3ª SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA 56 ª LEGISLATURA
Comissão de Defesa do Consumidor
(Audiência Pública Extraordinária (semipresencial))
Em 18 de Novembro de 2021 (Quinta-Feira)
às 9 horas
Horário (Texto com redação final.)
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O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Esta reunião de audiência pública foi convocada conforme Requerimentos nºs 34 e 51, de autoria do Deputado Vinicius Carvalho; Requerimento nº 35, de autoria Deputado Aureo Ribeiro; Requerimento nºs 37 e 42, de autoria do Deputado Paulo Pimenta; Requerimento nº 44, de autoria da Deputada Leda Sadala; Requerimento nº 45, de autoria do Deputado Celso Russomanno, Presidente da Comissão, para debater o Projeto de Lei nº 533, de 2019, que trata sobre pretensão resistida.
Composição da Mesa.
Passo à apresentação dos Srs. expositores: Sr. Marcelo Buhatem, Presidente da Associação Nacional dos Desembargadores; Sra. Valeria Lagrasta, Juíza de Direito da 2ª Vara da Família e das Sucessões da Comarca de Jundiaí; Sr. Erik Navarro, Juiz Federal; Sr. Henrique Ávila, ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça; Sr. Daniel Freitas Resende, Advogado e Presidente da Comissão de Arbitragem da OAB/Minas Gerais; Sra. Susana Henriques da Costa, Profa. Doutora do Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Coordenadora do Grupo de Pesquisas Acesso à Justiça e Litigância Repetitiva; Sra. Márcia Moro, Vice-Presidente do PROCONS Brasil; Sr. José Geraldo Filomeno, Advogado e Consultor da Comissão Permanente de Direito do Consumidor de São Paulo. Agradeço a todos a presença.
Antes de darmos início às exposições, Lilian, Secretária da Comissão, peço espaço para prestar condolências ao falecimento de uma pessoa de extrema importância do contexto político do nosso Estado de São Paulo, o Vereador Denis Lucas. Ao chegar em casa, ontem à noite, na cidade de Itapevi, ele foi assassinado. Tratava-se de um político sério, um jovem rapaz de 47 anos. Ele era cristão, evangélico. Chegando da igreja, ao abrir a porta da garagem de sua casa, ele foi alvejado com dois tiros na cabeça. É lamentável!
Só nos resta pedir a Deus que conforte o coração da família, dos amigos, de todos aqueles que conheciam o Denis.
Por isso, peço a todos os presentes na Comissão que façamos 1 minuto de silêncio em condolência ao Denis e também a todos os seus familiares, por favor.
(O Plenário presta a homenagem solicitada.)
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O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Que Deus o faça descansar em paz e abençoe todos os seus familiares.
Organização dos trabalhos.
Esclareço que a reunião está sendo gravada e transmitida, ao vivo, na página da Comissão, no aplicativo Infoleg, no canal da Câmara dos Deputados e no Youtube. Perguntas e participações de cidadãos podem ser encaminhadas por meio do Portal e-Democracia, no site edemocracia.camara.leg.br.
Para o bom ordenamento dos trabalhos, adotaremos o seguinte critério: os convidados terão um prazo de 15 minutos para fazerem suas exposições, prorrogáveis a juízo desta Presidência, não podendo ser aparteados.
Vamos começar pela exposição da Juíza Valeria Lagrasta, uma vez que o Sr. Marcelo ainda está a caminho da Comissão para poder fazer parte desta nossa audiência pública.
Concedo a palavra à Sra. Juíza Valeria Lagrasta, pelo tempo de 15 minutos.
A SRA. VALERIA LAGRASTA - Obrigada.
Bom dia a todos. Em princípio, quero dizer que é uma grande honra participar desta audiência pública. Queria parabenizar todos os integrantes dessa Casa, na pessoa do Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor, Deputado Celso Russomanno.
Quero dizer também que é uma grande honra e um prazer participar deste debate com juristas e profissionais tão reconhecidos por todos nós, com os quais já tive a oportunidade até de trabalhar, proximamente, no Conselho Nacional de Justiça, como o Ministro Marco Aurélio Buzzi, Conselheiro Henrique Ávila e outros professores que aqui estão, como a Susana Henriques.
Apesar das divergências que temos em alguns entendimentos diferentes, realmente todos somos pautados, em nossas vidas, pelo ideal de justiça. Então, isso é um grande início para todos nós.
Partimos da constatação de que no Brasil caminhamos no sentido de ampliar o conceito de acesso à Justiça para aquele conceito de acesso à via jurídica justa — conceito trazido pelo Prof. Carlos Watanabe —, no sentido de que não basta permitir ao cidadão o acesso ao Judiciário, é necessário permitir que ele tenha uma solução célere, justa, adequada e efetiva para o conflito que ele apresenta. É a ideia de um tribunal de portas, quer dizer, uma grande porta de entrada e várias portas de saída, que são os métodos consensuais de solução de conflitos. Isso tem um viés um pouco diferente, um pouco mais amplo do que o próprio princípio da inafastabilidade de acesso ao Judiciário, contido na Constituição, art. 5º, inciso XXXV.
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Nesse contexto, surge a proposta do Projeto de Lei nº 533, de 2019, que traz uma conceituação do interesse de agir como condição da ação: a necessidade de a pessoa comprovar que teve uma pretensão, ou a sua pretensão resistida, por parte do demandado, no âmbito extrajudicial, para que tenha condição de ingressar com ação em juízo. Isso se dá sob a justificativa de que estamos combatendo a tragédia da justiça, que é um conceito que vem da economia, de considerar o Poder Judiciário como um bem de uso comum, bem público, mas finito, cujo uso indiscriminado pode levar a um estrangulamento.
Aqui eu já faço uma pergunta para reflexão. Será que essa tragédia realmente tem sido causada só pelo consumidor? Digo isso porque o Relatório Justiça em Números do CNJ demonstra que os grandes demandantes são o Estado, os bancos, muitas empresas concessionárias de serviço público e que só 5% das ações, em média, são propostas por consumidores e cidadãos comuns.
Então, sobre essa roupagem de incentivo aos métodos consensuais de solução de conflitos na esfera extrajudicial e a consequente mudança de mentalidade, portanto, auxílio ao Judiciário no combate dessa tragédia, na verdade, essa proposta de alteração traz a exigência de um procedimento prévio à propositura da ação: para haver interesse processual é necessário ficar evidenciada a resistência do réu em satisfazer a pretensão do autor. Então, traz, na verdade, um procedimento prévio.
Isso, em vez de incentivar o uso dos métodos consensuais de solução de conflitos, no nosso modo de ver, do FONAJE — Fórum Nacional de Juizados Especiais, o qual eu estou aqui representando, traz uma resistência a esse uso exatamente por causa da dificuldade que traz para algumas pessoas a necessidade dessa comprovação.
Sob a perspectiva de trazer uma nova obrigação só para o consumidor, o que já seria muito prejudicial, na verdade, está trazendo uma nova obrigação a todos os conflitos que versam sobre direitos patrimoniais disponíveis. Então, não só aqueles afetos às relações de consumo, de empresas fornecedoras de bens e serviços e consumidores, mas também todos aqueles que versam sobre os direitos patrimoniais disponíveis e que são afetos a relações entre cidadãos comuns e até àqueles direitos indisponíveis, mas transacionáveis, como os afetos às relações de família. Isso eu acho que não tem sido muito bem percebido.
Outra dificuldade que vemos é que o substitutivo e a emenda ao substitutivo trazem alguns parágrafos a mais a esse art. 17 e trazem ainda uma forma expressa para a comprovação da tentativa extrajudicial de satisfação da pretensão. Então, diretamente junto ao réu demandado é colocado que ele deveria trazer um protocolo, fornecer um protocolo de atendimento nos canais internos, como SACs, ou por intermédio dos órgãos de defesa do consumidor, do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, os PROCONs, a SENACON, seja presencialmente ou pelos meios eletrônicos disponíveis, ou seja, através dos meios disponibilizados por esses demandados.
Essa caracterização do interesse de agir como condição da ação tem sido reconhecida como constitucional pelos Tribunais Superiores. Mas o Supremo já se colocou, principalmente em dois votos do Ministro Barroso e da Ministra Cármen Lúcia, que isso é admissível, desde que não traga a necessidade de esgotamento das instâncias administrativas e barreiras excessivas para acesso ao Poder Judiciário. Então, na verdade, no nosso modo de ver, essa proposta, citando esses meios específicos para comprovação da proteção existida, está trazendo barreiras excessivas ao acesso à Justiça, indo na contramão da jurisprudência dominante. Esse estabelecimento nesses parágrafos dessas formas específicas, através desses meios que coloca, na verdade, pode levar a uma interpretação restritiva, ou seja, que só esses meios mencionados na legislação é que vão ser admitidos para que o consumidor, ou para que o demandante, comprove que teve a sua pretensão resistida no âmbito extrajudicial, e não a utilização, apostando a utilização de qualquer outro meio idôneo por ele, inclusive aquele, por exemplo, da utilização setor pré-processual do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania ligado ao Poder Judiciário.
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A nosso ver, os obstáculos de acesso à Justiça são claros, porque trazem essa dificuldade excessiva, principalmente ao consumidor individual, aos idosos, aos economicamente necessitados e aos excluídos digitais, que muitas vezes não têm nem condição de acessar o SAC das empresas, que prestam, na maioria das vezes, um serviço de péssima qualidade, como todos já pudemos ter oportunidade de utilizar ou de tentar utilizar e de não obter resposta no tempo razoável e da forma como esperávamos.
E as pesquisas demonstram — eu não vou me repetir aqui, porque os outros que falaram anteriormente na outra audiência pública já colocaram muito bem — que só 28% dos cidadãos ficam felizes com essa atenção, sentem-se satisfeitos com o SAC, o Serviço de Atendimento ao Consumidor, que é prestado pelas empresas e que a maioria deles ainda prefere um atendimento por telefone, aumentando até esse número de pessoas que preferem um atendimento por telefone, presencial no Nordeste, para 82% dos investigados ou dos entrevistados.
Por exemplo, se a empresa, o demandado só disponibilizar um meio digital através de uma plataforma, seja até a consumidor.gov, que é uma plataforma estadual, pode ser que o excluído digital não tenha como acessar essa plataforma. O que é o excluído digital? A Recomendação CNJ 101, de 2021, conceitua o excluído digital não só aquele que não tem acesso à Internet, como também aquele que muitas vezes tem acesso à Internet no plano pré-pago, mas ele não tem condições de operar uma plataforma ou de se manifestar em uma plataforma digital, por ter alguma restrição cultural e até de analfabetismo.
Além disso, essas plataformas, na maioria das vezes, tratam de um método conhecido como negociação direta, e não de conciliação e mediação propriamente dita, método em que não há um terceiro facilitador. Então, há o consumidor de um lado e a empresa de outro, que, na maioria das vezes, e com certeza, tem uma orientação jurídica ou assistência de um advogado, o que acaba gerando um desequilíbrio entre os negociadores.
Além disso, vemos que é necessário, portanto, um equilíbrio entre o incentivo comportamental que está sendo buscado com essa proposta e a consequente mudança de mentalidade de todos em relação ao uso dos métodos consensuais e solução de conflitos e o acesso ao Poder Judiciário. Para isso, é necessário atitude e investimento dos órgãos públicos e das empresas na estruturação adequada desses meios que se pretende disponibilizar para essa tentativa de solução prévia. O que isso exige então? Uma estruturação plenamente acessível e minimamente eficiente por parte das empresas e órgãos públicos e do próprio Poder Judiciário, ou seja, devem ser disponibilizados canais de negociação direta. Pelo menos os SACs e o ombudsman devem dar resposta em um tempo razoável.
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As plataformas acessórias também devem ser disponibilizadas e organizadas por essas empresas e órgãos públicos. A resposta deve ser dada em tempo razoável. Deve haver a garantia de acesso para o hipossuficiente, ou seja, o atendimento não só por plataforma, ou virtual, mas um atendimento por telefone e presencial, para aqueles que não têm condição de acessar esses mecanismos virtuais.
Até o próprio Poder Judiciário também poderia pensar em uma orientação ao hipossuficiente, canais de atendimento dentro do próprio CEJUSC pré-processual, Setor de Cidadania do CEJUSC para orientar o cidadão a acessar essas plataformas. A estrutura, a estruturação deve anteceder a lei.
Não basta criarmos ou virmos com uma nova lei, mas não verificarmos se já existe a estrutura adequada para que isso seja operacionalizado, cumprido pelo consumidor e pelo cidadão comum. É necessário que haja benefício para a administração pública e para as empresas, com uma solução rápida e eficiente dos conflitos e economia por ter menos demandas contra elas, mas também um benefício ao consumidor, com a solução dos seus problemas e dos seus conflitos de forma ágil e eficiente.
Por outro lado, já temos mecanismos de incentivo à utilização desses métodos consensuais de solução de conflitos, mesmo no âmbito extrajudicial, seja dentro ou fora do processo. Já há o CPC, a Lei de Mediação, o próprio CEJUSC. Então, o que o juiz já pode fazer, seria bom que os juízes fossem orientados para isso, é suspender o processo, com base nos arts. 6º, 10, e o próprio 17 do CPC, para que o autor comprove que tem que haver uma solução extrajudicial perante o réu, em um tempo razoável, sob pena de indeferimento da inicial.
Nesse caso, o juiz poderia analisar o que a outra parte disponibiliza em relação a essa solução extrajudicial e também a possibilidade e condição econômica e social do próprio demandante. Isso seria analisado caso a caso. Então, haver um requerimento administrativo e a comprovação de que houve uma tentativa extrajudicial de solução de conflitos por qualquer meio é muito diferente de exigir um esgotamento das instâncias administrativas que representam uma barreira excessiva para o acesso ao Judiciário.
Ainda em relação ao combate ao uso predatório da Justiça e o próprio incentivo ao uso dos métodos consensuais, nós também já temos, por exemplo, os arts. 77, 80, 81, que preveem essa possibilidade de que tanto na sucumbência quanto na condenação, o juiz verificar o comportamento da parte em favor ou contra ou a recusa em participar desses mecanismos processuais de solução de conflitos, seja na audiência do 334 ou no âmbito extrajudicial. Isso já pode ser levado em consideração pelo juiz. Então, nesse ponto, vemos como salutar a proposta de alteração do art. 491, com inclusão do § 3º, servindo de base para a definição da extensão da obrigação exatamente esse comportamento da parte em relação ao uso dos métodos consensuais de solução de conflitos. E aqui só sugerimos a substituição da palavra "conciliação" por "composição", que é muito mais ampla. Composição abrange todos os métodos consensuais de solução de conflitos e não só a conciliação, como está no artigo proposto.
Nesse ponto, a conclusão é de que o FONAJE — Fórum Nacional de Juizados Especiais, apesar de reconhecer a importância do tema trazido ao debate pelos Srs. Deputados Federais, autores do PL 533, manifesta-se pela rejeição da proposta de alteração do art. 17, por criar uma nova obrigação para o consumidor, muitas vezes impossível de ser cumprida.
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Não podemos, a pretexto de evitar o uso predatório do Judiciário e incentivar os métodos consensuais de solução de conflitos no âmbito extrajudicial, obstaculizar o acesso à justiça, trazendo a necessidade de esgotamento das instâncias administrativas. Então é necessário um equilíbrio entre o uso responsável do sistema de Justiça, por um lado, com a participação ativa das partes na busca da solução consensual e, por outro lado, em contrapartida, haver regras claras e uma estruturação adequada das empresas e do setor público, sob pena de inversão dessa ordem natural: primeiro a lei e depois a estruturação. E na Análise Econômica do Direito isso foi bem colocado: o direito deve atentar aos efeitos e consequências de suas regras e decisões judiciais, tendo por objetivo conferir maiores cientificidade e pragmatismo.
A proposta do FONAJE, até reconhecendo o esforço dos legisladores, é que seja feita uma alteração na redação, se for acatada a proposta legislativa, para trazer uma especificidade apenas para as relações de consumo e que essa comprovação da pretensão resistida seja feita por qualquer meio idôneo e não apenas por aqueles meios estabelecidos naqueles parágrafos, e ainda a dispensa de comprovação, a não necessidade dessa comprovação em alguns casos que se colocam.
Vou concluir agora, uma vez que o meu tempo se esgotou.
Os mecanismos de desjudicialização são importantes, mas devemos agir com parcimônia, de modo a evitar que, sob a justificativa velada de combater essa tragédia do Judiciário, possam cair por terra várias conquistas do Código de Defesa do Consumidor e do Código de Processo Civil, em benefício das empresas e dos grandes demandantes, levando os métodos consensuais de solução de conflitos a transitarem por um sistema voltado para abertura de portas de acesso à Justiça.
É preciso evitar um sistema que volte a representar uma grande porta fechada para o cidadão comum. Então, vendo a Análise Econômica do Direito, também é necessário não verificarmos apenas a árvore, mas a floresta toda, não só os órgãos públicos, as empresas e o incentivo aos negócios, a competitividade e a competência no País, mas também e, principalmente, os consumidores, os cidadãos comuns que, muitas vezes, são hipossuficientes e não têm conhecimento cultural suficiente para lidar com essas plataformas digitais.
Obrigada. Desculpem-me por ter avançado um pouquinho no tempo.
Agradeço a todos a atenção.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Nós que agradecemos, Dra. Valeria Lagrasta, a exposição.
Agora vamos conceder a palavra ao Dr. Erik Navarro, Juiz Federal, também pelo tempo de 15 minutos.
Está com a palavra o Dr. Erik.
O SR. ERIK NAVARRO - Muito obrigado. É um prazer enorme estar aqui com vocês.
Eu queria pedir permissão para fazer uma pequena apresentação, porque vai me facilitar ficar dentro do tempo e trazer o maior número possível de informações. Pode ser?
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Fique à vontade, doutor.
O SR. ERIK NAVARRO - Muito obrigado.
(Segue-se exibição de imagens.)
De novo, é um prazer estar aqui com vocês.
Eu vou me ater aqui ao meu tempo de 15 minutos.
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Quebrando um pouco o protocolo de como se discutem questões jurídicas no Brasil, eu vou pular toda a gordura das argumentações jurídicas e ir direto ao ponto.
Acho que temos que fazer uma conta. Temos aqui um ex-representante do CNJ. No último relatório do CNJ, os números foram esses: 75,4 milhões de processos. Em 2020, foram julgados 27,9 milhões de processos e foram proferidas 28 milhões de sentenças pelo Poder Judiciário. Se considerarmos que são 17.998 magistrados, são 1.550 processos por magistrado, ou seja, quase sete sentenças por dia útil, fora audiências, decisões de interlocutórias. Isso se o juiz não tirasse férias, se não houvesse feriados. Enfim, pode botar aí umas dez sentenças por dia, fora as audiências, fora as decisões interlocutórias, fora receber os advogados e tal. Então sabemos muito bem que esses processos não são julgados com qualidade, porque isso é absolutamente impossível.
Nós temos o cenário da tragédia da Justiça que, na verdade, é uma adaptação da teoria do Garrett Hardin, autor de A Tragédia dos Comuns, ou seja, você tem recursos limitados, as pessoas buscam utilizar aqueles recursos o máximo possível e os recursos acabam se esgotando. No cenário de tragédia da Justiça, vemos um sintoma muito interessante, que é um sintoma muito brasileiro. Aliás, todos esses sintomas são muito brasileiros, porque, em nenhum lugar do mundo, temos 80 milhões de processos; em nenhum lugar do mundo, a Justiça custa 1.5% do PIB; em nenhum lugar do mundo, temos taxas de autocomposição de conflitos tão baixas, não é? A taxa de autocomposição de conflitos na Justiça brasileira gira em torno de 10% a 12%, graças à Justiça do Trabalho, que tem uma taxa mais alta.
A questão — respeitando muito aqui a fala da minha colega — não é só dos grandes demandantes e do Estado. Se assim fosse, teríamos taxas baixas de congestionamento e tempos de processo reduzidos, por exemplo, nos Juizados Especiais Cíveis, quando nós vemos na verdade, que, na grande maioria, para não dizer em todos os tribunais, o tempo do processo hoje no Juizado Especial é o mesmo tempo do processo nas varas civis. Esse é um enorme problema.
O art. 17, minhas amigas e meus amigos, todos aqueles que nos assistem no dia de hoje, vem em boa hora, para, aí sim, utilizando o Princípio da Análise Econômica do Direito, criar incentivos comportamentais adequados para aumentar essas taxas de autocomposição de conflitos, antes da chegada do processo ao Poder Judiciário. Eu explico aqui, de maneira científica, trazendo ensinamentos de outras ciências comportamentais que são muito mais bem-sucedidas do que o direito, como a economia, como a psicologia, e que são utilizadas em outros países e, agora, no Brasil, começamos a utilizar também.
Por que temos que evitar esses processos? Estamos falando de entes patrimoniais disponíveis, não só de demandas consumeristas, mas de todos os direitos patrimoniais disponíveis. Talvez eu até concorde com a minha colega, quando ela faz algumas ressalvas em relação ao § 2º. Talvez nem precisasse do § 2º, na verdade.
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A verdade é que, quando o processo entra no Poder Judiciário, diversas outras forças que não estavam presentes antes começam a operar e dificultam que as partes entrem em composição, que as partes se autocomponham. E sabemos que o nível maior de bem estar possível para a solução de um conflito é aquele decorrente da autocomposição. Todas as pesquisas dizem isso.
Quando se entra no Poder Judiciário, há vários problemas. O primeiro problema é que a estrutura de custas da justiça brasileira não ajuda na autocomposição do conflito, quer dizer, ela não cria incentivos para a autocomposição do conflito.
Outro ponto interessante é o chamado viés de otimismo: as partes tendem a achar que vão vencer a ação. Então, no momento em que eu aperto esse botão da solução judicial, esse viés começa a correr e dificulta — já que também temos um problema de estruturação das custas — a autocomposição do conflito.
Outro elemento da economia comportamental que também dificulta a autocomposição do conflito é aquilo que chamamos de falácia dos custos a fundo perdido. Pode parecer complexo, mas fica bem fácil de entender para todos que estão nos assistindo e não estão acostumado com esses termos, se nós fizermos uma analogia. Imagina que — agora, finalmente, cinemas e teatros estão voltando a abrir — você se programou para ir hoje à noite ao teatro ver uma peça muito bacana, e ainda não tinha comprado os ingressos, iria comprar os ingressos no local. E caiu uma tempestade, caiu uma grande tempestade. De zero a dez, olhando aquela tempestade pela janela, qual é a sua vontade de ir ao teatro depois da tempestade? Calcule aí na sua cabeça, de zero a dez, qual é a sua vontade de ir ao teatro. Talvez você não vá mais ao teatro. Agora, imagina que você já comprou os ingressos, que você já pagou pelos ingressos, e esses ingressos são caros. Se você já pagou pelos ingressos, talvez a sua vontade de ir ao teatro aumente. É exatamente isso o que acontece quando a pessoa vai ao Poder Judiciário, minhas amigas e meus amigos. Boa parte das custas são alocadas no início, sejam as custas de contratar um advogado, sejam as próprias custas judiciais, quando não estamos no Juizado, quando nós não estamos na gratuidade da justiça. Como diz o Prof. Daniel Kahneman, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia, o Prof. Cass Sunstein, da Universidade de Harvard, a Profa. Kristen Jows, da Universidade de Yale, o processo se desenvolve em um clima de desarmonia, e quanto mais demora o processo, mais irritadas as partes ficam e menos vontade de compor o conflito elas têm.
Para piorar, existe outro efeito que é a economia comportamental aponta para nós, chamado efeito dotação ou endowments effects. O que significa o efeito dotação, o endowments effects? Eu me aproprio daquele direito que acho que eu tenho e dou a ele um valor maior do que ele realmente tem. A consequência direta disso é dificultar a autocomposição do conflito, dificultar um acordo porque naturalmente a pessoa vai me oferecer um valor que eu não vou ficar satisfeito porque eu vou achar que vale mais, graças ao chamado efeito dotação.
Então, essas coisas todas, que não estávamos muito acostumados a discutir no Brasil, influenciam nesses números que nós vimos, que compõe a Tragédia da Justiça. É claro, eu concordo, o Estado tem um baita papel nisso tudo, vejam as execuções fiscais. Mas também a inoperância do sistema executivo brasileiro tem um papel nisso tudo. Enfim, existem mil problemas, mas aqui estamos focando em um. E um jeito bom de não resolver um problema é também relacionar muitos outros ao mesmo tempo.
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Eu queria mostrar para vocês aqui, já caminhando para o final, que se realmente levarmos a sério o art. 17, poderemos caminhar para algo como a Corte Cível de British Columbia, no Canadá, o Tribunal de Resolução de Causas Cíveis de British Columbia, que é um tribunal completamente on-line. Isso não é mais uma loucura, vide o TRF6, que será um tribunal prioritariamente on-line; vide o avanço do Brasil na digitalização dos processos; vide a pauta do CNJ rumo a uma revolução do sistema de Justiça, utilizando a tecnologia, e não só a inteligência artificial.
Eu queria mostrar para vocês que é possível reinventar a forma como se resolvem conflitos. No Tribunal de British Columbia, que é o mais avançado do mundo, antes de chegarmos ao processo propriamente dito, temos uma fase que eles chamam de Solution Explorer, que é exatamente uma fase de autocomposição do conflito. Isso se dá entre as partes, o juiz não interfere aqui, aqui ainda não precisa de advogado — e não quero nem entrar neste mérito agora. Mas, obviamente, existe um mecanismo de tecnologia que facilita a conversa entre as partes e diminui o que chamamos em economia de assimetria informacional. Isso é muito importante para que as partes cheguem a um bom acordo, a uma boa autocomposição do conflito.
E quando alteramos o art. 17 para reconfigurar o interesse de agir — eu já havia proposto isso em 2017 no meu livro Análise Econômica do Processo Civil —, certamente incentivaremos cada vez mais que os tribunais conectem — vejam que coisa importante, pessoal — os seus modelos e os seus sistemas de gestão de processos à plataforma de resolução de conflitos. Nós já estamos vendo esse movimento, por exemplo, no consumidor.gov.
E há outro ponto interessante. Falamos aqui de consumidores satisfeitos, de consumidores insatisfeitos, somente 28% dos consumidores gostam do SAC, por exemplo, o que é verdade. Mas nós temos que lembrar que o nível de insatisfação com o sistema de Justiça é ainda pior, o índice de satisfação com o consumidor.gov beira a 80%, e os índices de autocomposição de conflitos também, ou seja, funciona. E funciona por uma questão científica, porque as partes são colocadas para conversar no ambiente digital de maneira assíncrona. Então a emoção fica um pouquinho de lado. Elas conseguem trocar informações, e isso obviamente diminui as assimetrias informacionais e aumenta as chances de composição de conflitos.
Há outro ponto que eu queria comentar já indo de verdade para o final. Parece-me que o Supremo apontou para essa solução de maneira saudável. Eu acho que radicalismos — e concordo muito com o que uma colega também trouxe — não são bem-vindos. E quando o Supremo Tribunal Federal resolveu, por exemplo, a questão do interesse de agir nas demandas previdenciárias — e agora eu já não falo mais como pesquisador, falo mesmo como operário do direito, pois nós juízes federais lidamos muito com as demandas previdenciárias —, o próprio Supremo disse: “Olha, não tenho interesse de agir, se a pessoa acha que tem o direito previdenciário e nem sequer foi pedir esse direito no INSS, ou teve esse direito negado, ou, pior, não foi sequer respondida em prazos razoáveis”. Ela precisa comprovar que foi lá. O que o art. 17, neste parágrafo, propõe é basicamente isso: que eu simplesmente demonstre que bati na porta do vizinho. E vejam, eu não estou falando aqui nem de demanda consumerista, mas de demandas em geral. O artigo propõe que eu demonstre que bati na porta do meu vizinho para dizer assim: “Olha só, vamos tentar resolver isso amigavelmente?” E isso é absolutamente simples de comprovar, porque um e-mail comprova, uma mensagem de WhatsApp comprova e, no caso dos consumidores, uma ligação para o SAC comprova. Não existe um consumidor que seja incapaz de ligar para o SAC e seja capaz de acessar o sistema de Justiça. Aliás, eu lembro que o brasileiro tem mais acesso à Internet do que à Justiça.
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Então, nós temos, sim, que nos lembrar de que a redução dos custos de transação proporcionada pela tecnologia é bem-vinda para aumentar o acesso à Justiça. Não podemos só focar no excluído digital, porque tem muito mais excluídos da Justiça do que excluídos digitais. Muitas pessoas não conseguem sequer ir ao fórum porque não têm dinheiro para pagar uma passagem de ônibus. Eu cansei de receber pessoas pegando caronas em trator para chegarem ao fórum e com prejuízos terríveis para o dia de trabalho. Mas todas elas têm um celular, todas elas conseguem mandar um áudio de WhatsApp, mesmo que elas não saibam, por exemplo, escrever. E aquelas que não sabem, nós temos que arrumar mecanismos para auxiliá-las. Mas hoje tem muito mais gente fora do sistema de Justiça do que fora das tecnologias básicas.
A alteração do outro artigo eu não gostaria de comentar. Vou deixar esse assunto para os meus outros colegas porque queria usar os meus 15 minutos para falar realmente da reconfiguração do interesse de agir. E me parece que o segundo parágrafo é meramente exemplificatório, quando ele estabelece aqueles meios lá para o consumidor acessar e buscar a autocomposição do conflito. É uma mera sugestão. Isso poderia até ser retirado. Esse dispositivo inclusive, o segundo parágrafo, poderia ser retirado, porque o primeiro, ao falar de demandas cíveis de direitos disponíveis, já inclui naturalmente as demandas consumeristas.
É isso. Eu queria ficar dentro dos meus 15 minutos. O meu tempo acabou agora.
Agradeço demais a oportunidade de falar, de poder ser ouvido pelos colegas. Eu vou ficar aqui atentamente ouvindo todos vocês, fazendo as minhas anotações.
Muito obrigado a todos e tenham todos um excelente dia.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Erik Navarro. Agradeço a sua exposição.
Antes de passar a palavra para o próximo convidado palestrante, nós pediríamos, Dr. Erik, que V.Sa. disponibilizasse sua apresentação para a Comissão, para que pudéssemos colocá-la no site da Câmara dos Deputados. Inclusive, como Relator, pedirei à Comissão que me disponibilize esse material, que é de extrema importância e traz respostas para as perguntas que eu faria para V.Sas. Então, já me poupará de fazer a pergunta para V.Sas., porque já existe a resposta ali.
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Agradeço novamente a V.Sa. a apresentação.
O SR. ERIK NAVARRO - Muito obrigado. Vou botar aqui no chat, pode ser?
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - A Secretária-Geral, Lilian, está pedindo para o senhor mandá-lo por e-mail, por gentileza.
O SR. ERIK NAVARRO - Mando no mesmo e-mail em que eu recebi o convite, pode ser?
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Exatamente.
O SR. ERIK NAVARRO - Estou fazendo isso agora então.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Erik.
O SR. ERIK NAVARRO - Eu que agradeço.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Passo a palavra agora para o Sr. Henrique Ávila, ex-Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça.
V.Sa. tem 15 minutos para sua apresentação.
O SR. HENRIQUE ÁVILA - Obrigado, eminente Deputado Vinicius Carvalho, a quem cumprimento muito efusivamente pela relatoria de um projeto tão importante, sob a nossa ótica, para a jurisdição brasileira. Cumprimento também o Presidente da Comissão, o Deputado Celso Russomanno, e os eminentes Parlamentares. Cumprimento os colegas aqui palestrantes, alguns dos quais eminentes magistrados, eminentes advogados, muitos trabalharam conosco, eu tive a fortuna de trabalhar com eles no Conselho Nacional de Justiça. Certamente, todos aqui, grandes especialistas no assunto, seguramente, podem contribuir muito com este debate do Projeto de Lei nº 533, de 2019, que estamos cá a discutir.
É preciso que se diga e se dê ênfase a que realmente vivemos no Brasil um sistema de assoberbamento da Justiça brasileira em termos de processos. Não é possível esconder de ninguém e de nenhum acadêmico, seja no Brasil ou no mundo, que 75 milhões de processos em curso no Poder Judiciário brasileiro é algo que não é razoável. Este número — 75 milhões — foi divulgado recentemente no último Relatório Justiça em Números, feito pelo Conselho Nacional de Justiça. Mas é preciso que se diga que este número nunca varia muito ali, fica em 75, vai para 80, fica em 82 por uma razão muito simples: aportam no Poder Judiciário brasileiro, por ano, cerca de 30 milhões de processos.
É claro que isso, como disse, não é razoável. Então, mecanismos que facilitem as partes e a sociedade evitar, evidentemente quando possível, o acesso à jurisdição devem ser por nós estimulados. É uma atitude racional transformar este sistema de acesso à Justiça, ou melhor, como prefere o Prof. Kazuo Watanabe, acesso a uma solução jurídica justa, que não necessariamente seja o ingresso no Poder Judiciário, mas, eventualmente, a autocomposição dos litígios, por exemplo, é algo que precisamos, é claro, sempre incentivar.
Eminentes Deputados, eminentes Parlamentares que estão cá a nos ouvir, é preciso que eu diga, na qualidade de professor de direito, de pesquisador, de advogado e de, recentemente, membro do Conselho Nacional de Justiça, representante deste Congresso Nacional naquele órgão, que o juiz brasileiro é o juiz mais produtivo do mundo. Não há notícias e estatísticas de outro juiz no mundo que seja mais produtivo do que o juiz brasileiro. Nós temos 80 milhões de causas, e 30 milhões de causas aportam por ano no Judiciário brasileiro. O Judiciário brasileiro julga 30 milhões de causas.
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Evidentemente, esse esforço dos 18 mil juízes brasileiros não é refletido numa diminuição significativa de processos em curso no Poder Judiciário. Por isso, é preciso que nós, primeiro, valorizemos esses profissionais e, segundo, estabeleçamos como o projeto de lei, principalmente no que se refere ao art. 17, na alteração que empresta ao art. 17 do Código Processo Civil, ou seja, é preciso que projetos como este, inteligentes, racionais, aprimorem a Justiça brasileira. Por quê? Nós que somos partidários da mediação, da conciliação — e eu presidi durante muito tempo a Comissão de Acesso à Justiça do Conselho Nacional de Justiça, então me coloco como um deles, um dos entusiastas desse tema — devemos estimular e colocar as partes, eminentes Parlamentares, eminentes ouvintes, telespectadores, para dialogar. É preciso que coloquemos as partes para conversar de maneira qualificada, com um mediador, com um conciliador ou, eventualmente, até em negociação, como faz, por exemplo, de maneira muito positiva, o conhecido site www.consumidor.gov.
Isso é absolutamente necessário. Para evitar o quê? Uma assimetria de informações. Por quê? Senhores, quantos desses 80 milhões, 75 milhões de processos que estão em curso hoje no Poder Judiciário não precisariam estar lá, se as partes do processo compreendessem o litígio e fossem colocadas para conversar, sem emoções, para debater as questões patrimoniais da causa, especificamente, e pudessem, então, celebrar um acordo, que pode ser muito mais rentável, muito mais razoável, muito mais produtivo, em termos de tempo, em termos de custo, para as próprias partes, para o Poder Judiciário e para todos os envolvidos?
Então, como eu disse, só tenho elogios a este projeto. É claro que é preciso um aprimoramento de redação, não há dúvida. Isso está sendo debatido aqui, exatamente isso. Da proposta de modificação do art. 491, por exemplo, ainda é preciso uma melhor compreensão, porque altera a extensão da obrigação em razão de uma tentativa prévia de mediação ou conciliação ou o que quer que seja, o que parece que altera a obrigação. É preciso esclarecer melhor isso. Mas, no que diz respeito ao art. 17, principalmente decorrente da relação de consumo, só vejo benefícios, principalmente porque — e o Juiz Erik Navarro falou sobre isto muito bem —, no caso de um consumidor que pretende ter acesso à Justiça, é razoável supor que ele tenha acesso à Internet, que ele tenha acesso, sobretudo nos dias de hoje, a um equipamento eletrônico simples que seja para comprovar uma tentativa extrajudicial de satisfação da sua pretensão, para ficar na terminologia adotada pelo projeto de lei.
Veja: isso só vai permitir que o consumidor muitas vezes, consiga chegar ao que ele pretende antes de acessar a Justiça, o que implica um custo natural. Nós falamos aqui sempre sobre os custos do Poder Judiciário. A Juíza Valeria Lagrasta e o Juiz Erik Navarro passaram por isso. Na verdade, é um dever de todos nós cidadãos nos preocuparmos com isso, porque é realmente muito caro gastar 1,5% do PIB com o Poder Judiciário. É preciso que isso seja gasto exclusivamente se houver necessidade. Ninguém está dizendo aqui que o Poder Judiciário está se omitindo. Não é isso que quer dizer o projeto de lei. Na verdade, nas hipóteses em que essa solução, essa tentativa extrajudicial não for frutífera, lá estará o Poder Judiciário. Não será afastada do Poder Judiciário nenhuma ameaça ou lesão a direito também, para usar a terminologia da Constituição Federal.
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No entanto, é importante que nós digamos que, a partir da Constituição de 1988, com a legislação infraconstitucional, que veio principalmente a partir da década de 90, houve um boom, um acesso à Justiça exagerado no Brasil todo. É claro que, muitas vezes, esse exagero foi importante. A sociedade, a população acessou a Justiça.
Mas nós precisamos compreender que nós, lamentavelmente, não estamos num país rico. Faltam, por exemplo, leitos em hospitais, faltam escolas em muitos Municípios brasileiros. Nós precisamos também reconhecer que a jurisdição é cara, é para defender, muitas vezes, alguns direitos patrimoniais. E colocar lá um juiz bem remunerado, servidores competentes, servidores bastante qualificados, para atender, muitas vezes, pretensões que podem, senhores, este é o ponto — não se está evitando que elas sejam direcionadas ao Poder Judiciário —, ser solucionadas de maneira prévia, de maneira extrajudicial.
Eu gosto de citar o exemplo de uma ocasião em que eu falava em Nova York para professores americanos sobre o acesso à Justiça no Brasil. Eu fui interrompido quando informei que havia aqui no Brasil juizados especiais nos aeroportos. Os americanos absolutamente não entenderam, não conseguiram compreender — e eu estava lá colocando essa crise de acesso à Justiça no Brasil — como nós poderíamos estar reclamando se nós colocávamos juizados nos aeroportos. Na época, eu não recordei, mas poderia ter dito que nós também temos, aqui no Brasil, juízes e desembargadores nos estádios de futebol.
É claro que, diante desse cenário, nós precisamos avaliar se gastamos 100 bilhões, como apontou o último relatório Justiça em Números, com o Judiciário por ano no Brasil ou se alocamos isso em outra atividade estatal. É claro que, hoje, isso é necessário, porque nós ainda estamos caminhando para, cada vez mais, racionalizar a Justiça.
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É isso o que me parece que esse projeto pretende fazer exatamente para racionalizar e aprimorar o sistema de solução extrajudicial de conflitos e evitar, tanto quanto possível, que as causas adentrem o Poder Judiciário, para que nós diminuamos esse número de 30 milhões de causas que aportam ao Poder Judiciário por ano.
O meu tempo também já se esgotou. Era o que eu queria trazer aos senhores. Espero ter sido útil nas reflexões desse projeto de lei, para que o Parlamento brasileiro possa sabidamente avaliar se é o caso de aprová-lo e convertê-lo em lei nacional.
Muito obrigado. Agradeço mais uma vez o convite, Deputado Vinicius Carvalho. Agradeço também ao Presidente Celso Russomanno pelo convite. Despeço-me aqui, colocando-me à disposição para qualquer outro debate que se fizer necessário.
Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Sr. Henrique Ávila, pela exposição.
Concedo a palavra ao Sr. Daniel Freitas Resende, advogado e Presidente da Comissão de Arbitragem da OAB/Minas Gerais.
Antes de passar, de fato, a palavra para V.Sa., Dr. Daniel, eu pediria a todos os expositores que, se puderem e se quiserem, apresentem as sugestões para melhorarmos o projeto. Logicamente, refiro-me àqueles que são favoráveis ao projeto e veem o que pode ser melhorado. A intenção do Parlamento nas audiências públicas é exatamente esta: ouvir a sociedade civil organizada e os especialistas antes, para que as nossas ações efetivas tenham, de fato, o alcance do objeto, que é o fim social.
Então, contamos com o apoio de V.Sas., os palestrantes de hoje, que enriqueceram muito este debate, no sentido de encaminhar para o e-mail por meio do qual V.Sas. foram convidados para participar desta audiência pública.
Agora, de fato, passo a palavra ao Sr. Daniel Freitas Resende, por 15 minutos.
O SR. DANIEL FREITAS RESENDE - Bom dia, Sr. Deputado, senhoras e senhores.
Inicio agradecendo a oportunidade de participar desta audiência pública à Deputada Leda Sadala, autora do requerimento, para que eu pudesse hoje aqui estar com V.Exas. Agradeço também à Deputada Greyce Elias. Além de agradecer a oportunidade, cabe-nos, neste momento, enaltecer a nota técnica subscrita pelo FONAMEC — Fórum Nacional de Mediação e Conciliação, que fora enviada a esta Comissão e à qual passamos a sugerir mais ampla discussão em relação aos modos de demonstração de pretensão resistida como sendo um dos pontos centrais do PL 533, de 2019.
Para a Advocacia Arbitralista de Minas Gerais, que hoje aqui represento como Presidente da Comissão de Arbitragem da OAB/MG, faz-se importante demonstrar, em razão de o Brasil ser um país multiétnico, formado por uma vastidão de povos e culturas diferentes, que essa mistura tem resultado num país de enorme diversidade cultural e social. Esse fato nos faz clamar para que não engessemos a proposta de alteração legislativa a um modo único de demonstração de pretensão resistida, caso este projeto de lei venha a ser aprovado, como já nos alertou o ilustre magistrado Dr. Juliano Veiga, Juiz de Direito da Comarca de Muriaé, em Minas Gerais.
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É fato que o PROCON, o Consumidor.gov.br são eficazes modos de demonstração de pretensão resistida, porém há diversidade de realidades no Brasil. Se Guimarães Rosa já dizia que Minas são muitas, eu ouso aqui acrescentar "quiçá o Brasil". Então, nós não podemos considerar como únicos modos de comprovação da pretensão resistida esses aqui elencados.
Por isso, faz-se importante considerarmos outros modos de demonstrar que as partes tentaram resolver seu litígio, utilizando formas extrajudiciais de solução de conflitos, como as câmaras privadas idôneas, que prestam grandes serviços à nossa população.
Em Minas Gerais, temos bons exemplos de câmaras privadas que podem ser utilizadas pelas partes como forma de resolução extrajudicial de solução de conflitos, a exemplo da Soluma'at, uma câmara registrada pelo próprio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e os postos avançados de conciliação extraprocessual, uma parceria da OAB de Minas Gerais, das Associações Comerciais, do SEBRAE e do próprio Tribunal de Justiça.
A título de ilustração, eu trago aqui dados do Posto Avançado de Conciliação de Uberaba, instalado na Associação Comercial daquela importante cidade mineira e que, neste ano de 2021, completou 1 década de funcionamento. Ele prestou relevantes serviços à população uberabense, com mais de 80 mil audiências realizadas. Só no ano de 2020, ajudou a negociar mais de 400 mil reais, retornando esse dinheiro para o comércio local daquela cidade.
A OAB de Minas Gerais, preocupada em não permitir a atuação de câmaras de conciliação e mediação inidôneas no Estado, editou portaria com o intuito de utilizar toda a sua capilaridade para fiscalizar a atuação destas câmaras e colaborar para que o cidadão não seja prejudicado ao utilizar este modo extrajudicial de solução de conflitos.
Eu não quero aqui tomar o tempo de V.Exas., porque nós temos outros expositores. Eu quero ser bem sucinto nesta apresentação. Assim, eu gostaria apenas de fazer considerações, sugestões. E peço vênia para, em nome dos advogados arbitralistas de Minas Gerais, apoiar a nota técnica enviada a esta Comissão pelo próprio FONAMEC, acrescentando a imprescindibilidade da participação dos advogados nessas audiências de mediação e conciliação a serem realizadas em todos os modos de pretensão resistida.
A nossa Constituição Federal coloca a advocacia como indispensável à administração da Justiça. Esse é um ponto em que, com o acompanhamento de todas essas sessões de mediação, de conciliação, quando temos advogados colaborativos, o resultado é muito mais eficaz. Então, senhoras e senhores, Sr. Deputado Vinicius Carvalho, ilustre Relator desta Comissão, Presidente Celso Russomanno, eu agradeço a V.Exas. imensamente a oportunidade e o tempo aqui me concedido. Eu me coloco à inteira disposição desta Comissão.
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Muito obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Eu agradeço a participação de V.Sa., Dr. Daniel Freitas Resende. Inclusive, já pedi à Secretária-Geral da nossa Comissão — por isso eu não estava atento no momento em que V.Sa. finalizou — que fizesse chegar a mim a nota técnica que V.Sa. citou na exposição. Muito certamente essa nota nos enriquecerá, ela nos ajudará a melhorar, cada vez mais, o nosso trabalho de relatoria.
Concedo a palavra neste instante à Sra. Susana Henriques da Costa, professora e doutora em processo civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça e Litigância Repetitiva.
V.Sa. dispõe de 15 minutos.
A SRA. SUSANA HENRIQUES DA COSTA - Exmo. Sr. Deputado Federal Vinicius Carvalho, é um prazer estar aqui hoje para debater um tema tão importante quanto o do acesso à Justiça no Brasil.
Como V.Exa. já falou, eu represento o Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça e Litigância Repetitiva da USP, um grupo vinculado ao sistema do CNPq e composto por alunos de mestrado e de doutorado da Faculdade de Direito da USP, coordenado por mim e pelo Prof. Carlos Alberto de Salles. Trata-se de um grupo que já produziu dezenas de pesquisas acadêmicas sobre litigância repetitiva e o Judiciário.
Tenho a honra de vir aqui tentar contribuir, a partir de pesquisas acumuladas, com o debate do Projeto de Lei nº 533, de 2019. O projeto mencionado pretende alterar o art. 17, parágrafo único, e o art. 491, § 3º, do CPC, com a inserção da resistência do réu ao cumprimento da obrigação na ideia de interesse de agir. Em sua justificativa, o projeto de lei explicita que o seu objetivo é a incorporação na legislação processual do conceito de pretensão resistida, de modo que fique comprovado que houve uma tentativa de solução de conflito antes da sua judicialização.
Eu vou aqui fazer uma pequena apresentação, se me permitem, para que eu possa estruturar o meu raciocínio. Aqui eu vou me utilizar de vários dados.
(Segue-se exibição de imagens.)
As premissas fundamentais do PL 533/19, do seu substitutivo e das suas emendas são: o excesso de litigiosidade; a facilidade de acesso ao Judiciário, que é presumido como uma arena prioritária pela população; e a necessidade de incentivar o uso de outras vias judiciais, inclusive as virtuais, para redirecionar reclamações e demandas que hoje acarretariam custos excessivos para a Justiça e que causam o seu congestionamento, como já foi dito aqui por vários dos que me antecederam.
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Salvo melhor juízo, e minha fala é nesse sentido, as premissas do projeto são desafiadas por muitos dados existentes sobre o tema.
Vou começar com a questão da confiança no Judiciário. Dados existentes sobre esse tema dizem que o brasileiro não confia na Justiça e não a considera a melhor via para o encaminhamento de suas demandas. Segundo dados do Índice de Confiança da Justiça Brasileira, o chamado ICJBrasil, da FGV Direito, publicado em 2021, referente ao ano de 2020 e 2021, 83% dos entrevistados consideram que o Judiciário resolve os seus casos de forma lenta ou muito lenta. O custo para acessar a Justiça também foi mencionado por 77% dos entrevistados e 73% deles declararam que é difícil ou muito difícil utilizar a Justiça. Não há, portanto, a percepção de que a Justiça é a melhor via.
Em termos de instituições, na realidade, o índice de confiança das grandes empresas, que é de 49%, como os senhores podem ver neste gráfico, é superior à confiança do Judiciário, que é de 40%. Isso nos faz crer que as pessoas não se recusam a usar os canais das empresas por preferirem usar o Judiciário, ou porque gostam desta via, ou porque priorizam o Judiciário, mas possivelmente por outras razões, tais como: a inacessibilidade e a irresponsividade desses canais, como já foi também dito aqui por quem me antecedeu.
Além disso, comparativamente com outros países — e eu acho importante trazer esses dados, já que foi mencionada muito essa questão da comparação com outros países, principalmente com os países do norte global —, os brasileiros levam conflitos muito menos à Justiça do que a média global, apesar de vivenciarem problemas legais com muito maior frequência. Dados do World Access to Justice Project, de 2019, que foi uma pesquisa global realizada sobre acesso à Justiça, apontam que, na média global, 49% da população relata ter sofrido com problemas de ordem legal, enquanto no Brasil esse índice chega a 69%, dos quais 32% são problemas de consumo.
Contudo, nos dados globais, enquanto 29% das pessoas que vivem um problema legal buscam alguma forma de auxílio, como suporte jurídico, apoio de família, amigos, instâncias comunitárias, apenas 13% dos brasileiros buscam ajuda para os seus problemas. E mais: destes 13%, apenas 1% considerou a resolução dos problemas em órgãos públicos, dentre os quais o Judiciário.
Esses dados desafiam, portanto, a narrativa de um excesso de acesso no Brasil, na medida em que indicam o vão existente entre as pessoas que reconhecem seus problemas legais e as pessoas que reivindicam a tutela jurisdicional. Ao contrário do que se repete no senso comum, a sociedade brasileira não é uma sociedade em que se litiga muito; a sociedade brasileira é uma sociedade em que se violam direitos em massa, direitos esses que ficam, em regra, sem reparação.
Destaca-se aqui o restrito caminho que o acesso à Justiça apresenta no Brasil e que ainda possui óbices de ordem socioeconômica, simbólica e cultural no processo de consideração do Judiciário como uma via adequada de solução de problemas. Isso significa concluir que o caminho até o Poder Judiciário não é fácil e não é livre. Na verdade, os dados sobre acesso à Justiça, a partir dos conflitos já institucionalizados, que foi o que se trouxe muito aqui nas apresentações anteriores, apresentam justamente o grande desafio de compreender as desigualdades que marcam os processos não ajuizados.
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Em termos de políticas públicas, é mais importante entender o porquê a maioria dos problemas jurídicos não chegam e não são resolvidos do que criar obstáculos ao pouco percentual de casos que acessam a arena judicial, ainda que eles representem um quantitativo grande de processo.
O grande risco de pautar reformas legislativas preocupadas exclusivamente com gestão de volume dos processos, que é um pouco da perspectiva que também foi trazida aqui nesta audiência pública, é enfrentar apenas uma faceta do problema da Justiça, reduzindo a complexidade do fenômeno da litigiosidade e não oferecendo soluções efetivas. Elas poderão, ao contrário, produzir efeitos reduzidos, ou até mesmo prejudicar a construção da igualdade substancial de acesso à Justiça.
Aqui, com todo respeito àqueles que me antecederam, é muito complicado trazer e transportar para a realidade brasileira teorias desenvolvidas no norte global, teorias americanas, canadenses, inglesas e que não levam em conta a realidade da sociedade brasileira. A sociedade brasileira é uma sociedade de extrema desigualdade em que há pessoas na fila do osso e crianças desmaiando na escola por fome.
Não se deve resolver o problema da Justiça e do congestionamento da Justiça excluindo-se o cidadão ou o consumidor. O que é preciso é excluir os grandes litigantes que constantemente, como foi dito aqui pela Valeria antes de mim, oligopolizam o acesso à Justiça.
Eu gosto também de contar uma história de quando fui pesquisar e fazer o meu pós-doutorado nos Estados Unidos e conversei com o Prof. Macaulay, da Universidade de Madison, sobre o acesso à Justiça no Brasil em matéria de consumo. E, quando eu disse a ele que levávamos para o Judiciário a solução de problemas com fornecedores e dei alguns exemplos, ele me disse: "Quem dera o acesso à Justiça no direito americano fosse como o acesso à Justiça no direito brasileiro." Salvo o melhor juízo e com respeito a todos que me antecederam, eu acho equivocado também partirmos da premissa de que tudo que é feito nos Estados Unidos é melhor do que é feito no Brasil.
Outros dados que refutam as premissas do projeto que eu gostaria de trazer aqui são os que demonstram que, apesar de serem boas alternativas, os canais hoje existentes de atendimento ao consumidor não representam uma democratização do acesso, especialmente se colocado como via obrigatória e não alternativa como pretende o PL 533/19.
Aqui quero deixar muito claro que o problema que o nosso grupo de pesquisa identifica não é a adoção de canais alternativos e do consenso como solução de conflitos, e sim a obrigatoriedade desse filtro. Isso porque há um acesso muito desigual aos canais de atendimento, especialmente os virtuais. Aqui foi muito citado o Consumidor.gov.br. E eu gostaria de discutir um pouco os dados de acesso ao Consumidor.gov.br.
Os dados da série histórica, de 2014 a 2020, da plataforma Consumidor.gov.br, retirados dos relatórios oficiais do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor, o SINDEC, mostram um predomínio na sua utilização das Regiões Sul e Sudeste; com 70% das reclamações de usuários jovens; com utilização restrita por idosos, apenas 9% da média eram idosos; com maior escolaridade, 65% daqueles que utilizam o Consumidor.gov.br têm ensino superior completo, 30% têm ensino médio e apenas 5% têm ensino fundamental.
Os índices socioeconômicos acima enunciados evidenciam a presença da desigualdade no acesso à plataforma, que se colocam como desafio a uma perspectiva de ampliação do acesso à Justiça por meio desse instrumento.
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Em relação ao nível de escolaridade do usuário, uma das conclusões importantes consiste no fato de que, a despeito da potencial ampliação de acesso à Justiça, que pode, sim, ser encontrada na plataforma consumidor.gov, sobretudo em relação aos encaminhamentos realizados antes da institucionalização do conflito, o uso da plataforma não deveria ser considerado um filtro obrigatório de acesso à Justiça. Isso porque essa obrigatoriedade macula a própria ideia de consenso, que é ínsita a esses meios. Além disso, e mais importante, a solução proposta não toca as causas que explicam a litigiosidade consumerista.
Nesse sentido, o debate aqui realizado deveria incluir a pergunta: "Quem dá origem à litigância repetitiva?" As pesquisas até então realizadas apontam para o papel determinante das falhas regulatórias e das condutas violadoras sistemáticas de direito pelos fornecedores com grande poder econômico que já foram citados aqui, os chamados grandes litigantes da Justiça brasileira.
O excesso de demandas individuais e coletivas é apenas um reflexo desse fenômeno social que gera macrolides que desembocam em massa no Judiciário. Com isso em mente, seria importante pautar o debate proposto em soluções voltadas à diminuição de situação de injustiça. A saída deveria passar pela construção de políticas públicas preventivas e políticas públicas punitivas baseadas em dados confiáveis, voltadas a aprimorar a atividade regulatória do Brasil, bem como a combater a violação de direitos pela maior conformidade da atuação dos fornecedores aos preceitos legais.
E aqui também eu gostaria de fazer um contraponto. Quando se fala dos grandes litigantes na Justiça brasileira, não necessariamente estamos falando dos grandes litigantes como autores. Então, a perspectiva dos Juizados Especiais, que estão abarrotados de demandas de consumo, são as demandas de consumo contra grandes litigantes, justamente esses grandes litigantes que sistematicamente violam as regras propostas, as regras legais existentes no Brasil. Então, quando se fala de grande litigante como aquele que oligopoliza o sistema de justiça também se fala de Juizados Especiais.
O Judiciário assoberbado, portanto, é o reflexo de uma sociedade que desrespeita em massa as leis, e não de uma alta litigiosidade individual. Dificultar o acesso à Justiça, portanto, só faz essa balança ficar mais desigual.
Caminhando para o final, eu também gostaria de dizer que, a despeito do aumento do acesso à Internet no Brasil nos últimos anos, a inclusão digital ainda é restrita, precária e desigual. Dados do Comitê Gestor da Internet do Brasil, na pesquisa TIC Domicílios de 2020, ano-base 2019, demonstram que, embora haja um crescimento, sim, significativo nos últimos anos do acesso à Internet, 26% dos brasileiros afirmam não serem usuários da Internet sob qualquer forma. Dentre os maiores de 60 anos, esse percentual chega a 76% da população sem qualquer acesso à Internet. Há ainda um significativo percentual de usuários exclusivos de celular, que são 58% dessa população, sendo que a ampla maioria está na classe D e E; 85% da população da classe D e E só acessam a Internet via celular.
Esse uso da Internet ainda não é voltado para toda e qualquer atividade on-line. Enquanto 92% da população usam a Internet só para troca de mensagens, via aplicativo e redes sociais, apenas 59% buscam informações sobre serviços, sendo que este percentual cai para 31% nas classes D e E e para 28% dentre aqueles com apenas ensino fundamental completo. Não é possível presumir que o acesso digital é mais fácil que o acesso à Justiça. Não há dado indicando isso. Essa é uma mera presunção. Os dados que existem são aqueles que dizem que as plataformas digitais têm a utilização elitizada por uma população jovem com educação e com poder aquisitivo. Os dados que existem apontam que idosos e pessoas de classes D e E acessam o Judiciário. Por fim, os canais de atendimento das empresas são avaliados como insatisfatórios e irresponsivos, como já foi dito pela Valeria, antes de mim. Embora o Decreto nº 6.523, de 2008, estabeleça como mandatória a existência de canais de atendimento aos consumidores pelas empresas que prestam serviços regulados, estudo realizado pela Secretaria Nacional do Consumidor — SENACON de 2020 demonstra que os usuários do mesmo SAC em média não percebem a qualidade no serviço e não estão satisfeitos. Quero só salientar que os dados que foram trazidos são dados bastante atualizados. Está faltando realmente essa discussão pela realidade brasileira.
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Srs. Parlamentares e participantes, como conclusão temos que o volume de demandas judiciais não reflete a preferência do brasileiro pela Justiça, mas, sim, uma realidade na qual o consumidor vivencia com muita frequência ampla gama de problemas consumeristas, cabendo a discussão de medidas para endereçar esses problemas, e não para restringir um acesso que já não é simples, muito menos distributivo.
Os canais prévios de atendimento tendem a ser acessados predominantemente por uma população mais jovem, de maior renda e escolaridade, com acesso à informação e um acesso à Internet efetivo, capaz de lhe proporcionar condições de manuseio e navegação suficientes para realizar e acompanhar uma reclamação. Em outras palavras, se aprovado o PL 533/19, teremos como consequência uma acentuação da desigualdade de acesso à Justiça e uma elitização da Justiça, não representando qualquer filtro para o cidadão com maior renda e escolaridade. Porém, impõe óbices significativos àqueles para quem a justiça já é de difícil alcance.
O Grupo de Pesquisa Acesso à Justiça e Litigância Repetitiva, da Universidade de São Paulo, portanto, é contra a proposta apresentada. Ele sugere o estímulo ao consenso via plataformas digitais como uma política pública, mas como uma política pública alternativa ao acesso ao Judiciário, e não como um filtro obrigatório de acesso à Justiça.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado pela exposição, Sra. Susana Henriques da Costa.
Concedo a palavra à Sra. Márcia Moro, Vice-Presidente do PROCONS Brasil.
V.Sa. dispõe de 15 minutos.
A SRA. MÁRCIA MORO - Bom dia a todos.
Eu gostaria de agradecer o convite para a nossa participação ao Sr. Deputado Celso Russomanno e ao Relator desta Comissão.
Antes da manifestação pelos PROCONS Brasil, quero dar os parabéns à Dra. Susana e à Dra. Valeria, que representaram, e muito, os anseios que temos na defesa do consumidor.
Quando se criam obstáculos na propositura de ações judiciais para os consumidores, isso não resolve o problema da judicialização. Impondo essas novas condições, em que consumidores tentam provar a pretensão resistida dos réus, a ideia é de que isso apenas beneficia os grandes fornecedores que violam a lei. São os grandes litigantes que aí estão.
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Os dados levantados pelo CNJ em suas pesquisas Justiça em Números — Dra. Susana, mais uma vez, parabéns pelo seu levantamento — destacam a participação das relações de consumo de indenizações julgadas por todo o Judiciário nacional. Entretanto, isso não pode significar que o consumidor brasileiro litigue exageradamente. O que o consumidor alimenta é uma cultura de litígio no Brasil, e não é a mais simples, porque há, do outro lado, uma cultura de desobediência da lei por parte de grandes fornecedores. Simplesmente, pode-se verificar dentro do Judiciário quem são os maiores litigantes, e temos aí o Estado, os bancos e as telefonias. Para isso, basta analisar os números das reclamações registradas em PROCONs, os dados abertos no SINDEC, que eu encaminhei à Comissão por e-mail, e também os dados do Consumidor.gov.
O Consumidor.gov é uma plataforma utilizada desde 2014 por vários PROCONs do Brasil. Dependendo da situação, faz-se isso. Não são todas as pessoas que têm esse facilitador de plataformas digitais. Como bem disse a Dra. Susana, a maior parte das pessoas tem Internet apenas no celular. A culpa da litigiosidade das relações de consumo, vemos nós como órgão de defesa do consumidor, é de fornecedores de grande porte. Então, o foco das políticas e dos projetos de leis que buscam diminuir as demandas judiciais de consumidores precisam ser os réus e não os autores dessas ações. Não vivemos em uma cultura de litigiosidade na sociedade de consumidores, mas, sim, em uma cultura de descumprimento do CDC no mercado de consumo.
O Judiciário é congestionado pela atuação de um número reduzido de espécies de parte de processo. Os dados também não são capazes de indicar que todos os consumidores que foram ao Judiciário foram derrotados, litigando desnecessariamente. Também não se pode confirmar que todos os fornecedores deixaram de investir na redução de conflitos por seus canais de atendimento. E nisso faço eco às duas, a Dra. Susana e a Dra. Valeria, no sentido do SAC, porque nós que trabalhamos na ponta — e eu falo por experiência própria como Coordenadora de PROCON do interior, no Rio Grande do Sul, em Santa Maria — vemos a dificuldade que o consumidor tem de acesso a esses canais disponibilizados pelos grandes fornecedores.
Nós vivemos em um País com 5.570 Municípios. E o número de PROCONs é próximo de 1.000. O restante se dirige às Defensorias Públicas, ao Ministério Público ou ao próprio Judiciário, essa é a forma que o consumidor encontra de atingir os seus objetivos.
Na maioria dos PROCONs do Brasil — e falo isso por experiência própria, inclusive no interior —, viramos SAC dessas grandes empresas, pela dificuldade que as pessoas têm de acesso a plataformas digitais.
Falar do uso do celular hoje da forma como foi falado anteriormente é desconhecer a realidade. Temos uma Internet cara e precária. Eu estou fazendo esta audiência hoje de um único lugar, porque não se consegue fazer em outra parte do prédio — eu estou fora.
Essa é a realidade do Brasil. Não temos dados quanto ao interior, pelo contrário, e hoje são os consumidores os mais prejudicados. Tenta-se ajudar vários Municípios em volta de Municípios que têm PROCONs, utilizando as plataformas digitais para os consumidores e pelos consumidores. Então, os autores dessas ações não podem criar obstáculos para promover as suas ações, porque se perpetua a cultura da ilegalidade dos grandes fornecedores.
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É equivocada a afirmação de que todas as pessoas têm acesso à Internet ou a sistemas de registro e reclamação extrajudicial. Como eu acabei de dizer, milhões de brasileiros não conseguem usar nem os sistemas de reclamação, nem os de atendimento on-line. A população mais pobre tem acesso à Internet principalmente pelo celular ou por conexão móvel, com Internet limitada e restrição de dados. Na própria sede dos Municípios, a obrigatoriedade de haver sinal de dados é 80% em qualquer Município. Mesmo assim, ainda existem as áreas de sombra.
Condicionar o acesso do consumidor a uma tentativa prévia de solução de conflitos por plataformas eletrônicas na Internet representa um verdadeiro e concreto obstáculo estrutural a um direito fundamental, porque, conforme o que foi devidamente comprovado pelas evidências e pesquisas, como foi comprovado pela Dra. Susana, que nos antecedeu, o cenário de acesso à Internet no Brasil é desigual e excludente. E não pode o Judiciário ser assim. Ele não pode ser excludente e preconceituoso. Ele tem que ser inclusivo.
Comparar a realidade brasileira, como bem disse a Dra. Susana — estou fazendo eco —, com a de países desenvolvidos, como Canadá e Estados Unidos, ou com a própria Europa é não viver na nossa realidade, é não viver aquilo que se vive na ponta, com a maior parte dos PROCONs municipais e estaduais, é não viver a realidade do povo brasileiro e do consumidor brasileiro.
Do ano passado para cá, exemplo claro disso, algo que já foi tema em outras Comissões desta Câmara, foram os consignados não autorizados. Não se pode fazer em sede de JEC, porque, se for necessária uma verificação de assinaturas para ver se é realmente a assinatura do consumidor, o JEC não consegue fazer. Para onde vão os consumidores? Para o Judiciário normal, para as Defensorias Públicas, que estão abarrotadas com esse tipo de processo, devido ao crescimento que houve no ano passado.
Ao mesmo tempo em que se obriga o consumidor que sempre procure a intermediação de órgãos como PROCONs e agências reguladoras, eles o fazem depois de muito procurar o fornecedor. Eles lutam muito para conseguir resolver com os fornecedores, e não conseguem.
E há um porém: como eu disse, o número de PROCONs é próximo de 1.000 em 5.570 Municípios. A maior parte do consumidor brasileiro é desassistida de um órgão de defesa do consumidor, como PROCONs, Ministério Público, Defensoria e o próprio Judiciário. Então, nem todo PROCON municipal ou estadual é capaz de absorver todas as demandas do consumo das suas regiões, seja porque pode faltar a estrutura necessária, o que é a nossa realidade, seja porque muitas demandas levadas ao Judiciário pelos consumidores possuem natureza impossível de ser solucionada adequadamente por um órgão do Poder Executivo local.
A conciliação é sempre uma opção do consumidor e não é obrigatória. O diagnóstico dos conflitos de consumo no Brasil, considerando as evidências e dados existentes, está baseado na concessão de grandes litigantes pelo polo passivo da demanda.
O volume das reclamações registradas pelos PROCONs, agências regulatórias e por sistemas públicos de solução alternativa de conflitos já é muito superior ao de ações judiciais movidas por consumidores, ou seja, as pessoas já procuram muito mais os órgãos do Poder Executivo do que o Poder Judiciário.
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Há dois PLs de fortalecimento dos PROCONS, um de 2013 e outro de 2018. Esses dois PLs poderiam ajudar, e muito, a desafogar mais aquilo que já se faz tanto dentro dos PROCONS quanto pelas plataformas governamentais SINDEC e Consumidor.gov, e eles estão parados, enquanto outros que retiram direitos estão tramitando de modo célere.
A busca por métodos alternativos de solução de conflitos deve ser estimulada de todas as formas, é claro, inclusive por iniciativas legislativas. Esses dois PLs que eu acabei de citar de fortalecimento dos PROCONS, de 2013 e de 2018, são interessantíssimos e deveriam, sim, ser pauta de votação e de seguimento para beneficiar o consumidor, não sendo a melhor opção para a solução do congestionamento do Judiciário a imposição de condição de uma porta sobre a outra para o acesso à Justiça.
Deveriam ser implementados estímulos legais que beneficiam os consumidores de boa-fé e os fornecedores que desempenham um bom atendimento na solução extrajudicial de reclamações. Nós temos que ser justos e dizer: existem fornecedores bons? Sim.
Eu coloquei no e-mail da Comissão, Deputado, algumas telas — trata-se de dados oficiais tanto do SINDEC quanto da plataforma Consumidor.gov — das atividades de consumidores nessas plataformas. Inclusive, a última tela — a qual eu não estou conseguindo compartilhar porque a estou fazendo pelo celular — é uma tela comparativa dos últimos três exercícios.
Do ano passado para cá, houve um acréscimo nos nossos órgãos de defesa do consumidor de reclamações de consumidores, principalmente contra grandes fornecedores. A dificuldade que eles têm de alcançar uma solução amigável vem aumentando dia a dia.
Então, algumas sugestões serão repassadas pela PROCONS Brasil sobre isso.
Quando eu falo em fortalecimento, refiro-me a dois PLs, o PL 5.196/13 e o PL 4.316/19, baseados sempre na mesma posição: o consumidor não quer litígio. Ele procura de toda e qualquer forma a solução com a empresa; se não conseguir, ele se dirige ao PROCON, o que já é o óbvio.
A parte lesada ter que comprovar que procurou quem a lesou poderia se inverter, saber se eles fizeram alguma coisa por conta disso. Porque os SACs de todos esses grandes litigantes, para ficarem ruins, eles têm de melhorar bastante! É difícil! Nós fazemos teste todos os dias, todas as semanas, e comprovamos a reclamação do consumidor, principalmente do consumidor idoso, que não tem um telefone de ponta ou não tem Internet no seu telefone, e até sofre com a inclusão nos seus contratos de Internet que ele não usa.
Então, existir celular ou existirem 240 milhões de celulares no Brasil não significa necessariamente que as pessoas são preparadas tecnologicamente para essas plataformas digitais. Não! Ter celular é uma coisa, e a maior parte dos idosos usa apenas para comunicação, para ligar e para receber ligações, porque eles não têm acesso a essas plataformas digitais.
Quando eu escuto que existem 75 milhões de processos no Brasil, vejam quantos são relativos ao consumo. Vejam quantos! São muito poucos. Trata-se de um universo bem pequeno. Que o Judiciário está assoberbado, nós sabemos; as Defensorias Públicas, também; os Ministérios Públicos, também. E não menos do que eles, os órgãos de defesa do consumidor. Nós somos uma casa da cidadania, pois nós defendemos aquele que é vulnerável e hipervulnerável. Esses sim precisam de defesa. Fornecedor já tem quem o defenda muito bem.
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É uma pena que eu não tenha conseguido passar as telas, mas elas ficam à disposição da Comissão. Tratam-se de dados oficiais e abertos do Ministério da Justiça.
Muito obrigada pela oportunidade.
Esperamos sinceramente que este PL não siga em frente.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Agradeço a exposição da Sra. Márcia Moro.
Passo a palavra ao Sr. José Geraldo Filomeno, advogado e consultor da Comissão Permanente de Direito do Consumidor de São Paulo, por 15 minutos.
O SR. JOSÉ GERALDO FILOMENO - Muito bom dia, Deputado Vinicius Carvalho.
O SR. CELSO RUSSOMANNO (REPUBLICANOS - SP) - Prof. Geraldo, quem fala é o Deputado Celso Russomanno. Quero lhe agradecer muito pela sua presença aqui. Quero registrar a sua presente participação na feitura do Código de Defesa do Consumidor, que hoje ainda é uma das leis, depois de 30 anos, mais modernas do mundo. Ela é considerada pelo mundo todo um exemplo de cidadania na defesa dos direitos do consumidor.
Muito obrigado.
O SR. JOSÉ GERALDO FILOMENO - Eu que lhe agradeço, Deputado Celso Russomanno, Presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Câmara dos Deputados. Agradeço também ao Deputado Vinicius Carvalho, digno Relator da matéria em discussão.
Eu não sou processualista, Deputados, eu trago aqui a minha experiência de 2 anos de advocacia, antes de ser Promotor de Justiça, por 31 anos, e, depois, agora aposentado, com mais 19 anos de advocacia. Desses 51 anos, 38 foram já na militância do direito do consumidor, tendo participando, com muita honra, da Comissão que elaborou o anteprojeto do vigente Código de Defesa do Consumidor.
Com relação a essa questão da pretensão resistida, gostaria, primeiramente, de dizer que eu participei agora, no dia 10 de junho de 2021, de um simpósio da OAB da Região Sudeste, no qual eu disse o que eu vou dizer aos senhores agora neste momento.
Eu começo por ler um breve trecho de um artigo que foi publicado na revista digital O Consumerista com o seguinte título: Pretensão resistida, o exemplo que vem do Sul. E leio um pequeno trecho:
"A pretensão resistida é um artifício — começa já por aí, é um artifício — previsto pela lei brasileira — e eu coloco uma interrogação porque não é previsto pela legislação, o que se pretende é que seja — que pode minimizar os problemas nas relações entre empresas e clientes — acho que talvez razoável. A judicialização das relações de consumo alcançou números absurdos, conforme você já viu em outras notas publicadas em A Era do Diálogo sobre o assunto. Hoje, estima-se a existência de mais de 100 milhões de ações, sendo que 30% teriam alguma relação com problemas entre consumidores e fornecedores. Como resolver esse problema?
Os acordos pré-processuais podem ajudar a impedir a entrada das ações na Justiça, mas juízes podem intervir para evitar a ação na Justiça.
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Uma das novidades cada vez mais comum nos tribunais do Rio Grande do Sul é a chamada pretensão resistida.
Em suma, esse recurso jurisdicional condiciona a ação na Justiça com uma reunião de conciliação ou qualquer outra forma de negociação pré-processual. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a pretensão resistida foi incorporada à rotina e hoje ocorre não apenas no ambiente real, mas também no universo virtual.
Mais: virou até nome de política pública no combate à judicialização, chamada Projeto 'Solução Direta-Consumidor', um programa de conciliação fruto de uma parceria entre o Poder Judiciário gaúcho e a Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON), do Ministério da Justiça. O objetivo é a solução alternativa de conflitos de consumo, no intuito de, com isso, evitar o ajuizamento de um processo judicial.
E adivinha qual é a plataforma usada para tentar o acordo? Sim, é o consumidor.gov.br. A plataforma tecnológica permitirá ao consumidor fazer sua reclamação de forma direta e focada em uma solução rápida e sem qualquer custo.
E arremata dizendo que isso passa a ser obrigatório e que o juiz, quando acionado, suscite ao litigante se ele tentou ou não uma conciliação prévia.
Fazendo um pequeno retrospecto histórico — como disse, eu não sou processualista, mas sou um operário do direito desde 1970, quando me formei —, antigamente, no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil, havia a carreira, o título de solicitador acadêmico. Então, a primeira demanda que eu ajuizei na minha vida foi ainda como quartanista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como advogado trabalhista de um cunhado meu. Na época, ele não era ainda cunhado. Eu acabei entrando com a ação, porque o solicitador acadêmico tinha essa legitimidade.
A questão da pretensão resistida não é uma novidade, porque eu me lembro que, nas carteiras da Faculdade de Direito, o professor de Processo Civil, quando ia definir o direito de ação, dizia mais ou menos que o direito de ação é a faculdade conferida a alguém para pleitear, junto ao órgão judicial competente, a satisfação de um interesse ou o reconhecimento de um direito contra uma pretensão resistida. Ora, apesar disso, não há ou não havia no Código de Processo Civil, de 1939, sob cuja égide eu estudava na época, qualquer menção a essa tentativa de conciliação prévia como conditio sine qua non para o ajuizamento de uma ação judicial.
Com efeito, se nós formos analisar alguns dispositivos a respeito do impedimento, do indeferimento de uma petição inicial, por exemplo, nos arts. 158 a 160 do CPC, de 1939, poderia ser indeferida a inicial apenas por uma inépcia ou ilegitimidade da parte e, segundo os arts. 201 a 205, absolvição da instância, somente quando a pretensão fosse imoral ou ilícita.
Eu vou falar, agora, um pouco sobre a minha experiência como advogado antes de ingressar no Ministério Público do Estado de São Paulo, em 1972. Eu me formei, fui advogar com o meu pai numa comarca do interior, e lá um dos conselhos que o meu pai me deu foi o seguinte: "Olhe, filho, quando a gente receber um cliente e ele vier nos explicar um problema com eventualmente a necessidade de nós ingressarmos com uma ação judicial, você notifique até judicialmente o pretenso réu ou o futuro, o potencial réu, para ver se não há um acordo entre as partes. Não – dizia ele – que isso seja uma condição essencial, mas seria interessante que você fizesse isso."
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E nós fazíamos realmente isso com certa frequência. Mandávamos uma notificação. Na época, ele achava que era mais seguro até fazer uma notificação extrajudicial, que depois era apensada no futuro processo, se o processo fosse aberto. Em uma boa parte, nós conseguíamos acordo, mas sem que o juiz determinasse ou dissesse que aquilo era uma necessidade sine qua non para se entrar com uma ação judicial.
O Código de Processo Civil de 1973, no art. 3º, somente falava de interesse lícito e legitimidade da parte e punia a litigância de má-fé. Na minha experiência como membro do Ministério Público, eu gostaria aqui de dizer o seguinte. Não sei se os ilustres integrantes desta egrégia mesa e aqueles que me ouvem sabem disto: o Ministério Público tradicionalmente, centenariamente, pelo menos no Estado de São Paulo, tem a obrigação de atender ao público com problemas os mais diversos possíveis, desde conflitos de vizinhança, conflitos entre marido e mulher sobre alimentos para os filhos, isso antes da Lei do Divórcio na década de 70 ainda. Então, o promotor era obrigado a atender e ainda é obrigado a atender o público como mediador desses conflitos para evitar o ajuizamento de um processo judicial. Ainda que ele não tivesse legitimidade para ingressar com a ação, fazia tentativa de conciliação.
Eu fiz milhares e milhares de conciliações como membro do Ministério Público. E levei essa experiência também para o PROCON de São Paulo, onde, em 1983, eu fui designado para trabalhar como promotor de justiça. Aliás, o PROCON de São Paulo já tinha a tradição dessa mediação de conflitos em relações de consumo. O consumidor ia ao PROCON fazer a sua reclamação. Designava-se uma audiência de tentativa de conciliação. Só depois, então, se não houvesse resultado, aconselhava-se o consumidor a procurar a Justiça.
O grande avanço, nessa área de mediação de conflitos pelo Ministério Público, se deu com a primeira Lei do Juizado Especial de Pequenas Causas, Lei nº 7.244, de 1984, que inovou ao dizer que todo e qualquer acordo referendado por membro do Ministério Público terá valor de título executivo extrajudicial. E, em grande parte, nós conseguíamos um acordo. Depois, essa regra foi transplantada pela vigente Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, no art. 57, parágrafo único. Então, era uma tradição.
E, na época em que eu comecei a minha carreira de promotor de justiça, não havia muitas varas do trabalho. Então, os promotores também eram obrigados a ajuizarem ações trabalhistas em favor dos operários por demissões sem justa causa e por várias outras questões da área trabalhista. Antes, nós sempre tentávamos uma conciliação prévia, mas isso não era absolutamente necessário e não poderia ser colocado como obstáculo ao acesso à Justiça.
Eu lembraria aqui uma lição do Prof. Canotilho, ilustre constitucionalista português, que nos brindou com uma palestra na Associação Paulista do Ministério Público em 1996. Ele disse uma frase lapidar, que é a seguinte: "Quando houver dúvida acerca da interpretação da lei, busque na sua matriz constitucional". Então, eu diria o seguinte: com enfoque na conciliação, essa frase é válida, evidentemente, até porque o próprio Código de Defesa do Consumidor, no seu art. 4º, inciso V, fala dessas soluções alternativas de conflitos de consumo, mas como obrigação do fornecedor basicamente, do fornecedor. O consumidor vai buscar se ele quiser, se ele puder. Então, na verdade, O Código de Processo Civil diz: Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidas na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.
11:20
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Ora, o reflexo disso está, como já foi dito aqui por alguns que me antecederam, no art. 5º, inciso XXXV, que diz que "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito". E o § 3º diz que "Não se excluirá da prestação jurisdicional ameaça ou lesão de direito", e depois que "é permitida a arbitragem na forma da lei" e que "o Estado promoverá sempre que possível — sempre que possível, mas não obrigatoriamente, sempre que possível, repito, mas não obrigatoriamente — a solução consensual do conflito", como já está explícito no atual Código de Processo Civil de forma muito clara.
O Código de Processo Civil diz ainda:
Art. 3º ............................................................................
(...)
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos, membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Ora, isso quer dizer que todas essas questões que nós estamos tratando aqui, de soluções alternativas de conflitos, são alternativas, mas não necessárias, obrigatórias e mandatórias.
Eu me lembro de que, quando ainda era promotor de justiça substituto, recebia dezenas e dezenas de mandados de segurança contra autoridades fiscais do Estado de São Paulo em matéria de ICMS em bens de capital. Havia a tese, na época, é claro, polêmica, de que os impetrantes deveriam esgotar todos os procedimentos administrativos antes de impetrar o mandato de segurança. Ora, quando eles impetrassem o mandato de segurança, o prazo de 120 dias já tinha se escoado há muito tempo e não havia a previsão da interrupção desse prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança. É claro que seria desejável que o número de demandas fosse diminuído, e realmente há um comprometimento muito grande do Poder Judiciário com isso.
Para arrematar, eu citaria algumas coisas que apontam para os verdadeiros responsáveis por essa balbúrdia, como disse a Dra. Márcia, a Dra. Valeria e a minha colega do Ministério Público, a Dra. Susana. "Quem garante todos os empregos não são os empresários, os sindicalistas ou os governantes, são os consumidores", dizia o John Hicks, Prêmio Nobel da Economia em 1972, apontando os consumidores como um dos mais importantes players nas relações de consumo, senão o principal.
"O consumidor é o elo mais fraco da economia. Nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco", dizia o inventor da produção em massa, Henry Ford. "Não basta investir em publicidade, é preciso orientar internamente as pessoas de uma empresa para aprenderem a respeitar e tratar bem quem lhes paga o salário: o consumidor", dizia Marcos Cobra, professor e profissional de marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing, aqui de São Paulo. E, finalmente, ao atenderem bem os seus consumidores, as empresas não fazem mais do que sua obrigação e impedem milhões de demandas que são ajuizadas por incompetência, má vontade e falta de investimento. Para o SAC, agora, as empresas inventaram a segunda instância. Uma vez, eu tive um problema com um banco, eu me queixei ao SAC, o SAC fica naquela musiquinha enervante, e eu fui direto para a Ouvidoria: "Não, o senhor não pode. O senhor tem que esgotar as vias inferiores para a resolução do conflito." Então, terminando aqui a minha peroração, se o Código de Defesa do Consumidor preocupa-se primordialmente com a harmonia que deve idealmente reger as relações de consumo entre fornecedores e consumidores, bem como com a instituição de meios alternativos para a solução dos conflitos surgidos em seu seio, não é menos exato falar, sim, em prevenção desses conflitos antes de mais nada, ou seja, de meios disponibilizados pelos fornecedores no sentido de fazerem atuar efetivamente, e não apenas formalmente, os seus serviços de atendimento ao consumidor e as ouvidorias, além disso, pouco usadas, as convenções coletivas de consumo e os juízes arbitrais com as cautelas devidas.
11:24
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Eu agradeço a atenção de todos.
Este, Deputados, não é um parecer, não é um artigo, é um resumo. Eu posso até disponibilizá-lo, mando para o e-mail aos cuidados da senhora que me encaminhou o convite do Deputado Celso Russomanno, para que, quem quiser, tenha acesso a essas considerações.
Muito obrigado.
Sinto-me honrado por esta participação.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Agradeço a exposição do Sr. José Geraldo Filomeno.
Nós agradecemos a todos os expositores. Inclusive reforçamos, conforme foi dito agora por último pelo Sr. José Geraldo, que nos enviem, por gentileza, para o e-mail por meio do qual receberam os convites para participarem desta audiência pública, toda contribuição que for possível para nós podermos enriquecer o relatório. Todos os apontamentos — positivos e negativos, favoráveis e contrários — ao projeto são de extrema relevância para que, nesta Casa, nós possamos fazer um trabalho a quatro mãos, depois apresentar o nosso relatório e colocá-lo para apreciação do Plenário em momento a ser definido pela Presidência da Casa.
Passemos ao debate.
Neste instante, vamos passar a palavra para o Deputado Celso Russomanno, Presidente da Comissão, para dispor do tempo necessário para apresentar as suas considerações e interpelar os entrevistados.
O SR. CELSO RUSSOMANNO (REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Deputado Vinicius, que preside esta reunião.
A minha pergunta seria para todos os nossos convidados. Aproveito o ensejo para agradecer o convite aceito por todos. A pergunta seria a seguinte.
No substitutivo do Deputado Vinicius Carvalho, ele estabelece, no § 2º, o seguinte texto: Art. 17...................................................
11:28
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(...)
§2º Tratando-se de ação decorrente da relação de consumo, a resistência mencionada no § 1º poderá ser demonstrada pela comprovação da tentativa extrajudicial de satisfação da pretensão do autor diretamente com o réu, ou junto aos órgãos integrantes da Administração Pública ou do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, presencialmente ou pelos meios eletrônicos disponíveis.
Quando o Deputado Vinicius coloca ''meios eletrônicos disponíveis'', eu acho que o texto poderia incluir ''inclusive as redes sociais''. Dessa forma, nós abrimos um caminho para, no Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, os PROCONs, as Defensorias Públicas, os Ministérios Públicos, as associações de defesa do consumidor tentarem uma conciliação antes da demanda judicial. Quando colocamos ''pelos meios eletrônicos disponíveis'', se acrescentarmos aqui as redes sociais, uma simples comunicação por WhatsApp em que o consumidor pede para que o contrato de compra ou de prestação de serviço seja cumprido caracterizaria o não atendimento por parte do fornecedor.
Eu gostaria de ouvir os nossos convidados a respeito do texto e de uma complementação eventual do mesmo para encontrarmos um caminho de conciliação para resolvermos o problema que ora temos.
Eu costumo dizer, inclusive, que o excesso de demanda judicial, que os nossos convidados já colocaram nesta audiência pública e nas audiências anteriores, infelizmente, é dos grandes fornecedores. Os pequenos fornecedores têm uma demanda muito menor de reclamações. Os grandes fornecedores, muitas vezes, negam-se a conversar com qualquer intermediador.
Eu converso bastante com a Defensoria Pública, que tenta, muitas vezes, uma conciliação, mas os grandes fornecedores nem sequer dão atenção à tentativa de conciliação. Isso acontece também com os PROCONs, porque a maioria dos PROCONs no Brasil ainda não tem o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, não tem uma estrutura de fiscalização. Na verdade, torna-se um órgão meramente conciliador e acaba, como o Prof. Filomeno já colocou, orientando o consumidor a procurar o Judiciário por falta de uma conciliação.
Se estabelecêssemos um texto em que a resistência ficasse clara, através inclusive de uma mensagem de WhatsApp ou do Telegram, qualquer um desses aplicativos, isso atenderia os nossos convidados? Gostaria de ouvir todos, por favor.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Depois da fala de V.Sas. à interpelação do Deputado Celso Russomanno, eu farei para todos também — aqueles que se sentirem mais à vontade podem responder — a nossa interpelação.
Concedo a palavra, seguindo a mesma ordem, à Sra. Valeria Lagrasta.
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A SRA. VALERIA LAGRASTA - A princípio, eu gostaria de parabenizar todos os que falaram na sequência. Foi muito importante. Eu acho que eu aprendi muito. Por isso este debate é interessante.
Quanto à sugestão de redação, eu, pessoalmente, sou contra a proposta do art. 17. O FONAJE, órgão que represento, dá uma proposta de redação alternativa, com a exclusão dos parágrafos que estão no substitutivo, exatamente para que não haja uma interpretação restritiva no sentido de que o consumidor — e aí realmente a previsão é só em relação às relações de consumo — tenha que se submeter a esses meios que estabelecem ou aos meios disponibilizados pelas empresas, sendo que, se a empresa disponibilizar só uma plataforma, como o consumidor.gov, se ela estiver cadastrada, ou uma plataforma dela própria, isso vai representar um obstáculo de acesso à Justiça.
Então, a sugestão do FONAJE era que a comprovação se desse através de qualquer meio, sem especificar qual seria. Ainda assim haveria uma restrição de acesso à Justiça, no meu modo de ver, porque há pessoas que não irão conseguir por nenhum dos meios. E as empresas, por sua vez, muitas delas não disponibilizam qualquer meio de comunicação ou não dão qualquer resposta para o consumidor.
Eu não sei se eu já devo complementar alguma coisa que eu queira falar ou se será em outro momento. Este seria o momento apenas para essa sugestão?
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Pode continuar, Dra. Valeria, por gentileza.
A SRA. VALERIA LAGRASTA - Eu também achei muito interessante uma das colocações da Dra. Susana. Aliás, todas as pesquisas que ela trouxe são muito consistentes e demonstram como o cidadão brasileiro acessa esses meios de comunicação e qual é o acesso efetivo da Internet que eles têm. Ela falou também que, quando trazermos as experiências estrangeiras para o Brasil, pode ser que consigamos utilizar algumas, mas devemos agir com muito cuidado, porque não basta trazer para cá e aplicar, nós precisamos de uma adaptação.
Nesse sentido, quero colocar aqui que eu participei de uma pesquisa, em 2008, da Universidade de St. Thomas, em Minneapolis, que queria exatamente instalar o Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos na América Latina. A Profa. Maria Inês Soares fez esse estudo — não sei se a Susana participou também, não me lembro —, e até hoje ele não foi implantado.
Então, no sentido do que a Susana colocou de uma política pública preventiva e de incentivo, aí sim, trazendo esse incentivo comportamental aos métodos consensuais, já há a Política Judiciária Nacional, com a Resolução CNJ nº 125, de 2010, que pretendia exatamente instalar esse Sistema Multiportas de Resolução de Conflitos no País, trazendo não só a possibilidade de a pessoa buscar a composição, os métodos consensuais, através do próprio Judiciário, no CEJUSC, mas incentivando que isso seja buscado em câmaras privadas, em outros órgãos governamentais e até na administração pública.
O que ocorre é que ainda hoje não há um trabalho com métodos consensuais de forma ampla. Nós só usamos conciliação e mediação. No Judiciário, principalmente a conciliação, porque nem a mediação propriamente dita há. A arbitragem é caríssima. Quando esses meios são buscados por pessoas mais esclarecidas, ainda que elas tenham esse esclarecimento e que elas os busquem fora do Judiciário, isso ainda é caro para a maioria delas.
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Temos de pensar que o uso dos métodos consensuais pelas mãos do Judiciário é uma forma de incentivar e, ao mesmo tempo, de permitir que as pessoas, depois no futuro, busquem por elas mesmas esses métodos fora do Judiciário. Mas o que não podemos fazer é bloquear a entrada das pessoas no Judiciário com a desculpa de que os métodos consensuais são os melhores para elas.
Eu ainda queria acrescentar — isso foi muito bem colocado também — que essa pesquisa demonstra que a plataforma consumidor.governo.br tem um índice de satisfação elevadíssimo se comparado ao índice de satisfação em relação ao Judiciário. Mas o corte da pesquisa não é feito de forma adequada.
Exatamente como a Silvana colocou também, quem acessa o consumidor.governo.br tem um nível cultural, um nível de estudo muito elevado comparado com o nível geral da população. Ele não é o hipossuficiente, não é o que tem apenas um celular. E, em relação a essa pessoa também que tem um celular, ela o usa para telefonar. Falo isso porque conheço os idosos da minha família. E posso dizer claramente que, se eu não os auxilio, eles não conseguem acessar nada, nem as informações de um plano de saúde, nem marcar um exame, porque hoje tudo é feito pelo aplicativo.
Então, você não pode considerar que realmente o uso de plataformas ou o uso dos métodos consensuais em plataformas digitais pode ser facilmente acessado e utilizado pelo cidadão comum brasileiro, porque a maioria do cidadão comum brasileiro não tem acesso à Internet na forma necessária para lidar com essas plataformas.
Além disso, ainda que nós considerássemos que por qualquer meio poderia ser comprovada a pretensão resistida, é preciso saber: será que as pessoas, mesmo acessando só o SAC por telefone ou por WhatsApp — como foi colocado pelo senhor, Deputado —, teriam condição de formar a prova em seu favor? Será que haveria como provar que ela tentou essa solução? Será que ela sabe que tem de gravar? Será que ela sabe gravar? Será que ela sabe "printar" uma tela e depois anexar essa comprovação para ingressar com a ação em juízo? Eu acredito que muitas pessoas ainda não conseguem fazer nem isso.
Os PROCONS, apesar de estarem muito capilarizados, existem em todos os locais, em todos os rincões do País, no Norte principalmente, em lugares em que as pessoas não têm acesso porque lá não existe o PROCON. As pessoas usam o gerador; não têm Internet; não têm luz. Como essas pessoas vão comprovar dados para ingressar com a ação em juízo? Porque, se a lei existe, ela vale para todos. Então, como nós vamos tratar esses desiguais?
Quanto à colocação também do meu colega Erik — que inclusive é meu professor num curso que estou fazendo, e eu o admiro muito —, eu acho que trazer para o Brasil exatamente tudo aquilo que foi contabilizado nas teses estrangeiras, às vezes, parece um pouco distante da nossa realidade. Existem pessoas excluídas do próprio Judiciário, que sequer conseguem ir a um fórum porque não têm dinheiro para pagar uma passagem. Mesmo que isso tenha melhorado muito com a assistência judiciária gratuita, com os próprios Juizados Especiais e com os CEJUSCs, os quais podemos dizer que têm facilitado, não significa que devemos acrescentar a esses excluídos que ainda existem, infelizmente, os excluídos digitais. E excluir também maior parcela da população do acesso ao Poder Judiciário.
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Então, são essas as colocações que eu tenho para fazer em relação ao que foi dito pelos outros expositores.
Agradeço novamente a atenção. Eu acho que a intenção de todos aqui é boa, principalmente a intenção dos Srs. Deputados em auxílio ao Judiciário, em auxílio ao cidadão. Mas, realmente, eu acho que este momento exige uma grande reflexão, sob pena de haver um retrocesso no País em relação ao acesso ao Poder Judiciário.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Sra. Valeria Lagrasta.
Vou passar a palavra ao Deputado Celso Russomanno, porque ele quer fazer uma contradita.
O SR. CELSO RUSSOMANNO (REPUBLICANOS - SP) - Na verdade, eu gostaria de fazer uma consideração.
Dra. Valeria, fiz esse questionamento porque, nas minhas reportagens em defesa do consumidor, eu tenho, nos últimos 2 anos pelo menos, usado bastante as mensagens de WhatsApp. Inclusive se V.Exa. entrar no Youtube, no meu canal Celso Russomanno, vai ver que, durante as conciliações que faço nas ruas, eu peço para o consumidor imprimir as conversas de WhatsApp. E eu mostro na televisão essas conversas, em que há indício de resistência do fornecedor em solucionar o problema.
As pessoas têm utilizado muito desses mecanismos para cobrar efetivamente do fornecedor o cumprimento da sua obrigação, muitas vezes com erros de português ou com um linguajar bem simples. Mas elas conseguem fazer o fornecedor entender que ele não está cumprindo a sua obrigação.
Faço mais uma consideração em relação ao Fórum Nacional dos Juizados Especiais — FONAJE. E indago: isso se daria por qualquer meio? Será que nós não daríamos a interpretação ao juiz, que poderia interpretar que uma conversa por uma rede social poderia ou não ser usada?
Veja que colocamos, lá atrás, no Código de Defesa do Consumidor — o Prof. Filomeno inclusive fez parte do anteprojeto do Código —, o art. 6º, que fala sobre os direitos básicos do consumidor, inciso VIII, que diz:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova(...);
Isso é extremamente difícil ser usado em juízo. Não é sempre que o juiz entende que cabe a inversão do ônus da prova, e o consumidor geralmente não tem nada nas suas mãos. Ele não tem documento nenhum, ou porque não lhe foi fornecido o pedido, ou porque não lhe foi fornecido o orçamento, ou porque não recebeu a nota fiscal da venda, ou porque ele pagou antecipadamente, e a única coisa que ele tem é um comprovante de depósito ou de transferência bancária ou, muitas vezes, nem mesmo isso, porque ele trabalha com dinheiro em espécie.
Então, a minha pergunta é esta: nós não deixaríamos isso muito em aberto? Talvez não seria melhor identificarmos quais os meios, se o Congresso Nacional decidir por aprovar o substitutivo do Deputado Vinicius Carvalho?
Eu cheguei ao Congresso Nacional em 1995. Ao longo de todos esses anos, eu tenho visto que antes uma conciliação no texto da legislação — e nós fazemos conciliação todos os dias na defesa do direito do consumidor — do que simplesmente uma oposição ferrenha, porque às vezes construímos alguns monstrengos que acabam não dando em nada.
Nós fizemos com tanto afinco a Lei do Superendividamento, e agora nós temos um problema prático nos Juizados Especiais. Como um juiz do Juizado Especial consegue analisar um levantamento técnico, que é feito por um contador, e verificar se existe prática abusiva, se os bancos agem de má-fé na cobrança dos juros? Como ele terá condição de entender que o consumidor está superendividado? Outro problema é que a Defensoria só atende consumidores com renda de até 2 mil reais. Quem ultrapassa a renda familiar de 2 mil reais não é atendido pela Defensoria, e o Judiciário não quer receber os questionamentos das pessoas que estão superendividadas. Portanto, nós temos um grande problema para resolver depois de tanto trabalho no texto da lei.
11:44
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Eu gostaria de ouvi-la, por favor.
Obrigado.
A SRA. VALERIA LAGRASTA - Primeiro, eu gostaria de parabenizar o senhor...
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Desculpe-me por interrompê-la, Dra. Valeria. Eu pediria que nos limitássemos ao tempo determinado, porque outros oradores também vão falar. Então, peço que V.Sa., se puder, atenha-se aos 3 a 5 minutos, no máximo, por favor. Peço desculpas, mas é necessário fazer isso, por causa do horário.
A SRA. VALERIA LAGRASTA - Imagina.
Primeiro, eu queria parabenizar o Deputado Celso Russomanno pelo trabalho tão importante que ele vem desenvolvendo junto aos consumidores. Há muitos consumidores que são auxiliados com esse trabalho.
Deputado, toda vez que elencamos hipóteses na lei, corremos o risco de deixar de lado outras possibilidades. Como eu disse na minha exposição, o art. 17 trata de direitos patrimoniais disponíveis, mas nos seus parágrafos ele parece tratar só dos direitos relativos a conflitos afetos a relações de consumo. Então, talvez tenham faltado outras possibilidades de comprovação.
O uso do WhatsApp é possível. Muitas pessoas, principalmente no Sudeste — em São Paulo e no Rio de Janeiro — e no Sul, conseguem comprovar a sua tentativa de contato com a empresa ou com o fornecedor através do WhatsApp, ao "printar" a tela. Mas ainda assim há alguma dificuldade. Eu atuo em Jundiaí, próximo a São Paulo, que é uma comarca desenvolvida e industrial. Mesmo ali, onde a maioria das pessoas tem trabalho, tem celular, tem acesso a uma Internet pré-paga, verificamos nas audiências virtuais de que eu participei durante a pandemia que as partes, na maioria das vezes, não conseguiam sequer "printar" a tela para comprovar o seu contato, para criar um documento a partir do chat. Então, é muito difícil. A pessoa, às vezes, não consegue nem demonstrar que ela é ela mostrando seu documento para a câmera. Então, para algumas pessoas é muito difícil essa possibilidade.
Eu posso dizer também que seria muito melhor se o juiz permitisse o uso de qualquer meio. O juiz poderia, inclusive, dispensar a necessidade de comprovação quando ele analisasse o caso concreto e verificasse se o fornecedor, se a empresa realmente disponibiliza um meio acessível, se o meio tem custo baixo, se esse meio é acessível ao autor, e se o autor tem condição econômica e social para acessar esse meio disponibilizado pela outra parte. Caso ele não tenha condição, o juiz poderia acrescentar essa possibilidade e aceitar qualquer outro tipo de comprovação.
Esse é o meu pensamento, a minha colocação.
Agradeço-lhes novamente a possibilidade de ser ouvida.
11:48
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O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dra. Valeria, pela sua exposição.
Algum outro expositor vai fazer considerações em relação ao questionamento do Deputado Celso Russomanno?
Tem a palavra a Sra. Susana da Costa.
A SRA. SUSANA HENRIQUES DA COSTA - Bom dia, Deputado Celso Russomanno. É um prazer estar aqui.
Para que a proposta que o senhor apresenta funcione, o fornecedor deve ter essa estrutura de WhatsApp, de Telegram ou de outro tipo de comunicação, mas isso nem sempre acontece. Muitas vezes, os consumidores têm dificuldade para encontrar qualquer meio de comunicação com os fornecedores. Então, acho que a solução poderia passar por alguma política que fomentasse a criação de canais de comunicação mais acessíveis por parte das empresas. Vemos que isso ainda não é realidade no Brasil.
Eu estava pensando sobre a sua proposta e vou ser muito sincera com o senhor. O que me incomoda no projeto é o ônus da prova de que o senhor falou. Do jeito como está redigido o art. 17 do projeto, coloca-se nas costas do consumidor o ônus de provar que ele buscou o contato com o fornecedor, mesmo que esse contato seja muito difícil de ser comprovado, ou muito difícil de ser acessado pelos excluídos digitais.
Não sei se a minha proposta faria sentido para os Deputados, mas proponho que o consumidor possa demonstrar a tentativa de contato na petição inicial por todos os meios possíveis. Por exemplo, pode ser por WhatsApp ou por e-mail, sempre que viável. Mas também se garante ao fornecedor, na contestação, alegar que faltou ao consumidor interesse em agir, ao comprovar que ele disponibiliza um canal de acesso eficiente. Na réplica, o consumidor teria que comprovar que tentou essa via. Não sei se fez sentido o que eu falei aqui, mas acho que quem deveria alegar que o consumidor não teve interesse em agir deveria ser o fornecedor. E essa alegação deveria, obrigatoriamente, vir junto com uma comprovação de fornecimento dos canais de acesso. Aí, retiramos do consumidor esse ônus. O ônus passa para o fornecedor. Uma vez comprovada a existência do o canal de acesso, poderíamos exigir que o consumidor passasse por esse canal.
Eu acho que uma política pública que estabelecesse uma mudança nessa dinâmica incentivaria os fornecedores a criar mecanismos de acesso, porque eles só poderiam alegar isso se, de fato, disponibilizassem esse canal.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Deputado Celso, V.Exa. tem a palavra.
O SR. CELSO RUSSOMANNO (REPUBLICANOS - SP) - Obrigado, Deputado Vinicius.
Eu tenho bastante experiência em relação a esse assunto porque, além dos casos que eu levo para a televisão, lá no meu escritório nós atendemos de 50 a 100 pessoas por dia fazendo conciliação, em média. Nosso êxito é de 99%. Não sei se isso acontece porque as pessoas não querem aparecer na televisão — vou ser muito franco aqui e transparente — ou porque respeitam o meu trabalho. Enfim, temos um índice muito grande de solução dos conflitos na área do consumo.
11:52
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Muitas vezes, nós percebemos que o fornecedor, principalmente o pequeno e o médio fornecedor, disponibiliza, sim, um canal de conversas através de WhatsApp. Isso é bem claro em todas as publicidades que vemos pelas mídias sociais. Nas periferias, vemos placas na frente dos estabelecimentos comerciais com o símbolo do WhatsApp ou do Telegram, seguido do número pelo qual o consumidor pode conversar. Percebemos que, quando ele não está disposto a solucionar o problema ou o conflito, ele simplesmente não responde. O consumidor pode demonstrar a oposição por parte do fornecedor com uma quantidade grande de mensagens, mostrando que tentou uma solução e não conseguiu.
É bem difícil para quem trabalha na rua, como nós, receber do consumidor documentos para comprovar o que ele está falando. Geralmente, ele só tem a fala de que pagou ou de que contratou o serviço. Isso acontece, principalmente, quando são serviços mais simples, como serviço de estofados, serviço de pedreiro, serviço de encanador, serviço de eletricista. Nesses casos, é difícil comprovar que, de fato, exista uma resistência. O que o consumidor tem, geralmente, são essas conversas por WhatsApp, contratando ou mandando comprovante de pagamento e respostas em relação ao começo da prestação de serviço ou do fornecimento do produto. Lá para a frente, se o prestador de serviço estiver pretendendo realmente dar golpe, ele para de conversar com o consumidor.
Há, de fato, situações de grandes empresas, como a que foi citada. A empresa 123 Milhas não abre um canal de conversa com o consumidor. Lá em São Paulo, no meu escritório, tentamos dialogar com a empresa 123 Milhas para remarcar as passagens ou para atender o consumidor que precisa, por motivo de doença, de falecimento de parente ou de impossibilidade de viajar. Tenta-se remarcar as passagens e não se consegue. Agora, chegamos ao absurdo de oficiar a empresa 123 Milhas pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, para que ela estabeleça um canal de comunicação com o consumidor, que ela não tem. Então, de fato, é complicado. Quando se trata de uma empresa grande, fica muito mais difícil para o consumidor chegar até a empresa e gerar uma contestação em relação ao conflito que vem ali se apresentando.
A SRA. SUSANA HENRIQUES DA COSTA - Com certeza, Deputado, acho que a minha fala foi um pouco nesse sentido também.
Nessa proposta que eu fiz, caberia ao fornecedor alegar a falta de interesse de agir do consumidor, e ele só poderia fazer isso se ele disponibilizasse uma via de comunicação que funciona. Se ele não disponibiliza uma via ou se ele não responde, ele não vai alegar isso, porque poderia até significar conduta de má-fé.
Então, se conseguíssemos de alguma forma jogar para o fornecedor o ônus da alegação e da comprovação de existência de um canal, não oneraríamos tanto o consumidor e teríamos um efeito muito parecido com o proposto pelo art. 17, porque o processo seria extinto logo ali no começo, no caso de conciliação. Portanto, em vez de colocarmos o ônus nas costas do consumidor, que pode ser um caso de exclusão digital, que pode ter dificuldade para comprovar o contato, o fornecedor teria a obrigação de apresentar prova de que fornece algum mecanismo de solução adequado para a redução dos conflitos.
11:56
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Então, essa é a sugestão que fazemos aqui pela USP.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Eu que agradeço, Sra. Susana.
Mais alguém gostaria de fazer uso da palavra?
O SR. JOSÉ GERALDO FILOMENO - Eu gostaria, se possível.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Tem a palavra o Prof. José Geraldo Filomeno.
O SR. JOSÉ GERALDO FILOMENO - Eu gostaria de apontar uma questão que talvez tenha passado despercebida pela Comissão.
O § 2º do art. 26 do Código de Defesa do Consumidor, quando trata da decadência da prescrição das ações consumeristas, tanto em nível individual, quanto em nível coletivo, diz o seguinte:
Art. 26 ...................................................
§ 2º Obstam a decadência:
I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca (...)
Tenho duas observações. Primeiro, essa questão já está na lei. Segundo, a lei não diz que essa reclamação é obrigatória para se ingressar em juízo, quando se tenta resolver uma questão redibitória motivada por um vício ou um defeito no produto. A lei apenas diz que, como os prazos são muito curtos, eles se somam para efeito da decadência. O prazo legal para se ingressar com uma ação redibitória, no caso de produtos de consumo durável, é de 90 dias, acrescidos do prazo contratual oferecido pelo fornecedor. Então, essa reclamação é apenas um fato interruptivo da decadência.
Profa. Susana, corrija-me, se eu estiver errado quando afirmo que, no processo civil, este caso é patentemente de prescrição, e não de decadência. A decadência não se interrompe nem se suspende, ela é peremptória.
Esse foi um erro nosso aqui, e eu me penitencio, como membro da comissão relatora do anteprojeto. Foi um erro. Levantei a questão, mas o pessoal achou que isso não seria um problema. De qualquer forma, leia-se aqui "prescrição". O prazo do Código Civil de 1916 para o ingresso com ação redibitória era muito curto, era de apenas 15 dias.
Além disso, Deputado, acho que a emenda não soluciona o problema. O problema não é de forma, ele é de conteúdo. A questão me parece ser inconstitucional, porque ela fere flagrantemente o que está disposto no inciso XXXV, do art. 5º da Constituição Federal, que fala do acesso à Justiça. Não se pode obstar esse acesso.
É claro que toda e qualquer tentativa de conciliação, por todos os meios que foram aqui discutidos, é desejável e elogiável. Durante minha experiência de mais de 30 anos como promotor de justiça e como promotor do PROCON, houve tentativas de resolução bem sucedidas. Infelizmente, entre 5% e 10% delas eu não conseguia resolver no PROCON, e as pessoas ingressavam com ações civis públicas. Depois que sobreveio a lei que disciplina a ação civil pública, em 1985, pude me ater mais às questões coletivas do consumidor e não mais às questões individuais.
12:00
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Nas comarcas do Estado de São Paulo onde há mais de um promotor de justiça, um deles é incumbido da tutela do consumidor, e o outro, de outras tutelas como a do meio ambiente etc. Nas comarcas onde há um único promotor, ele também faz as conciliações, faz a mediação entre consumidor e fornecedor e cuida de outros interesses também.
Portanto, ressalto que o problema não é a forma, o problema é o conteúdo da proposta, com toda a vênia que merecem os doutos Deputados autores do projeto. Lembro que essa questão foi embutida na medida provisória, é um jabutizinho que não tratava de nada disso. A questão tratava de facilitação de abertura de empresas para estimular o progresso econômico do País. Com toda a vênia, esse é o meu sentir.
Obrigado.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Obrigado, Prof. José Geraldo Filomeno. (Pausa.)
A SRA. MÁRCIA MORO - Deputado, eu gostaria de fazer um comentário, depois do Deputado Russomano.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Pois não..
Concedo a palavra ao Deputado Celso Russomanno.
O SR. CELSO RUSSOMANNO (REPUBLICANOS - SP) - Prof. Filomeno, sei que essa não foi exatamente a intenção dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor. Porém, no meu dia a dia, eu tenho usado bastante o art. 26, com seus incisos, e o art. 27 para entender que, se há reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços, mas a resposta é negativa, ou não há resposta a seguidas tentativas, ele simplesmente se nega a tentar uma solução. Eu tenho usado isso, e os juízes têm aceitado, considerando como uma negativa a falta de resposta ao consumidor.
Então, de uma forma ou de outra, isso tem atendido a necessidade do dia a dia, principalmente dos pequenos consumidores. Obrigado.
O SR. JOSÉ GERALDO FILOMENO - Claro. Parabéns, é isso mesmo.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Tem a palavra a Sra. Márcia Moro.
A SRA. MÁRCIA MORO - Eu volto ao assunto dos meios eletrônicos disponíveis, Deputado.
As experiências de fora do Brasil já foram mais do que faladas e repisadas aqui, então vamos falar em termos de Brasil. É importante não se pode pensar só no que ocorre em capitais e regiões metropolitanas. Existem lugares distantes das grandes cidades, que só têm uma telefonia fixa. A Internet no Brasil, além de ser cara, é ruim em vários pontos, inclusive nas próprias capitais, naquelas regiões chamadas de zonas escuras. No interior, nem se fala. É difícil as pessoas que moram no interior terem um telefone touch com dados. Elas têm voz, mas não têm dados.
Eu posso falar de uma imagem que encaminhei para cá mostrando os atendimentos feitos em 2019, 2020 e 2021. Ela está no segundo e-mail que eu mandei e mostra, no total de atendimentos feitos em 2019, 2020 e 2021, o índice de satisfação do consumidor e o índice dos consumidores que buscaram o fornecedor. Como eu já falei antes e os meus colegas de Mesa também, o consumidor não quer litígio. Por isso, ele precisa ter condições para usar os meios eletrônicos. Do ano passado para cá, o WhatsApp vem sendo utilizado por várias pessoas mal-intencionadas, em prejuízo do consumidor. A maior parte dos consumidores têm medo de clicar ou de acessar qualquer coisa que receba pelo WhatsApp que não seja do grupo familiar ou de alguém conhecido. Como exemplo de meio eletrônico eu cito a plataforma consumidor.gov, tão proclamada e tão declamada pela própria SENACON, que é uma política pública. PROCONs são política pública, Ministério Público é política pública, Defensoria é política pública, Judiciário também é política pública. Então, há que se pensar no vulnerável e no microvulnerável, que não têm essa condição de acesso. Ter telefone celular não significa necessariamente que a pessoa tenha condições de acessar plataformas digitais.
12:04
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Precisamos ter muito cuidado nisso, protegendo quem realmente precisa de proteção. Ela não deve ter que demonstrar que procurou o fornecedor. Ela procura, nós vemos isso nos nossos atendimentos.
Eu sempre digo que temos que sair do ar condicionado do sétimo andar e descer ao chão da fábrica, porque as coisas acontecem nos Municípios, principalmente nos Municípios do interior. Existem plataformas digitais e, no máximo, mil PROCONs pelo Brasil, fora as associações de defesa do consumidor e o Ministério Público. E os outros 4 mil Municípios serão assistidos por quem? Por plataformas digitais? O interior do Amazonas será assistido por uma plataforma digital que permita ao consumidor fazer reclamações para algum fornecedor? Não existe essa possibilidade. Essas coisas nos preocupam, porque os consumidores vulneráveis não serão incluídos. Pelo contrário, eles serão excluídos ainda mais do que já são hoje. Então, falo por experiência própria que os PROCONs constatam essa dificuldade. Não se pode viver só na capital e nem no exterior, temos que viver no Brasil. E o Brasil não tem essa inclusão digital tão falada e tão pretendida. Esperamos que essa situação melhore.
Há 30 quilômetros da borda de alguns Municípios, a obrigatoriedade é de voz e não de dados. Existe a telefonia fixa, mas não a móvel. Só funciona a móvel se existir alguma antena disponível em algum canto, e, mesmo assim, de forma precária. Por esse motivo, essa possibilidade de usar os meios eletrônicos disponíveis tem que ser muito bem repensada.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Obrigado, Sra. Márcia Moro.
Peço que, depois das minhas palavras, V.Exas. respondam e, por gentileza, já façam as considerações finais. Eu fiz algumas anotações.
Esse projeto relatado por nós vem ao encontro da necessidade de dar celeridade ao processo e de observar a economia processual. A Lei nº 9.099, de 1995, fala dos Juizados Especiais Cíveis. A população pode não querer entrar na Justiça, mas existe uma minoria de pessoas, nesse universo de consumidores, que são litigantes habituais e que entram na Justiça por qualquer coisa. Os Juizados Especiais dão à população a opção de ter uma resposta rápida, uma vez que o art. 16 da Lei nº 9.099, se não me falha a memória, diz que a Secretaria do Juizado Especial marcará sessão de conciliação em 15 dias. Isso é só no papel, eu sei que isso é só no papel. O Dr. Erik Navarro mostrou na sua apresentação que há 75 milhões de processos, sendo impossível os 17 mil magistrados existentes darem conta disso tudo.
12:08
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Dentro do Código de Processo Penal... Perdão. Dentro do Código de Processo Civil, o art. 17 deixa esse assunto bem claro. Nós temos que dirimir essa questão no projeto, fazendo um ajuste redacional dentro da relatoria. Está escrito lá que, para postular em juízo, é necessário ter interesse e legitimidade. Existem 75 milhões de processos em que a pessoa tem interesse e legitimidade. O Código de Processo Civil diz quais são os legitimados para propor uma ação, mas na questão do interesse há uma interpretação equivocada.
A apresentação mostrou que os PROCONs fizeram em 2021, até o momento, um total de 1 milhão 170 mil 185 atendimentos. Digamos que cheguemos até o final do ano, pelo andar da carruagem, a 1 milhão e 200 mil atendimentos. Dentro de uma análise estatística — eu posso falar um pouco de estatística, pela minha formação acadêmica em políticas públicas e gestão pública —, qual é o universo que os PROCONs colocam relacionado àqueles 170 milhões de atendimentos? Estão levando em consideração a Capital de São Paulo?
Existem 670 PROCONs no País. Dentre os 5.670 Municípios brasileiros, há aqueles que são pequenos e que têm PROCONs. Faço um questionamento para a entidade chamada ProconsBrasil, sem personalizar de forma alguma a minha fala: o que o ProconsBrasil tem feito nos outros Municípios que não têm PROCON para convencer os Prefeitos a criarem os PROCONs? Um PROCON é criado pela Prefeitura Municipal juntamente com a sua Câmara Municipal. É muito fácil criar 670 PROCONs nas grandes capitais, mas estamos precisando de PROCONs nos rincões. Há PROCON em 26 Estados. Qual é o Estado que não tem PROCON, se existem 27 Estados e o Distrito Federal?
O projeto que nós estamos relatando vem ao alcance do Código de Defesa do Consumidor... Tenho formação jurídica, sou advogado especialista também em defesa do consumidor, embora como advogado não milite, por conta do mandato parlamentar. Mas sou um estudioso da matéria. Já estamos nesta Casa há três mandatos, sempre acompanhando o nosso mestre Deputado Celso Russomanno, aqui na CDC. Há juízes fazendo parte desta audiência pública. Volto a dizer, não estou personalizando, personificando. A instituição judiciária está representada nesta audiência pública. O art. 6º do Código de Defesa do Consumidor diz que:
12:12
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Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação (...)
Diz que deve ser verdadeira a alegação.
A pessoa vai chegar à audiência sem advogado. Nós sabemos que as causas até 20 salários mínimos não precisam de advogado. No Juizado Especial, nas ações de 20 a 40 salários mínimos, é preciso que um advogado atue. Dentro desse universo de 70 milhões de ações, 39% são ações na área consumerista. Quantos são acompanhados de advogado, ou seja, quantos são até 20 salários mínimos? E quantos são de 20 até 40 salários mínimos? Sabemos que as ações que passam de 40 salários mínimos vão para a Justiça Comum. Qual é o percentual? Essas são questões estatísticas.
Quando há necessidade de perícia, e o proponente da ação não a solicita na Justiça Comum, a ação é indeferida por causa da perícia. Muitas vezes, o advogado não sabe disso, e a pessoa perde tempo.
Quando a pessoa tem um problema, ela quer resolvê-lo. Eu vou dar um exemplo do que ocorreu comigo, que eu já dei na audiência passada...
O Prof. José Geraldo Filomeno também deu o exemplo de quando ele entrou num canal e teve que seguir todos os ritos do canal. Pelo projeto de lei que nós estamos relatando, só o fato de ele ligar, "printar" e não ser atendido já indicaria que houve resistência por parte do réu em atender a demanda do consumidor. Ele não precisa esperar 2 horas, 3 horas, 4 horas, até a ligação cair. Se ele "printar", mostrará que tentou resolver a questão e não conseguiu. Isso, inclusive, vale para verossimilhança da inversão do ônus da prova, dentro do nosso direito básico do consumidor.
Volto a dizer que o critério é sempre do juiz. O juiz vai avaliar se a pessoa é hipossuficiente e se as alegações dela são verdadeiras. Mas nesse caso já correriam 3 meses, no mínimo, porque, quando é marcada uma conciliação, que não é em 15 dias... Devem ser raras as comarcas que marcam a audiência de conciliação em 15 dias, raríssimas. Na época da conciliação, o que acontece com o réu? Ele não aparece, e é marcada outra audiência para decidir. Portanto, vão se passar mais 3 ou 4 meses. E existem milhões e milhões de processos. O que nós estamos propondo aqui para a sociedade é que a pessoa... Como eu disse, vou contar o meu caso. Comprei para minha casa uma cama pelo site MadeiraMadeira. Eles mandaram o produto dentro do prazo de 15 dias, mas o mandaram quebrado. Uma peça estava quebrada. Eu fiz contato com eles no dia seguinte, e me falaram que iam resolver. Esperei 10 dias, mas não deram notícia. Mandei novamente um e-mail. Depois de 1 semana, eles responderam o meu e-mail, dizendo que estavam fazendo contato com a fábrica para pedir a reposição da peça. Passaram 45 dias dessa lenga-lenga, e eu mandei uma última mensagem dizendo que, naquele momento, tinha acabado toda minha tentativa de resolver a questão de forma administrativa, conciliando. Eu esperei 45 dias. Eles me pediram desculpas e, na semana seguinte, chegou o material. Ou seja, passaram-se 50 dias. E se eu tivesse que entrar na Justiça?
12:16
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(Intervenção fora do microfone.)
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - É. Entendeu?
Eu não deixaria passar de 30 dias, mas sei que certamente isso não se resolveria com menos de 6 meses na Justiça. Tratava-se de um artigo de necessidade, uma cama. Então, quando se tem a possibilidade nesse projeto que nós estamos relatando...
E eu agradeço a V.Exas. que participaram desta audiência e apresentaram sugestões. Depois, vou pedir à assessoria da Comissão acesso ao áudio e às sugestões que foram feitas por todos, para que nós possamos melhorar o texto. Seria simplório demais rejeitar um texto como esse.
Todos nós concordamos que temos que fazer alguma coisa. Nós estamos aqui buscando o melhor entendimento para fazer alguma coisa. O sistema consumidor.gov, é uma inovação, mas ele não tem alcance. Como foi falado, as pessoas têm dificuldade de acesso, principalmente aquelas que não têm facilidade com meios de tecnologia. Além disso, os PROCONs não alcançam todos os 5.670 Municípios brasileiros. E os Juizados Especiais Cíveis não prestam atendimento de acordo com o que está no texto da lei. Não fazem isso porque querem, mas porque não têm a estrutura, devido à demanda de milhões e milhões de processos.
Como vimos, o art. 17 determina que, para postular em juízo, é necessário que a pessoa tenha interesse. Está bem, o consumidor tem interesse. Mas será que, antes de entrar na Justiça e afogar mais o Judiciário, que é abarrotado e caríssimo, porque tem comarcas longe das capitais... E, quando o juiz vai para lá, ele onera mais ainda os cofres públicos, a cada 15 dias, a cada mês, porque ele vai atender em outra comarca. Esse é um direito dele? Sim, mas isso onera os cofres públicos. E, nesses milhões e milhões, que chegam a mais de 1,2% do PIB, vão as questões de demandas judiciais. Então, essa é uma realidade que nós temos.
12:20
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É necessário termos interesse. Diante do interesse — não estamos falando de legitimidade —, a pessoa tenta buscar meios para resolver e liga para o número que está no SAC. Nós devemos procurar, inclusive o Judiciário deve procurar nas suas decisões — eu sou sempre enfático ao dizer isso: o que estimula o litigante habitual são as decisões que o Judiciário dá, principalmente no que diz respeito a multar os litigantes habituais, de forma que ele não se sinta penalizado. Eu não estou dizendo para multar e passar o valor desta multa para o autor da ação, mas que ele possa encaminhar esta multa para os direitos difusos, para combater exatamente os litigantes habituais do consumidor, da área da cultura, da área do meio ambiente.
A pessoa tem o direito de resolver o problema da forma mais rápida. Qual é a forma mais rápida? Justiça? Eu estou entrando com uma ação, porque tentei resolver administrativamente. "Sr. juiz, peço inversão do ônus da prova. E aqui está a verossimilhança. Peço à V.Exa. que defina, uma vez que o fornecedor não quis me atender, se negou a me atender, que ele seja condenado naquilo que estamos alegando." E o juiz vai fazer a sua avaliação. "E que também seja condenado com a multa, se ele for um litigante habitual." Essa é a consideração que faço e volto a dizer: sem personificar nenhum dos nossos palestrantes.
Agradeço a participação de todos e, para encerrarmos, deixo aberta a palavra para que façam as suas considerações finais, caso queiram.
Muito obrigado.
Quem quer falar?
A SRA. VALERIA LAGRASTA - Eu posso falar.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Por favor, Dra. Valeria Lagrasta.
A SRA. VALERIA LAGRASTA - Não sei se todos me conhecem, mas, na verdade, eu sou uma grande entusiasta dos métodos consensuais e solução de conflitos. Eu trabalhei na redação da Resolução nº 125, do CNJ, que instituiu essa política pública. E, até por orientação e por ter aprendido muito com o Prof. Kazuo Watanabe e com a Profa. Ada Pellegrini Grinover, eles sempre lutaram exatamente por um acesso amplo à Justiça. E, nessa política pública, foi criado o CEJUSC —Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, uma unidade judiciária que tem o setor pré-processual. Quer dizer, as pessoas hoje já têm esse veículo, essa possibilidade de buscar uma composição com a parte contrária nesse CEJUSC pré-processual, sem a necessidade de interposição de uma ação. O juiz, por sua vez, deve incentivar essa utilização.
12:24
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Então, como o senhor disse, nos juizados demora-se muito para agendar. Não se observa esse prazo de 15 dias. Mas o que tem sido feito pelos magistrados — estou defendendo, é lógico, o lado do Judiciário — é um contato mais próximo do juiz do juizado com o juiz do CEJUSC, exatamente para a pessoa, quando for fazer uma reclamação no juizado, ser encaminhada para o CEJUSC pré-processual e já tentar a composição. Se ele não obtiver êxito nessa composição, muitas vezes porque o réu não comparece — ele recebe uma carta-convite, mas não comparece —, ele já usa essa tentativa infrutífera quando vai propor a ação, e o juiz dispensa aquela audiência que seria obrigatória no início do processo, prevista no art. 334 do CPC, e também pode dispensar no rito dos juizados aquela tentativa de conciliação, abreviando o procedimento. Quer dizer, nós já temos uma política pública preventiva, nessa visão que a Susana colocou, no sentido de incentivar o uso desses métodos e essa comprovação da tentativa pré-processual de solução do conflito.
Quanto à proposta do senhor, eu acho que as propostas são muito interessantes. Quer dizer, nós estamos aqui exatamente porque as propostas são interessantes e isso vem em auxílio ao debate para beneficiar o cidadão brasileiro. Mas eu repito o que já disse: o art. 17 não é do Código de Defesa do Consumidor. O art. 17 é do CPC. Então, ele trata do interesse processual não só dos conflitos afetos às relações de consumo, mas também de todos os conflitos que versam sobre direitos patrimoniais disponíveis. Nesse caso, entram, por exemplo, as relações de vizinhança, as relações entre marido e mulher quando elas dizem respeito a questões patrimoniais. Nesses casos, eu fico em dúvida de como o autor vai conseguir comprovar que ele teve uma pretensão resistida no vizinho que não olha para a cara dele, que não vai comparecer nem no CEJUSC pré-processual se receber uma carta-convite. Esses casos são diferentes do caso da empresa, que pode ter um canal de comunicação, como o WhatsApp, ou pode ter uma plataforma própria. O que ocorre nas relações entre cidadãos comuns e nas relações que versam sobre direitos patrimoniais disponíveis, mas que não são afetas às relações de consumo? O art. 17 abrange tudo. Por isso, eu falei que os parágrafos estão se referindo apenas às relações de consumo. Então, faltaria esse elenco de meios de comprovação em relação a outros tipos de conflito que não são os das relações de consumo.
Além disso, o que deveria ser feito — eu acho bastante interessante a proposta da Susana — é cobrar das empresas, dos grandes litigantes uma atitude, que eles comprovem que têm meios para que o consumidor tente a composição, que eles comprovem que comparecem ao CEJUSC pré-processual quando recebem uma carta-convite; ou fazer com que haja uma alteração na lei de custas, cobrando custas maiores desses grandes demandantes que serão revertidas em benefício, por exemplo, da remuneração dos conciliadores e mediadores. Essas são propostas que também estiveram em voga e que estão em andamento.
Quando eu falei dos rincões do País, eu me referi a uma experiência de juizado itinerante, que temos nos Juizados Especiais, que vai atender as populações ribeirinhas do Norte — do Amazonas, do Rio Madeira — e Nordeste, as populações indígenas, que, realmente, não têm acesso à Internet, não têm acesso ao PROCON, não têm qualquer forma de comprovar essa pretensão resistida.
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Então, eu agradeço imensamente a oportunidade de estar aqui. Realmente, o debate foi muito frutífero. Eu acho que aprendi muito e espero poder contribuir. A proposta do FONAJE já consta de uma nota técnica que foi encaminhada aos senhores, mas eu me comprometo a encaminhá-la novamente com essa sugestão de nova redação.
Muito obrigada.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Obrigado, pelas considerações e pela fala, Dra. Valeria Lagrasta.
Eu passo agora a palavra para a Dra. Susana Henriques da Costa, que fará suas considerações.
A SRA. SUSANA HENRIQUES DA COSTA - Obrigada, Deputado.
Nas minhas considerações finais, tentando reagir à sua fala, quero também me aliar à Valeria. Nós somos parceiras em vários projetos. Assim como ela, eu sou uma grande entusiasta dos mecanismos consensuais de solução de conflitos. Sempre estive sob a batuta da Profa. Ada e do Prof. Kazuo, que foram grandes modelos.
Então, mais uma vez, eu queria deixar claro que não há aqui uma objeção ao consenso, ao contrário. O grande problema que o nosso grupo de pesquisa vê nesse projeto é a questão da obrigatoriedade da comprovação dessa tentativa consensual como requisito prévio. Coincidentemente, a minha dissertação de mestrado foi sobre condições da ação. Nós sabemos que, tecnicamente, o interesse de agir sempre foi entendido como uma afirmação da existência de uma negativa do réu de cumprimento voluntário da obrigação. Aqui eu não vou entrar em teorias. A teoria dominante hoje, que é a assertista, entende que vale se afirmar a existência de um conflito e que isso já bastaria para se comprovar, reconhecer o interesse de agir. Obviamente, isso seria discutido no âmbito do processo. Se o réu diz: "Eu não tenho resistência a essa pretensão", esse interesse pode ser não comprovado, de fato.
Deputado, na minha modesta opinião, com base nos estudos que eu fiz, não há uma interpretação equivocada do interesse de agir. O interesse de agir já tem uma interpretação solidificada a respeito do seu conteúdo. O que nós estamos propondo aqui — pode-se verificar se isso é ou não interessante como uma política judiciária brasileira — é a alteração desse conceito de interesse de agir, para que ele passe a ser agregado na necessidade dessa comprovação de uma tentativa prévia consensual.
Eu gostaria de fazer mais duas ponderações, se o senhor me permitir.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Fique à vontade.
A SRA. SUSANA HENRIQUES DA COSTA - A primeira delas é no sentido de relativizar os dados dos 75 milhões de processos. Confirmo a afirmativa que eu fiz: muitos desses processos decorrem da oligopolização da Justiça pelos grandes litigantes. O último relatório Justiça em Números dá conta de que 36% desses 75 milhões de processos são só execuções fiscais. Então, tirando 36% dos processos, nós já temos uma redução significativa e podemos começar a discutir uma política pública de desafogamento do nosso Judiciário.
É claro que eu não vou aqui trazer a afirmativa de que o Juizados Especiais não estão afogados. Eles estão.
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Mas o que quero ponderar aqui é uma notícia do próprio site do CNJ, de março de 2011, que traz algumas estatísticas superinteressantes. À parte as execuções fiscais, o INSS é o maior litigante do Judiciário brasileiro, que tem 22% dos processos dos cem maiores litigantes da Justiça nacional, seguido por Caixa Econômica Federal, Fazenda Nacional, Estado do Rio Grande do Sul, Banco do Brasil e Bradesco — aí falando dos fornecedores. Ao final, essa reportagem dá que o setor público — estadual, federal e municipal — mais bancos e telefonias representam 95% do total de processos dos cem maiores litigantes da Justiça brasileira.
Por que estou trazendo esses dados? Porque, na minha opinião, a grande pergunta que se coloca na discussão deste projeto é quem vamos tirar da Justiça. O senhor tem toda razão quando diz que alguma coisa precisa ser feita em relação ao congestionamento da Justiça brasileira para desafogá-la, para trabalhar a morosidade. Mas a grande pergunta que precisa ser colocada é: se vamos ter que tirar alguém, quem deve sair da Justiça brasileira — é o consumidor? Vamos colocar o ônus dos 75 milhões de processos sobre o consumidor, que nem representa essa totalidade? A mim me parece — e é um pouco nesse sentido a minha fala — que deveríamos voltar as políticas de desafogamento do Judiciário justamente para esses maiores litigantes, os litigantes habituais, que, sim, têm essa presença muito frequente.
Também concordo com o senhor que, para nós da classe média, que somos bem-educados, que temos um trajeto facilitado na Internet, essa mudança não vai ser um obstáculo. Acho que a minha fala deixou isso claro. Não há problema nenhum fazermos a comprovação na petição inicial porque, de fato, teremos uma facilidade muito maior para fazer essa comprovação. Então, nós não vamos tirar da Justiça — o senhor tem toda razão sobre isso — os consumidores de classe média, bem-educados, que têm condições de fazer essa comprovação. Não são eles que vão ser retirados da Justiça pelo art. 17. O grande prejudicado pelo art. 17 será aquele consumidor para o qual qualquer obstáculo extra, qualquer que seja, é motivo suficiente para que ele não busque os seus direitos. Há um bolsão muito grande de pessoas nessa situação no Brasil. E é em nome dessas pessoas que estou falando aqui e apresentando esta proposta alternativa de redação aos senhores, porque acho que isso facilitaria a vida desses consumidores. Como a Valeria muito bem disse, isso não seria só para os consumidores excluídos digitalmente. Mas se lembrem de que 26% dos brasileiros são excluídos digitalmente.
Realmente indo para o final da minha fala, esta é uma escolha política que o Parlamento faz, esta é a arena totalmente adequada para termos essa discussão, mas acho que a escolha que está sendo posta — e foi isso o que eu tentei descortinar na minha fala —, é se será mesmo essa a nossa escolha. Nós vamos tirar da Justiça, com essa redação, os excluídos digitais, os vulneráveis, os inacessíveis, aqueles que, com muita dificuldade, chegam à Justiça. Vão ser esses os impactados. Nós não vamos ser impactados por essa mudança. É essa a escolha que queremos? Mais do que isso: será que tirar só esse bolsão de pessoas — porque serão só elas que vão ser impactadas pela mudança — vai significar uma redução tão grande de processos assim? Eu também tenho as minhas dúvidas, mas só a realidade vai dizer.
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Mais uma vez, agradeço a oportunidade deste debate tão franco e tão aprofundado com V.Exas.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Obrigado pela disposição e considerações, Dra. Susana Costa.
Passo a palavra agora...
O SR. JOSÉ GERALDO FILOMENO - Presidente, se V.Exa. me permite...
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Sim, Prof. José Geraldo.
O SR. JOSÉ GERALDO FILOMENO - Gostaria de agradecer e de me despedir, porque tenho um compromisso agora no escritório.
Muito obrigado, Deputado Vinicius e demais participantes.
Até mais.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Prof. José Geraldo.
Passo a palavra à Sra. Márcia Moro, por gentileza.
A SRA. MÁRCIA MORO - Muito obrigada. Vamos para as considerações finais.
A respeito das solicitações à PROCONs Brasil para criar PROCONs pelo Brasil, primeiro, não temos poder para isso. Isso depende do gestor público. Como é uma política pública, vou lhe devolver a questão. A partir desta excelente Comissão, poderíamos fazer uma tratativa nesse sentido, com todas as associações dos Municípios do Brasil, com os Governos estaduais, porque seria muito interessante a criação nem que fosse de PROCONs regionais em Municípios pequenos.
Santa Maria, onde eu trabalho, assim como alguns colegas do Rio Grande do Sul e do Brasil também, é uma cidade polo, com 340 mil habitantes. Lá o PROCON existe desde 2002. Trabalhamos seguindo um termo de cooperação técnica com uma instituição de ensino superior, de maneira que os estudantes de direito dessa universidade fazem parte dos nossos atendimentos.
Essa também seria uma sugestão porque, como Deputados, V.Exas. podem nos ajudar nesse sentido. A PROCONs Brasil não tem a força de criar PROCONs, mas já fazemos isso, na nossa cidade e em algumas outras, ao usar o www.consumidor.gov.br, para termos legitimidade e ajudarmos o consumidor que nos procura nos Municípios pequenos. Existem muitas outras coisas mais que oneram os cofres públicos — não apenas o Judiciário — e que não dão retorno algum.
Os PROCONs são criados pelos gestores municipais para harmonizar as relações de consumo. Vários de nós têm convênios com o CEJUSC, justamente para evitar a judicialização. E mais: aqueles dois PLs que já citei anteriormente, de fortalecimento dos PROCONs, Deputado, ajudariam muito a atacar, antes da judicialização, qualquer tipo de ação. Já fazemos isso grandemente. Do ano passado para cá, aumentaram muito os atendimentos nesse sentido, principalmente de idosos lesados por grandes fornecedores, que se negam a fazer uma harmonização dos problemas apresentados.
Quero agradecer, Deputado Celso Russomanno, Deputado Vinicius Carvalho, o convite para participação à PROCONs Brasil.
O seu exemplo do MadeiraMadeira foi interessantíssimo, porque o senhor teve condições de esperar, o senhor teve condições de "printar" uma tela, o senhor teve condições de fazer um contato, o que dificilmente vai acontecer com outros consumidores que não moram nas capitais ou em grandes centros. Mesmo assim, isso ocorreu com dificuldade.
Muito obrigada. Tenham uma boa tarde.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Concedo a palavra ao Deputado Celso Russomanno.
12:40
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O SR. CELSO RUSSOMANNO (REPUBLICANOS - SP) - Dra. Márcia, eu já pedi à nossa Secretária da Comissão de Defesa do Consumidor que expeça ofício para todos os Municípios onde não há PROCONs no Brasil para que façamos uma ação política a fim de convencer os Prefeitos a instalarem os seus PROCONs.
Obrigado pela sugestão.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado pelas considerações e pela fala, Dra. Márcia Moro.
Passo a palavra ao Dr. Daniel Resende para as suas considerações.
O SR. DANIEL FREITAS RESENDE - Deputado Vinicius Carvalho, Deputado Celso Russomanno, colegas expositores, eu acho que a grande discussão se dá no quesito do alargamento das possibilidades, que tentei expor quando da minha fala.
Eu penso que, para extirpar qualquer discussão acerca da inconstitucionalidade da proposta sobre garantir a autocomposição prévia, nós devemos pensar nesse alargamento das possibilidades para contemplar a tentativa de resolução realizada no CEJUSCs, Câmaras Privadas de Conciliação e Mediação, PROCONs, PAPREs, enfim, quaisquer outros órgãos ou instituições que atuem na resolução consensual, desde que conveniados com o CNJ, com os Tribunais, mantendo o Poder Judiciário como gestor desse sistema autocompositivo, como já muito bem citou o Dr. Juliano Veiga na sua exposição no FONAMEC — Fórum Nacional de Mediação e Conciliação.
Deputado Vinicius Carvalho, caso V.Exa. não tenha recebido a nota técnica, eu me disponho a enviá-la por e-mail, para que V.Exas. tenham condições de ampliar realmente essa discussão.
Para concluir, a não-exigência de que a parte demonstre a necessidade de ir a juízo implica sobrecarga ao Poder Judiciário, como foi muito bem dito durante a maioria das exposições, com o julgamento de inúmeras questões que poderiam ser resolvidas previamente com a utilização de meios consensuais, comprometendo a prestação da tutela jurisdicional adequada, tempestiva e efetiva. Por sua vez, tal exigência se revela compatível com o princípio da inafastabilidade da jurisdição e garante ao jurisdicionado o acesso a um verdadeiro sistema de justiça, sendo-lhe disponibilizado um rol de alternativas para a tentativa de negociação prévia, inclusive pelo próprio Poder Judiciário.
Muito obrigado a todos.
Coloco-me à inteira disposição desta egrégia Comissão.
O SR. PRESIDENTE (Vinicius Carvalho. REPUBLICANOS - SP) - Muito obrigado, Dr. Daniel. Certamente aceitaremos a proposta de envio da nota técnica para o mesmo e-mail em que V.Sa. recebeu o convite, assim como todos os palestrantes.
Finalizo dizendo que todas as falas e as considerações foram gravadas. Vamos ter acesso a todas elas na relatoria, para vermos uma forma de melhorar o que queremos fazer. Há um consenso. Precisamos fazer alguma coisa. Precisamos encontrar um caminho para não prejudicarmos aquele que já é prejudicado por sua natureza de hipossuficiência. Mas nós precisamos avançar e desenvolver tanto o Judiciário quanto o acesso à Justiça, com o avanço da sociedade.
Agradeço, mais uma vez, a todos os palestrantes que participaram desta audiência pública, ao Presidente Celso Russomanno, que está aqui conosco e me permitiu estar ao seu lado, conduzindo esse trabalho de grande importância de nossa autoria juntamente com outros pares.
12:44
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Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a reunião, às 12h44min, antes convocando reunião deliberativa extraordinária para o dia 25 de novembro, às 9 horas, no Plenário 8.
Está encerrada a reunião.
Muito obrigado!
Deus abençoe a todos.
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