Horário | (Texto com redação final.) |
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Convidamos para compor a Mesa os expositores: Sr. Pedro Duarte, Analista Técnico da Área de Saneamento da Confederação Nacional de Municípios — CNM (palmas); Sr. Colbert Martins, Prefeito de Feira de Santana, na Bahia, e Vice-Presidente de Infraestrutura da Frente Nacional de Prefeitos — FNP (palmas); Sr. Ary Vanazzi, Prefeito de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, e Presidente da Associação Brasileira de Municípios — ABM, que fará a sua participação virtualmente (palmas); Sr. Francisco dos Santos Lopes, Secretário Executivo da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento — ASSEMAE.
(Palmas.)
Esclarecemos aos convidados e aos Srs. Parlamentares que o seminário está sendo gravado para posterior transcrição e, por isso, solicitamos aos que fizerem uso da palavra que falem ao microfone.
A lista de inscrição para os debates está disponível no aplicativo Infoleg. O Deputado que desejar interpelar os convidados deverá dirigir-se primeiramente à mesa e registrar o seu nome.
Informamos, ainda, que os senhores convidados não deverão ser aparteados no decorrer de suas exposições. Somente após encerradas as exposições, os Deputados poderão fazer seus questionamentos, tendo cada um o prazo de 3 minutos e o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo.
O SR. PRESIDENTE (Joseildo Ramos. PT - BA) - Boa tarde a todos e a todas.
Nós teremos, nesta Mesa, uma discussão considerada extremamente importante. A Carta Magna coloca claramente que o titular do serviço de saneamento é o Município. Neste momento em que houve uma alteração profunda no marco regulatório do saneamento do Estado brasileiro, é importante que saibamos a posição do Município, num momento em que a situação do saneamento é dramática.
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13:39
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Nós tivemos agora esta pandemia, que ainda estamos atravessando, e isso impactou diretamente os prazos de transição que, na minha modesta opinião, foram extremamente apressados. Não daria para fazer essa transição, mesmo porque, neste atual ambiente, não havia nenhuma vedação formal, legal, para que a iniciativa privada pudesse prestar todo o serviço em qualquer canto na área de saneamento básico.
Então, quanto aos serviços públicos de saneamento, quando não prestados pelo ente titular, não caberá mais o contrato de programa. Essa era a forma como a gestão associada entre entes federados acontecia. E isso está no texto da Constituição. Mas isso mudou. Eis aí um ponto que vai causar algum problema de entendimento em algum momento desta nossa nova realidade.
Assim, a nova lei extingue os chamados contratos de programa — como é gestão associada, não cabe licitação —, colocando exclusivamente a possibilidade de o titular, através de uma concorrência pública, portanto de uma licitação, trabalhar como prestador de serviço pela iniciativa privada ou pela iniciativa pública. Essa discussão tem sua grande importância neste momento. Por isso, esta Mesa ouve o titular, conforme o texto da Constituição.
Temos também algumas outras questões que não foram suficientemente esgotadas no bojo da lei que está em vigência. Nos diversos arranjos, por exemplo, no Nordeste brasileiro, há regiões em que não há uma cidade cuja prestação do serviço possa garantir o financiamento como era antigamente, por subsídio cruzado. E, nesta nova formulação, na relação entre a iniciativa privada e as regiões que serão trabalhadas a partir do Estado, caso o Estado perca o prazo por uma intervenção no campo federal, essa coisa passa a acontecer. É algo inédito em nosso País.
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Cumprimento os companheiros de bancada, o Exmo. Deputado, o Francisco, o Colbert e todos os presentes.
No entendimento da Confederação Nacional de Municípios, o marco legal do saneamento — cumprimento o Deputado que fez uma introdução muito importante — é, primeiro, uma lei que tem sérios problemas relacionados não só ao conteúdo, mas também aos prazos. Além da vedação ao contrato de programa, que eu acho o ponto crítico da lei, e de tentar romper com o modelo atual de prestação de serviços, ela tem prazos de transição que não visam uma transição suave, uma transição gradativa, mas, sim, um rompimento brusco. Esses prazos, muitas vezes, afetam sobremaneira os Municípios como titulares do serviço.
Para citar, por exemplo, alguns problemas relacionados a prazo, eu vou falar de alguns temas da lei aqui. Um deles é a questão da regulação. A lei impõe à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico — ANA a função de editar normas de referência. Essa agência, que até então regulava recursos hídricos, tem a missão de regular saneamento, mas não tem um tempo de preparo. Não foi à toa que, no primeiro semestre de 2021, a ANA deveria ter editado cinco normas de referência e conseguiu editar só uma norma, que é justamente a norma de referência que trata de resíduos sólidos urbanos, da qual vou falar um pouquinho mais no final e que também é um dos componentes do saneamento básico.
Além disso, outro problema que percebemos com relação a essa atribuição que foi dada à ANA é que o marco do saneamento impõe à ANA a capacitação da regulação do saneamento básico das agências infranacionais, que são fundamentais, de fato, para a efetivação da lei. Ocorre que a ANA lançou esse plano de capacitação para o período de 2021 e 2023, mas no próprio plano nem sequer há recurso para capacitar as agências infranacionais.
Esse aspecto da regulação, sobretudo com esse viés de uma maior participação do setor privado, é muito preocupante. É preciso entender que não há recurso, que não há estratégia efetiva implementada para a capacitação da regulação do setor, que ainda é frágil, sobretudo quando falamos de resíduos sólidos, por exemplo. Temos que lembrar que o novo marco legal do saneamento básico trata não só de água e esgoto, mas também de resíduos sólidos e drenagem, muito embora a drenagem tenha ficado pouco abordada na lei. Então, há dois pontos cruciais na questão da regulação.
A CNM entende que houve um equívoco na condução da lei, porque quem está definindo o arranjo regional para a prestação regionalizada ou são os Estados, mediante unidades regionais de saneamento básico, ou, se o Estado ficar apático, de forma subsidiária, a União, através dos blocos de referência. E o Município, que é o mais importante, que é o titular do serviço — é lógico que a lei dispõe que, em algumas situações, existe uma titularidade compartilhada, mas, numa forma geral, temos o Município como titular —, vai ter a definição da sua vida, vamos falar assim, no saneamento básico, feita pela União, pelo Estado, sem a participação do Município. Então, o Município não participa desse processo.
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Não faz o menor sentido essa previsão legal. Obviamente, fica muito difícil fazer com que todos os Municípios se sintam trazidos para o debate e se sintam, de certa forma, à vontade para aderir a essas estruturas de prestação regionalizada.
Além do fato de os Municípios não estarem trabalhando nesse processo de regionalização, há o próprio fato de a lei não ter uma regulamentação ou de isso não ter sido discutido anteriormente. Entendemos que isso que está acontecendo aqui hoje — um debate trazendo as entidades municipalistas, os prestadores de serviço, as entidades do setor — deveria ter sido feito, de forma mais veemente e mais intensa, antes da lei, até para evitarmos problemas que a lei traz e também para tentarmos antecipar possíveis problemas da regulamentação da lei. Esse processo não teve o devido tempo e surgiu no meio de uma pandemia.
Nós da CNM, uma entidade que tem mais de 5 mil Municípios filiados, percebemos no dia a dia como é difícil tratar com os gestores municipais sobre o saneamento no meio de uma crise sanitária. Nós estamos no meio de uma crise sanitária. É muito difícil conversar com os gestores municipais, por exemplo, para estabelecer a cobrança de resíduos sólidos urbanos, porque existe, de fato, neste momento, outra prioridade. Obviamente, saneamento é uma prioridade no Brasil e tem total relação com a saúde. São assuntos "linkados". Mas era melhor ter feito uma modificação, se necessária. Acreditamos que a Lei nº 11.445, de 2007, era uma boa lei. Poderiam, sim, ter sido melhorados alguns aspectos dela, mas num processo mais amplo.
Voltando para a questão da regionalização, o que acontece? Os prazos estabelecidos na lei para regionalização são muito confusos. A lei foi promulgada em julho de 2020 e estabeleceu o prazo de 1 ano para os Estados proporem as unidades regionais de saneamento básico. Se os Estados não instituíssem, a União faria isso. Não há prazo para a União fazer isso, mas há o prazo limite de 31 de março de 2022 para os Municípios aderirem a uma regionalização para fins de recebimento de recurso federal. Imaginem se a União propuser um bloco de referência para aqueles Estados que não cumpriram seu papel após a data limite de 31 de março. Além disso, os Municípios têm até 180 dias para aderir ao bloco de referência ou à unidade regional de saneamento básico.
Existe, sim, um atropelo com relação a prazos nessa lei. Isso ficou muito claro. Nós da CNM, algumas vezes, chamamos o Ministério do Desenvolvimento Regional — MDR para fazer algumas perguntas. As dúvidas que pairavam na CNM também pairavam nos técnicos do MDR, porque, de fato, essa lei tem pontos que geram dúvida.
Eu falei um pouco de regulação e de regionalização. Vou falar também da questão da prestação, em que pese entendermos que é importante, sim, para a universalização do saneamento básico, uma maior atuação do setor privado, sempre trazendo a autonomia municipal para optar pelo melhor modelo que lhe convém, ou seja, prestação direta ou podendo conceder ou estabelecer contrato de programa, o que, infelizmente, foi vedado. Contudo, entendemos que isso não pode ser tratado como foi tratado anteriormente, como uma garantia de sucesso.
Saneamento tem sido discutido muito sob o aspecto legal e normativo, muito pelo ponto de vista econômico — e é importante isso —, mas saneamento é uma atividade inerente à engenharia. Uma pergunta que cabe fazer é: se o Brasil hoje tivesse com todo esse recurso, tivesse com todos os sistemas instalados em cada um dos Municípios do Brasil, teríamos corpo técnico de engenheiros e técnicos para fazer o saneamento?
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Então, percebemos que não é simplesmente tentar trazer o setor privado. Na experiência recente, inclusive de algumas atuações do setor privado mediante concessão no Brasil, existem bons casos de sucesso, mas existem casos desastrosos, inclusive em Capitais, como é a experiência clássica de Manaus. Também existe a experiência do Tocantins e de Itu. Vou deixar para o colega Francisco da ASSEMAE fazer uma abordagem sobre isso.
O fato é que não dá para trazermos a perspectiva da prestação privada como uma garantia de sucesso efetivo de universalização do saneamento. Muitas vezes, em que pese a importância da participação privada... Na CNM, nós entendemos que é importante, sim, o prestador privado, frisando novamente a autonomia do Município em optar pela prestação municipal, podendo estabelecer contratos de programa ou contratos de concessão. Contudo, em que pese isso, a prestação privada não pode, de fato, ser apontada como solução para todos os problemas.
Eu queria abordar mais um aspecto. Eu teria mais assuntos para falar, mas eu gostaria de falar um pouquinho de resíduos sólidos.
A lei prorrogou os prazos para a ampliação da disposição de rejeitos em aterro sanitário, mas também houve um problema de prazo. Primeiro, foi dado um prazo de 6 meses para os Municípios. Segundo a disposição que estava prevista até 2014 pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, o prazo foi prorrogado até dezembro de 2020. Vejam: uma lei promulgada em julho de 2020 dá 6 meses para os Municípios que já tinham os seus planos de gestão integrada de resíduos sólidos e a cobrança.
Na grande maioria, os Municípios brasileiros são de pequeno porte, justamente por uma série de aspectos da fragilidade econômica e financeira. Frisamos aqui um baixo apoio técnico e financeiro da União e dos Estados, que, pelo art. 23, também são competentes. A competência do saneamento é comum entre os entes. Você dá um prazo de 6 meses, mas exige como condição que o Município tenha a cobrança instituída e o Plano Intermunicipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos — PIGIRS. Não se faz plano de gestão integrada de resíduo sólido em 6 meses. Um bom plano é feito, no mínimo, em 1 ano. Os prazos foram prorrogados também sem essas condições de apoio técnico e financeiro.
A CNM brigou para que, atrelada a essa prorrogação de prazo até 2024, houvesse o apoio federal técnico e financeiro para que, de fato, consigamos cumprir com esses novos prazos, mas não é uma questão de aumentar prazo. A questão da disposição de resíduos no Brasil, da resolução desse problema e do encerramento dos quase 3 mil lixões não é uma questão única e exclusivamente de prazo.
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Por mais de 12 anos, eu estive nesta Casa. Hoje eu vejo que nós continuamos à frente, dando os espaços necessários para que as opiniões e as construções das leis possam ser as mais corretas, as mais justas e as mais adequadas possíveis.
Hoje eu acompanhei, no fim da manhã, a apresentação da primeira Mesa. Houve uma discussão com relação aos Estados. Eu estava com o Deputado José Priante, que preside a Comissão, aqui bem próximo. Acho extremamente necessário, Deputado Joseildo Ramos, que nós possamos ter esta conversa direta entre Estados e Municípios, o que não está acontecendo. A questão está focada nos Estados. As decisões estão focadas nos Estados. Os Municípios estão apenas a reboque desse processo. É preciso que nós façamos esse processo juntos.
Essa previsão, constante da Constituição, de que o Município é o titular está sendo relativizada. É preciso que ela seja assertiva e permanentemente decisiva nessas questões.
O Deputado Joseildo é de uma cidade que tem um sistema de água e esgoto próprio. A minha cidade, Feira de Santana, também já teve esse sistema. Após o período da revolução, todos esses sistemas obrigatoriamente foram transformados em empresas estaduais, com algumas exceções, como Alagoinhas, que não permitiu que isso acontecesse.
Então, nós temos vários sistemas que precisam, todos eles, ter essa determinação clara e constitucional de quem é o titular. E, neste momento, houve uma relativização dessa titularidade. Isso não pode acontecer. São compartilhados, sim, mas deve haver um titular. O compartilhamento é necessário, sim, mas quem é o titular do processo? É preciso ter clareza da titularidade para que ela seja definida, com base na nossa própria Constituição Federal. Essa é uma questão, neste momento, extremamente necessária para o País.
Com as dificuldades econômicas que temos, há a necessidade absoluta de injeção de recursos. Não há recurso público suficiente mais para isso. Na Bahia, nós vivemos essa limitação. Na minha cidade, Feira de Santana, há mais de 16 anos há uma proposta para a construção de uma terceira bacia de tratamento de esgotos, que não é feita porque não existem recursos para que ela seja feita. Qual é a alternativa? A alternativa é buscar a iniciativa privada. Não temos outra alternativa. Se essa alternativa for necessária, ela precisa ser regulada da forma mais adequada possível, mas é preciso que seja. E o que nós vemos, neste momento, é uma disputa muito forte do ponto de vista puramente econômico, que não é a melhor forma de nós conduzirmos essa questão, pela importância que ela tem, pela necessidade que o Estado tem.
Boa parte do Brasil é área rural — na minha cidade, são mais de 50 mil pessoas. De 627 mil habitantes, mais de 50 mil moram em zonas rurais, áreas que não vão ter acesso a esse tipo de saneamento. O saneamento nessas áreas rurais continua sendo a fossa séptica, que existe e funciona até hoje.
Portanto, é preciso que definamos, com muita segurança, esse tipo de abrangência de ações de saneamento básico que são necessárias, mas que precisam ser efetivamente adequadas.
Nas questões que dizem respeito à regulação, eu tenho na minha cidade uma agência reguladora. O Governo do Estado tem, no Estado da Bahia, outra agência reguladora. Poucos Municípios as têm. Mas é preciso que essa regulação seja feita localmente. Não dá para a ANA regular o Brasil inteiro, assim como não dá para a Agência Reguladora de Saneamento Básico do Estado da Bahia — AGERSA regular a Bahia inteira.
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É preciso que a regulação seja o mais local possível para podermos ter esse acompanhamento. São necessários técnicos? São! Mas são necessários técnicos após nós termos a condição de os Municípios fazerem essa regulação da forma mais correta e mais adequada possível. Aliás, Deputado Joseildo, nem regulação de energia se faz no Brasil! Eu estou tentando ver se capacito a agência da minha cidade, mas a ANEEL não passa lá de jeito nenhum. Tento, tento, mas esse tipo de restrição e de centralização em Brasília ainda continua ruim.
Então, é preciso que as descentralizações de responsabilidades efetivamente aconteçam. E nós esperamos que elas aconteçam, para que esses sistemas funcionem da melhor maneira possível.
É muito necessário que esses passos possam ser dados, para que nós possamos avançar ainda mais num processo que já demorou muito no Brasil. Se nós começarmos com as dificuldades que já temos, sem avançar, nós poderemos ter atrasos ainda mais significativos.
Portanto, entendo que esta Comissão, que V.Exa. neste momento representa, pode ser cada vez mais aquela Comissão que pode avançar de maneira mais prática. E esta é a melhor maneira de avançar: com Estados e Municípios, frente a frente, estabelecendo suas condições, seus limites e seus avanços.
Boa parte dessas ações que eu acompanho neste momento também acompanho lá na Bahia, especialmente agora que há, sim, uma busca pelo próprio Governo do Estado de fazer uma terceirização, mesmo que parcial, de redução da quantidade de desperdício de água. Não é o tratamento de água que terá participação privada, lá na Bahia pelo menos não será, mas o desperdício de água que a empresa de saneamento da Bahia tem, que é mais ou menos de 30%, e que a própria empresa não consegue resolver e está buscando a iniciativa privada para solucionar. Portanto, é importante que possamos ter de toda sorte a maneira mais adequada para verificar essas situações de maneira separada.
Na Bahia, nós estamos fazendo uma discussão para que a empresa entre para regular o que a empresa do Estado não consegue fazer. E vai tomar conta do esgoto com base nas tarifas, mas, por sustentação de tarifa — efetivamente, nem ônibus funciona com tarifa no Brasil, quanto mais esgoto.
Portanto, nós temos que ver o passo adequado para depois não andarmos para trás buscando fazer o que se está fazendo hoje no Brasil, com um monte de subsídios não apenas para o setor público, mas também para o setor privado, o que é extremamente ruim.
De qualquer forma, Sr. Presidente, a nossa Frente Nacional de Prefeitos está muito aberta à perspectiva de avançar nesse processo. E eu sei que a Comissão poderá ter, neste momento, a Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara, a fórmula para avançar da maneira mais adequada. Neste momento, eu deixo, de forma bem objetiva, a condição de que nós precisamos ter com os Estados uma relação diferente daquela que existe hoje, que não é aquela que o Estado chega e diz o que é que vai ser, como vai ser, e o Município tem que se adequar de qualquer forma.
Nós temos, em Feira de Santana, um contrato com uma empresa concessionária do Estado. Ela não é mais uma concessão não onerosa, ela é uma concessão onerosa, tanto que pagou para podermos assinar esse contrato. E, para fazer qualquer tipo de terceirização ou qualquer outro acordo, temos que fazer constar no nosso contrato a nossa anuência. E só daremos essa anuência quando tivermos a segurança absoluta de que o Município terá a sua posição respeitada.
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Eu vou concluir, Sr. Presidente, dizendo que é preciso que deixemos clara a separação da água, que é um assunto que tem que ser tratado de forma específica. É um bem do qual nós não podemos abrir mão. Lá em Feira, nós estamos com praticamente 95%, podendo chegar a 100%, de abastecimento de água tratada na zona urbana. Evidentemente, na zona rural, não é a mesma coisa. Mas é um grande avanço para o que nós já fomos.
A parte do esgotamento sanitário, do lixo, que você acabou de tratar, é outra parte extremamente sensível. E há a drenagem, para a qual ninguém liga. Na hora em que há inundação, há matéria, há televisão. A drenagem é algo que nós precisamos recolocar na lei, porque, na hora das inundações, ninguém vê o Estado da Bahia inundado, mas Feira e Alagoinhas inundam. Os Municípios inundam.
O SR. PRESIDENTE (Joseildo Ramos. PT - BA) - Obrigado, Prefeito.
O SR. ARY VANAZZI - Boa tarde a todos e a todas que acompanham esta grande audiência da Câmara dos Deputados.
Eu queria, de forma muito especial, cumprimentar o nosso Deputado Federal Joseildo Ramos e parabenizá-lo pela iniciativa de fazer um debate nacional com as três entidades representantes dos Municípios: a Confederação Nacional de Municípios — CNM, a Frente Nacional de Prefeitos e a Associação Brasileira de Municípios — ABM.
Deputado, eu queria parabenizá-lo. Eu fui membro da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara Federal quando nós discutimos, por exemplo, os planos diretores e depois o Fundo Nacional de Habitação Popular, na época, o Plano Nacional de Habitação, e também o Plano de Saneamento, que vigorou até essa nova legislação. Nesses planos, nós fizemos um amplo debate nacional, com conferências nacionais, municipais, estaduais, para termos o resultado, que foi o plano que existia até pouco tempo atrás. Isso foi uma grande vitória. Foi construído um grande plano de compromisso, do ponto de vista de investimento e também de fiscalização e controle, que olhou o ponto de vista do pacto federativo.
Hoje, na verdade, existe um pacto federativo, mas foi profundamente desrespeitado pelo Governo Federal quando não ouviu os Municípios e muito menos os Estados, fazendo uma nova legislação apenas a partir do seu olhar, com o único objetivo de tentar flexibilizar um processo de privatização do saneamento.
Essa é a primeira questão importante neste debate na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara Federal.
O Poder Legislativo hoje é um poder mediador. Poderá nos ajudar a resolver problemas que se construíram com a nova legislação, que é muito grave no nosso entender.
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Vejam: de onde vêm os recursos para fazer investimento quando a iniciativa privada tem a concessão do uso do serviço? Vêm do dinheiro público. Há alguma ação na iniciativa privada que faz com o seu capital? Não. Ela faz com o investimento do BNDES, com o investimento de captação de recurso do ponto de vista da Caixa Econômica Federal. Portanto, todos os investimentos que a iniciativa privada faz nessa área são recursos públicos. E é um crime o que o Governo faz hoje, não possibilitando Estados e Municípios, que têm capacidade de investimento e querem fazê-lo, terem acesso a financiamento.
Por exemplo, o art. 50 dessa lei veda, proíbe o Município de buscar investimento se ele não aderir à regionalização. Mas isso é crime! Se eu tenho condições de pegar um financiamento de 50 milhões de reais para fazer investimento em uma região sobre a ótica do investimento público do saneamento, ele acaba me proibindo que eu faça isso. Isso já é um uma distorção de um olhar transversal de responsabilidade do ponto de vista do pacto federativo.
A terceira questão, que eu acho extremamente importante, é que o Estado tem um prazo de até 2033 para universalizar o saneamento básico. Isso foi dito aqui pelo representante da CNM. Duvido que nós vamos cumprir essa agenda! Primeiro, o País não tem capacidade técnica; segundo, não tem capacidade de aprovação de projetos; terceiro, não tem recursos suficientes.
Quero dizer que nós vamos ter que prorrogar esse prazo, como nós prorrogamos os planos diretores do Município e se prorrogou duas vezes a execução e os planos diretores da nossa cidade. Eu me lembro disso, porque eu fui Prefeito e sei que houve uma prorrogação por duas vezes do plano diretor. Hoje todos os Municípios têm planos diretores, foi feita uma participação democrática, popular dos Municípios a partir de uma orientação da União e do Estado, coisa que hoje não existe, a não ser aplicar a lei que foi aprovada no Congresso Nacional.
Então, é importante que se diga isso, porque há uma falácia sobre isso, Deputado Joseildo Ramos, que nos obriga, assusta-nos, pressiona os Municípios que têm que cumprir a universalização. Não há, nesse modelo estrutural, sem o compromisso da União e dos Estados, uma universalização do serviço.
Há questão mais grave do que isso. Eu sou gestor público pelo quarto mandato em uma cidade com 260 mil habitantes. Aqui nós estamos falando de filé-mignon do saneamento, que é onde há cliente. A iniciativa privada vai investir onde há cliente. Onde não há cliente, quem vai ser obrigado a fazer o investimento vai ser o poder público. E pior: mesmo onde há cliente, quando o serviço não funciona, o cidadão não vai cobrar da iniciativa privada, da empresa privada que presta serviço, ela vai cobrar do Prefeito, do Estado, porque a relação dela com o serviço público é do Estado da Prefeitura e não da iniciativa privada.
Então, nós vamos ter problema na nossa cidade onde a empresa presta o serviço, não cumpre o contrato. Nós vamos fiscalizar, multar, mas do ponto de vista político, quem vai pagar essa conta é o gestor público, mesmo fazendo a concessão.
Nós temos um problema sério, enquanto ABM e temos discutido isso com os pequenos e médios Municípios, que terão um problema gravíssimo para resolver os problemas das áreas rurais nas pequenas cidades do nosso País, porque nenhuma iniciativa privada vai fazer investimento lá se não tiver subsídio cruzado. E as cidades maiores não vão pagar um serviço de aumento de tarifa para fazer investimentos em cidades pequenas. Quem precisa ter um plano é o Estado, e este não conseguiu fazer um plano, um diagnóstico, um estudo sobre isso, porque foi imposta uma legislação e uma obrigação de regionalização em relação a esse debate.
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Então é extremamente importante esta questão levantada pela Câmara Federal, para que a gente possa tratar isso com muito mais tempo, em um processo de democratização do debate, e possa refazer esta relação e definitivamente solucionar o problema.
Nós temos hoje um problema que é de investimento, um problema técnico de planejamento, um problema de reorganização das regiões. O Estado, a União, devia incentivar, por exemplo, a construção de consórcios para tratar este tema do saneamento por bacias regionais, por microbracias. Isso é fazer um processo sério.
Por isso ele tem um viés apenas econômico, apenas privatista. Um viés apenas econômico não discute junto do termo de saneamento o tema dos resíduos sólidos e o tema da drenagem urbana. Se querem fazer um projeto sério — acho que este é o nosso objetivo enquanto Municípios —, devem tratar isso como um tema casado, um tema articulado com as três questões que são fundamentais, no meu ver, para atacar este problema grave que é o problema do saneamento.
Não há investimento maior porque o governo central, os governos estaduais não têm essa dinâmica e delegam isso no município. Nós estamos pagando uma conta que não é a nossa obrigação apenas; é nosso dever, a nossa obrigação, mas, sem uma política nacional e uma política estadual, não é possível avançar na universalização.
E o mais grave é que vão empurrar para os Municípios uma responsabilidade jurídica, uma responsabilidade técnica, e não estão olhando o ponto de vista dos investimentos e, quando há, não permitem aos Municípios captar.
Por isso nós da ABM estamos aqui para ajudar a refletir e buscar construir um plano que tenha no seu centro um debate mais profundo, que enxerguemos o papel do Estado, da União dos Municípios e, fundamentalmente, que priorizemos recursos, mesmo que sejam onerosos aos Municípios, para que tenham capacidade e também recursos a fundo perdido para os Municípios menores poderem atacar. E que se incentivem, evidentemente, os consórcios, estas relações de bacia e microbacia, para que possamos avançar no saneamento — se é que é para fazer uma coisa séria, e uma coisa com responsabilidade para resolver o problema.
Parabéns à Comissão! Estamos aqui para colaborar e ajudar. A nossa defesa é na autonomia dos Municípios, para que eles tenham a propriedade da água, destes recursos hídricos da nossa cidade, para que a gente possa inclusive fazer aquilo que é a nossa essência.
Nesta pandemia — concluo com isso —, o mais importante foi as nossas cidades terem companhias públicas que puderam não cobrar as taxas de água para esta população carente. Na iniciativa privada não há tarifa social da água. Tem a cobrança. Quem tem terá; e quem não tem vai ter a água cortada, como acontece com a energia elétrica nas nossas cidades, onde a grande maioria tem tido problemas gravíssimos, porque a iniciativa privada não está preocupada com a assistência social, com o bem-estar social da maioria da população.
Em um País aonde a miséria aumenta assustadoramente, nós que temos uma companhia pública sabemos o que é isso. Com a taxa social muita gente não precisa pagar. E a perda da água não é só perda da água. O problema na perda da água é que muitas pessoas não têm como pagar e acabam se abastecendo d'água. Muitas vezes há decisão do Ministério Público de obrigar os Municípios a abastecerem as comunidades carentes, porque a água é um bem essencial. Há a perda, é bem verdade, mas há também as políticas sociais e também este processo de amparo a esta população, que é uma grande maioria na nossa cidade. Nós, no projeto, temos que ter esse olhar com muita firmeza e com muita determinação.
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O SR. FRANCISCO DOS SANTOS LOPES - Boa tarde a todos. Quero cumprimentar o Deputado Joseildo Ramos, que foi Prefeito de Alagoinhas, onde temos um SAAE lá e já foi aos congressos da ASSEMAE também lá em Salvador. Quero cumprimentar o Prefeito Colbert Martins, parceiro nosso da FNP. Quero cumprimentar o Pedro Duarte, parceiro nosso da CNM. Quero cumprimentar a todos os presentes.
Registro que o Aparecido Hojaij estava confirmado para esta audiência, mas, por uma questão particular, em razão de saúde, ele não pôde comparecer. Desde já, nós agradecemos à Comissão de Desenvolvimento Urbano — CDU, pelo convite à ASSEMAE.
Vou fazer uma breve introdução. Vou falar da lei, falar das perspectivas da ASSEMAE e fazer uma conclusão. Vou tentar usar 2 minutos para cada um destes pontos.
Primeiramente, quero dizer que, ouvindo hoje as entidades municipalistas mais uma vez, lá atrás nós estávamos certos de que aprovar uma lei desta na pandemia seria complicado porque justamente os Municípios não tinham conseguido fazer o debate. Vendo agora aqui a expressão de vocês, vê-se justamente isto, um ano após a edição da lei inúmeros e inúmeros problemas estão surgindo. Vejam, senhores: eles já haviam sido alertados lá atrás.
Também quero deixar claro que a ASSEMAE é a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento. Ela atua há 37 anos na defesa da gestão pública, da titularidade municipal e pela universalização do saneamento básico. Buscamos incentivar as melhores práticas na prestação de serviço e, é claro, uma participação ativa, vigilante, contribuinte, digamos assim, nos mais diversos aspectos da política nacional do setor. Evidentemente, temos nossos associados, mas nós queremos dizer que é importante esta preocupação com todos e todas. Isso é fundamental para a construção deste processo. Esta seria a introdução.
O segundo ponto que queremos falar é sobre a lei e a ADI. Alguns deles eu nem vou tocar mais, porque eu acho que eu já fui contemplado em vários pontos apresentados. Sobre a lei, é de conhecimento de todos que a ASSEMAE impetrou a ADI. O resultado, os senhores já sabem, foi 7 a 3. O presidente recebeu uma mensagem na semana passada dizendo: “perderam de goleada”. Ele respondeu assim: “Não. Quem perdeu foram os Municípios e a população”. Acho que a apresentação aqui e o que vocês falaram denotam um pouco isso.
Qual é a visão com relação ao saneamento? É que a titularidade é municipal. Acho que, se a gente tivesse, de uma vez por todas, resolvido isso, com certeza nós estaríamos em outro momento hoje. Acho que, quando a gente acaba encontrando subterfúgios “na situação Y é assim; em B, é assim”, acho que a gente só dificulta a vida de todos nós. Imaginem hoje o Município — vou dar um exemplo misto com o PPP e o saneamento municipal — de Piracicaba, que está na região metropolitana de São Paulo.
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Quem é o titular? Com a nova lei, quem é o titular? Mas ele já está universalizado. E aí? Como é que fica?
Bom, de qualquer forma, o que está decidido está decidido. Mas, com vênias ao Congresso, que é onde estamos, ao Governo e à Corte — tendo em vista, especialmente, a decisão do Relator —, eu acho, Srs. Prefeitos e entidades municipalistas, que dizer que o Município não pode ser o titular e compará-lo a um andarilho, a um hipossuficiente, foi um tanto deselegante por parte da Suprema Corte.
E por que isso? Porque não estamos indo a fundo nas razões dessas questões. Por que os Municípios, principalmente os pequenos, não têm condições? Porque justamente o pacto federativo não lhes deu essa condição.
Se vocês lerem um artigo meu e do nosso Presidente em um livro sobre saneamento, lançado pela OAB, notarão que lá fazemos a citação de um autor francês que chegou aos Estados Unidos no século XIX e lá viu o seguinte: lá os condados eram bastante fortalecidos porque, justamente — os condados, nos Estados Unidos, são equiparados aos Municípios daqui —, tinham uma capacidade muito grande de decisão. Eles decidiam quer seria o xerife, como seria o saneamento. Então, as questões eminentemente locais eram decididas naqueles condados.
Eu acho, Srs. Prefeitos, entidades municipalistas presentes e Deputados, que precisamos fazer uma nova revolução neste País, uma revolução na qual as localidades, as municipalidades tenham de fato condições de fazer o seu trabalho — e hoje nós sabemos a dificuldade. Então, colocar isso para os Prefeitos, sobre o saneamento, achei que foi um tanto de elegante.
E mais: qual é o grande princípio? "Ah! O modelo não funcionou." Qual modelo? O modelo público. Olha, nós todos somos sabedores disso. Nós temos boas experiências de gestão no setor público e no setor privado. E também o contrário é verdadeiro. Esqueceram os Srs. Ministros de verem o caso de Manaus, já citado aqui; o caso de Tocantins; o caso de Itu e de vários Municípios de Mato Grosso, que já têm concessão e não funcionam tão bem assim. Mas esqueceram também os Srs. Ministros — e só vou citar alguns serviços municipais, pedindo desculpas a tantos outros que têm excelência de gestão — de exemplos como Limoeiro do Norte, no Ceará; Poços de Caldas, em Minas Gerais; Jaraguá do Sul, em Santa Catarina; Rondonópolis, em Mato Grosso; Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul; Campinas, em São Paulo, Municípios esses que já têm uma excelente gestão, entre tantos outros, em serviços que já estão universalizados. Mas isso foi desconsiderado por completo.
Passamos a concordar em parte com o Ministro Lewandowski, que disse o seguinte: "Parece que a Corte se ateve aos fatos e esqueceu um pouco da Constituição". Isso parece ser bastante interessante.
E aí devemos olhar, como alguns disseram, da seguinte maneira: só porque a lei atualiza o marco ela já é boa? Isso é esquecer que o setor é complexo, que não é só com recurso, não é só com gestão e não é só com um modelo que vamos chegar lá. Eu acho que essas são as primeiras considerações com relação a essa questão.
E aí nós partimos para o segundo ponto, que é o seguinte: é verdade que impetramos essa ação, mas era só uma ação da ASSEMAE. Nós pretendemos prestar — e estamos trabalhando nisso — assistência técnica para quem quiser remunicipalizar ou criar o seu serviço municipal de saneamento. A ASSEMAE vai se preparar para isso.
Nós pretendemos acompanhar toda e qualquer ação referente à implementação, porque até agora foi fácil: esse é o modelo que vai universalizar. Mas, daqui a 2, 5 ou 10 anos, o que de fato vai acontecer?
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Claro que já temos alguns modelos, mas pretendemos sugerir outros. Para alguns casos, a exemplo do tratamento de esgoto, em parte, isso faz sentido. Fomentar a questão das PPPs, acho, faz sentido em alguns casos. Mas devemos estudar modelos de contrato de performance para a redução de perdas. Isso está bem avançado.
E há a questão da energia elétrica. Nós temos a possibilidade de fotovoltaica e eólica. Já temos algumas ações em andamento. E devemos divulgar experiências exitosas. Vamos lançar, em maio deste ano, em Porto Alegre, a terceira edição das experiências exitosas municipais; devemos fomentar os consórcios municipais e buscar parcerias nacionais e internacionais para, de fato, dar alternativas para aqueles que querem manter seu serviço municipal da forma que está.
Enfim, acreditamos que o último passo pretendido por nós é elaborar um projeto de lei. E esta Comissão de Desenvolvimento Urbano pode, de fato, dar condições também para o setor público se desenvolver, porque a Lei nº 14.026 pouco ou nada trouxe para a melhoria do setor público.
Quero encerrar falando sobre a regionalização e o processo que está aí. Como os nossos associados vão se portar? Ampla maioria dos associados já disse que não pretende aderir ao modelo de regionalização. E por quê? Estive em São Paulo, esses dias, com 20 Municípios que representam 8 milhões de habitantes, e eles disseram o seguinte: "Eu já estou universalizado. Por que, agora, vou entregar para o Governo do Estado a minha titularidade? Não faz sentido". "Ah! Mas você terá acesso a recurso federal." Indago: existe recurso federal para ser acessado?
Claro que, se as condições de governança, se o respeito a titularidade e se, de fato, o objetivo for a universalização, nós vamos discutir e trabalhar para que isso possa acontecer.
Por fim, já em segunda conclusão, acho que precisamos trabalhar. Acho que essa confusão toda dificulta a vida desses gestores, gera confusão, gera dificuldades. E aí o dia a dia está ali, e eles precisam atender a população. Nós precisamos ter tranquilidade para trabalhar. Infelizmente, não é o que, no momento, estamos tendo.
O pedido que trazemos ao Congresso refere-se ao art. 50 — e quero fazer coro ao orador que me antecedeu. De fato, quanto às limitações do art. 50 ao acesso a recursos, a primeira condição é a de que o serviço seja eficiente. Ora, se o serviço for eficiente e tiver uma boa gestão, ele já vai ter condições. Então, de novo, de cara, a lei já privilegia aqueles que têm condições, e aqueles que não as têm vão ficar para trás.
A adesão à estrutura regionalizada àquele monte de incisos, na prática, na vida real, em nosso dia a dia, só ampliará as imensas dificuldades que nós, gestores de saneamento, já temos para acessar recursos.
E mais: quando se acessa recursos — sejam de OGU, de financiamento ou de emendas —, o que acontece? A dificuldade na liberação dessas emendas. Todos os dias nos ligam serviços municipais falando o seguinte: "Estou com a minha obra pela metade, mas há 6 meses não tem desembolso".
"Ah! Mas não tem recurso...". Todos sabemos que, quando se trata de recurso público, não se fala em ter ou não ter, mas em priorização. E, neste momento, lamentamos que o saneamento não seja priorizado como gasto de recurso público.
Por fim, eu acho que este Congresso precisa dar um passo importante. Hoje, Deputado Joseildo Ramos, temos fundo para PPP, mas não temos um fundo para universalização. Nós não temos um fundo para a universalização do saneamento. Não temos incentivo à prestação pública decente e de qualidade. Então, pedimos, realmente, que este Congresso trabalhe para possamos, realmente, olhar, de fato, para a realidade do Brasil e que destrave essa questão do acesso aos recursos. Não é possível que o Prefeito decida não ir para a unidade regional e fique limitado no acesso aos recursos.
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Esperamos que isso mude. Esperamos que seja criado, realmente, um fundo de universalização e que sejam incentivadas boas práticas de gestão pública. Hoje nós não temos isso.
Por fim, queremos saneamento para todos e vamos trabalhar para isso com muita motivação e firmeza, que é o que a ASSEMAE tem feito há 37 anos. E está aqui no nosso ex-Presidente da ASSEMAE, o Montenegro, assim como o Alceu, fundador da ASSEMAE.
O SR. PRESIDENTE (Joseildo Ramos. PT - BA) - Eu quero dar os parabéns a todos aqueles que participaram deste debate.
Neste momento, antes de passar a palavra à assistência, quero ressaltar que eu estava notando nas falas algumas coisas que não tínhamos dúvida de que viriam à baila. A primeira delas: essa lei foi feita como uma luva para privilegiar a iniciativa privada. Não foi outra coisa. E digo isso porque a iniciativa privada já tem a sua presença nessa prestação de serviços há 40 anos, a exemplo de Manaus — e o exemplo não é meritório. Tocantins é um exemplo mais recente, igualmente não meritório. Uruguaiana e tantas outras cidades também não são exemplos meritórios.
Um segundo ponto que apareceu nas falas de todos aqui: a lei é anacrônica, os seus prazos não se coadunam com a realidade do saneamento e — dando um verdadeiro cavalo de pau — troca a ambiência da lei anterior sem necessariamente prever as dificuldades que essa desarrumação trouxe para todos os entes federados. Então, a gente precisa, em algum momento, tratar dessa questão.
Outra coisa: não se encontra, em nenhum momento, no texto da lei — sequer uma vírgula, Prefeito Colbert — algo sobre saneamento rural. Esse tema é solenemente esquecido. Ele não aparece. Então, este é um elemento que não está posto.
E vejam como está a nossa realidade nos diversos Estados no saneamento rural...
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Outra coisa: onde estão os recursos, onde está o dinheiro da iniciativa privada? A história está aí. Quando foi que aconteceu isso? Quando foi? Havia alguma vedação? O arcabouço legal trazia algum problema que vitimizava a iniciativa privada? Não.
Outra coisa também: essa lei tem algo que beira à chantagem: "Ou você faz o que eu digo ou você não tem dinheiro não oneroso". Isso não existe numa República. E é o texto da lei... Esse é o texto da lei.
E há a questão da regulação. Antigamente, nesse setor, já existia uma coisa esquisita; imaginem agora, quando a lei enche de responsabilidade a ANA, que historicamente não foi ligada a essa situação...
Outra coisa: continuamos a esquecer que, em um País tão desigual, sem subsídio cruzado — que não pressupõe, aí sim, a iniciativa privada, porque com ela é incompatível —, não vamos universalizar esses serviços. Nós estamos dando tchau à possibilidade de universalização dos serviços de saneamento.
E alguém esqueceu que a abordagem da lei deveria ter, no mérito, articulação entre saúde, saneamento e meio ambiente, sem dissociar essas razões. Então, não aparece no texto da lei a articulação entre saúde, saneamento e meio ambiente.
O SR. PEDRO DUARTE - Deputado, novamente agradeço a V.Exa. pelo convite, em nome do Presidente Paulo Ziulkoski.
O evento foi excelente, com um excelente debate. Reforçamos aqui a autonomia municipal. Essa será sempre a fala da CNM. Acho que todas as falas aqui se complementaram, todas muito importantes e reiterando a força e o papel dos Municípios em um tema de sua titularidade e de extrema importância para o País.
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O SR. COLBERT MARTINS - Agradeço a você, agradeço ao Deputado Joseildo Ramos, agradeço a todos os companheiros da Mesa.
Em nome da Frente Nacional de Prefeitos, quero dizer que é necessário, cada vez mais, que juntos possamos fazer o que for necessário para que o processo possa ter a melhor das suas conclusões e das suas ações. Existem vários mecanismos em andamento neste momento. É preciso que eles tenham minimamente uma sequência para que nós não venhamos a atrasar ainda mais. É preciso que não se pare.
Lá no Sertão, onde eu moro — Joseildo mora no litoral — diz-se que não se conserta cangalha com jegue parado. É jegue andando e você empurrando a cangalha para ele ajeitar. Então, tem que botar o bicho para andar, e nós vamos ajeitar a cangalha andando.
É importante não pararmos e não frearmos o processo apenas, mas fazermos as correções que são necessárias, porque já existem várias em andamento. Vários Estados e vários Municípios já avançaram. O que fazer para que as pessoas possam ter o benefício do saneamento básico?
Só um parêntese, Joseildo, você foi Prefeito e eu sou Prefeito agora. Quando se trata de destinação de recursos do banheiro, vai para o esgoto. Água tratada vai para a rua. Não vai para o esgoto, não. Vai para rua. E o Prefeito exatamente está o tempo inteiro lá e vê a água correndo na frente da guia, do meio-fio da rua, o tempo inteiro. Então, é preciso tratar essas dois fluentes que saem da casa das pessoas para que isso seja feito.
Cobrança de lixo neste momento não dá nem para pensar. Numa circunstância dessa, uma dificuldade desse tipo, botar o dedo e dizer que hoje se cobra sobre lixo, vai ser outra situação, não dá para fazer isso agora.
O Deputado Joseildo traz a questão da saúde e traz a questão do meio ambiente, que, juntas, precisam estar associadas dentro de um mesmo objetivo e de pensamento, para não dizer também da questão da drenagem. Acho que o Vanazzi falou muito claramente dessa junção de fatores.
De qualquer forma, concluo dizendo que nós estamos prontos, também, junto com o Congresso Nacional, com a Câmara dos Deputados, para podermos avançar no que for necessário, para que nós possamos, se não em 2023 — mas, no Brasil, se não colocarmos um limite, vamos até 2050 —, então, em 2033, que é um bom prazo, para buscarmos um avanço. Não podemos simplesmente mudar a data. Se não for acontecer, acho que o Vanazzi talvez possa ter razão, mas temos que correr para, em 2033, chegarmos com um avanço maior ainda com o saneamento no Brasil.
Eu queria cumprimentar os meus colegas, que estão representando a Frente Nacional de Prefeitos, o nosso querido Prefeito, que teve uma fala importante aqui, a partir da experiência dele, numa região diferente da minha, que sou do Rio Grande do Sul.
Estou representando a CNM, na pessoa do Presidente Paulo Ziulkoski.
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Eu acho que este nosso debate foi muito sintomático daquilo que nós, que estamos na gestão atual dos Municípios, sentimos nesse processo, digamos, de pressão, de decisões tomadas sem a participação efetiva do nosso olhar sobre os temas que estamos tratando aqui, como o saneamento, a drenagem urbana e os resíduos sólidos. Nós vivemos cotidianamente aqui essas dificuldades nos Municípios.
Em segundo lugar, eu acho importante a Comissão e os Parlamentares olharem com muita atenção esse art. 50, que proíbe os Municípios de terem acesso ao financiamento se não aderirem à regionalização que está proposta no Plano de Regionalização. Acho essa mudança extremamente importante, vai agilizar investimentos em muitas cidades que hoje têm uma capacidade de endividamento e que têm a possibilidade real de buscar e ajudar em termos da universalização do tema do saneamento.
A terceira questão é que eu tenho plena concordância com o que disse aqui o Prefeito da Frente Nacional que precisamos ter um prazo, para que possamos nos organizar e também observar esse prazo estabelecido. No que eu tenho divergência é que se use esse prazo para pressionar, para intimidar Prefeitos, intimidar as pessoas do ponto de vista de que isso precisa ser executado e, se não for executado, haverá penalidade e o Ministério Público vai fiscalizar. Olhem, não se negocia assim, porque na vida real isso não vai acontecer. Então, eu acho que nós precisamos ter prazo e bom senso.
Por fim, Presidente, quanto ao debate sobre os planos nacionais e estaduais e a capacidade de haver investimentos públicos, principalmente num momento de crise como essa que estamos vivendo, se não houver investimento público nas nossas cidades em infraestrutura urbana, em ações importantes, nós teremos mais dificuldade de recuperar a economia e teremos mais dificuldade de, nos Municípios, realizarmos ações que são extremamente importantes para o povo. Nós hoje temos em todas as nossas cidades entre 40% e 50% da população vivendo uma situação dramática, sob os pontos de vista estrutural, econômico e social. E os Municípios precisam ter essa possibilidade de articulação.
Eu não tenho nada contra investimentos privados. Se vierem, serão bem-vindos. Mas façam investimentos e possibilitem que os mesmos recursos que a iniciativa privada busca num banco público os Municípios possam também buscá-los. Eu acho que isso, sim, seria democrático e também iria ampliar os investimentos nas cidades.
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Eu acho que precisamos superar o federalismo de coerção, que é quando o Prefeito tem que ter, em 1 ano, a tarifa de resíduos — e os senhores já estão inadimplentes, não é? —, não discutir com os Prefeitos e passar de fato para o federalismo de cooperação. E pasmem, V.Exas.: o que foi feito com a lei federal os Estados estão fazendo também com o processo de regionalização em seus decretos. Ou seja, estão simplesmente dizendo: "Não, eu estou seguindo a lei federal".
Então, nós estamos normatizando algo que deveria ser diferenciado. E, na construção das unidades regionais, deveriam ser ouvidos os Municípios. Os serviços municipais estão sendo ouvidos? Não. Só quando o decreto é publicado chamam para discutir, porque o interesse é o mesmo. Nós não queríamos que fosse em 2033, Prefeito; nós queríamos que fosse amanhã. Só que o saneamento não é dissociado da vida das pessoas, da sociedade e do Brasil. Eu fico pensando que alguns querem um país de terceiro mundo com um saneamento de primeiro mundo. É claro que nós queremos, mas o saneamento faz parte de todo o espectro da vida da sociedade; ele não é dissociado do planejamento urbano da habitação e principalmente das elevadíssimas desigualdades que há no País. Se não considerarmos isso, vamos achar que é simples a conta. Do ponto de vista financeiro, parece, mas do ponto de vista da vida real, não é.
Então, eu acho que se nós fizermos isso... E finalizo dizendo que precisamos olhar outros modelos. E olhe o que foi feito, Deputado Joseildo. Nós tínhamos dois incentivos na lei: um para o privado e outro para o público. O do privado era o Fundo de Estruturação de Parcerias Privadas. Foi vetado ou mantido? Mantido. E o Fundo de Apoio aos Municípios para gestão e estruturação foi vetado ou mantido? Vetado. Então, é essa a nossa priorização. Eu acho que nós precisamos superar isso.
Termino dizendo que o próprio Presidente da ABDIB disse hoje, em matéria do jornal, que, em que pese o investimento privado ser desejável, o público também precisa fazer investimento. E aí está-se decaindo significativamente os níveis de investimento do Governo Federal em saneamento. Eu acho que nós precisamos recuperar isso, e não só isso. É o que eu disse lá atrás: não é só o investimento, mas também o apoio à gestão, sugerido inclusive pela CNM, que foi vetado nessa lei.
E, vejam: nós queremos regulação forte, mas, com um Município insuficiente? Como é que ele vai fazer o acompanhamento do privado se não tiver estrutura? Essa é a inversão de horário que falta. Se eu vou acompanhar um contrato de PPP e concessão, qual é a capacidade desse órgão de acompanhar isso se ele não tem estrutura? É isso que nós precisamos rever.
Nós já tínhamos, desde 1995, espaço para todos. Mas o que não podemos fazer é escolher um barco só; e, nisso, esse processo está errado e precisa ser revisto.
Eu acho que nós vamos ter tranquilidade, sim, e nós estamos fazendo. Nós estamos na pandemia, Prefeito, trabalhando diuturnamente, levando saneamento e, ao mesmo tempo, fazendo a discussão, para que, durante esse processo e nos próximos anos, realmente venhamos construir um marco, que, de fato, atenda à necessidade da população brasileira, que leve a universalização a todos os brasileiros e brasileiras, independentemente da capacidade de pagamento. Nós precisamos pensar dessa forma, sim.
O SR. PRESIDENTE (Joseildo Ramos. PT - BA) - Em nome da Comissão de Desenvolvimento Urbano, nós agradecemos a disponibilidade dos senhores e a qualidade do debate. Certamente, estaremos caminhando para efetivamente aprofundarmos não só a discussão, mas também o que de fato nos preocupa.
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14:47
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Dando seguimento ao seminário, passamos, neste momento, à composição da Mesa 4: Visão das Entidades Setoriais. Está à mesa o Sr. Deputado José Ricardo, do PT do Amazonas, para mediar a quarta mesa de debates.
Convidamos também, para comporem a Mesa, os expositores: Sr. Percy Soares Neto, Diretor-Executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto — ABCON; Sr. Marcos Helano Fernandes Montenegro, Coordenador-Geral do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento — ONDAS e representante da Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros — FISENGE; Sr. Alceu Guérius Bittencourt, Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental; Sr. Pedro Blois, Presidente da Federação Nacional dos Urbanitários; Sra. Rayssa Saidel Cortez, representante do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.
O SR. PRESIDENTE (José Ricardo. PT - AM) - Obrigado. Boa tarde a todos e a todas.
Quero saudar aqui todos os convidados que estão na Mesa. Obrigado por estarem conosco neste seminário que a Comissão de Desenvolvimento Urbano organiza para tratar do novo marco do saneamento, discutido, debatido e aprovado aqui no Congresso Nacional, mas logicamente também motivo de permanente debate.
E, quando se trata de falar de saneamento básico no País, temos indicadores que mostram que infelizmente as políticas públicas nessa área ainda não estão atendendo plenamente às demandas e às necessidades da população. Vemos a realidade de áreas urbanas e de uma série de Estados, com indicadores extremamente negativos em relação ao esgotamento sanitário.
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14:51
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Na questão da água, há uma disputa também na exploração dos serviços de tratamento e de distribuição de água. Mas, em muitos lugares, muitas comunidades continuam sem água tratada de qualidade, sem água potável.
Temos ainda a questão dos resíduos sólidos, como ouvi agora há pouco, lembrando que temos uma legislação de âmbito nacional muito avançada. Mas sempre se pedem mais prazos, mais prazos e mais prazos para cumpri-la. E as perguntas que sempre se fazem: quando irão cumpri-la? Quando esse prazo vai existir de verdade? Quando haverá investimentos? Quando haverá recursos? Isso esbarra sempre na questão orçamentária e no debate sobre a disponibilidade de recursos: quanto seria necessário, talvez, não suficiente, a curto prazo?
O certo é que recebi há pouco, por exemplo, a ligação de um cidadão de uma comunidade do Município de Iranduba, no Estado do Amazonas, que está interligado à Capital Manaus por uma ponte, construída agora sobre o aterro sanitário de Manaus que já era para ter sido desativado. Era um lixão que virou um aterro, uma montanha gigantesca, e que já era para ter sido desativado há 10 anos. E agora decidiram construir um outro, pelo visto semelhante, do outro lado do rio, num Município próximo. Está todo mundo alarmado!
Isso não tem nada a ver com a política nacional, com a legislação federal, com uma solução que não cria impacto ambiental. Ao mesmo tempo, isso poderia ser motivo de geração de renda e de economia do setor público em relação ao gasto com a coleta e com a destinação final de resíduos sólidos.
Peguei só esse rápido exemplo de algo novo que está acontecendo na Amazônia. Nenhum Município do Estado do Amazonas tem alguma política relacionada à destinação dos resíduos sólidos. Tudo é lixão poluindo rios e comprometendo a água. Apesar de ser uma região com muita água, há um consumo de água contaminada tão grande ali que está provocando esses grandes indicadores de doenças que poderiam muito bem ser evitadas.
Então, este é um debate fundamental para o Brasil, mas, que deve olhar as realidades e as demandas de cada Região.
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14:55
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Acho que está claro que não houve, dentro do processo legislativo, a discussão que houve no âmbito do Poder Executivo, que resultou nos vetos. Refiro-me à discussão que voltou ao Poder Legislativo sobre a manutenção dos vetos. E agora, na discussão que houve no âmbito do Judiciário, não há nenhuma afronta à titularidade municipal. Eu acho que o Supremo Tribunal Federal se manifestou de maneira bastante assertiva sobre o tema da titularidade municipal, que foi reforçado na Lei nº 14.026.
A grande discussão em termos de titularidade municipal, que era de interesse local e de interesse comum, foi esclarecida — entendemos nós — no marco da Lei nº 14.026. E nós já temos resultados muito objetivos e concretos sobre isso.
Na apresentação, eu trago um gráfico que mostra o aumento dos investimentos em saneamento. Nós saímos, nos últimos 3 anos, 2018, 2017 e 2016, de uma média de investimento de 12 bilhões de reais por ano no setor. Sendo que os números do próprio PLANSAB já apontavam para uma necessidade de 20 a 25 bilhões de reais em investimento. Quer dizer, o Brasil estava investindo metade do que precisava para universalizar o tema, sem considerar a necessidade de recomposição de redes, e essas coisas.
Em 2019, nós percebemos um aumento para 19 bilhões de reais. Esse aumento está muito calcado no investimento privado que aconteceu, e esses números são do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, que é um sistema do MDR, não é um sistema do setor privado, em absoluto.
Nós vimos nos dados do SNIS de 2020, comparados aos dados de 2019, que o setor privado está presente em apenas 7% dos Municípios e já é responsável por 33% do investimento que o Brasil fazia em saneamento. Isso mostra que a parceria com o setor privado, e não a alienação — ninguém está privatizando nada —, vem gerando bons resultados onde ela ocorre: na PPP no Estado de Recife; na PPP na CORSAN, no Rio Grande do Sul, e ene outros aspectos.
Além disso, Deputado, é importante termos claro que reabrir uma discussão sobre o marco de saneamento dentro do Legislativo vai gerar uma nova insegurança para o setor. Nós acabamos de passar 4 anos com discussões intensas sobre este marco dentro do Poder Legislativo da forma mais democrática possível: o Legislativo derrubou duas medidas provisórias, exercendo o seu papel de Poder Legislativo ao dizer que o tema não está maduro para avançar; lá, o tema avançou e foi aprovado um texto; o texto foi ao Senado e lá foi aprovado, depois voltou para a Câmara e foi para a sanção presidencial.
Assim, nós entendemos que o momento agora seria o de concentrar esforços para fazer o marco acontecer. Não há, em nenhum momento, privatização da água. A água é um bem de domínio público. Há a possibilidade de os concessionários e os serviços públicos, os poderes titulares, terem parceiros privados para fazer os investimentos que ainda são difíceis com recurso público.
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14:59
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Quanto aos Municípios pequenos, Deputados, há o mito de que não são de interesse do setor privado. É importantíssimo deixar claro que mais de 40% das operações privadas no País se dão em Municípios com menos de 20 mil habitantes. Então, temos mais de 50% das nossas operações em Municípios com menos de 50 mil habitantes. Esses Municípios, quando bem estruturados, geram interesse e viabilidade.
O lado cheio do copo são Municípios como Goianésia, São Simão, Teresópolis e uma série de outros que estão com processos na rua buscando parceiros privados para resolver seu problema de saneamento. São Prefeitos de Municípios que viram a oportunidade e entenderam a sua dificuldade de resolver o problema. Falo aqui de Municípios de diferentes tamanhos, como São Simão, Teresópolis, no Rio de Janeiro, Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, que está modelando o processo de concessão, e também o Município de Xique-Xique. Quer dizer, há Municípios das mais diferentes Regiões do País interessados.
No modelo de regionalização, sempre se falou que Regiões, como a Região Norte do País, com baixa densidade habitacional não teriam interesse em investimentos. O Estado do Amapá fez uma licitação de sucesso, contratou investimentos para a universalização do serviço em 2033, saindo de uma situação caótica com um parceiro para isso. O senhor conhece muito melhor do que eu a Região Norte e sabe que o Estado do Amapá tem uma baixíssima densidade populacional, mas uma modelagem bem estruturada, um projeto bem realizado, gerou interesse, gerou competição e ainda deixou uma outorga de quase 1 bilhão de reais para o Governo do Estado fazer investimento em outras áreas. Então, na verdade, não existe essa falta de interesse por ser menos densamente habitado ou porque existem pequenos Municípios que podem se juntar num bloco e gerar interesse.
A questão é nós termos bons projetos e boa regulação, e o olhar do poder público sobre o setor de saneamento está nas agências reguladoras. Se o Município não tem capacidade de acompanhar o contrato, tem que buscar uma boa agência reguladora, seja regional ou estadual, e buscar nessa agência a capacidade de fazer frente ao operador privado. A regulação é um fator crítico de sucesso desse novo marco.
Por exemplo, o próprio Município de Manaus, que é citado ene vezes como um caso de insucesso: hoje nós temos 70 mil famílias já atendidas por tarifa social, e a meta do ano que vem é de a de atender a 100 mil famílias no Município. É o Município que mais cresceu, analisando os dados do SNIS, em aumento de abastecimento de água. Então, é o setor privado recuperando, talvez, um déficit que ele próprio tenha gerado lá, mas há uma nova disposição de recuperar esse débito. Já se veem resultados, e isso é percebido nos Municípios de Niterói e de Limeira, em São Paulo, que é um dos primeiros Municípios a serem privatizados, como um bom exemplo.
Então, acho que precisamos estar na mesa, abertos ao diálogo, sem demonizar A ou B. Não significa que A é ruim e B é bom. O capital privado pode ajudar nesse momento de investimento. Sabemos que existe um problema fiscal sério na União, nos Estados e nos Municípios. O capital privado é um bom parceiro para o investimento, e o poder público não perde nunca o controle do serviço, porque o privado não pode mexer na tarifa sem anuência da agência reguladora, não pode fazer ou deixar de fazer uma cláusula contratual sem que isso tenha acompanhamento específico da agência reguladora.
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Já discutimos 4 anos neste Congresso, venceu a discussão de 4 anos no Poder Legislativo, e é hora de olhar para a frente, e não ficar dando voltas em torno do rabo, até porque, o que nos interessa aqui não é quem tem saneamento, é a população que não tem saneamento, é discutir alternativas, não é valorizar quem já fez 10% e, sim, descobrir formas de agir para quem precisa fazer os outros 90%.
O SR. PRESIDENTE (José Ricardo. PT - AM) - Agradeço ao Sr. Percy Soares Neto.
Vários debates sempre aconteceram em relação aos contratos de água e esgoto. Conheço o exemplo de Manaus, porque sou de lá, e já tem 21 anos. No Governo do então Governador Amazonino Mendes, nos anos 2000, a empresa era estadual, passou para o Município, e houve um processo de repasse para uma empresa francesa. O capital era francês, na época; depois, já mudou várias vezes. Mas foram estabelecidas metas de água e de esgoto. Até hoje, a de esgoto não foi cumprida, não chegou nem à metade. Então, já tem 21 anos que a maior cidade do Norte do País, a maior cidade da Amazônia, a sétima maior do País, não teve — e vou usar a palavra que, na época, se usava muito — competência: “O Poder Público não tem competência para isso; o setor privado tem competência”. Pode até ter competência para alguma coisa, mas, para cumprir esse exemplo, esse contrato, não teve até hoje.
E é uma lógica muito simples: tratar esgoto certamente custa mais caro do que tratar água. No caso lá, tem que acertar a cor, por conta do Rio Solimões e do Rio Negro, mas tem que oferecer água de qualidade, distribuir, cobrar por isso e torcer para não ter uma inadimplência muito grande, ser eficiente nesse aspecto. Mas o esgoto custa mais caro.
E o que percebemos por essa experiência — pois não é à toa que se fala de Manaus — é que até hoje isso não foi cumprido, e o investimento feito pelo setor privado para esse ponto é muito pequeno, muito abaixo do que o que foi definido. Ali, haverá solução quando o poder público realizar investimento, ou melhor, como muitos defendem, quando for retomado totalmente o serviço pelo setor público. Além, claro — e é isso que estamos também debatendo —, de que temos que ter investimentos para isso; o poder público tem que ter uma decisão política que vai enfrentar o problema de falta de saneamento. E, quando se fala em saneamento, falamos de tudo: há a questão não só de água e esgoto, mas também de resíduo sólido, das águas pluviais, etc. Portanto, é fundamental esse olhar como um todo.
Mas, nesse exemplo de Manaus, esse é um ponto forte, bem claro: está lá o esgoto, não vão resolver, porque é muito pesado, com certeza. E eu não vejo uma solução enquanto estiver na iniciativa privada, porque está na mão dela; é um contrato do Município, há cláusulas contratuais a serem cumpridas e, se rompê-las, haverá indenizações, e o Município não teria capacidade para indenizar a empresa.
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15:07
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Mas com relação aos demais Municípios do Amazonas com 100 mil habitantes — e nós temos três, dos quais dois estão colados a Manaus pela rodovia —, nunca houve interesse do setor privado em abastecê-los. Ao menos essa é a nossa realidade lá, e acredito que de boa parte das cidades da Região Norte, onde os prejuízos são muito grandes realmente para a população. Isso é até contraditório. Há localidades que não têm água. O lugar que mais tem água concentrada no mundo — água da chuva, água subterrânea e grandes reservas — possui lugares que não têm água de qualidade. Então, esse é um grande desafio.
Eu queria, em nome do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento e da Federação Interestadual do Sindicato dos Engenheiros, agradecer a oportunidade de participar desta reunião. Quero cumprimentar o Deputado José Ricardo e os demais membros da Mesa, bem como todos os presentes e aqueles que nos assistem.
Eu queria começar trazendo um apelo. Nós estamos na Câmara dos Deputados, e aqui estamos aguardando na pauta a apreciação da PEC 6, de 2018, Deputado José Ricardo. Essa PEC, que já foi aprovada no Senado, introduz no art. 5º da Constituição Federal a garantia do acesso de todos à água potável em quantidade adequada, de modo a possibilitar meios de vida, bem-estar e desenvolvimento econômico.
Queria aproveitar então esta intervenção para fazer um apelo no sentido de que essa PEC seja, de fato, pautada e aprovada aqui, na medida em que o Brasil inclusive é um dos subscritores iniciais da proposta de que água e esgotamento sanitário sejam tratados como direito humano que foi aprovada pela assembleia da ONU há mais de 10 anos.
Fazendo aqui um contraponto ao que colocou o nosso representante da ABCON, o Sr. Percy Soares Neto, 4 anos é um bom tempo para rever e rediscutir. Aliás, nós rediscutimos a cada 4 anos, votamos a cada 4 anos, e as políticas públicas podem ser submetidas a um novo escrutínio. E essa Lei nº 14.026 tem tudo para ser rediscutida o tempo inteiro, porque é uma lei que deixou muita gente descontente, é uma lei que realmente, como ouvimos aqui dos representantes dos Municípios na Mesa anterior, não atende às expectativas dos gestores municipais, nem à expectativa, em última instância, dos munícipes.
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Nós podemos partir do pressuposto de que a lei é ruim, muito ruim. Mas sua aplicação pode estar sendo pior, em alguns casos.
Eu queria chamar a atenção para alguns casos de iniciativa de regionalização que são caracterizados pelo atropelo dos Municípios pelos Estados, na ânsia inclusive de licitar concessões e passar a mão no dinheiro da outorga onerosa. O caso do contencioso que nós estamos vivendo agora em Alagoas é típico dessa situação. A posição que o Governo do Estado adotou no Rio Grande do Sul na proposta de regionalização também atropela os Municípios, muitas vezes, inclusive, independentemente da consideração se estamos tratando de unidade regional de saneamento básico ou se estamos tratando, de uma forma compulsória de participação, de região metropolitana ou de microrregião de saneamento básico.
O representante da ABCON falou aqui uma coisa que eu já ia mencionar, mas ele me facilitou a vida. Você disse, Percy, que no Amapá a concessão do serviço de água e esgoto ainda deixou 1 bilhão de outorga para o Tesouro Estadual. Quem deixou 1 bilhão de outorga? Por que será que, em Portugal, é proibido licitar tendo como critério de decisão a outorga e é proibido cobrar, como eles chamam lá em Portugal, a "cabeça do contrato", a outorga, como está sendo feito aqui no Brasil, ou seja, cobrar à vista, antecipar o pagamento da outorga? Quando se diz que, nos cofres do Estado do Amapá, ficou 1 bilhão significa que esse 1 bilhão de reais vai sair de onde? Vai sair das tarifas de água e esgoto! Portanto, vai diminuir a capacidade de investimento.
Nós estamos financiando o déficit público com tarifa de água e esgoto? É esse o objetivo da Lei nº 14.026? Nós estamos subvertendo essa ordem? Quer dizer, equacionam-se os problemas fiscais brasileiros à custa do saneamento, e depois se diz que, com isso, está-se fazendo sucesso com uma política de universalização mais rápida do setor de saneamento, porque nós estamos trazendo dinheiro? As manchetes que os jornais comemoram como iniciativas bem sucedidas falam de 2 bilhões e 200 milhões de reais de outorga na concessão da região metropolitana de Alagoas. Mas esquecem que, com isso, rompe-se inclusive a possibilidade de a região metropolitana de Alagoas subsidiar os Municípios mais pobres, porque são tratados como uma região separada.
Então, esses aspectos relacionados à regionalização e à outorga onerosa são dois aspectos que a lei trata de uma maneira relativamente flexível. E nós temos alguns casos que o Observatório está acompanhando e que são realmente de uma piora daquilo que está na lei.
Mas há um outro aspecto, que já foi tratado em algumas intervenções aqui hoje à tarde, que diz respeito à população rural.
Quando se fez a campanha de que a cloroquina do saneamento era a privatização, de que um dos males do saneamento era a privatização, incluiu-se no déficit todo o saneamento rural. Agora, as iniciativas de privatização são sem a população rural, e, algumas vezes, sem a população moradora de vilas e favelas.
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No Amapá se diz que o Governo do Estado vai fazer uma companhia especialmente para tratar do saneamento rural. Com base em que uma companhia estadual vai trabalhar no saneamento rural dos Municípios do Amapá se o contrato de programa está vedado? De onde tiraram a ideia de que a titularidade do saneamento rural dos Municípios é do Estado?
O Estado, também em Alagoas, está fazendo um programa de saneamento rural. Como é que o Estado vai agir, se a expectativa é também paras as outras duas regiões do Estado termos concessão e privatização apenas...
Eu chamo de privatização viu, Percy! Não é a privatização da Inglaterra, que depois de 32 anos também está dando chabu, mas as empresas foram privatizadas sem nenhuma dívida, sem nenhum endividamento, lisas, e agora estão endividadas num equivalente mais ou menos ao que pagaram de dividendos aos seus acionistas, segundo estudos publicados pela universidade inglesa.
O desempenho também não é tão bom. Eu nunca tinha ouvido falar de uma multa ambiental na área de saneamento de 90 milhões de libras. Isso dá 650 milhões de reais de multa à Southern Water por lançamento, durante 7 anos, de esgoto não tratado nas águas costeiras e nos rios da área a que ela atende na Inglaterra.
Então, não me venham com a história de que a prestação privada é modelar, é a garantia de que as metas serão atendidas. Nem na terra da Margaret Thatcher isso é verdade! Ainda mais aqui. Na Folha de S.Paulo de hoje, no UOL — está aí para quem quiser ler — está a manchete: "Famílias comem lagartos e restos de carne para enganar a fome no Rio Grande do Norte". Não é no Piauí, no Maranhão ou em Alagoas, que são os três Estados mais pobres; mas no Rio Grande do Norte. É a essa população a que nós estamos nos referindo quando falamos de universalização pela concessionária.
Então, eu queria cuidar aqui da segunda parte da nossa intervenção. Desculpem-me a ênfase, mas precisamos falar disso com certa ênfase para poder lembrar que quem está falando tem abastecimento de água 24 horas por dia, tem esgotamento sanitário regular, tranquilo. Morando aqui em Brasília tem, inclusive, tratamento terciário.
Está sujeito mais ou menos a alagamentos, mas tem inclusive os seus resíduos sólidos aterrados adequadamente. No entanto, boa parte da população brasileira não tem isso. Precisamos falar disso sentindo o drama dessa população, para lembrar que essa população não terá os seus problemas resolvidos com uma política que trata o saneamento como negócio, enquanto a população tem que comer lagarto e resto de carne para sobreviver.
Eu queria deixar aqui registradas algumas questões que nos parecem absolutamente prioritárias em situação de crise social, crise econômica e pandemia. Várias cidades brasileiras estão em situação de racionamento. Nós estamos vivendo, além de tudo, mais uma crise hídrica. É preciso lembrar que boa parte da população, moradora das periferias, é aquela que é submetida a um drama muito maior quando há racionamento, inclusive, porque, muitas vezes, não tem reservatório, mora em situações desfavoráveis do ponto de vista do abastecimento de água e assim por diante. Então, devem-se estar atentos para isso: Prefeitos, Governadores e ANA. Eles precisam estar atentos para isso, ou seja, atentos a essas questões inclusive no que diz respeito à regulação.
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Volume mínimo necessário. Vou falar uma coisa que, no Brasil, parece que é um absurdo, mas não o é. Por exemplo, na França e na Inglaterra, é proibido cortar água de quem está inadimplente por questão econômica, como não ter renda familiar suficiente. Nesses países, há de ser garantido um volume mínimo de água para as famílias.
Na questão da tarifa social, dois aspectos precisam ser levados em consideração. Primeiro, a tarifa social está atendendo a todas as famílias que precisam dela? Nós temos uma boa referência hoje. As famílias que estão no Cadastro Único dos programas sociais do Governo — enquanto o Governo Bolsonaro não destruir esse cadastro, como está fazendo com o Bolsa Família — são uma boa referência. Então, nós temos que levar em consideração quais são as famílias e o valor da tarifa social, porque precisamos saber se o valor dessa tarifa é compatível com a renda da população e tratar os desiguais de maneira desigual.
Eu queria chamar a atenção para a necessidade de priorização da execução gratuita das ligações de água e esgoto para as famílias que tiverem direito à tarifa social conceituada desse modo amplo e chamar a atenção também para a necessidade de atendimento da população em situação de rua. É uma coisa que nós não temos trabalhado. Houve uma referência a uma pesquisa na cidade de São Paulo mostrando que lá havia mais banheiro público no começo do século XX do que atualmente.
Por último, quero chamar a atenção para a necessidade de retomar o Programa Um Milhão de Cisternas, o P1MC. Precisamos de um programa específico, Deputado, para as populações rurais da Amazônia de modo a articular isso tudo no Programa Nacional de Saneamento Rural, que está parado com as intervenções desastrosas que foram feitas pela direção da FUNASA.
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O SR. PRESIDENTE (José Ricardo. PT - AM) - Agradecemos ao Sr. Marcos Helano Fernandes Montenegro, representando o ONDAS e a FISENGE.
Gostaria de comentar que, realmente, as comunidades rurais são um dos maiores desafios também. Nesses dias, estávamos discutindo a questão da água e do esgoto nessas comunidades e a conclusão de um debate que estava sendo realizado é que não havia nenhuma solução, isso é, dependia-se da Prefeitura simplesmente. E se perguntava qual seria o papel da legislação do saneamento, porque, teoricamente, teria que estar acoplada com uma política de disponibilidade de recursos. E o Prefeito dizia: "Não tenho dinheiro, não vou fazer nada e vou deixar tudo como está". Esta é a situação que vemos: alguns Municípios com índices altíssimos de doenças por causa dos lixões e da água contaminada dos lençóis freáticos.
Nós passamos 4 anos debatendo o marco legal do saneamento. Temos uma legislação que já existia e não havia razão nenhuma para mudá-la, a Lei do Saneamento, mas é o setor privado o interessado. O Estado, até hoje, no Amazonas, com 12 Municípios, é o responsável. Vou repetir: há Municípios enormes, onde teoricamente haveria retorno financeiro, mas o setor privado não se interessa porque sabe que ali vai ter que ter um contrato de água e esgoto. Ninguém quer falar do esgotamento sanitário, todo mundo foge disso. Há um projeto implantado no Amazonas, chamado PROSAMIM — Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus —, para a recuperação dos igarapés. Colocaram a tubulação de esgoto na maioria das ruas e bairros daquela localidade e nenhuma tubulação foi interligada, porque isso teria que ser operado, cobrado e administrado. Não saiu do lugar até hoje e a tubulação ainda está lá. Esgotamento sanitário é o item que ninguém quer debater, só querem debater água. Parece que somente a água é o ponto forte desse processo.
O SR. APRESENTADOR (Antoniel de Souza Rodrigues) - Agradecemos a exposição ao Sr. Marcos Helano Fernandes Montenegro.
Queria agradecer à Comissão de Desenvolvimento Urbano, ao Deputado José Ricardo, o convite e cumprimentar os colegas da Mesa.
A ABES — Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental — tem 55 anos de existência. É a mais antiga entidade de profissionais na área de saneamento e meio ambiente no Brasil.
Nós temos uma composição grande e procuramos ter uma visão a mais ampla e equilibrada desse processo. Nós vemos méritos no processo do novo marco regulatório de colocar a discussão do saneamento no centro do debate, bem como a necessidade de a prestação do serviço ser regida por contratos que tenham metas claras e auditáveis. Isso é muito importante.
Quanto à questão da ineficiência, existem agentes no setor que não têm capacidade e aí é preciso abrir espaço para outras formas de composição, e entendemos que nessas outras formas de composição
há prestadores privados com capacidade técnica e financeira, com capacidade de endividamento, que têm espaço e têm mostrado capacidade de atuar.
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A ABES também considera que, entre os méritos do novo processo, vem o de sistematizar a regulação da prestação de serviço, inserida pela Lei nº 11.445, de 2007, que teve uma grande evolução em nosso País. Mas era e é necessária uma sistematização nacional desse processo de assistência técnica. A Agência Nacional de Águas — agora, Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico —, que não tinha capacidade nessa área, foi designada para exercer esse papel, está capacitando a si própria e desenvolvendo o processo das normas regulatórias, no meu modo de ver, com a sabedoria de ouvir a experiência dos que já vinham trabalhando nisso. Entendemos que esses são pontos positivos.
Mas a ABES acha que o processo tem grandes problemas e precisa de ajustes. Eu diria que o maior problema, o problema geral, é que esse processo tem sido conduzido — eu diria até que foi concebido assim — como um processo coercitivo. É um processo fortemente coercitivo e a nossa opinião é que isso vai gerar problemas em sequência. O processo deveria ser muito mais de indução e negociação, e ele precisa ser corrigido nessa direção. A insistência na forma coercitiva vai gerar cada vez mais conflitos e provavelmente não vai promover os resultados pretendidos. Eu diria até que há uma certa aposta na judicialização, não por parte dos que se sentem prejudicados, mas dos que querem fazer, digamos, o enforcement do processo. Aposta-se, com certo consenso que se estabeleceu, que é melhor ir para os conflitos judiciais e continuar impondo as soluções. A nossa posição é claramente contrária a isso. Achamos que o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados, esta Comissão específica têm um papel nesse processo de ajustes necessários. Eu entendo a posição do Percy sobre os problemas de se abrir processo legislativo, mas acho que há questões que não escapam de uma discussão legislativa.
Um problema sério são os prazos de implantação. Ao não ter sido honrado o acordo do processo de transição e não ter sido derrubado o veto presidencial, criou-se uma situação de imposição imediata não razoável. Vários exemplos já foram citados aqui de como está sendo conduzido o processo de regionalização. Há uma coisa tão crítica quanto, é a demonstração da capacidade econômica e financeira dos prestadores, que tiveram o seu prazo extremamente encurtado pelo adiamento do decreto. O Governo Federal simplesmente usou quase 9 meses e deixou um prazo exíguo para essa demonstração, o que vai levar a uma série de problemas — inclusive judiciais, novamente — na forma de interpretar o que significa a aplicação desse decreto.
Imagino que isso foi tratado no período da manhã de hoje. Já existem projetos de lei nesta Casa tratando desse assunto e acredito que eles deveriam ser encaminhados e conduzidos.
Outro ponto que nós achamos muito importante, e o Marcos Montenegro citou na fala dele, é a questão das outorgas onerosas. Efetivamente, as outorgas, da forma como estão sendo feitas, são concedidas no início do ciclo do processo e vão ser usadas pelo dirigente de turno, mas estão sendo usadas simplesmente como um chamariz para que se provoquem novos processos de licitação. Essa é uma forma extremamente perversa. Realmente, nós estamos tirando dinheiro de um setor deficitário e estamos colocando em risco a modicidade de tarifas, porque esses prestadores que pagam as outorgas vão ter que se remunerar na prestação de serviço. Não há outra forma. Então, a modicidade tarifária está evidentemente ameaçada por isso.
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15:31
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O que também é muito grave, sempre insistimos, é que este setor teve seu marco muito tratado em comparação com o do setor elétrico, que é extremamente mais simples. O saneamento é muito mais complexo e depende da estrutura urbana. O saneamento não se esgota nos contratos de concessão. Eu tenho sempre repetido que não é só um contrato de concessão. Existem problemas seriíssimos que estão fora dos contratos de concessão, como, por exemplo, as áreas de favela, as áreas subnormais. Há uma série de intervenções de saneamento que precisam ser feitas. As outorgas, em nosso modo de ver, deveriam ser limitadas em valor, distribuídas ao longo do tempo e vinculadas a um processo estruturado de aplicação em saneamento. Isso pode ser regido por lei, é feito assim em outros países, e o Marcos Montenegro citou Portugal, que é um país de nossa referência cultural e tradição jurídica.
Encerrando, essa é mais uma questão que eu queria deixar como contribuição para a Comissão, porque, que eu saiba, ainda não existe nenhum projeto de lei relacionado a esse assunto e acho que nós deveríamos nos debruçar sobre isso, para que os futuros processos de licitação de concessão sejam mais saudáveis e gerem recursos para aplicação no setor de saneamento, não em outras aplicações, e fora do ciclo razoável de desembolso ao longo de um contrato de concessão.
O SR. PRESIDENTE (José Ricardo. PT - AM) - Nós agradecemos ao Sr. Alceu Bittencourt, Presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária, a exposição e as informações que nos traz para reflexão sobre o tema do saneamento e o novo marco de saneamento do Brasil.
O SR. APRESENTADOR (Antoniel de Souza Rodrigues) - Agradecemos ao Sr. Alceu Guérios Bittencourt a exposição.
Informamos que o Presidente da Federação Nacional dos Urbanitários Sr. Pedro Blois não pôde comparecer ao evento por motivos de agenda.
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Em nome do IBDU, agradeço o convite da Comissão de Desenvolvimento Urbano e também a abertura desta Casa para o questionamento e discussão da própria aplicação da lei. Como disse o nosso querido companheiro Montenegro, do ONDAS, a lei tem problemas e nós, como uma democracia, temos o direito de discuti-la e entender como a aplicação dela está se dando. Do ponto de vista do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, é justamente na aplicação que o problema vai ser mais acentuado.
Como dissemos, a privatização do setor ou a concessão dos serviços de saneamento para a iniciativa privada não é uma atribuição privativa dessa lei, pois consta em outras legislações, já estava prevista e nunca foi inibida pela legislação brasileira. Mas a atual lei revisa o marco do saneamento. Vale dizer, ela não funda uma nova legislação, mas é uma revisão do marco do saneamento e é uma revisão que tem um interesse programado. Esse interesse programado, como algumas pessoas já disseram, é a inserção mais pesada e muito pouco planejada de um setor externo para investir nesse tipo de serviço.
Nós podemos entender essa questão a partir de três pontos principais: quem acessa esse serviço hoje — nós discutimos muito pouco, principalmente nas Mesas da manhã, quem é essa população que está acessando o serviço e como ela está recebendo essas alterações, essa nova pauta dentro do que é o serviço de saneamento —; em quais cidades nós conseguimos minimamente imaginar que essa alteração do marco vai dar certo ou em quais cidades nós vemos que a tragédia está posta; e, por fim, quais os limites desse modelo.
Eu vou começar falando dos limites do modelo principalmente, porque, recentemente, o Supremo Tribunal Federal foi provocado com algumas ações de inconstitucionalidade dessa lei e respondeu que não identificava problemas, por diversas razões. O Supremo Tribunal Federal, na figura do Ministro Luiz Fux, declarou que a pauta do tempo que a lei prevê não é um problema de pacto federativo. Mas, como nós vimos nos argumentos dos representantes dos Municípios, é um problema de pacto federativo, porque não houve discussão e porque não existe estrutura que possa receber essas alterações propostas na legislação. Portanto, por esse motivo, com certeza, a lei vai continuar a ser questionada tanto pelas entidades quanto pelos próprios partidos que representam também o interesse desses gestores.
Afirma-se também que o Brasil tem um problema de falta de recurso para sustentar o sistema de saneamento de uma forma pública e que, portanto, precisamos, muito claramente, do setor privado. Mas se olharmos realmente o orçamento público e a economia como uma questão limitada a determinados investimentos, como uma questão que não conseguimos planejar com antecedência e mudar a matriz ideológica que conduz esses gastos, realmente nós vamos ver que o dinheiro estava limitado. E o dinheiro está limitado porque desde 2016, após o golpe contra a Presidenta eleita Dilma, tivemos um corte brutal dos gastos públicos neste País. Há argumentos que pontuam isso a partir de uma questão fiscal, mas eu questiono sobre a responsabilidade social para com este País que temos governado.
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E é esse também o problema que observamos, e vemos em quais cidades esse marco regulatório do saneamento reformado tem se colocado.
As nossas cidades têm crescido cada vez mais com uma quantidade de pessoas vivendo em aglomerados subnormais ou em assentamos precários. Isso vem aumentando de forma vertiginosa. Nós temos no País um déficit habitacional e uma inadequação habitacional que atingem praticamente 14 milhões de pessoas. E a questão do saneamento é superimportante como um dispositivo dessas desigualdades e desse déficit.
Então, como conseguimos pautar a desigualdade dessas cidades e dizer que o argumento é apenas econômico, sendo que precisamos considerar essa questão a partir de um planejamento em larga escala, incluindo as questões urbanísticas? Como o próprio Pedro Duarte disse, não conseguimos cumprir — no curto espaço de tempo previsto para as cidades fazerem seus planos diretores — esses prazos. As cidades precisavam de dez anos para fazer uma legislação urbanística, e elas não deram conta. Como agora exigimos que as cidades, em tão pouco tempo, deem conta de atender a questão do saneamento sem planejamento? O que existe é um quadro de pouquíssimas cidades que construíram esse marco legal na esfera local.
Há um dado interessante, embora se reporte apenas ao universo de São Paulo. Atualizando a situação em relação à pandemia, nós fizemos uma pesquisa na Universidade Federal do ABC, onde também sou pesquisadora, na qual conseguimos averiguar que 70% dos respondentes à pesquisa perceberam, logo no início da pandemia, algum problema de distribuição de água na casa deles — nós olhamos exatamente a questão da água, mas, enfim, é um dos componentes do saneamento — e quase 30% de todos os respondentes perceberam que, com o início da pandemia, o problema piorou.
E, aí, discutindo mais qualitativamente os dados dessa população lá de São Paulo, que tem empresa de concessão de serviço público e privada, entendemos que o pior problema não é a questão apenas da universalização — em São Paulo nós temos praticamente 99% das famílias com acesso à água —, mas dentro dessa área atendida, o maior problema das famílias é conseguir pagar pelo serviço. Isso porque, com o agravamento da pandemia e com a possibilidade de perda de emprego, essas famílias ficaram com ainda mais problemas econômicos em suas casas. E qual foi a solução da SABESP? Demoraram muito tempo para conseguir chegar a um ponto ou ao argumento de que se precisava parar de cobrar pela inadimplência. Durante 2 meses, 3 meses, a SABESP suspendeu a cobrança da tarifa para essas famílias de mais baixa renda, mas voltou a cobrar depois.
Então, é um setor que tem problemas de planejamento, principalmente em uma escala de longo prazo. Portanto, parece rápido e fácil sucumbir às soluções práticas de um setor privado que vem com tecnologia, know-how, expertise, que vai poder falar que consegue atender o sistema, mas, no longo prazo, vemos casos como o da Saneatins ou o de Manaus, em que a limitação das áreas de atendimento que não sejam o forte das empresas vai ser uma pauta para descumprir contrato, para não permanecer com o atendimento da população.
Eu não estou contando o meu tempo, mas imagino que esteja dentro do prazo, e vou abordar mais duas questões. No que se refere à questão da regionalização do saneamento no Estado de São Paulo, o Governo estadual já começou a fazer a distribuição do seu bloco. Vemos claramente que existe um planejamento em termos territoriais, em planilha de Excel, que aglomera no mapa cidades que têm valores parecidos de rendimento.
Apenas temos que entender que a água é uma questão espacial, é uma questão geográfica. A partir da questão espacial das bacias hidrográficas, que eram realmente a pauta da legislação anterior, claramente percebemos que essa espacialização da distribuição de serviço não é possível. É muito simples, é só olhar o mapa para ver que não vai dar certo. Estamos compondo a partir de qual princípio? É uma questão econômica. Se é uma questão econômica, temos que discuti-la mais a fundo e com quem tem o dinheiro na mão: com a população, com os Municípios, enfim, numa escala global.
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E, para fechar, trago o entendimento do ONDAS, ao qual também tenho a oportunidade de ser associada, que é também do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico: sem reforma urbana ou sem reforma agrária, não vamos ter universalização do saneamento. Podemos até chegar a números muito simpáticos, seja para o setor público, seja para o setor privado, mas não vamos chegar à garantia do acesso e do direito da população. Por isso, endosso também o pedido do Montenegro de conseguirmos pautar esse direito dentro das cláusulas pétreas da Constituição. E que as cidades, os Municípios, o País, o Governo do Estado e também as empresas privadas entendam que a questão do acesso aos direitos não é uma questão econômica, é uma questão que precisa de planejamento, dedicação e atenção de todos.
O SR. PRESIDENTE (José Ricardo. PT - AM) - Agradecemos a Rayssa Saidel Cortez, do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, que lembrou da necessidade de uma reforma urbana, de uma discussão mais ampla da questão da moradia como um direito humano, bem como a habitação, o saneamento, a mobilidade urbana, o transporte coletivo e público. Tudo isso é direito social.
Vemos nas grandes cidades que isso é um problema muito sério no que se refere à questão da moradia, da subutilização das propriedades e da falta de planejamento urbanístico, estando aqui colocados como desafios para planejar melhor o saneamento. Portanto, concordo plenamente também nesse aspecto. Estamos vendo vários movimentos no Congresso pressionando e cobrando, mas esta Comissão de Desenvolvimento Urbano, desde 2019 até à atual legislatura, já realizou várias audiências, inclusive com a presença do Ministro e de representantes, em outros momentos, para tratar dos investimentos nessas três áreas.
É notório, o atual Governo reduziu os recursos disponíveis para moradia, saneamento e mobilidade urbana. São investimentos que deixam de ser realizados no momento em que empregos precisam ser gerados também por meio do poder público, do Estado, assim como ocorre em países da Europa e o próprio Estados Unidos, com pacotes enormes de recursos para ativar a economia por meio de investimentos públicos em todas as áreas. Nós, muito mais, precisaríamos ter essa decisão política para ativar a economia, mas pelo visto no atual Governo está difícil e isso foi muito bem colocado pelo Ministro, que disse não ter recurso. Não há recursos e fica por isso mesmo, a despeito do déficit habitacional tão grande no País e em relação ao saneamento, já que todos os indicadores apontam na mesma linha.
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O SR. PERCY SOARES NETO - Deputado, como consideração final, eu queria agradecer a oportunidade de a ABCON ter espaço nesta Mesa. Talvez, tenhamos percebido que as divergências sobre o potencial sucesso do novo marco são grandes entre os participantes da Mesa, o que é bom, porque é importante, numa democracia, podermos divergir e estar todos sentados discutindo democraticamente as nossas divergências. Acho que as discussões precisam realmente ser baseadas em fatos.
Quando o senhor comenta que não há interesse do setor privado na operação de esgoto, com todo o respeito, ressalto que a concessão de todo esgoto do Estado do Mato Grosso do Sul, a PPP de esgoto no Município de Recife, a PPP de esgoto na Região Metropolitana de Porto Alegre, a do Município de Cariacica e outras são contratos exclusivamente de esgoto. Nós temos muitas operações de esgoto. Se o senhor quiser conhecer as operações dos setores privados em esgoto, todas estão à disposição para que o senhor possa conhecê-las. Não existe nenhum edital de PPPs (parcerias público-privadas) ou subconcessões de esgoto em que não tenha havido o interesse da participação privada.
Eu lhe afirmo que, nos Municípios do entorno de Manaus, se esses serviços viessem a leilão, se houvesse uma disposição política do Estado em buscar parceiras com o privado, pois sabemos que no Estado do Amazonas existe um déficit bastante grande no serviço de esgoto, inclusive no interior, que é operado pelo setor público, o privado seria, sim, parceiro, principalmente no entorno de Manaus, onde já há operação.
O senhor comentou sobre o contrato do Amazonas. Realmente, esse contrato teve problemas lá atrás. A concessionária, quando abriu... O senhor sabe muito melhor do que eu que a Companhia Estadual era chamada de "COLAMA", porque servia um abastecimento público de péssima qualidade. De lá para cá, houve um esforço inicial. Hoje, a qualidade ofertada ao munícipe é muito melhor do que aquela oferecida antes pelo setor público. Realmente, se precisava fazer mais investimentos em saneamento. Também houve um déficit de regulação. Acho que não dá para jogar toda essa conta no operador. E, como eu lhe digo, acho que há uma nova operação na área de água e esgoto que vem recuperando um déficit histórico.
Então, temos que olhar todos os casos quando falamos de uma legislação federal. Reforço a nossa percepção de que não seria produtivo para o saneamento do País reabrir um debate legislativo. Acho que esta é a hora de fazer e implementar o marco. Temos resultados muito profícuos.
Aí, Marcos, o dinheiro da outorga vem da ineficiência mesmo das companhias públicas que não conseguiram entregar, nestes últimos 40 anos, saneamento de qualidade para a população. Não adianta dizer que essas outorgas vão sair, talvez, de um aumento de tarifa. A tarifa do setor privado é menor do que a tarifa das companhias estaduais, e o investimento per capita é significativamente maior. Então, essas outorgas não vão sair de aumento de tarifa, elas vão sair de recuperação de ineficiências clássicas, ineficiências que são comprovadas por um estudo do Ministério da Economia que mostra que todo o aumento tarifário nas companhias públicas foi capturado por aumento salarial dos funcionários.
Se queremos falar seriamente sobre a necessidade de aumento de capital de investimento, teremos que falar de investimento contratualizado e não de investimento em que eu faço uma regulação da companhia como um todo e uso o aumento de tarifa não para reverter em investimento, mas para reverter em benefício.
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15:51
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Então, insisto, na minha fala inicial, que o nó górdio da implementação do novo marco é qualificarmos a regulação, desideologizarmos a discussão e partirmos para a ação. Não podemos retornar agora a um debate ideológico após vencida a etapa do Supremo Tribunal Federal, que mostra que o texto aprovado por esta Casa goza de toda a constitucionalidade. É hora de corrermos atrás do prejuízo que este País tem na área não só do esgoto sanitário mas também na área de abastecimento público. É importante que os esforços estejam voltados para fazer o saneamento e deixar todas as formas de fazer saneamento num padrão ótimo para que ele aconteça.
Agora, a nossa posição é olhar para frente. Vamos implementar o que está aí, vamos testar o que está aí. Nós temos tido, sim, bons resultados; nós temos tido, sim, contratação efetiva de meta, e não contrato de programa que não tinha meta contratualizada. Todos os contratos de concessão têm contratação de meta, todos eles precisam ter uma agência reguladora capaz de zelar pelo interesse público no âmbito da implementação daquele contrato.
O SR. MARCOS HELANO FERNANDES MONTENEGRO - Bom, queria aproveitar, então, este momento final para, primeiro, oferecer aos interessados a possibilidade de conhecer uma história da PPP do esgoto do Mato Grosso do Sul que está contada nas páginas do nosso site contato@ondasbrasil.org, extremamente elucidativa e desideologizada.
Quando nós estamos falando de ideologia, nós estamos falando da ideologia de que o mercado resolve e que o Estado atrapalha. É disso que nós estamos falando. A história de que o setor privado é mais eficiente do que o público é pura ideologia! É melhor reconhecemos isso, no debate político, do que fazer o contrário e jogar para fora toda a história e a contra-história do liberalismo no mundo, como diria Domenico Losurdo.
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15:55
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Então, pergunto: o setor que diz que não tem recurso é o setor que agora gera recurso para combater o déficit público?
Por último, eu queria chamar a atenção para o seguinte: o caso de Manaus pode ser entendido como a prova de que, em um país que tem uma parcela muito grande da população morando nas nossas cidades em uma situação muito precária, um contrato que tenta separar água e esgoto do resto das políticas públicas urbanas não se equaciona. Não há possibilidade de integração entre as políticas públicas que construam um espaço urbano mais democrático e que assegurem o direito à moradia nas cidades. Então, fica aquele jogo de empurra que caracteriza a situação de Manaus, porque se pensa que é possível fazer saneamento, por meio de um contrato, em uma cidade marcada profundamente pela pobreza, como se nós estivéssemos na França, na Suécia ou sei lá onde.
Bom, eu queria terminar agradecendo e convidando aqueles que nos assistem a participar do Encontro Nacional pelos Direitos Humanos à Água e ao Saneamento, que o ONDAS abre nesta quinta-feira à noite com a palestra do Relator Especial para os Direitos Humanos à Água Potável e Saneamento da ONU, o Prof. Pedro Arrojo, e da nossa ex-Procuradora-Geral Deborah Duprat, que falará sobre direitos humanos no Brasil hoje. Nosso site é: contato@ondasbrasil.org.
O SR. APRESENTADOR (Antoniel de Souza Rodrigues) - Enfatizamos o pedido a todos os palestrantes deste evento para que haja rigor em relação aos minutos estabelecidos, para evitar, depois, algum problema.
O SR. ALCEU GUÉRIOS BITTENCOURT - Bem, eu queria fazer duas observações ainda sobre essa discussão que estamos travando aqui com relação a outorgas. Não devemos entrar nessa discussão de que toda essa outorga pode ser recuperada por ganho de eficiência. Acho que, pelas dimensões, não pode, mas, mesmo que pudesse, volto a insistir, o saneamento não se resolve só com contratos de concessão, e os recursos que forem gerados em processo de licitação de saneamento deviam ficar no setor de saneamento.
Refiro-me a outorgas limitadas, outorgas ao longo dos contratos de concessão — e não para serem gastas pontualmente pelo gestor que fez o processo de licitação —, outorgas vinculadas ao setor de saneamento, num processo estruturado de aplicação em todas as questões do saneamento que extrapolem os contratos de concessão.
E há outra questão que coloquei como uma questão de divisão. Eu acho que o processo está sendo extremamente coercitivo e estão apostando no conflito. Acho que isso não leva a bons resultados. Precisamos ter um espaço de maior entendimento e negociação. As posições extremadas, absolutizadas, não levam à solução.
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15:59
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O SR. RAYSSA SAIDEL CORTEZ - Assim como meus colegas, também quero agradecer o convite. Fico feliz em ser uma das poucas ou quase única mulher das Mesas do período da tarde.
Acho que é uma questão que precisa ser pluralizada, e, como enfatizou o Percy, as divergências são também fruto das nossas diferentes perspectivas e da nossa possibilidade de expressão dessas perspectivas. Então, esta audiência, este seminário tem tudo a nos trazer para amadurecer o tema e entender o que precisamos pautar.
Só para fazer uma provocação também, apesar de, supostamente, precisarmos desideologizar o debate — uma palavra horrível, sendo que não existe isso, porque a lei advém totalmente de uma ideologia —, eu fiquei muito apreensiva com a ideia de que, de um lado, precisamos desideologizar e, do outro, há no Ministério do Desenvolvimento Regional alguém que trabalha com desinvestimentos públicos.
O SR. PRESIDENTE (José Ricardo. PT - AM) - Muito bem, queremos também agradecer a cada um que está aqui presente e também à companheira Rayssa pela sua exposição.
Já que estamos falando de ideologia, de ideias, eu vejo assim: se há países europeus, cidades da Europa que estão reestatizando determinados serviços nessa área, foi porque não deu certo atribuí-los ao setor privado — portanto não cuidava desses serviços. Não me parece uma questão de ideologia, como querem dizer, de direita ou esquerda, etc. É a vida das pessoas que está em jogo, é a qualidade de vida, é o direito ao acesso à água a um preço adequado. Ao mesmo tempo, há algo acima do preço: a vida.
Entendo que, no final, alguém tem que garantir a água, porque é uma questão de sobrevivência humana, e não vai ser a iniciativa privada que vai ter esse objetivo.
Eu sou economista, trabalhei anos na área de consultoria e o que aprendi com todas as empresas é que há uma lógica: ela existe para ter ganho, ter lucro, senão ela não é uma empresa, vai fechar. E, no setor de água e esgoto, ocorre o mesmo: é preciso o resultado financeiro. Ela não está preocupada com a qualidade de vida, em atingir todas as pessoas, não é a sua missão, vamos dizer assim. Ideologicamente, então, a empresa não vai realmente levar água para todo mundo e ela vai dizer "não vou fazer de graça, alguém vai ter que pagar", e é verdade. Então tem que haver a política pública.
Não foi abordada muito aqui a questão do resíduo sólido, mas existem problemas em determinados lugares em que a água está contaminada porque não tem o cuidado adequado com resíduo sólido. Há um custo adicional em relação a essa água.
Portanto, temos uma legislação
muito avançada, mas não implementada, e vejo que há necessidade de muitos Municípios trabalharem consórcios e se unirem para poder encontrar uma solução, ou, talvez, já exista solução tecnológica para tudo isso. Mas, hoje, aqui, nós não abordamos isso, ao menos nesta Mesa, e, em outras Mesas, isso foi colocado também. Deixo isso aqui também como uma preocupação da Comissão de Desenvolvimento Urbano nessa discussão do saneamento.
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16:03
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Para terminar, ainda pegando o exemplo de Manaus, já que sempre serve de um exemplo para reflexão, se diz que a empresa fez investimentos para poder garantir o serviço, que houve muitas mudanças, mas o investimento mais importante e decisivo foi feito pelo Governo Federal e Estadual, o sistema de água da Zona Leste e Norte da cidade, a região mais populosa da cidade. No entanto, se não fosse o Governo Lula ter liberado recurso para isso, não existiria, a empresa não iria investir. Foram 400 milhões de reais investidos, e hoje temos água lá. Sabem quem opera? Esta empresa que está há 21 anos nesse setor, e não colocou um centavo ali. Mas as circunstâncias de contrato e de leis a amparam, e ela tem o direito de ganhar o dinheiro agora, sem ter investido um centavo naquela estrutura.
Algo não está muito certo, é meio ideológico, quer dizer, o Estado tem que realizar um investimento, e, agora que está pronto, vai passar para alguém ganhar dinheiro.
O aeroporto de Manaus foi privatizado recentemente, investiram mais de 300 milhões de reais. Está entre os dez melhores aeroportos, com terminais de passageiros e de cargas, o lucro é altíssimo todo ano por causa do polo industrial. Lucro altíssimo, eficiência do poder público, mas acabaram de entregá-lo para a iniciativa privada. É ideológico, ou seja, passa-se a outorga para uma empresa que vai ganhar dinheiro sem ter investido um centavo lá.
Então, essa é uma lógica que não me parece que, na área do saneamento, vai resolver o problema da população, que precisa ter acesso à água e ao esgotamento sanitário. E se espera que o lixo não seja o motivo para mais doenças e mais mortes, como vemos em várias situações. Agora, temos reportagens mostrando a situação dos lixões Brasil afora, o que é um grande desafio também.
Eu queria agradecer. Sempre aprendemos um pouco mais com esses debates. Mas eu acho que é algo ideológico, sim, a ideia de que nós temos que garantir a vida da população e estar acima do setor privado, que vai fazer a sua parte, mas não vai resolver. Não acredito que vá resolver em relação ao esgotamento sanitário, porque é caro. E, se a população não tem como pagar, tem que ser uma política pública efetiva, é uma questão da defesa da vida.
O SR. APRESENTADOR (Antoniel de Souza Rodrigues) - Agradecemos aos senhores convidados pela valiosa contribuição na discussão do tema.
(Pausa prolongada.)
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16:07
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O SR. APRESENTADOR (Antoniel de Souza Rodrigues) - Damos seguimento ao seminário que debate o Novo Marco Legal do Saneamento e iniciaremos, neste instante, a Mesa 5: Visão das entidades de pesquisa.
Convidamos o Deputado José Ricardo, do PT de Amazonas, e convidamos também para compor a Mesa os expositores: Sr. Gesner Jose de Oliveira Filho, professor titular da Fundação Getúlio Vargas — FGV; e Sr. Gabriel Jamur Gomes, do Grupo Nacional de Estudos em Direito do Saneamento Básico — GESANE PPGD-UNB.
O SR. PRESIDENTE (José Ricardo. PT - AM) - Muito obrigado.
Esta Mesa tem essa visão das entidades de pesquisa, que acho fundamental para este debate do saneamento e do Novo Marco Legal do Saneamento do nosso País. Esses estudos que são feitos mostram a questão do saneamento, os impactos na população e na saúde. É fundamental uma visão sobre a implementação da política de saneamento.
Portanto, agradecemos a presença dos dois convidados que estão aqui conosco hoje, nesta sequência de debates e discussões sobre o saneamento no nosso País. Ao mesmo tempo, pensaremos, através da Comissão de Desenvolvimento Urbano, em propostas e indicações enviadas ao poder público em relação não só à lei mas também às políticas públicas.
Acredito que a Comissão de Desenvolvimento Urbano tem um papel fundamental neste momento, após um seminário como este, de poder também levar suas contribuições para o debate interno aqui na Câmara dos Deputados, mas também fazer indicações que possam ser importantes para a implementação da política de saneamento no Brasil.
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16:11
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O SR. GESNER JOSE DE OLIVEIRA FILHO - Muito obrigado, Deputado. É um prazer estar aqui com o meu colega de Mesa e participar deste seminário.
(Segue-se exibição de imagens.)
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16:15
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São três pontos. O primeiro é a negligência histórica com o saneamento no Brasil, fato conhecido desde os tempos coloniais. Outras nações com o mesmo nível de renda per capita têm mais saneamento. Segundo, o novo marco não é uma panaceia, não vai resolver todos os problemas do mundo, mas ajuda certamente. E terceiro, nesta nova era do saneamento, onde o saneamento finalmente entrou para o centro do debate da política pública, é preciso avançar e aproveitar todas as oportunidades de inovação do ciclo da água.
Eu vou rapidamente passar pelas lacunas do saneamento. As informações e as fontes estão na apresentação, e nós ficamos à disposição. Eu coordeno o Centro de Estudos de Infraestrutura e Soluções Ambientais da Fundação Getúlio Vargas. Não falo em nome do centro, mas o centro possui um acervo de informações e estudos que podem ser úteis para o debate. Chama muito a atenção o fato de que a população brasileira não tem sequer universalização em água, que quase metade da população não tem coleta de esgoto, que mais da metade do esgoto gerado não é tratado e que a perda média de água se aproxima a 40%. Quer dizer, esses são dados vexatórios do Brasil. Nós deveríamos nos envergonhar dessa situação, que decorre de uma negligência histórica com esse tema.
Quando olhamos as principais cidades, as cem cidades mais populosas apresentam índices horrorosos. Não vou entrar em detalhes, mas o problema do saneamento é geral. Essas cenas que vemos nesta foto são repetidas em praticamente todas as capitais, em todas as cidades populosas.
Os índices de cobertura variam muito de região para região. No geral, são muito ruins. É uma cobertura baixíssima. Quer dizer, tem havido um problema muito mais estrutural de saneamento, não é deste ou daquele Governo, deste ou daquele instituto legal. É um problema geral, uma negligência histórica com esse setor, que é um setor essencial para a saúde e para o meio ambiente.
Em relação a perda de água, dos cem pãezinhos que produzimos no saneamento, são perdidos quase 40. Isso dá a ideia do grau de ineficiência da produção.
Saiu esta semana o panorama de resíduos sólidos. Nós temos uma situação dramática nos resíduos sólidos.
São mais de 3 mil lixões. A maior parte dos resíduos está disposta de uma maneira inadequada. Realmente, é outra situação dramática. E nós deixamos de produzir muita energia que poderíamos produzir a partir dos resíduos — por baixo, cerca de 7.230 GWh em termos de energia.
A drenagem, que é outro segmento do saneamento também, é um problema de financiamento seriíssimo. Nós temos um percentual elevado de domicílios em áreas de risco, de inundação. Sistematicamente, todos os anos, pessoas e famílias são desabrigadas por conta desse problema.
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16:19
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Também temos um problema de atraso do ponto de vista tecnológico. Aqui se pode ver um trabalho do Ministério do Desenvolvimento Regional sobre o atraso na digitalização.
Esse é o quadro dramático do setor de saneamento. De novo, esclareço que não se trata de governo "a", governo "b" etc. É um problema geral que nós temos.
O novo marco faz parte de um processo que ajuda a enfrentar esses problemas de três formas, há três vértices. O primeiro é o vértice da regulação. Há mais de 50 agências reguladoras no saneamento, há várias áreas sem regulação. Obviamente, isso é péssimo para um setor que precisa ser regulado. Há características de monopólio natural em vários dos seus segmentos. Portanto, a supervisão regulatória e o papel da ANA são bem-vindos. O segundo vértice é a competição. Não existe setor que funcione sem competição, sem concorrência. Então, é preciso haver competição pelos mercados. Consequentemente, o fim dos contratos de programas é bem-vindo. As empresas estatais podem funcionar muito bem. Eu tive o privilégio de trabalhar numa empresa estatal. Ela pode funcionar bem, pode ser melhorada. Há várias empresas estatais que fazem bons trabalhos. Há várias autarquias que fazem bons trabalhos. Não se trata de estatal versus privado. Trata-se de empresas eficientes. Para haver eficiência, é preciso haver competição pelo mercado e boa regulação. Quanto ao terceiro vértice, é preciso haver contratos bem desenhados, com metas claras de eficiência.
Quando eu presidi a SABESP, renovei 250 contratos. Vi contratos antigos que não faziam sequer menção a qualquer tipo de meta. Não se pode funcionar dessa maneira. É uma crueldade deixar a população nesse tipo de situação.
Finalmente, nós reconhecemos, na legislação, que existe a cidade informal. Existe o mundo legal e o mundo real. O mundo real está nesta foto. Esse é o mundo real, em grande medida, das nossas cidades; precisa ser atacado, e os novos institutos o atacam. É uma vergonha termos a Baía de Guanabara dessa forma, termos a Bacia do Alto Tietê dessa forma.
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16:23
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Nós podemos escolher um marco poluído de cada cidade, justamente pelo fato de que não tratamos o esgoto. A nossa cobertura de tratamento de esgoto é péssima, baixíssima. As perdas de água são, como eu falei antes, obscenas.
Outra virtude do novo marco é colocar a redução de perdas como uma das metas claras nos contratos. Uma legislação recente de pagamentos de serviços ambientais, que é muito importante, faz parte desse novo conjunto. Já há investimentos relevantes contratados. Pela primeira vez, quando nós computamos os investimentos previstos — eu não estou falando de intenção de investimento —, os investimentos contratados no saneamento superam as telecomunicações, se nós computarmos, nos últimos 3 anos, os investimentos já contratados, mais os dos leilões que estão por vir neste ano. Portanto, há, de fato, um impacto sobre investimento muito interessante.
Aqui há uns detalhes sobre os leilões. Eu não vou me ater a isso. Quanto ao leilão da CEDAE, também vou passar rapidamente, para me dar tempo para finalizar com oportunidades de investimento e ESG, que é uma sigla da moda, mas que é muito relevante e significa, em português: meio ambiente, responsabilidade social e governança.
Com todo o respeito, eu discordo do nosso Deputado Presidente da Mesa quando diz que a empresa privada só pensa no resultado. A empresa que quer ser sustentável em médio prazo precisa ter uma perspectiva mais ampla em um capitalismo de múltiplos stakeholders. Ela precisa de uma licença social para operar. Não adianta só ter resultado. É preciso ser socialmente sustentável. Não adianta só ela ter ação social. É preciso ser financeiramente sustentável; senão, não vai ter serviço. Não adianta dizer: "Olha, não precisa ter taxa do lixo e tal", porque daí não há o serviço, e o pobre subsidia o rico, porque o rico arruma o serviço. O pobre paga caro ou não tem o serviço. Esse é o quadro real.
O ESG vem crescendo. Esse é um fato importante. O ciclo da água permite várias oportunidades de economia circular. Eu falei da energia a partir de resíduos sólidos. Nós podemos ter pequenas centrais hidrelétricas, podemos usar o lodo do esgoto para fertilizante, podemos usar os gases do tratamento de esgoto também para geração de energia e assim por diante. Há várias oportunidades. Há ainda a água de reuso. Apenas 1% da oferta de água no Brasil é água de reuso. Nós poderíamos decuplicar isso facilmente, barateando a água para a indústria e, ao mesmo tempo, gerando emprego, renda e uma situação de economia circular extremamente amigável com o meio ambiente.
Há vários exemplos disso. Eu vou apenas mencioná-los rapidamente para respeitar o tempo. De novo, ressalto que são exemplos que vêm da iniciativa privada, de autarquias, de empresas de economia mista. Vamos deixar esse debate anacrônico de Estado versus mercado, estatal versus empresa privada.
Nós queremos eficiência, atendimento à população, boa governança e responsabilidade social em qualquer tipo de organização societária.
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Cito o exemplo de inteligência artificial bem sucedida de uma empresa privada na Região dos Lagos e também um exemplo muito interessante de energia solar flutuante. As empresas de água poderiam usar os seus mananciais para gerar energia solar flutuante, uma energia limpa, barata, que nos dá mais independência em relação ao regime de chuvas, o que é essencial para o País.
Já o Aquapolo Ambiental é o exemplo de uma parceria de uma empresa pública com uma empresa privada, produzindo água de reuso, a maior produção de água de reuso da América Latina.
Um exemplo de ETEs compactas fundamental de uma empresa de economia mista para atuar em comunidades, em áreas distantes é o tipo da inovação que precisa ser incentivada. Para incentivar a inovação, as agências reguladoras têm que entender que precisam compartilhar receita. Senão, não há incentivo para fazer inovação, e a população precisa de inovação.
Na despoluição do Rio Pinheiros, foi fundamental o apoio e a estratégia de colaboração com as comunidades para conseguir a despoluição e os investimentos necessários em áreas extremamente difíceis na Bacia do Alto Tietê.
É muito importante remunerar aqueles que protegem as nascentes, para justamente proteger os mananciais, combater as invasões demagógicas dos mananciais, que acabam prejudicando o abastecimento de água para as cidades. Temos vários exemplos nesse sentido.
Então, eu diria o seguinte: o novo marco não é uma panaceia, não vai resolver todos os problemas, mas nós temos uma oportunidade. Não vamos ficar perguntando se é privado ou se é estatal. Deve haver eficiência, licença social para operar. Se o sujeito paga uma outorga elevada, se isso está dentro de um edital de licitação, no qual houve concorrência, competição, transparência, e se essa competição fez com que alguém pudesse fornecer o serviço com eficiência, sendo a tarifa calculada de forma que a população tenha a capacidade de pagar por uma estrutura tarifária na qual se expanda a tarifa social e se leve em consideração a capacidade de pagamento, se se faz uma estrutura tarifária racional e equilibrada nesse sentido, isso faz todo o sentido do mundo, e uma estatal pode concorrer e vencer.
Alguns Municípios têm um bom serviço, como Uberlândia, que tem uma autarquia, que funciona bem. A COPASA, em Minas Gerais, funciona bem. A SANEPAR funciona bem. Outras empresas privadas fizeram uma virada de jogo. Por exemplo, em Niterói, estava claramente estavam ruim o serviço, e o setor privado virou o jogo e assim por diante.
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16:31
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(Pausa prolongada.)
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É uma alegria muito grande poder estar na Casa da democracia hoje, para discutir um tema que me é caro, é meu dia a dia como advogado, como professor, como Coordenador do Grupo Nacional de Estudos em Direitos do Saneamento Básico, do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília.
O tema da minha exposição hoje é sobre o novo Marco Legal do Saneamento. Eu vou apresentar os avanços atuais e os desafios futuros.
Tive a oportunidade de acompanhar as exposições anteriores. Vimos que, mais do que um tema dado, esse é um tema que está sendo construído a partir do debate político, a partir do debate público, a partir do debate democrático. E isso é fundamental para esse setor que é básico, é essencial, é fundante para a vida das pessoas brasileiras: fundante para acesso a direitos fundamentais, como o direito fundamental à saúde, o direito fundamental à moradia adequada, o direito fundamental à alimentação, à educação, etc.
(Segue-se exibição de imagens.)
Inicialmente, só quero indicar que o GESANE é nosso Grupo Nacional de Estudos em Direitos do Saneamento da Universidade de Brasília, vinculado ao programa de pós-graduação da Faculdade de Direito da UnB. Temos mais de cem pesquisadores do Brasil inteiro, todos os polos de saneamento básico, gente que atua na iniciativa privada, pessoas que atuam no poder público, Ministério Público, magistrados etc., que realizam pesquisas num enfoque jurídico.
Eu sabia que o Prof. Gesner, que falaria um pouco antes de mim, iria falar de números. Eu tinha já essa tranquilidade. O enfoque da minha exposição se dá sobre o panorama jurídico-institucional dos temas principais do novo marco setorial.
Acho que um ponto de partida é indicar que nós vimos de um modelo baseado no Plano Nacional de Saneamento — PLANASA. Nós temos, então, uma estruturação setorial pensada lá no final da década de 60, mas com o grosso dela na década de 70, em que os investimentos no setor de saneamento se dariam por meio de empresas estaduais. Com isso, os Municípios vão se agregando a essas empresas estaduais para terem acesso a recursos federais para o funcionamento do sistema.
Essa solução, própria do período em que foi construída, é uma solução centralizada, vertical e estatizante, que tem uma visão de Estado, uma visão de prestação estatal do serviço público de saneamento básico. Ela foi muito importante. Nós conseguimos atingir níveis significativos de avanço no setor, conseguimos construir no Brasil empresas de excelência na atividade de saneamento. O Prof. Gesner apontou, por exemplo, SANEPAR, COPASA, SABESP. Temos grandes empresas, porém ainda deixamos de atingir a efetiva universalização do serviço.
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É uma vergonha um país como o Brasil, com o nosso PIB, em pleno século XXI, ter a proporção de 49% de esgoto tratado em relação à água fornecida, com índices ainda muito menores nas Regiões Norte e Nordeste do País, como foi muito bem discutido aqui. Mesmo nos grandes centros urbanos, nos centros ricos urbanos, sobretudo nas regiões periféricas, os índices de acesso ao saneamento básico também são muito mais baixos.
Não há universalização. Não é que não haja universalização, não há universalização para os mais pobres, não há universalização para as Regiões mais pobres do País, as Regiões que hoje em dia mais precisam. Por que isso? Um elemento fundante aqui para não se assegurar saneamento básico, além das questões relacionadas a políticas públicas, a planejamento setorial, à inter-relação do planejamento em saneamento básico com outras políticas de desenvolvimento urbano, com planejamento ambiental, com planejamento de uso de recursos hídricos e com o próprio planejamento da cidade, é a falta de investimento. Não temos níveis de investimento necessários para alcançar todos, para que todos tenham acesso ao saneamento básico. Foi essa a avaliação que foi feita à época da revisão do marco setorial, que se concretizou no ano passado, mas é uma discussão que já vinha de alguns anos.
Quais são os principais vetores dessa mudança? Quais são os principais vetores pensados a partir dessa reforma do marco regulatório do setor de saneamento básico? O primeiro vetor: a universalização. A universalização é colocada tanto como meta — meta em lei, não mais do Plano Nacional de Saneamento Básico, mas como uma meta legal — quanto como princípio estruturante do setor. O primeiro princípio, art. 2º, inciso I, da lei, diz que a universalização é o princípio estruturante. Então, eu asseguro sustentabilidade econômico-financeira para universalizar, eu penso em regionalização para universalizar.
A universalização, então, é o ponto focal, ela é o ponto de apoio para a conformação do setor de saneamento básico do País. Para quê? Para garantir acesso, como eu estava falando no começo, para garantir acesso a direitos fundamentais, sobretudo o direito fundamental à saúde e o direito fundamental ao meio ambiente.
O segundo vetor é a alteração da estrutura setorial. Tínhamos aquela estrutura setorial pensada no PLANASA, baseada em grandes companhias estaduais, com 70% da prestação de serviços no País, os outros 30% ou um pouco abaixo disso são a prestação municipal direta.
A reforma busca três grandes objetivos nessa reestruturação setorial. O primeiro é a seleção competitiva do prestador. Se eu tenho um serviço que é monopólio natural, preciso implementar uma competição ex-ante no momento da licitação. O segundo é a formalização das relações em contratos. É muito importante que eu tenha contrato. O prestador, sobretudo o prestador privado, não vai fazer...
E volto a um tema do último painel, em que se discutia qual é o papel do prestador privado, se o prestador privado vai buscar o lucro ou se não vai buscar o lucro. É claro que ele vai buscar o lucro, é uma organização empresarial. Mas ela não tem que buscar o lucro ou não buscar o lucro, ela tem que cumprir o contrato — e, para isso, eu preciso de contratos. É muito difícil, por exemplo, implementar metas em companhias estaduais ou serviços municipais se eu não tenho metas contratualizadas, se eu não tenho ônus em razão do descumprimento da meta. Então, o novo marco, além de estabelecer em lei, obriga a formalização dessas metas de contratos.
O terceiro objetivo é a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços. É muito importante que o serviço seja sustentável. Senão, eu só consigo universalizar a partir de recursos a fundo perdido.
Sobretudo nessas áreas em que eu tenho maior dificuldade de conseguir investimento, só vou depender de recurso a fundo perdido federal. Se o Governo Federal — e aqui, sim, há uma questão política, há, sim, uma questão ideológica — tem uma decisão de que eu não vou ter investimento público federal, vou precisar captar esse investimento no mercado. Não há outra solução. Eu preciso fazer isso. Então, o marco define que a sustentabilidade financeira se dará a partir da competição e a partir de contratos.
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O terceiro vetor é a prestação regionalizada. Já havia regionalização antes. Ela acontecia dentro das empresas estaduais. Mas, nesse modelo, em que eu tenho uma maior abertura competitiva, preciso fazer a regionalização. Com isso, busco gerar ganho de escala, assegurar viabilidade técnica e econômico-financeira dos serviços e, ao fim e ao cabo, universalizar.
O quarto vetor — e esse vetor é muito importante — dialoga muito com a palestra do Prof. Gesner, que falou antes de mim. Eu preciso regular. Além de eu ter uma meta em contrato, preciso que essa meta seja vinculante. Preciso que essa meta seja cobrada por alguém, mesmo que eu seja o prestador público. Para isso, então, preciso de uma regulação, uma regulação nacional. Essa foi a opção do novo marco legal.
Veja, eu tenho aqui três ideias que são importantes. A primeira ideia é impor obrigatoriedade a agências reguladoras. A lei anterior indicava princípios da regulação. Não, preciso ter agência reguladora separada do poder concedente, separada do titular do serviço. A segunda ideia: superar as dificuldades em âmbito local, em âmbito regional, principalmente quanto à governança e à ausência de capacidade técnica de agência reguladora.
É muito fácil falar sobre regulação. No setor de energia elétrica, há a ANEEL, uma agência reguladora forte; em saneamento básico, há uma agência ótima, a Agência Reguladora dos Serviços Públicos do Estado de São Paulo — ARSESP. Mas é muito difícil tratarmos de regulação quando se trata de uma agência municipal no interior de Rondônia com três funcionários, sem nenhum tipo de aporte do poder público, e o indicado como Presidente da agência é um primo do Prefeito ou qualquer coisa que o valha. É muito difícil haver uma regulação eficiente quando não há nenhuma separação entre regulador e concedente do serviço.
Então, para isso, é importante termos uma regulação nacional que garanta segurança jurídica para a atividade em âmbito nacional e uniformidade regulatória. Eu não posso ter uma regulação em Rondônia diferente da regulação que eu tenho em São Paulo. Claro, ela precisa se adaptar às necessidades regionais, mas, por exemplo, qual a meta que utilizo para aferir a cobertura de serviços, que foi um tema discutido no painel anterior? É uma meta de atendimento? É uma meta de cobertura? Vou aferir como? Qual é o cálculo? Conheço um processo regulatório em que foi trocada a meta de cobertura quatro vezes ao longo do processo para aferir uma meta passada. Como defino planejamento nessas condições? É impossível! Como consigo universalização nessas condições? É impossível.
Avançamos bastante até aqui. Não vou passar por tudo que aconteceu. Quais são os desafios que temos pela frente? São seis desafios que eu indico.
O primeiro desafio é transpor essa cultura do domínio estatal irrestrito. É óbvio que é importante a prestação estatal. Toda a cultura de prestação do setor foi baseada nessas companhias. Essas companhias estaduais são a inteligência do setor, são o know-how de como fazer saneamento básico no Brasil. Mas é preciso pensar em novos arranjos de prestação desses serviços, que veicule iniciativa privada e poder público. Não será só privado, não só público, mas que exista um diálogo público-privado e que seja construtivo. Para assegurar o quê? Universalização, nosso primeiro vetor.
Então, devemos compreender esses deveres de universalização. Eu tenho um dever que não é do prestador de serviço, é um dever do poder público. O titular do serviço, para organizar o serviço, é obrigado a universalizar,
é obrigado a atingir aquela meta que vai ser incorporada nos contratos, que vai ser incorporada nos planejamentos setoriais, nos planos municipais de saneamento, nos planos diretores, no planejamento da atividade como um todo.
É muito importante aceitar e fazer cumprir essa opção do legislador. Acho que nós precisamos avançar. Não podemos agora, depois de uma reforma setorial que foi custosa e que levamos vários anos para fazer, voltar para a estaca zero, para o modelo PLANASA. Isso é incabível. Temos que pensar em novas formas de prestação que integrem esses agentes.
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O segundo desafio é amadurecer a função regulatória. Isso é fundamental para a atividade. Nós temos uma regulação no setor que tem grandes polos reguladores em âmbito local, mas, em âmbito nacional, é deficitária, é uma regulação que não existe e, na maior parte dos casos, é de baixíssima qualidade. Então, é preciso reforçar a distinção entre titular da atividade e regulador. Não pode ser mais o Município, a Secretaria do Município que vá fazer a revolução, eu preciso de uma agência reguladora constituída.
É preciso apoiar a ANA na execução da sua agenda regulatória. A agência tem uma agenda regulatória muito desafiadora e que está tendo dificuldade para cumprir, seja por questões de corpo técnico, seja pela formação de uma cultura regulatória, etc.
É preciso capacitar os reguladores subnacionais e privilegiar a regulação regional ou intermunicipal, que possui menor capacidade de captura pública regulatória.
O terceiro desafio é solucionar os conflitos interfederativos, o que é também fundamental. E aqui o espaço de excelência é o Supremo Tribunal Federal. Uma pesquisa do nosso grupo indica que quase um terço da jurisprudência do Supremo sobre saneamento trata-se de conflitos interfederativos. O gráfico aqui ficou um pouquinho mudado, mas, de todo modo, 28% dos casos julgados pelo Tribunal entre 1988 até o início de novembro deste ano tratam de conflitos interfederativos no setor de saneamento, sobretudo entre Estados e Municípios.
Há dois julgados importantíssimos do Supremo Tribunal Federal sobre isso, para esse papel de pacificação, de definição da solução de conflitos interfederativos. Um deles se dá com a ADI 1.842. Não vou adentrar aqui com profundidade, mas ela reconhece que, no âmbito de regiões metropolitanas e Municípios, permanece a titularidade do serviço. A titularidade não passa a ser do Estado, ela continua sendo no Município, mas passa a ser exercida de maneira coletiva. E houve o julgado da semana passada, de improcedência de ADIs que discutiam o novo Marco Legal do Saneamento Básico.
O quarto desafio é avançar na regionalização. Nós precisamos concluir as propostas de regionalizações nos Estado e afastar processos de regionalização que visem apenas garantir, manter ou ampliar o poder existente dos Estados em relação aos Municípios. Os Estados não podem atropelar os Municípios nesse processo. Os Municípios têm que ter voz. E precisamos também ter controle social desse processo de universalização, a população precisa participar.
Não basta poder aprovar as leis estaduais, é importante nós pensarmos o que queremos fazer com elas. A universalização ainda é uma carta em branco. Nós não sabemos qual é o conteúdo dessa carta, qual vai ser o futuro da universalização do País.
O quinto desafio é lembrar dos resíduos sólidos. Quando falamos de saneamento básico, só falamos de água e esgoto. Nem falei de drenagem, que também é uma atividade de saneamento básico. Mas temos desafios específicos em relação aos resíduos: avançar em métodos qualitativos de resíduos; compatibilizar as previsões da Lei Nacional de Saneamento Básico com atividades de resíduos; e aprimorar a regulação do setor no âmbito de resíduos sólidos que não têm nenhuma cultura regulatória.
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Os investimentos em saneamento básico têm o tempo de maturação entre 5 anos e 10 anos, e o tempo de recuperação e amortização plena desses investimentos é de 30 anos. Eu não posso definir um marco setorial diferente a cada 4 anos. Eu preciso ter segurança jurídica. O próximo painel, por exemplo, é sobre captação de investimentos. Eu tenho certeza de que nenhum dos componentes do próximo painel vai indicar que tem interesse em fazer investimento em saneamento básico se existe uma norma que muda a cada 4 anos, a cada ciclo eleitoral, ou se, a cada eleição, aguarda-se a definição do Prefeito se ele vai reajustar a tarifa ou não, porque há impacto disso às vésperas da eleição.
Ouvi com muita atenção aqui a palestra do Dr. Gabriel, que nos mostrou a evolução histórica do saneamento e, sobretudo, a necessidade da segurança jurídica. Eu acho que isso é essencial para aumentar o investimento não só no saneamento, mas também em infraestrutura, que depende crucialmente de segurança jurídica. É sempre verdadeiro que o investimento requer regras estáveis, e isso é tanto mais verdadeiro quando se trata de investimento de longo prazo, com capital intensivo, com muitas incertezas. Por exemplo, alguém que fecha um contrato de concessão por 35 anos naturalmente vai ter um contrato de uma vida longa com vários eventos.
Então, quanto mais nós tivermos regras claras e uma jurisprudência robusta acerca de quais indicadores devem ser olhados, como são os reequilíbrios, como se dá todo o relacionamento entre poder concedente, concessionário, regulador... É essencial que a regulação seja independente — independente do poder econômico, independente do poder político. É claro que não se quer que o regulador esteja olhando a eleição do ano que vem ou a eleição deste ano e não cumpra, por exemplo, um reajuste que está previsto no contrato. É pura demagogia.
É uma demagogia que sai muito cara, porque pode parecer bonitinho quando se faz, mas está se tirando a sustentabilidade financeira de um arranjo contratual que vai gerar menos investimento e, consequentemente, menos serviço. O mesmo se aplica à área de resíduos sólidos urbanos.
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No Brasil, o que acontece quando os serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos não são cobrados? Sai diretamente do orçamento de Municípios que não têm esse recurso. Na verdade, tiram-se recursos de outras áreas. Eles são insuficientes, não há o serviço, e as nossas cidades são emporcalhadas! As nossas cidades dão vergonha porque não têm um serviço de manejo de resíduos sólidos suficiente, falta sustentabilidade. Para se ter sustentabilidade, é preciso contratação de longo prazo; para se ter contratação de longo prazo, é preciso garantias; para se ter garantia, é preciso do recebível. E não venham com esta história: "Ah! o pobre vai pagar!" O pobre paga hoje com a sua saúde. É isso que acontece quando não há o serviço. E, como o dinheiro vem do orçamento, e o orçamento vem da sociedade, não cai do céu, é o contribuinte que paga.
E esse dinheiro é usado para atender que regiões? Que regiões da cidade são as melhores do ponto de vista de resíduos sólidos urbanos? Em geral, as regiões com renda per capita maior. E as periferias são abandonadas. Por isso, eu disse, antes, que o pobre subsidia o lixo do rico, com a demagogia total de que não pode cobrar, não pode pôr taxa, não pode pôr isso, não pode pôr aquilo.
Portanto, precisamos pensar de uma maneira clara. O fundamental é começar a próxima década com esses serviços universalizados. Isso não vai ser nada mais do que o básico, como o próprio nome sugere, quer dizer, é básico que o cidadão tenha o serviço de resíduos sólidos urbanos, não viva num lugar que inunda todo o ano e tenha água, esgoto tratado, etc., e possa usufruir dos cursos d'água. É preciso que as cidades possam novamente se voltar para os cursos d'água como lugares agradáveis, de lazer, de saúde, etc., e não com uma latrina das cidades.
Agradeço as palavras finais ao Prof. Gesner, que introduz justamente o tema que eu gostaria de apontar e que me parece nuclear para o saneamento no País: o populismo. Se não conseguimos, em 50 anos, quando o PIB brasileiro, até há pouco tempo, estava entre as dez maiores economias do mundo, ter esse serviço, o acesso universal à água limpa, isso se deve a uma palavra: populismo.
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Há populismo na definição de políticas públicas, há populismo na construção de um serviço que não tem nenhum tipo de rentabilidade. As tarifas têm que ser baixas. Aliás, elas nem devem existir. Nós devemos, ao mesmo tempo, assegurar investimentos que são caros, que são de longo prazo de recuperação, sem nenhum tipo de aporte. Esse dinheiro não cai do céu, é preciso que o serviço seja sustentável, planejado e mantido.
Alguns Prefeitos se negam a implementar o reajuste tarifário no semestre anterior à eleição ou às vésperas da eleição, porque o reajuste lhes seria prejudicial, sobretudo quando o IGP-M é alto. Este ano, por exemplo, o IGP-M no mês de agosto ou de outubro foi na casa de 30%. Um Prefeito que nega a implementação do reajuste nos termos do contrato está fazendo uma benesse imediata para a população naquele mês e no próximo ano, mas impede que os netos daquela população que vive naquele momento tenham acesso ao saneamento básico universalizado.
Não se consegue fazer investimento em 30 anos se não se cobra a tarifa hoje, se não se mantém a regularidade nos investimentos realizados e na captação de investimentos por parte do poder público. Então, a indicação de um apaniguado para presidir uma agência reguladora, a não implementação de reajustes ou de revisões tarifárias por preocupações de curtíssimo prazo, a ausência de planejamento setorial e a ausência de implementação de planos municipais ou regionais de saneamento básico impossibilitam a universalização do saneamento no Brasil.
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Dando seguimento ao seminário que debate o novo marco do saneamento, iniciaremos, neste instante, os trabalhos da Mesa 6: “Visão dos investidores privados”.
Convidamos para compor a Mesa o Sr. Sandro Marcondes, Diretor de Mercados de Capitais e Infraestrutura do Santander, representando o Sr. Jean Pierre Dupui, Vice-Presidente do banco; o Sr. Giuliano Ajeje, chefe do setor de utilities para a América Latina do Banco UBS BB, que faz a sua participação virtual.
É um grande prazer estar encerrando o dia deste seminário, depois de ter ouvido um debate muito interessante sobre as várias nuanças do novo marco regulatório do setor de saneamento do País.
Certamente, temos um desafio muito grande para implementar todos os investimentos que se fazem necessários para a universalização dos serviços. Como vimos, temos muitos desafios que passam por questões sociais, ideológicas, regulatórias e que dizem respeito ao ambiente legal, de modo geral.
A abordagem que queremos trazer para este debate é bastante pragmática. Talvez toda essa deficiência que existe no setor seja resultante do fato de que nós não temos produzido riquezas suficientes para investir nesse segmento, nas regiões em que ele se faz necessário. Em função disso, temos um gap.
Obviamente, não há investimentos sem que haja recursos financeiros suficientes para financiá-los, sem que riqueza seja produzida. Eu vou repetir uma coisa óbvia sobre as duas formas em que esse processo ocorre. Ou produzimos riqueza, acumulamos e depois investimos e convertemos em um serviço, ou então nós buscamos um financiamento para antecipar os recursos financeiros, para também disponibilizar, de forma antecedente, esse serviço ou esse bem. Nesse caso, estamos falando de financiamento para a implementação do nosso plano básico de saneamento, que envolve investimentos bastante vultosos ao longo das próximas décadas. É a única forma que nós temos disponível para eliminar esse gap.
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Eu represento aqui o Santander, e essa é um pouco da nossa agenda. Falarei sobre o papel e a contribuição que o Santander se propõe a trazer para este debate, sobre a necessidade de financiamento do setor e as várias fontes que aí existem, a revolução que o Brasil implementou, desde 2012, no setor de mercado de capitais e como isso pode auxiliar o financiamento de todo esse caderno de investimentos tão comentado aqui hoje. E falaremos um pouco sobre o que precisamos aprimorar no setor de modo geral.
O Santander é um banco que está presente em 14 geografias, globalmente. Nós atuamos como um banco de financiamento de infraestrutura em todas essas geografias já há bastante tempo. Com isso, conseguimos ver o que tem funcionado em uma geografia ou em outra geografia, buscando, obviamente, aplicar isso com os nossos clientes no Brasil, sejam eles entidades públicas ou privadas. Somos relativamente indiferentes a esse processo.
Temos atuado muito fortemente e exercido a liderança no Brasil, desde 2008 até 2020, segundo a última medição feita, no que diz respeito ao financiamento de projetos de infraestrutura nas mais diversas modalidades, incluindo o saneamento.
O Santander lançou, logo após a aprovação da lei do marco do saneamento, uma linha de crédito específica para o setor de saneamento. E vem, desde então, alocando esses recursos dentro desse propósito.
Já foi muito falado hoje e não vou me deter nesse slide, quero apenas evidenciar quais são os gaps que nós temos, tanto no Brasil, quanto nas diversas regiões, nessas três dimensões básicas, como a parte de abastecimento de água, o que envolve a questão das perdas.
No abastecimento de água, o déficit é um pouco menor. Para uma universalização de 99%, temos hoje 84% de nível de serviço; já para perdas, conforme muito comentado durante o dia de hoje, a média nacional é de 39%; enquanto a meta pós-universalização do novo marco é de 25%. E temos um percentual coletado sobre o esgoto gerado de apenas 49% — é um número muito feio, temos que chegar a 90%.
Obviamente, esses números foram comentados de uma forma bastante detalhada no dia de hoje. Talvez tenha sido comentado também qual é o requerimento, em termos de investimento, para resolver cada um desses problemas.
Se nós olharmos para a dimensão de água, precisaríamos investir, até 2030, alguma coisa como 144 bilhões de reais, simplesmente para levar água àquela população desassistida.
Então, só para a universalização, tão falada, precisamos investir 500 bilhões de reais ao longo dos próximos anos.
Obviamente isso não é suficiente, porque a rede que aí está ao longo do tempo também vai se depreciando e precisa ser revitalizada. E para a manutenção do atual nível de serviço estima-se que precisaremos investir outros 255 bilhões, ou seja, precisaremos mobilizar algo em torno de 750 bilhões, em dinheiro de hoje. Se multiplicarmos isso pela inflação, considerando a inflação deste ano, em torno de 10% e 12%, essa cifra torna-se ainda mais volumosa.
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Esses 750 bilhões representam aproximadamente 10% do PIB de 1 ano brasileiro e aproximadamente 20% da arrecadação do Governo Federal, ou seja, é muito dinheiro. E essa é uma riqueza que nós não conseguimos produzir voluntariamente nas economias dos Municípios, dos Estados, ou no Governo Federal. Temos visto déficits frequentes, ao invés de superávits. Precisaríamos ter superávits recorrentes para conseguir obter o recurso.
Então, entramos naquela fase da equação em que para prover serviços de água e de esgoto para a nossa população, ao invés de esperar economizarmos 750 bilhões em dinheiro de hoje, precisamos ter crédito de financiamento, equity novo.
Sem entrar no debate sobre público e privado, é mais racional imaginar que esse equity virá do setor privado, em vez do setor público. E, em geral, nós temos em projetos de financiamento de saneamento mais ou menos 40% de equity, ou seja, de capital, e 60% de dívida. Por isso, nós precisamos da comprovação da capacidade financeira dos diversos players, sejam eles públicos ou privados.
Olhando um pouco detalhadamente, o que vemos nesse slide é basicamente o que tem ocorrido ao longo dos últimos anos em termos de investimentos. Vemos que, no ano de 2019, tivemos um maior volume de investimentos, 15 bilhões, entre investimentos do setor privado e do setor público — que, obviamente, domina o setor, portanto, é quem mais faz investimento, mas, ainda assim, nós investimos 15 bilhões —, e entre 2022 e 2033 nós precisaremos investir 35 bilhões por ano para conseguir suprir esse déficit.
E quando olhamos para esse gráfico que está ao lado direito, e apenas olhando para essa mancha que está dentro desse círculo, vemos que a grande maioria dos Estados se concentra em uma região em que temos, na vertical, Y, o déficit do PIB. A maior parte dos Estados tem déficit fiscal em suas contas públicas. Em termos de cobertura de esgoto, no gráfico, quanto mais para a esquerda, menor é a cobertura, começando em torno de 15% a 25%, e quem está mais para a direita, está próximo da universalização, em torno de 90%.
Então, vemos que a maioria dos entes públicos se concentra em um vértice onde eles não têm capacidade de gerar riqueza para investir no segmento, em função disso talvez eles estejam com os maiores déficits em relação ao saneamento de modo geral.
Nesse contexto, a nova lei do saneamento parece trazer alguma luz no sentido de que, sim, os entes públicos podem continuar fazendo investimentos, e são muito bem-vindos, mas eles precisam ter capacidade financeira para tanto. Se não tiverem capacidade financeira para aportar o equity, também não terão financiamento e isso explica um pouco o porquê de o setor público investir menos. Nem entramos em discussão de competência, simplesmente de análise de risco e de capacidade financeira de suportar o investimento.
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Nesse slide nós temos um exemplo, que todo mundo conhece, do que ocorreu em algumas PPPs após o marco do saneamento. Projetos de grande envergadura geraram grandes outorgas — vimos que isso também gerou um grande debate ao longo do nosso seminário —, mas também comprometeram um investimento muito significativo que vai resolver a vida de muitas pessoas.
O que preocupa nessa equação? A concessão está dando certo, mas nós temos poucos investidores. Olhando para a última coluna da tabela, vê-se que os nomes das empresas que ali aparecem se repetem. São menos de uma dezena de empresas que efetivamente têm participado desses processos. Espero que essas empresas tenham muita capacidade de investimento. E quando olhamos para toda a problemática que temos em nível nacional, considerando que competição é um negócio muito saudável para termos um setor saudável, seria bom se conseguíssemos atrair mais investidores para esse processo. Olhando o nosso pipeline de projetos de 2022 e 2023 — novamente, isso é apenas ilustrativo, porque é amplamente conhecido —, vemos que só naqueles que já estão precificados, temos aproximadamente 41 bilhões de reais de investimento para atender uma população de mais ou menos 30 milhões de pessoas.
Muito curioso é o caso da Casal. Podemos discutir o modelo também, mas essa é outra discussão. Eles levaram, primeiro, aquilo que tinha mais densidade demográfica para o leilão. Agora, estão levando os outros dois lotes, que têm menos densidade demográfica. Tudo indica que esses serão lotes que também terão uma competição bastante razoável; portanto, deverão ser leiloados e o serviço deverá ser provido para essas populações também, eliminando um pouco desse gap.
Primeiro, buscar equity de investidores. Investidores nacionais e internacionais, sejam canadenses, sejam de outras geografias, que aportam recursos na forma de equity nessas companhias e resolvem, portanto, um pedaço da equação: 30% a 40% da necessidade do investimento. O restante virá ou do BNDES ou dos fundos constitucionais, através do BNB, ou do mercado de capitais. No mercado de capitais, o Brasil fez uma grande revolução, a partir de 2012, com a Lei nº 12.431, que permite que determinados investimentos em infraestrutura sejam financiados, com isenção tributária, para as pessoas físicas; e com redução da alíquota do Imposto de Renda de 25% para 15% para as pessoas jurídicas, o que permitiu que um volume muito significativo desses recursos e desses investimentos pudesse ser financiado através do mercado de capitais. Essa lei está presente, o setor de saneamento, a sua quase totalidade, se beneficia desse tipo de investimento e, portanto, pode acessá-lo. As empresas, de modo geral, contam com esse bolso de investimentos para financiar os seus projetos.
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Naturalmente, nós podemos ver numa pequena listagem de operações, que resolvemos colocar a título de exemplo, que tanto empresas privadas quanto públicas, como a SANEPAR, a CORSAN, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará e outras, podem acessar o mercado de capitais, que está aberto para todos que tenham um padrão de governança adequado e uma avaliação de riscos também adequada. Os prazos, como podemos ver no eslaide, podem variar e ser bastante longos, o que é muito compatível com o segmento de até 20 anos.
Então, o Brasil, hoje, tem um ferramental muito interessante de financiamento dos projetos de infraestrutura, sobretudo de saneamento, o que permite que as empresas consigam se planejar e consigam participar de leilões bastante robustos, que demandam investimentos bastante significativos, porque podem contar com fontes de financiamentos múltiplas que conseguem dar capacidade de planejamento a longo prazo.
Caminhando para o encerramento desta minha participação, eu quero trazer algumas reflexões do que, no nosso modo de ver, tanto a lei de saneamento quanto o mercado precisariam em termos de aprimoramentos.
Como nós vimos, nós temos uma grande necessidade de financiamento. É muito bem-vindo, naturalmente, o financiamento das agências de fomento, seja BNDES, seja BNB, sejam outras. Mas é certo que todos os agentes, para financiar esses 750 bilhões de reais ao longo dos próximos anos, terão grandes desafios, e que as fontes de financiamento terão que ser múltiplas e deverão todas estar disponíveis.
Obviamente, para complementar essas fontes de financiamento, temos também o mercado de capitais. Aí vale lembrar um projeto relatado aqui nesta Casa pelo Deputado Arnaldo Jardim — está agora sob a relatoria do Senador Wellington Fagundes, no Senado —, o PL 2.646/20, sobre novas debêntures de infraestrutura, que é muito relevante também, porque vem complementar o instrumento das debêntures da Lei nº 12.431, de 2021, ao permitir que não só os investidores institucionais — fundos de pensão —, mas também os investidores internacionais possam eventualmente participar do processo de financiamento.
Há uma alteração muito sutil nesse PL 2646/20 que vale a pena ressaltarmos, porque vai alterar significativamente a capacidade de financiamento das empresas através das debêntures da Lei 12.431/21, que é a retirada da redução da alíquota do Imposto de Renda das pessoas jurídicas, que hoje é de 10%. Essa redução, obviamente, tende a ser traduzir em aumento de preços para essas captações.
Outro ponto que merece atenção desta Casa é a questão dos resíduos sólidos. As debêntures de infraestrutura que são, obviamente, autorizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, no que diz respeito ao saneamento, permitem empréstimos e emissões de debêntures para companhias concessionárias e permissionárias ou companhias que, de alguma forma, têm um contrato de PPP. Já o setor de resíduos sólidos, em geral, são empresas privadas não resultantes de processos de concessão.
São tão estruturantes e tão importantes quanto água e esgoto, mas as empresas desse segmento não são beneficiadas pela emissão de debêntures de infraestrutura. Seria importante, então, que esse segmento viesse a ser regulado com brevidade, para que essas empresas também pudessem acessar essas fontes de financiamento. Por exemplo, uma usina de geração de energia termelétrica com base em queima de metano originado de aterro sanitário não encontra um financiamento de infraestrutura, por ser uma empresa privada e não ser uma concessionária. Então, esse é um aspecto que poderia ser tratado.
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Além disso, nós temos algumas outras incertezas, aqui citadas também, em termos de segurança jurídica, que dizem respeito a determinadas inseguranças que existem dentro dos contratos que são construídos hoje, relativas ao fluxo do CAPEX futuro das companhias. Hoje, não existe nenhuma forma de se regular isso nesses processos. E, obviamente, os investidores — e mesmo as empresas públicas — são conservadores quando fazem os seus planejamentos de longo prazo.
E o último item, já citado também aqui diversas vezes, durante o dia de hoje, mais especificamente no último painel, diz respeito à segurança jurídica. Nós estamos falando de contratos de 20 ou 30 anos. São contratos que vão enfrentar determinados problemas em uma ou outra dimensão. Obviamente, uma agência regulatória forte ajudaria muito na resolução dessas disputas que certamente vão surgir ao longo da vida desses contratos.
O SR. GIULIANO SANTIAGO AJEJE - Muito obrigado. É uma enorme alegria estar aqui, de novo, discutindo o setor de saneamento com vocês. Depois de um pouquinho mais de 1 ano em que, de certa forma, acompanhamos todas as mudanças do setor de saneamento, hoje nós já conseguimos ver as coisas acontecendo. Então, muito obrigado por terem nos feito o convite. É uma enorme alegria também estar participando do mesmo evento que o professor Gesner, cujo trabalho eu já acompanho há muitos anos. É muito bom ver que ele continua atuando de uma forma muito forte no setor de saneamento.
Pessoal, eu vou dividir a minha fala em poucas partes. Prometo ser superbreve. Eu acho que, primeiro, precisamos entender onde estamos no setor de saneamento; depois, entender se existe dinheiro para investir no setor de saneamento. Hoje, nós já conseguimos responder a uma pergunta que eu acho superimportante: de qual aumento tarifário estamos falando, para podermos universalizar o serviço de água e esgoto? E, na última parte da minha conversa, vamos falar de tudo que aconteceu ao longo desse 1 ano.
Hoje, nós podemos falar de alguns cases que já foram licitados.
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Eu assisti a várias apresentações, e o pessoal foi muito feliz em todos os comentários que foram feitos sobre onde estamos hoje, mas acho que é sempre bom fazermos algumas comparações, principalmente na parte de saneamento. Hoje, nós falamos que 100 milhões de brasileiros não possuem acesso a esgoto. Pessoal, isso significa a população da França e a do Peru juntas. Essa é a quantidade de brasileiros que não têm acesso à coleta de esgoto. Hoje, nós falamos que 30 milhões de brasileiros não possuem acesso à água tratada. Isso é mais do que a população da Austrália. Portanto, o Brasil é gigante inclusive nos seus problemas.
Quando falamos de saúde — no ano passado, ficou muito forte esta questão de saúde, devido à pandemia —, a grande verdade é que o setor de saneamento acabou, de certa forma, ajudando a sufocar o sistema de saúde brasileiro. Nós falamos, hoje, de 400 mil brasileiros que são internados decorrentes de doença de veiculação hídrica. Na verdade, nós estamos falando de doenças que já deveriam ter ficado restritas aos livros de história. Continuamos falando de verminose, dengue, zika, chikungunya. Todos esses tipos de doenças conseguem ser evitados se passamos a ter um sistema de saneamento básico. Essa é a realidade do Brasil hoje.
Como é que nós alteramos essa realidade? É simples: investimento. Nós estimamos, hoje, que o Brasil precisa de 620 bilhões de reais de investimento. O Sandro comentou na apresentação dele acerca de um investimento por volta de 750 bilhões de reais. Seja 620 bilhões ou seja 750 bilhões de reais, isso é muito dinheiro. A iniciativa pública, sozinha, não consegue fazer esse investimento acontecer. Então, é preciso haver a participação de investidores privados. E a principal pergunta talvez seja: como é que nós atraímos esse investimento e quanto vai custar esse investimento?
Nós fizemos um estudo, 1 ano e meio atrás, comparando dois cenários, para saber o que seria uma tarifa necessária para se poder universalizar água e esgoto. Nós fizemos duas simulações. Num cenário, fizemos uma estimativa considerando o atual nível de eficiência das empresas que atuam no setor de saneamento. Fizemos, num segundo cenário, uma estimativa considerando que as empresas eficientes provessem esse serviço.
Antes de falarmos desses números, vamos só entender um pouco qual é a lógica de uma tarifa. A tarifa tem que remunerar duas coisas: tem que remunerar o investimento feito, ou seja, quem está fazendo um investimento, seja iniciativa pública, seja iniciativa privada, tem que ter um retorno daquilo; e, na outra parte, tem remunerar o custo daquela operação. Então, uma tarifa não é alta ou baixa: a tarifa é justa. E é justa para quê? Para remunerar o investimento e para remunerar o custo da operação. Se nós temos empresas que têm um custo muito alto para prover aquele serviço, logicamente a tarifa tem que ser alta. Se nós temos empresas que consideramos eficientes para prestar aquele serviço, o custo da operação é baixo; logo, a tarifa tem que ser mais baixa.
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Então, consideramos dois cenários. Se pegarmos o atual cenário das empresas que trabalham no setor de saneamento do Brasil, para poder universalizar água e esgoto, estamos falando de um aumento tarifário de 35%. Se falarmos de empresas eficientes — e aí nós utilizamos algumas empresas privadas como nosso parâmetro de eficiência —, o aumento tarifário é de apenas 5%. Isso equivale a uma latinha de cerveja a mais de custo à família brasileira, para podermos trazer 620 bilhões de reais de investimento até o ano de 2032. Nesse caso, o aumento tarifário é de apenas 5%. Então, não é nada... os benefícios que vão ser gerados com esse investimento, de certa forma, mais do que valem todo o custo desse investimento.
Portanto, respondendo a uma das principais perguntas do setor sobre qual deveria ser o aumento tarifário para se poder universalizar, a resposta é esta: apenas 5%, se trabalharmos num ambiente de empresas eficientes.
E, talvez, haja uma segunda pergunta superimportante: existe dinheiro para investir em saneamento no Brasil? A resposta é "sim", existe dinheiro para poder investir no Brasil. Na verdade, estamos falando hoje de investidores do mundo inteiro que ficam procurando alternativas, que ficam procurando locais para investir, e esses investidores olham com muito carinho o setor de saneamento do Brasil.
Mas, para que o investimento venha para cá, precisamos de três coisas. Primeiro, precisamos de compliance. Eu acho que essa é a regra do jogo, principalmente no pós-Operação Lava-Jato. O mundo inteiro precisa de compliance, ainda mais quando estamos falando de investimentos de longuíssimo prazo. Segundo, precisamos de estabilidade legal. Terceiro, precisamos de estabilidade regulatória. Acho que isso vai muito em linha com o que o Gabriel comentou, na apresentação anterior. Nós precisamos de compliance, estabilidade legal e estabilidade regulatória.
A boa notícia é que o novo Marco Regulatório do Saneamento já está trazendo estabilidade legal. Já falamos hoje de um ambiente de maior competição, em que já se começam a criar regras, inclusive para saber se a empresa está ou não prestando um bom serviço. Então, nós já temos hoje, com o novo Marco Regulatório do Saneamento, estabilidade legal. O que está faltando ainda é estabilidade regulatória. Isso é algo superimportante. No momento em que tivermos mais estabilidade regulatória, acho que vai haver muito mais investimento vindo para cá.
Pessoal, até vou trazer um pouco do sucesso, e eu digo sucesso porque, quanto a esses leilões que aconteceram logo após a aprovação do novo marco do saneamento, nós podemos considerar até que foram um sucesso, pois estamos falando já de um comprometimento de 70 bilhões de reais entre outorga e investimentos.
Deputado, até vou fazer uma constatação aqui — e foi até uma brincadeira. Moro em uma cidade próxima a São Paulo e viajo todos os dias a São Paulo. Logo depois que houve o leilão de Alagoas, eu estava na rodovia e vi uns caminhões-cegonhas, acompanhados por algumas viaturas da Polícia Militar de Alagoas. Eram caminhões gigantescos. Eu olhei para aquele caminhão-cegonha e, na hora, pensei: "Ah, isso daí já deve ser dinheiro do novo Marco do Saneamento já indo pra Alagoas".
Vamos lembrar que Alagoas arrecadou 2 bilhões de reais de outorga, sendo que a outorga mínima do leilão era de apenas 15 milhões de reais. Ou seja, já vemos investidores dispostos a pagar bilhões de reais para poder ter uma concessão. Então, eu acho que é interessante afirmarmos que esses novos leilões que surgiram ou apareceram após o novo Marco do Saneamento, já estão vindo por causa dessa estabilidade legal. Então, acho que a lei já está trazendo certo conforto para se poder trazer investidores. E o BNDES conseguiu um arranjo ali nesses Municípios que, de certa forma, também traz uma estabilidade regulatória.
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Esse é um exemplo de que realmente há possibilidade de se investir, de que há investidores dispostos a pagar outorgas bilionárias para poderem ter esse serviço. E, de certa forma, toda a sociedade brasileira vai ser beneficiada.
Eu queria agradecer à Comissão do Desenvolvimento Urbano a organização deste seminário. Acho muito adequado o momento para termos este debate.
A mensagem que eu trago do Banco Santander é a de que, no nosso entendimento, o Brasil não pode perder esta oportunidade de atacar de frente esse problema que, por tanto tempo, tem assolado a população brasileira. Obviamente, converte-se em problemas de saúde básica e em sofrimento para toda a população a falta de prestação de um serviço adequado.
Acho que, por muitos anos, décadas talvez, nós nunca tivemos um arranjo tão adequado e interessante como o que temos atualmente, em que o BNDES está focado no desenvolvimento e na estruturação dos projetos, com um ambiente legal — como comentado pelo Giuliano — já bastante adequado e, de certa forma, certificado pelo Supremo Tribunal Federal. Podemos ter outras discussões, e é muito importante que tenhamos essas discussões, até para a longevidade dos contratos, sejam de que natureza forem. Mas o mercado, de modo geral, seja com investidores de capital, seja com investidores de dívida, está com liquidez suficiente para empreender esses projetos que virão ao longo dos próximos anos.
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Então, conclamo todos os Deputados para que, em suas bases, incentivem as municipalidades — pois são estas que têm, obviamente, soberania sobre o tema — a se organizarem, através dos arranjos. E que seja levado adiante o que for melhor para determinada região, que se busquem os investimentos que estão disponíveis e que o Brasil enfrente e resolva esse problema crônico que assola a nossa população.
O SR. GIULIANO SANTIAGO AJEJE - Pessoal, quero só lembrar que hoje nós temos um bom problema. Nós temos hoje falta de oportunidades para investimentos no mundo, portanto eu acho que o Brasil tem que aproveitar, de certa forma, essa abundância de dinheiro que conseguimos ver no mundo ainda.
Há algo superinteressante no setor de saneamento, e eu acompanho esse setor há quase 20 anos, Deputados. Nesses 20 anos, desde a aprovação do novo Marco do Saneamento, eu vi um interesse enorme de investidores, não só de brasileiros, mas de investidores estrangeiros, em entender o que está acontecendo no Brasil. De certa forma, eles ligavam e perguntavam: "Poxa, você acha que há é a hora de investir?" Eu sempre falei muito dessa questão de estabilidade legal e estabilidade regulatória. Eu acho que nós já resolvemos o problema da estabilidade legal. Eu acho que agora, de certa forma, temos que atacar essa questão da estabilidade regulatória. Então, há dinheiro.
Eu fiquei superfeliz, e acho que todos os brasileiros ficaram superfelizes em ver o quanto de outorga foi pago para esses Municípios, para os Estados. Eu acho que os Governadores estão muito mais capitalizados. Dos Municípios, eu acho que o Rio de Janeiro é um belo exemplo disso. Os Municípios que participaram dos leilões da CEDAE, todos estão capitalizados.
Eu acho que, daqui para a frente, temos que trazer mais estabilidade legal e estabilidade regulatória. Eu acho que esses 70 bilhões de reais que vimos para outorgas e investimentos serão só o começo. Vamos todos trabalhar juntos aqui para universalizar água e esgoto e finalmente fazer com que essas doenças, como dengue, febre amarela, chikungunya, fiquem restritas apenas aos livros de história.
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