ela representou o Ministério da Educação.
Quero convidar a fazer uso da palavra paras as considerações finais a Profa. Elisabete Salles, por igual tempo de 3 a 5 minutos.
A SRA. ELISABETE SALLES - Eu gostaria de parabenizar a Luciana. Eu também fiquei emocionada com a fala dela, bem como com a fala da Mariene. Elas são vitoriosas! Nós ficamos felizes em saber que são mães de crianças que têm TEA, que não desistiram delas, que investiram e estão na luta conosco.
Quero cobrar principalmente dos nossos governantes mais investimentos, investimentos de fato, com responsabilidade, na inclusão dos estudantes com TEA no ambiente escolar e fora dele. Nós sabemos que nem tudo pode recair sobre a escola. Há acesso, mas como está sendo a permanência desta criança no ambiente escolar, já que ela passa a maior parte da vida na escola?
Eu espero que a escola, de fato, receba os recursos e os investimentos para a formação e a rede de apoio e de proteção. Espero que, de fato, as famílias tenham acesso ao atendimento à saúde e que essas crianças e esses jovens, de fato, sejam inseridos no mercado de trabalho. A legislação já existe, nós sabemos. Nós sabemos também de todos os desafios que estas famílias enfrentam para realmente conseguirem fazer com que as crianças se desenvolvam, que tenham conhecimento cognitivo e possam ter autonomia para o convívio social, com equidade de direitos. A Luciana falou muito sobre este ponto, tanto quanto a Mariene, por ser mãe de um autista.
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Nós sabemos que muitos estudantes de muitas famílias, por não terem este tipo de informação, acabam ficando alheios, ficam à margem de tudo isso. Portanto, nós cobramos dos nossos governantes respeito. Esperamos que eles invistam mais dinheiro e proporcionem qualidade a todos os serviços que já existem, para que todos tenham o direito de frequentar o ensino regular, quando terão a possibilidade de interagir com todas as pessoas e com o ambiente.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Nós agradecemos à Profa. Elisabete Salles, graduada em pedagogia e com especialização, pela UNESP, em educação especial na área da deficiência física e em psicopedagogia pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza. Obrigado, professora, por sua participação.
O portal e-Democracia recolhe a participação daqueles que nos acompanham pelas redes sociais. Chegou ao meu conhecimento que duas perguntas foram apresentadas. Eu vou lê-las. Se a Mariene e a Luciana acharem por bem tecer algum comentário, fiquem à vontade.
A primeira pergunta é da Kamilla Cristina Pereira de Souza Rios. Ela pergunta: "Creio que nossas crianças só vão aprender na prática, mas será que nossos profissionais estão qualificados para ensinar?"
A segunda pergunta é da Andrea dos Santos Lima: "Não seria melhor para a inclusão social desses nossos especiais nas salas de aulas se os coleguinhas tivessem antes uma preparação para receber um amigo diferente?"
Deixo estas duas perguntas, destacando e agradecendo as participações de Kamilla Cristina e de Andrea dos Santos Lima.
Destaco que dezenas de pessoas estão nos acompanhando através do Youtube, do e-Democracia e das redes sociais.
Mais uma vez, eu destaco que o vídeo desta audiência será disponibilizado na página da Comissão de Legislação Participativa para quem quiser acessá-lo posteriormente.
Feitas estas perguntas, é com satisfação que eu convido, mais uma vez, a fazer uso da palavra para suas considerações finais a Sra. Mariene Martins Maciel, pelo tempo de até 5 minutos.
A SRA. MARIENE MARTINS MACIEL - Agradeço aos Deputados Waldenor Pereira, Paulo Teixeira e Erika Kokay e à Linair, à Elisabete e à minha filha Luciana a companhia maravilhosa nesta tarde.
Respondo à primeira pergunta dizendo que qualificação é importante. Nós falamos em disponibilidade de recursos. Houve uma época em que nós tínhamos bastante formação — de 2003 a 2013, nós tínhamos muita formação em todas as áreas, não apenas na área relacionada com a deficiência. Foi uma época muito profícua em investimento no pessoal da educação. Essa época foi muito importante.
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Como a Luciana lembrou, eu acredito muito em empatia, quando nós nos colocamos no lugar do outro. O Gabriel, meu filho, foi expulso de várias escolas. Ele tem 28 anos e foi um "campeão" em expulsão de escolas. Ele foi muito acolhido numa escola montessoriana. Os pais eram maravilhosos!
Já respondendo à pergunta feita pela outra menina, eu e o pai do Gabriel fazíamos questão de conversar com as turmas dele e explicar: "O Gabriel é assim, ele gosta disso. Se vocês fizerem muito barulho, talvez ele precise sair da sala um pouquinho. O Gabriel não gosta muito de mudança de rotina. Se for tocar nele, tem que avisar. Ele abraça, mas não gosta de ser abraçado". Nós dávamos um perfilzinho do Gabriel para a turma saber como lidar com ele.
Esta escola montessoriana foi fantástica para ele! Os pais o acolheram e comemoravam cada avanço do Gabriel, como se fosse deles. Era uma escola de classe média baixa. Nós moramos num bairro aqui em Salvador de gente metida, de trabalhador que se acha rico, o que não é verdade, porque nós somos todos trabalhadores. O Nonô conhece: a escola fica do lado do Colégio Central, no centro de Salvador, é para uma classe média mais baixa. Então, o Gabriel teve um acolhimento muito grande. Entre as escolas particulares, esta foi onde ele se sentiu acolhido.
O Gabriel foi convidado a ir para uma escola estadual. Por que eu estou falando de formação e fazendo este rodeio? Ele foi para uma escola estadual, convidado pelo diretor. A moça que trabalha aqui em casa, por muitos anos, estudava lá à noite e costumava nos levar quando acontecia alguma festividade. O diretor perguntou: "Por que vocês não matriculam o Gabriel aqui?" Nós não acreditamos! Nós estávamos tão acostumados com as expulsões dele, que dissemos: "O quê? É verdade, Melina? Ele está nos chamando para ir para lá?" Ela disse: "Está". Nós fomos conversar e optamos por matriculá-lo à noite, porque ele já estava acostumado com a turma, pois ele ia lá à noite. Foi fantástico!
A escola tem uma sala de recursos. Ela inclui surdos já faz mais de 30 anos, mas autista o Gabriel foi o primeiro. Na sala de recursos, o pessoal não tinha ideia de como lidar com ele. Aí foram ver quem iria acompanhar o Gabriel. Quando eu ia lá, eu notava que havia uma professora muito dedicada. Eu disse: "Eu gostaria que tal professora o acompanhasse". Responderam: "Mas ela é formada em educação física, não tem capacitação nessa área". Eu disse: "Nós podemos sentar com ela e vamos capacitando-a".
O engraçado é que eu sou uma pessoa de esquerda, e ela é de direita. Ela é "sotista", é apoiadora de Paulo Soto, que foi Governador. Ela é "sotista" doente, amiga de Paulo Soto. Aparentemente, nós não tínhamos nada em comum, mas ficamos superamigas. Ela tem muita sensibilidade. Hoje ela atende na sala de recursos e é responsável pelo atendimento de todos os autistas. É formada em educação física. Depois, quando o Gabriel já tinha saído de lá, eu fiquei no pé dela e dizia: "Faça uma especialização. Não é por nada, não; é pela cobrança, porque, de repente, podem vir a cobrar que só vão mantê-la na sala de recursos se você tiver uma especialização". Por causa disso, ela fez a especialização.
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Eu acredito que treinamento qualquer um recebe, mas empatia e sentimento nem todos têm. É muito importante haver este tipo de acolhimento e estar preparado para ele, como a Luciana disse.
Aqui em Salvador, eu rodo muita escola de periferia, porque eu acompanho muito o tema da inclusão. Há escolas que não têm os recursos mínimos. Aqui nós não temos muito problema com pretos, porque a maioria da população de Salvador é negra. A questão racial, em princípio, acontece mais com a população periférica, assim como escola ruim e tudo mais. Nós temos que lutar para que estas escolas sejam boas, para que sejam acolhedoras em qualquer lugar. Eu acredito que empatia tem que vir junto com formação.
Quanto à inclusão, Linair, uma psicóloga de São Paulo fez um estudo longitudinal — acho que você deve conhecer — em que ela mostrou o quanto a inclusão torna as pessoas melhores. Ela acompanhou por 15 anos uns meninos desde a creche. Em São Paulo, houve a inclusão de nordestinos. Eu morei em São Paulo, tenho marido e três filhos paulistanos e um filho fluminense. Então, eu sei o que é o preconceito contra nordestino, porque eu sou baiana. Eu brigava muito. Esta inclusão era de nordestinos, de negros, de pessoas com deficiências variadas, desde a creche. Notaram que, quando a criança chega ao ensino fundamental II, quando é pré-adolescente, ela se torna mais acolhedora. Esta mudança não acontece só nela, mas na família toda.
Como a Lu disse, nós só vamos ter uma sociedade melhor com a inclusão de todos: de crianças trans, de crianças que escolham a sexualidade que elas quiserem, e com a diversidade humana. Quanto mais diversos, mais caminhamos para uma sociedade melhor. É nisso que eu acredito. Se nós segregarmos, nunca teremos uma sociedade boa.
Eu acho que, no caso do meu filho, que tem 8 anos, nós fomos ponta de faca em várias coisas. O pessoal diz que ele sofre, mas eu digo que nós vivemos em sociedade, e não fazemos só por ele, não. Nós fazemos por quem vem atrás. Hoje eu noto que as pessoas que conviveram com meu filho na escola são pessoas bem melhores do que no geral. Isso é muito importante não só para nosso filho com deficiência, mas também para outros. Nós estamos fazendo isso para melhorar a sociedade, para quem está nela e para quem vem. Como eu e o Nonô somos os mais velhinhos aqui, nós estamos preparando o terreno para os outros que vêm pela frente.
Foi maravilhoso estar com vocês!
Deputada Erika, eu acho que nós estivemos juntas num encontro setorial aqui na Bahia.
Obrigada a todos.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Mariene, pela participação. É um prazer enorme reencontrá-la com a mesma disposição, com a mesma luta, cada vez mais lúcida! Foi muito bom reencontrá-la na audiência de hoje.
Você já anunciou nossa companheira Erika Kokay, que também é autora do requerimento que resultou na realização desta audiência. A Deputada já se encontra entre nós, já adentrou nossa sala virtual. Ela está participando presencialmente no plenário da nossa Comissão, mas eu vou pedir à Deputada Erika Kokay que espere um pouquinho. Antes, nós vamos ouvir a Luciana, com suas considerações finais. Ela é nossa última convidada.
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Em seguida, eu passo a palavra a V.Exa., Deputada Erika Kokay. Pode ser assim?
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Pode, é claro, Deputado Waldenor.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Deputada Erika Kokay, pela compreensão.
Com alegria e satisfação, eu convido a fazer uso da palavra a Profa. Luciana Viegas, para suas considerações finais, por até 5 minutos.
A SRA. LUCIANA VIEGAS - Primeiro, eu queria agradecer ao Presidente a oportunidade de participar desta audiência.
Eu vou responder à segunda pergunta, já pensando nas considerações finais. A pergunta é sobre os coleguinhas, não é? Não seria viável que tivéssemos uma conversa com os coleguinhas para incluí-los? Eu não sei quem fez a pergunta ou qual é a realidade da pessoa que fez esta pergunta. Eu sei que eu trabalho há 8 anos com educação inclusiva, e os professores me dão mais trabalho do que as crianças.
As crianças entendem a deficiência como identidade do outro. Elas dão nome à cadeira de rodas, elas silenciam quando precisam, quando há um aluno autista. Elas entendem, de fato, a diversidade humana. Eu não estou romantizando a infância. Sim, nós sabemos que o preconceito é ensinado, que o "capacitismo" é ensinado, mas eu não sei se nós precisamos ter uma conversa com os alunos sobre a aceitação do outro, quando se é criança, sobre aceitar a deficiência, aceitar o que é o diferente, porque, para elas, está tudo muito posto. "Meu amigo nasceu assim, meu amigo é assim, e é assim que eu lido com ele."
No STF, o Vidas Negras com Deficiência Importam — VNDI, organização da qual eu faço parte, fez uma fala muito bacana. Eu lembro que, quando nós dissemos que a favela era diversa, que a rua ensinava a diversidade, era muito dentro deste contexto de aprendizado mesmo. O futebol de rua das crianças acontece com ou sem o cadeirante — o fato é que ele acontece. Diante disso, eu não sei se nós precisamos conversar com as crianças sobre aceitar o diferente, mas nós precisamos rever o conceito de deficiência que é sempre sobre a falta, sobre o que não se tem, sobre o que não se faz, e sim sobre identidade.
Nós precisamos entender que, para o aluno autista, ser autista faz parte do processo de aprendizagem dele. Se nós desvinculamos esta ideia e ficamos com aquela ideia liberal de que nós somos todos iguais, independentemente da deficiência, com a ideia de que a deficiência não nos define, nós acabamos caindo numa narrativa muito parecida com a que está instituída hoje neste Governo, uma narrativa que diz quem pode ser pessoa com deficiência e quem não pode ser. Aliás, eu tenho pensado muito sobre isso.
Entender a deficiência como identidade é fundamental para avançar na luta anticapacitista, para avançar no aprendizado, para avançar na educação inclusiva. Nossos algozes, aqueles que estão do outro lado, já entenderam que, se nós começarmos a entender a deficiência como identidade, nada sobrará para nós.
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É neste ponto que eu acho importante nós, educadores, ativistas, autoridades públicas, pensarmos tratar a deficiência como identidade. A deficiência faz parte da diversidade humana. Nós falamos disso, que precisa ser amplamente divulgado. Se não for, não será. Se não for, não avançaremos. Se não for, nós vamos continuar da mesma forma. Vamos continuar esperando de um Governo que retira direitos, todos os dias, das pessoas com deficiência, e o faz em dias simbólicos, e que já entendeu a potência e a importância que é reconhecer a deficiência como identidade.
Diante disso, cabe a nós lutar sempre, não deixar, nunca, de lutar pelo nosso direito de ter nossa deficiência como identidade. Nós somos assim e só somos assim porque nascemos autistas, pessoas com deficiência. Tudo o que eu sou, tudo o que eu fui e vou ser se dá porque eu sou uma pessoa com deficiência, porque eu sou autista. Não dá para desvincular o autismo da minha realidade e da minha vivência. A deficiência faz parte da nossa identidade.
Com isso eu finalizo.
Muito obrigada, de verdade, pela oportunidade.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Nós é que agradecemos, Luciana Viegas. Sua frase "sem afeto não há inclusão" vai ficar marcada nesta audiência. Parabéns pela participação! Parabéns por nos relatar sua experiência pessoal como professora, como autista e como mãe de autista. Ninguém melhor para falar sobre este tema.
Quero convidar, para encerrar nossa audiência, nossa extraordinária Parlamentar Erika Kokay, colega que orgulha muito o exercício da boa política, uma colega muito comprometida com as causas populares, uma pessoa com um conhecimento extraordinário sobre diferentes temas, especialmente os temas vinculados à educação inclusiva e aos direitos humanos. A Deputada também é autora do requerimento que ensejou a realização desta reunião.
Com satisfação, Deputada Erika Kokay, passo a palavra a V.Exa., nossa grande Parlamentar do Distrito Federal.
A SRA. ERIKA KOKAY (PT - DF) - Deputado Waldenor, é uma alegria estar aqui.
Eu queria parabenizá-lo pela condução desta Comissão. V.Exa. a tem conduzido com muita capacidade. Eu reputo esta Comissão como uma das mais importantes da Câmara, porque ela escuta, faz com que nós tenhamos espaços de democracia participativa na democracia representativa.
Esta participação é feita com as vozes, com as diversas vozes que o ser humano tem. Muitas vezes, nós falamos pelas mãos, falamos pelos olhos, falamos pelo corpo. Enfim, são vozes. O ser humano fala pelo silêncio também. Esta Comissão escuta todas as vozes, vozes que, muitas vezes, são desprezadas, não são consideradas.
Eu queria, portanto, parabenizá-lo por conduzir esta Comissão no fim deste ano, no último mês deste ano. É uma alegria fazer parte dela, ainda mais sob sua Presidência. Esta é uma Comissão viva!
Penso que nós estamos trazendo hoje, no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, 3 de dezembro, uma discussão fundamental, uma discussão que está ameaçada. Acho que há muitas ameaças aos direitos. Todos os direitos que foram conquistados são fruto de muita luta, não há nenhum direito conquistado que não seja pautado na própria luta. E nós que já avançamos tanto na legislação, avançamos em vários aspectos da legislação, muitas vezes, vamos percebendo que a legislação, se ela não é apropriada pela própria população, se ela não passa a fazer parte das suas vidas, se o cotidiano não a absorve de forma muito concreta, ela passa a ser ameaçada e a ter uma fragilidade grande.
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Eu me refiro à educação inclusiva. Nós estamos falando sobre as pessoas com transtorno do espectro autista e a educação inclusiva. E nós que avançamos muito na educação inclusiva, e ainda precisamos avançar em vários aspectos, vamos ver que há muitas ameaças à educação inclusiva. Nós tivemos, recentemente, uma tentativa de desconstruir a educação inclusiva e de estabelecer a segregação como norma. E, também, nós tivemos falas a respeito desse tema. E os discursos não carregam nenhuma inocência, os discursos são ponte entre pensamento e ação, os discursos ganham vida própria, eles se incorporam, se encorpam e se transformam em estatísticas, se transformam muitas vezes em hematomas, se transformam em sofrimento os discursos. Portanto, não há inocência nos discursos. E a fala de que meninos e meninas com deficiência atrapalham o desenvolvimento da escola regular é a expressão de uma lógica que se traduz e tenta se traduzir na desconstrução de políticas públicas inclusivas e em retrocessos obscurantistas neste País.
Ouvi, com muita atenção, a fala da Mariene e a fala da Luciana. A fala da Mariene diz que a diversidade e a escola inclusiva nos ajudam a nos reconhecermos em nossa humanidade, porque nós nos reconhecemos em nossa humanidade pela diversidade e pelo respeito às identidades. E a Luciana argumenta que nós estamos falando de identidade, em um processo de muita desconstrução de identidade, de muita desconsideração de identidades, em que há um caminho longo a percorrer para que as identidades possam ser assumidas com muita dignidade, com muita disposição de seguirmos adiante.
O reconhecimento de identidades é absolutamente fundamental não apenas para o conjunto da sociedade, mas também para as pessoas que se reconhecem e se relacionam com as suas próprias singularidades e identidades. Dizia Leminski que isso de querermos ser exatamente o que somos ainda vai nos levar muito além.
Identidade não significa subalternidade, ou seja, é o contraponto da própria subalternidade, porque, se escolhem modelos, modelos que são rígidos e cada vez mais rígidos, numa sociedade em que a exclusão passa a ser a norma, então, quem estiver fora daquele modelo que foi eleito como modelo de perfeição vai se sentir numa condição hierarquizante de subalternidade.
Identidade significa reconhecimento de diversidade e diversidade é reconhecimento de humanidade, porque somos diversos, e, se nós não reconhecermos essa diversidade, não conseguiremos fazer com que nós tenhamos o reconhecimento da própria humanidade.
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Há um grande educador que diz que todas as crianças têm a generosidade e a criatividade de um da Vinci. É a sociedade que vai impondo, vai ensinando a hierarquização, vai ensinando a própria segregação. Então, as crianças têm uma criatividade imensa que vai sendo cerceada, porque há muita tentativa de eliminar os contraditórios para que tenhamos pensamentos... A lógica do pensamento único está muito presente em todas as políticas, em uma narrativa que substitui a própria realidade. Portanto, é uma narrativa única em que o outro só existe se for o meu espelho, se for o espelho da minha forma de ser, enfim, da minha forma de pensar.
Portanto, penso eu que, ao falar de escola e educação, diria que a educação inclusiva significa a educação real de uma política pública que carrega ou que exerce a generosidade que a educação tem, porque é uma política pública que se derrama sobre as outras. Penso que as políticas públicas todas são enganchadas, porque os direitos são enganchados, são inter-relacionados, e as políticas que asseguram os direitos têm que ser inter-relacionadas. Mas a educação é absolutamente crucial e vital, pois da sua qualidade depende a qualidade de outras políticas, portanto é uma política generosa, porque se derrama sobre as outras. É aquilo que Freire diz, que, se ela não muda tudo, não transforma tudo, sem educação nós não conseguimos transformar realmente a sociedade para um processo de libertação das falas, dos corpos, da forma de ser, da assunção das próprias identidades.
Nesse sentido, penso que a educação tem que se fazer inclusiva e tem que ter os instrumentos para tanto. Então, não é a pessoa que tem que se adaptar às lógicas que foram construídas e que não absorvem ou não consideram a diversidade humana; é a própria educação que tem a generosidade e o respeito às próprias identidades e, ao mesmo tempo, a construção de uma diversidade que significa e representa a construção do reconhecimento da nossa própria humanidade.
Nós só reconhecemos nossa humanidade na liberdade, na diversidade, na afetividade, enfim. Por isso, toda essa luta tem muita amorosidade, a luta por uma educação inclusiva de qualidade em que nós possamos ter as pessoas com transtorno de espectro autista sentindo-se acolhidas e incluídas com todas as condições e os instrumentos necessários para tal.
Nada justifica a segregação — nada! —, a escola tem que se adaptar e dar as condições para que nós possamos ter a mais profunda inclusão. E nesse sentido é que, por um Brasil criança, com tudo isso que disse a Luciana e que muito me emociona, não são as crianças que carregam essa condição de terem que ser sensibilizadas para a própria diversidade, para a inclusão. Dizia a Luciana, com razão, que o maior desafio está naqueles que foram construídos nessa lógica hierarquizante e de modelos excludentes da própria sociedade.
Por isso, eu queria saudar muito a realização desta atividade e dizer que temos legislações que foram construídas para as pessoas com transtorno de espectro autista, mas que há uma distância entre a construção de uma legislação e a sua implementação na sociedade para transformar as relações sociais que, enfim, foram muito pautadas por um discurso de ódio hierarquizante.
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Um abraço grande! Minha alegria e gratidão pela sua condução nesta Comissão, Deputado Waldenor, que vem da Bahia para mostrar o que a Bahia tem.
E aí, Mariene, a Bahia tem a capacidade de fazer o mundo se colocar de forma mais altiva, mais inclusiva e mais humana.
O SR. PRESIDENTE (Waldenor Pereira. PT - BA) - Obrigado, Deputada Erika. Nós lhe agradecemos, inclusive por ter sido uma Parlamentar muito ativa em todas as atividades promovidas por nossa Comissão, que, como V.Exa. destacou, tem esse papel de se apresentar como porta, como ponte entre o Parlamento e os segmentos organizados da sociedade, dando voz àqueles que não se sentem devidamente representados no Parlamento, no Congresso Nacional.
V.Exa. tem sido uma guerreira, um exemplo de como exercer a boa política e nos orgulha muito. Muito obrigado pela sua participação de sempre, especialmente neste dia de hoje, nesta audiência, da qual V.Exa. é uma das coautoras do requerimento para sua realização.
E nós queríamos agradecer, mais uma vez, à Sra. Linair Moura Barros Martins, à Sra. Elisabete Salles, à Sra. Mariene Martins Marciel e à Sra. Luciana Viegas, aos nossos colegas Deputado Paulo Teixeira e Deputada Erika Kokay.
Agradeço a todos os servidores da nossa Comissão de Legislação Participativa, na pessoa da nossa Secretária-Executiva Luísa Campos e dos servidores efetivos Marcelo e Gilson, que possibilitam a nossa Comissão funcionar com todo esse brilhantismo.
Quero, finalmente, parabenizar também os nossos assessores Alberto Custódio e Lúcio pela forma como organizam as audiências que, como esta, nos permitem essa reflexão importante a respeito do transtorno do espectro autista e da educação inclusiva.
Não havendo mais nada a tratar, vou encerrar a presente reunião.
Antes, porém, gostaria de convocar os Deputados, as Deputadas e demais membros deste Colegiado para a reunião de audiência pública em conjunto com a Comissão dos Direitos das Pessoas com Deficiência que será realizada na próxima segunda-feira. Portanto, nós vamos dar sequência ao ciclo de debates e discussões ainda dentro desse Dia Internacional da Pessoa com Deficiência. E na próxima segunda-feira, às 10 horas, no Plenário 5, nesta mesma plataforma, nós vamos debater a mobilidade das pessoas com deficiência visual.
Estejam todos convidados e convidadas a acompanhar esta audiência pública na segunda-feira, dia 6 de dezembro, às 10 horas.
Uma boa-tarde a todos e todas.
CLP: 20 anos em defesa da democracia participativa!
Está encerrada a presente reunião.
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