Horário | (Texto com redação final.) |
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O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Declaro aberta a presente reunião do Centro de Estudos e Debates Estratégicos.
Sras. e Srs. Parlamentares, nosso parceiro na relatoria, Deputado Denis Bezerra, prezados consultores presentes e demais amigos, boa tarde a todos.
Hoje iremos realizar uma audiência pública em que iremos tratar do tema A Teoria Monetária Moderna e a Dívida Pública. Este tema foi proposto pelo Grupo de Estudos da Dívida Pública Brasileira. É um novo estudo relatado por mim e pelo nosso colega Deputado Denis Bezerra.
O objetivo da audiência é avaliar a Teoria Monetária Moderna e a dívida pública, com ênfase no seguinte questionamento: qual seria a relação com a dívida soberana dos países?
Esse novo estudo também tem como foco identificar os grandes detentores da dívida pública, as principais regras fiscais, a evolução do histórico das operações compromissadas e o papel do Congresso Nacional na fiscalização da dívida pública.
Hoje nós teremos quatro palestrantes que irão contribuir para o nosso estudo. O primeiro palestrante é o Dr. André Lara Resende, banqueiro, economista brasileiro, com título de PhD em Economia pelo Massachusetts Institute of Technology. Trabalhou no Banco de Investimentos Garantia, no Unibanco, e foi sócio fundador do Banco Matrix. Foi Diretor do Banco Central do Brasil, negociador chefe da dívida externa e um dos integrantes da equipe econômica que elaborou o Plano Real. Assumiu a Presidência do BNDES em 1998. Posteriormente, atuou no mercado com uma companhia de investimentos. Em 2017, por meio do artigo Juros e Conservadorismo Intelectual, criticou a política de juros altos.
O segundo palestrante é Affonso Celso Pastore. Economista brasileiro formado pela Universidade de São Paulo, onde também fez seu doutorado. Atuou como professor da USP, INSPER e da Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, e hoje é consultor na área de economia e membro do Conselho de Administração do Grupo Gerdau. Foi Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo e Presidente do Banco Central do Brasil. Escreveu diversos artigos e livros e tem uma obra extensa sobre câmbio e inflação.
O terceiro palestrante é José Luis Oreiro, professor e pesquisador de Economia da Universidade de Brasília e autor do livro Macroeconomia do Desenvolvimento — Uma Perspectiva Keynesiana. Foi professor de economia da Universidade Federal do Paraná, onde exerceu o cargo de Diretor do Centro de Pesquisas Econômicas. Atua principalmente nos temas acumulação de capital, crescimento econômico, autonomia de política monetária, taxa de juros e dinâmica não linear. Publicou mais de 80 artigos.
Nós temos também aqui como palestrante o nosso colega Deputado Mauro Benevides Filho, de quem eu tenho o prazer de ser colega de partido e estar sempre aprendendo com ele. É formado em Economia pela Universidade de Brasília, com doutorado pela Universidade Vanderbilt. Corrija-me, Deputado Mauro, se eu tiver errado a pronúncia.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Thank you very much!
Trabalhou no Banco BMC, foi Secretário de Finanças de Fortaleza, Secretário de Planejamento do Ceará, Secretário de Fazenda e Secretário de Administração. Em 1990 foi eleito Deputado Estadual pelo PMDB, à época. Atualmente é filiado ao PDT e Secretário de Planejamento e Gestão no Estado do Ceará. Agora voltou para nossa bancada, para corrigir a PEC dos Precatórios.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Eu soube que já, já o Governo de Estado o chama de volta.
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Vamos dar início à participação dos palestrantes, que terão 15 minutos para fazer suas apresentações. Em seguida, os Deputados, consultores, convidados do Zoom e do e-Democracia farão perguntas aos palestrantes sobre os temas da audiência.
O SR. ANDRÉ LARA RESENDE - Deputado Félix Mendonça Júnior, demais Deputados e colegas, muito boa tarde, é um prazer estar aqui. Este é um tema da maior importância. Vou fazer uma apresentação simplificada e tentar encontrar mais consenso, porque dissenso e contradição nós temos tido muito recentemente.
Eu tenho a ideia de que a Teoria Monetária Moderna, a Modern Monetary Theory, tem um nome de certa forma inapropriado — e eu tenho dito muito isso —, porque as teses associadas ao que se chama de Teoria Monetária Moderna são muito antigas. São discussões que vêm desde o século XVIII, na Inglaterra, sobre a discussão da organização do que é a moeda, como definir o sistema monetário, o sistema de pagamentos e a criação de bancos centrais.
O que faz a Teoria Monetária Moderna é resgatar uma visão da moeda como crédito. Schumpeter, no seu grande livro sobre a história do pensamento econômico, definiu duas grandes linhas monetárias: a linha que ele chama de teorias creditícias da moeda; e a linha monetária do crédito.
A versão hegemônica que dominou a teoria econômica até muito recentemente é a da linha que vem de teorias monetárias de crédito. Vou falar um pouco sobre o que quer dizer a ideia de que a moeda é essencialmente um meio de troca, uma mercadoria que tem um valor intrínseco e que tem aceitação generalizada.
Essa vertente que, na história do pensamento econômico, foi defendida, sobretudo, por David Hume e David Ricardo, foi dominante durante a segunda metade do século XX e definiu a percepção do que determina a inflação, sobre a teoria quantitativa da moeda, que inflação é excesso de moeda. Moeda é um estoque de um bem muito líquido, de uma mercadoria muito líquida que serve para facilitar as transações; e, se há mais moeda do que demanda, isso provoca inflação.
Sem me estender, essa versão foi completamente desmistificada, falsificada pelo experimento do quantitative easing, o afrouxamento quantitativo, esse horrível nome que foi dado à implementação de uma política monetária heterodoxa, inventada pelo banco central americano primeiro, pelo FED, com Ben Bernanke, no momento da crise de 2008. Depois, todos os bancos centrais dos países avançados e mais recentemente, agora, com a crise da COVID-19, repetiram esse experimento com proporções maiores ainda de emissão monetária sem que tenha havido, até muito recentemente, pressões inflacionárias, sobretudo, até a COVID-19. Agora na saída do (ininteligível) é um pouco diferente, e vou falar sobre isso no final.
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Chama-se Teoria Monetária Moderna simplesmente — e por isso ela se tornou tão polêmica — por ela ter sido encampada e defendida por certos tipos de políticas públicas e por uma franja à esquerda do partido democrático americano, que é visto com muita desconfiança nos Estados Unidos.
O que se chama Teoria Monetária Moderna, que é essa visão da moeda como um crédito, a moeda não tem lastro, não tem poder, tem valor intrínseco — e toda moeda nacional contemporânea é assim, não existe lastro ouro depois do fim do padrão ouro —, a moeda é simplesmente um crédito contra o governo. Isso é o que se chama moeda fiduciária. Ela depende de confiança no governo.
O que a Teoria Monetária Moderna faz é resgatar esse arcabouço da moeda fiduciária. E ela não é normativa, ou seja, ela é simplesmente descritiva das possibilidades de como funciona um sistema monetário com moeda fiduciária. Daí não decorre absolutamente nenhuma prescrição de definição de política. Obviamente, ao redefinir o quadro de funcionamento, ela redefine as possibilidades de política. Mas ela não tem nenhuma pretensão de propor ou de impor algumas políticas. Ela é perfeitamente compatível com políticas muito diferentes.
Vamos entender, então, o porquê de tanta controvérsia. O Estado pode se financiar de duas maneiras. Ele pode se financiar cobrando impostos e pode se financiar endividando-se, emitindo crédito contra ele, Estado. Esse endividamento pode ser por dívida pública ou por emissão monetária. A moeda, como eu acabei de dizer, é simplesmente um crédito contra o Estado, o qual o Estado aceita para que os cidadãos e o setor privado cumpram as suas obrigações com ele, inclusive, as de pagamento de impostos, que é a essência da questão.
A capacidade de gastos do Estado não é dada pela sua capacidade de arrecadação tributária. A ideia é que o Estado não precisa sempre, em todas as circunstâncias e em qualquer momento, equilibrar as suas contas públicas. Por quê? Isso é exatamente, fazendo um paralelo, como o setor privado. Uma empresa que está começando e tem grandes projetos de capacidade de alta rentabilidade nos seus investimentos não precisa se financiar integralmente com receitas próprias; ela pode tomar empréstimos porque os retornos dos investimentos dela, se forem bem-feitos, serão superiores ao custo do endividamento.
Essa lógica é exatamente igual para o setor público, o Estado, e com uma facilidade: o Estado pode se autoconceder crédito. Essa ideia de que o Estado pode se autoconceder crédito, por ser o credor primário da economia — por isso é tão controvertido — é extrema e extraordinariamente perigosa. Alguém que tem a capacidade de se conceder crédito tem a obrigação de usar esta faculdade com grande responsabilidade e cuidado.
Obviamente, a experiência mostra que as pressões políticas sobre o Estado têm essa faculdade, para usar mal essa faculdade, e é algo muito perigoso e muito sério. Nós precisamos desenhar, portanto, restrições institucionais, administrativas para que o Estado gaste bem, corretamente.
O desenho dessas restrições é que depende do entendimento correto do funcionamento do sistema monetário, do que é dívida pública e moeda.
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A teoria econômica que foi hegemônica até muito recentemente — e ainda é, mas já há grande mudança e revisão sobre isso em todo lugar do mundo, inclusive no Fundo Monetário Internacional, que mudou sua visão sobre isso —, mostra claramente que o Estado não é obrigado a gastar só o que arrecada com impostos. O Estado precisa gastar bem e ter seus investimentos, ou seja, o mínimo possível, com o custo da sua operação. E, quando ele investir, certamente, deve investir com a taxa de retorno dos seus investimentos superior ao custo, ao que lhe custa o endividamento. Essas são as verdadeiras restrições.
Se o Estado investir bem, ou seja, se a taxa de retorno dos seus investimentos for superior ao custo da dívida, por definição — isso é uma coisa trivial —, a relação dívida pública, ainda que ela aumente num período curto de tempo, a longo prazo ela vai convergir e se reduzir.
As pessoas falam da ideia da Teoria Monetária Moderna e ouvem falar dela muito mais como caricatura. Eu fico impressionado com a quantidade de gente com quem eu discuto que simplesmente ouviu comentários caricaturais sobre a Teoria Monetária Moderna. Ninguém leu ou se deu ao trabalho de pensar e entender exatamente o que diz isso.
Uma das caricaturas é de que a Teoria Monetária Moderna justificaria a ideia de que os gastos do Estado não têm limite, que o Estado pode sempre gastar e que isso não tem nenhuma preocupação. Claro que não! O Estado não pode gastar mal; o Estado não pode gastar de forma perdulária; o Estado não pode gastar de forma populista, demagógica; o Estado tem que gastar com bons investimentos, e investimentos no sentido lato sensu, tanto em investimento de infraestrutura quanto de logística, de renovação de energia, de tecnologia, de educação, de saúde e de segurança pública, que são os recursos nas áreas principais em que, sabemos, a atuação do Estado é fundamental.
Se a Teoria Monetária Moderna ou o entendimento correto do arcabouço da Teoria Monetária Moderna não permite tudo, qual é o limite para isso? O limite é a pressão que a demanda agregada faz sobre a capacidade instalada produtiva. Essa pressão aparece de duas formas. Ela aparece quando há excesso de demanda agregada, o que os economistas chamam de absorção, quando o consumo mais investimento excede muito a capacidade de produção doméstica, isso transborda para déficit externo. O déficit externo, em quase todas as condições — e eu vou falar sobre isso, sobre países que não emitem moeda reserva —, transforma-se em pressões de desvalorização do câmbio. E a desvalorização cambial é um dos fatores mais importantes de pressão inflacionária.
Além do mais, se o país está com pressão de demanda agregada, ou seja, de muita absorção, e com toda a sua capacidade produtiva sendo usada muito perto da plena capacidade, haverá então aumento de preços e inflação de demanda. Então, a combinação de inflação de demanda, com pressão interna, transbordamento de excesso de demanda, déficit externo e desvalorização cambial é um quadro clássico de criação de inflação.
Ou seja, o Estado, ao gastar muito e mal, pode provocar inflação. Provocará inflação, com certeza.
Qual é o limite disso? Primeiro, do Estado, se existe capacidade ociosa, se existe capacidade instalada a ser usada e se o Estado está investindo bem para aumentar a capacidade instalada. Capacidade não apenas de máquinas e equipamentos, mas, inclusive, de pessoas qualificadas — mão de obra, educação e infraestrutura. Esse é o ponto mais relevante. Qual é o limite? Todos os países têm a mesma flexibilidade, do ponto de vista do uso do seu espaço de emissão de dívida e moeda pública? Não. Depende do grau de soberania monetária de cada país. Soberania monetária é um contínuo: vai de quem não tem nenhuma, um país que usa moeda estrangeira, usa o dólar como moeda, até ao máximo, que é um país em que toda a sua dívida está denominada na sua própria moeda e, mesmo quando o exterior está disposto a comprar dívida denominada naquela moeda, é o caso do país emissor de moeda reserva internacional, como os Estados Unidos.
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Mas o grau de autonomia é: que porcentagem da sua dívida pública é denominada na sua própria moeda? Isso define o grau de força da soberania monetária de um país. Os Estados Unidos hoje têm 100% da sua dívida pública denominada em dólar. E o dólar era a moeda reserva. É o país no extremo mais forte de soberania monetária. A China tem 98,5% da sua dívida emitida em moeda nacional. Além do mais, tem reservas internacionais gigantescas. A Suíça tem 100% da sua dívida em moeda nacional e conta com superávits na conta corrente. Quanto ao Brasil, eu não consegui encontrar o número específico, mas tem provavelmente perto de 95% ou mais da sua dívida pública denominada em moeda nacional hoje. O Brasil não tem dívida externa significativa e tem 300 bilhões de dólares em reservas internacionais. Momentaneamente, o Brasil pode ser qualificado como um país com espaço de soberania monetária relativamente alta. Isso é algo que pode se excluir rapidamente se for mal usado, de forma irresponsável e sem critérios.
Claramente, portanto, a qualidade do gasto é da mais alta relevância. Isso significa que o Brasil tem espaço, como eu disse no ano passado, na audiência com os Líderes da Câmara da qual participei, quando me perguntaram se poderiam ou não aprovar o auxílio emergencial. Eu disse que não só há espaço, como também todos os países do mundo iriam fazer isso. Naquele momento, a aprovação do auxílio emergencial era não apenas altamente defensável, do ponto de vista social, para evitar uma tragédia, como era também factível, sem nenhum problema do ponto de vista macroeconômico.
Portanto, naquele momento, é preciso que se entenda, que essa ficção, essa simplificação da ideia de que o Estado deve sempre equilibrar o seu orçamento, com o fim de que a arrecadação fiscal deve ser maior ou igual às despesas, é um equívoco. Não é preciso que o Estado sempre, em qualquer circunstância, equilibre o seu orçamento. Se o Estado gasta mal e é irresponsável, o correto é redefinir sua governança, para que ele gaste bem e de forma correta.
Em relação à inflação, como estamos vendo agora no mundo todo em várias questões, nas circunstâncias atuais mundiais — ainda há muita dúvida sobre isso —, a pandemia e a saída da pandemia desorganizaram muito toda a produção e essa ligação das cadeias produtivas internacionais em um mundo globalizado. Certos setores saíram com pressão de demanda muito fortes.
Quanto a questões de infraestrutura, a dos portos nos Estados Unidos é exemplar. Os portos estão com capacidade totalmente saturada e não há nem como importar nem como dar vazão àquilo que foi importado. É, portanto, uma limitação de logística. Isso claramente começa a pressionar preço. Além do mais, há uma pressão sobre o preço de commodities e de energia que subiram no mundo inteiro. Evidentemente, esse tipo de pressão de inflação não é a clássica inflação de demanda, essa é uma inflação que vem de certos setores, de pontos específicos, de gargalos específicos.
A solução disso, subir a taxa de juros, só tem efeito — e hoje em dia isso é cada vez mais questionável — sobre a demanda agregada, sobre absorção. Subir a taxa de juros para controlar a inflação é dizer: "Olha, eu vou reduzir a demanda agregada subindo a taxa de juros, para tentar limitar essa pressão de demanda". Quando você sabe que não há pressão de demanda a não ser setorial, localizada, muito específica. E não é isso que está causando a pressão sobre o preço.
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A ideia de que se sobe a taxa de juros e se reduz a demanda significa reduzir a demanda e aumentar o desemprego. Está-se dizendo que vai subir a taxa de juros, tentar controlar a inflação, altamente questionável se conseguir fazer isso, à custa do aumento do desemprego, da redução do investimento, do encarecimento do investimento. Além do mais, ao subir a taxa de juros, sobem os custos do carregamento da dívida pública. A dívida pública — e isso é algo que as pessoas esquecem — é um passivo do Estado e um ativo do setor privado nacional. A dívida pública brasileira é totalmente, ou quase integralmente, detida pelos agentes superavitários no Brasil, ou seja, por aqueles mais ricos. Portanto, ao subir a taxa de juros, transfere-se recursos do Estado para os detentores de dívida pública.
É muito fácil dizer, se a dívida pública bruta hoje corresponde a 80% do PIB, e é um pouco mais do que isso já, se a cada ponto de percentagem que sobe nos juros, sobe-se 0,8% do PIB de transferência do setor público para os detentores de dívida pública, para aqueles que são agentes superavitários no país.
Essa é uma política, portanto, com um custo altíssimo, do ponto de vista de equidade. E é destruidora da equidade, é concentradora de riqueza, e é altamente questionável o seu efeito sobre a inflação, porque a inflação não é uma questão de inflação de demanda. Ainda que fosse, ao se fazer isso, o custo seria um enorme desemprego, um colapso no investimento e uma recessão. Claramente está, portanto, que é uma política altamente questionável e equivocada.
O que fazer?
É fundamental definir um arcabouço administrativo, institucional, que imponha restrições e incentivos corretos aos gastos do Estado, aos gastos públicos. E, segundo, que reponha e aumente a capacidade produtiva, com aumento de investimentos, como eu disse, em infraestrutura, em educação, em treinamento profissional, em tecnologia, em logística e em recursos renováveis, que é o grande desafio do mundo hoje.
Esse é o desafio que nós temos que pensar, não essa obsessão compulsiva de que a única virtude econômica é a de equilibrar o orçamento a qualquer custo e em qualquer circunstância, o que — e nunca é demais repetir — não quer dizer que tudo é possível e que se possa gastar de forma irresponsável, como tem sido, por exemplo, vou citar os Srs. Deputados, com a ideia das emendas parlamentares secretas. É isso que destrói a credibilidade do gasto público. Isso é uma forma, fora da correta governança da responsabilidade democrática, de fazer gastos públicos.
Portanto, é muito importante que se escape tanto da caricatura de que o Estado não pode gastar, dessa ideia de que: "Olha, o Estado tem que fazer isso, tem que fazer aquilo, tem que gastar em educação, tem que gastar em saúde, tem que gastar em infraestrutura. Mas, infelizmente, o Estado está quebrado". Isso é falso! O Estado nunca está quebrado. O Estado que emite sua moeda nacional nunca está quebrado. O Estado pode ter gastado mal, o Estado pode ser disfuncional. Se o Estado começa a perder legitimidade e se desorganizar, essa é a verdadeira essência da crise inflacionária séria, não de surtos inflacionários, como o que nós estamos tendo agora.
O caso de países como a Venezuela é o que se chama em inglês de failed state, estados falidos que se desorganizaram e se pulverizaram. A moeda é a unidade de conta nacional. A contabilidade do país se faz com a moeda nacional. E essa unidade de conta depende da credibilidade e da legitimidade do Estado, que é algo muito mais amplo do que uma questão meramente econômica, é uma questão política e institucional.
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O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Dr. André Lara Resende, obrigado pela aula. Fiquei muito feliz com essa sua fala.
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O SR. AFFONSO CELSO PASTORE - Sr. Presidente, deixe-me fazer duas considerações iniciais. Em primeiro lugar, quero dizer que existe muito mais concordâncias entre economistas do que discordâncias, independentemente da forma como se coloca a questão.
Eu não vou repetir os argumentos na forma teórica, como o André colocou. Eu vou olhar para o problema sob outra ótica, sem dizer que uma teoria é melhor do que a outra. Eu quero abordar certos aspectos que ele abordou sob outro ângulo, mostrar concordâncias que existem nessa proposição, nessa visão, e mostrar pontos que dependem do ângulo. A visão é um pouco diferente e, às vezes, é divergente.
(Segue-se exibição de imagens.)
Eu estou colocando aqui a relação dívida/PIB em cinco países: Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Itália e Japão. Algumas coisas são importantes. Em primeiro lugar, nós temos desde uma dívida de 60% do PIB da Alemanha, que foi cadente até recentemente na pandemia — todos os países durante a pandemia se financiaram com aumento de dívida pública; eles não precisaram aumentar impostos, financiaram o déficit com a dívida pública —, até uma dívida pública de 250% do PIB, como é a do Japão, que é um caso completamente único na economia mundial, a uma dívida hoje acima de 100% nos Estados Unidos, depois dessas últimas elevações.
Vejamos quais são as características, dependendo do país que se olhe. Vamos pegar um país como a Espanha, que chegou a ter por volta de 1995 uma dívida de 60% do PIB, que veio caindo abaixo de 40%; na crise de 2008, quando sobe a dívida tanto de Estados Unidos quanto da Espanha, isso cresceu. Em primeiro lugar, eles tiveram que gastar recursos para cobrir o prejuízo da crise habitacional, do estouro da bolha imobiliária, no caso dos Estados Unidos e na Espanha. Depois disso, essa dívida se estabilizou.
O caso da Itália, com o qual eu tenho muito mais familiaridade, é o de uma dívida alta, secularmente alta. Todas elas são dívidas na sua própria moeda. No caso da Itália, era uma dívida em liras italianas; depois virou uma dívida em euros, quando a Europa passou à união monetária. A Europa e a Espanha hoje em dia têm uma divergência com os Estados Unidos.
O André levantava a questão, e eu concordo em geral com esse tipo de proposição, que governos têm que investir recursos de forma a produzir um retorno maior do que o custo que tiveram. Uma forma de olhar isso é se o país tem, numa relação dívida/PIB, com uma taxa de juros suficientemente baixa e um crescimento econômico suficientemente alto. A relação dívida/PIB é um quociente.
Tem uma taxa de crescimento do numerador, que é a taxa real de juros, e tem uma taxa de crescimento do denominador, que é o crescimento da economia. Se a taxa do numerador for menor do que a taxa do denominador, a relação dívida/PIB realmente cai. O país não precisa gerar superávits. Ele tem que ter liberdade de poder se financiar ou com impostos, que tem custos, que causa distorções, ou com dívida — e ele precisa tomar cuidado de não investir errado tudo isso —, de forma que ele tem que obter retornos para o país.
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Os Estados Unidos são um país que tem o "r", que é a taxa de juro real, menor do que o "g", que é a taxa de crescimento econômico, um país que, no fundo, tem capacidade de manter a sua dívida mais alta. Se ele quiser reduzir a dívida, basta simplesmente fazer o equilíbrio fiscal. Se quiser, ele tem capacidade de aumentá-la. Todos eles, volto a insistir, são países que devem na sua própria mora.
Do que depende essa taxa de juros? Eu vou pegar um pouco o que aconteceu no mundo. Eu tenho aqui taxas de juros de 10 anos de Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha e Japão. Essas taxas, nos anos 90 — mostro desde 1990 até agora —, caíram continuamente. Provavelmente, essa tendência de queda não vem de muito antes. Mas, no período de 1990 até aqui, essas taxas foram declinantes.
No caso do Japão, a taxa de juros caiu muito mais rápido e antes do que a dos demais. Quer dizer, desde os anos 2000, um título de 10 anos do Japão rende menos de 2% — eu estou falando de taxa nominal, não de taxa real. Desde 2010, ela está em 1% para baixo. Recentemente, todas essas de juros convergiram para zero. Por que há essa queda no mundo desenvolvido? É curioso o economista ter que fazer apelo a uma coisa que se chama transição demográfica. Há um aspecto demográfico no processo.
Por que pessoas poupam numa certa fase do seu ciclo de vida? Elas poupam para ter uma renda. Ou elas poupam num fundo de pensão, ou o Governo poupa por elas no fundo de pensão, ou elas poupam e administram a própria poupança. O indivíduo jovem, enquanto trabalha, tem que guardar um pedaço da sua renda para que ele possa consumir quando estiver velho. Quer dizer, se o indivíduo sabe que a esperança de vida ao nascer é muito curta e que a probabilidade de ele morrer mais cedo é muito alta, ele poupa menos.
Quando há transição demográfica, caracterizada primeiro por uma queda de taxa de natalidade — as mulheres vão trabalhar, vão para a força de trabalho e, com os seus maridos, decidem ter menos filhos, e o sistema médico estende a vida das pessoas —, numa situação como essa, a poupança cresce e a taxa de juros de equilíbrio vem abaixo. Quer dizer, há uma taxa de juros que equilibra a poupança e os investimentos em uma economia. E eu não estou falando de moeda. Eu estou falando simplesmente de uma variável real. Quer dizer, na medida em que há uma transição demográfica, com este aumento, com esse deslocamento para direita da curva de poupança, há uma redução da taxa de juros de equilíbrio no mundo.
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Há exercícios feitos. O que está por trás disso é outra vertente de teoria econômica, que não tem relação com a teoria monetária moderna, mas que tem relação com uma tentativa de explicar por que nós estamos assistindo, com taxas de juros baixas, a crescimentos econômicos menores ao redor do mundo. Esse é um tipo de vertente que se chama hipótese da estagnação secular.
Os economistas desenvolveram formas de tentar estimar onde estão essas taxas neutras de juros, que são as taxas que equilibram poupança e investimento. Eu tenho aqui um modelo, que não é meu, que foi feito por dois economistas americanos. Mas existe uma versão disso feita para a economia mundial, na qual cooperam economistas americanos — nós podemos falar o nome, se houver algum interesse nisso — e economistas do Banco da Inglaterra, que, no fundo, aprimoraram esse tipo de estimativa.
Se olharmos as duas áreas — países da área do euro e os Estados Unidos —, hoje eles estão com taxas de juros neutras, que seria a taxa de equilíbrio dentro da economia, próxima de 0,5%, quando aqui atrás, por volta de 1990, eram da ordem de 3%. Eu estou associando essa tendência das taxas de juros realmente a um processo de queda secular de taxa de juros no mundo, que é um processo de queda de taxa neutra. Tendo dito isto, é mais ou menos claro que, em todos esses países, aquela distância entre o "r" o "g", no fundo, determina se o país tem um crescimento maior, se não tem crescimento, se tem equilíbrio, se pode reduzir, se quiser, a sua dívida — isso depende do desejo do país.
Eu também concordo que não se tem que botar isso como um nível misterioso a partir do qual o país tem problema. Não há um nível misterioso a partir do qual o país tem problema, desde que ele faça uma alocação eficiente de recursos, que garanta o crescimento econômico e que, no fundo, garanta um equilíbrio sustentável dessa economia. Isso está muito mais em cima de como gastar o dinheiro de forma produtiva. Quer dizer, no fundo, isso permite que todos esses países hoje em dia tenham dívidas relativamente maiores do que as nossas.
Agora eu quero colocar um pouco o Brasil nessa história. Houve um período em que a dívida do País vinha caindo, gerava-se superávit primário no passado para que a dívida caísse. O Brasil ganhou grau de investimento; perdeu grau de investimento; e entrou numa fase, a partir de 2015, em que cometeu dois erros. O primeiro erro foi de jogar dinheiro fora, foi o de realmente escolher locais ou gastos para os investimentos sem retorno. Não por acaso, desde 2014, o País entrou em uma recessão da qual nunca se recuperou. Nós tivemos, do início até o final da recessão, em 2016, o que foi datado pelo CODACE, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos, uma queda da renda per capita no Brasil de 12%. Quando o País começou a se recuperar — talvez tenha recuperado de 1% a 1,5% —, nós tivemos a recessão causada pela COVID. E hoje em dia nós devemos estar com uma renda per capita na ordem de 12% abaixo de onde nós estávamos.
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Eu não preciso ir muito longe para dizer que houve um enorme desperdício na utilização dos recursos que produziram o crescimento da dívida, e a dívida veio por um valor que ficou perto de 76% do PIB.
Com a COVID, houve um aumento de 10 pontos do PIB, 25 pontos do PIB, 4 pontos do PIB, 7 pontos do PIB, em países que têm "r" menor que "g". No caso brasileiro, em que o "g" é menor que o "r" e um "r" muito alto — eu vou chegar a esse ponto —, nós gastamos 10% do PIB.
Nós demos uma ajuda emergencial de 600 reais num país que é avaliado por um economista que é o criador do Bolsa Família, chamado Ricardo Paes de Barros. Aqui se estima a pobreza absoluta no País, olhando por cima, em algo como 25 milhões de habitantes. Foram dados 600 reais para 66 milhões de pessoas. Quer dizer, havia pessoas que não tinham que receber essa ajuda emergencial. Do mesmo jeito, está sendo feita agora emenda de Relator que está mandando dinheiro para Deputado cujo pai é Prefeito em Alagoas. Desculpe-me por ser duro, mas este é um cidadão que está aqui do lado de fora vendo esse tipo de alocação de recursos e que se revolta contra ela. Um pedaço dessa subida foi uma subida muito mal feita. Ela foi muito mal feita e, consequentemente, isso tinha que ter consequências, existisse ou não o teto de gastos.
Eu quero caminhar para cá para mostrar o seguinte: isto é quanto no Brasil custa a dívida pública. Como é que eu calculo isso? Isso se chama taxa de juro implícita da dívida pública do Governo. É muito fácil obter esse resultado, basta pegar os dados sobre quanto o Governo gasta de juros durante 1 ano sobre a dívida pública que ele colocou junto ao público e dividir pelo estoque da dívida. Quando não havia nenhuma âncora fiscal, essa dívida flutuava entre alguma coisa como 10% e 12% do PIB.
A partir do momento, correto ou não, em que se estabeleceu o teto de gastos — eu também tenho restrições ao teto de gastos, não acho que esse é o melhor regime que o País podia ter; ele não tem que ter uma rigidez dessa natureza, tem que ter obediência a critérios de como gastar com retorno etc. —, os juros da dívida caíram. Essa dívida estava em 7%.
Muito bem, quando veio a COVID e o Brasil fez esse tipo de gasto, que era um gasto claramente insustentável, gerou-se um aumento de prêmios de risco. Quer dizer, eu tenho aqui uma curva de juros de janeiro de 2020, que é esta amarela, quando havia uma taxa de juros de 1 ano, que era um pouquinho superior a 4%, uma taxa de juros de 10 anos, que era um pouquinho superior a 6,5%, quer dizer, essa era a curva de juros compatível com este juro médio da dívida. Bastou entrarmos na COVID e fazermos aquele tipo de gasto, para que a inclinação dessa curva positiva fosse muito mais alta.
As taxas de juros longas começaram a ter um prêmio até chegar — essa taxa é de alguns dias atrás — a 12% ao ano.
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O Brasil rola, a cada ano, 33% da sua dívida. Eu apresentarei a composição da dívida pública no Brasil. Somando a dívida do Tesouro mais as compromissadas, o prazo médio é de 36 meses, portanto, 3 anos. A cada ano, 33% da dívida vencem, ou seja, você vai ter que substituir, se nós ficarmos com a curva de juros atual, que está inteirinha em 12%... Eu vou falar por que ela está inteirinha em 12%. Vai-se substituir uma dívida em que se pagam 7% por uma dívida em que se pagam 12%, ou seja, aumentam-se 5 pontos de porcentagem sobre os novos papéis. E 30% da dívida vencem a cada ano, e a cada ano aumenta-se 1,5% de custo da dívida, por causa de um gasto malfeito, de um erro de dimensionamento daquilo que o Governo poderia gastar financiado com dívida.
Por que sobe a taxa de juros só no ramo longo da curva de juros? É aquele que está ligado ao problema do risco fiscal do País, ao uso errado da política fiscal, ao dimensionamento errado do gasto, a essa forma imprópria de funcionamento, acima e além daquilo que seria razoável, quando se imagina a taxa de retorno privado e social sobre o investimento do Governo.
Quando aconteceu a COVID, um país no mundo que se chama Estados Unidos, que emite uma moeda chamada moeda reserva, teve um privilégio. Um antigo Ministro da Fazenda de Charles de Gaulle chamado Valéry Giscard d'Estaing disse que nesse país havia um privilégio exorbitante: se esse país tiver um déficit na sua conta corrente, ele paga esse déficit com a sua própria moeda. Eu não quero entrar na história nem quero ficar me exibindo com conhecimento histórico sobre o que levou Giscard d'Estaing a cunhar essa crítica. Eu apenas quero colocar o seguinte: um país como os Estados Unidos, quando faz um estímulo monetário heterodoxo do tamanho desse QE2.... Em abril de 2020, simultaneamente, leva a taxa do fed funds para zero e compra, naquele mês, 2 trilhões de títulos públicos, que correspondem a 20% do PIB. No momento em que ele faz isso, produz o enfraquecimento do dólar. Se quiserem uma versão um pouco mais clara, enfraquecimento do dólar significa a desvalorização do dólar com relação a quê? Quando eu quiser saber se o real está se apreciando ou se depreciando, eu uso como métrica o dólar. Se o real vai de 5 para 6 reais por dólar, houve depreciação. Quando o dólar se enfraquece ou se deprecia, com relação ao que se mede? Mede-se o dólar com relação a uma cesta de moedas com riscos equivalentes.
São o euro, obviamente; o pound inglês; o dólar australiano; o dólar canadense; o iene, certamente; a coroa sueca; e o franco suíço.
Na hora em que os Estados Unidos fizeram aquilo, este foi o processo de crescimento do dólar. São dados diários do primeiro dia útil de janeiro de 2020. Há um enfraquecimento de 10% do dólar. Aqui embaixo eu botei 8 moedas, e depois eu vou pegar a média das 20 moedas. Eu trabalhei com a amostra de 20 moedas. Eu botei aqui 8: Austrália, Coreia do Sul, Lituânia, República Tcheca, Canadá, Croácia, Polônia e Nova Zelândia. Quando se enfraqueceu o dólar, fortaleceram-se todas essas moedas — todas ao mesmo tempo.
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O câmbio é um absorvedor de choques. No momento em que elas se fortaleceram e esses países precisaram dar estímulos fiscais ou monetários, todos eles puderam baixar suas taxas de juros. Isso aconteceu na Austrália, no Canadá, na Croácia, na Polônia, etc.
Para não poluir demais, eu botei só oito moedas e aqui, em amarelo, eu peguei a mediana dessa distribuição de moedas. Transplantei essa mediana para cá, para comparar com o real, a partir do primeiro dia.
Hoje, essas 20 moedas estão 5% depreciadas com relação ao que estavam aqui atrás. Hoje, o real está 40% depreciado com relação ao que estava antes. Isso aconteceu com três países: Turquia, que tem um desequilíbrio econômico e político absolutamente gigantesco; Argentina — eu tenho medo de que o Brasil siga o caminho da Argentina —, e Brasil.
Aconteceu com o Brasil e não aconteceu com os outros países, excluindo a Turquia e a Argentina, porque nós, neste momento, fizemos uma reação fiscal absolutamente desproporcional por qualquer parâmetro que você tenha. Isso é um tipo de política fiscal absolutamente errada, quer dizer, não foi feita uma avaliação correta de onde se deveria gastar, de como se deveria gastar, de onde o País teria o melhor retorno.
Eu não tenho nada contra se estourar o teto gastos para se fazer uma ajuda emergencial, como foi feita agora, entre 30 bilhões e 40 bilhões de reais, mas eu tenho um posicionamento muito contrário a dar um calote em cima de precatórios e abrir 16,5 bilhões de reais em emendas secretas, mais o Fundo Partidário. Isso não é forma de fazer política fiscal. Isso é clientelismo político de péssima qualidade.
Srs. Deputados, desculpem-me. Raras vezes eu tenho a possibilidade de exercer o meu direito de voz. Eu exerço o meu direito de voto. Quando eu tenho esta oportunidade, eu quero usá-la, e os senhores me desculpem por ser duro nisso, mas, infelizmente, é isso o que eu sinto e é isso o que boa parte dos analistas aqui no Brasil, sobre essa gestão de dívida pública, sente ultimamente.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Dr. Affonso, eu só tenho a agradecer ao senhor.
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Eu queria fazer um convite, antes de passar a palavra ao próximo palestrante, o Deputado Mauro Benevides Filho, ao Sr. Affonso e ao Dr. André Lara Resende, para que possamos nos reunir com os 25 Deputados do PDT e conversar sobre economia, e até ultrapassar o PDT e ir a outros partidos. Nós precisamos conhecer mais. Os Deputados, inclusive eu, precisam conhecer mais a economia para sabermos como cada votação, como esta da PEC dos Precatórios e outras, bem ou mal podem fazer ao Brasil. Precisamos conhecer a importância da economia, a importância de um simples voto.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO - Para todos nós, é um privilégio ouvir o Prof. Lara Resende e o Prof. Affonso Pastore. Isso só enriquece. Há outros debatedores também extraordinários, como o Prof. Oreiro.
Eu vou mostrar um pouco a minha abordagem, depois de 12 anos na Secretaria da Fazenda do Estado do Ceará, compreendendo a necessidade do ajuste fiscal (falha na transmissão), como os economistas às vezes não conseguem entender bem.
Ajuste fiscal é você ter dinheiro para que o Estado — Municípios, Estados, União — tenha condições de atender as demandas da população. Portanto, o ajuste fiscal é visto pelas pessoas de uma forma idiossincrática: é só corte, corte e corte. Isso não produz nenhum resultado positivo para a sociedade. Temos de clarear o que isso significa, a sua necessidade, porque não existe social sem dinheiro. A população brasileira precisa aprender isso. É o que nós fizemos aqui. Mesmo em um Governo do Partido dos Trabalhadores, nós conseguimos implantar algumas coisas que são importantes.
A reforma da Previdência, nós fizemos em 2014; a alíquota de 14%, em 2016. Quantas vezes eu fui ao Ministério da Economia tentar aumentar de 11% para 14%, para ter um apoio nacional, mas nunca consegui! Quanto ao regime de Previdência complementar, também demorou para o Governo Federal compreender essa importância. Na última campanha presidencial, no nosso modelo de Previdência, o regime de capitalização de contas individuais já estava presente há muitos anos.
Então, além da formação teórica que todos nós devemos ter para uma compreensão mais profunda, devemos ter a disposição política de poder implementá-las, porque sem isso fica só o sonho, e ela não é efetivamente realizada.
Vou aproveitar o meu tempo para falar sobre alguns temas elencados para todos nós. Eu vou pedir licença e fazer alguns conceitos aqui e acolá, porque há alguns alunos do doutorado e várias pessoas que estão ouvindo todos nós. Portanto, eu vou ser um pouco mais lento, mas buscarei ficar dentro do tempo.
(Segue-se exibição de imagens.)
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Nós vamos fazer alguns conceitos da dívida bruta do Governo geral, mostrando o que é incorporado nesses títulos, para que algumas pessoas possam comentar sobre isso. Vamos fazer algumas reflexões sobre instrumentos de política econômica. Vamos falar um pouco da conjuntura e, ao final, vamos fazer algumas proposições relevantes para nós discutirmos a equação fiscal brasileira, que precisa ser ainda mais ampliada em todo o País. Infelizmente, não temos tido sucesso, vamos dizer assim, em fazer com que isso aconteça.
O conceito de dívida bruta do Governo Central é um conceito que o Banco Central tem usado. É importante que as pessoas diferenciem o conceito do Tesouro, o conceito do Banco Central e o conceito do FMI. São três conceitos. Quando vamos lá fora, quando eu volto à Vanderbilt para falar um pouco sobre a questão fiscal brasileira, digo que há a questão do Tesouro, a dívida que o Tesouro passa pra todos nós no seu relatório mensal; a dívida bruta do Banco Central, na qual ele agrega todos os títulos do Tesouro que estão emprestados para a sua política monetária, para fazer as operações compromissadas, até porque no Brasil o Banco Central não tem título próprio para fazer política monetária. Portanto, ele usa título do Tesouro para fazer essas ações. Então, você soma uma característica do Tesouro mais aquelas do Banco Central e você tem a dívida bruta do Governo geral, incorporando Estados, Municípios, etc.
O FMI, entretanto, além de somar esses dois indicadores, também tem um terceiro. Para o FMI, quando o Tesouro emite o título para o Banco Central, mesmo ficando em carteira, sem que ele esteja sendo usado pelo operador monetário, mesmo assim, esse título, para o conceito do FMI, se emitido para o Banco Central, passa a ser contado como dívida. Portanto, é um terceiro conceito, bem mais amplo do que o Banco Central no Brasil tem feito ao longo dos anos. Eu queria só caracterizar, para as pessoas compreenderem essas diferenças.
Os números, em várias apresentações, sobretudo internacionais, divergem do que nós temos apresentado ao longo dos anos. Muitos colegas economistas gostam de usar mais a dívida líquida no sentido de que você abate a deles, sobretudo você abate caixa, que é o conceito mais fácil. Cada país quer ter um indicador de liquidez para abater na dívida bruta. Às vezes, o Fundo Monetário também usa um pouco esse conceito de dívida líquida, mas, para mim, apesar de ele ser relevante, a definição para a comparação internacional precisa ter cautela, porque cada um vai definir o que é caixa, o que é liquidez imediata, para definir, na realidade, qual é a dívida líquida do setor público.
No Brasil, você tem tudo que é meta para despesa primária. O que você imaginar — eu vou já falar sobre isso — você tem no Brasil. Você tem meta de superávit primário. Você vai lá na Lei de Diretrizes Orçamentárias e estabelece o que você quer cumprir. Há vários regramentos dessa despesa primária. Eu vou elencar pelo menos quatro deles.
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No lado financeiro, no lado monetário, você tem o regime de metas de inflação operando no Brasil. O Conselho Monetário Nacional é quem decide até onde a inflação deve ir e, obviamente, o Banco Central, com o seu instrumento de taxa de juros, sempre fazendo aquela discussão sobre qual é o poder da taxa de juros quando a inflação não é de demanda...
Nós temos 16 países, mesmo tendo o regime de meta de inflação, definindo a taxa de juros pelo core inflation, ou seja, tirando aquelas variações conjunturais e, portanto, focados realmente no core. Agora (falha na transmissão) nenhum arcabouço de controle da despesa financeira. Isso simplesmente é livre. Por isso, quando cheguei à Câmara, onde só se discute o orçamento da despesa primária — 1 trilhão e 500 bilhões de reais —, quando eu fui falar sobre os 4 trilhões e 300 bilhões de reais, que é o valor do Orçamento da União, foi uma verdadeira confusão. Diziam que eu estava inventando números, mas as pessoas esqueceram que há juros que têm que ser pagos, amortizações da dívida, os valores dos títulos de rolagem efetivamente. Então, há outras despesas agregadas ao Orçamento da União sobre as quais não há discussão. Eu acho que o Brasil inclusive discute muito pouco esse outro componente. Portanto, eu procurei criar esse alerta dentro do Parlamento brasileiro. Acho relevante passarmos a discuti-lo. Eu vou tratar disso lá na frente.
Aqui no Brasil, para discutir despesa primária, há tudo quanto é regra que se possa imaginar. Há a Lei de Responsabilidade Fiscal, como todo o mundo conhece, que é a Lei Complementar nº 101, de 2000; há o teto de gastos, que consta da Emenda Constitucional nº 95; há a nova Emenda Constitucional nº 109, que foi a tão propalada PEC Emergencial; há a regra de ouro, que é aquela regra segundo a qual o setor público não pode aumentar o seu endividamento que não seja exclusivamente para pagar despesa de capital, ou seja, ele não pode se endividar para pagar custeio. E o Governo Federal está totalmente desestruturado no que concerne a essa questão. Mesmo com tantas regras, não foi possível ainda disciplinar isso por uma razão muito simples: o Brasil tem, nas suas despesas primárias, quase 85% de despesa obrigatória. Isso, portanto, não tem surtido muito efeito. Eu vou mostrar por que o teto de gastos no Brasil é ineficiente nesse conceito que foi feito no País.
Aliás, esse teto de gastos, como eu já disse, foi criado na Emenda Constitucional nº 95, fazendo, de junho a julho, 12 meses para definir a despesa do exercício seguinte. Isso foi traçado na emenda constitucional, com algumas penalidades se, porventura, o País ultrapassasse essa regra, esse percentual de crescimento da despesa. Portanto, não interessava se o PIB crescia em termos reais, o que interessava é que era despesa do ano passado, acrescida pelos 12 meses de inflação, de junho a julho, para facilitar a confecção do Orçamento. Como eu disse, várias penalidades foram colocadas.
Pasmem, nossos internautas que estão nos ouvindo! Quando a Emenda Constitucional nº 109 veio, ela retirou todas as penalidades do teto de gastos. Não existem mais penalidades na Emenda Constitucional nº 95 se, porventura, o Brasil vier a descumprir a regra do teto de gastos. Nós ficamos impressionados: como o Governo Federal propôs tamanho absurdo? Trocaram aquelas penalidades — não poder fazer concurso, não poder dar aumento, não poder fazer nada. Tudo isso foi retirado do teto de gastos.
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E o que que aconteceu na realidade? Como as despesas obrigatórias representam mais de 85% da despesa primária, o que aconteceu? Quando se criou o teto de gastos, as pessoas achavam que isso controlaria a despesa como um todo. Como um todo, controlou, mas este é o erro grave do teto no Brasil. Não temos teto dos gastos. O Brasil (falha na transmissão) obrigatória cresce em termos reais todo ano. Muitas vezes, um aluno me pergunta: "Prof. Mauro, como o senhor está dizendo isto, que não tem teto, se o Brasil disse que o teto total está sendo cumprido?" Ora, é muito simples. Ele vai lá no investimento, que é despesa de capital, mas é despesa primária. Ele vai lá no investimento e corta. Então, você tinha 98 bilhões em 2010 e tem de 25 bilhões a 28 bilhões neste ano. Todo ano, de 2017 para cá, o Brasil vai cortando investimento para reverberar que tem teto dos gastos. Aí, ele calcula a despesa primária como um todo, como proporção do PIB, dizendo que houve uma queda de 0,8 ponto percentual do PIB, mas não diz como isso é feito — a despesa primária corrente está sendo segurada, mas o investimento está sendo efetivamente cortado.
Aqui no meu Estado, nós fizemos um teto de gastos. Nós temos um teto de gastos para controlar a despesa primária corrente, para controlar pessoal, Previdência, custeio da máquina. Essa, sim, é a essência que o mundo inteiro faz, jamais colocando o investimento. O investimento, que não é ilimitado, tem uma regra: ele está associado ao crescimento real da receita. Esse é o parâmetro de limite. Afinal de contas, eu tenho que pagar minha dívida. O balizamento do investimento, na realidade, está voltado para o crescimento real da receita. Então, são dois pontos.
Eu estive reiteradas vezes com o Ministro Paulo Guedes e bati muito neste ponto. (Falha na transmissão) de 2017, de 2018 e de 2019, o teto foi descumprido na maior parte da despesa primária do Governo Federal.
Como é que dizem que o teto de gastos está sendo cumprido? Por uma razão muito simples: o investimento está sendo cortado.
Eu compreendo as críticas de que o investimento não é focado. Muitas vezes, ele começa e não termina. Tudo bem! Essa crítica é legítima. Mas aqui, no nosso Estado, nós temos uma matriz de insumos e produtos que define qual é a melhor alocação de recursos, qual é o impacto em cada um dos setores aonde nós estamos apostando em investimentos. Temos um modelo de equilíbrio geral, que mede o impacto disso no nosso bem-estar. Então, nós temos modelos muito sofisticados. Já mostrei isso ao Ministério da Economia.
Não é porque não há controle que eu vou cortar investimento para aumentar a folha de pagamentos. Essa é a discussão que precisa ser alardeada no Brasil, porque só criticar o investimento é como se você tivesse — como se diz no Rio Grande do Sul — um carrapato no gado. Então, para matar o carrapato, você mata a vaca, o gado? Não pode. Devemos ter, no Governo Federal, o aprimoramento da decisão do investimento, do acompanhamento do investimento. É o que nós procuramos fazer aqui no nosso Estado.
Aí, veio a PEC Emergencial. Diziam que era a grande solução brasileira, que isso diminuiria o endividamento do setor público, que isso impactaria a taxa de juros, a curva T inclusive iria reduzir, assim como reduziria a taxa de juros de médio e longo prazos. Pelo amor de Deus, olhem o que aconteceu!
A PEC Emergencial diz o seguinte em relação a Estados e Municípios:
se tiverem 95% da sua despesa obrigatória maior do que a despesa primária total, é optativo fazerem aquelas correções. Ora, optativo? Isso deveria ser impositivo. Se alcançou, cortou! Nós tentamos mudar isso lá, mas infelizmente nós não conseguimos. Esse conceito também foi mudado em relação ao Governo Federal, que colocou 95%, e o Governo gasta 92% da despesa primária total, a despesa obrigatória. Daqui a 5 anos é que essa PEC Emergencial teria efeito. Portanto, essa PEC Emergencial não fez absolutamente nada. Não controlou nenhuma despesa.
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16:19
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Este eslaide que eu estou passando é só um quadro dos Estados brasileiros para mostrar que, se a regra fosse enforcement, ou seja, fosse obrigatória, haveria três Estados gastando mais do que 95% e esses três seriam afetados, sim.
O único ponto da Emenda Constitucional nº 109, da famosa PEC Emergencial, é que se criou o art. 5º. Desculpem a petulância do que eu vou falar. Para ajudar o pagamento da despesa primária, nós desvinculamos dos fundos federais, aqueles que não estavam movimentados há mais de 10 anos, esse excedente que havia em cada um deles. Os meus alunos identificaram 162 bilhões de reais que poderiam ser usados para o pagamento da despesa primária. Obviamente, sobre isso há uma discussão monetária, porque depois vão dizer que, quando você soltar esse dinheiro em mercado, o Banco Central vai ter que ir lá no mercado e enxugar, portanto, lançando operação compromissada. Mas não é assim, sobretudo naquele momento em que você vinha reduzindo 6,6%, 6%, quando vínhamos com taxa de juros descendente. No regime de metas de inflação, para chancelar essas quedas de taxa de juros, você tinha que deixar um pouco mais de moeda na economia. Portanto, não precisava, no extremo do regime, fazer o enxugamento da liquidez na mesma proporção. Enfim, o Brasil errou.
(Falha na transmissão) que, em 2000, era 0,5% do PIB. Quando começou efetivamente, houve um pequeno up com as reservas cambiais, mas o Brasil chegou a até 18% do PIB. Hoje, está em 13%. É o maior percentual do mundo. Não existe outro país que tenha feito dessa forma, ou seja, colocar o Banco Central nessa atividade tão extraordinária para poder fazer fechamento de caixa, todo dia, dentro do sistema financeiro. O Prof. Pastore sabe muito bem disso. Hoje, quando o banco abre pela manhã, ele define que vai terminar o caixa, vamos dizer, com 35 bilhões. Ele avisa, pelo sistema, o Banco Central, que soma o sistema bancário e se prepara para lançar os títulos no final do dia. Mas, quando chega 16h30min, os bancos vão dizer assim: "Olha, eu errei. Eu não terminei com 35 bilhões, eu terminei com 40 bilhões". Não há nenhum problema. Esse dinheiro não vai dormir sem rentabilidade, sem o Governo pagar SELIC por ele.
Isso acaba, portanto, dando essa oportunidade para você ampliar mais ainda essa rentabilidade, o que o pessoal convencionou chamar de rentismo, que é um privilégio muito significativo para o Sistema Financeiro Nacional.
Ela pegou esses 162 bilhões e, enquanto eu propunha algo para poder pagar a despesa primária da pandemia, a emenda constitucional se sobrepôs ao meu projeto de lei complementar, pegou esse dinheiro e pagou a dívida, pagou a amortização. É uma das razões por que a relação entre dívida e PIB, em fevereiro e março, deu aquela primeira queda. Foi em razão do pagamento dessa amortização.
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Lembro que, se eu vou vender títulos públicos, tenho que pagar algo além da SELIC ou algo além do IPCA. Se eu for para operação compromissada, é só a SELIC. Então, ainda há esse diferencial de juros. Obviamente, eu encurto o meu prazo, porque a operação compromissada vai de 1 dia até 30 dias. Lá no Tesouro, consegue-se fazer financiamento de mais longo prazo.
Aí ela veio e estipulou o auxílio em 44 bilhões, dizendo que não podia se endividar mais porque, se aumentasse a dívida pública, isso iria passar uma mensagem muito ruim para o mercado. Pois bem, o Banco Central agora está aumentando a SELIC, que estava em 2%, para 9%, ou seja, 7% de acréscimo — em 6,5 trilhões, isso dá mais de 400 bilhões. Então, eu não poderia aumentar 36 bilhões para fazer o auxílio emergencial mais adequado, com um valor um pouco superior aos 275 reais, mas, no mesmo tempo, na mesma forma, eu estou aumentando o meu pagamento de juros nominais. Obviamente, como o meu primário é negativo (falha na transmissão) pública, portanto, aumentando a minha despesa.
A relação entre dívida e PIB cai porque, com a inflação, você tem o deflator do PIB se ampliando. Portanto, o denominador cresce mais e essa relação cai, mas vai já aumentar, porque esse acréscimo de juros, com o primário negativo, inequivocamente vai projetar lá no futuro essa questão.
Você tem a SELIC hoje em 7%, até próxima de 9%. Se for mais 1,5% na próxima reunião, vai para quase 10%, porque a inflação, afinal, já está chegando a 10,67%. A relação entre dívida e PIB também já está em 88 até pouco tempo. Atualizando, Deputado Félix, aquele estudo do seu pai, até 2005, para ajudar nos estudos, atualizando de 2006 até hoje, até 2020, é que vai a 88. Sei que podem dizer: "Caiu de 89 para 83". Tudo bem, mas a ascensão da dívida bruta tem sido quase uma permanente. Precisamos, portanto, ter cautela com essa questão, sobretudo se não percebermos que isso não tem, pelo menos no médio prazo, uma solução.
Essa aqui é uma separação do que é do Governo geral e do que é do próprio Governo Central, por uma razão muito simples: os Estados brasileiros devem muito à União. São quase 800 bilhões de reais!
E 84% dessa dívida é de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Esses quatro Estados detêm um grande montante de endividamento do setor produtor brasileiro.
Eu quero fazer uma ponderação em relação ao Estado do Rio de Janeiro, que, com o regime de reparação fiscal, recebeu do Governo Federal, em 2018, 2019 e 2020 e nos primeiros 3 meses de 2021, 64 bilhões de reais para pagar a sua dívida. E não houve imprensa, não houve nenhum colega alertando sobre essa questão.
Portanto, com o ajuste fiscal, só agora a União compreendeu que, se ela não olhar para os Estados, cai no colo dela. Por isso, é importante falarmos de dívida no Brasil. Agora temos que nos acostumar a falar de dívida bruta do Governo Central mais a dívida de Estados e Municípios, que tem aumentado significativamente. Precisamos ter um controle mais rigoroso. Enquanto fazemos o dever de casa para não aumentar esse endividamento no Estado, os Estados brasileiros vão ao Supremo Tribunal Federal e conseguem uma liminar para não pagar. Aí, fica dessa forma: depois ajusta, o Ministério da Economia vem e fecha os olhos, e rola a dívida por mais 20 anos, 25 anos.
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Por isso, fica aqui também o meu registro: ao falar de dívida bruta no Governo brasileiro, é importante falar também da dívida dos Estados brasileiros.
Este quadro aqui é para mostrar... Aliás, em nenhum momento, o resultado primário paga os juros. Se não há o crescimento do PIB, a tendência vai ser sempre aumentar a relação entre dívida e PIB. Esta aqui é a coluna do resultado nominal, que é primário mais juros. Pelo lado do primário, não temos nenhuma história disso. Nós não vamos conseguir fazer essa questão.
Quando examinamos alguns dados — estou terminando agora os dados da época Temer e Bolsonaro —, se pegarmos o período de 2003 a 2016, veremos que o Brasil pagou 4 bilhões de juros, 316 do Bolsa Família, 700 de investimento, 42 do FIES e 10 do ProUni. Vejam como é esse processo de alocação!
Eu acho que isso aqui demonstra também por que a distribuição de renda no Brasil é altamente concentrada. Não há Imposto de Renda sobre dividendos. Nós discutimos muito isso na campanha presidencial. O Ministro Paulo Guedes sabe muito bem disso. Quando ele propôs agora, ele ligou para dizer: "Vamos fazer agora o Imposto de Renda sobre dividendo". Na alíquota de 15%, isso dá 48 bilhões de reais ao ano de caixa extra. Diminuir as exonerações tributárias em 15%... Nós fizemos 10% aqui no Estado, e eu quase fui demitido. Mas tem que fazer. De 310, dá mais 45. Com duas medidas, rapidamente, são 100 bilhões ao ano. No Brasil, o lobby é tão grande que o queijo suíço está na cesta básica, paga zero de PIS/COFINS e todo o mundo acha isso muito bonito. Eu não sou contra, não! O Prof. Oreiro gosta muito de um vinho com queijo suíço. Não há nenhum problema. No entanto, o salmão grelhado com molho de alcaparras deve estar na cesta básica e pagar zero de PIS/COFINS? É preciso só uma lei ordinária normal para acabar com esses privilégios, porque esses 40 produtos podem render 8 bilhões de reais ao ano se nós os eliminarmos de maneira mais efetiva.
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16:31
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Quanto ao regime de meta de inflação, se examinarmos os últimos 22 anos, perceberemos que em 15 anos não foi cumprido, em 4 anos esteve na meta e em 3 anos esteve abaixo da meta. Portanto, precisamos ter cautela e verificar se isso realmente tem sido muito eficiente no Brasil. É só um levantar de dados que precisamos para avaliar melhor.
Quanto ao resultado primário, que as pessoas não compreendem: o maior foi gerado em 1994. Obviamente, eu não vou fazer um pouco de política, mas no segundo semestre o Ministro da Fazenda atuou. Alguém pode dizer: "Mas ele foi Ministro só por 6 meses". Pois é, mas é exatamente no segundo semestre que as pressões por despesa no setor público efetivamente acontecem. De lá para cá, só há déficits sistemáticos, que precisamos realmente consertar.
Das operações compromissadas, eu já falei — sobre os 13% do PIB. Eu não vou mais falar sobre isso. Nós estamos tratando aí de 1 trilhão. Em 2000, eram 6 bilhões, eu acho, e passaram para 1,040 trilhão. É preciso compreender melhor, além da explicação das reservas cambiais, que em seguida são enxugadas. É preciso saber exatamente o que está acontecendo com isso aqui, porque esse manejo é muito perigoso. É uma dívida de curto prazo. Precisamos realmente examinar o porquê dessa presença tão ostensiva das operações compromissadas hoje no Brasil.
Isso mostra por que elas estão aumentando. Eu não vou perder tempo nesse momento, até para não dizerem que estou falando demais, mas é fácil decompor em percentuais. Juros, por exemplo, de 30% são uma das razões da elevação das operações compromissadas.
Eu acho que o Prof. Lara, o Pastore e outros com certeza vão falar um pouco sobre a Teoria Fiscal do Nível de Preços. Quem ancora as expectativas e, portanto, determina a inflação é a solvência do Estado. A política fiscal, na realidade, é o grande instrumento para que os agentes econômicos possam fazer sua previsão de futuro da inflação — se ela vai ser estabilizada ou não, e assim por diante. Portanto, política fiscal e política monetária, para mim, estão muito juntas. E é importante termos essa concepção para não deixarmos as pessoas achando que uma e outra são totalmente independentes. Não são! Moeda também é dívida pública.
Eu quero, portanto, dizer para vocês que me preocupo muito com o aspecto fiscal, por causa do impacto inclusive no câmbio. Eu dou a isso muita ênfase, talvez pela experiência própria de tantos anos aqui no meu Estado, e tenho procurado levar isso em âmbito nacional.
Eu não me conformo com o Banco Central não institucionalizar a emissão de swaps cambiais. Aqui um diretor chega e diz: "Eu vou lançar agora 40 bilhões de dólares". No COPOM, pelo menos, nós temos toda a diretoria, temos estudo, e aí há uma decisão mais institucionalizada. No câmbio, isso é um aparador no Banco Central, que faz isso. Eu acho que o swap cambial deveria ser institucionalizado.
Temos que pensar no controle da despesa financeira. Nos Estados Unidos, o país mais pujante do capitalismo mundial, vocês sabem melhor, há um limite do estoque de dívida sobre a receita.
Precisamos avaliar um pouco, ver se isso é necessário ou não, e fazer um acompanhamento não só do gasto, mas também da despesa financeira. Lá é para dívida, para museu, para pagamento de pessoal, ou seja, do servidor público. Isso precisa ser mais bem avaliado aqui no Brasil.
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Aliás, um projeto de resolução no Senado, do Senador José Serra, propunha o seguinte: daqui a 15 anos — não era agora —, o Governo Federal deveria abater essa dívida. Eu não lembro se era quatro vezes a receita corrente líquida ou cinco vezes. Hoje os Municípios não podem se endividar mais do que 1,2 vez a sua receita corrente líquida e os Estados não podem se endividar mais do que 2 vezes a sua receita corrente líquida. O Banco Central e o mercado nunca deixaram o Senado... Lembro que quem legisla sobre endividamento do setor público não é o Congresso, é o Senado especificamente. Eu queria deixar clara também essa questão.
Eu encerro pedindo desculpas pelo tempo que usei. Estou muito preocupado com a PEC dos Precatórios, por gerar dinheiro, ou melhor, por gerar passivo de dívida de longo prazo. Eu vou soltar esses dados na terça-feira, mas já adiantei que isso é um estudo formal com alguns cenários e algumas premissas que traçamos para fazer esse cálculo. Eu estou muito preocupado (falha na transmissão) como limite, porque, na PEC dos Precatórios, cria-se um subteto para precatório: "Para o ano, só podem ser os 44 bilhões mais o IPCA". Então, ou o Poder Judiciário para de julgar, ou, se julgar, bota na gaveta, porque ele não vai mais poder enviar para o Poder Executivo fazer a inserção, até junho, desses precatórios. Isso vai se acumulando.
Então, o primeiro quadro que nós fizemos, com algumas premissas, é este: só esse primeiro impacto é da ordem de 580 bilhões de reais. E nós precisamos começar a nos preocupar com isso também.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Professor, muito obrigado pela sua importante participação.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO - Deputado Félix, em relação à emenda de Relator — eu ouvi o Prof. Pastore falando com muita ênfase —, pessoalmente também sou contra. Nós já temos a emenda individual, que o mundo inteiro tem; temos a emenda de bancada. Com a emenda de Relator, eu também não compactuo. Nós estamos falando de 16,8 bilhões de reais que poderiam ser mais bem equacionados.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Deputado Mauro.
O SR. JOSÉ LUIS OREIRO - Boa tarde a todas e a todos os que estão assistindo à reunião neste momento.
Em primeiro lugar, eu quero agradecer o gentil convite do Centro de Estudos e Debates Estratégicos, na figura do Deputado Félix Mendonça Júnior, para estar aqui hoje debatendo o tema que foi proposto: A Teoria Monetária Moderna e a Dívida Pública. É basicamente sobre isso que eu vou fazer a minha apresentação, embora outros temas tenham vindo à baila nas apresentações do Prof. Pastore e do Deputado Mauro Benevides.
Mas eu vou realmente me concentrar na Teoria Monetária Moderna.
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Eu só vou fazer uma pequena observação sobre a fala do Prof. Pastore a respeito do auxílio emergencial. Eu participei dos bastidores dos economistas que ajudaram na formulação do auxílio emergencial. A ideia, em março, abril de 2020, era pagar um auxílio para as pessoas ficarem em casa. A ideia do auxílio não era tanto combater a pobreza, era fazer com que as pessoas que trabalham no setor informal, que é um ramo de atividade econômica que exige o contato entre as pessoas, ficassem em casa e pudessem não morrer de fome por isso. Essa era a premissa.
O problema é que o Governo Federal, na figura do seu maior mandatário, fez tudo o que esteve ao seu alcance para boicotar o distanciamento social. Se tivéssemos feito um lockdown para valer, como foi feito em outros países, era provável que, em julho ou agosto, a economia pudesse voltar mais ou menos à normalidade e se pudesse suspender, pelo menos temporariamente, o auxílio emergencial.
É nesse sentido, Prof. Pastore, que eu acho que esse gasto realmente foi mal empregado, porque era um gasto destinado a fazer com que as pessoas ficassem em casa, e o Governo fez de tudo que estava ao seu alcance para que as pessoas não ficassem em casa. Então, realmente, não fazia sentido esse tipo de coisa.
(Segue-se exibição de imagens.)
O André é um intelectual de primeira grandeza que tem ideias próprias, o que é uma coisa muito boa. Ele já fez reflexões e muitas elaborações sobre o que ele chama de Teoria Monetária Moderna. Na verdade, a versão que ele apresentou já incorpora as críticas que são feitas, dentro da academia norte-americana, à formulação original da Teoria Monetária Moderna, mas não é a versão que é vendida no Brasil como Teoria Monetária Moderna.
É nesse sentido que eu vou fazer a minha apresentação. Eu concordo com quase tudo que o André colocou, só que a versão que ele apresentou sobre a Teoria Monetária Moderna é a versão do André Lara Resende sobre a Teoria Monetária Moderna, não necessariamente o que as pessoas entendem como Teoria Monetária Moderna.
Estes aqui são dois livros sobre a Teoria Monetária Moderna: um do Randall Wray, autor que é considerado o fundador dessa corrente, e um manual publicado recentemente no Brasil intitulado Teoria Monetária Moderna: a chave para uma economia a serviço das pessoas, de vários autores, como o Fabiano Dalto, professor da Universidade Federal do Paraná; o Daniel Conceição, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e o David Deccache, que é assessor do PSOL e aluno do programa de doutorado em economia da Universidade de Brasília. É esse material que é consumido e divulgado como a Teoria Monetária Moderna.
Eu vou começar com uma crítica feita a essa versão pelo economista keynesiano britânico Thomas Palley, que está radicada nos Estados Unidos. Ele é um dos principais críticos da Teoria Monetária Moderna. Não sei exatamente se ele é filiado ao Partido Democrata, mas ele é certamente um intelectual orgânico do Partido Democrata nos Estados Unidos. A epígrafe está em inglês. Vai ser a única que eu vou ler em inglês. (Manifestação em inglês.) Essa é uma citação tirada do artigo do Thomas Palley publicado no ano de 2020 na revista Review of Keynesian Economics.
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Vou apresentar hoje aqui um resumo dos argumentos. O primeiro ponto é que a Teoria Monetária Moderna apresenta um conjunto de ideias boas e novas. O problema é que as boas não são novas e as novas não são boas. O segundo ponto é que não é verdade que o governo que emite dívida soberana denominada na sua própria moeda não possua restrição financeira. Isso não implica que, primeiro, déficits fiscais não devam ser usados como instrumento de política anticíclica e, segundo, que uma política de expansão dos gastos de investimento do governo, notadamente em períodos como o que estamos vivendo agora, de grande ociosidade da capacidade produtiva, leve obrigatoriamente ao aumento da dívida pública.
Então, eu posso rejeitar essa versão da Teoria Monetária Moderna, que é a que circula, mas, ao mesmo tempo, sem ser logicamente inconsistente, aceitar que eu devo usar os déficits fiscais, nos momentos necessários, como política anticíclica e também que uma boa política de investimento público pode, como diria Keynes, pay for itself, pode ser autofinanciável. Tanto o Summers como o DeLong chamavam a atenção, num artigo de 2012, para o fato de que uma expansão fiscal baseada no aumento do investimento público pode ser autofinanciável sob certas condições.
Meu último ponto é que a dívida pública, tanto bruta como líquida, no Brasil não é tão alta como parece, devido a problemas metodológicos no cálculo dela, alguns dos quais o Prof. Pastore e o Deputado Mauro Benevides já abordaram — isso vai me permitir encurtar minha apresentação. Além disso, como também lembrou o Prof. Pastore, não existe nenhum número mágico para a relação entre a dívida pública e o PIB a partir do qual ela se torna insustentável.
Então, vamos à primeira pergunta: o que é a Teoria Monetária Moderna? A proposição fundamental dessa teoria, que em inglês é Modern Money Theory, é que um governo que possui dívida soberana denominada na sua própria moeda, num contexto de um regime de câmbio flutuante e sem endividamento externo, não possui restrição financeira para a realização dos seus gastos e, portanto, não precisa de impostos para financiá-los. Isso porque o governo pode sempre — entre aspas — "imprimir moeda" para pagar seus gastos, independentemente da natureza deles, se são gastos de consumo, custeio, investimento ou transferências.
Segundo um dos grandes expoentes dessa escola de pensamento, o Randall Wray, "o importante a se observar é que o Tesouro gasta e sem precisar de receitas prévias advindas dos impostos ou da venda de títulos da dívida".
A implicação é que os pagamentos de impostos não são necessários para financiar o gasto do Governo, mas para criar a demanda por moeda e impactar as reservas bancárias — isso está no livro dele de 1998, na página 78.
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Recomendações de política econômica da MMT. Os adeptos da MMT recomendam que o governo deve aumentar seus gastos até o ponto em que a economia alcance o pleno emprego e todos os trabalhadores que desejem trabalhar ao salário de mercado estejam empregados. Uma vez que a economia tenha atingido esse ponto, o governo deverá aumentar os impostos para drenar dinheiro da economia e prevenir pressões inflacionárias. Um corolário dessa proposição é que a política monetária e a taxa de juros devem ser descartadas como instrumento de estabilização macroeconômica. A taxa básica de juros — no caso brasileiro, a SELIC — deve ser fixada ao nível de 0% em termos nominais. Em suma, a MMT recomenda que o Governo deveria usar o déficit fiscal no lugar da política monetária com o objetivo de alcançar e manter o pleno emprego e, ao mesmo tempo, evitar pressões inflacionárias. A única limitação ao tamanho do déficit público, como mencionou o André Lara Resende, seria dada pelos recursos reais da economia. Enquanto existir desemprego e capacidade ociosa, o déficit público pode ser financiado, de maneira não inflacionária, tanto pela emissão de dívida pública como pela emissão de moeda. Sendo assim, o governo não possui restrição financeira ao seu déficit, porque pode sempre emitir moeda para pagar suas despesas e/ou rolar a dívida pública.
MMT: ideias velhas e certas, ideias novas e erradas. Segundo o Palley, num artigo publicado em 2015, também no Review of Political Economy, a MMT é uma mistura de ideias velhas e novas. As velhas são corretas e bem compreendidas, ao passo que as novas são substancialmente incorretas. De fato, como lembra o Palley, em artigo publicado em 1973, Alan Blinder e Robert Solow, Prêmio Nobel de Economia, mostraram, por intermédio de um modelo IS/LM com consistência entre estoques e fluxos, que déficits financiados por emissão de moeda podem mover a economia na direção do pleno emprego, ou seja, que a política fiscal é eficaz, ao contrário do que muitos acreditam aqui no Brasil, no mito da contração fiscal expansionista. Essa, para mim, é equivalente ao terraplanismo econômico ou ao negacionismo de vacina. A emissão de moeda para financiar os déficits cria riqueza financeira, o que aumenta a demanda agregada devido ao efeito riqueza sobre o consumo das famílias, aumentando assim o nível de emprego.
A primeira proposição é a de que o governo precisa gastar para injetar dinheiro na economia. A segunda é a de que a capacidade do governo de criar moeda implica, sempre e em todo lugar, que o governo não possui restrição financeira e que não existe nenhum tipo de custo em levar a economia para uma situação de pleno emprego.
Com relação à primeira proposição, devemos observar que o Banco Central, que tem o monopólio legal de emissão de base monetária, pode introduzir moeda de diversas maneiras na economia, a saber: comprando títulos públicos que estejam na carteira dos bancos privados, comprando ativos do setor privado, que é o tal do quantitative easing, ou emprestando dinheiro para os bancos comerciais pelas operações de redesconto. Além disso, no sistema monetário atual, no qual o Banco Central fixa uma meta para a taxa de juros de curto prazo, ele é obrigado a ofertar a quantidade de reservas que os bancos comerciais demandarem à taxa de juros fixada.
Dessa forma, a moeda estatal pode ser criada simplesmente por intermédio de um aumento da demanda de crédito bancário pelo setor privado, o que aumenta a demanda dos bancos comerciais por base monetária, obrigando o Banco Central a atender essa demanda adicional de moeda para manter a taxa de juros na meta por ele fixada. Essa operação não implica, no entanto, nenhum tipo de gasto governamental para introduzir moeda na economia. Portanto, a primeira proposição da MMT, que é nova, está errada.
Com respeito à segunda proposição, a natureza estática do arcabouço teórico da MMT, que é basicamente um arcabouço contábil — nós vemos isto de forma muito clara no livro do Randall Wray —, leva à desconsideração dos efeitos macroeconômicos dos déficits financiados por emissão de moeda sobre a capacidade do governo de usar esse financiamento de déficits para atingir os seus objetivos de política econômica. A capacidade que tem um governo de imprimir moeda e pagar os seus gastos não significa que isso possa ser feito sem nenhum custo. Por quê? O primeiro ponto é a relação entre taxa de câmbio e balanço de pagamentos. Países como o Brasil, que possuem uma pauta de exportações baseada em commodities e produtos primários, têm baixa elasticidade-preço e baixa elasticidade-renda das exportações e alta elasticidade-renda das importações. Daí se segue que o déficit público requerido para proporcionar o pleno emprego da força de trabalho pode ser maior do que o permitido pelo equilíbrio do balanço de pagamentos. É importante chamar a atenção para o fato de que a desvalorização cambial, nesse contexto, é ineficaz para proporcionar o equilíbrio externo, dada a baixa elasticidade-preço das exportações e importações — o que a velha CEPAL chamava de rigidez estrutural do balanço de pagamentos —, gerando apenas uma aceleração da inflação.
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Com respeito à inflação, a MMT supõe, implicitamente, que exista aquilo que Joan Robinson, economista keynesiana inglesa, chamava de barreira inflacionária, ou seja, a MMT supõe que a inflação é igual a zero ou constante até determinado ponto, que seria o pleno emprego, só se acelerando quando esse ponto é atingido. Bom, qual é o problema com essa hipótese? É que, na prática, a economia é composta por vários setores, e alguns deles alcançam a barreira inflacionária muito antes do que os demais. Dessa forma, a inflação começa a se acelerar muito antes de o pleno emprego ser atingido. Deve-se observar que um governo não tem condições de fixar as suas injeções de demanda setor a setor, mercado a mercado, porque isso exigiria uma economia centralmente planificada no estilo soviético. Logo, não é fácil atingir o pleno emprego sem inflação, ou seja, os formuladores de política econômica se confrontam com um dilema inescapável entre inflação e desemprego.
A MMT também defende que a taxa nominal de juros seja fixada em 0% em termos nominais. Logo, a taxa real de juros se tornaria cada vez mais negativa à medida que o nível de emprego aumentasse em função dos déficits do governo. Ora, isso geraria uma dinâmica explosiva. A redução da taxa real de juros aumentaria os gastos de investimento do setor privado, sobreaquecendo a economia e contribuindo para a aceleração mais rápida da inflação. Aí entra a velha questão que os keynesianos conhecem como problema de mix ou de composição entre política fiscal e política monetária. Nessa situação, quanto mais expansionista for a política fiscal, mais contracionista terá que ser a política monetária — leia-se taxa de juros mais alta —, para evitar uma situação de excesso de demanda agregada.
Isso significa, portanto, que os formuladores de política econômica precisam estar preocupados com as condições prevalecentes dos mercados financeiros, o que implica que o governo, sim, possui uma restrição financeira, mesmo sendo capaz de imprimir toda a moeda que deseje.
Além disso, existem problemas de economia política na MMT. A MMT assume que o governo pode variar de forma rápida e abrupta a alíquota de impostos para conter qualquer problema de excesso de demanda agregada. Quanto a isso, nós nos defrontamos com vários problemas de economia política.
O primeiro é o problema da escolha pública. Os políticos têm uma aversão revelada a aumentar impostos e reduzir gastos. Logo, é politicamente impossível manejar a política fiscal para fazer a sintonia fina. O que é sintonia fina? É a mudança da política fiscal de acordo com o estado da economia a cada momento. Mudanças na política fiscal, como as Sras. Deputadas e os Srs. Deputados sabem muito bem, envolvem debates longos e difíceis na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
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O segundo é o problema de desenho institucional. Em diversos países, o Brasil incluso, a autoridade monetária é juridicamente separada da autoridade fiscal, de forma que o Tesouro não pode recorrer diretamente ao Banco Central para financiar o déficit público. Isso está explicitamente vedado pela Constituição do Brasil.
O terceiro é o problema de inconsistência entre metas e instrumentos. Se a política fiscal estiver restrita, de um lado, pelas necessidades de realizar um volume mínimo de gastos — por exemplo, os gastos com salários de servidores públicos e com aposentadorias é o mínimo que o Governo pode fazer — e, de outro, por uma carga tributária máxima que a sociedade está disposta a aceitar, pode ser impossível alcançar simultaneamente o pleno emprego e uma inflação estável se a taxa de juros for fixada em zero e o governo não dispuser da política monetária como instrumento de política econômica.
Isso posto, vamos falar sobre o caso brasileiro, sobre política fiscal e dívida pública no País. Bom, a recuperação da atividade econômica pós-pandemia exige um aumento do investimento público, pois a demanda privada, como nós estamos vendo, continuará deprimida no período 2021-2022. Para viabilizar o aumento do investimento público, é necessária a revogação do teto de gastos. Em vez de partir para soluções criativas como a do Guedes — digo "criativas" com sentido irônico —, que criou o que eu chamei em entrevista para a imprensa de teto de gastos endógeno, ou seja, um teto que, quando alcançado, aumenta, o que se tem que fazer é substituir essa política fiscal por uma política fiscal correta do ponto de vista keynesiano, ou seja, ter uma meta de resultado primário ciclicamente ajustado. Isso permitiria a compatibilização de duas coisas: primeiro, uma consolidação fiscal, ou seja, uma redução da dívida pública como proporção do PIB no médio e no longo prazo; segundo, a criação de espaço, no curto prazo, para a execução de uma política fiscal anticíclica quando ela for necessária.
Bom, a dívida pública não é, no momento, um entrave ao aumento do investimento público, pois não existe nenhum número mágico a partir do qual a dívida pública, quando denominada na moeda que o país emite, se torne insustentável. O segundo ponto, que já foi mencionado aqui tanto pelo Prof. Pastore quanto pelo Deputado Mauro Benevides Filho, é que, no cálculo da dívida bruta do governo geral, se incluem as operações compromissadas do Banco Central, o que aumenta de forma artificial o valor da dívida bruta do governo geral.
Por outro lado, a dinâmica da dívida pública depende, como o Prof. Pastore mostrou muito bem, da relação entre a taxa real de juros e a taxa de crescimento do produto. Só que a taxa de crescimento do produto não é uma variável que cai do céu, exógena, independente da política econômica. A taxa de crescimento do produto vai depender, de forma bastante significativa, da taxa de investimento. E, na medida em que se aumenta o investimento público, aumenta-se a taxa de crescimento, que é compatível com uma inflação estável, aquilo que o Harrod chamava de taxa garantida de crescimento. Então, numa situação em que a taxa de crescimento do produto for maior que a taxa real de juros, o país pode operar com déficit primário e, ainda assim, reduzir a dívida pública como proporção do PIB ao longo do tempo. É o que vai acontecer no ano de 2021. O Brasil vai fechar com crescimento de uns 4,5%. A taxa implícita real de juros da dívida está negativa. Então, com uma taxa de crescimento real maior do que a taxa real de juros, mesmo havendo déficit primário, consegue-se reduzir a relação entre dívida pública e PIB ao longo do tempo. O aumento do investimento permite um aumento da taxa de crescimento do produto, viabilizando assim uma consolidação fiscal por intermédio da aceleração do crescimento. É o caso da chamada expansão fiscal autofinanciável, apresentada no texto do DeLong e do Summers de 2012.
Eu acho que esta minha última parte da apresentação é bem parecida com o que já foi apresentado. Aqui vemos a dívida bruta do governo geral como proporção do PIB em 2019 em países selecionados. Vemos que, em 2019, o Brasil, mesmo se incluindo as operações compromissadas, era um país com uma dívida pública como proporção do PIB não muito alta na comparação internacional.
Há uns problemas metodológicos que, como já foram abordados, eu não vou mostrar. Só quero chamar atenção para a evolução da razão entre operações compromissadas e dívida bruta do governo geral de 2007 a 2020. Em 2007, as operações compromissadas representavam menos de 10% da dívida bruta do governo geral. Elas começaram a crescer e chegaram a 25% da dívida bruta do governo geral. O que explica esse crescimento? Basicamente o acúmulo de reservas internacionais. Nós aumentamos a dívida bruta do governo para acumular reservas internacionais e esterilizamos o impacto do acúmulo de reservas sobre a base monetária por intermédio das operações compromissadas. Então, quando se olha para o indicador dívida bruta do governo geral, está-se olhando errado, não se está olhando para a operação puramente fiscal, ou seja, esse número da dívida bruta do governo geral não é o resultado do somatório de déficits ao longo do tempo, não é o resultado das operações acima da linha. Em linguagem mais técnica, as operações acima da linha não batem com as operações abaixo da linha, por conta desse mecanismo.
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Este gráfico é apenas para mostrar a situação periclitante em que se encontra a economia brasileira. Aqui nós temos o PIB da indústria de transformação; o PIB a preço de mercado, em laranja; e a formação bruta de capital fixo como proporção do crescimento. Observa-se que, mesmo antes da crise da COVID, esses três indicadores estavam abaixo do nível de 2013, ou seja, a economia brasileira está estagnada desde 2013; ela não conseguiu recuperar o que perdeu durante a crise de 2014 a 2016, e o problema da COVID só complicou as coisas.
Isto aqui é a evolução do mercado de trabalho. A taxa de desemprego já vinha alta mesmo depois de terminada a recessão de 2014 a 2016. Ela estava em torno de 12%; com a COVID, foi a mais de 14%. Mas eu quero chamar atenção para o fato de que há uma queda abrupta da taxa de participação da força do trabalho por causa da COVID. A taxa de participação, que no Brasil era de 62%, caiu para abaixo de 55% com a COVID e, em julho de 2021, ainda não tinha recuperado o nível pré-COVID, ou seja, a COVID-19 deixou mais 2 milhões de brasileiros desempregados, e 4 milhões de brasileiros que saíram da força de trabalho ainda não retornaram.
Aqui nós temos a evolução da dívida líquida do setor público. A dívida bruta, como eu tinha argumentado, em 2021, pelo fato de a taxa de crescimento do produto ser maior do que a taxa real de juros, entrou em queda.
Estes são os gráficos para o déficit nominal do setor público e para o déficit primário do setor público. Em geral, o déficit nominal do setor público é muito maior do que o déficit primário. Mas o que chama atenção no período da COVID é que, basicamente, o déficit nominal se elevou devido ao aumento do déficit primário, porque, como nós sabemos, houve uma redução bastante significativa da taxa de juros no ano de 2020.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado, Dr. José Luis Oreiro.
Vamos passar para a fase das perguntas. Não sei se o Deputado Denis Bezerra está presente. Se não estiver, eu vou iniciar as perguntas.
Queria fazer uma pergunta bem de leigo, como administrador de empresas e Deputado Federal, para os senhores palestrantes. Vemos toda a economia da Europa com taxa de juros 0%; a americana, com taxa de 0,025%; a do Japão, com taxa negativa; a do Chile, nosso vizinho, com taxa de 2%. Já o Brasil está nesta escalada de hoje, com uma taxa de 7,75%, que em janeiro estava em 2%, já sinalizando uma subida dos juros, e com uma inflação que não é inflação de demanda, como sabemos, mas uma inflação de commodities, uma inflação de petróleo, uma inflação por outros motivos. Vemos também um pacote agora nos Estados Unidos de mais de 1 trilhão em investimentos na economia. Diante disso, eu pergunto: o Brasil está no caminho errado no que se refere à política de juros do Banco Central?
O Brasil devia estimular a sua economia, a geração de riquezas e, com isso, a geração de empregos, o aumento na produção industrial, na produção agrícola, na produção agropecuária e na própria exportação e transformação das commodities? Ou nós devemos fazer isso mesmo? Nós estamos num caminho diferente do mundo, mas estamos no caminho certo, que é o da elevação da taxa de juros para, eventualmente, conter a inflação, que é o que nós ouvimos, naquelas quartas-feiras das reuniões do COPOM, quando decidem aumentar os juros?
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Gostaria de passar a palavra ao primeiro consultor, o João Ricardo Motta, para que possa complementar as perguntas ou fazer os próprios questionamentos, aos quais, depois, os palestrantes irão responder.
Antes, eu queria agradecer, mais uma vez, a todos os palestrantes e já fazer um convite para que nós possamos, na Câmara Federal, contar com a presença física, se possível, ou virtual dos senhores, numa reunião sobre dívida pública, juros, política econômica com os Deputados. Acho que seria muito importante.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado. Isso seria ótimo. Nós precisamos realmente ter lá pessoas do nível de vocês, com o conhecimento que vocês apresentaram aqui, até para que nós tenhamos uma orientação econômica melhor e, na hora do voto, votemos com uma consciência mais capacitada. Obrigado.
Primeiramente, eu gostaria de agradecer a todos pelas palestras. Ouvimos diferentes abordagens, mas com muita coisa em comum, como disse o Prof. Pastore, muitas congruências. Parece claro para nós que precisamos de regras fiscais que orientem a qualidade do gasto. Na verdade, eu acho que esse é o grande dilema. Estamos todos discutindo se devemos aumentar a taxa de juros ou não, mas, no fundo, estamos pressionados no curto prazo por uma deterioração de expectativas. Há um crescimento de inflação que tem diversas origens, mas, no fundo, acaba-se criando uma dinâmica negativa para a dívida, porque, quando se tenta, no curto prazo, digamos, tolher toda essa deterioração de expectativas com uma atuação do Banco Central na direção da elevação da taxa de juros, como a própria curva de juros já se eleva sozinha em função dessa expectativa, chega-se a uma situação em que essa elevação da taxa de juros acaba deteriorando o lado fiscal, que é um lado sobre o qual há desconfiança. Então, seria um mundo perfeito: nós teríamos a possibilidade de ter uma taxa de juros menor — "r" menor que "g" — e ter o gasto público direcionado a situações que aumentam a produtividade da economia. Assim, não teríamos a necessidade de combater o déficit público de uma maneira tão estrita, com elevação de taxa de juros no curto prazo. Então, eu acho que, no fundo, o grande problema é a economia política que está por trás disso.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Motta.
Eu queria agradecer a presença de algumas pessoas que estão participando pelo Zoom: Sra. Diana Cabral Siqueira, Superintendente de Controle da Dívida Pública do Governo do Estado do Rio de Janeiro; Sr. Leandro de Oliveira Almeida, especialista em política da indústria da Confederação Nacional da Indústria; Dra. Suzana Peixoto Silveira, especialista em política da indústria da Confederação Nacional da Indústria; Sr. Porthos Motta, Gerente de Riscos Corporativos da Goiás Fomento; Dr. Marcos Antonio Tavares, diretor e representante da Presidenta Rivânia Moura, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; Sr. Paulo Henrique Lima Brito, representante do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia — INMETRO.
Agradeço a todos os que estão participando pela plataforma do Zoom. É sempre bom ter a presença qualificada de vocês.
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O SR. CESAR COSTA ALVES DE MATTOS - Na verdade, eu recuperei um pouco do que o Oreiro, o Pastore e o Lara Resende escreveram este ano sobre a relação entre política fiscal, juros e política monetária. Nós vimos vários pontos convergentes, mas eu queria ressaltar alguns pontos de divergência, que, na verdade, estão conectados com essa pergunta do Deputado Félix Mendonça. Enfim, nós devemos continuar com essa política de juros ou não?
O economista José Luis Oreiro, colega da UnB, colocava, em março de 2021, que não via conexão entre a inclinação da curva de juros e o desequilíbrio fiscal. Ele, na verdade, fazia um paralelo com outros países que fizeram expansão fiscal mas estavam com os juros baixos. Na verdade, ele atribuía a aceleração da inflação a um choque de oferta negativo, temporário, e afirmava que a resposta em termos de juros maiores... Inclusive, o título do artigo dele é Elevação de juros agora é negacionismo econômico. Isso foi até a conclusão dele.
Na mesma linha, o André Lara Resende, em 1º de abril de 2021, também atribuía a inflação às flutuações cíclicas nos preços das commodities. Houve uma queda no PIB, em 2020, de mais de 4%, e um desemprego de 15%. Ele dizia assim: ''Olhe, não dá para fazer essa conexão com demanda". Nesse ponto, ele também dizia que a elevação dos juros que ia começar naquele momento seria disfuncional.
Já o economista Pastore fazia uma conexão ao contrário, entre política fiscal e monetária, mostrando que a aprovação do teto de gastos em 2016 teria sido fundamental para reduzir a taxa de juros implícita na dívida, que estava, antes disso, entre 11% e 14% e foi para 7%. Esse é um artigo mais recente, de novembro, então já conta com mais informações. Aí ele relacionou a flexibilização bem recente do teto de gastos a esse enorme incremento da taxa de juros, que voltou àqueles níveis pré-teto, que chegaram a 12% em outubro. Na verdade, ele faz essa conexão entre política fiscal e política monetária de uma forma até divergente. Obviamente, o José Luis Oreiro fez, mas em abril.
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O SR. AFFONSO CELSO PASTORE - Esta reunião já está se estendendo. Eu procurei ficar no meu limite o melhor que eu pude. A distribuição de tempo não foi muito fair. Eu pretendo, no fundo, abusar um pouco de vocês.
Eu tenho concordâncias e discordâncias com todos os que estiveram aqui e, na parte fiscal, eu tenho muito poucas discordâncias com o André, com relação aos princípios, com relação à natureza do gasto público, com relação à necessidade de o governo ter análises de custo-benefício bem-feitas quando ele decide onde ele vai colocar o dinheiro. É fundamental que o dinheiro público seja destinado a atividades que tenham produtividade — e eu não estou falando de produtividade privada, eu estou falando de produtividade social —, que gerem externalidades, que gerem capacidade de acelerar o desenvolvimento econômico. Esse ponto nos une e é um ponto absolutamente firme, dentro do qual nós temos uma total convergência.
Meu problema só diverge nessa questão do mix fiscal monetário. E eu tento colocar aqui o seguinte: eu sou um escravo não da literatura, não das citações de artigos em inglês ou em qualquer outra língua; eu sou um escravo da evidência empírica. Vocês podem achar que eu sou um economista que tem inveja da física. Eu não tenho nenhuma inveja da física. Não há nada que relacione a física à economia. Se eu quisesse fazer algum paralelo com a física, eu ia ter que buscar fazê-lo com a física quântica, em que uma partícula pode estar aqui ou pode estar ali, e há coisas probabilísticas que não são previsíveis com precisão. O economista tem que ser humilde com relação aos modelos que ele usa, mas ele não pode deixar de olhar se esses modelos têm ou não têm alguma capacidade de previsão.
Em primeiro lugar, em nenhum dos países que eu mostrei — os da Europa, os Estados Unidos... E eu vou incluir a Austrália, vou incluir Coreia e outros países, mas infelizmente não da América Latina. Quando esses países divergiram da tendência de crescimento de dívida, porque, no contexto da pandemia, os governos foram compelidos a reagir de um jeito como governos só reagem numa situação como esta... Afinal de contas, uma dos motivos pelos quais eu divirjo daquele liberalismo extremo do Milton Friedman e da Sociedade Mont Pèlerin, do von Hayek, é que eu jamais pensei em Estado mínimo. Eu acho que o Estado tem que fazer investimentos, o Estado tem que cuidar do bem-estar da sociedade. Mas o Estado também tem que ser um emissor de seguros contra situações complexas, algumas das quais não são previsíveis. Ciclos econômicos existem, e, quando nós entramos num ciclo econômico, a função do Estado como gerador de seguros é fazer políticas contracíclicas. Para isso, ele tem que ter liberdade de mexer na política monetária e na política fiscal. A política fiscal tem que ter um grau de flexibilidade que permita a política fiscal contracíclica.
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17:19
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Você precisa distribuir renda quando você tem uma parte da sociedade excluída do processo. Você precisa distribuir renda quando você tem um nível de pobreza absoluta que deixa a criança morrer de fome e não dá escola para ela. Mas você não dá o dinheiro de graça: você faz com que a mãe leve a criança à escola ou à creche para ela poder ser lavadeira ou faxineira numa casa e tentar, no fundo, fazer com que o filho tenha uma capacidade de subir na sociedade melhor do que a dela. Você tem que ter um instrumento fiscal na mão e uma capacidade de analisar onde eles são socialmente mais produtivos do ponto de vista de taxa de retorno social — refiro-me a como os economistas usam isso, e não ao sentido demagógico de dizer que é social porque está transferindo renda, etc. Até aí nós não temos divergências.
O Brasil não tem essa política fiscal. O Brasil não tem política fiscal nenhuma. O Brasil gasta a olho, gasta de acordo com grupos de pressão. Os senhores vivem no Congresso e sabem o que os grupos de pressão fazem. O grupo de pressão que tem um lobby maior leva; o grupo de pressão que não tem o lobby maior não leva. Isso não maximiza o retorno social, maximiza o retorno privado dos grupos de pressão. Desse jeito, quanto maior o grupo de pressão, maior é o gasto. Nós estamos vendo isso acontecer agora, com essa PEC dos precatórios. O indivíduo que é o detentor da dívida olha para isso, vê essa péssima administração e, para poder financiar o Governo, requer um prêmio de risco.
O que aconteceu com a curva de juros — me desculpe, Sr. Oreiro — foi que ela se inclinou positivamente exatamente quando nós fizemos aquele gasto absolutamente maluco, lá atrás. Isso reduziu o ingresso de capitais no Brasil. Quando o Brasil acumulou aqueles 300 bilhões de dólares de dívida, o Brasil estava caminhando passo a passo na direção de ter uma política fiscal melhor. Foi um arcabouço que começou na reforma do Plano Real, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelecendo estacas, dentro das quais você tinha que descobrir de que forma melhor alocar recurso e de que forma melhor gerir a dívida. Isso vinha acontecendo.
Evidentemente, o Brasil é um país com poupanças escassas. Nós temos que absorver poupança externa. O balanço de pagamentos não depende da elasticidade do Marshall, Sr. Oreiro. Ele depende é da absorção menos o PIB. Se o Governo aumenta a absorção, ele gera um déficit, mas nós geramos superávits no balanço de pagamento. Esses superávits foram gerados por um maciço ingresso de capitais. O Banco Central teve que esterilizar, tentando evitar uma valorização do real maior, acumulou reservas, quer dizer, nós ganhamos relações de troca. Ao longo desse período, nós fomos dando um passo aqui e outro passo ali na melhora do arcabouço fiscal, e aquilo que se chama taxa neutra de juros foi caindo lentamente.
É muito difícil calcular a taxa neutra de juros.
Existem técnicas econométricas para se tentar extrair isso. Infelizmente, muita gente não acredita em econometria e acha que isso é negacionismo, é terraplanismo ou coisa parecida. Não acho que seja isso. Não é inveja de ciência, não é inveja da Física, é só uma tentativa de ser fiel àquilo que, no fundo, testamos, hipóteses, para sabermos se essas hipóteses fazem sentido ou não.
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Eu diria o seguinte: a taxa neutra de juros no Brasil, que era da ordem de 5%, 6% ao ano, real, veio caindo, caindo. A última caída aconteceu quando o Governo acabou com a TJLP, criou a TLP, que tinha subsídio, dinheiro que ia para mãos que não deviam ir. Ali houve uma queda da taxa neutra. Aquilo que trouxe a taxa de juros implícita da dívida para baixo. Quer dizer, na medida em que fomos arrumando o nosso arcabouço fiscal, fomos reduzindo o custo da dívida. Esta última subida de taxa de juros que estamos vendo se deve muito à derrubada do arcabouço fiscal.
Agora eu vou fazer uma última observação. Talvez este seja o único ponto de divergência que tenho com o André, diz respeito à inflação. Evidentemente, esta inflação tem muitos choques de oferta. Eu não posso negar isso. O Brasil é um grande exportador de commodities. O maior parceiro comercial do Brasil é a China, que importa commodities: soja, milho, boi, porco, o diabo a quatro. Está muito à frente do segundo parceiro de exportações do Brasil, que é a Europa Ocidental. Está muito distante. A China é muito maior.
A China conseguiu sair muito bem desta pandemia. A sua economia cresceu. Os preços de commodities subiram. O efeito foi grande. E nós tivemos uma depreciação cambial, é verdade. Se você medir a inflação por classe de renda, verá que a inflação é muito maior nas classes de renda baixa. Sabe por quê? Porque o peso da alimentação no índice de preços é muito maior nas classes de renda baixa do que nas classes de renda alta. As classes de renda baixa foram penalizadas por desemprego e foram penalizadas por renda. Houve esse choque, e não há o que fazer. Quer dizer, ele vinha para o preço mesmo, a não ser que se subsidiasse isso tudo.
Nós tivemos a subida do preço do petróleo por pressão do monopólio da OPEP. Há apelos do Clinton, que pediu que eles aumentassem a oferta de petróleo. Eles se negaram. Subiu o preço do petróleo, e aí subiu o preço da gasolina, do diesel, mexendo com tudo, gerando um segundo tipo de choque de oferta, subiu também o preço do gás de cozinha, do gás de botijão, que, em grande parte, é consumido por classe de renda mais baixa. Isso também agravou esse tipo de problema.
Houve outro tipo de choque, que o André lembrou bem: o rompimento de cadeias de suprimento. A Fundação Getulio Vargas fez uma análise sobre as razões pelas quais caiu o índice de confiança na indústria. E caiu muito. É um indicador antecedente da produção industrial, que já estava lá em baixo. Ela nunca se recuperou da recessão de 2014, e continuou caindo, está caindo até agora.
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Perguntam o seguinte: por que caiu a sua confiança? É falta de mão de obra? É falta de demanda? É falta de crédito? Nenhum desses está dizendo que caiu a produção por isso. É falta de matérias-primas? Bom, 90% do ponto da queda é por falta de matéria-prima. Quer dizer, não se consegue produzir automóvel porque não há componentes eletrônicos. Não se consegue produzir bens duráveis de consumo, bem semiduráveis de consumo. Para qualquer demanda que exista, quando se contrai a oferta, sobe o preço. Isso é um choque de oferta. Agora, isso começa assim e, depois de algum tempo, vira outra coisa.
Nos últimos 2 meses, houve uma aceleração enorme de preço de serviços. A taxa de 12 meses de inflação de serviços está em 4%. A taxa trimestral anualizada está em 10%. A taxa mensal anualizada do último mês está em 14%. Qualquer economista sabe que, quando o marginal está acima da média, a média sobe. Nós estamos começando a assistir a outra componente que está vindo de demanda. Quer dizer, o Banco Central vai subir a taxa de juros. Eu acho que ele vai fazer o mandato dele. Certo ou errado, nós vamos assistir a isso.
Provavelmente, quando sair o PIB do terceiro trimestre de 2021, vocês vão tomar um susto, porque ele deve ter se contraído. Eu estou vendo o que está mostrando um economista chamado Claudio Considera, que já foi o chefe das contas nacionais do IBGE, hoje está na FGV do Rio de Janeiro e assessora o CODACE, que é o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos. E hoje há um artigo do Roberto Macedo na segunda página do jornal O Estado de S. Paulo. Começa a comentar os dados do Monitor do PIB sobre o terceiro trimestre. Nós vamos assistir a uma coisa dramática neste País: a subida de taxa de juros, com a economia encolhendo. Estou fazendo uma previsão: isso vai acontecer. O jeito que o Banco Central tem de fazer isso é o único que tem, que é operar quanto à taxa de juros. Há choques de ofertas sim, há propagações sobre demanda também.
Deixamos a desancoragem de expectativas subir muito mais do que já subiu aqui, naquilo que chamo de erro de 2011, cometido pelo Banco Central, quando o Banco Central tentou arbitrariamente trazer a taxa de juros para baixo para evitar que a economia brasileira se contraísse. Houve uma desancoragem, e a inflação subiu para o nível em que ela está hoje, o mesmo. Aquilo custou, a partir de 2014, uma recessão que foi a mais longa e mais profunda da nossa história, incluindo-se a recessão da crise da dívida externa dos anos 80. Eu suspeito que não vamos assistir a um negócio tão grave desta vez, mas acho que vamos assistir. E o instrumento monetário, numa situação como essa, tem menor eficácia, sem dúvida nenhuma. Há choques de oferta, mas isso não quer dizer que ele não tenha eficácia nenhuma. Ele também tem eficácia, e não porque a moeda explica a inflação.
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Eu não estou dizendo que aderi à Teoria Quantitativa da Moeda. Estou dizendo o seguinte: a inflação depende de um excesso de demanda em relação à oferta, e o que acabei de descrever é um processo no qual estamos assistindo a uma combinação de contração de oferta com expansão de demanda. Está se abrindo um hiato, e a abertura desse hiato produz inflação. O Banco Central não consegue fechar esse hiato aumentando a oferta. Para aumentar a oferta, é preciso, no fundo, ter capacidade de importar o que está faltando, se tiver. A indústria automobilística, por exemplo, não consegue produzir os semicondutores para poder produzir, por exemplo, o sistema de freios do automóvel, que é eletrônico. O sistema de ignição do automóvel é eletrônico. Não existe mais aquele negócio de trocar o giclê do carburador, limpar o carburador. É um outro bicho diferente. Há mais eletrônica no automóvel do que neste computador que está aqui na minha frente. Não se consegue resolver isso com importação. Ou se deixa a inflação desancorar e aí se faz uma recessão maior lá na frente, ou se faz uma recessão menor agora. Essa é a opção.
Eu não estou no Banco Central, estou aqui só olhando. Quem está lá é que vai ter que tomar a decisão. Vou lhe dizer o seguinte: é muito provável que aumente a taxa de juros e controle a inflação. Nós vamos pagar um custo, e esse custo seria muito menor se houvesse uma política fiscal decente e arrumada que tirasse os prêmios de risco. Como não há, tem que colocar um peso muito maior em cima da política monetária.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado, Dr. Affonso Pastore.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Pois não.
O SR. ANDRÉ LARA RESENDE - Já se passou meia hora do horário em que, imaginei, fôssemos terminar esta audiência. Então, vou ser ultrabreve. Vou fazer apenas alguns comentários.
Em relação ao Pastore, que conheço de longa data e com quem tenho tido grandes discussões — temos conversado e fomos parceiros em vários lugares, em vários debates, etc. —, eu posso discordar dele a respeito de alguns pontos, mas ele é sempre claro. Ele é sempre evidente, é muito racional, não foge à racionalidade. Portanto, tenho certeza de que, se eu sentar com o Pastore com mais tempo, nós vamos pelo menos saber claramente de que discordamos, por que discordamos e vamos testar as nossas discordâncias. Isso é um enorme alívio. Inclusive, quanto ao que o Pastore está defendendo, acho que a minha discordância em relação a ele, ou seja, não estamos de acordo, é sobre a percepção de como funciona hoje a fixação, a determinação da taxa de juros no mundo.
Essencialmente, como ele disse aqui de novo, ele raciocina com a ideia, que é a mais comum em economia, quase todo mundo raciocina assim, de que a taxa de juros é determinada equilibrando-se poupança e investimento. Mas há outra versão sobre isso, que já foi defendida lá atrás por Keynes, na Teoria Geral: a taxa de juros é determinada no mercado monetário. O que isso quer dizer? Em última instância — hoje eu não vou me alongar —, a taxa básica de juros é determinada pelo Banco Central.
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O Banco Central põe a taxa de juros nominal das reservas bancárias onde quiser. Essa taxa de juros fixada pelo Banco Central, a sua trajetória ao longo do tempo, determina toda a estrutura de taxas de juros na economia. Então, o Banco Central tem um instrumento nas mãos, a possibilidade de pôr a taxa de juros essencialmente onde quer. Não é completamente assim porque, como lembrou também o Prof. Pastore, existe uma percepção de risco, um spread de risco, que pode ser sobreposto a isso, sobretudo em longo prazo.
Essa é uma discussão técnica sobre gestão de dívida pública e funcionamento do mercado monetário. Nós temos alguma discordância sobre isso, mas é uma coisa que exige um seminário técnico para se discutir sobre esse tema.
Isso tem a ver, por exemplo, com a questão, tão mencionada aqui, das operações compromissadas. As operações compromissadas poderiam ser substituídas — o Banco Central sabe disso, eu já ouvi o Roberto Campos Neto falar sobre isso — simplesmente com a criação de depósitos voluntários remunerados à taxa básica no Banco Central, coisa que os bancos centrais no mundo já fazem, inclusive o FED. Assim, em vez de o Banco Central ter a necessidade de ter em carteira títulos do Tesouro e da dívida pública para usar nas operações de recompra, nas operações compromissadas, e esterilizar esse excesso de liquidez, esse excesso de liquidez de reservas seria simplesmente depositado à taxa básica SELIC no Banco Central. Com isso...
Com isso, acabaria o problema da discussão. Como disse, não é problema nenhum. Está se fazendo uma tempestade em copo d'água com essa questão das operações compromissadas. Com isso, a totalidade das operações compromissadas se transformaria em depósitos remunerados no Banco Central. É um passivo do Banco Central, mas os 25% que hoje são operações compromissadas, que exigem lastro em títulos do Tesouro, desapareceriam, e a dívida bruta passaria a ser muito mais próxima da dívida líquida, o que também reduziria essas complicações que o Deputado Mauro Benevides, que o Prof. Mauro Benevides falou na sua apresentação.
Muito bem, essa questão merece uma outra discussão, uma importante discussão. Fora isso, não temos discussão. Quanto a essa inflação ser transitória ou não, nós todos concordamos. As razões dessa virada da inflação no mundo, de um período de inflação completamente estável, até ameaçado de deflação, por um período de inflação, têm a ver com choques de oferta, restrições de oferta, preços de commodities e de energia. Se isso vai ou não se transformar em perda de controle, em inflação permanente, ninguém sabe. Eu acho que ainda não vai se transformar. Mas tem toda a razão. Inflação é muito de expectativa. Se houver mais 1 ou 2 anos de inflação alta, isso fica embutido nas expectativas, e fica muito mais difícil se vencer a inflação. Portanto, nós não temos discordância sobre isso.
Já em relação ao José Luis Oreiro, eu tenho bastantes discordâncias. Eu tenho bastantes discordâncias porque ele, primeiro, faz uma salada entre uma coisa e outra, e fica muito difícil de entender o que ele está defendendo. Há o que ele chama de MMT, e ele resolveu dizer o que chamo de MMT. Ele está descrevendo uma confusão de políticas, de propostas de políticas públicas, que algumas pessoas fazem, outras não, mas isso não é MMT. Aliás, como tenho dito várias vezes, jamais falo em MMT sobre o que estou descrevendo. Por quê? Porque a MMT criou essa mistificação política de controvérsia.
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É importantíssimo que a Câmara dos Deputados entenda economia e não que seja impressionada por economistas que dizem coisas que confundem. Parecem dizer: "Olhem, vocês não vão conseguir entender, porque esse é um assunto muito complexo, muito técnico, e só pessoas que estudaram por muitos anos conseguem discutir isso". É preciso simplificar. De fato, algumas questões são técnicas, mas tudo é capaz de ser compreendido por pessoas minimamente educadas na matéria. Toda vez em que alguém diz uma coisa que parece ser mais complicada do que realmente é e não se consegue entendê-la, eu tenho feito um esforço extraordinário no seguinte sentido: vamos simplificar, vamos fazer com que se entenda o que está em discussão. É muito claro.
Uma pergunta foi feita. Está correto, na minha opinião, o Banco Central do Brasil subir a taxa de juros nessas circunstâncias? Eu acho que não. O Banco Central do Brasil reduziu excessivamente a taxa de juros? Na minha opinião, sim, reduziu mais do que deveria ter reduzido. Nessas circunstâncias, subir a taxa de juros está errado? Não. A pressão inflacionária exigiria, inclusive do ponto de vista até de expectativas, de percepção, de credibilidade do Banco Central, que ele reagisse com o instrumento que tem. O instrumento dele é muito ruim para esse tipo de inflação. A taxa de juros é um mal instrumento nesse sentido. Agora, provavelmente ele teria que pelo menos elevar a taxa de juros, estabelecer — não gosto de usar esta expressão, porque, como disse o Pastore, é muito difícil saber exatamente o que é taxa de juros neutra —, no mínimo, uma taxa de juros real nula, não ficar com uma taxa de juros negativa em circunstâncias como essa.
É preciso subir a taxa de juros para 12%, 13%, 14%? É preciso subir com essa velocidade com que subiu? Eu acho que não. Mas ninguém tem uma resposta, não existe uma resposta técnica, correta sobre isso. Isso é uma parte de avaliação, de entendimento, etc. Na minha opinião, ao ver estudos, evidência empírica do mundo que conhecemos até agora, o instrumento taxa de juros perdeu o grande poder, especialmente sobre esse tipo de inflação que temos agora. O que ele vai provocar, como também foi mencionado aqui, é essencialmente uma recessão, o agravamento da recessão. Nós vamos ter, no ano que vem, recessão, aumento da taxa de juros, queda do investimento privado, porque a queda de juros compromete o investimento privado. Não é tão importante. O importante são expectativas e confiança. É a confusão política que compromete o investimento privado no País.
Há também esta condição, temos um orçamento em que o investimento público ficou completamente de mãos atadas, e nada pode ser feito, temos um quadro perfeito de extraordinária recessão e alto desemprego, revertendo-se a recuperação do emprego que vimos nos últimos meses deste ano, e vamos voltar a ter estagnação, recessão e desemprego.
Esse é um quadro. É isso que precisa ser entendido. Agora, o que fazer, de política, é claramente responsabilidade fiscal. A verdadeira responsabilidade fiscal não é equilibrar o orçamento a qualquer custo, em qualquer circunstância, é gastar bem, gastar direito. Pastore usou o conceito sobre o qual tenho escrito e me referido. Trata-se de gastar a taxa de retorno social. E, lembrou Pastore, não é o social da demagogia de transferência, é o retorno para a sociedade como um todo. Essa é a taxa de retorno que conta, é a do retorno para a sociedade, é a taxa que os economistas chamam de retorno do bem-estar social.
Isso é que precisa ser feito. Envolve uma revisão da governança do Estado brasileiro. Isso é que é importante. A governança da democracia representativa brasileira está beirando a disfuncionalidade. Não é à toa que vemos esse impasse no Congresso. Esse presidencialismo de coalizão está no limite da disfuncionalidade. Por isso, cria-se protagonismo do Judiciário, sobretudo do Supremo, o que também é muito perigoso.
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Portanto, é preciso pensar conjuntamente esse conceito. Não existe economia saudável, não existe (ininteligível) saudável se o Estado não for saudável, legítimo e bem tocado, com boa governança. Então, se o Estado é ruim, a primeira coisa que temos de fazer é corrigir o Estado e a governança do Estado.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Eu lhe agradeço muito, Dr. André Lara Resende, ao tempo em que peço mais uma vez ao senhor e especialmente ao Dr. Pastore que, se puderem, dediquem um tempo para ir à Câmara Federal, virtual ou presencialmente, para podermos conversar sobre economia com alguns dos Deputados que queiram. Eu lhes faço essa solicitação.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado, doutor.
Quando me convidaram para esta conferência, o tema proposto era Teoria Monetária Moderna. Portanto, seria uma discussão teórica. A literatura da Teoria Monetária Moderna tem sua origem nos Estados Unidos, nos escritos de Randall Wray e outros economistas. A minha apresentação foi baseada nessa literatura, porque foi esse o tema desta conferência. Eu não vim aqui para discutir as ideias do André; e o André, as do Pastore. Chamaram-me para discutir a Teoria Monetária Moderna, e foi isso que apresentei, como um economista acadêmico.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Dr. Oreiro.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Desculpe-me, eu não o estou interrompendo, não, só estou complementando o que eu disse. Eu me esqueci de dizer algo.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Pois não, fique à vontade.
O SR. JOSÉ LUIS OREIRO - Estou dizendo simplesmente que fui convidado para falar sobre esse tema. Então, vim aqui e apresentei a Teoria Monetária Moderna tal como ela existe na literatura nos Estados Unidos e aqui no Brasil. Inclusive, mostrei quais são os livros que são difundidos.
Eu não discordei das ideias do André ou da apresentação que o André faz sobre a Teoria Monetária Moderna. Eu deixei isso bem claro na minha apresentação e disse exatamente o que eu iria fazer. Mas dizer que a minha apresentação foi confusa? Olhe, se há uma coisa em relação à qual eu sou treinado é argumentação lógica. Acho que a minha apresentação não foi confusa.
Eu apresentei o que é a economia monetária moderna na literatura e as críticas que são feitas à teoria monetária moderna, e o André já incorporou boa parte delas. Então, este é o primeiro ponto.
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Perguntaram-me qual é a minha posição sobre a inclinação da curva de juros, se eu mantenho minha posição. Para nós discutirmos racionalmente inclinação de juros, nós temos que entender o que é taxa de juros de longo prazo. Taxa de juros de longo prazo nada mais é do que a média entre o valor corrente da taxa SELIC — a taxa SELIC de hoje, 2021 — e as expectativas que o mercado formula hoje a respeito da taxa de juros SELIC em 2022, em 2023, em 2024, e por aí vai. Se eu quero saber a taxa de juros de um título de 10 anos de maturidade, serão a taxa de juros de hoje e as expectativas que o mercado formula a respeito da taxa SELIC para os próximos anos.
Quando o Banco Central do Brasil fez, no fim do ano passado, a declaração de que a dinâmica da taxa de juros dependeria de o teto de gastos ser respeitado ou não, qual foi a expectativa que isso criou no mercado? A expectativa que se criou foi: "Parece que o Governo não está muito inclinado a atender ao teto de gastos. Portanto, isso significa que o Banco Central vai elevar a taxa de juros no futuro". Se o mercado está esperando que o Banco Central eleve a taxa de juros no futuro, a taxa de juros de longo prazo hoje aumenta. Muito da inclinação da curva de juros foi o forward guidance do Banco Central.
De fato, ao longo ano de 2021, nós tivemos um problema de aceleração da inflação. Este é um problema mundial, não apenas do Brasil, mas que tem idiossincrasias que são devidas ao Brasil. Quando o Prof. Pastore disse na sua apresentação que o real foi a moeda que mais se desvalorizou entre os países emergentes, ele estava certo. Contudo, ele apresentou a seguinte razão: "Isso foi por conta da desancoragem fiscal". Bem, eu quero apenas lembrar que existiram outros fatores que ocorreram simultaneamente a essa suposta desancoragem fiscal.
Primeiro, nós temos um Governo que é absolutamente negacionista do ponto de vista da política ambiental, o que afasta os investidores internacionais, porque eles têm que respeitar as regras de compliance nos países de origem. Portanto, quando se tem um Governo negacionista do ponto de vista do meio ambiente, isso, evidentemente, aumenta a percepção de risco por parte dos investidores internacionais.
Nós temos também um Governo que criou uma briga com seus principais parceiros comerciais, notadamente a China, durante os últimos 2 ou 3 anos. Isso leva a um aumento da percepção de risco. Por fim, nós tivemos um Governo que foi claramente negacionista do ponto de vista do combate à pandemia. Tudo isso leva ao aumento da percepção de risco por parte dos investidores internacionais, o que, por consequência, conduz ao aumento do prêmio do risco País.
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Trata-se, enfim, de razões que levam à desvalorização do câmbio e, consequentemente, ao aumento da inflação que não têm nada a ver com desancoragem fiscal. Isso está relacionado, sim, à conduta do próprio Governo, que levou a esta enorme desvalorização da taxa de câmbio, que levou ao aumento da inflação.
Quanto à pergunta que fizeram, se o Banco Central estava certo ou errado na condução da política econômica, se olharmos a reação dos bancos centrais nos países desenvolvidos, nos Estados Unidos a inflação acumulada em 12 meses já está em 6%; na Alemanha, a inflação acumulada em 12 meses já está acima de 4%. Na área do euro como um todo, a inflação também já está perto de 4%. Qual foi a resposta que o Federal Reserve Bank e o Banco Central Europeu deram a esse aumento da inflação? Nenhuma. Eles não aumentaram os juros. Continuaram com a política de juros zero. E qual foi o efeito sobre a taxa de juros de longo prazo, Cesar Mattos, na Europa? Zero.
A taxa de juros de longo de prazo simplesmente reflete as expectativas que o mercado tem sobre o desempenho, sobre o que o Banco Central vai fazer no futuro. Como os bancos centrais — o Federal Reserve Bank, o Banco Central Europeu, o Bank of England, o Bank of Japan — já disseram que não vão elevar os juros, o mercado mantém suas expectativas de juro futuro constante. Com isso, a taxa de juros de longo prazo fica baixa. Somente o Brasil está tendo reação à elevação da inflação. Isso não está acontecendo nos países desenvolvidos. Isso implica, se a taxa de juros SELIC chegar a 11% ao ano, como a maioria dos analistas tem projetado, um gasto adicional de 270 bilhões de reais, um aumento do custo de rolagem da dívida pública e uma enorme transferência de renda do Estado para os rentistas.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Dr. Oreiro, eu agradeço muito sua participação.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO - Alguém tem algum questionamento, Deputado Félix Mendonça Júnior, sobre o teto de gastos, porque, por onde eu ando, no Brasil inteiro, lá fora, todo mundo faz questionamentos sobre este ponto. Eu queria ouvir dos nossos consultores qual a percepção sobre este assunto, porque eu tenho um teto totalmente diferente daquele que a União exerce no nível federal.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Deputado Mauro Benevides Filho, eu gostaria de fazer apenas duas perguntas, na verdade, perguntas de ouvintes e uma pergunta do Bruno Pimenta, do e-Democracia: "A dívida brasileira é o principal componente do gasto público e, mesmo assim, segundo audiência no Tribunal de Contas da União, seu dispêndio nunca suportou investimentos em infraestrutura, somente endereçava a preferência de recursos para o mercado especulativo. Se isso é verdadeiro, nossa dívida é ilegítima?"
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O SR. MAURO BENEVIDES FILHO - Há que se falar na capacidade do Governo de investir, de expandir a atividade econômica, de fazer crowding in. O setor público investe num porto, e vem o setor privado e agrega valor naquilo em que ele está investindo.
Nós gastamos aqui 2 bilhões no Porto de Pecém e conseguimos trazer uma siderúrgica para cá, com um investimento de 26 bilhões de reais. Há, portanto, um relacionamento, um efeito crowding in, entre o investimento público e o investimento privado. O Ministro fala muito apenas em investimento privado, diz que este seria capaz, sozinho, de retirar a economia brasileira da situação em que se encontra, mas, na pergunta, ele diz que ninguém leva em conta o pagamento da despesa financeira, inclusive em detrimento do investimento. Isso é verdade.
O Brasil gasta muito mais no seu componente de despesa financeira do que com investimento. Basta olhar os números: neste ano, foram 420 bilhões de juros e 30 de investimentos. Portanto, não é preciso ser PHD em economia para compreender que o processo de alocação de recursos do Brasil está todo errado, como não é preciso fazer uma grande elaboração de raciocínio em relação a este entendimento.
A castração do teto de gastos, já que não existe teto, é outro erro grave. Se é para haver o teto de gastos, deveria se pensar, pelo menos, em alguma relação com o crescimento real do PIB. O PIB aumenta em termos reais, eu aumento minha receita de maneira brutal. Aí eu vario meu gasto somente pela variação da inflação, ainda mais colocando o investimento dentro. Isso está acabando com o País. Tem que se impor o teto de gastos na despesa primária corrente. Se isso não for feito, o Brasil não vai crescer.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Obrigado, Deputado Mauro Benevides Filho.
É triste vermos o que acontece com o Brasil. Nós vemos que nós mesmos, na Câmara dos Deputados, não conseguimos ajustar isso. Há pessoas como V.Exa., Deputado, e outras que estão buscando que se entenda este problema desta política econômica, que é tão grave para as gerações futuras.
Se nossos consultores quiserem fazer mais alguma pergunta, fiquem à vontade. Eu tenho uma pergunta para o Prof. Marcos Antonio Tavares Soares, que se encontra presente em um plenário da Casa. O Prof. Marcos Antonio é representante do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior.
É uma satisfação poder dialogar com todos. Parabenizo o CEDES pela iniciativa, o Deputado Félix Mendonça Júnior, que está conduzindo os trabalhos.
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Por que eu falo isso? Eu percebo, Deputado, que, quando nós falamos em dívida pública, para além do debate técnico, que é necessário, como foi feito aqui, é importante pensar na questão social. Eu acho que o incômodo que o Deputado apresenta e para o qual chama a atenção diz respeito à emenda constitucional conhecida como emenda do teto de gastos sociais, por exemplo.
Para pensar a dívida pública e seus mecanismos de reprodução, que alimentam o rentismo parasitário no nosso País, nós precisamos pensar a dívida social, os problemas estruturais deste País, que não foram resolvidos. O Deputado falou de 30 anos, é verdade, mas nossos problemas estruturais têm mais de 30 anos. Eu entendi, o Deputado quis pegar os últimos 30 anos, mas o Brasil apresenta problemas estruturais desde sempre, desde, por exemplo, a abolição da escravatura, quando houve uma emboscada para que a população negra ficasse sem emprego, sem ocupação, sem um espaço para poder plantar. Como não houve a reforma agrária, várias dívidas vão se agravando neste processo.
Por isso, são importantes os pontos que o Deputado destacou e que nós queremos reforçar do ponto de vista da discussão da dívida pública. Nós queremos pensar na auditoria desta dívida pública, com a participação social — aliás, a Câmara dos Deputados já a aprovou algumas vezes, mas houve o veto presidencial —, para chegarmos à raiz desta questão, que alimenta esse rentismo parasitário que é responsável por muitas mortes neste País.
A COVID tem matado muito, e nós precisamos ter uma política de combate ao vírus, mas precisamos ter uma política de combate a esta política macroeconômica que mata muita gente, que segrega, que desemprega. O número de desempregados cresce o tempo todo, a taxa de participação da força de trabalho diminui, e, ainda assim, insiste-se numa política que dá errado do ponto de vista social. Do ponto de vista dos rentistas, ela atende aos seus interesses, como já foi dito aqui também por vocês.
Diante disso, eu queria ouvir um pouco o Deputado sobre a possibilidade de se fortalecer esta auditoria, com participação social — não se trata apenas de uma auditoria técnica, em gabinete fechado. Eu queria ouvir sobre a possibilidade de nós fortalecermos esta luta junto com a Auditoria Cidadã da Dívida, que faz um trabalho excepcional, porque a saída de recursos tem sido muito grande ao longo de todo esse tempo.
Com relação à Teoria Quantitativa da Moeda, eu penso que ela tira a camisa de força dessa política macroeconômica que tem dado errado há vários anos. O que gera riqueza? O que gera riqueza não é o financeiro. O Deputado aborda este ponto quando fala do Orçamento, lembrando que existe a parte financeira, sobre a qual ninguém quer comentar, ninguém quer discutir, porque está correta. Mas nós precisamos discuti-la, porque sai muito dinheiro para poucos, os rentistas.
Quando nós pensamos na Teoria Monetária Moderna, vemos que ela está tirando essa camisa de força. São ideias que vêm de Keynes e Kalecki, ideias que, na verdade, não são tão novas, mas são importantes. Kalecki dizia por que os industriais — leia-se "capitalistas" — não queriam discutir uma política de pleno emprego. Eles queriam, entre outras coisas, uma política como esta de ajuste fiscal e de recessão, porque ela disciplina os trabalhadores, reduz o número de postos de trabalho, joga milhões de pessoas no desemprego e tira o poder de reação e de organização da classe trabalhadora. Portanto, uma funcionalidade já havia sido revelada nos anos 30, por exemplo.
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Por isso, eu acho importante a força que a Teoria Monetária Moderna vem tomando no período mais recente, na medida em que ela liberta, pelo menos, os economistas mais técnicos da possibilidade de pensarem de outra forma, como o André e o Deputado têm feito.
Eu queria, portanto, ouvir um pouco sobre a possibilidade de, na Câmara dos Deputados e na sociedade brasileira, nós avançarmos com políticas que tiram essa camisa de força. A política quantitativa da moeda, que rege as políticas macroeconômicas atualmente, é o que leva a toda essa preocupação de ter a PEC do teto de gastos, porque é preciso fazer uma contração de gastos para se poder pagar os juros da dívida e, com isso, mata-se muita gente.
Eu gostaria de ouvir um pouco mais sobre a possibilidade de nós continuarmos fortalecendo a luta para a revogação da PEC do teto de gastos, da PEC 32, que está dentro da mesma lógica da política quantitativa da moeda, e da PEC 23, que está indo para o Senado e tem jabutis, como o esquema da securitização, que nós precisamos barrar. Do contrário, o Estado vai se comprometer ainda mais com os rentistas, vinculando impostos para isso. O resultado é que haverá menos recursos para a saúde e para a educação, recursos que já vêm caindo cada vez mais nos últimos anos. O Governo tem sangrado o orçamento da educação e da saúde.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO - Na realidade, o entendimento de alguns colegas e, sobretudo, da imprensa, que também tem um pouco de influência do segmento dos fundos de pensão, do sistema financeiro, é o seguinte: se eu aumento a taxa de juros de 2% para 9%, portanto, são 7% a mais, e associo parte da dívida que é a SELIC, que é inflação também e que vai até mais o percentual, ocorre um acréscimo de gasto do Governo. Eu ouvi o Prof. Oreiro falar em 270 bilhões de reais, mas acho que será muito mais, tendo em vista o tamanho que os juros vão representar principalmente nos próximos 4 ou 5 meses.
O entendimento deste segmento da população brasileira é que isso é uma dívida dada, tem que ser pago, não é para ser discutido. Eu queria discutir se a taxa de juros deveria subir de 2% para 5%, ou de 2% para 9%, ou, ainda, se ela não deveria subir. No entanto, esta discussão não ocorre. Eu tenho participado de debates praticamente com todas as instituições bancárias brasileiras e tenho ido aos fundos de pensão, já fui à XP três vezes, mas a percepção deles em relação a este compromisso é que isso não pode ser discutido de maneira absoluta, nada. Isso é uma coisa dada.
O gasto primário tem que ser discutido. Eu só posso pagar o auxílio emergencial, por exemplo, se eu for cortando a despesa primária. O fato é que eu não posso pensar em outra engenharia econômica que possa viabilizar mais 30 bilhões de reais, 35 bilhões de reais ou 39 bilhões de reais. Então, 39 bilhões de reais é muito dinheiro, e 400 bilhões de reais não é pouco dinheiro — ele é acrescido automaticamente.
Diante disso, Marcos, essa sua colocação tem muito a ver com esse garroteamento que o teto de gastos tem feito sobretudo na educação e na saúde, o que acaba gerando conflitos distributivos no País.
O número é pequeno: 20.100 brasileiros receberam 290 bilhões de reais em dividendos e pagaram zero de Imposto de Renda — zero! —, e todo mundo acha isso lindo no Brasil: "Está muito certo. Isso é assim mesmo".
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Estas coisas não são de difícil entendimento. Trata-se muito mais de uma posição dogmática, ou de defesa de lobby mesmo. Eu acho que também neste ponto V.Exa. tem razão: esta é a despesa do lobby, que conseguiu, como eu disse nas minhas palavras, colocar salmão na cesta básica. Já pensaram nisso? O engraçado é que isso não sai em canto nenhum, há uma resistência. Aliás, o Valor Econômico fez uma entrevista comigo, umas 2 ou 3 semanas atrás, e eu finalmente consegui soltar esta questão para as pessoas refletirem.
O Brasil não tem muito problema de receita. Com três ou quatro medidas, você pode fazer um acréscimo de receita e um social muito mais extenso e incluir as pessoas que precisam. Eu realmente estou preocupado, porque o auxílio emergencial era pago a 39 milhões de brasileiros, e agora vão aumentar de 14 milhões para 17 milhões. Então, 22 milhões de brasileiros e brasileiras no próximo mês não terão absolutamente nada para receber.
Qual é o contraponto do Ministério da Economia? "Fique tranquilo, Deputado. Já, já o mercado vai expandir o número de empregos, e, portanto, essas pessoas serão absorvidas pelo novo estágio de crescimento econômico da economia brasileira." Nós vamos ter crescimento em 2022? Será que eu entendi direito o que o Governo quis dizer? Eu também tenho minhas dúvidas, porque o que está precificado hoje é que a economia crescerá no máximo 0,7% em 2022, enquanto, no caso de algumas instituições, já estão colocando um crescimento de -0,2% em 2022.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Deputado Mauro Benevides, eu vou fazer uma pergunta, antes de encerrarmos.
Minha pergunta vai para o Dr. José Luis. Cada 1% de aumento da taxa SELIC representa algo em torno de 35 bilhões ou 40 bilhões ao ano de custo real para o Brasil — o que vai ser pago, o que faz parte de toda a arrecadação. Um palestrante disse que os gastos são feitos de forma errada, porque há grupos de pressão.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO - Este é, talvez, o mais forte e o mais significativo em termos financeiros, não só no poder de pressão, mas também no tamanho que representa a drenagem dos recursos da peça orçamentária brasileira.
Deputado Félix, eu já viajei a pelo menos 20 Estados no Brasil e já visitei todas as instituições financeiras. É muito raro alguém saber que o Orçamento da União é de 4 trilhões e 300 milhões de reais: "Eu vi na Folha que é de 1,5 trilhão de reais". "Eu vi que é de 1 trilhão 586 milhões de reais." É muito raro alguém dizer que o Orçamento da União é de 4 trilhões e 300 milhões de reais. Por que isso? Porque, para eles e para nós que somos do Congresso — a propósito, V.Exa. tem tido um desempenho extraordinário —, esta é uma despesa dada, uma despesa que não é para ser discutida.
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Como V.Exa. colocou na sua pergunta, e toda pergunta inteligente já tem uma resposta a ser apresentada, o lobby é muito forte. Até no processo de discussão, eles são fortes, porque esta discussão não está presente. Eu já tive a oportunidade de discutir isso com o Prof. Oreiro. Eles são muito fortes, eles têm força, pressão e tamanho financeiro. Além disso, eles são organizados e competentes.
Eu vou relatar em 50 segundos o que aconteceu comigo na Comissão de Finanças e Tributação. Deputado Félix, V.Exa. também é doutor nisso! Ao meio-dia, na Comissão de Finanças, eu comentei que a PEC 45 diminuía a carga tributária do sistema bancário brasileiro. Depois, eu explico por quê. Isso ocorreu ao meio-dia, e não ocorreu no plenário, que tem uma dimensão, tem televisão. Ocorreu na Comissão, com 30 Deputados e umas 10 pessoas que estavam nos ouvindo falar.
Às 2 horas da tarde, eu recebo uma ligação da instituição que congrega os bancos, cujo nome não vou mencionar. O Presidente disse: "Deputado, nós soubemos do comentário que você fez sobre a questão da carga tributária do sistema bancário. Nós estamos querendo entender ainda melhor a sua colocação, compreender a extensão disso, o que para nós é muito importante". Vejam a abordagem deles!
Em vez de reclamarem — olha só como são habilidosos, Félix! —, em vez de virem para cima de mim, eles queriam compreender melhor a argumentação que tinha sido proferida. Portanto, eles são competentes, são fortes, detêm a maior fatia do Orçamento, realmente sabem se estruturar e ainda são muito delicados.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - O engraçado, Deputado Benevides, é que, quando nós tratamos de economia, parece que esta metade da arrecadação brasileira some — ela não é discutida. A Previdência vira um problema sério para o País: ou o Brasil resolve a Previdência, ou a economia acaba. Depois veio a PEC dos Precatórios, agora vem a reforma administrativa. Se nós voltamos muito tempo atrás, chegamos à saúva.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Nós precisamos levantar este ponto, trazer palestrantes para a Câmara Federal, para que os Deputados desta Legislatura e os próximos que virão possam debater este assunto com a seriedade e com o patriotismo devidos, porque esta é uma questão de patriotismo, mais do que qualquer outra coisa.
O SR. MAURO BENEVIDES FILHO - Deputado Félix, eu quero dizer que V.Exa. não imagina a contribuição que está dando ao País, não apenas à Bahia, por levantar este tema. Já faz anos que estes aspectos têm que ser realçados para a população brasileira. Portanto, eu estou muito feliz por ter V.Exa. ao nosso lado.
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O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Sou seu aluno, mestre! Sou seu aluno.
O SR. JOSÉ LUIS OREIRO - Deputado, eu gostaria de tecer algumas considerações na linha do que disse o Deputado Mauro Benevides. Antes de mais nada, eu quero agradecer ao Deputado, que certamente tem uma agenda muito atarefada, mas que se manteve até o fim desta audiência pública. Nós estamos aqui servindo à República, e, muitas vezes, os interesses particulares têm que ser deixados de lado. Portanto, meus parabéns, Deputado Mauro Benevides!
De fato, o maior grupo de pressão ou de lobby que existe no Brasil é o mercado financeiro. Eles exercem isso, Deputado Félix, por diversos mecanismos. Primeiro, pela imprensa, pela grande imprensa. Nós temos três jornais, não vou citar nomes, mas nós temos três grandes jornais de circulação diária, jornais que são mais gerais, entre os quais um é especializado em temas econômicos. Você vai folheando os jornais, ou lendo o que agora é digital, mas vê a importância que os anúncios do mercado financeiro têm para a receita desses periódicos. Eu já fiquei sabendo que um deles, o de São Paulo, é mantido por um banco. Com isso, é muito difícil a imprensa abrir espaço para os economistas com uma visão crítica a esta política econômica. Eles vão escutar a quem? Os economistas do mercado financeiro. Os economistas do mercado financeiro vão refletir os interesses dos seus empregadores. Esta é a verdade.
Portanto, temos a imprensa, a televisão, bem como a pressão do que, há algum tempo, foi chamado de jogo de espelhos. O mercado conversa com o Banco Central: "Eu acho que a inflação vai ser 'x'. Então, você vai ter que subir os juros". Aí, o Banco Central diz: "Dada a expectativa do mercado, eu tenho que subir os juros".
Mais recentemente, nós tivemos um episódio nada republicano, diga-se de passagem, em que o Presidente do Banco Central do Brasil, num telefonema privado para um dirigente de banco de investimento — também não é preciso citar o nome —, simplesmente perguntou: "Qual é o limite mínimo de queda da taxa SELIC que você acha que haverá?" Ele não podia ter feito assim.
É lógico que este é um debate relevante, em termos de política monetária, para se saber até onde se podem reduzir os juros. Mas isso tinha que ser feito de que maneira? Tinha que ser feito publicamente, por intermédio de um seminário organizado pelo Departamento de Pesquisas Econômicas do Banco Central, em que seriam convidados economistas da Academia, do Banco Central e do centro financeiro para debater. Não se pode pegar um telefone e dizer: "Você acha que é quanto?" Aí fulano diz: "Eu acho que está muito baixo, que o Brasil não está preparado para isso". É o "eu acho, eu acho". Isso não pode acontecer.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Sem querer interromper o senhor, mas eu acho que se trata de algo muito relevante, realmente saiu no noticiário. Vamos trazer este assunto à Câmara Federal, para ser esclarecido esse "achismo".
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Essa conversa realmente tem que acontecer na Câmara Federal, para esclarecermos a população e, assim, esta saber o que acontece nos bastidores.
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O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Muito obrigado, Sr. José Luis.
Eu queria perguntar aos nossos consultores e ao Deputado Mauro Benevides se alguém tem mais algo a acrescentar. A palavra está franqueada. Se ninguém tem nada a falar, eu vou declarar encerrada a presente reunião, agradecendo a todos mais uma vez. Foi muito produtiva nossa reunião. Espero que tenhamos mais duas ou três reuniões deste tipo e que sejam apimentadas mesmo! Reunião boa é quando está apimentada! Se não tiver pimenta, não serve. Isso faz parte.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Vamos tentar mudar isso. Vamos ter novas oportunidades. Com certeza, aqui nós fazemos o que melhor para o Brasil.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Como?
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Não, não posso esquecê-lo.
Alguns não estão mais presentes, porque nós alongamos muito nossa reunião. Mas eu acho que nós vamos precisar debater, sim, este tema na Câmara Federal, em simpósios, especialmente por ser um tema do "economês", um assunto que poucos conhecem. Nós precisamos simplificá-lo e levá-lo na linguagem popular. Digo isso principalmente aos Deputados e aos Senadores, para que possam conhecer este tema e tomarmos as atitudes necessárias. São as atitudes que os políticos tomam que vão se refletir nos próximos 10, 20 ou 30 anos para os brasileiros. Portanto, é importante que tenhamos um debate como este.
O SR. PRESIDENTE (Félix Mendonça Júnior. PDT - BA) - Juliana, que coordena tudo, muito obrigado. A Juliana é nossa coordenadora, quem nos orienta sempre.
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